Ficção Impura - Livro

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O l.

rtr()r

tcrr em mos uma


nlrr d I.u.t' tI;ta-se de uma anlise

l,t c lrrcida do contemjlnno,


e$s;t regio incerta que
Irot
lralrtl.urrcx c sobre a qual nem
rrlr r rl)t c satrenros o que dizer.
Ft tgf .t(

Nao o caso de Therezinha


, Nao sonrente ela sabe
rrrrrrto tlerr que dizer, como
B.trlrter'f

oerc.c.e ulrra sntese crtica e cria-

tlv,r d;r proeluo atual da prosa


tk: icao ra literatura brasileira.
Nerte livro, o claro enigma do
c()t ttclr rporrreo se transforma
cn

r corpreenso

renovada do
(fuc se tenr feito de melhor em
I

tossas letras.

Seguindo o agudo olhar da


arrtora, trs movimentos devem
ser destacados.

A insero das letras no


nrercado anunciou um modelo
ntuito distinto do escritor funciorrrio publico, caracterstico
da vida literria brasileira.
Therezinha Barbieri possui o
nrrito de antecipar o tipo de
produo que se torna cada dia
nrais comum

- a de obras

escritas

por encomenda, na imagem do


ficcionista como mercador de
nal'rativas.

Em seguida, Therezinha
nrostra o dilogo da literatura
e

ot as formas aud iovisuais.

.ata-se de tema cada vez mais


irrrgtor"tante, pois, desde a

Fico lttpLrra
prosa brasileira dos anos 7 0, 80 e 90

Ther ezinha Barbieri

Hfr
Reitora

Nilca Freire
llice-retor

Celso Pereira de

Fico lrttPLrra
ed

ue rf

prosa brasileira dos anos 7 0, 80 e 90

EDITORA DA TJNIVERSIDADE DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO

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Conselho Bditorial

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Csar Benjamim

Ferreira Gr-rllar
Francisco CarLlso Nero

Ivo Barbieri (Presidenre)

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Jos Ar-rgusto Nlessias

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Luiz Bernardo Leire Arajo

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ed
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Rio de Janeiro
2003

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Oolryrigh

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'lrcJos os

dircitos desta edio reservados lctirora da Llnivcrsidade clo lsrado do lio

2003, 'l'herezinha Barbieri

dc Janciro. A rcprodutl integral ou parcial do tcxto poder ser teita medianrc aurorizao
da cditora.

rdLrtrJ

llditora da tlNIVltSIDADI DO |SI'ADO DO tlO Dt JANttRO

Rua So lrancisco Xavier, 524 - Maracan


20550-013 - Iio dc Janeiro -R
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Renata Sampaio e Solange Nascimentcr
Carlora Rios & Gordiecf f
i\4aria lrtima de Mattos

A Dirce e Ivo
c{l ALocAo

NA loN't'r

UE IJ/RI] DE SI II US/PROl

11223

/{I'

llarbieri,'1-herezinha.
Fico impura : prosa brasileira dos anos 70, g0 e 90 |
'l'herezinha Barbicri. lio dc
Janciro : I]dtlIRJ, 2003.

l2l

p.

ISBN

85-751 1-050_0

1. lico brasileira - Sc. XX


conferncias. I.'l'rulo.

Discursos, ensaios,

cDU 969.0(sI)-3,'lg"
O apoio da Faperj, por meio de bolsa concedida no perodo de Z00l

a 2003, p<lssibilitou a realizao da pesquisa que originou esrc livro.

Sumrio

refcio ...

Rober{o Arze /o re , o uza

II

Proposies...

11

[-etras no

27

III

( le

simulacro

5.3

IV

Contracenando conl a t-lisrria

77

\i
Re

nas

clo

(,'repr-isculo cla

ferncias

nlucJana.

bibliogrficas

l0T
1 15

Preltcio
Roberto Aczelo de Souza

Threfa das mais difceis no campo dos estudos literrios sem dvida o enfrenmmento analtico da produo conrempornea. Inicialmente, a difculdade decorre do carter fluido
da prpria noo de contemporaneidade, cujos limites e feio
no , possvel esmbelecer seno com boa dose de arbtrio.
Depois, vem o fato de no haver suficiente distanciamento
hisrrico em relao aos objetos estudados, traduzido em tradio interpretativa e judicativa mais ou menos consolidada, o
que na pior das hipteses sempre fornece ao estudioso um
confortvel ponto de partida.
O presente ensaio de Therezinha Barbieri se movimenta exatamente nesse terreno instvel do contemporneo e
o faz com segurana conceitual que logo se percebe em seu
primeiro captulo. Ali se determin a o perodo a ser investigado:
a segunda memde do sculo XX, mediante um rapidssimo
traaelling pelas dcadas de 50 e 60, a que se segue um compacro dos anos 70, at, se alcanar o foco principal do estudo, as
dcadas de 80 e 90, submetidas a demoradas e minuciosas
tomadas em closes. Estabelecem-se ainda os centros de interesse que estruturam e orientam as anlises: as relaes entre
produ o literria e mercado; os contatos do literrio com ourras linguagens da mdia atual, especialmente com o cinema; os
vnculos por oposio complementar entre fico e histria,
particularmente conforme concebidos pelas obras de fico em
prosa publicadas no Brasil durante a poca estudada.
Explicitados os conceitos que fundamentam a investigao hauridos, bas rcamente, effi fontes como Erwin

t0

PREFACIO

Panofsky, Octavio paz,


Bernhild Boie, Hayden Whire, paul
Veyne' R' G' collingwood,
Marrin Fonrius, lJmberro Eco,
lalo
calvino -' seguem-se anlises
de um amplo e variado conjunro
de textos e autores' num
procedimento que harmo
nizadescries de interesse historiolrfico
afinal,
g0
os
anos
e g0 jse
credenciam como intererr.,
da histria rircrria coff juzos
decorrentes dos critrios
crticos discuridos e adotados.
Tornam-se assim objeto de
consideraes analticas,
entre ourros,
escritores como srgio
sanr'Anna, loo Silvrio
Tievisan,
Gilberto Noll' Rubem Fonseca,
Joo
Ana Miranda, Jos Robe*o
Torero' clemente Pozenato,
Diogo Mainardi, Edgar Telles
Ribeiro' Fernando Gabeira,
Jos J. veiga, Isaas pessorri,
alguns dos quais' diga-se
de passage', muiro provavermente,
pela primeira vez concemplados
em livro de ensaios. Assim,
por
meio de criteriosas escolhas
de aspecros discernveis
nas
obras
dos autores selecionados,
prererido o caminho de
valorizao
delas pelo que possam
ter de especfico e singu lar,vai
sendo
construdo um atraente
panorama de nossa prosa
de
fico
das
duas ltimas dcadas
do sculo Xx, chegando-se
mes'o, nas
palavras da autora, ouIT
gesto ao mesmo tempo
ousado
e cauteloso' a Ievanmr-se a "ponta
da cortina', que ainda encobre
percursos que mal se
anunciam neste incio
do novo scuro.
Este livro, enfim, por sua
capacidade de comparibi
rizar
rigor de proposio com
sensibilidae crrica, e
ainda
por
se
consticuir representante
das senpre raras incurses
ensasticas
sisremricas peros caminhos
da riterarur
se torn ar' rererncia
parao pbrico em
listas interessados nos
rumos complexos e contradirrios
que o
vm trilhando enrre ns
dos anos 80 aros
ffit;""":;:'

#1 -:J:i".:J:::

Proposies

tertasc,,#,'#;;;,:;;,';::",;::;;;;;*i"J.:i[
ro esboar o alcance do conceito de perodo hiscrico, isto
cl

A palaara fivqentemene rlesempenha


'refercnte sem

o papel cle
abandonar o de signo, e, na /erura,

uaencamos uma conscinca


brda, metade

sign,frca

te, metade

agin

a n t.

Jean-paul Sarrre

iviso da

FIis

, "a

trta eff partes discernveis", rejeita tanto

posio daqueles eue, em norne da invariabilidade fundamenral da natueza humao, professam a inutilidade do estabelecirento de diferenas significativas entre as geraes que se

sucedern, quanto a posio dnqueles que, en' non-e da


nutabilidade constante e individualrzada dos seres humanos,
proclarnarn a inutilidade de qualquer tentativa de red uztr as
diferenas a um denominador comunl. Quanto ao primeiro
argumento, de carter monista, Panofsky recornenda
abandon -lo pela simples razo de que, sc fosse verdadeiro,
tudo seria possvel eln todos os lugares e em todos os momenros, o que torn afta a His trra, por definio, impossvel. O
segundo argumento, de carter atomista, contrn em si neslno
a contradio que logicarnente o inviabihza, o medida em que

pretende reduzir os perodos aos nornes das inovaes decisivas, o gue necessariamente pressupe a alterao de ur-a constante, relativamente qual a inovao aparece como uma varirrel. Fara que o historiador (ou o crtico) possa determinar o
tcmpo e o lugar de uma inovao, precisa no s aceitar e
clefnir a direo de tal constante, como determinar se a soluo do indivduo uma inovao decisiva. A seguir, Panofsky
PANOFSKI Errvin. Renascntentct

e renascimentos na arte ocidertta/. Tiaclu-

o de Fernando Neves. Lisboa:

resena, 1 98 1 , pp

13-21

l4

PROPOSTES

atribui maior relevncia aos perodos curros, nas inovaes


individuais, e maior propriedade aos perodos mais lgngos,
nas designaes genricas. A durao desses perodos pode
abranger uma gerao ou um sculo; sua caactenza,o deve
ser cuidadosamente elaborada segundo os rempos e lugares,
e constantemente reelaborada consoante os progressos da
investigao. Chamando a ateno para a dificuldade de concordncia sobre "o momento e lugar exatos do comeo e
do
fim de um perodo ou megaperodo", panofsky alerra que
"no deveramos fazer o mnimo
esforo para nos pr de
acordo a respeito de numerosos casos". Prosseguindo, o
autor
observa que " a prpria definio de perodo como fase
marcada por uma mudana de direo implica, simultan
eamente' continuidade e ruptura". Quanto dificuldade de
descrever, de modo satisfatrio, a fisionomia de um perodo,
Panofsky a compara s dificuldades que remos de precisar
os
momentos e as caractersticas que individual izam cada
ser
humano, mas isso no nos impede de "formar uma imagem
de sua personalidade nica e total".
Com base em mis conceitos relativos natu eza e
extenso dos perodos histricos no campo das arres,
meu
propsito investigar parte da produo da prosa
narrariva
de fico no Brasil dos anos 80, verifcando antecipaes
nas
vertentes dos 70 e observando derivaes pelos g0.
Dentro
'Ce um corpus to amplo como a produo do perodo,
selecionei e recortei a obra de alguns ficcionisms
gue, levando em conta a posio de relevo conferida pela acei tao
crtica e a ressonncia nos ambienres de upr""i ao
literria,
me permitissem detectar traos de um perfil reconhecvel
como o dos anos 80 e 90. Atenm agu deza de
raciocnio de
Panofsky, historiador da arte dos mais credenciados
de nosso
tempo, busco situar-me diante das trs dcadas com
o cuidaco de quem pisa terreno instvel, sujeiro a rransformaes.
De faro, no d para considerar o rempo em paura como
perodo acabado, visto estarem os autores estudados
ainda
((--=

PRoPostrs

t5

cpr firsc produtiva. Por outro lado, meu trabalho no se car.ilcr ctl.a como estudo de uma gerao, pois nele figuram
cujas idades, tempos e interesses so bastante dife1c tciados. A tnica, atravs da qual procuro, nesse espectro
tlivcrsificado, ver rraos confguradores de um momento com
lsionomia prpria, , o enfoque das obras sempre visualrzadas
plcronimicamente como partes de um conjunto que se deserrhrr a partir delas e que se d em perspectiva alm da singrrlaridade de cada uma. Orientada pelas bias de risco jogurlns por Panofsky, evito tanto o monismo que apaga as difercnas quanro o aromismo que impede o estabelecimento de
rclires. Movendo-me por entre marcos (obras), assinalo marcirsi (aspectos) que me permimm vislumbrar o risc de um mapa
irinda por desenhar. Por isso, no pretendo confnar narrativas
tlc frco em territrios demarcados e excludentes. O ensasffio,
tonalidade salienre do individualismo contemporneo, atravessa
o corpo da ficcionalidade. Aqui, a voz de Ulla Mussaraz me
irjuda, no s quando diz que a introduo de autores, editores,
lcirores chama ateno para a obliterao de limites entre fico e no-fco, mas sobretudo quando aponta para as reflexcs, na atividade discursiva, gu se tornam comentrios
ntctalingsticos, o que pode ser detectado na relao do texto
corl outros textos, nas referncias cruzadas, intratextuais e
irrrcrrexruais . Talvez seja esta a linha de maior fora no presenrc rrabalho, empenhado em escutar a voz da literatura no espao sacurado de signos pertencentes aos mais diversos sistemas
scnriticos e em permanente intercmbio entre si.
A recorrncia de ndices metaficcionais denuncia,
c()r^ freqncia, a presena do literrio a toda hora invadindo
o nvel da elaborao ficcional, o que constitui constante
lrcm caracterstica do perodo em questo. O artigo de Nolle
p( )rcs

in Postmodernist Txts: The


lonvenrions of the Novel and the Multiplication of the Narrative
Irrstances". In: Exploriug Pctstmodemism. Amsterdam/Filadlfia: Iohn

MLISSARA, Ulla. "Narrarive Discours


(

lcrrjirmins, 1990, pp. 215-41.

PROPOSTES

PRoPosrrs

IJatt, "Nouvelle fiction des annes quarre-vingr,,,


publicado
na revista Europe, confirma essa suposio. Segundo
a auto' os anos 80 seriam o perodo de capiral rzao,
err que
jovens escritores assimilaram os princpios
da me *frco.
Etquanto os anos 50 e 60 so caacterizados por
uma rendncia denncia das agimes de ordem
psicolgica e social
decorrentes dos sistemas polricos, econmicos
e adminisrrativos, a dc ada de 7a, que sucede q.reres
anos de
engajamento e ao, epresenta uma fico
reflexiva que
dialoga com a prpria literatura e com
a crrica. Lembrando
A triloga de Noaa Yor, de Paul Ausrer, Batt
expe o seguinte pensamento: "Se os anos 60 foram marcados
pela contestao e os 70 pelo distanciamenro irnico,
os anos g0 se
caracterizam pela livre coexistncia ,cas
diferenas, das contradies, no s entre as obras, mas
at, no interior ,ce uma
mesma obra" preciso assinalar que
a autora se refere,
"l
sobretudo, produo literria norte-americana.
Mas, embora no haja coincidncia de dcadas, o
perfl que Batt levanta em relao aos Estados lJnidos aplica-se
n geral nossa
fico contempornea.
Se certo que nos deparamos com
uma pluralidade
de caminhos, com alternativas desencontradas
e at, mesmo
com certa anarquia formal, isso ainda
no suficienre paa
afirmar a impossibilidade de apreenso
do carter prprio de
determinado tempo. Nem deve ral
disperso levar a juzos

apocalpticos como: a literatura est


morrendo. Sintomas de crise
do literrio ante o poder de concorrncia
dos meios de comunicao de massa esto a mesmo
para atesmr a vimlidade
do

sistema literrio' E ainda que seja


premaruro, ao menos no
estgio atual de minha pesquisa,
prerender identificar indcios
de um paradigma , perfeitamenre vrvel
dere ctar rraos
de uma fisionomia prpria em nossa recenre
produo lire-

BATT, Nolle. "Nouvelle ficrion des


annes quarre-ving t,. Europr, paris,
1990,

n. 733,

p.

67.

l7

rilt irr. l',nt nu hacla na rede de intercmbios semiticos, dispuldtttlo c,s[):"to no mercado de mil e uma ofertas, fecundando-se
!l( I ('( )l t lro dc outros discursos verbais, a narativa ltterrta
tlt' 'it'itt) sc apresenta, hoje, mais do que ontem, com mlt iplrrs lrcctils. Neste trabalho, trs aspectos ganharam relevo
lrir r rr ( ) csrudo dessa produo: a) profissionahzao da escriI t; lr ) i rt tcrcmbio intersemitico; c) comut ao histria-fico.

Octavio Paz, em A outra uoz, acende vivamente a


tlist'ttssitrt sobre literatura e mercado. Por meio de um movilllcllto clc nlo dupla, oo ir-e-vir da negao e da afirmao, da
It'ltc,ltlia c da aceitao, o tema vai ganhando corpo. Reconhet'clltlo (luc o jogo de alto risco, Paz afirma sua crena na
t, i t

rrirr cla qualidade:


As arces mais prejudicadas pela absoro do mercado [...] rm
sido, justamente, as que aparentemente se beneficiam: a pintLlra e o romance, convertidos em objeto de consumo. Como

julgar todas essas mudanasi De um lado, a inrroduo do


critrio de rentabilidade em urn campo dominado por valores

t lr

rrr:l;;td I: ::: d ;:*:' ;

Secamente, o escritor indica os elos na cadeia do me rcadesenha o circuito produo-circulao-consumo, usan-

t I tlttl'ldo

tlo rl linguagem do mundo dos negcios: "O auror produz obictos clc consumo (livros), que o editor manufatura e distribui
('ltrc os consumidores (leitores)". Empunha a arma da crttca
(f rlrlltcltl, discernindo que "a lgica do
mercado no a da
litcritttlr", constata que o comrcio literrio hoje movido por
I I n lt
l)ostura meramente econmica:
l'A7,, Ocravio. A outra oox. Tiaduo de Wladir Dupont. So Paulo:
Siciliurro, 1993, p. I14.

tg

PRoPoSrES

t...] o valor supremo o nmero de compradores de Llm


livro. Ganhar dinheiro legtimo; tambm o , produzir
livros para o "grande pblico"; mas uma literatura morre e
uma sociedade se deg rada se o propsito bsico a publicao de best-se llers e de obras de entretenimento e de consumo popular. [...] r ,r"res a popularidade coincide com a
excelncia da obra.s

Paz aponta a seguir sinais favorveis: "embora poucos, no des prezveis". O mercado multiplica as tradues e
favorece a proliferao de revistas consagradas exclusivamente
literatura, oxigenando "uma irmandade internacional de apaixonados pela arle potica, e estes grupos se comunicam entre si
por cima das fronteiras lingsticas e polticas".6 Paz sabe que
impossvel lutar contra a onipresena do mercado ou negar
seus benefcios. No encanto, adverte do perigo a que ficam
expostas artes e literatura:
t...] no se vem ameaadas por uma doutrina oll um partido poltico onisciente mas sim por um processo econmico
sem rosto, sem alma e sem rumo. O mercado , circular.
Algum me dir que, sua maneira, o mercado jusro.
Thlvez. VIas cego e surdo, no ama a literattrra nem o
risco, no sabe nem pode escolher. Sua censLrra no ideolgica: no tem idias. Sabe de preos, no de valores.T

Movendo-se pendularmente, o ensasta admite prejuzos e benefcios paa a literatura e as artes, em raz.o da presena do mercado. Se por um lado o critrio da rentabilidade
degrada as artes, por outro estimula a produo artstica.
Marx foi bem mais longe na crtica fetich izao da mer-

i
"
7

Idem, p. 106.
Idem, p. 1 1 5.
ldem, pp. 133-4.

PRoPosrrs

l9

t'iltlnti:t, ('olo sc ver, no prximo capruIo. Mas Paz fala seduItititlll('lltc ltos cluvidos de nosso tempo. O valor de seu ensaio
resltlc" l)rincipnlmente, o reao do poeta diante da
ll l('l (';ll l t ili 'r,ao da poesia. Antena ligada no presente,
ele deI t'('l ll sittrtis de perigo e distribui avisos
aos que navegam nas
lllt'tillrls iigtras que ele. Como no se trata de uma voz qualquer,
lllits :l tlc (luem soube sobrepor e fazer valer o valor da poesia,
lt'ito torn-lo como ndice de um fenmeno mais geral.
No h dvida de que ocravio Paz auror inscrito
ll( I lcrcacJo internacional da literatura. Suas obras ocupam
trrrlll trtia considervel do mercado do livro, no s no Mxit'o c la Amrica Hispntca, mas tambm no Brasil, Estados
llrritlos c Europa. No o caso de ind agar se o mercado se
('ttl.votl ao valor de sua escrita ou se foi sua escrita
que
t'crlctt ito mercado, como se mercado e escritor fossem duas
lirrrr.s contrapostas e separadas. A verdade que Paz,
escrevclttlrl numa poca em que o livro se tornou me cadoria
ittscrita no circuito de produo, circulao e consumo, ne('c:risrtriamente deve sofrer as conseqncias
de ml situ ao.

Ncssc mundo, escrever se tornou uma profisso, e a


l)r'o'ission ahzao da escrita alterou, no s externamente

('()lo intimamente, a maneira de conceber, pensar,


produzir,
l)c rcc ber e consumir literatura.
A profissionaliza,o do escritor se reflere na fico dos
irrrori t0 e 90 no Brasil sob a forma de ateno para
com o
Ptiblico leitor. A atitude de escndalo das vanguardas moderItistits agora substituda por uma vonrade de dilogo com
t'istas a ampliar o universo de leitores. No que o escritor,
pura
c: 'sirnplesmente, tenha sucumbido s facilidades
e rentaes do
rcrcado. O autor mais exigente andar sempre s turras com
clc' t vezes, o conflito se explicita de forma dramtica e ,
ccionalmente tematizado, como se ver no captulo seguinte.
O livro inserido no fluxo das mercadorias, ora agarando-se
i't trma franja de pblico que resiste bravamenre padron
iza,o,
ora abrigando-se nas margens ou investindo impetuoso
no es-

PRoPosrrs

PROPOSIES

20

pao j romado por outros producos, trava dura batalha em oufra

frente: a competio com os meios de comunicao de massa.


A co-ocorrncia e a concorrncia de uma multiplicidade de discursos estimulam a literatura a encrar em comrcio com outros
sisremas semiricos, aumentando o grau de hibridismo da narratrva ficcional. O romance, desde suas origens, senpre operou
com a palavra misra. [Jm s pargrafo do clssico de Forster,
Aspectos do romanc, suficienre para situar a questo:
que no
[...] o romance uma massa formidvel e to amorfa
possui sequer uma rnontanha a ser escalada, nem Parnaso oll
Hlicon, nem rnesmo um Pisga. Especificando: Llma das
reas mais midas da liceracura - irrigada por Llma cencena de
riachos, degenerando-se ocasionalmente num pntano. No
me admira que os poetas desp ezem-no, embora algumas vezes
encontrem-se nele por acidente. E no me surpreende a irritao
dos historiadores quando, por acaso, descobrem-no entre eles.8

Combinando dirio, confisso, biograf,ra, cart\ anedot, dilogo, teatro, cenas de rua, panfleto, caricatura' pardia,
provrbios, reflexo, fbula, mito, histria, o romance historicamente "no se constri como o universo de uma s conscincia, mas como universo de interao de vrias conscincias,
oncle nenhuma se tornou inteiramente objeto da outra", como
incisivamenre ponrua Mikhail Bakhtine a respeito do que denomina "romance polifnico de Dostoievski".') A fico brasileira
dos 80 e 90 acenrua o carter de discurso encenado no espao
de inrercurso discursivo, com particularidades que o distinguem
da merfora de Forsrer umidade "irrigada por uma centena
de riachos" e da polifonia dostoievskiana segundo Bakhtine.
Os ficcionistas conremporneos, respirando espetculo por toda
r, FORSTER, Eclward M.
"

{p ectos

2l

c, nlovendo-se por entre as redes de diversos sistemas


5('rrriolrigicos, expostos ao do rdio, cinema, televiso, jotrrirl, rcvistas, caazeq anncios etc., apuram o timbre da voz
pru't

litcniria, definitivamente abandonada qualquer veleidade de


poc:sirr pura ou especificidade de uma srie isolada, como pret('nrlirrrrr os formalistas russos. Mas com forte sentido de orient rrir ) (lue evita o pntano forsteriano.
Afirmando que a palavra da fico contempornea ,
u rir pal ava impura, acredito estar na direo para onde sol)r.rr os ventos. Isto, porm, no suficiente. Devo precisar
rrriris o hibridismo que percebo. Sirnulacro , o termo que agora
nrc: convm, porque, alm de acenar para uma salincia muito

visvcl no cenrio da cultura de nosso tempo, promete cercar


('()nr rrrais preciso aspectos recorrentes na fico dos 80 e 90.
A propsito, Simulacros , o ttulo sintomtrco do ronrrucc de Srgio Sant'Anna publicado em 1977. Nele, o narrador
)rca por situar os personagens diante da perspectiva de
I c rc rrr de se despir de suas personalidades para assumir os
1rir1lis que devem representar. Nesse jogo de cena, em que a
lilrcrrlade est em questo, a representao fccional funciona
r'oro o real da representao teatral. E, representao da ret)t.c:scntao, o duplamente representado se torna a base da
f it't'ionalidade. Em L'Homme el ses simulacres, Bernhild Boie
cst rrrl<lu a significao de que se revestem reflexos, manequins,
iuttrnttos, fantoches, efgies, retratos no romantismo alemo.
( irrrstatando que o poeta romntico ea em busca de sua prlrrirr iclcntidade, a autora afirma que ele encontava nas efgies
tlo lronrem os atores de um espetculo derrisrio. Citando a
lrlrr rlc Jacques em Como gostais "O mundo inteiro um
lrrrlco" , diz que ela fez sonhar todos os romnticos, gue a
t'rtrrvrr, recriavam e encenavam, assimilando a existncia a efeitori rlc teatro e seres perdidos a personagens em seus labirintos.

('(

do rontance. Tiaduo de Maria Helena

I\,larcins. Porto Alegre: Globo, 1969, p. 3.


BAKHTINE, Mikh al. Problrnes de la potque de Dostrtieasli. Tiaduo de

G,ry Verret. Lausanne: L'ge de I'Homme,

1,970.

As significaes do tema so to mltiplas qLranto suas for-

mas. Englobam toda a gama de sentido qLre vai do jogo

22

PRoPoslrs

PROPOSIES

leve e livre da arre ao jogo derrisrio, fatidicamente teatral,


que o aror se oferece a si mesmo. A existncia pois tagdia ou farsa, algumas vezes at vazto puro e puro especculo visual que arrasta a ao representada e a ao conno senrido de um desdobramento nadificante. O

remplada

faz-de-conta da cena e o cerimonial absurdo da vida se repetem sem termo. , por meio do exotismo do teatro que
a existncia levada sua mais simples e

fiel

expresso.r0

Drzer simplesmente que no romantismo o simulacro


rinha um valor positivo, ao passo que na contemporaneidade se
esvaziou de sentido, invertendo de enro para c o sinal que o
marcava, parece-me simpli rrcar por demais a questo. Se por
um lado os objeros e meios de representao se multiplicaram
e diversifrcaram ao ponro da mais trivial banalizao, por outro
oferecem ao ficcionisra de nossos dias abundncia de meios
para signifr ca, inclusive a carncia de significao. Assim, podese dtzer que o consumo no-reflexivo evidencia autom atrzao
das massas sujeitas ao bombardeio cotidiano dos meios, situaliterria que se aproo rumin ada criticamenre pela narrativa
pria do sirnulacro como arma de combate. Sob esse ngulo, os
simulacros de que se vale o ficcionista seriam alternativas para
figurar o carter insubsmncial de vidas inautnticas. Amplificando o carter de aparncia da representao, o simulacro mostra
verses falsas e modos falsificados de acesso realidade. Marca
idenrificadora de uma poca, torna aparentes mscaras do vazio. Em outros termos, valendo-me da complexa e precisa formulao de Wolfgang Iser: "O simulacro um produto de inveno sofisticada que revela a artificialidade de dar forma a

uma ftg, rao fantasmtica".r

BOIE, Bernhild. l'Homme et ses smu/acres, essa sur le romautisrue allernaud.


Paris: Jos Corti, t979, PP. l0l-?.
ISER, Wolgfang. Tlte Fictioe and the Imaginary Charting Literary
Antltropology. Bakimore: The Johns Hopkins [Jniversity Press, 1993, pp.
300-

1.

23

Na ltima parte de Ana em Vennq Joo Silvrio Tievisan


c1;l<rca Alberto Nepomuceno, o protagonista do romance, frence
i trcnte com um jornalista para uma entrevista gravada. Mudando
ir brusca de cenrio, de repente nos encontramos no frnal
no
ambienmda
sculo )O(, ao passo que a narrativa estava toda
X lX. Porta- voz do auror, o entrevistado percorre pauta atualizrrcla do debate incelecrual de hoje, passando pela vanguarda,
rrrrc moderna, mercado, manipulao da massa e pela tradicionul falta de apoio ao trabalho do artista srio no Brasil. Provorrclcr pelo jornalisa, Nepomuceno explode numa ctica virulenta
(:onrra o poder de manipulao das informaes pela mdia e a
rurrogncia das redaes, concluindo o desabafo com estas frases:
lJsam a realidade para mostrar que esco acima dela, e por
isso escarnecem dela. Assim garantem seus quinze mrnutos
de glria na vitrine perversa da mdia. Manipulando a ealidade e a prpria conscincia da realidade. E u pior ditadura desre final do sculo XX no Brasil. E isso me d muito
medo, se voc quiser saber.lZ

Apesar da veemncia do ataque, a dimenso mais


c:'icicnce da crtica talvez estej a na maneira como foi concebida
l crrrevista, inserida no final de um romance narrado maneirrt dc uma biografia solidamente fundamentada em pesquisas
rlrr poca em que transcorre a ao. A repentina ruptura de
ut"rr sistemttca de trabalho, coesa e coerentemente sustentatlrr rro longo de quinhentas pginas, j , em si motivo de iml)rr(:ro. Mais ainda o ritual da entrevista, que pe frente a
Ncl)or-luceno um jornalista prepotente, repetidor de clichs,
ir rconsciente de seu dogmatismo e ignorncia, e desnuda o
:r tr rnrato que se escora na maquinaria da comunicao. Sinulando seriedade, a entrevista, fccionalmente montada, faz
'f
I

'lIVISAN,
()()4,

[). 541.

Joo Silvrio. Ana em Veneza. Z ed. So Paulo: Best-Seller,

PROPOSTES

PROPOSTOeS

do esperculo jornalstico um duplo de si mesffio, isto , um

r( )r:.ulesca se apresentam como emprstimos feitos pelo ronlucc ao filme".l'3 Depois dc ter observado que o homem
notlcrno aprendeu a dissociar o absoluto do verdadeiro, atribui
r tr.ldana de planos e ao mtodo hiperobj"tivo de descrever
ir itlia de que o narrador ser em situao, dotado de um
lx)rto de vista particular, e que toda proposio relativa a uma
l)crsonagem vara segundo o ngulo de tomada e a distncia
r:r clue se coloca para efetu ,-la.ta Por a abre-se o caminho
l)n rrr concluir que o interesse do estudo deriva menos do que
lrotlc trazer em relao a preocupaes com a tcnica do que
cn rclao aos esclarecimentos relativos a uma condio geral
( r rc , atualmente aquela da literatura. r't
|
Tentei fazer uma sondagem do mundo contempornco por meio da literatura. Inevi t,vel d tze que discurso
lristrrriogrfico e escrita ficcional se cruzam no mesmo tabuleir(), rtparentados no s quanto ao objetivo comum, que o de
irr t c rpretar o sentido da atividade humar, mas tambm
cntrosaclos como formas de linguageffi, ambos mesclando ensrtio c narrativa. Busquei apoio em Machado de Assis quando,
srtlrcclor de que , impossvel conceber a Histrta dissocrada da
prt lrtvra escrita, forjou quase que um provrbio na frase: "A
I listriria no um simples quadro de acontecimentos; mais,
(r () vcrbo feito livro".1 Na leitura de Ivo Barbieri, paa
N'l rtchado a Histria no constitui barreira imaginao do
f it't:ionista, nem aquela se anula com a intromisso desta.
( )rrrlc o historiador no entra, l penetra o narrador literrio,
tt it r plra violentar ou distorcer a Histri ,t7 mas para desen-

24

simulacro. Apropriando-se da linguagem jotnalsti c, o


ficcionista deixa transparecer de seu texto a inteno crtica,
ranro mais efraz na medida em que no se trata de pardia,
caricatura ou stira. Mais adequado seria, no caso, falar de ironia, se ao termo se atribui o sentido de duplicidade do discurso,
que se articula a si resmo representando o do outro.

Reincidncias de jogo interdiscursivo com que esbarramos a cada passo na fico contempornea se ampliam
para o intercmbio com sistemas semiolgicos. Estereotipada sob o clich "eta da imagenf", a cultura de nosso tempo
, francamente dominada pelos meios audiovisuais. Desse
modo, depois de tanros anos de predomnio do signo icnico,
no , estranho que a narrativa hterrra se tenha impregnado
de visualidade. Cativos do individual concreto, estamos de
tal forma habituados a pensar por imagens que o conceitual
e abstrato freqentemente nos escapa.
Dentre as mltiplas possibilidades de dilogo entre
letra e imagem, vou-me limi ta ao intercmbio entre literatura
e cinema. Assim, quando me referir ao parentesco de Hotel
Atlntico, de Joo Gilberto Noll, com Paris Texas, de Wim
Wenders, no estarei apenas tentando verificar pontos de encontro do escritor de hoje com o cineasta de hoje, mas visarei
sobretudo ao contgio de linguagens. Sabida a importncia
atribuda tcnica de narrar na modernidade, tanto no cinema
quanto no romance, como se evidencia atravs da recusa
linearidade, da fragmentao do discurso, da atomizao do
tempo, da relevncia do ponto de vista, da diversidade de vozes
narrativas, da faka de homogeneidade semntica, da dissonncia
de elementos jrrrtapostos e da desordem na seqenciao dos
episdios, busco sintonia com o sentido de tais inovaes. Em
L'ge du romam amtiricain. estudo clssico das relaes entre

cinema e romance que abrange um perodo ureo de ambos


nos Estados lJnidos, Claude-Edmond Magny afirma: "Quase
todas as novidades introduzidas pelos americanos na tcnica

'r N'lA(;N Claude-Eclmond.


I l).4().
ltlcrn, p. ll2.
r' lrlcnr, p. 249.

25

L'ge clu romau amrcain. Paris: Seuil, 1948,

lr' ASSIS, Machado de. O Espelho, ?3 our. 1859.


tt ltAllIIrRI, Ivo. "Nas dobras das ambigiclades de Esa e Jaci'. Tempo
lru.ilciro,, Rio de Janeiro, n. 81, abr./jun. 1985, pp. Z?-31 e "Machaclo e
ir I Iiscrria: um tempo de longa durao".
)r
| rrto Alegre, n. 1 , 1995, pp. l9-?9.

Espe/ho

Reaista Macltadiana,

26

PROPOSIES

rranhar de fonte imagin rta o que d' vida His t6rta. Cito
Collingwood, que me parece cal ar esras consideraes:
"Enquanro obras de imaginao, no diferem os crabalhos do
hisroriador e do romancisra. Diferem enquanto a imagin a'o
do historiador pretende Ser verdadeira" .rB
Alm da plausibilidade histrica de que se revestem
episdios ficcionais ao serem postos em contato com fatos hisrricos e do carter ficrcio que assumem acontecimentos histricos ao se misturarem matrta ficcional, mais uma vez me
siruei na perspecriva de uma conscincia bifronte, encarando
de fren[e o real sem perder de vista o possvel. A obra de fco
exposra s vicissitudes do mercado, a palavra lite rrra em dilogo com signos icnicos e o jogo intertextual do discurso
novelsrico com o discurso histrico bahzam esta viagem por
denrro da naativa ficcional dos anos 80 e 90. No drstico
recorre a que me vi obrigada a submeter a diversificadssima
produo do perodo, selecionei aqueles textos que se afiguravam, no andar do estudo, mais adequados compreenso da
literatura na histria dos anos em curso.

II COLLINGWOOD, R. G. A idia da Histriria. 7 ed. Tiaduo de Alberto


Freire. Lisboa: Presen, 1989, p. 283.

II
Letras no Mercado

(,, r,c

Jr no corre sangue m nossas aeias, corr dinheiro.


Ezra Pound

-r

{::;::J,?J:* ;: "1', ::: l,:;

p cricritor as leis i-placveis do mercado e, com elas acoplada,


ir l)rcmncia de sua profissional rzao. Colsidero Rubem Fonsccu, uffi dos escritores de maior repercusso nas ltimas dcatlus, o prortipo do escriror inserido no mercado. Ironicamente,
r:r lt{o & Spattanzani refere-se ao tema recorrente do livro
c-n(luanto mercadoria e a si mesmo como profissional da escritill" - "eu no snu funcionrio pblico, como o Sr., s ganho se
t rrrll:.rlho, meu livro novo est muito atrasado, [...] precis ava
cs(:r'cvcr um Bafo & Spattanzani a cada dois anos" , ou
1c(.cssiclade das redundncias e clichs para seduzir mais faciln r(: r

tc o leitor:
Volrei p^a o quarro e tentei escrever Bufo & Spallanzani.
t...] "No inventa, por favor. Voc tem leitores fiis, d a
eles o que eles querem", drzta o meu editor. A coisa mais
difcil para o escritor , dar o que o leitor quer' pela razo
muico simples de que o leitor no sabe o que quer' sabe o
que no quer, como todo mundo; e o que ele no quer' de
fato, so coisas muito novas, diferentes do que est acostllmado a consumir.zo

A irlirr clc iniciar esre capculo focalzando o livro de Rubem Fonseca me


()corrcs rro ler "Fico 80: dobradias & vicrines", de Flora Sssekind. Rer,tkt rlo Irusi/, Rio cle Janeiro: Secrearia de Cincia e Cultura, n.5, 1986.
l,'( )NSlC4,', Rubem . Bufr 6 Spatlanzani, Rio de Janeiro: Francisco Alves,
f

()l{.5,

p.

170.

30

LETRAS

NO MERCADO

que
J no serve ao escritor de hoje o prestgio de
desfru tava no passado, quando ainda empenhado no compromisso de fundao da nacionalidade, com todas as decorrncias
ideolgicas que impl rcr.va o empreendimento coletivo que visava construo do Estado-nao. No tempo em que conceiros que o aureolavam entram em profunda crise e seu tradicional prcstgio, em declnio, a mercadoria que produz fica internamente afetada: o livro e o escritor mesmo, postos venda,
so mercadologicamenre dimensionados em funo de seu valor

de croca. enro que escrever significa entrar na disputa de


um lugar no mercado independentemente da vontade explcita
do autor. S que agora quase impossvel ele no tomar conhecimento da rede em que seu trabalho se emaranha. Sintomaticamence, Srgio Sant'Anna intitulou "O duelo" o conto em
que tematiza a discusso do escritor com seu editor.
Enquanto no modernismo um Drummond circunscrevia a produo potica luta com as palavras , tarefa rdua e
solitria, agora o contista se situa em outro horizonte, onde
escrever terar armas com personagens estranhos e annimos, imprecisamente visualizados sob a vaga figura de um
desrinarrio sem rosro - esgrima travad a luz da opinio pbica
e que no mais "prossegue nas ruas do sono" , presso decisiva do inconscienre na potica individualista do modernismo.
Alm de lutar pela expresso, o escritor necessita agora lutar
por uma brecha no espao pblico onde se mercad"jam opinies. E a notoriedade, mesmo a que dura qui nze minutos,
aquela a que se referia Andy Warhol com humor, , um fato do
mercado. Grandes tiragens e grandes vendas, sobretudo a partir dos anos 80, no so mais a exceo reservada a alguns
poucos autores "poprlistas", como foi o caso notrio e solitrio
de Jorge Amado at alguns anos atrs. Data da dcada de 80
o comparecimento semanal, na lista dos mais vendidos, no
apenas de ficcionistas consagrados como Rubem Fonseca, mas
at de escritores estreantes como ocorreu com Ana Miranda
fenmeno que tende a se acentuar no incio dos 90.

LETRAS

NO MERCADO

3t

l)aradoxalmente, essa expanso de mercado para o


iutr()t' tlciclnal, ndice aparente de crescimento no consumo do
ltvto, sc d num contexto de empobrecimento cultural generaIrerrtlo. Desnudado o descalabro da educao, pblica e privarlr. t:ortabilizados os ndices ainda altssimos de analfabetismo
irlrsolrrto (32%), vislumbrada a extenso ocenica do analfabeIrsrrro rcal (os cerca de 80% que efetivamente no lem) e a
nrcxisrncia de uma rede efetiva de bibliotecas e livrarias, fica
r nlr:rcado do livro vergonhosamente encolhido dentro de um
urri\/crso de mais de 150 milhes de habitantes. Diante de tal
(f urrrlro' cabe ainda a agu deza crtica do narrador de /tora da
c'tlt t'/t, de Clarice Lispector, aprisionado no crculo sufocante
,lc sul prpria classe e consciente de que ler "suprfluo para
rlu('n tcm uma leve fome permanente", conformando-se, enI rio, l() "papel de vlvula de escape da vida massacrante da
ntritlirr burguesia".2r Empenhados na ruptura desse crculo,
rr'11'L:ricntantes da gera,o dos 80 aceitam duelar com os meios
rlt' ('()runicao de massa. Competir por mais espao para o
lrvro ro mercado de consumo de massas assume ento signifir';rrlo cclucativo-cultural, impropriamente comensurado pelo
nrr('rcssc puramente econmico que caracterza a disputa no
( (rirrcio da mercadoria fetichrzada. O trao distintivo do pror lr r t r r litc rrro em relao s mercadorias produ zidas em srie e
rlrstrilludas em redes que cativam a massa consumidora assir r rr lrr u rra diferena d. qualidade, consubstanci ada no inadmis\t\'(:l rlc qualquer padron tzao da escrita e na recusa
r('l)(:titividade da produo em srie - pontos salientes da disrortlirr (lue cava um fosso no dilogo-duelo entre escritor e
rrlitrrr. lrnquanto a fala deste ltimo corre na freqncia reificada
r lr r r u ndo dos negcios, a daquele situa-se na faixa da voz
1rr'rs()r'ilrzada. Tl desencontro salta aos olhos do leitor, tanto
n ( )s tcxtos de Fonseca quanto no conto de Sant'Anna. A
Ll.SI)lC'['OR, Clarice. hnra da estrela. Rio de aneiro: Jos Olympio,
l')77 , p. 38.

r
LETRAS
LETRAS

32

ficcional do debate faz aflorar a responsabilidade


e pelo
do escritor pela tarefa de que no pode ser alienado
simplesmenre
alcance do pblico porencial que no pode ser
como se o escritor
abandonado aos mecanismos do mercado.
universo de leitoconremporneo, empenhado na expanso do
didtica' o
res, acrescentasse a seus textos uma dimenso
e a leitura
escriror assume a misso de "alfab ezador" literrio,

remar rzao

linguagem aberta
da obr a faz-se espao de aprend rzagem de uma

da misa no-iniciados. Diante de uma escola que se demitiu


o prazer da
so de culrivar o gosro pelas lerras e de estimular
escritos
seus
leitura, o escriror parece decidido a desrilar em
,.lies de leitu a" . Obviamente , tata-se de uma "did tca"
o
muito especial, como nitidamenre intuiu Proust, segundo
, dar-lhe
qual rudo o que o escritor pode em relao ao leitor
corpo da lecra
desejos, no lhe fornecer respostas.zz Erozar o
t,tca assdua e forremenre posra em praca pelo fccionista
o desejo da
contemporneo, para suscitar e sustenmr no leitor
manter o
leirura. A ate e o engenho de seduzir o pblico e
o texto pela
interesse do leitor nem sempre significa degradar
(1978),
de Raduan
(Jm
copo de clera
vulgaridade ou ban ahzao.
Abreu'
Nassar, e Morangos mofados (lgz), de caio Fernando
vigor
seu
so exemplos de como a escrira ertica pode fundar
contundence na economia de meios e conreno da linguagemfaz
F,um momenro em "O duelo" em que srgio Sant'Anna
da
o narrador se justif ca dianre do leitor em razo da cru eza
essa
linguagem e da ocorrncia de perverses da escrira
,,de tinta movente" ) pois "h horas em que o relato
cobrinha
que
no pode prescindir de certa cLreza" , embora reconhea
homem
,,as
descries sexuais perderam todo o atativo para o
um
moderno, eroticamente blas, a menos que Se acrescen;e

elemento discorcido, btzarro at" '?3


CarmSobre a leitura' Z ed. Tiaduo de Carlos Vogt'
pinas: Pontes, 199L, P. 30.
23 SANT'ANNA, Srgio. A senhorta Simpsort. So Paulo: ComPanhia clas

22

PROUST Marcel.

Letras, 1989, P.?5.

NO MERCADO

33

NO MERCADO

expanso do mercado do livro, de que partlclpa o

poltica promovida mais pela dinmica sociocultural


rlc algumas iniciativas isoladas do que pela a,o sistemtica
clrrs agncias educarivas e de prograffas ofciais de cultura.
ld irores esclarecidos, enrre os quais fguras ilustres do porte
clc um Jos Olympio e um nio Silvei a, e uns poucos livreiros
(lpsaclos formam com autores novos e consagrados a linha de
ticnte no processo de extenso do raio de alcance de nossa
lircrarura. E de justia registrar que os cursos de Letras, effi
nvcl de gradu ao e de ps-gradu ao, vm h algumas dcaelns sustentando uma luta, nem sempre gloriosa e, s vezes,
dcsviada em incurses segregacionistas de discursos dobrados
r95rc si mesmos. De outra par[e, sem a fora de'atuao .dos
rlccnios de 50 e 60, os suplementos hterrios e as resenhas em
pcrirdicos exercem ainda o papel de instncias de mediao
etrrc o livro e o pblico ledor. Se acrescenmrmos a esses agentcs rrs feiras e bienais que se sucedem com regularidade nas
cnJ)itais, especialmenre no eixo Rio-So Paulo, teremos esboatlo o ffrapa com as artrias principais por onde circula o fluxo
bibliogrfico em nossos dias no Brasil.
O feirio da fico dos anos 80 e 90 apresenta traos
pirrcrntes do empenho do ficcionista em resgatar da massa
irrtlitcrcnciada do pblico mais e mais leitores ativos e prontos
rl lxrrrilhar o jogo lirerrio. Em lugar de um leitor fechado em
lrcu pcqueno mundo, como o garoto Marcel de Em busca do
tentpo perdido, os ficcionisras atuais se empenham em atrair
lcitorcs exposros ao bombardeio dos meios de comunicao de
nlirssa. O discurso narrativo no mais oculta o dilogo que dentro
tlclc sc instala com as formas de expresso prprias desses
rrrcios c a linguagem literria em fase de mutao. Ao ler qualrprc:r gra dessas narrativas mais recentes, tem-se a i-presso
tlc, rrssistir a atores que representam, effi vez de acompanhar
especfico da
lrt: rsorrgcns em processo de autodesvelamento
niu'rirtivir lrterrta. Em A sen/torila Simpson, de Srgio Sant'Ano,
lr()r cxcnrplo, a prpria intimidade do inconsciente surpreen-

escriror,

LETRAS

34

LETRAS

NO MERCADO

e de imagens correl
dida arravs de flashes cinem atogrficos
narrativa deriva para uma
tes na comunicao de massa. A
meios em que se atropelam
espcie de empasreramenro de
exerccios de ioga'
aluses a filmes, romances anglo-americanos'
e caricaturas banais de
movimenros e ritmos do mi-chi-chuan
ingls. Por outro lado, eSsas
um banal livro-texro de ensino de
das ringuagens banal tzadas
apropriaes pero discurso narrativo
modulado na clave
pela mdia no sufocam o fluxo confessional
prevalece a tnica da intimida narrariva memorialisra em que
em srgio Sant'Anna'
dade aurobiogrfca, ainda que a confisso
de assumir a mscara
revi rada pelo avesso, chegue a ponto
e da amplificao
cabotina da auropromoo narcsica
no
aspectos paroxsticos que' entretanto'

autoglorificadora

elidem a modalidade confessional-memorialista-autobiogrfica


anrquico, o texto de
da engenharia narrativa. Aparentemente
do jogo fccional, meSrgio sant,Anna empastela, oo espao
embaralhamento
mria, sensao, imaginao, documenrao,
movimentos inconsciende flagrantes externos, apreenses de
de linguagem, traa na
res erc. Combinando registros mltiplos
de significao espessa e
sinuosidade de seu percurso figuras
jtttape elementos
mltipla. A escrita heterclita, que
um de seus
e, s vezes, disparatados, conhece aqui
dissonantes

momentos mais significativos'


eraltzado ' a
Trao igralmente relevante e mais gen
podemos lembrar Boca do Inferno
mescla de Hisrria e fico.
(1989), de Jos J'
(19g9), de Ana Miranda, e A casca da serpente
desse filo
veiga, como marcos imporranres na redescoberra
dias. Se a marz
que vem se mostrando inesgovel em nossos
no romance histrico
dessa forma hbrida de fico se encontra
bem reahzado no
do sculo xIX, de que o exemplar mais
de Alencar, o modelo foi
Brasil so s minas de prata, de Jos
fccional se inoculou'
refundido pelo modernismo quando no
biografia,
em dosagens basranre diversificadas, memorialismo'
de recuperao do passasocioernografia e poltica. Romances
Lins do Rego' e
do, to diferenres como Fogo rnorlo, de Jos

,'l

rttt,rt

NO MERCADO

35

irt, rnorta, de Cornlio Pena, afinam Seu registro no

rlr;r'rrs. da narrativa confessional-denunciadora, que tinha sido


Na
,rirr*rrracla por Jor: Amrico de Almeida com bagaceira.
v-se rico Verissimo a escavar, com flego pico,
,rrrr
(.\l)(.t:irrlrnente
'rnr, no primeiro volume de O tempo e o acnlo, o subsolo
(.rr (rrc deitam arz certos miros da cultura gacha. o Josu
( ir rirnrrres da dcada de 70 fica a meio caminho, entre os
prticas da fico contempornea'
r r r,( lr,lrs modernistas e as
da colo1,,rrr tl .fen'o e fogo,, o romancista, explorando a crnica
con
identifica
se
no
,t/,,.rr, alem no extremo sul do pas, i
it (.I)opia telrica de um rico Verissimo e tampouco com o
Irrrsrr() n-emorialisra de um Jos Lins do Rego. Josu Guimada
r,i(.s rcscla pesquisa histrica com reconstituio imaginrra
forte
de
fictcios
rr lrr cotidiana encarnada em personagens
'
ou mitos. Esse
heris
virarem
r(.(,rr"1ti personalista sem, contudo,
lrrlrritlisrlo do espao romanesco, constante que acompanha o
assume caactersticas prprias
l,(, n (: r-( ) clcsde seu nascedouro,
u,r r.lrrb<lr ao ficcional das ltirnas dcadas no Brasil. A verten-

rt. (.()rrcmpornea da fico mesclada com a Histria,


,r\,,lrrrrrrrndo-se em corrente quase encachoeirada na passagem
,lrrr l'{0 [).cra os 90, inscreve-se na perspectiva de ampltao do
(..rf )(.(.rre de leitores e de transformao qualitativa da linguauma pequena
l,t.p r.()rLnesca. A ctulo exemplificativo, levanto
,1p()srr cla caudal en' fase de preamar: Agosto (1990), de Rulrr.rrr l;t)r)scca; Onde andaru Dulce Veiga? (1990), de Caio Fernando
Inimigas
,,\ I r r (.r r; o. resaa/idos ( 1993), de Francisco c. Dantas;

(1993), de Joyce cavalcanre; Ana em veneza (1994), de


memrias e ar/rnirdaeis aaenluras
f r,;rr r Silvrio Trevisan; Galantes
,/,, ,;,r /tto., conselheiro Gomes, o Chalaa (1994), de Jos Roberto
li,rcr(); O primeiro brasileiro (1995), de Gilberto Vilar; Peraersas
clo sculo
Iryyt/u. (lgg?), Pedra da memra (1993) e Os senhorvs
( I ( l( ).+ ), i rr tcgrando a trilogia LIm caslelo n0 pampa, d e Lurz
:\rrrirrrir dc Assis Brasil; e A casa da palma (1995), de Carlos
N,rst.irrrcrro Silva. Essa lista, que facilmente poderia ser ampli assentar a
.r r l;r, jr r r rrr ttulos cuja afinidade mais aparente
rrttrrrtrr.

LETRAS

NO MERCADO

cdificao ficcional sobre alicerces de investigao histrica'


-Ibdos afinados colr o diapaso de Ana Miranda, que, antes de
as fg,roman cea a Bahia do sculo XVII en que sobressaem
jesuta
ras do poera Gregrio de Matos Gu ea e do pregador
e arquipadre Antnio Vieira, mereu-se a vasculhar bibliotecas
chevos garimpando rexros esquecidos. Joo Silvrio Tievisan
passagen-
sua
ga a ponto de ffonlza Susan Sonta$, que' em
sobre Vulf.ln Brasil, declarou rer lido cerca de cem volumes
r;tt/C0,
t/o
ces antes de empreender a escrita de O antanle
afirr-nando rer lido mais de mil livros para podcr escreve r Ana
'
eltl \,reneza. sem alarde, Rubem Fonseca r,'inha adicionando
suas narrativas conhecimentos sutis e sofisticados, ll^as seffpre
funcionais. como , o caso exemplar do rninucioso e sistemtico
estudo das formas e usos de facas em A grande ole, assitn coro
a invesrigao de idiossin crasias de peixes crn B ufo &
Spallanzarti.
Dessas prticas do auror-leitor, vrias conseqncias
afloram nessas obras: primeiro, trata-se de uma fico que
carrega consigo boa dose de linguagem ensastica, trao que
lhe confere urn carter de organ tzao original das matrias
esrudadas; segundo, nas rentativas de reconstituio histrica,
os autores, ao revolver a ganga espessa de tcmpos transcclrridos, no se preocupam com verossimilhana ou fidelidad, oeff
buscam uma verdade hisrrica objetiva, visando antes resgatar
vises controvertidas e, ffesrTo, estabelecer a polmica; tercciro, o ressurgiffenro fanrasmal de rrultos mumificados pelo lrararnento didtico, consagrado em verses oficiais, exerce certo

fascnio sobre a imaginao do leiror, que, d" repence, sc v


frenre a frenre com figuras palpveis que se movem c ganharr-r
no\/a vida. Nomes esrerilizados e datas petrificadas, depositados no fundo da mernria do leitor, passarl a funcionar colllo
esquemas que a leitura do texto romanesco preenche colr novos
valores associativos. A evocao de Machado de Assis ven a
propsito, pois neste, como em tantos outros pontos, o Bruxo
do Cosme Velho adianrou-se no tempo. Em Esat e Jar', o

LETRAS

NO MERCADO

37

r,n:ucc de Machado mais recheado de aluses, stiras e refer(.rt.irrs histrico-polticas, o narrador comenta: "H nos mais
que se perdem, oLltros
f,,r,rvcs rcontecimentos muitos pormenores

(lu(. r irnaginao inventa para suprir os perdidos, e nem por


r\\() r Siscria morre".24 , pois, vezo do ficcionista freqentar
(.\\(.s clcsvos e rirar partido de suas lacunas. Informaes
,rrl)r.ccisas e incompleras adormecidas no inconsciente do leisucesso desrr rs slro provavelmente fator de grande eftccta no
,r(' t illo de romance em grande Voga atualmente' Verses no
( ( )1l'ir-p-rzrdas pela historiografia acadmica e it^t-tpregnadas de
, r(.r,c:rncia popular se rornam stios preferidos pelo narrador
rrrrlist:r.cro, como se pode conferir a cada passo em o c/talan,
r
lr(. rrii. vacila ern levar o relato da proclarnao da indepen,lt.lrr.irr para o terreno do grotesco e do fescenino. E certamente
rrrrrir, clive rtido para o leitor comum encontrar Dom Pedro I,
r,r( ) lrcroicamente triunfante, com a espada desafadorarnente
(.rl,,rritllr c lrontando soberbo cavalo, mas vulgarmente no cho.
.r( ( )rcriclo de vexatria diarria. desnudado de toda a pompa
,r'cr-irtl com que, artificiosamente, foi recoberto pela
lrrrr,r-iegrafia. Na linha da desmitic ao, esse tipo de narratirza
r;err/ares estabelecidas ()
r r r (.sc rr ru situaes que desmontam
I
e
( )(.r r rlrr negociar com o leitor um pacto de imaginao
r r
r ,rir,rrcia a fim de reconstitu-las em outro plano. O passado
do sucesso
r r r(. r irnaginao inventa parece estar na base
I
,.,lrrrri:"r1, como se constata no caso de O quatri//to, do descoque, depois de conhecer
r r I r.t'irl. los Clemente P ozenato,
fenffeno nar ,rl)rt lrrrcnte urna dezena de edies', tornou-se
r rr r1rr I rlc bilhereria na verso cinemato grfica de Ibio Barreto,
r,rr r lir:l :o original quanro a reconstituio imagin'rta da poca
,l.r lr irncira colon rzao italiana na serra gacha. A exibio do
lrlrrrt. l'c'r, com gue, rapidamente, o romance vendesse mais de
,

rr

nrt:r rnil cxemplares.

Esat e Jac, Rio cle Jirneiro: atckson, 1973,

p' 85'

38

LERAS NO MERCADO

LETRAS

Wolfgang Iser apresenta uma compreenso da dinmica do texto quando em interao com o leitor:

t...] o leitor efetivamente faz o texto revelar

39

NO MERCADO

As vczes, ro entanto, a popularidade coincide com a excelnt.irr cla obra. "De quebra, boa qualidade", na expresso saboro\rt clc Silviano Santiago. Vale a pena conferir:

sLla

multiplicidade potencial de associaes. Tis associaes


so produto do trabalho da mente do leitor sobre o material
bruto do cexto, embora no sejam o texto em si - pois este
consisce justamente em frases, afirmaes, informao etc.
t...] Essa interao obviamente no ocorre no texto em si,
mas s pode exiscir atravs do processo de leitura. t...] Esse
processo formula algo qLle no esc formulado no cexto e
contudo representa sua inteno. 2:'
Se atu ahzar as potencialidades do texto significa, independentemente de significaes ou intenes manifestadas
pelo autor, explicicar as mulcivalncias que as palavras agasa-

lham na urdidura heterclica de diversos jogos de linguagem


que a fico contempornea mescla, leio a fico brasileira dos
80 e 90 na rede de novas relaes estabelecidas a partir do
contexto da sociedade de massa. Sabendo que o comrcio se
rove meramente pelo valor de troca das mercadorias e os
compradores valem como nmeros que incrementam o voluffe
das vendas, o nmero de leitores potenciais no pode deixar de
freqentar a mente do autor quando vai escrever uff texto
destinado publicao. Embora a quantidade de compradores
de um livro, em si, no diga nada quanto ao valor literrio da
obra, por outro lado escrever para um grande pblico no em
si nenhum mal. O sucesso de pblico , assim um dado a mais
a considerar. que no merece nem pode ser exclusivo.
Para Octavio Paz, "uma literatura morre e uma sociedade se degrada se o propsito bsico , a publicao de bestsel/ers e de obras de en[retenimento e de consumo populvf'.26
2') ISER, Wolfgang. The Implied Reader. Balcimore:
Johns Hopkins lJniversiry
Press, I97 4, pp. 278-9.
zb Paz, op. cit., 1993, p. 10.

No difcil imaginar qual

o ideal do escritor dos anos

80: bom concraro, boa publicidade, boa vendagem. De qlrebra, boa qualidade . Para alguns crticos mais impertinenres,
isso pouco . Para os prprios escritores, sempre mais afinados com o tempo do que o crtico, isso sr-rficiente para

definir um novo perfil do escricor e da obra literria

no

B ras i1.27

Esse novo perfil que estou tentando definir no me


t.xirne de, leitora exigente, colocar qualidade a salvo das con(.csslcs da popularidade, sem no entanto tentar escamotear as
rli'iculdades de conceituao e avahao da qualidade literrra,
(luc, coquanto valor, fica sujeita a discusses sem fim. Dadas
:r con^plexidade e as nuances implicadas na questo, dificil1L.rtc algum dia ir,o pr-se de acordo estetas, tericos, crticos
(. |'iccionistas quanto ao valor, no s de determinada obra, mas
tlrr rrbra de arte como tal. [Jm Octavio Paz,, que traz para a
r c.l cxo ensastica vasra bagagem de conhecimentos e larga
(-xl)crincia de poeta, parece se desavir consigo mesmo quando,
rlclrois de endossar as afirmaes de uma carta de Ezra Pound
(-scritnr eff 1940, a elas contrape viso mais atual tzada das
l rras em jogo no contexto da contemporaneidade. Vamos ao

rcxto de Pound:
Pelo amor de Deus, medite sobre aquilo que eu lhe disse
uma vez: nada do que se escreve por dinheiro vale sequer
um amendoirn; a nica coisa que vale aquilo que se escreve contra o mercado. No existe veneno pior que o di-

,SA
I

N'l'lAGO, Silviano. "A lei do mercado" . Isto lSen/trtr,

()()0, pp.

4-5,

So Parulo: 3 jirn.

40

LETRAS

LETRAS

NO MERCADO

duelo" faz um escritor de gueto nova-iorquino saltar para a popu-

laridade a parrir da public a,o do ensaio sintomaticamente


inritulado Complexo de degola, "numa revista de reduzidssima tirageffi, do Village", cujo contedo transmitido "a seguir no
boca-a -boca" .ze Em contrapasso, o autor de oura 7J02, em prosseguimenro aceitao de Pound, afirma que as artes e a literarura, hoje, no esro mais ameaadas por uma doutrina ou por um
partido poltico onisciente, mas por um processo econmico sem
rosto, sem alma e sem rumo. Mesmo que algum lhe diga, sua
maneira, que o mercado justo, ele contesta: "Mas cego e
surdo, no ama a literatura nem o risco, no sabe nem pode escolher. Sua censura no , ideolgica: no tem idias. Sabe de
preos, no de valores".30 Por outro lado, reconhece que impossvel lutar contra o mercado ou negar suas funes e seus benefcios. Mesmo assim, continua acreditando que a poesia no ,
regida pela lgica do mercado e sim pela voz que provm das
profun dezas do homem: "A poesia a memria feita imagem e
esta convertida em voz. A outra voz no , a voz do alm-tmulo:
, a do homem que est dormindo no fundo de cada homem".3l
Ao tranado de linhas e fos que venho entrecruzando,
acrescento mais um: o da escavao histrica. Num ensaio que se
rornou clssico, Martin Fontius ps nos trilhos da discusso aca'
21 Paz, op. cit., 1993, p.106.
2e Sant'Anna, op. cit., 1989, p.34.
30 Paz, op. cit., t993, pp. 133-4.
'jr lclem, p. 144.

4l

rlrnica o tema literatura e mercado.3z Remonmndo ao nascedouro

nheiro. se recebemos um bom cheque, pensamos imediatamente que fizemos alguma coisa, mas pouco tempo depois j no corre sangLre em nossas veias, corre dinhei to.28

De princpio, Octavio Paz concorda com Pound, adiantando que um livro se propaga no pela publicidade e sim de
ouvido em ouvido e a solto uoc,, percep o satrrzada por Srgio
Sant'Anna, gu a qualifica como atitude de grande
"irresponsabilidade inrelectual" dos 60. O autor-narrador de "O

NO MERCADO

-t

'il,ait l

ts.:

:ffi
ffig,

&ffir

ffi4
if6i
.',ffi

:mf
1,

,1

"

o
rlir quesro, Foncius v na segunda memde do sculo XVIII
presso
forte
noffento em que o mercado passa a exercer uma
slrrc a ate e comea a afemr as obras literrias. ento que as
sobre
ntcgorias beleza/utilidade subsrituem o par nature zaf artefato
(lsc assenrava a reflexo esttica anterior. A oposio belas-artes/
de
rlrtcs mecnicas traduz a diferena entre valor em si e valor
sso. A rendncia, nascente no sculo XVIII, de separar arte de
srrcsanaro implica a separa o entre trabalho intelectual e trabalhg manual. Aquele esrar reservado a poucos indivduos domdos
dc inteligncia superior e fora criadora; este, sendo atividade
nrccnica, dispensa esforo menml. O critrio da individualidade
cnro decisivo para disringuir a obra de ate do produto industriirl. A reoria e o mito do gnio, que far estrondoso sucesso no
roriu-tismo, deriva desse momento. Thnto em sua conceituao
(lgrlro na prtica, obra de arte e artista no se integravam ao
ercsccnre modo de produo capitalista. E a arte se viu assim
elirpinada das relaes de produo dominante. A tendncia que
ic ople hereronomia advoga, no domnio da arte, a idia da
Hst6ngmia, gue Fontius interpreta como reao ao despotismo
cresccnre do mercado. Por outro lado, a forma,o da teoria segunrlrr n rgual a obra de arre se basta a si mesma motivada pelo
lllcrcrrclo artstico e literrio em formao.

medida qLre o mercado literrio se estabrliza e conduz

Llma demanda mecdica de produtos literrios, o autor tem


a possibilidade de rransformar sua dependncia pessoal ante

um mecenas na existncia de um escritor independente,


(lue procura viver da venda de suas obras"i3
t,'(

)N'l'ltlS, Marcin. "Literarura e Histria - desenvolvimento

das foras

rlc prorltro e auronomia da arte". Tiaduo de Peter Naumann' Helena


ed.
l,'lrrrcsrir c Luiz Costa Lima. In: Teoria da literatura em suas frtntes. ?
Sclcikr, inrrocluo e reviso rcnica de Luiz Costa Lima. Rio de aneiro; lirrttrcisco Alves, 1975, v. II.
Itlcttt, l). 147.

LETRAS

47

LETRAS

NO MERCADO

pagos por
cionrios do Estado, inclr-rsive os mais altos, so

Introduz-se assim o oficio do escritor, que ir se acenproduo:


ruar de ffodo irreversvel com o evoluir das foras d.
Este fenmeno, que, de imediato. afetou apenas Llm nmena
ro limirado de lireratoS, lcanou no sculo XVIII, tanto
rpida
uma
Inglaterra quanto na Frana e na Alemanha,

: ffi",n,: ::,: fi

'

:, -

i:

: : 1"" J""j,';,'o
dos, uffi pblico moderno de massa. A forma de mediao
da prodr-ro potica, concre uzada por meio do tnercado'
implicava, do ponto de vista dos receptores' Llm imenso
be*a' c' e scr i.

'

:,

,:.J,'::"::::

::;:

A nova situ ao se apresentava, [o primeiro

n-onen-

ro, con1o um prato feito para os alnantes da polrnica. FirlrLllr-se


posies oposras: a incluso da lirerarura no espao do mercado

significa para uns conercial rza,o "da criao litetla" , e pare


ourros estamos diante de "ur-a analogia precipitada entre os
processos hisrrico-l tterrios e o econmico". Arrnados pelo
preconceito, havia os que consideravar qualquer forma de
pagamenro ura degradao do trabalho do escritor, que fcava
assim nivelado con o trabalho assalariado. Fontius cita Garve,
urT escritor alerno da poca, entre aqueles que encaravam
positivamente a nova situ ao e que eff L79l se expresslva
com preciso indita. A passageff de Garve citada por Fontius
, til ao debate da profissionalyzao do escritor:
Eles esto certos. Um escritor tem to pouce razo de se
envergonhar por vender seLl livro qllanto Lrm advogado oll
mdico por ser pago pela conduo do processo de Llm clienCe oll por cllrar sllas enfermidades, pois realrzam um trabalho incelectual to bom qlranro aqlreles. Nlesmo os fr-rn-

43

NO MERCADO

seLl tralralho.

ts

A segunda rnetadc do sculo XVIII avana na formasurgiflento da


,,,r( ) rlc um nrercado literrio concomitante ao
lgica irnplar , lr st.incia profissional do escritor. Instalado na
a sc perceber
r ,r't.l rlo avano do capitalismo, o aufor corea

) produtor da mercadoria livro, invlucro comercial da literao


todos os produtos, numa economia capitalista, portam
rrr;r,

,,

de mercadoria das
cor-o tenta'o
,,1 rr.rs rlc ar[e acompanhar a produo artstica
ser mais o
no
diante,
r .rrl:r Yc7, mais atraente. l)e ento en-
e sim o
1,11,r tlc uso do bern literatura a estilrular os espritos,
valor de troca'
rrr,\,( ) crrmeno dorninante na vida econmica: o
{ ) t,rritcr de feriche da rnercadoria, descoberto e analisado por
\l.rrr cr- o capiral, , rrazido por Fonrius considerao na
r rt,r(.'rt() clc passagem conhecida, que convm transCrever:

'riscJe mercadoria. para Fontius, a forma


.r;rrr.r-

em slra rroca qlle os proclutos do trabalho adcluirem. como rralores. Llma existncia sociai idntica e trniforcomo
rTe, disrinca de slla existncia material e multiforme.
trabalho
do
de urilicJa,ce. Esra diviso do prodLrro

, apenas

'bjeros

cm objeto til e em objeto de valor se amplia na prtica to


logo a troca alcanou bastante extenso e importncia para
qlle coisas teis sejam produzidas para a troca, de tal modo
que o ca rter de valor destes objetos j ' levado em conta
cm sua prpria produo. A partir cleste momento. os traball-ros privados dos prodLltores aclqr-rirem.

de fato. Llm

dr-rplo

til. sa[isfa./,cr necessidades sociais e afirmar-se assim como partes


iltcgrantes clo crabalho geral. de tlm siscema de dir''iso

carrer social. De um lado, devem ser rrabalho

s.cial do trabalho que se forma espontaneamente; dolltro


lrrclo, sarisfazern as necessidades diversas dos prprios pro-

Ibridem.

.t

44

LETRAS

NO MERCADO

dutores apenas na medida em qLre cada espcie de trabalho


privado til trocvel com todas as olrtras espcies de rrabalho privado til, Ssim repurado selr igual.'tt'

Como a oferta dos demais produtos, o livro agora


considerado tambm uma mercadoria produ zrda pela socieda-

de e mediada pelo mercado. Na trincheira aberta por Marx, o


escritor resiste fe ttchrzao de seu trabalho sem poder anular
a fora do mercado. Querer ignorar este ltimo equivaleria a
uma postura de alien ao to quixotesca quanto a prerenso de
querer submet-lo vontade pessoal do escriror.
A excurso por esse territrio externo obra lrter"rra
foi oportuna para iluminar algumas peculiaridades da fico
brasileira contempornea. A adoo de uma linguagem rnais
aberta ao mundo e ao tempo, eotreme ada de rupturas e amalgam ada com ingredientes dissonantes, pode ser mais bem
equacionada em terrnos do contexto maior em que ela meslna
se inscreve e do qual , cmaleonicamente, assimila ronalidades
ambientais para sua prpria vitalidade ou sobrevivncia. Nesre
passo, mais uma vez, o conto "O duelo" merece ser invocado,
pois a transformao do livro em mercadoria e a exposio do
autor como objeto de consumo compareceffr como empenhos
da convic o do editor. Este, rloubl de agenre literrio cujo
rnodelo , importado de Nova lorque, onde o mercado do livro
vem, de longe, se consolidando segundo as leis do capitalismo
avanado , manipula o escritor de acordo com as mais eficientes tticas de rendimento mercadolgico. Nesse sentido,
inequvoca a inteno do editor, empurrando para o inrerior do
McDonald's ou chamando para um cabar, da Praa Mau o
escritor ingnuo que ainda acaricia a possibilidade de um relacionamento entre autor e editor, como "nos velhos e bons tempos, guando as palavras i-pressas, as Letras, enfim, possuam
ura respeitvel credibilidade" (p. 17 ), o passo que, para o

LETRAS

45

t'rlitor clo conto, o livro como objeto de consumo no difere


rr r rir r r clos hamburgel's e batatas fritas servidas por "um rob
r;r ll ir rr n te" (p. ?0). A aluso atitude pop do escritor novat( rr(;rr ino serve de elo para a transposio caricaturada do quar lro rro Iio de Janeiro, pois , assim que pensa o mercador das
It'trrrs: "- Tmbm aqui, agoa, todos s pensan- em dinheiro,
irrlrrutrunento, profssionalismo literrio, esse ncgcio todo" (p.
.f , ). So to insistentes as palavras do editor que, rsioso por
It.r sur.r obra publicada, vai o autor cedendo em determinado
nrorcrto e, intimamente, identificando nas metforas e frases
lr c cito resduos do legado de uma literatura a rejeitar. E
\'('r(lrrclc que, oo conto de Srgio Sant'Ano, as relaes entre
.urr()r' c editor atravessam zonas de ambigidade e falsificao
cnr (luc ambos se confundem: ora o editor a reivindicar lur

t'rrlc't, crttca gue, s vezes, poupa ao autor expor-se ao vexame

rlt' \/cr publicada uma obra mal -acabada, ora o autor que se
vnlgrr clcl mercantilismo do editor, atirando-o literalmente na
l;rtrr rlo lixo, como este freqentemente faz com os originais
rl;rrlrrclc. De qualquer maneira, a irreverncia no trato com o
It'nrr r.runcia a maneira coffro a literatura, objetificada no
n r('f t'rrtl<1, reage ficcionalmente a uma situ a,o que escapa a
'i('u ('()rtrole. A tentao do best-se/ler, encarnada no editor conr('r('irrl., persegue tambm o escritor que, mergulhado no pro(lc adequao da linguagem s exigncias dos novos teff-

r ('\\()

pn\, l)oclc estar cedendo, sem perceber, em questes de quaItrl;trlc. Aos vcios de um divulgadssimo jorgeamadisrno, caracIrnzrrrlo pelos excessos de redundncia e repetio, pelo
r.\()tisnro de cart,o-postal e pela sensualidade estereotipada da
nnrllrcr tropical, deve-se acrescentar hoje, por exemplo, certo
risro rubenfonsequiano fartamente temperado de sexo e
vrolrrt:iu urbana, como se l em O matador (1995), de Patrcia
\lcl,. A clisputa de fatias do mercado por editores, escritores,

ir r;r rr t'i

lrt'tt'iros, rcsmo nas condies de precariedade em que se


e distribuio de livros no Brasil, aponta
n.r ,lirr,o clo alargamento do horizonte dessa sofsticada n-er-

('n( otr t t'ru- produo


N4ARX, Karl. In: Fonrius, op. cir., 1975, pp. ll-?,.

NO MERCADO

LETRAS

46

LETRAS

NO MERCADO

fazer
cadoria, a respeiro da qual podem aurores descontrados
com
humor, como Luis Fernando verissimo no dilogo travado
brasileicrtica
pela
paulo Coelho, esre besresselerista ignorado
aqui e
, no obstante o sucesso mercadolgico de seus livros
autor,
do
declaraes
no exterior, cuja vendagem, de acordo com
alcana a fabulosa cifra de dez milhes.
Essa questo da distribuio e exposio dos livros nas livra-

: i: :::::"'"r: :'::: :: :'ii:

: "'" :;: ; :: :
e prtico para julgar o mercado: ele est bom quando nossos
livros esro disponveis e bem vista. Infelizmente o mercado

:':

-::;n :1 : :' ::

x :: ::;:

n'cr'

me'c d a s
i

Se at aqui rratei de obras que dialogam pacificamen-

re com o leitor, que no abalam os fundamentos da conveno


lite rrra redundanres, previsveis, s vezes recheadas de
clichs, mas que de alguma forma marcaram visivelmente a
produo ficcional dos a.n,os 80 e 90 , surpreendo-me agora
com um rexro metaliterrio, chegado s livrarias em novembro
de lggl: Polgono das Secas,, de Diogo Mainardi'
Salienrei que o escritor dos anos 80 andava de olho
"num bom contrato, boa publicidade, boa vendagem, sem se
despreocupar com a qualidade", como dtz Silviano Santiago. A
mira no mercado revertia seus efeitos sobre o texto produzido.

do mesmo

ensasta

a clateza da anlise:

O escritor procura vender um texto que abandona oS prlncpios bsicos da esttica modernista, que eram o uso de
uma escrita elptica, muito pessoal e, por isso, de difcil
acesso. passa ele a produzir um rexro de boa qualidade,
'\7 VERISSIMO,

Luis Fernando. Jontal do Brasil, Rio de

1996. Caderno B.

Janeiro: ?4 fev.

47

NO MERCADO

"i :: : ::::::; ; :

:;

il

i:

:": :: i : 1:; :

caminhooriginal,aindaqueprecrio,poistinhadepassar
aliados. [...]
para o campo dos inimigos para r-los como
um abandono
outra coisa certa: na dcada de 80 houve
como pano de
gradativo do grande acontecimento poltico
fundo Para Poemas e romances'38

porgono das secas se posiciona na conrramo dessa


destinada digesto
vertcnre. No se ata, por cerro, de obra
sequioso de novidalmecliara de um pblico menos exigenre,
do
, obra que se submera ganncia

des relaxanres. No
como a apario dos Pistols
mcrcado, nem visa agradar ao reiror.
grupo
iu sainr Marrin school of Arr de Londres em 1975,
Anticristo,
ou
Moderno
tmbm denominado co Danado, rila
demolidora, configufria
com
n*rrariva de Mainardi irrompe
se costuma chamar de
rncl' - como diria Gore Vidal - "o que
garde desaparecessem".
f,QAttt-garde antes que todas as
sarcsMas no se trata apenas de um livro invenrivo,
bare pesado em
Eic. c polmico. Mais do que pater, o auror
inequivoquem escorheu para barer. sua fico rem um norre
virulentos das vanGencnte. parecendo retomar os princpios
do sculo, com uma escrita muito
E,rclas da primeira memde
literatura que
perr,r*l, elptic a e conrundenre, alveja toda uma
repetidas' Assim,
flo rlcsisria de insisrir em trilhas baridas e
dos ltimos
brasileira
notir cliscrepanre no cenrio da fico
analista.
nos, a posrura de Mainardi insriga o leitor
parricipando direramenre da rrama, avulra a figura do
de ligao entre os
antot, pcrsonagem singular, espcie de agente
fragmenmdas do
eliversos planos do enredo e as seqncias
avata do estlireurso, que auxilia na composio da histria,
conerit,r crn geral e do autor particular deste mesmo livro'
delimitado pelo narrador:
re tilr1cnre, seu espao de aru ao ,

tt Surttiitgo, op. cit., 1990, Pp'74-5'

48

LETRAS

NO MERCADO
LETRAS

O territrio do untor

, aqui, circunscrito ao Polgono r/as


secas, De Joo Pessoa ar as nascentes do LJn-ru-preto, no
Piar-r; de Pirapora, em VIinas Gerais, margem

direita

clo

Parnaba. O Llntor conserva-se rigorosamente dentro de seu


permetro. medida qlle o untor avana caatinga adenrro.
os bruscos solavancos do jerico jogam-no para a frente e
para trs. Ele tomba no cho a todo instanre, de cabea oL

de costas, sofrendo apenas leves escoriaes. O Llntor arravessa o serto montado em sell jerico ruivo. Cavalga dia e
noite sem usar freios ou rdeas, sob o comando do animal.

No , necess rio indicar-lhe o caminho. Ainda qlre no


receba quaiqr-rer orienrao de sLra parre. o jerico sempre
sabe qual , o rllmo a segllir..t,

De que se vata? Trata-se de uma me tfora sobre a


literatura! O narrador, que tem como principal inrerlocuror o
autor e que quer proibir interferncias do leitor, num arroubo

tico finge que tenta querer i*pcdir a intervcno


interpretativa, j que o autor do romance ir esclarecer suas

NO MERCADO

49

(ungir). Contrariamente ao ungdo, tc;1no vincul,r,l,) rlo sagrado unctore, [ Roma antiga era o escravo que
l ,,t l t l t:tvrt d e leo os freqentadores das famosas casas
de baItlt,s. Mas, segundo Grnewald, Mainardi foi buscar seu per'ittfr;rl{c'l na Hstria da co/una rfarne, livro do romancista itaf r,trt,, Alcssandro Manzoni,
QUe resgata episdios da pcste que
irr',( rlrrtt Milo no sculo XVII. O grande dicion rto Garzantr,Ca
lltt;',ttrt iraliana, fazendo referncia ao acontecimento, registra o
'rrf 'r rrl'it'rtdo t "aquele que era suspeito de difundir a epidepria
l l l l l ;t tt t lo nuros e portas com substncias infectadas".
Ag"nte
rrr()l tc, o unlor- de Mainardi atinge com seu ungento mortal
'l,r
l,r l;t rr ctlleo de tipos estereotipados na tradio de nossa
It t ,'I :r I rr rr sertaneja. Etpcie de anjo vingador, o proragonisca
lr' l'rt/r'r!rtno r/as Secas atravessa as pginas da narrativa investin'
lr I , ,l [ l':- os personagens-clich da literatura regionalista
'
e, por
,1,, \'('r'l><t ttngere

r'\ rt'ltsro., cle cod a a literatura deste sculo. Explica-se o narrador:

did

verdadeiras intenes.

Destitudo do faro diplomtico que caractertza

as

interlocues do narrador machadiano com o leitor, Nrlainardi,


sob

o disfarce de quem irnpede, na verdade instiga a conscincia


intcrpretativa. I\4as instrucJa pelo Machado que pede ur
leiror
ruminante que me aventllro a interpremr esse anti-romance.
Comeo manifestando minha concordncia com
Jos
Lino Grner'vald, quando afirma que a mola mesrra de po/gono
ras Secas , a metalinguageff, isto , aquela funo
Iingstica
por meio da quai uma linguagem ou gnero lirerrio volta
suas
atenes no para o llundo exterior. mas sim para dentro
dela
prpria.+(' A palavra u.nlor,, no dicion artzada enl porrugus,
derir,,a
N,IAINARDI, Diogo. Po/gonrt clas secas. so paulo: companhia
clas Lc-

tras,..

1995, p.

17

GRL}NE\\ALD,
r'ov. 1 995.

TOS

I-ino. "Incinerados no

serro"

. lbia, so pa'lo:

I)e acordo com o alltor. qlle em momento

algr-rm parece

validade de sua equao, literatrlra regionalista


glorifica a figura do sertanejo,npropriando-se de slra lingr-ragcm e de sllas idias, acolhendo no universo intelectual o
cretinismo acadmico de sua cultura. t..] por esse motivo
(lLle o alltor do romance pretende destruir a literatllra
t1r-rescionar a

rcgionalista. Ao incorporar a cultura sertaneja, a literatura


rcgionaiista acaba sendo contaminada por sell obscurantislo. No h como evitar a contaminao. O obscnrantismo
scrcanejo contamina a literatura regionalista.ar

As palavras do narrador, que transpe o rermo epidedomnio lrrerrio, esr construrrtr lr I lllr llc tfora que, certamente, dar pano
para manga.
\* lrI \';li tltar quem o acuse de racista, preconceituoso, elitista.
\' rr',,1t't)t's sctl muita consistncia, se levarmos em conta gue
,
rrrrtrlr'11it'o (r'onlaminao) para o

\l.rrrr.rr<li, ol). cit., 199S, p. 62.

50

LETRAS

NO MERCADO

LETRAS

a certa altura de seu anti-romance, alarga desmesuradamente o

alcance da metfora, afirmando que "sua misso j no destruir a literatura regionalista, mas toda a literatura deste sculo" .az brriu a duplicidade irnica e a auto-ironia do texto. Parece

incontestvel que Mainardi produziu uma obra a contrapelo


das vertentes dominantes no atual cen no da produo ficcional
brasileira. Grnewald, em seu artigo, afrma no haver "rada"
na "recente produo de autores nacionais que se parea com
essa sofisticada mistura de fico satrica e ensaio, criada pelo
autor de Arquiplago') .43 Alm de ferir de morte jugrnos, coronis, retirantes, beatos, e declarar que desde o incio do romance o untor destri os temas recorrentes do universo sertanejo,
atinge com seu humo r ctdo o prprio leitor, em um dos pontos
culminantes da obra:
O leitor no conta. subalterno em rel a,o ao autor e no
tem qualquer direito a interferir. Para que o leitor no possa
adulterar o presente romance com interpretaes prprias,

o alrcor ir esclarecer o seLr verdadeiro significado,

ainda

que acabe restrinlindo demasiadamente o alcance de sua


obra. Ao longo desta histria, os sertanejos morrem medida que representam figuras tradicionais da literatura tadicionalista, como o retirante, o coronel, o jugr.rtro, o vaqueiro, o cangaceiro, o jerico, o santo, o mrtir. A matana

qual so submetidos metafrica. No indica um real


desejo de elimin ao por parte do aucor, qLre no rem qual-

quer inceresse pelos sertanejos, a no ser como personagens da literatura. A morte dos sertanejos , to imagin ria
quanto o territrio em qLle se encontram, aqtrela abs trao
legislativa denominada Polgono das

42 Ibidem.
43 Griinewald, op. cir., 1995.
44 Vlainardi, op. cir., 1995, p. 116.

Secas.aa

NO MERCADO

5l

Excessiva explicitao, dir algum. No maior do que


aqucla que se l em resenhas e de que o livro , tambm uma
ltira. Controvrsias parte, Polgono das Secas parece retomar
Blgtrns princpios das vanguardas e dar um pontap, na banalizao
pr()rovida pelos meios de comunicao de massa, chutando a
p$tc urrzao global e a previsibilidade do discurso jornalstico.
Ptrlvcrizando as mscaras do consumo, as imposies do mercado
tts scdues da moda, o escritor ficcionaltza na vertente esttica
ds vangu arda. Talvez no seja de todo descabida a referncia a

Ullt Marcel Duchamp e aos dadastas, que definiam Dad como


ttltttrrmente negativo e acusador". Apropriando-me de Octavio
Puz, sintetizo: pintor de idias, Duchamp constri uma obra que
n rrcgao mesma da moderna noo de obra. Se os quadros da
fftrtioria dos pintores so imagens, os de Duchamp so uma refle*o sclbre a imagem.4s Assim, tambm Mainardi constri um romlcc que a ne gao do romance e elabora um discurso lite rrro
quc reflexo sobre o discurso lite rro. Ao investir conrra a liteiBttrra regionalista e a literatura de nosso sculo, est submerendo
B tt ta crtica radical hbitos e gostos, mitos e convenes da
trlttrra de nosso tempo. Mas Polgono das Secas no seria obra
literrria se Mainardi deixasse de mobiliza continuamenre a imagittito, criando um mundo de imagens que impacram o leiror e
ttlrtllu' sua narrativa viva, concreta, metafrica, alegrica ou,
Pgrtl cclncluir em termos sartrianos, se o autor no sobrepusesse
ottscincia reflexiva a conscincia imaginanre, que concebeu a
Ftgtrril t'orrfera do untor, a quem delegada a funo de articular
(r e rrcclo e conferir solidez estrutura da narrariva. Revirando pelo
ve l;so c desmontando a forte vertente regionalisca de nossa fctl, Mainardi no parece preocupado com o nmero de leirores
tltlc' stta obra possa, de imediato, atingir. Nesse sentido, coloca-se
tltl (:ottramo da tendncia dominante entre nossos ficcionistas
dos ll0 c 90.
l'A7,, Octavio. Marcel Duchamp
r. tt.

ct

el castillo de la pureza.

Mxico: Era, 1968,

Simulacro

8r"

ensaio procura compreender a produo liter-

ria dos anos 80 e 90 brasileiros na perspectiva do dilogo

O mundo intero um palco.

Shakespeare

conrexrual com as linguagens que fazem da imagem visual seu


eixcl de arriculao e desenvolvimento. Mas, o me deter no
fftomento de encontro da palavra com a imagem;' nq quero
pcrder de vista o contexto da contemporaneidade em que esse
encontro se processa. Por isso, minha ateno se volm, de sada, para uma viso de conjunco que d visibilidade s obras
denrro de um horizonre aberto, deixando para um segundo
tempo a leirura dos rexros ficcionais. Obviamente, o quadro
cxrrapola o recorre do corpus e as duas dcadas focahzadas.
Mers, para no me distanciar muito de meu objeto, contentollc com um esboo muito sucinto. A sntese que me convm
enconrro em declaraes de Hans Ulrich Gumbrecht, que, effi
enrrevisra ao Jornal c/o Brasil concedida em 3 de setembro de
l9tl8, ausculta, a parrir de um ponto de vista agudamente comprcensivo, o pulso intelectual, poltico e moral do Brasil daque-

lc momento.
Gumbrecht, em uma de suas visitas ao Brasil, enxerga
o pas acomerido de desesperana, desiluso e desintegrao,
rf uc, de acordo com a perspectiva adotada, caracterizam a cultura
de final de milnio. Na chamada dcada perdida, revivemos
gqui nossas iluses perdidas. A classe mdia perplex, confuncliclos os caminhos, senria-se impotente para desvendar qu4l(f gcr rumo. O olho pers prcaz do estrangeiro, lido e viajado, viu
o ccnrio e entrou no clima. Citando Habermas, Gumbrecht
rcfrra a idia de uma condio opaca, densa e obscura. De-

CENAS DO SIMULACRO

CENAS DO SIMULACRO

clara que "h" algo prximo a uma paralisia, pois a psmodernidade a poca do fim dos grandes mitos, dos grandes
modelos cosmolgicos para explicar o mund o" ,46 tempo talvez
de crise das ideologias, crise de utopias voltadas para o futuro
e, neste sentido, crise das vanguardas. Por outro lado, esse
rempo-crise dos discursos unitrios e totalizantes, tempo de
uma cultura marcada por mltiplas alternativas e percepes
fragmentrias, que torna patentes discrepncias at, ento mascaradas. Sintonizado nessa freqncia, Silviano Santiago se d
conta de que "o tecido social feito de diferenas apaixonadas
e de que a negao das diferenas tambm o massacre das
liberdades individuais, o recalque das possibilidades mais autnticas do ser humano" .47 O ensasta-ficcionista acrescenta ao
esboo traado pelo ensasta-crtico a dimenso da intuio
sensvel capaz de discernir na apreenso de conjunto as particularidades que fracionam o todo. Nesse sentido, as duas citaes recm-aproximadas discrepam entre si e se completam.
Gumbrecht inscreve a imagem de um momento peculiar no quadro
geral das idias em movimento; Santiago l no texto conjuntural
signos discrepantes que anuniam riscos vista. Enquanto isso, os
meios de comunicao se limitavam a regis tar a crise desprovidos
de instrumentos que capacitassem o olho a furar o nevoeiro. E
nesse contexto que se des taca a interferncia dos textos literrios,

surgindo, aqui e ali, como vozes desafinadas a sobressair no coro


das perplexidades e geral pasmaceira.
Num mundo desticudo de valores, sacudido pela
quebradeira generahzada de padres e paradigmas, cada gesto

se mede por seu custo. Mais do que nunca, fica ento difcil
identificar critrios de validade que possibilitem alinhar lado a
lado, num arranjo de sentido abrangente, linhas de disperso e
contraste, contradies e discrepncias mltiplas. Onde localiGUMBRECHT, Hans Ulrich. Entrevista concedida a Jos Castelo. Jnrnal do Brasil, Rio de Janeiro: 3 set. 1988. Caderno ldias, pp. 10-1.
SANTIAGO, Silviano. Nas malhas da letra. So Paulo: Companhia das
Letras, 1989, p. 35.

57

tantas direo ponro de fuga do qual parrem tantos fios em


recusapouco'
a aceirao sbita do, at,
cs? como explicar
firme? Assumindo? onde deimr ncora se no h mais fundo
gosro aclimatam a
ckr a volubilida,ce da moda, as oscilaes do
idia de obra
rrrrc no horrzonre do provvel, e sai de cena a
constantes' e
pcrene. Mesmo os clssicos passam por revises
consagrados assumem a precariedade do transitrio'
que a lireratura, a poesia ainda teria vez nesse mundo
scr
'irclres
ser captada
exrremamenre cambiante? Por quem poder ra arnda
de
a singularidade de sua voz nessa orquestrao estrepitosa
de mennarketing, propaganda consumist a e empastelamento
sagens massificadas? eual o senrido de seus aparentes
perseguem
clcsfalecimenros ? Essas e ourras indagaes me
em
quando inrerrogo a prosa de fico produzida recentemente
seria
eva
obs
se
nosso pas. A anarquia formal que de imediaro
Exaurido o
reviraliza,o?
de
sinroma de agonia ou sinal
fontes
cxperimentalismo das vanguardas, dessacrali zadas as
inspiradoras do sublime e de idealismos romnticos,
que vertenilnacro ntzados os padres da reproduo mim tica,
rcs resrariam ainda a ser exploradas pela narrativa literria?
corpo
Mas, apesar de rudo, podem-se ler sinais de vida nesse
e literatutransmutado. Acredito, com octavtoPaz, que poesia
, mesmo condenadas a se oculmr nas catacumbas impermecom
veis ao rudo e alarde do grande mundo, sobrevivem
cento e timbre inconfundveis, como a outra voz.48
volro agora ao mapa desenhado por Gumbrecht, cujos
ilspecros de desesperana, desiruso e desinregrao compaecem, de maneira exemplar, numa narrativa tpica da atmosfera
brasileira dos oitenra: Honl Atlntico, de Joo Gilberto Noll'
de fixar
Nesse texro, o ficcionista reahza a aventura fantstica
cm palavras a mutabilidade de um mundo destitudo de valocrise'
rcs, deserdado de uropias e atavessado de ideologias em
[,uneta assestada, de dentro do nevoeiro, Noll procura enxer-

T^rr

'rr( Paz, op.

cit.,

1993, PP. 133-48'

58

CENAS DO SIMULACRO

gar atrav,s de novas formas de significar. Combinando diversos

registros de linguagen-, violando territorialidades discursivas


demarcadas, trabalhando imagens carregadas de magnetismo do
tenpo, a narrativa corporif,rca figuras de significao espessa.
Horel Atlnrico o relato de uma viagem sem destino
c, aparentemente, sem sentido, de um excludo do mundo do
capital, do trabalho e da moda. O percurso banal e prosaico:
un- ator desempregado, sado do Rio de Janeiro, segue de nibus
pelas rodovias asfaltadas do Sudesce-Sul e vai desembarcar nunl
hotel do litoral gacho. Sem saber o porqu nelll o para-qu
dessa viagem, o personagem atravessa situaes extravagantes
e participa de cenas estranhas. A cada volta da estrada, a cada
despertar de modorrentas apatias, o viajante , sacudido por
bruscos incidentes. Aparentado a uma fuga, o priplo do protagonista annimo se reveste de significados contraditrios.
Perseguido e perseguidor se fundem nun-a nica figura nessa
viagem meio clnrica, meio insone, em que se alternaff ansiedade e praze, distrao e [enso, morte e sexo, olhares ternos
e fisionomias ameaadoras. Arregalado sobre a conscincia alienada de tudo, nessa excurso entremeada de banalidades e
alucinaes, destaca-se a agu deza de uff olhar que o persegue
como o olho de un-a crnera en-rpenhada em registrar, microscopicamente. seus mnimos movimentos. Por trs da cmetra,
posta-se um narracor-ffontador ocupado enl escolher planos.
recuperar instantneos e colar fragmentos. O leitor, assim, vse diante de um jogn ficciclnal cujas regras desconhece e, se
quiser captar o sentido da nova dinmica, necessita refazer o
pacto cou o texto - j que este, sem deixar de ser literrro, no
mais puramente literrio,, antes sendo fico com bossa de
docunentrio e fbula roranesca rompendo a moldura do real.
Desse tnodo, o discurso narrativo. opondo-se a hbitos e convenes de leicura, torna-se unl desafio novo para o ieiror.
Vou calar minha intuio a respeito desse tipo de
narratirra no que diz Urnberto lco em Ses passeos pe/os bosques
rla fico:

59

CENAS DO SIMULACRO

i. ] o leicor precisa

aceitar tacitamente Llm acordo ficcional

sendo narrado , Llma


[...], tem de saber qLle o que est

:'l ff { r rjfi
acor,Co ficcional

{lili

r: ff l* {

e fingimos tlllc o qlle ' narrado de

fato

aconteceu.4"

Aceito o acordo ficcional, favorecido pelo irnaginrio


gil
(.()rcrero de Gilberro Noll, o leiror se apropria daquele olho
a deslocar-se
(
luc focaltza o personagem e passa, com este'
de tudo,
nratzado
rnvel, dese
,tLr,/,erosamente nesse cenrio

de referenciais
csvaziado de subjerividade, privado de objerivos e
em
representao
de norte, jogo de uma

(plc pudessem servir


t'rise, igralmente partilh ada por leitor e escritor'
Mas, nas dobras dessa escrita de aparente ttonsens',
a atenrrrlriplas significaes se acorovelam. E preciso aguar
a difecaptar
para
lr. e arrar a capacidade de discernimenro
vive uffa situar-cra que energe do rexto. o ex-ator deriva
amantes, roteiros
lr.-limite. E,m .reio a hotis, cad veres,,

()c..rsionais, assiste-se irrrob thzao gradual desse eu-em-trn-

sir.' obrigado ,a usar muletas, cadeira de rodas, forado muverbal,


tlcr,, interrupo simulrnea da errncia e do fluxo

em
i.ragens que lemos/orhamos se formando e se deforrnando
de
i'cstancvel n-robilidade, movimentos lentos e acelerados

, r eu

"'31i:"[":;f;;i::,:',:ffi:"::,3';

vir a propsir. a aproxirnao de procedimentos narrativos de Noll com a


er
rAneira cinematog rfica de narrar de Wim Wenders. Este'

partem
/gca r/as irnagens, declara: "N'{uitos dos meus filrnes
vezes'
por
tlc viagens em vez de partirern de argurentos. Isso,
de noite, e de
, como um rro cego seff instrumentos. Voa-se

,,1

-liadtro cte Hi

'" ICO, Llmberto. ,Srfu passeir'ts pelrts bosqu'es do Jicao'


leisr. so Paulo: companhia das Letras. 1991, p. 81.

lcle gard

ffranh chega-se a qualquer lado".'50 Voam pela noite, sem insrrumenros, a imagem e a palavra - Paris Texas e Hoel Atlnlico.
Em ambos, a construo de personagens despojados de atributos humanos, de vnculos concretos com tempo e espao determinados, distanciados das veredas em que se operan- construes, demolies e reconstrues no afr dirio dos homens.
Vo cego, desbussolado, marca a trajetria do personagem em
rranse/trnsito de Noll: "Voltei a andar com o meu bordo. No
n-esrno caminho de antes, d. quem no podia se dispersar conl
as coisas do mundo, de quen suportava uffa cegueira que lhe
abria o contato com as foras. N4e interromper seria um insulto".'1r
Ao paradoxo da cegueira que, em vez de cerrar, abre

possibilidades de contato, adicione-se a fatalidade da errncia,


espcie de maldio abenoada pela vtima, gue nela encontra
roda a razo de seu existir. Linguagem despoj ada, seca e corranre acenrua as demolies fsicas e psquicas do personagemnarrador. E assim a prosa de Noll: despoe trzada, cho spero
de pedras irregulares, por onde o leitor, em vez de deslizar,
rropea e avana aos solavancos. Produtor de imagens que o
prod uzeffi, o escritor Noll p.nsa visualmente o ffundo conteff-

porneo, mundo compactamentc concentrado que, o


cor-pactao corrosiva de Luis Fernando Verissimo, o "das
iluses perdidas I dos heris desmascarados I e das certezas
falidastt.52

Para melhor situar a vertente do pensar por imagens,


to acentu ada na prosa ficcional de Noll, farei uma excurso s
fronteiras da literatura com outras linguagens. Sem remontar s
cabeceiras, registro o momento em que as guas se misturan-.
Noas rle fi'larfrvdo Rangel, rcpr-ter" (a rcspeito de Kranter), de Srgio
WENDERS. Wim. A lgica das rnagens. Tiirduo de IVIaria Alexarndra
Lopes. Rio de Janeiro: Edies 70,, 1990, p. 55.
NOLL, -[oo Gilberto. Hotel Atlntico, Rio cle Janeiro: Francisco Alves,,
1995, p. 66.

VERISSIN,IO, Luis Fernando, Jorual do Brasil, Rio cle Janeiro: 10 fer'.


1995. Opinio, p. 9.

CENAS DO SIMULACRO

CENAS DO SIMULACRO

assinala o
srrnr,Anna (1g 73), , rrulo marcanrc, no s porque
da
literrio
strrgimenro cle um fccionisra cJc flc{o no hclrrT'once
de Sant'Anna
rlcada, mas sobrerudo porquc o rcxro ficcional
cle
rrsce de uma benr-sucedida r--csclagctn intcr-semitica
narrativas que
tlivcrsas linguagens. percorrcnclo as virrrc c urla
dcssc procedi, r ogram a coletnea, constata-se a rclcvncia
nr4'ativa da
orga
c
rcnto, promovido a rnatrrz constituidora
do livro. o que olhado de fora parece uma superposio
1rrrica

urtantoarbrtr'rta'Ceretalhosheterclitos'vistomaisdedenA
,() funciona con-o arriculao de membros desconjuntados'
D
mostra'
narrativo deixa
r lcscontinui,Cade do discurso
clichs
r(.(.rrrncia cle suas mlriplas fraturas, reminiscncias,
reportagens' fil:* Ior-]atizados, nfases retricas, pedaos de
noo
,cs., peas de rearro e de'lV. Inevi tvel recorrer aqui
Sant'Anna opera na faixa da
t rc simulacro, o verificar que
r

de reprer(.r)rcsenrao de segundo grau. Assirn, ropresentao

\(.rtaes, a prosa de suas fices no se prope inaugurar


tvarfrvdo
rt.r-r-irrio virgem. Felo conrrrio, a prosa de vrtas de
dc mltilrrtt,g./, r-epor-rer- exprora espaos discursivos nrinados
conto'
primeiro
no
lrrrs signos que aderen^ sua escrita. I
,,pela janela", o narrador sc d conta cia red,-,plicao'
rrrr irulado
tr'rdo
j
A velha ia falando e era como se o homem solrbesse
j
mllitas
lido
o qlre ela iria drzer. como se fosse Llm livro
velha
vezes e o homem tinha a i.npresso cle qlle ele e a
qualquer'
no eram reais, mas personagens de uma estria
os dias
mrbida e grotesca' onde eles se repetissem todos

e sem nenhuma possibilidade de alterar mesmo uma pequena frase oll gesto de sell destino''5t
Nesse dobrar-se do texto sobre si tresm-o' a crise da
com discursos banalizados, desgasr ...l)rcsentao contracena
SAN'I"ANNA,

Srgio. trotas de l'[artfredo Rattgel, reptirter

Krutner). ?, ecl. Rio

de

(a

respetrt de

aneiro: Civiltzao Brasileira, t977, p' 9'

rl

tados pelo uso e esvaziados de significao. "O espetculo


no pode paa", ltima narrativa do livro, encerra o conjunto
com o pargrafo-chave para a leitura que venho propondo:
O espetculo horrvel: grotesco, vulgar e at bvio, em
alguns momentos, beirando o subliterrio. O espetculo

CENAS DO SIMULACRO

CENAS DO SIMULACRO

62

,,

antes de tudo, patolgico. Mas o pblico gosta. Acontece


todas as noites, exceto s segundas-feiras.sa

c'mbinarrio:

rea

fico
de confluncias vrias, a prosa de

expandida pelo cinema, pelo


sabe-se agorainvadida, inibida e
vez de recusar as interjornar, pelo rdio e pera tereviso. E m
especificidade hterrta'
terncias em nome de uma improvvel
e passa a trabalhar o texto na
o auror rira parrido do hibridismo
Permevel aos
inrerface de uma gramcica multissemiolgica.
meios de comunicao de
signos icnico-udio-cnicos dos
com eles um dilogo irnimassa, aescrira rire rrra esmbelece
valor de simulacro:
co_crrico na interface, acrescenmndo-lhe

Fragmento de um monlogo, o discurso do atornarrador acolhe, na transparncia do simulacro, clichs do jar-

I.JmaAnlisePsicolgicadeKramer:QuandoFiosubiumais

go crtico entremeados ao relato da representao teatral, gue,

altoqueBritonareaecabeceouparamarcarogolda

por sua vez, se sobrepe fala confidencial de uma experincia particular. Incorporando su a fala termos e trechos de outras
falas, expresses despersonaltzadas e annimas, o narrador faz
do literrio o lugar de passagem e incerao multidiscursiva,
marcado por artifcios que denunciam ambigidade e desgaste
do poder de signifi ca. isso mesmo que declara Manfredo
Rangel, o reprter-narrador do conto que d ttulo ao livro:
"Comeo a entender que tudo aquilo que se escreve ou fala,
mesmo de fatos ou pessoas reais, sempre se torna mcico, escorregadio e arbitrrio",ss decl aru,o aposta nas "Notas suplementares" da narrativa, maneira de poshscriplum. Depois de jrrtapor hipteses, trechos de depoimentos, entrevistas, pronunciamentos, citaes e confisses ntimas, aclamaes pblicas,
cenas de te leviso, rumores e boatos, notcias e apontamentos,
tudo apressadamente montado maneira de um document,rro
jornalstico inconcluso, ela frisa, em comentrio margem, o
carrer duplamente ensastico desse tipo de prosa ensaio no
sentido teatal de exerccios preparatrios do espetculoo ensaio no sentido rnetalingstico de discurso auto-reflexivo. I\*lessa
perspectiva, o texto de Sant'Anna abre bastante o leque
Idem, p. ?lZ.
Idem, p. 205.

alegria de Kramer'
virria do Flamengo contra o Botafogo'
parecia totalrnenabraando-se aos populares no Maracan'

Eeespontnea.opolticoumator'obompoltico'Llm
seja, idenriaror nos moldes de sranisravski. ou
excelenre
assumindo-o totalmenfica-se com a figura do personagem'

t9'demaneiraqLlepassaasentirerepresentaraqr-riloqLle

::; ::ffiil;j

;::::";::::,l

:"*"'

de Kramer

de Kramer
Tnto oporrunismo, demagogia, misrifrcao
ambigi_ o personagem-objero das noras de Rangel - quanro
do reprter - o personadades, acumpliciamenros e omisses
consubstanciais ao disgem-sujeiro da narrao - so arriburos
os procedimentos da
curso guo, ao escanc ara para o leitor
do personagem configurado
cornposio , faz a crtica ranro
texto funciona como
quanto do personagem configurador. o
pe a nu, nada escapando
uma mscara arnplificadora que rudo
sendo to fortemente ilu violncia do simulacro. A cen a vat
A escrita mitifica/
rnin ada que no deixa margem a sombrasentrelinhas' em confordesrnicifica imagens num percurso sem
do reprter:
rnidade com este outro posl-scriptum
5('

Idem, P'

187.

64

CENAS DO SIMULACRO

CENAS DO SIMULACRO

cla repetio de formas, do contato cotidiano

Estas notas que, escritas resumidamente, mais se asseme-

tr foi atravs

lham a Llm roteiro de cinema. Como se eu tivesse procurado os ngr-rlos mais fotognicos de Kramer. Er-r imagino,
sobretudo, cenas finais de grande impacto: Kramer flagelado
e crlrcificado sobre Lrm palanque eleitorel em Recife-

com todos os ripos de prlatias, qLle a linguagem comoll


forma e se expandir-r, com cacla grandc cincasta enriqr-recendo, de seu prprio jcito, o vrsto c invisvel dicionrio que
hoje todos ns consultamos. I-Jrna lir-rguegcm (lLlc continLla
em mutao, semana a sernana, clia a clia, co'lo rcflcxo veloz
dessas relaes obscuras, multifacctadas,, colrplcxas e contraditrias, S relaes que constitlrem o singr,rlar recido

Pernambuco.'57

O segundo texto da coletnea, "No ltirro minuto", concentra-se em uma imagem-sntese da fora e econonria dos meios expressionais sincronrzados com o objeto cn-
foco. O tempo da ao, no diretamente encenada, no passa
de uma frao de instante: o lance clo gol ocorrido no lcimo
tninuto d. jogo. O fiash desse lance, filrnado por trs canais
de celeviso, visto e revisto de vrios ngulos, en velocidade normal e cmera lenta, pelo goleiro que o sofre. Imagem obsessiva e torturante, o instante do gol , multiplicado
e eternizado pelos meios televisivos. Evidente que no se
trata aqui de um desvio sadomasoquista. A fico sirnula
prticas da con-unicao de massa, eu, clbcecada pelos ndices de audincia, se d"grada a ponco de participar da transformao de unla saudvel prtica sclcial en patologia. Srgio Sant'Anna ir-nprime assim ura marca pop na fico literrra da poca er que impcrar- os meios de corunicao
eln massa. Recorte e colagen de fragmentos de discursos
inter-semiticcls tornam o rnornento da con-posio individual o estu rro de confluncias annimas. Assirn, boa parte da
originalidade de inveno em Marfredo Rangel se deve ao
eproveitarnento de recursos recorrentes nas mais
dirrersificadas prticas discursivas, pois uma nova linguagem
nunca feita pelo indivduo. Nesse sentido,.ean-Claude
Carrire frisa a i*portncia da particip ao das platias no
processo de inveno e transformao do cinema.

conjuntivo das sociedades humanas"tt

No reperrrio de inovaes da linguagem lite rtra,


f"csLlltantes de seu contafo com o cinema, no h dvida de
(lpc o nome de Rubeff Fonseca , dos mais representativos,
um escritor ligado produo de filmes,
lrrpecedor de argumentos e preparador de roteiros, nas sobreSuceSSo
r rrclo porqU, em SeuS contos e romanCes, adota com
irrvcnes da sinraxe cinematogrfica. Essa intimidade com a
lirrguagem da stima ar[e levou-o a empreg, em seu roffance
O 5elrsagern da pera (1991), a forma de um script destinado
l'i lpragem. Trara-se de uma deciso que o autor explicita logo
rrrs primeiras pginas do livro:

rre s por se tratar cle

Isto , Llm filme, oll melhor, o texto de um filme clLle tem


como pano de fr-rndo a pera, como principal personagem
Lrm msico qlre depois de amado e glorificado foi esqr-recido e abandonado, um filme que pergunta se Llma pessoa
pode vir a ser aquilo que ela no , Lrm filme qlle fala da
coragem de fazer e o medo de errar'S"

rrr

Tomo de Italo Calvino a exprcsso "potsesso absolucinelTa na


[)ara oescrever a presena ativa da linguagem do
I

IAIRIE,RE,, Jean-Claucle. A liugtagem secrvta do cnena. Tiacltro de


lcrnando Benjarnin Albagli. Rio ,Ce aneiro: Nova Fronceira, 1995, p. 22.
I,'ONSECA, Rubem. O selaagem da ripera. So Paulo: Companhia ciirs

Idem, p. 205.

LctrAS, 1991, pp. 10-1.

66

CENAS DO SIMULACRO

fico de Rubem Fonseca. Desde os primeiros conros, Os prisioneros (1963), tcnicas de narar macaclamenre
rubenfonsequianas denunciam essa obsesso que consiste no
s na aclimatao ao meio literrio de irnagens visuais enquadradas a partir de ngulos escolhidos em vista de determinado
efeito, expostas magia da lu z atmosfrica ou ressaltadas numa
angulao de choqu, mas tambm no freqenre uso do corre
e da montagem. Desse modo, a jrrttaposio de fragmenros
relacionados entre si por analogia ou contraste e entremeados
de abruptas elipses que acentuam a descontinuidade da ao
' expediente prprio economia narrariva do auror. Em rais
recursos de expresso, pode o leitor mais famil iarrzado com
seus textos identificar traos de uma linguagem contundenre,
adequada elaborao da matrra bruta que o escritor foi recolher no submundo do crime e nas camadas sociais mais sofsticadas, onde se aninham nichos de perverses violenras.
Essa tnica, submetida a reelaboraes constantes, aringe sua
prirneira culminncia nas qui nze pequenas narrarivas de fe/iz
ano noao (197 5), todas elas peas bem acabadas do humor
cortante de R-ubem Fonseca. O procedimento que vai se aprimorando com a experincia do escritor, atingindo na maturidade o pleno dornnio dos recursos expressionais aclimatados em
sua prosa, j estava no livro de estria e pode ser exemplificativamente reconhecido no conto "Duzentos e vinte cinco gramas". A fria rudeza do legista, que, depois de virar e revirar o
cad ver da moa assassinada, comea a retalhar
seu corpo e,
abruptamente, maneira de um aougueiro, vai jogando na
balana um a um os tgos arrancados, pode ilusrrar,
metonirnicamente, o trabalho do narrador, sempre s voltas com
pedaos de matria chocante, retirados de um corpo despedaado e expostos com cru eza ao olhar do leiror. A afinidade com
o cinema fica ainda mais evidente no conro-rtulo de Ltcia
'4[cCartney (1970), onde trechos de dilogos ocasionais, de conversas telefnicas, de cartas ntimas, flashes de enconrros e
desencontros etc. ocupam o espao narrativo como alternativas

CENAS DO SIMULACRO

67

litcrrias ao procedimento fhnico de corte e montagem. Ofe;cccndo ao leitor possibilidades de combina o, narativa abre
rr lraura paa a polifonia. Ao se referir pluralidade de vozes
"r;ue aparecem misturadas, se alternam e confundem" no conro cle Rubem Fonseca, Boris Schnaiderman chama ateno para
o cspecial interesse que, elativamente a esse aspecto, apresentrr "A opo" de A coleira do co:
Alm da fala de cada personagem, surge a sua voz interior
em confronto com as vozes da cultura, numa oll em olltra
parre deformadas pela citao. A do narrador se interrompe
bruscarnente no final, como que impondo ao leitor a sLla
colabo rao, para interpretar o desfecho. E toda a narrativa
se desenvolve em cortes bruscos, marcados pel as vozes dos
person agens.t'('

Na perspectiva de leitura em que venho me situando,


lrcrmito-me acrescentar que , lm de operar com a polifonia,
lubem Fonseca trabalha a poliedolia quero drzer que ima{cns fnicas vm acopladas a imagens visuais. Talvez em nenhuma outra narrativa o autor tenha se esmerado tanto nesta
rrrixagem de som e imagem como fez em "Olhar", gue integra
r colernea Romance negro (1992). Entremeando o texto com
rrluses a escritores e compositores, a obras musicais e literrirrs, o narrador faz desfilar diante da imagin a,o do leitor uma
cadeia de imagens visuais acompanhadas de peas de msica
crudita, que funciona como traos de relevo nos lances de
conrplexific ao da intriga. Narrativa em primeira pessoa, o
ponto de vista se desloca, g11, das consideraes subjetivas
plra anotao de detalhes do mundo dos objetos. Apresentanrlo-se como escritor clssico interessado em raridades bibliogrSCHNAIDERN4AN, Boris. "Vozes de barbrie e vozes de cultura". In:
Contos reunidos - Ruhem Fonseca. So Paulo: Companhia das Letras, 1995,

p.

777.

r#
CENAS DO SIMULACRO

ficas. o personagem-narador erigiu em volta de si uma


muralha ltero-musical que o protege do spero contato com o
rrundo da vida. Tendo descoberto "uma interessante sinergia
entre msica e literatura", passa os dias em casa escrevendo ou
"ouvindo msica e relendo Petraca,, ou Bach e Dante, ou Brahrns

e Santo Toms de Aquino, ou Chopin e Cam"rrr.(rr Considera


o cinema uma arte menor, "uma manifestao cultural rncapaz
de produzir uma verdadeira obra clssica".62 Mas a grande vicissitude de sua vida consiste em romper o crculo da aliena o
erudita, que ele qualificaa de "fruio sublime", e entrar eff
comunho com a vida animal. A sada da passividade
contemplativa em direo atividade instintiva ou a descida da
cultura para a barbrie (categorias utrltzadas por Schnaiderman)
se d atravs do olhar. "Arte fome",63 lhe havia dito sen[enciosamente o Dr. Goldblum, antes de convid -lo para jantar no
restaurante que servia o melhor peixe da cidade. No propriamente o restaurante, ffas "um enorme aqurio cheio de trutas
azuladnt')('r o ponto nodal que transforma o sentido da trajecria do personagem erudito, amante dos clssicos. Subitamenf, no momento em que seu olhar cruza com o olhar de uma das
trutas que "nadava de maneira mais elegante do que as outras",
ele se sente tocado pela novidade. Desse ponto em diante, o
ritual de convvio com os clssicos partilhado corrr os prazeres
da lresa. Mas os nicos pratos que despertam seu aperite so
os preparados com a carne dos animais que, antes de serem
sacrificados, tinham tido um momento de profunda comunho,
olho-no-olho. com seu devorador. Os prazeres, anteriormente
encontrados na "fruio sublime", Iocaltzam-se agora na satisfao de apetites impulsivos. E o sentido da viso que esr
comprometido com a mudana. O olhar fica, assim, degradado,
FONSECA, Rubem. Rornance ilegro. So Paulo: Companhia das Letras,
1992, p. 62.
bZ

Ibidem.

r.

Idem. p.

Ibidem.

65.

CENAS DO SIMULACRO

69

terrena
rlcscendo do nvel elevado em que pairava para a prtrca
patente
clc aros instintivos. Na seqncia da narrativa, torna-se
embriaga num
rr perverso do olhar, eue, no clmax do conto, se
de
rirual de sangue esfaqueamenro, csfoladura c evisce rao
de
Lrm coelho , cena consumada na banhcira, com requintes

sadomasoquismo, ao som da vort, sinfona de Becthoven.


uma
sinergia entre msica e literatura , agora transportada para
cclebrao rransgressora: impacto dissonanre da combinao
cesrrblimidade/cueza. Os elementos da cena, que tem como

e
rrrio o banheiro, como ao o sacrifcio cruento do coelho
numa
como fundo musical a nona de Beethoven, resultam
exr-onragem de choque com forte efeito dramtico. Sntese
coisas
de
pressiva da esttica da dissonncia, engavetamento
fora do lugar, a lio de "olhar", a um s tempo. denuncia a
fragilidade da camada culrural gue, no ocidenre, destroou o
cJesenvolvimenro harmonioso do ser humano ao privilegiar apenas os senridos conceiruais (viso e audio) e indicia o senso
de conremporaneidade conrido na prosa de Rubem Fonseca,
cue, praticando uma estrica de choque, visa ativar a sensibilidade embot ada de nosso rempo. Avanando o sinal, eu diria
que o ficcionista suscita nesre conto uma crtica demolidora
culrura ocidenral, historicamente assentada na rnitific ao do
6lhar civilizado, procedimenro que vem da antiguidade clssica
c roma conra da modernidade. Entre o olhar enfeitiado pelas
sombras que se movem no fundo da cavema platnica e o olhar
lripnor rzado pelas sombras que se agitam nos retngulos luminosos
e
clos aparelhos receprores ,Ce TV so quinze sculos de teorias
de
prricas da imagem. Nada mais denunciador da degrad ao
valores implic ada nas perverses intelecruais da cultura de nosso
rcmpo do que a banali zao da clebre sinfonia nmero 4l de
Mozart, Jpiter, utthzada como msica de mesa (Thfelmttsi),
rcrTpero adicionado ao coelho, saboreado com intenso gozo
sacrifcou e fez dele um ensopado.
1-rclo homem erudito que o
Saturada de flmes e vdeos, fotos e programas de
tcv, revistas em quadrinhos e desenhos animados , ctazes

70

CENAS DO SIMULACRO

CENAS DO SIMULACRO

e annclos luminosos, posters e grffis, a cultura, nesta

poca

das tcnicas de reproduo em massa, deu origem expresso ra da imagem. Esta alcunha forj ada e susrenrada,
acriticamente, pelos meios de comunicao, requer, neste
ponto do ensaio, algumas consideraes.
Ao me propor adentrar a vereda da fico lrterrra,
contaminada pela linguagem cinem atogrfica, nada mais pretendi do que assinalar a marca da avassaladora presena da
imagem visual na literatura do perodo que esrou esrudando.
Nunca imaginei que esse trao pudesse dar conra de toda a complexidade da prosa de fico, netn que fosse ndice exclusivo dos
textos produzidos nesse mesmo perodo. Como se sabe, a ubiqidade da imagem, que tomou cont dos meios de comun rcao no
sculo )O(, j h' bastante rcmpo vem provocando reflexes crticas
e tericas. Interessam-me, nessa questo, sobretudo as modifi caes que, por influncia do cinema, se introd uziram no modo
de acesso ao texto, em sua divulg a,o e interao com o leitor.
A mudana na relao do pblico com a obra, provoc ada pelo
cinema, foi apontada por Walter Benjamin como relevanre em
seu clssico ensaio "A obra de arte na poca de suas tcnicas
de reproduo", publicado pela primeira vez em 1937. Estabelecendo um paralelo com a obra de Freud, afrma o ensasta:
Alargando o mundo dos objetos dos quais romamos conhecimento, tanto no sentido visual como no auditivo, o cinema acarretou, em conseqncia, um aprofundamento da percepo.s

Se as tcnicas de reproduo aplicadas obra

de atte,

como assegura Benjamin, "modificam a atitude da massa com


relao arte" ,('6 pode-se imaginar o quanto afeta a imaginao
BENJAMIN, Walter. "A obra de arte na poca de suas tcnicas

cle repro-

duo". Traduo de Edson Arajo Cabral e Jos Beneclito de Oliveira.

In: Beryamin Habermas Horilteiruer Adorno. So Paulo: Abril, 1983, p.


Idem, p. ?1,

Z?.

7l

clo autor. Ilusrra bem essa intera o de linguagens O criadomudo (1991), de Edgar Telres Ribeiro, gue, medianre a nfase
conferida ao detalhe, aproxima do olho do leitor os quatro
personagens da narrativa, como Se uma cmera oS tivesse
focal rzando em primeirssimo plano. Relativamente marca
do cinema na fico conrempornea, depoimentos e comencrios dos ficcionisras que se ocuparam com o tema so
bastante esclarecedores. Italo calvino, por exemplo, sob a
rubrica "visibilidade", dedica a quarta de suas cinco Lezion
Americane;T idia de fundamentalidade da imagem visual
no processo de inveno lite rria. Confessando-se possudo pelo cinema, refere-se atividade produtiva da imagina o, a que chama "cinema" mental, como modo de
funcionamento rrans-histrico da mente humana. Partindo
de Danre, cira o verso ?s , canto XVII, do "Pu rgatrio" ,

que dtz: "Poi piovve dentro a I'alta fantasia" ["Chove


dentro da alta fantasia" na traduo de Ivo Barroso], e se
ind aga a respeiro do significado das imagens gue, no contexto dantesco:, se formam diretamente no esprito do autor.
Essa excurso a bordo de Calvino serviu para armar

um esqueffi, por meio do qual a produo imagstica que o


auror elabora, bombardeado de imagens por todos os lados,
fosse visual rzada no apenas numa perspectiva histrica, como
mmbm num conrexro de possibilidades presentes. A figura de
um cinema mental anterior inven o do cinema remete a
imagem visual sua verdadeira fonte: a imagin a"o. A distino
formu lada pelo pensamento grego, que opunh a fanlasma a fantasia, sendo aquela a imagem e esta a faculdade que a produz,
de acordo com a lio de Jean Starobinski,6s remete as mais
diversifcadas manifesraes do imagin rro a uma fonte comum.

Nessa perspecriva, o intercmbio inter-semitico, na medida


Seis propostas para o prximo milnio. Tiaduo de Ivo
Barroso. So Paulo: Companhia das Letras, 1990, pp. 97-I14.
STAROBINSKI, Jean. "L'Empire de I'imaginaire". In: La Relation crti'
que. Paris: Gallimard, I970, pp. 177-81.

CALVINO, ftalo.

CENAS DO SIMULACRO

72

em que diversifica e enriquece as linguagens de nosso tempo, agente revitahzador do literrio, como se pode observar nas obras referidas neste estudo. Situ ada diante do amplo panorama que abre ao analista a interao cinema-literatura, retorno a Joo Gilberto Noll, que parece escrever com
o olhar voltado para o cinema, pal ava e imagem
rearticulando-se a partir da fonte: a imaginao criadora.
A linguagem dos contos de O cego a danarina
(1980) incorpora cena da escrita a presena de anncios
luminosos, de filmes, shows de strip-tease, programas de
TV e de rdio, videogames, outdoors etc. Em "Marilyn
no inferno", uffi dos contos em que palavra e imagem se
entrelnam, o autor, trabalhando com personagens sem
fundo, imagina como protagonista um figurante do primeiro aestern rodado no Brasil. A Baixada Fluminense simula
as pradarias do Arizona e, no mesmo tabuleiro, cruzam-se
estrelas de Hollywood, Eisenstein, Kung Fu:

73

CENAS DO SIMULACRO

aoitada pelo Billy Wilder, dizem que ele prendeu ela numa
coluna e deu 37 chicotadas, ela saiu Llma misria, mas foi
assim que ela aprendeu e fez aqr-rela beleza de filme.7"

"A narrativa, verdadeira corrida cinem atogrfica

fora

do alcance de qualquer cmera" (Sssekind, 1986:82), mistura,


no mesmo cadinho, lembranas do passado, breve participao
do figuranre no aestern da Baixada Fluminense, sonhos de
estrelato e imagens sem fundo de catazes e revistas ilustradas
em que o personagem quer se transformar. E ser um grande
cartaz de cinema em Caxias, anunciando Kung Fu, o obstculo
que fere o soldadinho de chumbo, uma imagem estttca a ferir
o corpo em movimento do menino.
Kung Fu conrra os espadachins de Damasco, Kung Fr-r!
repere o rapazinho qLre no agiienta tanta glria e cuspido
do cavalo contra o caraz que se rasga e recebe Llm violento
jato de sanglle no olho de Kung Fu.7l

O rapazinho levanca a esping arda com vontade, e o cu


daquele azul acidentado da Baixada Flurninense. O diretor
lembra Eisenstein e que prestar uma homenagem ao ve-

lho sovitico.oe
Sonhos de estrelato surgem acoplados a memrias de
infncia, pois o que o menino gostava de ouvir e...

t...] o tio gostava de contar mesmo era das estrelas de


Hollywood, sabe como que os diretores dos filmes l
tratam as estrelas,' porrada, a Bette Davis levava bofetes
na caa, Sa das filmagens toda roxa qr-rando ela esqllecia o

texto oLl no sabia fazer direito um gesto' Llm caminhar, a


Marilyn durante a filmagem do Pecado mora ao lado foi
6q

NOLL, Joo Gilberto. O cego e a danariaa. Rio de Janeiro: Civilizao


Brasileira, 1980, p. 36.

Imimndo movimentos de cmera, encharcando-se de


comparaes cinem atogrficas, ritmo alucinante, a velocidade
da narrativa se choca com a imagem esttica, o Kung Fu de
papel que liquida o soldadinho de chunrbo. O corpo em movimento do figrrante, provocando a exploso no espao, ao
mesmo tempo acaba com o sonho de estrelato. Iconoclstica, a
prosa ficcional de Joo Gilberto Noll se constri nesse caso
sobre os escombros de um imaginrio cinem atogrfico por ele
mesmo hiperbolicamenre deformado com visada crtico-satrica. sua maneira, Noll pe em prtica a reciclagem de
imagens usadas, uma das alternativas propostas por Calvino.
No por acaso, , a Baixada Fluminense o cenrio do pastiche,
pois , ali, na periferia da grande cidade, gu se despejam diaria70

ldem, p.

37.

7t ldem, p. 39,

74

CENAS DO SIMULACRO

CENAS DO SIMULACRO

diariamenre roneladas de imagens de baixssima categorla


para consumo acrtico da massa privada do acesso s fontes

liberrrias de energia emancipudora. Indireta e


hiperbolicamenre, o conto de Noll denuncia tal situ a"o,
fazendo de uma parbola cinemato grftca o simulacro da
deform ao alienanre. Mas seu texto , tambm descida simblica inquietude do viver.

Busco identifcar na voz de Noll, gue reflete sobre a


funo existencial da literatura, reao viva ao peso do viver,
confirmao do rumo tomado por minha leitura. Em 31 de
ourubro de lgg0, pergunrado em entrevista pelo Jornal de
Braslia sobre o lugar do cinema em sua formao e em sua
fco, o autor responde:
O cinema foi o grande respiradouro ucpico concra as restrlgerao. t...]
es do coridiano de classe mdia da minha
Nas marins de domingo voc poderia perceber qlre havia
ourros mundos, outras possibilidades paa alm do marasmo daqr-reles colgios chatos que a gente era obrigado a
freqenrar. Era uma fuga tambm do ambiente familiar. Eu
mergulhava no s no mundo dos filmes estrangeiros, mas

tambm nos filmes da Atlntida.

Reminiscncias autobiogrficas ajudam o autor a se


rever no que fora sua adolescncia, como se estas lembranas
melhor o capacitassem a explicar a motivao profunda de
seu desejo de escrever. A paixo pelo cinema, 9u tomou
conta da alma do adolescente, permanece como clara referncia no rrabalho do ficcionista. O interesse do leitor que
segue o itinerrio de seus personagens permanentemente
em trnsiro taz reminiscncias de cenas de fuga e perseguio, narradas no cinema em seqncias de montagem
paralela, que levam o espectador a ficar atento a cada gesto
do personagem, a se surpreender a cada curva do cenrio, a
escurar cada sonoridade como se, alm de figu rada pelo olho,

7S

oportua vida pudesse ser seguida atravs dos rudos" . A


na
escriror
nidade dessas aproximaes , incentivada pelo
ltima resposta da mesma entrevista:
,,

cinema'
Eu escrevo com o desejo de fazer outra coisa literatr-rra'
Existe um simulacro cinemarogrfico em minha
atogrfica
cinem
Mer-r desejo est muito mais na real rzao
muito
do que na literatura. s no fiz cinema porque ea
muito
ea
eu
mais fcil fazer literarura e rambm porque
com
rmido. Mas entre Antonioni e Thomas Mann, fico
algo

Mann
Anronioni. E isro lembrando que ler Thomas
da
que me comove at s lgrimas. A voltagem potica
palavra to emancipadora quanto a do cinema'

pouco provvel que eu pudesse enconta

passa-

pois nele
gem mais-adequada ao encerramento desre caprulo,
elaborase aproximam as trs palavras-chave que presidem
literatura.
cinema,
simulacro,
o de todo este meu ensaio:

frrOelio

A Histria no e xt,m

simples quadro de
acontecimenlos ; mais, o uerbo feito liaro.

Machado de Assis

soli t'rra,lcr podc nos salvar da disperso,

da monotonia e da turbulncia da vida cotidiana. Mil coisas,


nos alerta Octavto Paz, "solicitam ao mesmo tempo nossa ateno e nenhuma delas consegue nos segu ar, assim a vida se
toma areia entre os dedos, e as horas, fumaa no crebo".72
Ler o contr,rto dessa disperso dissipadora e perdulna; ler exercita a concentrao que nos permite sair de ns
mesmos e descobrir mundos desconhecidos. A*pliando e sublinhando essa reflexo, de Proust, em O tempo redescoberlo,

o achado:
Graas arte, ern vez de contemplar urn s mundo, o nosso,

vemo-lo rnulciplicar-se, e dispomos de tantos mundos


quantos artistas originais existem, rnais diversos entre si
dos que rolarn no infinito.i'3
Recorro a Jean-Paul Sartre no intuito de cla ea o modo
de existncia dos rnundos corn os quais entro ern contato ao ler
romances:

Em realidade, na leitura corno no teatro estarnos na presena 'de um mundo e atribumos a este rnundo exatarnente a
mesrna existncia que o do [eatro; isro , Lrrna existncia
cornpleta no irreal. Os signos verbais no so, como por
72
7.\

Paz, op. cit., 1993, p. 86.


PROUST, Ivlarcel. O ternpo redescoberto. Tracluo de Lcia Vliguel-Pereira. Porto Alegre: Globo, 1958, p. l4Z,

g0

CoNTRACENANDO COM A HISTORIA

exemplo no caso da matem ttca, intermedirios entre

CONTRACENANDO COM A HISTORIA

panso e declnio no , prisioneiro de fronteiras cronolgicas


estanques. A narativa de fico dos 80 e 90, alm de diversidades manifestadas dentro do rnarco dos decnios, apresenta
originalidades enarzadas no passado. De imed rato, preciso
apontar para o passado prximo das dcadas imediatamente
anteriores. A dcada de 50, por exemplo, que constitui perodo
de esplendor, tendo a domin -la a produo soberba de Guimares Rosa, deixa marcas indelveis em muitas obras poste-

as

susignificaes puras e nossa conscincia: representam a


perfcie de conrato entre este mundo imaginrio e ns' Para
descrever corretamente o fenmeno da leitura, ' preciso

pois drzer que o leitor est em presena de Llm mllndo'74

Ler, interro g, decifrar uma contemporaneidade

de

perspecrivas mltiplas, ffiundo irreal posto ante meu olhar ledor


de fces, conrinua sendo o desafio que pretendo enfrenta.
Impulsionada pelo texto proustiano, pergunto-me se no seriam
[anras as conremporaneidades quantos so os ficcionistas origi-

riores. A de 60, em que prevalece o experimentalisrno


vanguardista, desbasta o terreno para que outros possam se

nais que despontam no horizonte de nosso tempo' Mas,


imediaro, me dou conra de que , da diversidade de vises,
mais ou menos concomicantes, que se forma aquilo que denominamos conremporaneidade. E caracterstica muico saliente
na fsionomia da fase que aavessamos , a co-ocorrncia de
diferenas mlriplas. LJma figura, portanto, desenhada a partir
de traos nem sempre convergentes e, s vezes, conflitantes e
contraditrios enrre si, define a cultura do mundo contemporneo. Nesre tranado que vou rrabalhando, no renho a pretenso de puxar rodos os fos. Selecionarei alguns para com eles
poder operar denrro de uma teia de sentido metonmico, isto '
renro siruar-me nas contigidades sem cortar a circunferncia
para onde tendem os raios divergenfes.
Reirero a delimirao do campo de investigao: minha leirura esr circunscrita narrativa de fico (conto e romance) prod uzida no Brasil nos anos 80 e 90. certo que , paa
pens-la, no devo separ-la do solo de que ela se nutre nem
do horizonre conrextual em que se inscreve. A diviso em
dcadas no passa de um artifcio cmodo para a anlise de
momenros incensos cujo tempo de gestaoo surgimento, exde

74

SARTRE, Jean-Paul. L'Irnagirtare


l'imaginaton. Paris: Gallimarcl, 1940,

psychologie phnornno/rtgque

p' 87 '

8l

de

mover mais desembaraadamente, inclusive os negadores da


prpria vanguarda. A de 70, engrossando uma vertente que
vinha de trs, predominantemente ocupada pela literatura de
denncia polttca e social, preenchendo espaos jornalsticos , j,
que a imprensa, amordaada, deixava vcuos de inform ao.
certo que a fico dos B0 no estanca essas fontes; antes ,
delas que se abastece para refor-las e ultrapass-las. Na fico dos 80 e 90 existem, possivelmente, craos comuns e singularidades que permitem falar de tendncia nova. O mercado
que o livro disputa e o pblico massificado para o qual os
autores escrevem agora so fatores interferindo na repblica
das letras e alterando-lhe o feitio. O discurso narrarivo, ele
mesmo consumidor, no mais oculta o metabolismo que em
suas entranhas se processa por causa do intercmbio com outras formas de expresso e comunicao. Liberta-se, por outro
lado, da tirania da objetividade, gue, sob o rtulo de literaturaverdade, ftzera florescer romances-reportagem e contos-reportagem no Brasil dos 70, documento e depoimento, confisso e
testemunha gue, na ge rao massacrada pelo AI-5, preenchiam
as lacunas deixadas pela i*prensa sob censura e perderam
substncia nos 80. Em contrapartida, sem compromissos com a
revelao ou propa gao de uma verdade, recupera foras uma
fico de molde hiper-realista, de que exemplo Rubem Fonseca. Em 1976, o autor teve seu livro de contos fez ano noao
censurado, sob alega,o de ser atentatrio moral e aos bons

82

CONTRACENANDO COM A HISTORIA

1980, sob alegacosrumes, censura que a Justia mantm em


Mudando como muda o [empo'
o ,ce que incir ava violncia.
aJustia deu ganho de causa ao escritor, obri-

posreriormente
e morais' A
gando o Esrado a inden rz-lo por danos materiais
,,imoralidade" ou "incitamento" dos contos de Rubem consiste
episem mosrrar, ruz forte de uma linguagem hiper-realista,
social, que
dios de violncia moral, fsica, policial, poltica e
desses
compem o quadro de nossa crnica drrra. A crueza
realicom
relatos parece ter posto governantes frente a frente
explicaes
dades inconciliveis com vises amen rzadoras e
para as
falsificadas. A censura foi o gesro hipcrita de remover
do olvido o incmodo que no dia-a-dia estava ao al-

CONTRACENANDO COM A HISTORIA

83

tividade do eu e da objetividade dos acontecimentos, talvez


caiba na moldura esboada por Machado de Assis numa crnica de ?3 de outubro de 1859, publicada em O Espelho: "A
Histna a crnica da palavra [...]. A Histna no um simples quadro de acontecimentos; mais, , o verbo feito livro".
Este "verbo feito livro" dc Gabeira envolve a recons-

truo do movimento da vida, ou de parte de uma vida, nas


circunstncias em que foi vivida. Procura o personagem-narrador

se rever no que fora, se rever e fixar, na hortzontalidade das


linhas escritas, o que se perdeu na distncia do rempo.

sombras

A vida de "g"ladeira" me lembrava a infncia quando

cance do olhar de quem quisesse ver.


participando de uma luta de resistncia contra o es isso,
quecimenro, a Editora codecri publica em 1979 o qae
imprensa e
companheiro?, que obrm grande repercusso na
a razo do
boa acolhida junto ao pblico de classe mdia. Qu al
no livro?
sucesso? De que natu reza , a matria que se narra
Vale a pena conferir.
o auror revive o processo de institucional rzao da
rorrura no Brasil, conra a histria de rempos bicudos, quando
o medo, "qrr" esteriliza oS abraos", passou a Ser o prato de
as
cada dia. pelo poder do imagin rro, Gabei ra nara e comenta
sentido
o
aspere zas de nossa histria contempornea, interroga
de seus aros e apalpa sua verdadeira face; procura compatibiltzar
inform aojornalsrica e dados histricos no relato vivo de sua
experincia pessoal . Dez anos de Histria do Brasil vividos por
dentro, nos subterrneos da luta armada, na viso da clandestinidade, no distanciamento do exlio, sob a lente de um discurso irnico-crrico, ressurgem dessas pginas em que se
mesclam restemunho, depoimento e denncia. Vivncia, me"fa'
mria, confisso, fco se acotovelam no espao textual tia que me tocou viver e recordar", escreve o autor. A narrativa
de Gabeira, gue, rrabalhando o real e desnudando a His na,
move-se enrre os plos do documento e da fantasia, da subje-

prendiam no quarto com uma daquelas doenas inevitveis:


sarampo, cachumba, catapora. Ali ainda era possvel olhar

nos

pela janela a chuva fininha caindo nas ruas de Nlinas, a


tropa de burros transportando carvo,, a caa de carvoeiro
manchada de negro nas bochechas.Ts

A aproximao de dois universos antagnicos acentua


o car,ter especular da obra em que distintos momentos se
refletem, ao mesmo tempo que o narador recorta e seleciona,
pois "lemb rar , muitas vezes, escolher o lado positivo e esquecer os momentos em que ficamos 11s5".76
Em outro momento, O qu isso, companhero? adivinha o perfil de seu leitor procurando suprir lacunas de conhecimento histrico e preencher vazios deixados pelo esquecimento de situaes polticas descon fortveis. A narariva
memorialista pe margem o que no lhe interessa e taz ao
centro da escrita aquilo a que quer dar relevo:

amigola talvez fosse muiro jovern em 64. Eu mesmo


achei a morte de Getlio um bararo s porque nos deram
7s

GABEIRA, Fernando. O que t isso, cornpanheiro? Rio de Janeiro: Coclecri,

p.

139.

76

Idem, p.

184.

1979,

CONTRACENANDO COM A HISTORIA

84

CONTRACENANDO COM A HISTORIA

embaixador dos Estados LJnidos no Brasil. Pela primeira


vez, um membro do corpo diplomrico era seqestrado por

:'#':'::::
i.:' :i': ffi :i' * il,::' : : :J:o emprego,
gence
presa, gente fugindo, gente perdendo

apareeendo pra ajudar, novas amtzades, ressencimentos

guerrilheiros armados na Amrica Larina, e a norcia foi


manchete em todo o mllndo, atraindo as atenes internacionais para a luta armada no Brasil. t...] o Esrado reagiu de

l"'l'"

Estado, que mexeu com a vida de milhade maneires de pessoas , nanado, nas verses convencionais,
e
ra oposra ao relato autobiogrfico de Gabeira. Em Estado
ara Helena
oposio n0 Brasil, obra publicada em 1984, M
os
Moreira Alves fornece uma verso minuciosa com todos
ingredientes recomendados ao relaro documental:

O golpe

,Ce

duas maneiras: imediatamenre iniciou negociaes com os


guerrilheiros para atender a todas as suas exigncias, prin-

cipalmente em vis ta da consid ervel presso exercida pelo


governo norte-americano; e no dia 5 de setembro baixou os

Atos Institucionais 13 e 14, destinados a refo rar

veu fuga de presos polticos da Penitenciria Lemos de


Brito, Do Rio de Janeiro. Os assaltos a bancos forneceram
fecursos financeiros aos grupos guerrilheiros t"']' Para
enfarrzar o carter poltico dos assaltos' Carlos Marighela
ocupoLl a Rdio Nacional de So Paulo, em agosto, e apresentou uma mensagem revolucion rta. No dia 1 de setembro de 1969, poucos dias depois de a jr-rnra milirar assumir
(ALN)
o poder em Braslia, a Ariana de Libertao Nacional
(MR8)
realie o Movimenro Revolucionrio 8 de outubro
zaamsua mais espetacular operao conjunta: s duas horas
da tarde, num a tanqila rua do Rio de Janeiro, um comando das duas organrzaes seqesrrou charles Burke Elbrich,

dignatrios seqestrados seriam banidos do territrio brasileiro. O Ato Institucional n' 14 era uma emenda Constituio de 1967, tornando as penas de morre e priso perptua e banimento aplicveis em casos de guerra psicolgica,
guerra adversa, revolucionria oll subversiva.Ts

Ao relatar sua experincia pessoal, Gabeira

rerraa

esses fatos histricos

, naando-os de uma perspectiva interna


como os viveu e testemunhou. O "verbo feito livro", neste
caso' apresenta uma histria completamente diferenre da histrra narrada por Maria Helena Moreira Alves. Abasrecendo o
acontecido de documenmo e imagin a,o,, Gabeira apresenra
uma verso da histria envolvida nas circunstncias em que foi
vivida, enarzada mesmo no movimento da vida. Em vez da
frteza formal de um relato apoiado em daras e papis, remos a
mobilidade de um discurso que vai do presenre ao passado, da
tnemria imaginao, da narrao ao comenrrio. Procura o
narrador se rever no que fora, como se o percurso narrativo de
uma aprendizagem o capacitasse a se explicar a si mesmo.
Assim, ele, que aprendera que um livro no , apenas uma
7'

77 lclem, p. Z?,

::",":l"ff ::i:.":::'::';,lJi:::::::':

mals
As org anrzaes envolvidas na luta armada tornaram-se
do
audaciosas em 1 969. Em janeiro, carlos Lamaca, oficial
So
40 Regimento de Infant ara com base em Quintana'

paulo, comandou um grLrpo de oficiais e soldados em assalro ao depsito de armas do regimento. O grupo fugir-r nLlm
caminho do Exrcito carregado de munies e armas pevangr-rarsadas. Eram membros da orga ntzao clandestina
da Fopular R.evolucionria (vPR). E,m junho do mesmo
ano, um bem oganrzado grupo de homens armados promo-

85

ALVES, Maria Helena Moreira. Estado


ed. Perrpolis: Vozes, 1984, p. 20.

e oposc) tto

Brasi/ (1g64-l gS,l).

90

CONTRACENANDO COM A HISTORIA

CONTRACENANDO COM A HISTORIA

que o edifcio ficcional de Ana Miranda se sustente sobre slidos alicerces assenrados a partir de ampla e sistemtica pesquisa em museus, arquivos e bibliotecas.
Para a romancista Ana Miranda, o saber , uma espcie de chave a servio da liberdade ficcional. Em 1989, a escritora, aceitando os riscos e ince tezas dessa liberdade, surpreende crtia e pblico com o imediato sucesso de seu livro.
verdade que foi lanado por um bem montado esquema de
markecing, mas o faro que o primeiro romance da jovem
cearense se projeta em escala internacional. Como declarou ao
Jornat ro Brasil., no caderno ldias/Ensaios de ?,1 de outubro
de lgg0, a autora se mostra convicta de que o sucesso fruto
de seu esforo. Pesquisando o sculo XVII, segundo revelou,
deparou-se com a figura de Gregrio de Maros, por quem se
apaixonou, e passou dois anos crancada na Biblioteca Nacional
e no Real Gabinere Portugus de Leitura, no Rio de Janeiro,
invesrigando, lendo, fichando tudo que dissesse respeito ao
poera e Bahia do seiscentos. A biblioteca, mais do que ambiente de esrudo e reflex,o, para a autora o lugar privilegiado
da experincia do mundo, pois o mundo est organizado nas
prareleiras de muitos rextos. Freqentando a biblioteca, a imaginao fecundada povoa de fico o espao.
O poera Gregrio de Matos, cantador de belas
it-t precaes que lhe valeram a alcunha de Boca do Inferno, ,
a figura catalisadora da narrativa. Contracenando, em algumas
passagens, com o padre Antnio Vieira, a voz e a escrita mais
emprenhadas de barroquismo , atavessando o emaranhado de
inrrigas polricas e mistrios da Bahia seiscentista, Gregrio
ressurge dos desvos ,Ca Histria, acompanhado por um cortcjo
de imagens vivas que fazem renascer a ambincia polticosocial, s virrudes e os vcios do Brasil-Colnia, concentrado na
Bahia do XVII. Inreressa Ana, porm, mais do que o cenrio
de poca e a reconstituio de costumes. Apoiada em documentos, personagens, vozes e textos da segunda metade do
seiscentos baiano, a narrativa elabora lances de uma intriga

9l

fanrstica em que o leitor pode reconhecer vicissitudes de nosso


tempo. trnto, con-o alora, a arnbio polttca se nutre da turbulncia e os oporrunisras no hesitam em sacrificar a tica
para sati sfazer propsitos personalsticos. As maledicncias de

um poeta satrico e os arroubos culturalistas dc um pregador


escatolgico, vozes de que Ana Miranda sc apropria, ecoam
com ressonncias profticas ao ouvido de nossos dias. Costurando retalhos de textos, ocupando lotes baldios e iluminando
recancos deixados na sombra, a romancista, com tato feminino,
mistura os ingredientes numa trama de romance policial, e est
pronra a receita do sucesso. verdade que B oca do Inferno
pode ser lido de maneiras bastante diferentes. O leitor menos
inforrnado ta\ez se compraza na fruio do tempero extico baiano e ainda por cima barroco - e o leitor mais atento identrtcar timbres de vozes e traos de estilo de autores do passado na confluncia com o presente, apalpar talvez a possibilidade de reverso das experincias e de retornos do tempo. Como
calo da idia, esta passagem de O nome da rosa, de Llmberto Eco:
"Freqentemenre os livros falam de outros livros. I...] A biblioteca
vista como o lugar de um longo e secular sussurro, de um
dilogo impercepcvel entre pergaminho e pergaminho".Es Como
testemunho, o depoimento da autora:

E, fundamentalmente, minhas fonces foram Gregrio

de

Matos e Antnio Vieira, aos quais, imagino, prestei homenagem com a amorosa dependncia de discpula e para quem

registrei pessoal e profunda admirao tazendo-os , trezen'


tos anos depois, para povoarem meu mundo e o mundo dos

leitores que se interessam pelo meu livro.su

r'5

ECO, Umberro. O il0me da rosa. 29 ed. Tiaduo de Aurora Fornart


Bernardini e Homero Freicas de Andrade. Rio de Janeiro: Nova Frontei-

r, L987, p. 330.
t6 N,IIRANDA, Ana. "Enrre a imagintro

e a verdade". Jomal do Brasil,

Rio de Janeiro, ?) out. 1990. Caderno Idias/Ensaios.

coNTRAcENANDo coM R Htsrntn

92

a textos do
movimento, hoje em voga, de retorno
do devir histrico, propassado e sua releirura na perspecriva
fecundo, tem
cedimento que vem se moscrando extremamente
Assim como
gerado narrarivas ficcionais as mais diversificadas.
sermes de Vieira e
Ana Miranda foi desentranhar fco dos
consagrado como
,das poesias de Gregrio, um ficcionista i
no mesmo ano de Boca
Jos J. Veiga publica, coincidentemente
(19s9). A fonte, agora
to Inferno, a novela casca da serpene
da cunha'
mais prxima, so os sertes (rg0z), de Euclides
um dos traos
Ainda que faanhas que deixaram fama sejam
personagem de
que aproxima o conserheiro de Euclides do
figura impregnada
veiga, casca da serpenle raz ao leiror uma
de nosso
das inquietaes, dlsejos, frustraes e esperanas
um personagem
tempo. A volta ao passado, fazendo ressurgir
reprime a
paradigmcico da histria dos vencidos' no
no cerne do texto
ficcionalidade, embora o documento lateje
um Antnio
ficcional. canudos revisitado, veiga desenterra
conselheiro transmutado, muiro diferenre do Personagem
Euclides'
messinico e fantrco da hisroriografia coonestada Por
por cerro que vesrgios recohrexrualizados se multiplicam na
narrativa de Veiga. Aqui a parada ' obrigattta'
s vezes'
Os serles constituem um discurso eSpeSSo 9ue'
cenrio da guerra
, to difcil de penerrar quanro a caatinga,
de 1896 e 1897 '
vavada h um sculo, precisamente nos anos
vez na histria
Medianre a obra de Euclides, pela primeira
anos de
tezentos
polcica e sociocultural do Brasil, depois de
mostrando
abandono o serto nordestino levant ava a cabea
Em snlitoral.
o
uma caa esqu lida e de revolta que assusta
se instalou,
rese, esres os faros: em 1893 Antnio conselheiro
s
canudos,
de
com seus seguidores, tr fazenda abandonada
Ali fundou
margens do rio yaza-Barris, oo nordesre da Bahia.
as secas
Monte santo, ou canudos, como refgio sagrado contra
a Repa regio e as leis da Repbrica. Para o conselheiro,
ela se
blica era a personifcao do Anticrisro, e por isso a
ele acreditava ou
opunha . H, verses contraditrias sobre se

CONTRACENANDO COM A HISTORIA

93

no na restau rao da Monarquia. Conhecendo bem a topografi,a sertaneja e adotando a ttrca da guerrilha, os jugrrnos, sob
a liderana espiritual, moral e militar do Conselheiro, resiscem
a trs expedies militares e s so derrotados pela quarta.
Finalmente , abatidos pelas balas e pela fome, os sertanejos so
destrudos at, o ltimo combatente. O nico crofu dos vencedores , a cabea de Antnio Conselheiro, gue, depois de morto,
foi decapitado. Euclides aproveitou muito dessa matria pica
para elaborar obra nacional de grande i-pacto at, hoje. Dividindo seu livro em crs partes "A terra", "O homem", "A
luta" , o autor articulou conhecimentos e ideologias vigentes
poca, observao direta no palco das lutas, intuio atilada
e vigorosa imagin ao verbal, para erigir um monumento literrio capa4 ainda hoje, de suscitar admira,o e espanto. Basta

lembrar Grande serto: aeredas (1956), de Guimares Rosa, Deus


e o diabo na terra do sol (1964), filme de Glauber Rocha, e A
gaerra do fim do mundo (1981), romance do peruano Mario Vargas
Llosa, todos tributrios, direta ou indiretamente, do texto
euclidiano. Os sertes voltam com fora ao debate cultural, no
s no Brasil, mas internacionalmente. Traduzido pela primeira
vez na Alemanha por Berthold Zilly, obtm o prmio nacional
de melhor obra traduzida em 1995 e objeto de seminrios em
Berlim e Freiburg. Dentre os muitos estudos que vm, continuamente, expandindo a estante euclidiana, sintomtico do
rntiaal em curso o "Dossi Euclides da Cunha", Dmero especial de Remate de Males, revista do Departamento de Teoria
Lrterrra da lJniversidade de Campinas. Nesse mesmo ano, a
Biblioteca Nacional coedita com a Editora da l]niversidade de
Campinas o volume O acerao de Euclides da Cunha na Biblioteca
{acional. O cineasta Srgio Resende ultima detalhes d" produo consultando especialistas em histria do exrcito, esse
mesmo exrcito que h cem anos varreu Canudos do mapa. A
razo principal desse renovado interesse, acredito, no deve ser
procu rada no iderio cientificista de Euclides, hoje de todo
ultrapassado, tampouco na montanha de informaes histrico-

coNRAcENANDo coM n HtsrntR


94

95

HISTORIA
CONTRACENANDO COM A

certatarvez com mais preciso e


geogrficas, pois que estas ,
A
disponveis em outras fontes'
mente mais atuartzadas, esto
sertes de mobil rza inteligncias
meu ver, o poder que rm os
cuja
literrias do texto euclidiano'
e paixes reside nas virrudes
no
das imagens literrias e ecoa
rerrica brota do dramarismo
engenheiro Euclides da cunha'
grande anfrearro armado pelo
pela novelstica
As componenres ficcionais, desenrranhadasMiriam v' Grate
no original.
conrempornea, ainda parpitam
de
ao ver na descri o euclidiana
levanta uma ponra da cortina
cabeas-de-frade, que "apareum tipo de cactos sertanejos, os
a pedra nua' dando' realcem, de modo inexplicver, sobre
cabeas decepadas e sanguinomenre, a imagem singurar de
uma
numa desordem trgtca"
rentas jogadas por ari, a esrno,
a
"t de
que iro rolar na luta'
figura anteci pathrta das cabeas
Esraria ali inequivocamente
Ancnio conselheiro inclusive.
que soube articular dramaindiciado o carrer hbrido da obra,
e epopia do conhecimento' a
ricamenre epop ra da naru eza
Hisrria- Mas parricularmenque eu acrescen taraepopia da
,,paravra mista", usada nessa mesma paste fertz a expresso
vem a calhar neste passo de meu
sagem pela ensasta, e que
estudo.
dialoga cntlcaA merafico historiogrfica de veiga
a ele se ope e dele se apromenre com o texro de Euclides,
em nova clave' Tis so as
pria, fecundando-o e recriando-o
a que conrexto discursivo
meramorfoses que cabe a indagao:
A que contextualtzaes antese vincula essa nova ringuagem?
quesro , mais complexa'
riores devemos referi-ra? Mas a
disfarces, vislumbres'
Mrripros equvocos, dupras inrenes,
so ingredientes que
ocurramenros, falas e aes diferenciadas
ourra fsionomia' Ao entrar
ajudam aarmar a intriga e esboar
citando Vera Follain:
em casca da serpene, comeo

Antnio Conselheiro , um personagem em constante mutao. Ao focaltzar seLl passado, o romance mostra Llm lder
espontneo que o povo se encarrega de sancificar, porque
cinha a presena e o olhar de Llm ser sr-rperior". Era, inicialmente, apenas algum que recusava os valores da sociedade, mas o povo comea a lhe atribuir poderes especiais.ss

Aos poucos, porm, "caminha-se para a Superao da


religiosidade popular [...]. Vai despir-se das vestes de santo e
vesrir-se como lder polcico",8e observa a ensasta. E, o linguagem alegrico-alusiva do narrador:
deciso muito acertada do Conselheiro de mudar
de casca, trocando a barba, o camisolo de zuarte e o bordo
de pastor por uma caa lisa, cabelo curto e roupa comum de

E com

sertanejo, ningum ia notar nem acreditar qlle ali estivesse


o "gnstico bronco", "Llm caso notvel de degenerescncia
intelectuI", como o classificou o reprter Pimenta da Cunha, e qlle mesmo assim derrotara com sua gente trs expedies militares bem armadas.e0

As aluses, com uma aguilhoada crtica ao texto


cuclidiano, dispensam comentrios, dada a obviedade do disfarce. Por outro lado. com certo ar de caso contado, como que
rccusando o ficcional, o narrador remete leitor e personagenscspectadores a testemunharem a metamorfose:
Quando as pessoas o viram tosquiado, no esconderam o
espanto, espanto de aprovao. Ento aquele efa o nosso
bom Jesus Conselheirol Mas era vistoso! Numa cidade do
licoral ele poderia passar por capitalista, oll tabelio, ou
8f FOLLAIN, Vera. Da profecia ao labrinto. Rio de Janeiro: UERJ-Imago,
1994,,

O itinerrio cle
87 GARATE, Miriam V' "Civilizao e barbrie n'Os sertes 13,1993,
n'
P.59'
UNICAMP'
uma iluso" . Remate de Males. CamPinas:

p.

6?,.

8(' Idem, p. 63.


({)

VEIGA,

Jos

I. A casc(t da serpente. Rio de Janeiro: Bertrand, 1989, p.

118.

rl

CONTRACENANDO COM A HISTORIA

96

mesmodoutor.Erastrocaocamisoloporumparelhode
brimcqui,asalpercatasporumasbotinasd"pilequeoude
Mangureira' e
boro, e cobrir a cabea com um bom chapu
seria tratado de senhor ou senhor ta.')l

sem me deter ciscando em volta do assunto' observo


e atartaxa
a rapi deze facilidade com que se depe uma mscaa
Afinal,
ourra na sociedade da representao, e passo adiante.
.,qr"
e no
lugar
num
ps
quem finca os
ensina o narrador
cambm
arreda mais, acaba virando estaca. E ouvir os ventos
chaves
tilintam
bom, eles sabem o oculto, sopram sugestes,
das chaves ou no
t...] conhecem o rumo [...]s't.ez ser no tilintar
a mscasoprar dos venros que Anrnio conselheiro abandona
r^ rressinica e passa a adotar posies polricas mais afinadas
for, o
com ideologias dominanres em nosso rempo? Seja como
fato que imporra , que o conselheiro de A casca da serpente
sem claspassa a sonhar com outra sociedade, uma sociedade
soa
ses, sem propriedade privada, sem governo. Esse discurso
familiar aos ouvidos conremporneos. Doutrina antagnica
anriga, ela est na fala do prprio conselheiro:
Vamos acabar com a praxe antiga de uma pessoa s, por mais
chefe que for, baixar decises para um grupo. Por causa dessa
praxe muita coisa andou torta em Canudos. Vamos fazer assim,
uma experincia: discutir os assuntos em reunio, pelo menos

CONTRACENANDO COM A HISTORIA

bm como crtica aos arcasmos que resistem aos ventos


modern rzao. O texto de Veiga adrnite leitura alegrica:

97

da

Desde que tirara a barba e jogara fora o camrsolo de penrtente, parecia que ele and ara fazendo uma limpeza tambm
das idias: deixara o exagero das rezas e a mania de entender

tudo pelo compasso da Bblia e do fanatismo religioso."4

Falei acima de anacronismo; devo agora referir-me ao


iluminismo do Conselheiro de A casca da serpente. A citao que
acabo de fazer , exemplo flagrante de uma mente esclarecida
luz de um pens ar raclonalista. E verdade que as idias eram
ainda nebulosas. Mas a determinao de passar o mundo a
lirnpo encara a ao como decorrncia lgica das idias. Em
vez de estacionado em verdades fixas ou dogmas, o grupo
comea a se mover dialeticamente. Assim se replica preten((so de mudar o mundo:
O mundo no. S este pedao de
serto. [...] Quando tivermos arrumado o serto, vamos cuidar
do pas. Depois atacaemos o mundo".es
Na narrativa de Jos J. Veiga, Antnio Conselheiro
no morre na gue ra e, liderando novo grupo, sonha reconstruir
Canudos. Mas, apesar do empenho do bando, a idia no consegue vinga, a no ser na cabea dos que sonham, colro Pedro:
Se pode inrcrar uma vida nova numa poca propcra,, que

com os mais discernentes. Todo mundo opina, depois se conta


os votos, e o que a maioria decidir' fica valendo'ej

a entrada de um novo sculo. Eu sei que para o mundo,


para o globo terrestre, um dia igual a outro, um ano

claro que novos ventos sopram livremente na cabede outras latitudes, de outros
a do Conselheiro, ventos vindos
rempos. O voluntrio anacronismo do autor funciona no apetamnas no senrido da moderniz ao do personagem; funciona

os negcios humanos se regulam pelo calend rro, e o incio

igual a outro. A diviso do tempo inveno humana. Mas

(l
()2

I
l

r.

Idem, p. l?5.
Ibidem.
trdem, pp. 46-7.

de um sculo importance. t...1 Faltam apenas crs anos


para entrarmos no to falado sculo XX, que se espera seja
a Idade de Ouro da humanidade.e6
()4

ldem, p. I47.
Idem, p. I49.
((t
Idem, p. 145.

(/'5

CONTRACENANDO COM A HISTORIA

CONTRACENANDO COM A HISTORIA

98

Do projero de construo de uma nova cidade, cu-

nudos redesenhado segundo recorre ideolgico acalentado


por idealistas, parricipam personagens esrranhos, instveis,
conselheiro; o
desen ratzados, como Dona Marig arda, prima do
menino Dasdor, marador de soldados e amigo do Jabuti
Viramundo; Dona Chiqrrinha, compositora; o cientista Dr'
orville; o forgrafo Milito Augusto, pioneiro da fotografra no
dois
Brasil; o ex-prncipe pitr, rerico do anarquismo; mais

'

A
heterogeneidade esrapafrdia de seus inregrantes evidencia
inviabilidade de, a parrir desse grupo, fundar-se uma comunidade estvel. por sua vez) mnto o local escolhido a serra imade dois
grnrra de Iradmund - quanro o momenro - a esquina
sculos constituem um no-lu gar e um no-tempo. Aparenteda
mente, de novo nos encontramos no domnio da utopia e
o
ucronia, fora da Hisrria e denrro da pura fantasia. Por isso
demo
projeto no pode dar certo e Canudos, mais uma vez,
lido: ,.E a rerra, o cho onde foi a Concorrncia de ltadmund,
uma indstria
, agora depsiro de lixo, a6mico adminisrrado por

aventureiros irlandeses completamente

louCoS

qumica com sede ficrcia no Principado de Mnaco".')7


Mas no nos apressemos em concluir que a idia de
rransformao da sociedade renha sido ente rada. No. Das
cinzas ela pode renascer, pois haver sempre algum disposto a recomear, como raciocina o narrador: "Se daquele sonho e daquele esforo hoje s restam runas, isso no signifca que o sonho fosse absurdo".es O Conselheiro de Jos J'
Veiga , desse modo, uma metfora da fnix renascida, 9ue,
chegada sua hora e vez, rambm jogada fogueira. Mas,
na concomirncia rrans-histrica dos dilogos intertextuais,
coexisrem, lado a lado, Euclides e Veiga. Assim, A casca da
Braserpente, dentro do quadro da fico contempornea no
sil, acrescenra mais um captulo Histria fccion altzada dos
e7

ldem, p. 155.

er

Idem, p.

54.

99

vencidos, atravs do processo de retomada, desmonte,


reciclagem e reagenciamento de rextos do passado,
recontextual tzando-os no horrzonte de expectativas do leitor
do presente. Particip" assim deste exerccio de contextualizao infinita gue, de acordo com Marisa Lajolo, esr fadado

instabilidade.
Trefa de Ssifo, os projetos da escrita de uma histria dos

;:l::: :

; ?: 1

sejam os seus resulcados

j :

: I ffij:

- a histria dos vencedores e das


maiorias, a histria econmica, a hisrria social e a hisrria
poltic a; ao invs de can cel-las, articulam-se a esras, sendo
o resultado desta articulao uma percepo mais clara do
descentramento (ou do multicenrramento?) da formao
discursiva resultante.ee

Quase sempre, no trnsito entre Histria e fico, o


resultado que acontecimentos fctcios ganham plausibilidade
histrica e o fato histrico se trrealza nas teias da fico. A
Histria no centro axial irradiador de senrido, nem a fco

uma idealidade esttica criada do nada. Na verdade, a narativa histrica comporta elementos e procedimentos da elaborao ficcional, assim como a fco reelabora componenres derivados de fontes histricas. Em vez de confrontos polarizadores
e vrtices excludentes, tento me situar no rerreno hbrido das
confluncias.

Machado de Assis vem a propsito nessas consideraaceca


da volta da Histria na fico dos anos 80 e 90.
es
Depois do sufoco dos anos de chumbo, quando tudo parecia
sucumbir mo pesada do Estado censor e, a todo custo, era

preciso tentar algum oxignio paa salvar

o imediaro,

agora

LAJOLO, Marisa. "Literatura e Histria da Lircratura, senhoras muito


intriganres" . Remate de Males, Campinas: UNICAMp, n. 13, 1993, p. 107.

t0t

CONTRACENANDO COM A HISTORIA


HISTORIA
CONTRACENANDO COM A

100

maior relevncia histr rca, observa-se no narrador de contos

suprir o que se perdeu' corrlvalem as tentativas que visam


que a
percebe-se

melhor
gir farhas e preencher racunas.
o
a ficcionalidade e tampouco
hisroricidade no esrrangula
se torrro. A lio de Machado
documenrrio sufoca o imagin
Vale sumariamente recapitular'
nou mais arual do que antes.
reromando estudos de lvo Barbieri'l00
a histria uma eterna
Desde Brs cubas, paa quem
at' Memorial de
loureira, volvel como o personagem-narrador,
de disranciamento crtico em
Aires, Machado adorou posrura
ao
de avanar por t""-: domnios
rerao Histria, sem deixar
e
seu romance mais explcita
fazer fico. de Esa e Jac,
as
aconrecimentos histricos e
diretamenre arriculado com os
e
cobre o declnio do Imprio
inrrigas porticas do perodo que
"H, nos mais graves
o advenro da Repbrica, esra reflexo:
que se perdem, outros que
acon[ecimentos, muitos pormenores
a
os perdidos, e nem por isso
aimagin aoinventa para suprir
morre a fico' posso
Histria morre!".101 Nem por isso
Machado de Assis, que falava
machadianamente acrescentar.
bem o alcance de suas palavras'
srio atravs da ironia, media
'alcan
expressionais'
ara dos meios
sabia, pelo domnio que
Mas este' como aquela'
que a imaginao se nutre do real.
por isso, quando olhava para os acontecitambm se move.
nem se
!ed1h1 1u""
menros, no passeava sua ,rrp",fcie'
corriquelros; e, vez
comportamentos
observar
ao
de convenes
por outra, mergulhava fundo "n !:tt*"l:":perso"u.*"lrt
E assim que os slnal ::
dissecar-lhes a mente e o corao'
signifcados consistentemenrempo so adensados na rrama de
por um norte prprio, a fico
re arricurados enrre si. orientada
com os determinismos que
machadiana no se compromereu
rargo de cientificismo e
dominavam o scuro, pssando ao
acontecimentos de
hisroricismo. Mesmo quando restemunha
r00

ror

Barbieri, op. cit., 1985, pp. Z?-31.

Rio de Janeiro: Agtrilar, 1985, v.3,


ASSIS, Vlachado de. obra completa.
770,

P.

e romances de Machado, sobretudo a partir de 1880,

uma
atitude de sobranceria, como a de algum que se projetasse
paa alm das contingncias factuais da His trra. O Conse-

lheiro Aires, narador de seus dois ltiffos romances, o


prottipo desse ponto de vista. Mas, mesmo no cronista,
podemos encon tra esboos tpicos da atitude rnachadiana
perante as vicissitudes da Histria. Em crnica publicada n'A
Semana, em 1887, por exemplo, ao registrar a morte do
escravo Joo, sineiro da Glria, no perde a oportunidade de
cipificar o falecido como testemunha impassvel dos aconre-

cimentos. De acordo com a viso de Machado, o sineiro


na prtica rotineira de seu ofcio, suporta o suceder
criste ou alegre dos facos com a impassividade de um cronrnetro. Assim eza a crnica:

-[oo,

:i "lJ :: ;,: ::i: :" ;H

ffi: J:

vitrias. Quando se decretou o ventre livre dos escravos, Joo


2.

:J;:"il:;"

Jn ;:"#::":

" ffi;:::

"

picou por ela, e repicaria pelo Imprio, se o Imprio rerornasse.

O sineiro Joo tem algo de intrigantemenre enigm tico, como o Conselheiro Aires, que atravessa, imperturbvel, a
narrativa de Esa e Jac. Mesmo quando o mundo parece desabar sua volta, quando as vicissitudes da Histria abalam
ffentes e coraes, o narrador flutua acima das paixes. A sonata
que Flora dedilha ao piano na noite de 15 de novembro, dia
agicado com a derrubada do Imprio e a proclamao da Repblica, expressa a ambigidade em termos da idealidade combinada com a hora presente. "A sonata traza a sensao da falta
absoluta de goveroo, a anarquia da inocncia primitiva", coffenta o narrador machadiano, depois de registrar que, no
havendo governo definitivo, quando muiro, ra haver um go-

coNTRAcENANDo coM R ulsrRtn

CONTRACENANDO COM A HISTORIA

t02

do provisrio com o
verno provisrio.r02 o enrrelaamento
significados o momento
primordiar e o duradouro adensa de
e da
na forma rrans-histrica da sonata

hisrrico, perperuado
e Jac, cruzando os fios
narrariva fccionar. A trama de Esari
altza acon[ecimenda Histria com os da fico, reconrextu
A Histria no consros, arribuindo-lhes novos significados.
nem se anula com a
rirui barreira imagin ao do frccionisra,
da Histria com a
intromisso desra. Na verdade, as relaes
contra pergaminho, pois a
fico so confronros de pergaminho
palavra escrim' EmpeHistria no comea nos fatos, mas na
elementos do discurso
nhado em iluminar a distino enrre
Hayden white saficcional e elemenros do discurso histrico,
do que se poderia
lienm que a Histria perrence categoria
,.o discurso do real" contra "o discurso do imagin ro"
chamar
que ' a narraou ,.o discurso do desejo". Mas, ao argumenmr
que estes no so
tiva a dar significado aos eventos reais, e
so lembrado.sf e porque
reais porque aconteceram mas porque
orden ada, no
podem enrrar numa seqncia cronologicamenre
do texto' concepconsegue deslindar a Histria da imanncia
seguince:
enfaticamente acentuada na proposio
o

evento deve ser pasPara se qualificar como histrico, um


de sua ocorrnsvel de receber pelo menos duas narraes
verses da mesma srie
cia. A no ser que pelo menos duas

motivo para o
de eventos possam ser imaginadas, no h
de oferecer o rehistoriador se considerar com autoridade
aconteceLl. A autorilaro verdadeiro daqr-rilo que realmenre
prpria realida narrariva hisrrica , a auroridade da

dade
realidade e'' desse
dade; o relato histrico d forma a esta
a seLl procesmodo, torna-a desejvel mediante a imposio'
as histrias possllem'r,'i
so. da coerncia formal que somente

roz
r03

ldem, p. 154.
WHITE,, Hayden.
H

is to

The Content ctJ'

ri ca I RePresenta tio rt'

1987, p. 20.

the Fortn

Narra tce Disco ur"se and

Press,
Baltimore: The Johns Hopkins UniversitY

His tria

e fico, reciprocamente imbricadas

t03

como

formas distintas de linguageffi, so vistas por pensadores de


nosso rempo como discursos aparentados. O prprio Hayden
White, que escreveu um alentado volume sobre a imaginao
histrica do sculo XIX, informa que, oo sculo XX, Pensadores como Valry, Heidegger, Sartre , Lvi-Strauss e Michel
Foucault "expressaram srias dvidas sobre o valor de uma
conscincia especificamente histrica, sublinharam o carter
fictcio das reconstrues histricas e contestaram as pretenses da Histria a um lugar entre as cincias".r04 Paul Veyne e
Collingwood, por sua vez, avanam a ponto de indiferenci-las,
conforme se l: "Como o romance, a Histria seleciona, simplifca, organtza e resume um sculo numa pgina",l0'5 escreve
Paul Veyne. Seleo e organizao que pressupem atividade da
imagin ao, comum ao historiador e ao romancista, como enfariza
Collingwood: "Enquanto obras da imagin ao, no diferem os
rrabalhos do historiador e do romancista. Diferem enquanto a
imaginao do historiador pretende ser verdadeira".r06
Lembrei Machado de Assis ao tratar de uma vertente
da fico brasileira dos 80: a que concebe universos fccionais
na confluncia de fatos reais com fatos imaginrios. Mas s, de
acordo com argumento de White, a autoridade do real funo
da textualtza,o do fato, e se, como admitem Veyne e
Collingwood, romance e histria se assemelham (para no dizer
se confundem) nas instncias de concepo e composio, ento
o fccionista tambm faz Histria. E, nessa perspectiva, o texto
literrio, em seus melhores momentos, constri universos mais
verdadeiros porque mais concretos e mais vivos do que outros
discursos que buscam a verdade pela via documental. Por
isso, vlido drzer que o Rio de Janeiro da segunda metade
r04

I05
I ()(r

WHITE, Hayden, Meta-Histria - a

irnaginao ltistririca il0 sculo XIX,


Ti'aduo cle Jos Laurnio de Melo. So Paulo: Edusp, 1992, p. 17.
\/EYNE, Paul. Cnrnrnent s'crit I'hstoire. Paris: Seuil, 1978, p. 14.
COLLINGWOOD, R. G. idia da Histria. 7 ed. Traduo de Alberto

Freire. Lisboa: Presena,

1989.

r04

coNTMcENANDo coM R Hlsrrun

coNTRAcENANDo coM n Htsrrun

fccional de Machado de
do scuro xlx parpita no universo
rza, pode-se avanar a hipteAssis e, sem intuito de polem
da poca foi capaz de tamanha
se de que nenhum historiador
brasireira, podem-se
poeza. E, na fico conrempornea
do continuidade tradio
idenrificar vrias maneiras que
se encon trar, depois de Marmachadiana; mas difcilmenre
ourro da envergadura de
ques Rebero e Nerson Rodrigues,
penet a' com agudo olhar'
um Rubm Fonseca. Este soube
desvelando suas cona comprexidade da sociedade carioca,
de Romance negro (1992)
rradies, misrias e grand ezas.
,,A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro", relato-poema
, Epifnio, que ilustra
de um andarlho cujo nome revelador
Afasmdo do romancebem a concepo ficcionar do auror.
e do romance biogrf rco
reporragem, do romance aregrico
nos anos 70, Rubem consconfessionar, formas dominantes
real cuja verdade ' funrri narrarivas insrauradoras de um
de enredo e linguagem dos mundos
o da consistncia
a vocao de "historiaimaginados . Agosro (1990) confirma
Hisrria ficcional rzada ' o
dor,, de nosso romancisra, pois
resumir e condensar cocema do rivro. A capcidade de
romance, como vimos em
muns mnto Histria quanto ao
Nessa narrariva em que
veyne - aqui se rearrzaem prenitude.
textual' surge
contracenam no mesmo espao

de de ao fica nitidamente demarc ada dentro da moldura do


tempo cronolgico. Os ?6 captulos, alinhados do dia primeiro
ao dia ?6 do ms de agosto de 1954, formam uma s seqncia
temporal. O ncleo histrico representa uma das piores crises

o real e o possvel

anlise a respeiro do comproaoporrunidade de ampli ao da


to freqentemente
merimenro recproco das duas categorias,
em foco'
perodo
do
associadas na produo literria
maneira em Agosro
Hisria e fico imbricam-se de ,ul
os fio1 tawez redundasse
que roda renmriva de desrindar-rhes
Mais do que duas linhas
em arrifcio de escasso rendimenro.
duas guas convergem para um
paralelas ou cena e cenrio, as
bsico da engenharia narraesrurio nico. Thnro que o design
em interao consriva movimenta sobre o mesmo mbuleiro,
,,
tanfe, peas reais,, e peas "fictcias"

. No obstante

t05

da intriga assegurada pelo


pluralidade de episdios, a unidade
com os ficcionais, e a unidaenrrelaamenro dos fios hisricos

poltico-institucionais vividas pelo Brasil na ontemporaneidade.


Misto de romance policial com relato de intriga palaciana e
conspirao conservadora, o enredo opera com fatos, como o
atentado a Carlos Lacerda na rua Tonelero no Rio de Janeiro,
irs investigaes policiais levadas at, o Catete, sede do poder
ccntral, acusado de corrupo ("mar de lama"), a instalao de
ur poclcr militar paralelo ("a Repblica do Galeo"), a que se
crrrcluiu cpislclios c pcrsonagens inventados, tendo a
pr()titgortiz,r-los un policial honcsto: o comissno Nberco Mattos.
l,,tttrctttcrnclo-sc a todo tcmpo, os dois planos da narraciva ainda se
crcortran nil analogia clo desfecho: o presidente Getlio Vargas,
alvo clc tocla a traffa poltica, acaba se suicidando no dia 24 de
agosto, e o policial Alberto Mattos assassinado . queimaroupa por um pistoleiro. O resumo esquemtico do enredo aqui
sc fazia necessno porque nele se podem pinar algumas referncias concretas para as quais apontam as categorias da anlise.
Se por um lado Agosto faz a sntese de uma fase turbulenta de nossa histria poltica, procedimento gu, segundo
Veyne, unifica fico e Histria, por outro a estruturao dos
eventos, nele elabo rada, no se assemelha His trra, gue ,
segundo Aristteles, se caracterza pela incluso de tudo o que
aconteceu a indivduos e grupos no perodo considerado. A
distino aristotlica entre unidade de ao e unidade de perodo, aparecendo aquela como anicul ao necess ria dos eventos
enquanto nesta os eventos guardam entre si relao de mera
casualidade, crucial neste ponto. Evidente que Rubem no
quis fazer e no fez uma narrativa histrica e sim ficcional,
embora tivesse emaizado sua fco na Histria. Ao pegar o
livro, o leitor instrudo a l-lo como fico, no s pela palavra
"romance" impressa na folha de rosto ou apenas pela epgrafe
tirada do Ulisses de James Joyce ("Histria, disse Stephen, um

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3

6
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2

\
I

grvezo

80
balano da produo ficcional dos anos
julg-lo antes
e 90 no seja excepcionalmenre animador. Mas
no se pe
do fim seria querer dar como conclusivo o que
por certo, no posso prever o ponto de
seno como provisrio.
passos da quilomeachegada, eu que nem computei todos os
preparado pela
gem rod ada. o rom de caurela pode rer sido
ponderao de SchoPenhauer:

comprar tambm
Seria bom comprar livros se pudssemos
a compra
confunde
o tempo paa l-los, mas, em geral, se
qLre
de livros com a apropriao de seu contedo. Esperar
que
esperar
algum tenha retido tudo o que j leu como
comeu. Ele vive de um
tudo o que

i
carregue consigo
e assim se tornou o
espiritualmente
ourro
do
fisicamente,
que lhe '
que ,. contudo, assim como o corpo assimila o
"intereshomogneo, cada um de ns "retm" o que lhe
pensade
sistema
seu
sa,,, ou seja, aquilo que convm a
mentos ou a seus objetivos'loe
dos
Os caminhos percorridos no esforo de decifrao

parte da
signos de nosso tempo circunscrevem apenas uma
at, os dois
fco lirerria brasileira dos anos 70, 80 e 90, e
j
me foi dado
primeiros anos desre novo milnio. Mas o que
ver denuncia um Perfil.
rOe

lesen und Bcher.


SCHOPENHAUER, Arthur. sobre laros e leituras I bt,
e Walter Carlos Costa.
Humble
Philippe
de
Tiaduo
Edio bilnge.
Porto Alegre: Paraula, s/d, PP' 41-3'

CREPUSCULO

il0

CREPUSCULO DA MUDANA

DA MUDANA

vas, relatos compactos e relatos extensos, discursos elpticos e


discursos explciros. Mesclas de gneros literrios e de mltiplos registros esrilsticos do nova fsionomia ao discurso ficcional
dc nosso tempo. Detendo-se no detalhe, reunindo destroos de
Llrr rodo desconjuntado, ao invs de uma viso unitria, abresc cspao coexistncia dos diferentes e ao convvio dos contlirios. Sombras, asfixias, respiradouros e clarabias, mas tamlrrrr horizonres escancarados e afrmaes do existir. Astcias

registros de linguageffi'
combinao de mldplos
com a cultura de massa' com ^
dirogo cada vez mais intenso
do
associado s oscilaes
rradio lirerria, com a hisroriografia,
f,rco
inrerferiram no feitio da
gosro e s fluruaes do mercad;,
relevantes
a ponto de determinar traos
conrempornea no Brasil
oculta
que o discurso narrativo no
de seu hibridismo. .-rro
outras
com
que dentro dele se esmbelece

mais o inrercmbio

o; aocontrrio, faz da mesclagem


formas de expresso " .o-unica
fonte para novas invenes'
de discursos e sisremas semiolgicos
mais

tlc gtrcrrilha conrra o domnio de banalidades homogeneizadoras.

lcscrvunclo uma funo especfica para a literatura na


('()ttrtl)()rrrrrciclaclc, Calvino Se encaixa bem aqui:

reitura de narativas
A impresso que nos "ixa a
a atores que representam'
recentes , a de estarmos assistindo
o evoluir de personagens
em vez de estarmos acompanhando
de vida. No show que
que revelassem profundas experincias
cenas de outros espetculos:
no pode paa, encartam-se

hibridis*or, miscigenaes'

transforma

por parre da fico lire


da
rempo que deseja desinroxic-lo
nea com o leiror, ao mesmo
no
sgnicas. o alvo da literatura
overdose diria de mensagens
nem a ruptura radical com o
, mais a inovao pela inovao,
princpios que legitimavam as
passado, rampouco o escndaro,
pacro com o leiror implica
invescidas da vanguarda. o novo
velocidade dos meios de comuajustes com o mercado, com a
da Histria'
nicao de massa, com os anncios-denncias
por mudanas de taca
compromissos determinados
grandes e pequenas narratifazemconviver assimetricamente
Oscar Mendes. Rio
liam. Corno gostais.Tiaduo cle

rf

ti1rli j' r:: :ll^: ;; t,f:


,

F$, rfii+1f

encenaes'

apararo espetacular da comunicao


at
teatro no tempo em que
inform aoem espet.rlo. TJdo
inteiro , um palco, todos os
seqestrado vira ator. "o mundo
de atoresr:,110 repete o melanhomens e murheres no passam
Shakespeare'
clico Jacques do. sempre atual
dos meios audiovisuais
A apropnao de expedientes
quase instantr,rtavisa a uma rigao

ir

ill

?;

lllll i 1il,,:*#ff *d

did

n1untt'.rq':o (.nt t(' () (llrc rlive rs() l)clo 'lrtrl clc scr diverso,
IrJu t-trrlrol,ttrrlo nlil\ lutt('\ c'xltltlttttlo lr tlicrcllt, sc{Llndo a

'ur,r\in lrtrifltlil rl;t

lrrp.rr:t c5('lif:t.lll

lr,l,rrlt' rlt' l)r'r('('l):r() tllt l'ttltlrrl lircrliri:.t, ttrrtula,l,t ilil .il.*ilil rlil ltt't'tontslit,(llrct() lt(lit'it)ltlr:. viso larga do
I1-,trr1,r,lnr l,,ttr ll,,lrsllrr\vn, (luittttlo, ttt I,tu r/o. exttvrnos, inda,'\

1,,,1

(=, ,r

.r(

\(.ll lllrlrlrl, l('sl)()lltlc::


t,, l)ossr,c I irrrrrginlr coro as histrias culturais do sculo
\ X I viro rrvrrlilr ls rcalizaes artsticas das grandes artes da
\cl{rrrrrlrr rrrctadc do sculo XX? ' bvio que no, mas dil'it:ittcttc clcixaro de notar o declnio, pelo menos regionrrl, rlc gncros que floresceram em grande estilo no sculo
XIX c sobreviveram na primeira metade do sculo XX.r12

rrr ( i;rlvitto, o[). cit., 1990, p. 58'


,' ll( )lSllAWN, E ric. Era dos extremos - O brax sculo XX (1914-1991). Ti'aduio tlc Marcos Sanrarrita. So Paulo: Companhia das Letras' 1995, p.493.

CREPUSCULO DA MUDANA

il2

CREPUSCULO DA MUDANA

a arte no contexto das mudanas do


sculo, o hisroriador desenha um quadro irretocvel. Desejo,
Visual rzando

enrreranro, sobrepor viso geral do historiador a reflexo mais


especfica do poeta-ensasta Octavio Pazl.

r'es

il3

malditos de Arquelau (1993), de Isaas Pessorti, Prmio Jaburi

de melhor romance de 1994, o ttulo mais adequado a uma


rccapitulao concentrada do caminho percorrido. Nele encontro reahzado o modelo da narratrva hbrida, figura de tapere em
ctr.ia textura se entrecruzam os fios do desejo,,Ca aventura e do

fi}
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ffi ::i,':ii ;:::,::: :'i #

i : ;::: ;' i - ;;

:i: ";fi"J,r,il,''*

da esccica rundada

Adverrindo que alguma coisa falta literatura do final


cJo sculo XX, Paz acrescenta que "essa alguma coisa a palavra n0, uma palavra que tem sido sempre anncio de grandes afrmaes".r14 E conclui visionrio: "Tenho certeza de que,
escondida nos recuos deste fim de sculo, alguma coisa se
prepara".lls Desprovida da bagagem do historiador e no possuindo os dores visionrios do poeta, ponho-me a ruminar se
Polgono das Secas, de Diogo Mainardi, no prenunciaria, oo
mbito da fico literria no Brasil, um primeiro "ensaio" desse
no anunciado por Octavio Paz.
Rinque de largada sem ponto de chegada, esta escrita
levanrou apenas uma ponta da cortina. Minhas indagaes sobre
a fico no mundo conremporneo no se resolveram em absoluto. Pelo con trrto, no estu rto de muitas perguntas, s dvidas se mulciplicaram. Vejo crescer o que cultivei, pois esto
confluindo para a cena de minha escrita contribuies milionrias de ourros mundos, eue vieram povoar meu prprio mundo.
Cedendo, no entanro, tentao de abranger num relance o
conjunto, sem pretenses a n de arremate, vejo em Aqueles
cit., L993, p. 53.

il3

Paz, op.

il4

Ibidem.

Idem, p.

t.5

1,?0.

srtlrcr. Agora a investigao cientfica , objero de investigao


r()rttrcsca e' medida que aqu ela avana, complica-se a trama
f it't'itrttrtl. Icd uzrdo a seu esqueleto, o enredo
vata de uma
('(ltriPt: tlc pcscluisadores que, embrenhados na faanha da

tlc rtt: vcrdade histrica, experimentam o fas) tlt's('tt(':ttlt'rttlo ltclo clcsejo de conhecimento, ao mesmo
l('lllf ro (lll(', :tliq':rtllr rt t",t't,t>, 1-rlcnl a descoberto a ratz de que
',(' llllll(' r Pl:tzt't tlo t'xislit.. No ltlatro crtico, o episdio amof r)"(r rf llr' t'ttlt't;t lt;lll:ttlot c
l)('sr;rrisltcl()r:.1 cxplicita a motivao
rlu{' ntn\ r' l.,rln: (}\ l}(.t\()nitl,(.n.\: it rlc:lttlttttllt Clfl ValOf dO tfaba_
llr" I ',('ll lft,,rlttl., ( ) lr'\',rrrl:un('nro tlc lrillritcscs, r cata de
,f,,, llllt{ ltlu', r' u t,t.,lt(',11('111 ,lt. ilrrlr.irls (lltC
lrgtlCl lCVaf A
ll,\,1'r ,lt'',r,,1['11,t.,, lt.l{) ln.il\ ;,t.tlrls rlt. lll t-if fflfl tCltClfffiCO
I'r\,l;l,lrlil ,lt' I'ltlrttrlrl t,ll.ll, \,1,
l).1\\()\ l(.\,t.llttlrlt.t:S tlC COISI lr'f lr l,l 'l I 'llltlltlt, ,1, ',tt.t
;rlrrttltr;t\';to. ( ) l)tlt /.tt'rltt ittr,,cstigar.,irt I l. ttllllr,t ,lr r uf f (' ,lr" .. 1.t
,,,t,ttrtirl:rrlt.. l,il)Cftlts CIC
,l'r ,lllVlrl,lrlt'', tlt' tiln ,',r lrl)() tlt' t'ictttistlts rctlizan-r
Itl'll'lil'lll"lll,,
il t 1r lllil lrr,llt n, ,'r, llllrlo rl;t ('ontl)('ti'lro rlo tcrcaclo. Reveslf ttrl, ,1, \ ll,rlr,l,t,lt' , lt,tlr;tllrr rrrlr:lrrt:tultl, l)cssotti
refora em
'rr rr lItlrt
(
lllto
tlo
)
/,('t'.
tliscurso
ganha sabor tempel)tlt
' Itttl(
l'trl, rlt' r'llll',lll;l
l)('nsrutcrt() rttitrcraclor de origens , de
llll'llt'\lo', (' rlt' f()l-'.() ttt:tltlilrgtisticct, no circunscrito aos inir t'trlo" rl:ts l,t'llrls. A tlttria para especialistas
servida a
1trrlrltt os lul() (:spc:cirrlizados. Neste ponto Lutz Costa Lima
(lrr('lrr ll(' ocrccc., sob fbnna de hiptes c,3
nota de afinao do
rrlt u r r( ) ('( )r l)ls.s() con os precedentes:
l('('ottslitrri'rro

( llll(

A litcratLlra altamente

elabor ada de Pessotti poderia ter o


PaPcl, semelhante ao de Eco, de atra ir para a literatura um

ccrto pblico mdio que h mr-ritos anos a prereriu pela Tv.

CREPUSCULO

ll4

DA MUDANA

Referncias

possa se atualiMas no estranha que uma segunda funo


nacionais para um
zari a de estimular escritores e receptores
em Proust'
certo romance de idias, aquele QUo, como i
ficcional com o
Bloch, Canecti ou Musil, combina a trama

bi bl

iogrfi cas

ensaio, o enredo envolvente com a reflexo'llo

lt l li I l, (.,'aio l,-crnando . Morangos mofados. So Paulo: Brasiliense,


l()t\2.
. Ourh' turlnrr Dulce Vega? So Paulo: Companhia das Letras,
I

,,\

,1,,

()(X).

:A l, osi' rlr'. ( )hm roupleln. Rio de Janeiro: Aguilar, 1965.


ll )r\, .lo\rl Arrrc:rit'o rlc:. zl hn.qacr:irn. 7 ed. Rio de Janeiro: Jos

N(

,'\l ,l\ll',
(

.f

)l\,ntIto, lt]7,

,'\l ,\'f '5, [\l,rrr,r I lr'l('rr,r l\lnrt'ir:r . l,,.rlrtr/o r ofto.siio no I]rasi/ (1964-1984).
n'. r',1 lfr'ltr1rnltr. \irlr's, l(),.+.
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'l;ttlttq'lo rlr' (icr':rltl l llsc. Chi,'1 l{15'l l'l'l', l,l',5 ,'lnrttll l'rrlttr
r rlp,n llre' llrrr\''t'itlv nl l\lrt'lttp,,.nt l'tt'ss, l()70.
lill{t(;ltt :( :l lltruf ( ll{, ll,rlI l,,ttr,r,,rtt,t r tttmrnlrr'o; t'tt.rrto. .o/tn: /fettttutt t \ltt't tt-tt, t,t 5,lu lt,tttlu: ( lolnl):urlri:r tllts Lcrrlls, 1987.
.'\*ilrll,, M,r, lr,rrl,, ,lr' l, ,,tu ' l,tr u. l{r,, ,lt' .f :rrrciro: .f lrcl(solt., 1973.
( lfis,s ttttil!lrf,t l{r,r rlr' .ttt('rtu: A,ttilltr, l()l'i.5.
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:::

,Ll

lii
ir
$iI

lj

Devo e agadeo a
Antnio Celso Alves Pereira,
Celeste Varella,
Dau Bastos,
Flora Sssekind,
Rosania Rolins e
Silviano Santiago.

exploso rylqdernlsta, a letra e


,'lrrtrym convven em tensa
.a

proximidade. Na verdade, o
pr.Ori tuturo da fiteratura Pa-

iece indissoluvelmente

relationado fora contempornea


A imagem na transmisso dos
valores culturais.

Por fim,

a antiga

asso-

ciao dos discursos da literatura e da Histria retorna


marcada pela indistino entre
gneros
pela dissoluo de
.
cdigos rgidos. Nestas pginas,
se descobre ficcio, ':o historiador
l ,nista; e o ficcionista, historiador.
Ficoo impura representa

urna contribuio nica para a


compreenso da literatu ra
: brasileira das ltimas dcadas.

Discutir suas hipteses

assimilar sua lio constituem


tarefa obrigatria para todos

'.

Que se interessem pela cultura

contempornea. Therezinha
Barbieri desenhou um maPa:
viagem intrigante que no
podemos recusar.
Joo Cezor de Cos

ImPresso e Acabamento
e Editora ltda'
3977-2666
Tet - 0xx2l

ImPriita GraJtca

xpress 'com'br
e-mail. : comercial@imprintae
Rio de

Jneiro * Brasil

tro Rocha

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