Como Fazer Versos Maiakovski

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 29

Coleção Debates

Dirigida por J. Guinsburg Bóris Schnaíderman


Conselho Editorial; Anatol Rosenfeld, Anita Novinsky,
Aracy Amaral, Bóris Schnaíderman, Carlos Guilherme
Mota, Celso Lafer, Gita K . Guinsburg, Haroldo de Cam-
pos, Leyla Perrone-Moysés, Maria de Lourdes Santos
Machado, Regina Schnaíderman, Rosa R. Krausz, Sábato
Magaldi, Sergio Miceli e Zulmira Ribeiro Tavares.
A Poética de Maiakóvski
através de sua Prosa
Equipe de realização: Revisão: Bóris Schnaíderman;
Capa: Moysés Baumstein p P 2 Editora Perspectiva São Paulo
NOTAS
1. Em nota às 0,C. ( X l l l , 314) está especificado que o leUo foi
publicado, pela primeJia vez, no Volume 65 da série Herança Literária
(editada pela Academia de CISncias da U.R.S.S.}- Não há qualquer
indicação sobre o destinatário. Segundo Benjamin Gorièly, ela foi encon-
trada entre os numerosos documentos póstumos de Maiakóvski (B.
Goriéli, As Vanguardas literárias na Europa, p. 49).
2. V. nola 25 à "Introdução".
3. Além dos nomes relacionados por Maiakóv^ na "Carta'', assi-
naram os primeiros manifestos dos cubo-futurtstas: lellena Guro, Nicolal
Burliuk, lecatierina Nizen, Benedikt Lifschitz.
4. Havia, evidentemente, alguns escritos polémicos com certa teori-
zação, conforme se pode constatar pelos próprios textos de Maiakóvski,
da époqa referida, incluídos neste livro.
5. £sle manifesto foi a primeirh declaração pública e coictiva do
grupo cubo-futurista. A, Krulcliónikh escreveu em suas reminiscências
(transcritas em O.C, XIII, 418): "Ficamos escrevendo muto tempo e
discutimos cada fraae, palavra e letra." Apesar do que Maiakóvski afirmo
na "Carta", tiveram também caráter de manifesto os seguintes escritos
do grupo cubo-futurista; um folheto igualmente com o título de "Bofetada
no gflsio público", 1913; um escrito declaratório no almanaque Arma-
dilha para fulues (n^ 2). que os cubo-futuristas editaram em 1913 (o
1, dc 1910, nlo tivera êsle caráter, embora já incluísse os escritos
do grupo); "Vão para o diabo!", da coletánea Parnaso que riige (Petro-
grado, 1916'), que foi desmiída pela censura,
6. V. nota 24 à "Introdução".
7. AlusSo ao cronista Niéstor, monge em Kiev e provável autor
da "Crónica dos anos", documento sobre os primeiros anos de existência
do Estado russo, escrito no início do século X I I .
COMO FAZER VERSOS? ^
Tenho de escrever sobre esse tema.
Em diferentes debates Hterários, ao conversar com
jovens atuantes em diferentes associações de produção
verbal (rap, tap, pap, etc.) ^, ou em descomposturas aos
críticos, tive com frequência necessidade de arrasar ou,
pelo menos, desacreditar a velha poética, A velha poesia,
como tal, que não era culpada de nada, naturalmente foi
pouco atingida. Ela apanhava somente quando os fervo-
rosos defensores das velharias escondiam-se da arte nova
sob os traseiros dos monumentos.
Ao contrário: tirando os monumentos do pedestal,
devastando-os e virando, nós mostramos aos leitores os
Grandes por um lado completamente desconhecido e não
estudado ^
166 167
As crianças (e também as jovens escolas literárias) guelianas *, com pleno respeito às rimas e aos iambos e
sempre se interessam pelo que existe dentro do cavalo de coreus? Vocês têm o direito de exigir dos poetas que
papelão. Depois do trabalho dos formalistas, são evidentes êles não levem consigo para o túmulo os segredos de seu
as entranhas dos cavalos e elefantes de papel. Se durante ofício.
essa operação os cavalos sofreram algum dano — descul-
pem-nos! Não precisamos encamiçar-nos contra a poesia Quero escrever sobre o meu não como um exegeta,
do passado; ela é nosso material de estudo. mas como um prático. Meu artigo não tem nenhuma im-
portância do ponto de vista científico. Escrevo agora so-
O nosso ódio principal e constante desaba sobre a bre o meu trabalho, o qual, segundo minhas observações
vulgaridade crítico-cançonetista. Sobre aqueles que vêem e convicção, fundamentalmente pouco se distingue do tra-
toda a grandeza da velha poesia no fato de que também balho de outros poetas profissionais.
êles amaram, como Oniéguin e Tatiana'' (consonância
Mais uma vez, insisto muito na seguinte observação:
íntima!), de que também êles compreendem os poetas
eu não forneço nenhuma regra para que uma pessoa se
(aprenderam no ginásio!) e que os iambos lhes acariciam
o ouvido. Odiamos esta fácil dança-assobio, porque ela tome poeta, para que escreva versos. E, em geral, tais
cria, em torno do difícil e importante trabalho poético, regras não existem. Damos o nome de poeta justamente
uma atmosfera de estremecimento sexual e desfalecimento à pessoa que cria essas regras poéticas.
e a crença de que somente a poesia imortal não é apreen- Vou repetir pela centésima vez o meu já cacete exem-
dida por nenhuma dialética e que o único processo de plo-onalogia,
produção, no caso, é constituído por iim levantar inspi- O matemático é o homem que cria, completa e desen-
rado da cabeça, à espera de que a celestial poesia-espírito volve as regras matemáticas, o homem que introduz algo
desça sobre a careca, em forma de pombo, pavão ou aves- de novo no conhecimento da matemática. Quem pela
truz. primeira vez formulou que "dois mais dois são quatro"
Não é difícil desmascarar esses senhores. foi um grande matemático, mesmo que tenha chegado a
Basta comparar o amor de Tatiana e a "ciência can- essa verdade somando duas guimbas a outras duas. Os
tada por Naso" cora o anteprojeto da lei dos matrimónios, homens que vieram depois, ainda que somassem objetos
ler o trecho de Púchkin sobre o "lorgnon desiludido" aos muito grandes, por exemplo uma locomotiva com outra,
mineiros da bacia do Don ou correr diante das colunas de não foram matemáticos. Esta afirmação de modo algum
manifestantes no 19 de Maio e berrar; "Meu tio guiava-se diminui o mérito do trabalho de quem soma locomotivas.
pela honradez."5 Numa época em que os meios de transporte estão destruí-
dos, o seu trabalho pode ser centenas de vezes mais pre-
É pouco provável que, depois de semelhante expe- cioso que a nua verdade aritmética. Mas não se deve
riência, uma pessoa jovem e ansiosa de dedicar suas forças
enviar um cálculo sobre reforma de locomotivas a uma
à Revolução, tenha intenção séria de se ocupar do ofício
associação de matemáticos e exigir que êle seja estudado
arqueológico-poético.
paralelamente à Geometria de Lobatchévski. Isto enrai-
Já se falou e escreveu muito sobre isto. A aprovação veceria a comissão dc planejamento, suscitaria dúvidas aos
ruidosa do auditório sempre esteve do nosso lado. Mas, matemáticos e deixaria os calculadores de tarifas sem sa-
após a aprovação, surgem vozes céticas; ber o que fazer.
— Vocês apenas destroem e não criam nada! Os Vão dizer-me que estou arrombando portas já abertas,
velhos compêndios não presta, mas onde estão os novos? que estas coisas são claras mesmo sem a minha explicação.
Dêem-nos as regras da poética de vocês! Dêem-nos Nada disso.
manuais! 80% das baboseiras rimadas são aceitas pelas nossas
A referência ao fato de que a velha poética existe redações iinicamente porque os redatores não têm nenhu-
há 1.500 anos e a nossa há uns 30 não é mais do que ma noção sobre a poesia precedente ou não sabem para
fugir ao assunto e ajuda muito pouco. que a poesia é necessária ?
Vocês querem escrever e querem saber como isto se Os redatores conhecem apenas o "gosto" ou "não
faz. Por que alguém se recusa a considerar como poesia gosto" e se esquecem de que o próprio gosto pode e deve
uma coisa escrita de acordo com todas as regras chen- ser educado. Quase todos os redatores me expressaram a
168 169
queixa de que não sabiam como devolver manuscritos poé- xandrinos, não servem mais. Como introduzir a lingua-
ticos; não sabiam o que dizer na ocasião. gem coloquial na poesia e como livrar a poesia de tais
Um redator alfabetizado deveria dizer ao poeta: "Os falas? 10
seus versos são murto exatos, êles foram construídos se- Cuspir na Revolução em nome dos iambos?
gundo a terceira edição do manual de versificação de M .
Maus e submissos de hoje em diante,
Brodóvski (ou Chenguéli, Gretch, etc), todas as suas
A fuga está interditada:
rimas são rimas experimentadas, eias existem há muitos anos
Com a mão suja e assoberbante,
no dicionário completo das rimas russas, de N . Abramov, ^
Vikjel nos corta a retirada. (Z. Hippius) "
Considerando que eu não disponho agora dc bons versos
novos, vou aceitar de bom grado os seus, pagando-os como Não! é inútil conter num tetrâmetro anfibráquico
trabalho de um copista qualificado, isto é, a três rublos a inventado para o murmúrio, o reboar distruidor da Revo-
folha, com a condição de que sejam apresentadas três lução!
cópias".
A heróis, peregrinos do mar, albatrozes,
O poeta não terá argumentos para xingar. Êle dei-
parceiros de mesa em festins infernais.
xará de escrever, ou passará a considerar os versos como
Estirpe de águias, marujos, marujos,
um trabalho que exige maior esforço. ^ Em todo caso, o
poeta deixará de olhar de cima para o repórter, que pelo Dedico ígneo canto: rubis e cristais.
menos fornece novas ocorrências em troca de seus três (Kirilov) l i
rublos por notícia. Bem que o repórter gasta o fundilho
Não!
das calças, à cata de escândalos e incêndios, enquanto
semelhante poeta apenas gasta o cuspe no virar das pá- É preciso conceder imediatamtne todos os direitos
ginas. de cidadania à nova linguagem: grito em lugar de canti-
lena, rufar de tambor em lugar de nina-nana:
Em nome da melhoria da qualificação poética, em
nome do florescimento futuro da poesia, é preciso aban- Revolução, mantém o passo!
donar o destaque dado a esse trabalho — o mais fácil (Blok) "
de todos — dentre as demais formas de trabalho humano. Formai coluna em plena marcha!
Vou explicar melhor: a criação de regras não cons- (Maiakóvski)
titui em. si a finalidade da poesia, senão o poeta se tor-
nará um escolástico, que sc exercitará na formulação de É pouco dar exemplos do verso novo e normas para
regras para objetos e teses inexistentes ou desnecessários. agir com a palavra sobre as multidões da Revolução: é
Por exemplo, não há razão para se inventar regras para preciso que o cálculo dessa ação vise a máxima ajuda à
a contagem dc estrelas sôbrt uma bicicleta em alta velo- classe.
cidade. É pouco dizer que "o inimigo arma o seu laço"
(Blok) 1*. É preciso indicar exatamente esse inimigo ou,
Ê a vida quem apresenta as teses que exigem for-
mulação, que exigem regras. Os meios de formulação e pelo menos, permitir representar com exatidão a sua
o objetivo das regras são determinados pela classe e pelas imagem.
exigências de nossa luta. É pouco formar coluna em plena marcha. É preciso
dar meia-volta de acordo com todas as normas da batalha
Por exemplo: a Revolução lançou à rua a fala rude
de milhões, a gíria dos arrabaldes se derramou pelas ave- de rua, colocando o telégrafo, os bancos e os arsenais nas
nidas centrais; o idiomazinho enfraquecido dos intelectuais, mãos dos operários rebelados.
com as suas palavras esterilizadas: "ideal", "princípios da Daí:
justiça", "princípio divino", "a imagem transcendental de
Cristo e do Anticristo", todas essas falas que se profe- Come ananás,
riam num murmúrio nos restaurantes, foram varridas. É Mastiga perdiz,
o novo cataclismo da língua. Como torná-lo poético? Teu dia está prestes, burguês. . .
As velhas regras, com as "rosas formosas" e os versos ale- (Maiakóvski) ^^
'
170 171
Um verso assim seria dificilmente legalizado pela poe-
sia clássica. Em 1820, Gretch não conhecia as tchastúchki, ria correto denominar tais livros não "como escrever", e
mas, se as conhet-esse, escreveria provavelmente sobre elas sim "como escreveram".
com o mesmo desdém com que escreveu sobre a versifi- Falo com toda a honestidade. Não conheço nem
cação popular: "Tais versos não conhecem pés nem con- iambos nem troqueus, nunca os diferencei, nem vou dife-
sonâncias"." rençá-los. Não porque seja trabalho difícil, mas porque nun-
Mas estas linhas foram adotadas pelo povo das ruas ca" precisei lidar com essas coisas em meu trab^ho poético.
de Petersburgo. Nas horas de lazer, os críticos podem E se fragmentos desses metros se encontram no que "escrevi,
procurar descobrir de acordo com que regras tudo isto trata-se apenas de algo anotado de oitiva, pois essas melo-
foi feito. dias cacetes se encontram com demaàiada frequência, a
exemplo do "Pela mãezinha Volga abaixo".
Na obra poética, a novidade é obrigatória. " O ma- Muitas vezes iniciei esse estudo, cada vez chegava a
terial das palavras e dos grupos de palavras de que dispõe compreender todo esse mecanismo, mas depois tomava a
o poeta deve ser reelaborado. Se para a elaboração do esquecer tudo^. Essas coisas, que ocupam 90% dos com-
verso utiliza-se o velho entulho vocabular, êle deve estar
pêndios poéticos, não se encontram nem em 3% do meu
em rigorosa correlação com a quantidade do material novo.
trabalho
Da qualidade e quantidade deste novo vai depender o em-
prego de semelhante liga. No trabalho poético, existem apenas algumas regras
gerais para o início. E assim mesmo, essas regras são pura
A novidade, está claro, não pressupõe que se digam convenção. Como no xadrez. As saídas são quase uni-
constantemente verdades até então desconhecidas. O iambo, formes. Mas já a partir do lance seguinte, você começa a
o verso livre, a aliteração, a assonância, não se criam imaginar um novo ataque. O mais genial dos lances não
todos os dias. Pode-se trabalhar mesmo pela sua conti- pode ser repetido numa situação dada, na partida seguinte.
nuação, penetração e divulgação. Somente o inesperado do lance desorienta o oponente.
"Dois mais dois são quatro", não vive, nem pode Exatamente como as rimas inesperadas no verso.
viver por si. É preciso saber explicar esta verdade (as Mas que dados são indispensáveis para o início do
regras da soma). É preciso tornar esta verdade lembrada
(mais regras), é preciso mostrar que ela é inabalável, com trabalho poético?
uma série de fatos (exemplo, conteúdo, tema). Primeiro. Existência na sociedade de um problema
cuja solução é concebível unicamente por meio de uma
Isso toma evidente que a descrição e reflexão da obra poética. O encargo social. (Tema interessante para
realidade não tem em poesia um lugar independente. Se- um trabalho especial: a não-correspondência do encargo
melhante trabalho é necessário, mas êle deve ser avaliado social com o encargo real.)
como o trabalho de um secretário de uma assembleia
numerosa. Êle não passa do sinjrelo "Foi ouvido e vo- Segundo. Conhecimento exato ou, melhor, percepção
tado". Eis em que consiste a tragédia dos companheiros da vontade da classe a que você pertence (ou do grupo que
de jornada™: ouviram com cinco anos de atraso e vota- representa) em relação a esse problema, isto é, o objetivo
ram também um tanto tarde: quando os demais já cum- a alcançar.
priram as tarefas. Terceiro. Material. As palavras. Fornecimento cons-
A poesia começa pela tendência. tante aos depósitos, aos barracões de seu crânio, das pala-
A meu ver, os versos "Eu vou sozinho para a estra- vras necessárias, expressivas, raras, inventadas, renovadas,
da. . . " são agití»ção em prol de que as moças passeiem produzidas, e toda outra espécie de palavras.
com os poetas. Sabem? — é caceie andar sozinho. Ah, Ouarto. Abastecimento da empresa e dos meios de
seria bom dar um verso que convocasse as pessoas a se produção. Pena, lápis, máquina de escrever, telefone, um
organizarem em cooperativas! terno para visitar o albergue noturao, uma bicicleta para
É evidente que os velhos manuais de versificação não ir às redações, refeições asseguradas, um guarda-chuva
forneciam tais versos. Êles são apenas a descrição dos para escrever sob a chuva, área habitada, com determinado
métodos de escrita históricos, transformados em hábito. Se número de passos que é preciso dar quando se trabalha,
contato com a empresa de recortes, para recebimento • de
172
173
materiais sobre questões que preocupam o interior, etc. A mesma clareza pode ser introduzida na qualificação
etc... e até um cachimbo e cigarros. dos poetas.
Quinto, Hábitos e processos de trabalhar as palavras, Os versos de Diemian Biédni representam o encargo
entranhadamente individuais, e que só nos vêm com anos social para o dia de hoje, corretamente compreendido, o
a fio de trabalho cotidiano: rimas, medida do verso, alite- objetivo a alcançar, formulado com precisão — as neces-
rações, imagens, estilo comum, patos, final, título, dispo- sidades dos operários e camponeses, vocábulos de uso semi-
sição gráfica, etc, etc. -camponês (com acréscimo de um rimário em vias de de-
saparecer), o processo da fábula.
Exemplo: encargo social — letra para canções de
soldados do Exército Vermelho que vão para a frente de Os versos de Krutchônikh: aliteração, dissonância, o
Petrogrado. Objetivo a alcançar — a derrota de ludiéni- objetivo a alcançar — ajuda aos poetas do futuro.
tch Material — palavras do vocabulário dos soldados. Não adianta formular a questão metafísica; quem é
Meio de produção — toco de lápis roído. Processo — a melhor, Diemian Biédni ou Krutchônikh? São trabalhos
tchastuchka rimada. poéticos feitos de parcelas diferentes de soma, em diferen-
tes planos, e cada um deles pode existir sem expulsar o
Resultado: outro e sem lhe fazer concorrência.
Meu bem me deu borzeguins Do meu ponto de vista, a melhor obra poética será
E um jaleco de veludo, aquela escrita segundo o encargo social do Komintern, que
ludiénitch de Petersburgo tenha como objetivo a alcançar a vitória do proletariado,
É expulso a terebintina redigida com palavras novas, expressivas e compreensíveis
a todos, elaborada sobre mesa fabricada segundo as normas
A novidade da quadra, que justifica a produção desta da N O T " , e encaminhada à redação por via aérea. In-
tchastuchka, está na rima "borzeguins" — "terebintina". sisto: por via aérea, pois o cotidiano poético é um dos fa-
Esta novidade torna a coisa necessária, poética, típica. tôres mais importantes de nossa produção. Naturalmente,
o processo da contagem e avaliação da poesia é bem mais
Para que a tchastuchka tenha efeito, é indispensável o
sutil e complexo do que foi exposto aqui,
processo da rima inesperada, a par da total não-correspon-
dência do primeiro dístico e do segundo. O primeiro pode É de propósito que eu aguço, simplifico e caricaturo
ser chamado de auxiliar. o pensamento. Aguço-o para mostrar com maior violên-
Mesmo estas normas gerais e iniciais do trabalho poé- cia que a essência do trabalho atual com a literatura não
tico darão mais possibilidades que as presentes para a ava- está na avaliação do ponto de vista do gosto dessas ou da-
liação e tarifação das obras poéticas. quelas coisas prontas, mas numa abordagem correia do
estudo do próprio processo de produção.
Os momentos do material, do equipamento e do pro-
cesso podem ser calculados diretamente como unidades de O sentido do presente artigo não está, de modo algum,
tarifa. na argumentação sobre exemplares acabados ou sobre sua
maneira de ser, mas na tentativa de desvendar o próprio
O encargo social existe? Existe. 2 pontos. Objetivo a processo da produção poética.
alcançar? 2 pontos. Está rimado? U m ponto. Aliterações?
Meio ponto. E pelo ritmo também um ponto — o metro Como, então, se faz um verso?
estranho exigiu que se andasse de ônibus^. O trabalho começa muito antes do recebimento e da
compreensão do encargo social.
Que os críticos não sorriam, mas eu avaliaria os versos
de um poeta do Alasca mais alto do que, digamos, os de O trabalho poético preliminar se efetua incessante-
um de lalta (isto, naturalmente, no caso de igual capaci- mente.
dade) . É possível realizar no prazo requerido uma boa peça
Puder i ! O alasquiano tem de passar frio, precisa com- de poesia, sómfente se se tiver uma grande reserva de pre-
prar peliça, e a tinta de sua caneta-tinteiro se congela. E parações poéticas.
o ialtiano escreve sobre um fundo de palmeiras, em luga- Por exemplo, agora (escrevo apenas sobre aquilo que
res onde mesmo sem versos se passa bem. me acudiu de imediato à mente) perfura-me o miolo um
174 175
bom sobrenome, "senhor GHceron", que se originou oca- Não sei como serão aproveitadas, mas eu sei que se
sionalmente, durante uma conversa brincalhona sobre a aproveitará tudo.
glicerina. Gasto todo o meu tempo com estas preparações. Pas-
so assim 10 a 18 horas por dia e estou quase sempre mur-
Há também boas rimas;
murando algo. É com essa concentração que se explica
(Contra um céu de cores) creme ã famigerada distração dos poetas.
(Se erguia severo) o Kremlin. O trabalho com estas preparações vai acompanhado
(Junto ao Tibre, ao Sena) ao Reno em mim de semelhante tensão que em noventa por cento
(Abrigo para um) boémio. dos casos sei até o lugar em que, no decorrer de qmnze
(Enquanto o matungo) bufa, anos de trabalho, vieram-me e receberam sua forma defi-
(Arrasto-me até) Ufá, nitiva tais ou quais rimas, aliterações, imagens, etc.
Ufá
Surda. Ru-
Ou então; as.
(Pintados) como o reboco As
(Dias e noites) de agosto. ru-
etc. etc. ^, gas (Bonde entre a Torre Sukháreva e a Porta
Srietiénsti,
Existe a medida que me agrada, de certa cançãozinha 1913) .
americana, que ainda exige adaptação e russificação:
A chuva lúgubre olha de través.
Hard-hearted Hannah A t r a v é s . . . (Mosteiro Strastnói, 1912.
The vamp of Savannah
The vamp of Savannah Acariciai os gatos negros e secos. (Cwvalho cm
Gee ay! ^ K.úntzevo,
1914) .
Existem aliterações reunidas com vigor, a propósito
de um cartaz visto de relance, com o sobrenome "Nita Jo": Esquerda.
EsquCTda. (Coche de aluguel no Cais, 1917)
Onde habita Nita Jo? -Aquele D'Anthés,
A Nita habita no sótão. filho de um cão! (Num trem, perto de Mití-
chchi,. 1924) "
Ou a propósito da tinturaria de Liámina;
Etc., etc,
Corantes? É com mamãe;
Minha mãe se chama Liámina. ^ Este "caderno de notas" é uma das condições princi-
pais para se realizar uma coisa verdadeira.
Há temas com diferentes graus de clareza ou obscuri- Costuma-se escrever sobre semelhante caderno ape-
dade: nas depois da morte do escritor, êle rola anos e anos no l i -
1) Chuva em Nova Yorlc. xo e é publicado postumamente, depois das "obras aca-
badas", mas para o escritor esse caderno é tudo.
2) Uma prostituta no Boulevard des Capucins em
Os poetas principiantes, naturalmente, não dispõem
Paris, A prostituta que é particularmente chique amar,
desse caderno, faltam-lhes prática e experiência. Em sua
porque ela é perneta: teve uma das pernas cortada, se não
obra, as linhas feitas são raras, e por isso o poema inteiro
me engano por um bonde, i ' é aguado e comprido.
3) Um velho que toma conta do mictório no enor- Um principiante, por mais capaz que seja, não escre-
me Restaurante Hesler em Berlim. verá de imediato algo vigoroso; mas, por outro lado, o pri-
4) O tema imenso de Outubro, que não se consegui- meiro trabalho tem sempre mais "frescor", pois nêle entra-
rá levar a termo sem passar algum tempo na roça, etc. etc. ram as preparações' de todo o período precedente.
Todas estas preparações estão ;arrumadas em minha Somente a existência de preparações cuidadosamente
cabeça, e as mais difíceis, anotadas, pensadas me dá a possibilidade de entregar em tempo um
176 177
trabalho, pois a minha produção média atual é de 8 a 10 fácil. Existem até uns valentões que superaram o catedrá-
linhas por dia. tico. Aí está, por exemplo, um anúncio de O proletário
O poeta aprecia cada encíMitro, cada letreiro, cada de Kharkov (N? 256);
acontecimento, em quaisquer condições, iinicamente como "Como toraar-se escritor.
material para realização vocabular. Pormenores em troca de 50 copeques em selos. Esta-
Antes, eu me engolfava a tal ponto nesse trabalho que ção Siaviansk, Estrada de Ferro do Donietz, Caixa Postal
chegava a temer dizer as palavras e expressões que me 11-.35
pareciam necessárias para os versos futuros; eu me toma- Que tal? Não se habilitam?!
va sombrio, cacete e calado.
Aliás, o produto é pré-revolucionário. A revista O
Por volta de 1913, voltando de Saratov para Moscou, divertimento « já tinha como suplemento para os assinan-
eu quis demonstrar a uma companheira de trem a minha tes o livrinho Como tornarse poeta em 5 lições.
absoluta lealdade e disse-Ihe então que não era "um ho-
mem, mas uma nuvem de calças". Tendo dito isto, logo Penso que mesmo os meus pequenos exemplos colo-
cam a poesia no rol dos trabalhos mais difíceis, o que
compreendi que a expressão poderia tomar^se necessária ela realmente é.
para um verso; quem sabe, ela seria passada adiante e es-
banjada em vão? Tremendamente sobressaltado, passei A relação com a linha deve ser correspondente à rela-
meia hora interrogando a moça c<Mn perguntas dirigidas pa- ção com a mulher, na genial quadra de Pasternak:
ra o tema, e só me acalmei quando me convenci de que mi- Da ponta dos pés ao cabelo rente
nhas palavras já lhe tinham saído pelo outro ouvido. — Ator de província às voltas com Shakespeare
Dois anos depois, a "nuvem de calças" se tomou ne- Te arrasto pela ma até saber-te
cessária para mim, como título de todo um poema. Como um texto, de cor, até os dentes."
Passei dois dias pensando na ternura de um homem No capítulo seguinte, vou tentar mostrar o desenvol-
solitário pela sua única amada. vimento destas condições prévias para a feitura do verso,
Como êle haveria de cuidar dela e amá-la? com o exemplo concreto da redação de um dos meus poe-
Na terceira noite, não tendo inventado nada, fui dor- mas.
mir com dor de cabeça. N o decorrer da noite, veio-me a
definição. 2
De teu corpo
vou cuidar e amá-lo Considero " A Sierguéi lessienin"* o mais atuante dos
como um soldado, decepado de giuerra, meus últimos poemas.
inútil, de ninguém, N i o foi preciso procurar para êle nem revista, nem
cuida de sua única perna." editor: era copiado e recopíado ainda antes da impressão,
foi surripiado ainda em provas tipográficas e publicado
Pulei da cama, meio adormecido. Anotei no escuro, num jornal do interior 3', o próprio auditório sempre exige
na tampa de uma cdxinha de cigarros, com um fósforo que eu o leia, durante a leitura se ouve o vôo das moscas,
queimado, aquela "única pema" e adormeci. De manhã, depois da leitura as pessoas se apertam as patas, nos corre-
passei umas duas horas pensando sobre o que era aquela dores há impropérios e elogios, no dia da publicação apa-
"única perna" anotada na caixinha e como tinha ido parar receu uma crítica em que havia, simultaneamente, xinga-
ali. mentos e louvores.
Uma rima que se está caçando, mas ainda não se con- Como foi trabalhado o poema?
seguiu agarrar pelo rabo, nos envenena a existência; você
Conheci lessienin há muito tempo: dez ou doze anos.
címversa sem compreender, come sera distinguir, e perde
O sono, quase vendo a rima que voa diante dos seus olhos. A primeira vez, eu o encontrei de lápti * e camisa bor-
dada com não sei que cruzinhas. Foi num dos bons apar-
Devido à mão leve de Chenguéli, em nosso meio pas-
saram a considerar o trabalho poético uma bobagem muito (,*) o texto vem transcrito no final do ensaio.
17 8 179
lamentos de Leningrado. Sabendo com que prazer um aparecia uma apologia da "vaca". Em lugar do "monu-
mujique de verdade e não de araque troca sua roupa por mento a Marx", exigia-se um monumento vacum. U m
paletó e botinas, não acreditei em lessienin. Pareceu-me mommiento não à vaca à Sosnóvski mas à vaca-símbcdo,
um mujique de opereta, um pastiche. Tanto mais que que fincou os chifres mmia locomotiva. >
èle já escrevia versos que agradavam, e certamente arran- Brigávamos com lessienin frequentemente, atacando-o
jaria uns rublos para um par de íxjtas. sobretudo devido ao imagismo, que se desenvolvera em
Como uma pessoa que já usou e deixou de lado uma tomo dêle. ^
blusa amarela, procurei informar-me, com ar prático, sobre Depois, lessienin partiu para a América e outros paí-
a roupa: ses" e voltou com um gosto evidente pelas coisas novas,
— Então, é para a promoção?
lessienin me respondeu com a voz que provavelmente Infelizmente, nesse período acontecia com mais fre-'
teria óleo de lampadário que adquirisse vida. qiiência encontrá-lo na crónica policial que na poesia. Ele
estava-se expelindo rápida e seguramente do rol dos traba-
Qualquer coisa no género de: lhadores sadios da poesia (falo do mínimo que se exige do
— Nós somos da roça, nós não compreendemos estas poeta).
coisas de v o c ê s . . . nós fazemos as coisas de certo j e i t o . . .
Nessa época, encontrei-me com êle diversas vezes, fo-
à nossa maneira.. . tradicional e grossa. . .
ram encontros elegíacos, sem quaisquer divergências.
Os seus versos muito talentosos e muito rurais natu-
ralmente eram hostis a nós outros, futuristas. Eu acompanhava satisfeito a evolução de lessienin, do
imagismo para a VAPP lessienin falava dos versos
Mas êle parecia um rapaz engraçado e simpático. alheios interessado. Aparecera um novo traço em lessi^in,
Por despedida eu lhe disse, por via das dúvidas: tão apaixonado por si mesmo: manifestava certa inveja
— Aposto que vai jogar fora todos esses lápti e pen- por todos os poetas que estavam organicamente ligados à
tes-repentes! ' classe, e viam diante de si um grande caminho otimístico.
lessienin me retrucou com entusiasmo e convicção. Nisso está, a meu ver, a raiz do nervosismo poético de
Kliúiev*' arrastou-o para o lado, parecia mãe que leva lessienin e de sua insatisfação consigo mesmo, desgastado
embora uma filha que está sendo seduzida, e que a leva por pelo álcool e pelo comportamento inepto dos que o ro-
temor de que a própria filha não tenha forças nem vonta- deavam.
de de se opor.
Nos últimos tempos, apareceu até certa simpatia evi-
lessienin aparecia-me ora aqui, ora ali. Encontrei-me dente por nós outros (o gmpo da Lef): frequentava a casa
com êle m^s detidamente, já depois da Revolução, em casa de Assiéiev, chamava-me ao telefone, às vezes simplesmen-
de Gorki. No mesmo instante, com a indelicadeza que te procurava aparecer onde estivéssemos.
me é inata, berrei:
— Pague-me a aposta, lessienin, está de gravata e pa- Tornara-se um tanto flácido e a roupa lhe pendia do
corpo, mas assim mesmo continuava elegante à maneira
letó!
iessieniana.
lessienin se zangou e tomou-se fanfarrão.
Depois, passei a ler versos de lessienin que não po- O último encontro com êle me causou uma impressão
penosa e profunda. Encontrei junto à caixa da Gos-
diam deixar de me agradar, como: sizáat** um homem que correra em minha direção, de
Meu querido, querido e engraçado bolrao... etc. *^ rosto inchado, uma gravata retorcida e chapéu que «e man-
O céu — lun sino, a lua — língua.. . tinha no alto por acaso, pois se gmdara a um cacho iouro-
e outros. Dêle e dos seus companheiros suspeitos (para mim pelo
lessienin desembaraçava-se da campesinada cheia de menos) vinha um hálito de álcool. Literalmente, tive di-
idealização, mas desembaraçava-se, naturalmente, com al- ficuldade em reconhecer lessienin. Foi com dificuldade
também que declinei a exigência de ir imediatamente
guns recuos, e ao lado de
beber, reforçada por um tilintar adensado de moedas.
Mãe — pátria minha. Durante o dia todo, fiquei lembrando o seu aspecto la-
Eu — bolchevique... ^ mentável, e de noite, naturalmente, passei muito tempo co-
i80 181
mentando com meus companheiros (infeliznKnte, todos Os versos dos "inimigos" de lessienin, ainda que apa-
sempre se limitam a isto em semelhantes casos) que pre- ziguados com a sua morte, são versos padrescos. Êles sim-
cisávamos ocupar-nos de lessienin. Tanto êles como eu plesmente recusam a lessienin um enterro como poeta, por
causa do fato do seu suicídio.
xingamos o "ambiente" e nos separamos convencidos de
que lessienin era então cuidado pelos seus amigos, os ies- Mas tão radical sem-vergonhice''
sienianos. Nem de t i podíamos esperar...
Mas a c o m não foi assim. O fim de lessienin nos des- (Se não me engano, Jarov)
gostou, mas desgostou de maneira comum, humana. A Estes versos são o b r ^ de quem se desincumbe ás
princípio, este fim pareceu absolutamente lógico e natural. pressas do encargo social mal compreendido, onde o obje-
Eu soube dêle de noite, o desgosto provavelmente perma- tivo a alcançar não se casa absolutamente com o processo
neceria, e de certo modo se dissiparia ao amanhecer, mas e se assume um estilozinho de folhetim, que absolutamente
de manhã os jornais trouxeram-nos as linhas pré-agônicas: não funciona neste caso trágico.
Se morrer, nesta vida, não é novo. Arrancado de sua complexa ambiência psicoló^ca e
Tampouco há novidade em estar vivo. ™ social, o suicídio, com a sua momentânea negação não-mo-
tivada (e poderia ser diferente?!), oprime pela falsidade.
Depois destas linhas, a morte de lessienin se transfor- Pouco adianta igualmente, para a luta com o pernicio-
mou num fato literário. so dos liltimos versos de lessienin, a prosa que sobre êle
LOgo se tomou claro a quantos vacilantes este verso se escreveu.
vigoroso, e justamente verso, levaria à corda e ao revól-
A começar com Kogan que a meu ver não estudou
ver.
o marxismo em Marx, e sim tentou extrai-lo, com suas
Este verso não se anularia com nenhuma análise ou próprias forças, da afirmação de Lucá -— " A pulga nem
artigo de jornal. sempre é má; é escura, pequena, e pula" —- consideran-
Com este verso se pode e se deve lutar, por meio do do esta verdade como o mais elevado objetivismo científico,
verso ÚTÚcamertíe. e que por isto escreveu por contumácia (postumamente)
um artigo de louvor agora completamente desnecessário,
Deste modo os poetas da U.R.S.S. receberam o encar- e a terminar com os mal-cheirosos livrinhos de Krutchô-
go social de escrever versos sobre lessienin. U m encargo nikh, que ensina doutrina política a lessienin, como se êle,
excepcional, importante e urgente, pois as linhas de lessie- Kmtchônikh, tivesse passado a vida inteira nos trabalhos
nin começaram a atuar depressa e sem falha. O encargo forçados sofrendo pela liberdade, e lhe custasse muito tra-
foi aceito por muitos. Mas, escrever o quê? E como? balho escrever seis (!) l i v r i n h o s s o b r e lessienin, com a
Apareceram versos, artigos, reminiscências, ensaios e mão da qual ainda não se apagou a marca das correntes
até dramas. Na minha opinião, 99% do que se escreveu barulhentas.
sobre lessienin é simples baboseira ou baboseira perniciosa.
Mas o que escrever sobre lessienin, e como?
Versos miúdos dos amigos de lessienin. Vocês sempre
Depois de examinar essa morte por todos os lados e
poderão identificá-los pelo tratamento dado a lessienin,
êles sempre o chamam ã maneira familiar, "Sierioja" (de revolver de todas as maneiras o material alheio, formulei
onde este nome inadequado foi também utilizado por Bie- para mim mesmo um problema.
zimiênski). "Sierioja" ^i, como fato literário, não existe. Objetivo a alcançar: paralisar refletidamente a ação
Existe o poeta —• Sierguéi lessienin. É sobre êle que pe- dos últimos versos de lessienin, tomar o fim de lessienin
dimos que se fale. A introdução do familiar "Sierioja" desinteressante, expor em lugar da boniteza fácil da morte
rompe imediatamente o encargo social e o processo de
uma outra beleza, pois todas aS forças são necessárias à
realização. O nome "Sierioja" reduz o tema grande e pe-
noso ao nível do epigrama ou do madrigal. E nenhuma lá- humanidade trabalhadora para a revolução iniciada, e isto,
grima dos parentes poéticos ajudará no caso. Poeticamente, não obstante o caminho árduo e os penosos contrastes da
esses versos não podem impressionar. Esses versos provo- N E P " , exige que celebremos a alegria da existência, o
cam riso e irritação. júbilo da marcha dificílima para o comunismo.
182 183
Agora, tendo o poema à mão, é fácil formular isto, Assim, por exemplo, o respeito pela "poesia", em de-
mas como foi então difícil iniciá-lo! trimento dos fatos e do registro de ocorrências, obrigou os
O trabalho coincidiu com as minhas viagens pelo inte- correspondentes de indústria a publicar a coletânea Pé-
rior e as minhas éonferências. Cerca de três meses eu talas, onde há versos como:
voltava todos os dias ao tema e não conseguia inventar na- Sou um obus proletário.
da que prestasse. Vinha-me toda espécie de diabolismo,
com rostos azuis e canos de água Em três meses, não Atiro pra lá e pra cá ^
cheguei a inventar uma só Unha. Apenas, o peneiramento Nisso há uma lição; 1) deixemos de lado a ideia deli-
diário de palavras resultava num depósito de rimas prepa- rante de criar "telas épicas" no decorrer de batalhas nas
radas como: "redingotes — bigodes", "difícil — ofício"". barricadas — a tela inteira seria rasgada"; 2) matéria fa-
Quando já me aproximava de Moscou, compreendi que a tual (e daí o interesse do trabalho dos correspondentes de
dificuldade e o prolongado da redação provinham da ex- indústria e de lavoura), no decorrer da revolução, deve
cessiva correspondência do que tinha a descrever com o ser remunerada por uma tarifa mais elevada, ou pelo me-
ambiente que me rodeava. nos não mais baixa, que a da assim chamada "obra poéti-
Os mesmos quartos de hotel, os mesmos canos de ca". A poetização apressada apenas debilita e adultera o
água e a mesma solidão forçada. material. Todos os compêndios de poesia à Chenguéli são
nocivos porque não extraem a poesia do material, isto é,
O ambiente me enrolava, não me permitia sair dêle, não fornecem a essência dos fatos, não condensam os fa-
não fornecia sensações nem.palavras para a maldição, pa- tos até que se obtenha a palavra comprimida, prensada, eco-
ra a negação, não fornecia dados para o apelo ao ânimo nómica, mas simplesmente vestem alguma velha forma so-
elevado. bre um fato novo. A forma o mais das vezes não é do
Daí quase uma regra: para a feitura de uma obra mesmo porte; ora o fato se perde de vez, como uma pulga
poética, é indispensável mudança de tempo ou lugar. num par de calças, por exemplo, os porquinhos de Radi-
mov em seus pentâmetros gregos, apropriados para a lãa-
E o mesmo que acontece, por exemplo, na pintura; da ora o fato não cabe na vestimenta poética e se toma
ao desenhar algum objeto, você tem de afastar-se até uma ridículo, em lugar de grandioso. Assim aparecem, por
distância igual a três vezes o tamanho deste. Sem obede- exemplo, os "marinheiros" de Kúilov, êles avançam num
cer a isto, você simplesmente não poderá ver o objeto a surrado tetrâmetro anfibráquico, que se rasga continua-
representar. mente na linha de costura. *^
Quanto maior for o objeto ou o acontecimento, tanto
maior será o distanciamento necessário. Os fracos ficam São obrigatórias a distância, a mudança do plano em
movendo os pés, sem sair do lugar e esperam que o acon- que ocorreu este ou aquele fato. Isto, naturalmente, não
tecimento acabe, para então refleti-lo, e os vigorosos cor- quer dizer que o poeta deve ficar à espera de que o tem-
rem para a frente, segundo a mesma proporção de distân- po passe. Èle deve apressar o tempo. Substituir o fluir
cia, a fiin de arrastar o tempo compreendido por êles. lento do tempo com uma mudança de lugar, e deixar pas-
sar num dia que decorre fatualmente um século de fan-
A descrição do que ocorre hoje, pelas próprias perso- tasia.
nagens das batalhas atuais, será sempre incompleta, íne-
xata até, em todo caso unilateral. Para os objetos fáceis e miúdos deve-se e pode-se fa-
zer tal mudança artificialmente •(aliás, ela se faz por si).
Provavelmente, semelhante trabalho será uma soma, o É bom começar a escrever um poema sobre o Primei-
resultado de dois trabalhos; os apontamentos do contem- ro de Maio, por volta de novembro ou dezembro, quando
porâneo ç o trabalho generalizador do artista futuro. Nisso
realmente se deseja, a mais não poder, estar em maio.
está a tragédia do escritor revolucionário: pode-se redi-
gir uma brilhante ata de ocorrências, por exemplo A se- Se você quiser escrever sobre um amor tranquilo, vá
mana de L i b i e d í n s k i e também falsear inapelàvelmente de ônibus N*? 7 da Praça Lubiánskaia à Praça Nóguin. O
o tom, empreendendo generalizações sem nenhum distan- sacolejar detestável sublimará para você, melhor do que
ciamento. Se nSo distância de tempo e lugar, pelo menos qualquer outro meio, o encanto de outro tipo de existên-
distância da cabeça. cia. O sacolejar é indispensável para a comparação.
184 185
o tempo é necessário também para o amadurecimento desenvolve a par da experiência, que se dá o nome de
do trabalho já escrito. talento). O mais das vezes, o que surge primeiro é a pa-
Todos os versos que escrevi sobre um tema urgente, lavra mais importante, aquela que caracteriza o sentido do
e isto com um máximo de impulso interior, e que me agra- verso, ou a palavra a ser rimada. As demais palavras
davam no ato da execução, assim mesmo no dia seguinte vêm e são colocadas no lugar, na dependência dessa pa-
me pareciam miúdos, inacabados, unilaterais. Sempre dá lavra mais importante. Quando o essencial já está con-
uma vontade tremenda de modificar algo. cluído, vem-nos de repente a sensação de que o ritmo se
quebra: falta uma pequena sQaba, um pequeno som. Vo-
Por isto, tendo concluído algum trabalho, eu o tranco cê passa a cozer de novo todas as palavras, até o frenesi.
na mesa por alguns dias, depois o retiro e logo vejo os É como se se experimentasse no dente cem vezes luna co-
defeitos que antes não apareciam.
roa, e finalmente, depois de cem tentativas, ela é apertada
É que estou engolfado no trabalho. e assenta no lugar. A semelhança é ainda redobrada, quan-
Tudo o que disse acima não significa, mais uma vez, to a mim pelo menos, pelo fato de que, no momento, em
que só se devam escrever coisas inatuais. Não. Justamen- que esta coroa "assentou", tenha literalmente lágrimas nos
te as atuais. Eu apenas chamo a atenção dos poetas para olhos — de dor e de alívio.
o fato de que os versos de agitação, considerados fáceis, na Não se sabe de onde vem esta fundamental zoada-rit-
realidade exigem o trabalho mais concentrado e os mais mo. No meu caso, é toda repetição em mim de um som,
diversos expedientes, que compensem a falta de tempo. um ruído, um balanço de corpo ou, em geral, até repetição
Mesmo preparando a peça de agitação mais urgente, de qualquer fenómeno que eu destaco por meio do som.
deve-se, por exemplo, passá-la a limpo de noite e não de O ritmo pode ser trazido pelo ruído do mar, que se repete,
manhã. Mesmo que se corram por ela os olhos rapidamen- pela empregada que todas as manhãs bate à porta, e, repe-
te de manhã, muita coisa ruim vai permanecer nela. A tindo-se, arrasta os pés em minha consciência, e até o girar
capacidade de criar distâncias e organizar o tempo (e não da terra, que em mim, como numa loja de petrechos didá-
iambos c troqueus) deve ser estabelecida como a regra ticos, alterna-se caricatural e se relaciona obrigatoriamente
fundamental de todo manual de produção poética. com o assobiar de um vento artificial.
Aí está por que cu adiantei mais o meu poema sobre O esforço de organizar o movimento, de organizar os
lessienin no pequeno percurso da Passagem Lubiánski à sons ao redor de si, depois de determinar o caráter destes,
Administração Teífera, na Rua Miasnítzkaia (ia resgatar as suas peculiaridades, são um dos mais importantes tra-
um vale), que em toda a minha viagem. A Miasnítzkaia balhos poéticos permanentes: são as preparações rítmicas.
era o contraste abrupto e necessário: depois da solidão dos Não sei se o ritmo existe fora de mim ou somente em mim,
quartos de hotel, a multidão, depois da quietude provincia- provavelmente só em mim. Mas para o seu despertar é
na, a excitação e ânimo elevado nos ônibus, automóveis e necessário um empurrão — assim, não se sabe por obra de
bondes, e em volta, como que um desafio às velhas aldeias que violinista, surge uma zoada no ventre de um piano;
mal iluminadas, as empresas electrotécnicas. assim também, ameaçando ruir, balança uma ponte, em
conseqiiência da marcha sincrónica de numerosas forrhigas.
E eis-me caminhando, balançando os braços e mu- O ritmo é a força básica, a energia básica do verso. N ã o se
gindo, ainda quase sem palavras, ora encurtando o passo, pode exi^icá-lo, disto só se pode falar como se fala do mag-
para não estorvar os mugidos, ora mugindo mais depressa, netismo ou da eletricidade, o magnetismo e a eletricidade
no ritmo dos passos. são formas de energia. O ritmo pode ser um só em muitos
Assim se desbasta e se forma o ritmo, base de todo versos, até em toda a obra de um poeta, c isto não toma
trabalho poético e que passa por êle numa zoada. Pouco a o trabalho monótono, pois o ritmo pode ser tão complexo
pouco, você começa a destacar desta zoada palavras iso- e difícil de materializar que não se consiga alcançá-lo
ladas. mesmo com alguns poemas longos.
Algumas palavras simplesmente pulam fora e não vol- O poeta deve desenvolver em si justamente este sen-
tam nunca mais, outras se detêm, reviram-se e revolvem-se timento de ritmo e não decorar as medidazinhas alheias:
algumas dezenas de vezes, antes que você sinta que a pa- iambo, troqueu, ou mesmo o verso livre canonizado — tra-
lavra ficou no lugar certo (é a este sentimento, que se ta-se de ritmos adaptados a alguns casos' concretos e que
186 187
servem unicamente para estes casos concretos. Assim, a Pobre cavalo, caiu no campo.
energia magnética com que se carrega uma ferradura vai
atrair penas de aço, e você não poderá utilizá-la em ne- E o que tem o cavalo a ver com isto?! Não se trata
nhum outro trabalho. de um cavalo, mas de lessienin. E sem estas sSabas,
tem-se um verdadeiro galope de ópera, e o "ra ra ra" é
Não conheço nenhum dos metros. Estou simplesmen- muito mais elevado. De modo algum se pode jogar fora
te convencido, no que se refere ao meu trabalho, que no
o "ra ra ra" — o ritmo está certo. Começo a escolher as
caso de temas heróicos e grandiosos, é preciso utilizar me-
palavras.
didas longas, com muitas sflabas, e para temas alegres,
medidas curtas. Não sei por que, desde minha infância Você partiu, Sierioja, para o outro mundo.. .
(desde uns nove anos), todo o primeiro grupo associa-se Você partiu, inapeíável, para o outro mundo.
para mim com Você partiu, lessienin, para o outro mundo.
Tombastes na luta cruel, infinita... " Qaãi dessas linhas é melhor?
e o segundo, com Todas são uma droga! Por quê?
Reneguemos o mundo antigo. . . A primeira linha é falsa por causa do nome "Sierioja".
Eu nunca me dirigi a lessienin nesse tom ami cochon, e
Curioso. Mas juro por minha honra que é verdade.
este nome é inaceitável agora também, pois êle trará uma
A medida se produz em mim em consequência da
infinidade de outras palavrinhas falsas, madequadas a mim
cobertura desta zoada rítmica, com palavras propostas pe-
lo encargo social (o tempo todo, você se interroga; é esta e às nossas relações; "tu", "querido", "meu velhos', etc.
a palavra certa? A quem vou lê-la? E será compreendida A segunda linha é ruim porque, nela, a palavra "ina-
corretamente? E t c ) , palavras essas controladas com o má- peíável" é casual, foi colocada ali apenas para atender à
ximo de tanto, com a capacidade, o talento. medida: ela não só não ajuda e não explica nada, ela sim-
A princípio o poema a lessienin vinha num simples plesmente atrapalha. Realmente, o que é este "inapeíável"?
mugido, aproximadamente assim ; Será que alguém já morreu de modo apelável? Acaso exis-
te morte com regresso imediato?
ta-ra-ra-ra/ra,ra,ra,ra/ra ra ra ra ra A terceira linha não serve, devido à sua absoluta se-
ra-ra-ra-ri/ri ra ra/ra ra ra ra ra/ riedade (o objetivo a alcançar faz penetrar pouco a pouco
ra-ra-ra-ri/ra ra ra/ra ra ri na mente a noção de que há defeito nas três linhas). Por
r a r a r a r i / r a ra ra/ra ra ra ra/ que esta seriedade é inaceitável? Porque ela dá margem a
que me atribuam a fé numa vida além-túmulo, no sentido
Depois se distinguem palavras: evangélico, o que não seria verdade — isto em primeiro
lugar, e em segundo, esta seriedade toma o verso simples-
Você partiu ra ra ra ra para o outro mundo, mente fúnebre, e não tendencioso; ela obscurece o objeti-
Eu sei. . . Você sobe ra ra ra ra ra ra. vo a alcançar. É por isto que mtroduzo as palavras "co-
Nem álcool tens, nem moedas, nem mulher. rno se diz".
Ra ra ra/ Sóbrio. Ra ra ra ra ra.
"Você partiu, como se diz, para o outro mundo". A
Repito dezenas de vezes, prestando atenção à pri- linha está feita: não sendo uma zombaria direta, "como se
meira linha: diz" faz baixar sutilmente o patético do verso e ao mesmo
tempo afasta toda suspeita de que o autor acredite em
Você partiu ra ra ra ra para o outro mundo, quaisquer galimatias sobre o além. A linha está feita e
etc logo se torna fundamental, a linha que determina toda a
O que é este maldito "ra ra ra", e o que se deve co- quadra; é preciso tomá-la dúplice," não sair dançando a
locar em seu lugar? Ou talvez deixar sem nenhum "ra propósito de um desgosto e, por outro lado, não soltar uma
ra ra"? Içnga-lenga lacrimejante. É preciso cortar imediatamente
a quadra em duas metades: duas linhas solenes e duas
Você partiu para o outro mundo. coloquiais, cotidianas, e que sublimem uma à outra, por
NSo! Logo vem à mente um verso que se ouviu: contraste. Por isto, de acordo com a minha convicção
18S 189
de que para linhas mais alegres é preciso cortar sflabas, Você partiu, como se diz, para o outro
passei a lidar com o! final da quadra. [mundo,
Nem álcool tens, nem moedas, nem mulher. Eu s e i . . . Você sobe ra ra ra ra ra.
Ra ra ra/ Sóbrio. Ra ra ra ra ra. Nem álcool, nem moedas.
Sóbrio. Vôo sem fundo.
O que fazer com estas linhas? Como encurtá-las? Ê
preciso cortar este "nem mulher". Por quê? Porque estas Talvez se possa deixar sem rima? N ã o se pode. Por
"mulheres" estão vivas. Chamá-las assim, neste contexto, quê? Porque sem rima (tomando a rima numa acepção
quando a maior parte das líricas de lessienin lhes é dedica- bem ampla) o verso se esfarela.
da com profunda ternura, seria uma falta de tato. Por A rima obriga você a voltar à linha anterior e lem-
isto mesmo é falso e não soa bem. Ficou: brá-la, obriga todas as linhas, que materializam o mesmo
pensamento, a se manterem unidas.
Nem álcool tens, nem moedas.
Geralmente, dá-se o nome de rima a uma consonân-
Procuro balbuciar mentalmente; não dá resultado. Estas cia nas últimas palavras de duas linhas, quando a mesma
linhas são a tal ponto diferentes das primeiras que o ritmo vogal tónica e os sons seguintes coincidem aproximada-
não muda apenas, mas simplesmente se rompe, se quebra. mente.
Cortei a quadra, e que fazer agora? Há uma diferença de É o que todos dizem, e, no entanto, é uma bobagem.
não sei que pequena sílaba. E esta linha, que saiu do rit- A consonância final, ou rima, é apenas um dos inú-
mo, tomou-se falsa também por outro aspecto — pelo sen-
meros meios de amarrar entre si as linhas, e a bem dizer,
tido. Ela marca insuficientemente o contraste e, ademais,
atira todo este "álcool e moedas" às costas de lessienin o mais singelo e grosseiro.
Cinicamente, quando na realidade êle se refere a todos nós. Pode-se rimar também o início das linhas:
Como então fazer estas linhas ainda mais contrastan- Patrões,
tes e, ao mesmo tempo, generalizadas? Para o ô,
Tomo o exemplo mais popular: Paia o ôco
Patrões
Nem fundo nem gargalo. etc.
Nem álcool nem moeda.
Pode-se rimar o final de uma linha com o início da
Formas semelhantes ericontram-se na linguagem mais seguinte:
coloquial e mesmo vulgar.
A linha ficou no lugar certo, tanto pela medida Pára, barbudo!
como pelo sentimento. "Nem álcool, nem moedas" mar- Repara:
cou ainda mais o contraste com as primeiras linhas: o Rázin!
tratamento na primeira Unha, "Você partiu", e a forma etc.
impessoal na terceira imediatamente mostraram que o ál-
cool e as moedas não foram colocados ali para rebaixar a Podem-se rimar os finais da primeira e da segunda
memória de lessienin, mas como um fenómeno geral. Esta linha com a última palavra da terceira ou quarta:
linha apareceu como ura bom impulso para eliminar todas Entre os sábios em fileira,
as sílabas antes de "Sóbrio. Vôo sem fundo", e este verso Solto, um acento sem letra.
apareceu como uma solução do problema. Por isto, a
Surdo ao verso russo — Chenguéli. ™
quadra predispõe favoravelmente até os mais extremados
partidários de lessienin, permanecendo no fundo quase etc, etc., até o infinito.
uma zombaria.
Em meu poema, é indispensável rimar "moedas". Em
A quadra está cCTicJuída no essencial, sobra apenas primeiro lugar, virão à mente palavras como "quedas", por
uma linha não comi^etada com rima: exemplo:
/90 191
Você partiu, como se diz, para o outro Está claro que simplifico demais, esquematizo o tra-
[mundo, balho poético e submeto-o a uma seleção cerebral. O
Eu sei., . Você sobe, escalada sem quedas. processo da escrita é, naturalmente, mais enviezado e in-
Nem álcool, nem moedas. tuitivo. Mas, no essencial, o trabalho apesar de tudo se
Sóbrio. Vôo sem fimdo. realiza segundo semelhante esquema.
A primeira quadra determina todo o poema. Tendo
Pode-se deixar esta rima? Não. Por quê? Em pri- em mãos tal quadra, eu já calculo mentalmente quantas
meiro lugar, porque é uma rima demasiado completa, é
serão necessárias para o tema em questão e como distribuí-
transparente demais. Quando você diz "quedas", a rima
-las para melhor efeito (arquitetônica do verso).
"moedas" aparece por si e, sendo preferida, não espanta,
não detém a atenção do leitor. É o destino de quase todas O tema é vasto e complexo, será necessário gastar com
as palavras aparentadas, quando se rima verbo com verbo, êle 20-30 semelhantes tijolos-quadras, dísticos e sextilhas.
substantivo com substantivo, com as mesmas raízes ou no Tendo elaborado quase todos esses tijolos, começo a
mesmo caso de declinação, etc. A palavra "quedas" é prová-los, colocando-os ora num ora noutro lugar, pres-
ruim também porque introduz um elemento de zombaria tando atenção a como soam, e pro:;urando imaginar a
desde as primeiras linhas, enfraquecendo assim todos os impressão causada.
contrastes ulteriores. Talvez se possa facilitar o trabalho, Depois de prová-los e pensar sobre o assunto, resol-
substituindo a palavra no fim da linha, mas completar esta vo: de início é preciso interessar todos os ouvintes com a
com algumas ^abas, como "Nem álcool nem moedas se ambiguidade, graças à qual não se saiba de que lado es-
t e r á " ? . . A meu ver, não se pode fazer isto: eu sempre tou depois é preciso tirar lessienin dos que se aproveitam
coloco a palavra mais característica no fim da linha e ar- da morte de lessienin para conseguir vantagens, é preciso
ranjo para ela uma rima, custe o que custar. Como resul- louvá-lo e branqueá-lo de maneira como não souberam fa-
tado, minha rima é quase sempre inusitada, em todo caso zer os seus cultores, que "amontoam rimas embotadas".
nâo foi empregada antes de mim e não existe no dicioná- É preciso conquistar de uma vez a simpatia do auditório,
rio das rimas. atacando os que tornam vulgar a obra de lessienin, tanto
A rima amarra as linhas, por isto o seu material deve mais que êles também tomam vulgar toda outra obra de
ser ainda mais forte que o material utilizado nas demais que se ocupem, em suma atacar todos estes Sóbinov", pas-
linhas. sando então a conduzir o ouvinte por meio de dísticos l i -
geiros. Tendo conquistado o auditório e tirado dêle o di-
Tomando os sons mais característicos da palavra ri- reito ao realizado por lessienin e ao que se realizou ao
mada, "edas", repito comigo mesmo inúmeras vezes, pres- redor deste, inesperadamente dirigir o ouvinte para a linha
tando atenção a todas as associações: "edas", "seda",
da certeza no completo desvalor, insignificância e desin-
"esda", "sdea", "estrela", "estrelas". A rima feliz foi en-
teresse do fim de lessienin, isto parafraseando as suas últi-
contrada: uma palavra nobre e um bom efeito sonoro!
mas palavras e atribuindo-lhes o sentido inverso.
Mas que pena, na palavra "estrelas" soa também o Um desenhozinho primário nos dará o seguinte es-
grupo "str". EÍevem-se aproveitar letras análogas na rima. quema:
Por isso, introduzi a palavra "entremeado", que além das
letras "ead" tem o grupo "tr", sendo ademais um verbo.
Visto que a expressão "Eu sei" ficou solta, substi-
tuo-a por "Vácuo", que rima com "álcool",
E aí está a redação final:
Tendo-se os blocos essenciais das quadras e concluído
Você partiu, como se diz, para o outro o plano arquitetônico geral, pode-se considerar executado
[mundo. o trabalho fundamental de criação.
Vácuo. . . Você sobe, entremeado às es- Segue-se a relativamente fácil elaboração técnica da
[trêlas. obra poética.
Nem álcool, nem moedas. A expressividade do verso deve ser levada ao limite.
Sóbrio. Vôo sem fundo.'* Um dos grandes meios de expressividade é a imagem.
192
193
NSo a imagem-visão fundamental, que já aparece no início pois então teremos a leitura de "loque", e esta deturpa,
do trabalho, como uma primeira resposta, ainda enevoada, com o assim chamado deslocamento, todo o sentido do
ao encargo social. Não, eu falo das imagens auxiliares, verso. Trata-se de um relaxamento muito frequente.
que ajudam a formação deste essencial. A imagem é um Por exemplo, num poema lírico de Otkin, publicado
dos recursos de sempre da poesia, e as correntes, como, recentemente em O projetor, aparecem os versos:
por exemplo, o imagismo, que o transformavam em obje-
tivo, condenavam-se na realidade à elaboração de apenas E êle não veio cá
um dos aspectos técnicos da poesia. como o cisne estival não virá para os lagos
[de inverno.
São infinitos os meios de formação da imagem.
U m dos meios primitivos de criação da imagem são Aparece, aí, certo "caco".
as comparações. Meus primeiros trabalhos, por exemplo Efeito dos maiores, neste sentido, é dado pela primei-
"Uma nuvem de calças", foram construídos inteiramente ra linha de um poema publicado por Briussov nos primei-
sobre comparações; é um nunca acabar de "como, como e ros dias da guerra, na revista Nosso tempo:
como". Não será este primitivismo que obriga os apre-
ciadores tardios a considerar a "Nuvem" como o meu poe- Veteranos com música, gado na feira
ma "culminante"? Nas minhas últimas coisas e em meu
"lessienin", este primitivismo naturalmente foi eliminado. O deslocamento se aiiula, e ao mesmo tempo se dá a
Encontrei uma única comparação: " . . . longos e lerdos, definição mais simples e incisiva, graças a uma distribuição
como Dorônin". das palavras:
Por que "como Dorônin" e não como a distância à E já vão empilhando no jazigo
lua? Em primeiro lugar, a comparação foi tirada da vida dedicatórias e ex-votos: excremento.
literária porque todo o tema é literário. E em segundo
lugar, "O arador de ferro" (não é assim o título?) é Um dos meios de criação de imagens que eu mais te-
mais longo que o caminho à lua, porque este caminho é nho empregado ultimamente é a invenção dos aconteci-
irreal, enquanto que "O arador de ferro" é infelizmente mentos mais fantásticos: fatos sublinhados por uma hi-
real. Ademais, o caminho à lua pareceria mais curto de- pérbcde.
vido à novidade, enquanto as 4.000 linhas de Dorônin sur-
preendem com a uniformidade da paisagem vocabular e e Kógan atropelado fugisse,
rimática, vista 16.000 vezes. E além disso, a própria ima- espetando os transeuntes nos bigodes.
gem deve ser tendenciosa, isto é, ao desenvolver um grande
Kógan se toma deste modo um substantivo coletivo,
tema, é preciso aproveitar também as imagenzinhas isola-
o que lhe dá a possibilidade de correr ,yras«>nMÍu ^, e os
das, que se encontram pelo caminho, para a luta, para a
bigodes se transformam em lanças, o que é reforçado pelo
agitação literária.
fato de que os transeuntes são espetados neles.
Outro meio muito difundido de criação de imagens é Os processos de constmção das imagens variam (as-
a metaforização, isto é, a transferência de definições, que sim como os demais elementos da técnica do verso) na
eram até agora inerentes apenas a alguns objetos, para dependência de que o leitor esteja impregnado por esta ou
outras palavras, objetos, fenómenos e conceitos. aquela forma.
Por exemplo, ocorre metaforização nas linhas; Talvez seja necessária a imagética inversa, isto é, tal
que não só não amplie o expresso pela imaginação, mas,
. E já vão empilhando no jazigo pelo contrário, procure enquadrai- a impressão causada
dedicatórias e ex-votos: excremento. pelas palavras em molduras intencionalmente reduzidas.
Exemplo do meu velho poema "A guerra e o mundo":
Sabemos que se podem empilhar chapas de ferro, cai-
xas de bombons, etc. Mas como definir a tralha poética, o No vagãe que apodrece há 400 homens
resíduo que não encontrou aplicação depois de outros tra- e ao todo 4 pernas.
balhos poéticos? Naturalmente, é excremento que se em- Muitos poemas de Selvinski ^' estão construídos sobre
pilha. Mas não se pode escrever a frase "excremento que". semelhante imagem numérica.
194 195
Segue-se o trabalho com a seleção do material voca- 5) Para as alegrias nossa vida está bastante imatura.
bular. É preciso levar em conta o meio em que se desen- 6) Para a felicidade nossa vida está bastante imatura.
volve uma obra poética, para que não entre nela uma 7) Para o alegre nosso planeta está bastante imaturo.
palavra alheia a esse meio. 8) Para as alegrias nosso planeta esta bastante ima-
Por exemplo, escrevi a linha: turo.
9) Nosso planeta não está muito maduro para os
Você, querido, com esse talento júbilos.
"Querido" é falso, em primeiro lugar, porque se choca 10) Nosso planeta não está muito maduro para o
com a severa elaboração acusatória do poema; em segundo, júbilo.
nunca usamos esta palavra em nosso ambiente poético. Em 11) Para os prazeres nosso planeta está bastante ima-
terceiro, é uma palavra miúda, que se emprega geralmente turo.
em conversas insignificantes, e utilizada mais para apagar
o sentimento que para sublinhá-lo; em quarto, um homem e finalmente:
que realmente afundou em desgosto geralmente se defende
com uma palavra mais rude. Ademais, esta palavra não 12) Para o júbilo o planeta está imaturo.
contribui para esclarecer o que o indivíduo em causa Eu poderia pronunciar todo um discurso em defesa da
sabia fazer. última destas linhas, mas agora me contentarei simples-
O que sabia fazer lessienin? Agora, seus versos líricos mente em copiá-las do meu caderno de rascunho, para
têm grande saída, êles atraem um olhar fixo e extasiado; mostrar quanto trabalho é necessário para elaborar umas
mas a realização literária de lessienin avançava segundo a poucas palavras.
linha do assim chamado escândalo literário (o que não é Relaciona-se também com a elaboração técnica a qua-
ofensivo, mas altamente respeitável, e representava um eco, lidade sonora de uma obra poética — a junção de uma
uma linha colateral dos famosos discursos futuristas), ou palavra com outra. Esta "magia da palavra", o "talvez
mais precisamente: esses escândalos foram em vida os esta vida não seja senão material para um verso sonoro"
marcos literários, as etapas de lessienin. este aspecto sonoro também parece para muitos a própria
Quando em vida, não lhe iria o verso finalidade da poesia, e isto é, mais uma vez, a redução da
poesia ao mero trabalho técnico. O excesso de consonân-
Você, cantando à alma com esse talento cias, aliterações, etc. cria, após os primeiros instantes de
lessienin não cantava (no fundamental, êle é natural- leitura, luna impressão de enfaramento.
mente cigano-guitarrístico, mas a sua salvação poética está
Um exemplo de Balmont:
no fato de que, pelo menos em vida, êle não era aceito
como tal, e em seus livros há pelo menos uma dezena de Ao vento livre, veloz veleiro,
passagens poéticas novas). lessienin não cantava, êle xin- vulto nas vagas... etc. ^
gava, êle dizia o impossível. Somente depois de longas re-
flexões, coloquei a palavra zaguibát, por mais que esta É preciso dosar a aliteração com um máximo de cau-
palavra fizesse torcer-se os educandos das casas de tole- tela e, sempre que possível, evitar as repetições gritantes.
rância da literatura, que o dia inteiro ouvem impropérios Exemplo de uma aliteração clara em meu poema sobre
{zaguíbi) sem conta, e sonham descansar espiritualmente lessiênm é o verso:
na poesia, com lilases, semblantes, seios, trinados, acordes e Onde o som do bronze ou o grave granito?
madeixas. ^ Sem qualquer comentário, vOu copiar a ela-
boração gradual das palavras de uma linha: Recorro à aliteração como um meio de emoldurar
uma palavra importante para mim e de sublinhá-la ainda
1) Para as alegrias nossos dias estão bastante ima- mais. Pode-se recorrer à aliteração para um simples jogo
turos. de palavras, para um divertimento poético; os velhos poe-
2) Para a alegria nossos dias estão bastante ima- tas (velhos para nós) utilizavam a aliteração sobretudo
turos. para a melodia, a musicalidade da palavra, e por isto lan-
3) Para a felicidade nossos dias estão bastante ima- çavam mão da aliteração que me é mais odiosa: a ono-
turos. matopaica. Já falei desses meios de aliteração, quando me
4) Para a alegria nossa vida está bastante imatura. referi à rima.
196 197
Naturalmente, nao é obrigatório ornar o poema com sãmente como impresso. Deve-se considerar o leitor mé-
aliterações rebuscadas e rimá-lo do início ao fim de ma- dio, e de todos os modos aproximar a assimilação pelo
neira inusitada. Lembrem-se constantemente de que o re- leitor daquela forma que o seu autor quis atribuir à linha
gime de economia na arte é sempre uma regra importantís- poética. A nossa pontuação habitual, com pontos, vírgulas,
sima para toda produção de valores estéticos. Por isto, sinais de interrogação e de exclamação, é demasiado pobre
realizado o trabalho fundamental de que falei no começo, e pouco expressiva, em comparação com os matizes de
é preciso apagar conscientemente muitos rebuscamentos emoção, que hoje em dia o homem tornado mais complexo
estéticos em determinadas passa^ns, para que outras pas- põe numa obra poética.
sagens ganhem mais brilho. ^ A medida e o ritmo da obra são mais significativos que
Pode-se, por exemplo, deixar duas linhas meio rima- a pontuação, e êles a submetem a si, quando ela se toma
das amarrarem um verbo que não quer entrar no ouvido, segundo o velho cliché.
com outro verbo, a fim de obter em conjunto uma rima Todos lêem os versos de Aleksiéi Tolstói;
brilhante e atroadora.
Chibanov calava. Sua perna ferida
Com isto fica mais uma vez sublinhada a relatividade Vertia mais sangue em torrente.. .
de todas as regras para se escreverem versos.
como:
O aspecto entonacional do trabalho poético está igual-
mente relacionada com o trabalho técnico. Chibanov calava sua perna ferida...
Não se pode trabalhar uma obra para que funcione Outro exemplo:
no vácuo ou, como ocorre freqiientemente com a poesia, Chega, de vergonha para mim
num espaço demasiado aéreo. Basta-me este amor por uma altiva."
Ê preciso ter sempre diante dos olhos o auditório para lê-se geralmente como um dramazinho de província:
o qual o poema se dirige. Isto adquire particular impor-
tância agora, quando o meio principal de comunicação Chega de vergonha para mim!
com a massa é o palco, a voz, o discurso direto. Para que se leia o trecho como Púchkin o pensou, é
Conforme o auditório, é preciso utilizar uma entona- preciso dividir o verso como eu faço:
ção convincente ou solicitante, imperativa ou interrogativa. Chega!
A maior parte dos meus trabalhos está construída se- De vergonha
gundo uma entonação coloquial. Mas, embora sejam tra- para mim
balhos muito pensados, estas entonações não são coisa ri-
gorosamente estabelecida, e o tratamento com muita fre- Com semelhante divisão em semi-linhas, não haverá
quência é modificado por mim no ato da leitura, conforme nenhuma confusão, quer de ritmo, quer de sentido. A
a composição do auditório. Por exemplo, o texto impres- divisão das linhas é ditada às vezes também pela necessida-
so diz com certa indiferença, calculado que foi para um de de estabelecer o ritmo sem possibilidade de erro, pois
leitor qualificado: a nossa construção do verso, condensada e económica,
obriga frequentemente a eliminar palavras e sílabas inter-
É preciso arrancar alegria ao futuro.
mediárias, e se depois dessas sílabas não se fizer uma pausa,
As vezes, em leitura no palco, eu reforço esta linha
com freqiJência maior que aquela que se faz entre os ver-
até o grito:
sos, o ritmo ficará rompido.
Lema:
Aí está por que escrevo:
arrancai alegria ao futuro!
Vácuo...
Por isto, nâo será para admirar se alguém der, mesmo Você &ohs,
em forma impressa, um poema acompanhado de seu arran- entremeado às estreias.
jo para alguns estados de ânimo diferentes, com expressões
peculiares para cada caso em pauta. "Vácuo" está isolado, como palavra única e que ca-
Feito um poema que se destina á impressão, é pre- racteriza a paisagem celeste. "Você sobe" fica separado
ciso levar em conta como será aceito o impresso, e preci- para não se ter a ligeira confusão de sentido: "Você sobe
J98 199
entremeado"; este particípio deve ligar-se à expressão "às Meu livro é necessário para quem queira, não obstan-
estreias". te quaisquer obstáculos, ser poeta, a quem, sabendo que
Um dos momentos sérios do poema, momento parti- a poesia é uma das formas de produção mais difíceis, quer
cularmente tendencioso e declamatório, é o final. Neste compreender, para si mesmo e com o propósito de trans-
final, geralmente se colocam as linhas mais realizadas de mitir aos demais, alguns meios para esta produção, apa-
um poema. Às vezes você refaz todo o poema, apenas para rentemente misteriosos.
justificar um deslocamento com este fim. À guisa de conclusões:
No poema sobre lessienin, esse final é constituído, na-
1. A poesia é uma forma de produção. Dificílima,
turalmente, pela paráfrase das linhas derradeiras de les-
complexíssima, porém produção.
sienin.
Elas soam assim: 2. O ensino do trabalho poético não consiste no
estudo da preparação de um tipo definido e limitado de
As de lessienin — objetos poéticos, mas o estudo dos métodos de todo tra-
Se morrer, nesta vida, não é novo, balho poético, o estudo das práticas seguidas e que ajudem
Tampouco há novidade em estar vivo. a criar novos objetos.
As minhas — 3. A novidade do material e do processo é indis-
pensável em qualquer obra poética.
Nesta vida morrer não é difícil.
4. O trabalho de um produtor de versos deve efe-
O difícil é a vida e seu ofício. tuar-se diariamente, para aperfeiçoamento no ofício e acú-
No decorrer de todo o meu trabalho com o poema, mulo das preparações poéticas.
não cessei de pensar nestas linhas. Trabalhando com ou- 5. Um bom caderno de notas e a capacidade de
tros versos, a todo momento voltava a estes, consciente ou usá-lo são mais importantes que a capacidade de escrever
inconscientemente. sem erro, segundo metros defuntos.
É impossível esquecer que se deve fazer justamente 6. Não se deve colocar em movimento uma grande
isto, foi a razão por que não anotei estas linhas, eu as usina poética, para fabricar isqueiros poéticos. É preciso
compusera mentalmente (como antes eu fazia todos os virar o rosto a tão irracional miuçalha. Deve-se pegar
meus versos, e agora a maioria dos poemas de efeito). da pena somente quando não existe outro meio de dizer
Parece-me por isto imposavel estabelecer o número o que se quer, a não ser o verso. Devem-se elaborar
de variantes que fiz; em todo caso, em relação a estas duas objetos acabados somente quando se sente um encargo
linhas, houve pelo menos 50-60. social bem claro.
Os meios de elaboração técnica da palavra são infi-
nitamente variados, é inútil falar deles, pois a base do tra- 7. Para compreender corretamente o encargo social,
balho poético, conforme já disse aqui mais de uma vez, o poeta deve estar no centro dos acontecimentos e tra-
consiste justamente na invenção de processos para esta balhos. O conhecimento da teoria económica, o conhe-
elaboração, estes processos é que fazem do escritor um cimento da vida real, a frenetração na História da Ciência,
profissional. Os talmudistas da poesia vão provavelmente são mais necessários para o poeta — na parte essencial de
franzir o rosto a propósito deste meu livro, êles gostam de seu trabalho — que os manuais escolásticos de catedrá-
fornecer receitas poéticas prontas. Tomar determinado ticos idealistas, que rezam às velharias.
conteúdo, vestir nêle uma forma poética, iambo ou tro- 8. Para o cumprimento mais adequado do encargo
queu, rimar as pontas, introduzir uma aliteração, rechear social, é preciso estar na dianteira de sua classe e com
de imagens — e está pronto o poema. esta conduzir uma luta em todas as frentes. É preciso
Mas esta simples prenda doméstica é sempre atirada, liqiiidar de vez com a balela da arte apolítica. Este velho
e sempre o será (e ainda bem), às cestas de lixo de todas conto de fadas sur^ agora numa forma nova, sob a co-
as redações. bertura da tagarelice sobre as "vastas telas épicas" (a
Meu liVI o é desnecessário a quem tenha tomado a princípio épico, depois objetivo e, finalmente, apartidário),
pena pela primeira vez, e quer escrever versos dentro de sobre o grande estUo (a princípio grande, depois elevado
uma semana. e, finalmente, celestial), etc, etc
200 201
9. Somente imia relação de produção com a arte
eliminará a casualidade, a falta de princípios nos gostos, A SIERGUÉI lESSIÊNlN
o individualismo das apreciações. Somente uma relação
de produção colocará lado a lado diferentes formas de Você partiu,
trabalho literário: o poema e a notícia do correspondente como se diz,
de usina. Em lugar das reflexões místicas sobre um tema para o outro mundo.
poético, ela dará a possibilidade de aproximação exata da Vácuo...
questão já amadurecida da qualificação e tarifação poé- Você sobe,
ticas. entremeado às estrelas.
Nem álcool,
10. Não se pode atribuir à assim chamada elabo- nem moedas.
ração técnica um valor em si. Mas é justamente essa Sóbrio.
elaboração que toma imia obra poética própria para uso. Vôo sem fundo.
Somente a diferença destes métodos de elaboração deter-
mina a diferença entre os poetas, somente o conheci- Não, lessienin,
mento, a melhoria, o acúmulo e a variação dos processos não posso
poéticos toma uma pessoa escritor profissional. fazer troça, —
Na boca
11. O ambiente cotidiano exerce sobre a criação de uma lasca amarga,
uma obra verdadeira a mesma influência que todos os não a mofa.
demais fatôres. A palavra "boémia" passou a designar Olho —
todo meio artístico estreito e vulgar. Infeliamente, ao ata- sangue nas mãos frouxas,
carem-na, a luta era conduzida frequentemente contra a
palavra, e iinicamente contra ela. Estamos realmente face você sacode
a face com a atmosfera do velho carreirismo literário o invólucro
individuai, dos miúdos e malévolos interesses de igrejinha, dos ossos.
dos ataques subterrâneos recíprocos, da substituição da no-
Pare,
ção de "poético" pela de "relaxado", "bebido", "farrista", basta!
etc. Até o traje do poeta, até sua conversa doméstica Você perdeu o senso?
com a mulher, devem ser outros, determinados por toda
a sua produção poética. Deixar
que a cal
12. Nós, lefianos, nunca dizemos que somos os mortal
lhe cubra o rosto?
únicos possuidores dos segredos da criação poética. Mas
nós somos os únicos que não queremos rodear especulati- Você,
vamente a obra de uma veneração artístico-relígiosa. com todo esse talento
para o impossível,
A minha tentativa é uma fraca tentativa individual, de hábil
alguém que somente se utiliza dos trabalhos teóricos dos como poucos.
seus companheiros linguistas.
É preciso que estes lingUistas transfiram suas tarefas Por quê,
para material contemporâneo e auxiliem o ulterior traba- para quê?
lho poético*'. Perplexidade.
Mas isto é pouco. — É o vinho!
É preciso que os órgãos de educação das massas dê- — a crítica esbraveja.
em uma boa sacudidela no ensino das velharias estéticas.
Tese:
1926. refratário à sociedade.
Corolário:
muito vinho e cerveja. —
202 203
Sim, Para que
se você trocasse aumentar
a boetnia o rol de suicidas?
pela classe, Antes
A classe agiria em você, aumentar
e lhe daria um norte. a produção de tinta!
£ a classe
por acaso Agora
mata a sede com xarope? para sempre
Ela sabe beber — tua boca
nada tem de abstêmia. . está cerrada.
Difícil
Sim, e inútil
se você tivesse excogitar enigmas.
um patrono no "Posto", ^ — O povo,
ganharia o inventa-línguas,
um. conteúdo Perdeu
bem diverso: o canoro
todo di^ contramestre de noitadas.
uma quota
de cem versos, E levam
versos velhos
longos ao velório,
e lerdos, sucata
como Dorônin. ^ de extintas exéquias.
Remédio? Rimas gastas
Para mim, empalam
os despojos, —
despautério: é assim
mais cedo ainda que se hoiura
você estaria nessa corda. um poeta?
Melhor
Não
morrer de vodca te ergueram ainda um monumento, —
que de tédio! onde
Não revelam o som do bronze
as razões ou o grave granito? —
E já vão
desse impulso empilhando
nem o nó, no jazigo
nem a navalha aberta. Dedicatórias e ex-votos:
Talvez, excremento.
se houvesse tinta no "Inglaterra",
não cortaria Teu nome
os pulsos. escorrido no muco,
Os plagiários felizes teus versos,
pedem: bisl Sóbinov* os babuja,
voz quérula
Já todo
sob bétulas murchas —
um pelotão "Nem palavra, amigo,
em auto-execução. nem so-o-Iuço".
205
Ah, General
que eu saberia dar um fim da força humana
a ês$e — Verbo —
Leonid Loengrim!^ marche!
Saltaria Que o tempo
— escândalo estridente; cuspa balas
— Chega para trás,
de tremores de voz! e o vento
Assobios no passado
nos ouvidos só desfaça
dessa gente, um maço de cabelos.
ao diabo
com suas mães e avós! Para o júbilo
o planeta
Para que toda está imaturo.
essa corja explodisse É preciso
inflando arrancar
os escuros alegria
redingotes, ao futuro.
e Kógan'
Nesta vida
atropelado morrer não é difícil.
fugisse, O difícil
espetando é a vida e seu ofício.
os transeuntes
nos bigodes. (Tradução de Haroldo de Campos)
Por enquanto
há escória
de sobra.
O tempo é escasso —
mãos ã obra.
Primeiro
é preciso
transformar a vida,
para cantá-la —
em seguida.
Os tempos estão duros
para o artista; Notas
Mas, I ( ) Alusão & revista JVa postu (De seniinela), á r ^ o da RAPP
(Associação Russa dos Escritores Proletários), cujos colaboradores se
dizei-me, mostravam muito zelosos cm atacar os escritores que lhes pareciam
anêmicos e anões, transgredir a moral proletária.
(2) Referência ao pocía soviético I . I , DoiJÔnin (n. em 1900).
os grandes, (3) Hotel em que lessienin se suicidou,
(4) O famoso cantor L . V. Síbtnov (1872-1930) foi um dos parti-
onde, cipantes da homenagem ã memúrih dc lessienin, que teve lugar no TeaUo
em que ocasião, de Arte de Moscou, em 18 de janeiro de 1926, quando intefprelou uma
canção de Tchaikõvski.
escolheram (5) O papel de Locngrin, da ópera deste nome, dc •Wagmer, cons-
uma estrada tituiu um dos Brandes êxitos da carreira artística dc Leonid Sóbinov,
(6) O crítico P. S. Kógan (1872-1932). representante da crítica mais
batida? dogmática, com quem Maialcóvakl manteve frequentes polémicas.
207
NOTAS A poesia
é como a lavra
1. O presente ensaio constitui o trabalho teórico mais longo de do rádio,
Maiakóvski, e 6 certamente a sistematização de sua concepção poética. um ano para cada grama.
Ele surgiu em decorrência da proliferação, na época, de compêndios dc Para extrair
versificação e de outros manuais que pretendiam ensinar a escrever em uma palavra,
prosa e verso. Diversas asserções contidas no ensaio apareceram cm milhões de toneladas de palavra-prima."
outras obras d© Maiakóvski, ora em verso, ora em artigos de jornal. (Tradução dc Augusto de Campos in Vladimir Maiakóvski, Poemas,
Foi escrito provavelmente de março a maio dc 1926. Trechos do es- pp. 95-105)
tudo apareceram em diversos jornais, e o texto integral nas revistas 10. Roman Jakobson havia abordado, numa formulação hlstorlclsta,
Krasnaia nov (Terra virgem vermelha), iunho dc 1926 (primeira parte), o problema do desgaste da linguagem poética através dos tempos e da
e JVfívi" mlT (Novo mundo), agôsto-setembro de 1926 (segunda parte). A necessidade dc rcvifializá-la periodicamente, por meio da linguagem
segunda revista publicou o trabalho, acompanhado da seguinte nota: popular.
"A redação não partilha algumas das opiniões e avaliações do cama- "Parte considerável das obra» de KhliébnikoY está escrita numa
rada Maiakóvski. Mas, reconhecendo o grande interesse désie artigo, linguagem c«jo ponto de partida foi a linguagem coloquial- Malíarmé,
dá-lhc lugar nas páginas de Nôvi mir, tanto mais que o grupo literário por exemplo, dizia que êle oferecia ao burguês as mesmas palavras que
em nome do qual fala o camarada Maiakóvski não dispõe atualmente de êstc lia diariamente em seu Jornal, mas que as oferecia numa combinação
um órgão de imprensa". (Alusão à revista Lef, cujo último número, a perturbadora.
sétimo, saíra no primeiro semestre de 1925).
"É somente sôbre o fundo do conhecido que se alcança o desco-
2. Maiakóvski usa como se fôssem substantivos comuns siglas de nhecido c que éste nos espanta. Qiega um momento em que a lingua-
agremiações hterárias então existenies. RAPP era a sigla de Rosstiskaia gem poética tradicional se congela, deixa de ser sentida e passa a ser
Assotziátzia Proletárskfkh Pissàlieliei (Associação Russa dos Escritores vivida como um ritual, como um texto sagrado, no qual os próprios
Proletários), e VAPP, de Viiessoiáznaia Assotziâtzia Proleeàrskikh Pissé- lapsos se interpretam como sagrados. A linguagem da poesia se cobre
tteliei (Associação Pan-Soviética dos Escritores Proletários). As referi- de óleo votivo e quer os tropos, quer as liberdades poéticas, não dizem
das agremiações foram extintas em 1932, por determinação do Comité mais nada & consciência.
Central do Partido Comunista (b) da U.R.S.S., quando se criou Soiúz
Soviétskikh Pissâtieliet (União dos Escritores Soviéticos). "Assim, no tempo de Púchkin, provàvehnente não se percebia mais
o tropo ousado de Lomonossov:
3. Alusão a um estudo de Elcheobaum sobre Púchkin, onde se
afirma que o Púchkin contra quem os futuristas se haviam encarniçado As margens do Nieva batem palmas,
era uma ridícula figurinha de gesso, que fora transformada em ídolo. Tremem as margens do Báltico.
No entanto, ' Púchkm se torna a nossa tradição autêntica, indiscutível, "A forma apodera-se do material, o material se cobre inteiramente
quase única. Até hoje, êle nos era prónlmo, como um objeto habitual pela forma, a forma transforma-se em cliché e morre. É indispensável
que, por isto mesmo, não se enxerga. O afastamento que sentimos em então um afluxo dc material nôvo, de elementos frescos da linguagem
relação a Púchkm, depois de ter passiado pelo simbolismo e de nos termos prática, para que as construções poéticas irracionais tomem a alegrar,
achado, com o futurismo, no caos da revolução, é aquele mesmo afas- a assustar, a ferir o que é vivo.
tamento necessário para a verdadeira compreensão. Assim, o pintor se
afasta de seu próprio o_uadro para vê-lo melhor. "Desde Simeon Polótzki, através de Lomonossov, Dierjávln, Púchkin,
e depois Niekrassov, Maiakóvski, a poesia russa avança pelo caminho
"De uma estatueta dc gesso, Púchkin se transforma em monumento da assimilação de novos elementos da linguagem viva". (Roman Jakob-
majestoso. Suas dimensões exigem que o olhemos de longe". (Artigo son, A novíssima poesia russa —• esboço primeiro, p. 30, cf. pp. 4, 5,
no hvro dc Borls Eichenbaum Através da literatura, p. 170). 31, 44).
4. Personagens do levgutênl Oniéguin de Púchkin. No texto, há referência aos poetas Simeon Polótzki (1629-1680),
5. "Ciência cantada por Naso", "Lorgoon desiludido" e "Meu tio M. V. Lomonossov (1711-1765), G. R. Dlerjávin (1743-1816), A . S.
guiava-se pela honradez" sSo versos do levguiêni Oniéguin. Naso, no Púchkin (1799-1837) e N. A. Niekrassov (1821 '877Í, além do pr-Sprio
verso puchkiniano, é Ovídio (Publio Ovídio Naso). Maiakóvski. Foi a partir dos fios do século X V H que se introduziu
6. Isto é, regras dc G. A, Chenguéli, poeta, tradutor e autor de na Rússia a versificação sflabo-tõnica e os poetas passaram a usar o
uma série de manuais: Versificação prática; Como escrever artigos, versos russo' como língua literária, embora a sua consagração como tal date
e contos; Maiakóvski em verdadeira grandeza, com ataques violentos ao dc meados do século X V I I I , sendo de 1755 (publicada em 1757) a
poeta; Escola do escritor. Fundamentos de técnica literária, etc. Esses primeira gramática da língua russa, de autoria de M V. Lomonossov,
manuais tiveram ampla divulgação. Como escrever artigos, versos e o grande sábio russo do século. Anteriormente a esse período, havia
contos teve três edições em 1926 c. nos anos seguintes, mais quatro uma poesia popular, transmitida por tradição oral, e uma poesia culta
Segundo A. Kondratov, textos da Chenguéli foram reeditados em 1960, escrita em eslavo eclesiástico, a língua nobre dos russos de então, a
com o título A técnica do verso (A. Kondratov, Matemática e poesia única ã qual se reconhecia dignidade literária.
P- 18).
A argumentação de Maiakóvski, no sentido da importância da reno-
7. Título de um livro de ensaios de Nicolai Assiéiev: Para que e vação da linguagem poética, que sua geração estava efetuando na époce,
para quem a poesia é necessária, título esse talvez inspirado pela frase é confirmada ainda por outro escrito de Roman Jakobsttn, "Notas preU-
dc Maiakóvski. mlnarcs sôbre os caminho» da poesia russa", onde se estabelece que
os dois grandes momentos da poesia russa, apos a consagração do russo
8. Maiakóvski refere-sc aos livros: Cuia de versificação de M como língua literária, foram o início do século X I X , com a geração
Brodóvski; diversos de G. A. Chenguéli (v. nota 6); Manual de liUratura de Púchkin, e o inído do século X X , com os grandes simbolistas como
russa ou trechos escolhidos de escritores russos, em prosa e verso, Blok e Bléli e a geração dc Khliébnikov, Maiakóvski c Pasternak.
acrescidos das regras de Retórica e Poética e de um panorama da
? Í.T *^ *''^'"™ «wjJfl, Parle III (Regras sumárias de Poética), 11, A poetisa Zlnaída Hii^ius após a Revolução de Outubro cndgrou
de N. T. Gretch; Dicionário completo das rimas russas (rimário russo) para o Ocidente com seu marido, o escritor Dmitri Mierleikóvdd, Foi
de N. Abramov. autora de ataques ferrenhos ao regime soviético,
9. Em "Conversa sôbre poesia com o fiscal de rendas", poema Viklel é sigla de Vsierossíiskl ispolnittelni corrtítiét soluza Jeliez- •
pubhcado em agosto de 1926, i.e., pouco aprts o aparecimento de "Como nodoTÓjnikov (Comité executivo pan-russo da União dos ferroviários),
tazer versos? , há uma exposição dos trabalhos c penas do poeta. que existiu de agosto dc 1917 a julho de 1920.
"A poesia A citação de Maiakóvski é Iccorrcta (informação de uma nota ãs
— toda — O. C . ) . A quadra em questão, do poema "Agora", dá o seguinte, em
6 uma viagem ao desconhecido. tradução livre como a da própria quadra citada:
208 209
Toroando-nos cães na sarjeta, de viagem" em português, na Antologia poética de Vladimir Maiakóvski,
A fuga Está interditada. organizada por E . Carrera Guerra, p. 53.
Com sua mão suja, sua mão preta, 21. Início de um poema do romântico M. I . Liérmontov.
Vikjel nos corta a retirada... 22. Ê interessante a coincidência com o que diz Oswaldo de
Andrade, referindo-se às suas tentativas juvenis de escrever versos
12. É a designação corrente na versificação russa para o metro "certos": "Eu nunca conseguiria versejar. A métrica semi^e fâra para
da quadra transcrita a seguir (conservado na tradução). mim uma couraça entorpecente. Fizera esforços grotescos para traduzir
13. O poeta V. T . Kirilov conta o seguinte em suas rcnúniscéncias, as "perfeições dc Heredia'" (Oswald dc Andrade, Vm homem s«m
sobre a reaÇâo de Maiakóvski ao poema "Aos marinheiros", do qual profissão — 1 Sob as ordens de mamãe, p. 134).
aparece no ensaio a primeira quadra: "Estive de visita a Maiakóvski 23. Trata-se dc um assunto discutidíssímo na Rússia, A poesia
na primavera de 1918. Êle me leu sua 'Ordem ao Exército daa Artes', surgida a partir dos fins da década de 1900, com a sua organização
maroando o ritmo com o pé. Leio-lhe o meu 'Marinheiros', Maiakóvski absolutamente diferente da poesia tradicional, intrigou profundamente
me critica violentamente: 'Deixe de lado a velha forma, senão daqui os estudiosos russos de literatura. Os próprios simbolistas dedicaram-se
a um ano ninguém vai ler os seus versos, agora o 'Messias de ferro', a esse tema, pois neles já aparece a noção de que a poesia estava
Sste sim, é bom!" E me lé à sua maneira as linhas desse poema". assumindo novas formas, que não poderiam ser julgadas pelos padrões
Apud Vassíii Sankov e Grigóri Sânikov, "Sdbre dois poetas da Revolução consagrados. Isto se evidencia punicularmente numa série dc e critos
dc Outubro". teóricos de Andriéi Bíéli: O simhotlmio, A poesia da palavra, Glossa-
Não seria difícil encontrar exemplos brasileiros para ilustrar a lóUa. etc,, onde a pesquisa dês.ses elementos novos da poesia aparece
mesma crítica de Maiakóvski, sôbre os poetas da Revolução que seguem apoiada inclusive era processos estaiisiícos. Esta busca de um método
os velhos padrões livrescos^ No período que se seguiu a Outubro, houve objetivo de análise alia-se em Biéii a uma terminologia impregnada de
poetas brasileiros que saudaram os acontecimentos revolucionários, em misticismo, típica do simbolismo russo. (V, trecho de BiéU citado na
sonoros alexandrinos e decassílabos (exemplos em Moniz Bandeira, "Introdução" p. 62).
Clóvis Melo C A. T. Andrade, O ano vermelho, pp. 253, 254). No Brasil, Uma indagação importante sabre a natureza do verso russo, em
porém, o fato era bem menos grave: aqui predominava a retumbãncia sua variação e diferença em relação ã linguagem de função meramente
parnasiana, e o poeta que sc recusasse a seguir as velhas nofmas, teria comunicativa, foi cfctuada pelo amigo de Maiakóvdú, ússip Brlk, em
de criar as suas próprias, num ambiente que lhe seria completamente diversos a'tigos publicados em Lef e Nóvi Lef.
hostil. Em suma: teria de ser um génio da poesia, enquanto na Rússia
o velho cânone já fora rompido pela geração de Khliébnikov e Maia- Foi sobretudo a poesia de Maiakóvski c Khliébnikov oue despertou
kóvski. a atenção dos teóricos da literatura, na busca de uma definição das
características da nova poesia, a par dos ensaios em que os próprios
14. Do poema "Os doze" de Aleksandr Blok, tradução de Augusto poetas procuravam descrever os seus processos criativos.
de Campos, Poesia russa moderna, p. 27.
15. A primeira linha de "Marcha de esquerda" de Maiakóvski. O primeiro hvro de Roman Jakobson, Novíssima poesia russa —
esboço primeiro, constitui uma indagação teórica sôbre êtse tema. Já
16. A. Blok, ob. cit., p. 27. em Do verso teheco, sobretudo em comparação com o russo, p. 103
17. Tradução de Augusto de Campos, em Vladimir Maiakóv^, (Apud Victor Zblrmunski, "A versificação de Maiakóvski", p. 224),
Poemas. Nessa tradução, a disposição espacial é a que figura nas êle afirma que na poesia de Maiakóvski, "como no verso popular russo,
O, C , mas que foi modificada pelo poeta antes da publicação de "Como a unidade rítmica é a palavra ou um grupo dc palavras unidas por um
fazer versos?". único acento dinâmico".
Na introdução ao volume de poemas traduzidos, acima referido, Em "O verso russo", no livro Para que e para guem a poesia i
escrevi: "'Come ananás...' é um exemplo de poesia de luta. Jornais necessária, Nicolal Assiéiev, que foi amigo e companheiro de Maiakóvski,
dos dias da Revolução de Outubro noticiaram que os marinheiros revol- esboça uma teoria do verso russo que parece baslaste adequada paia
tados investiam sôbre o Palácio de Inverno cantando estes versos. Ê expUcar a construção poética dos cubo-futuristas. Segundo êle, a
fádl de compreender sua popularidade: o dístico Incisivo, de ritmo tSo introdução do verso silabo-tônico na Rússia, assimilado da poética
martelado, à feição dos provérbios russos, fixava-se naturalmente na francesa em fins do século X V I I , e em parte da polonesa e alemfi,
memória e convidava ao grito, ao canto" (pp, 21, 22). con~tituíu uma violência: era difícil para os poetas dcslígarem-se do
18. Citação incorreta do Manual ãe Liieratura Russa de N . Gretch, ritmo tradicional russo, expresso na canção popular e nos cantos litúr-
onde se lê; "Esses versos não possuem pés nem igualdade no número gicos, e que SC baseava, segundo Assiéiev, no ritmo da respiração mais
de sílabas, « não conhecem consonância nem regularidade de rimas". que em qualquer contagem de sílabas ou de pés. Em apoio à sua
.4puíí O. C . X n , 564, tese, cita (p. 96) versos do setecentista Antloch Kantemir em que este
A tchastuchka é um tipo de canhão popular em quadras- se queixa das exigências estreitas da época ("Oh, como é pobre a mánba
musa! / O que nos deu Horácio, ela tomou de França"), mas, num
19. O ponto de vista expresso por Maiakóvski concorda plenamente assomo de orgulho, acrescenta pouco depois: "Paguei cm russo o que
com os dados que seriam desenvolvidos bem mais tarde pela moderna tomei em galo". O caráter artificial e forçado de semfllbante empréstimo
Teoria da Informação. Existe bibliografia vastíssima sôbte o assunto. é sublinhado pelos tratados de versificação da época, como o de Karion
Uma exposição muito adeouada do oroblema pode ser encontrada em Istõmin (cit, por Assiéiev, pp. 95, 96), onde sc diz claramente que a
Umberto Eco, Obra aberta, pp. 107-110. versificação é um problema de "c&none" e se recomenda que, ao escrever
20. Na crítica soviética da década de 1920, o termo "companheiros versos, se faça a contagem correspondente com os dedos e com a
de jornada" (popútchikl) designava os escritores que apoiavam a Revo- marcação pelo pé. Segundo Assiéiev, o afastamento da métrica tradicio-
lução de Outubro, embora sem se identificar completamente com sua nal, efetuado pelas novas escolas poéticas, foi na realidade um regresso
ideologia. A designação foi aplicada ora a um, ora a outro gnipo. à tradição tussa mais autêntica (V. outros dados sôbre o referido livro
Consideravam-se popútchikl sobretudo os "Irmãos de Scrapião" (nome de Assiéiev em meu artigo "Reflexões de um poeta").
tirado de uma obra de E . T. A, Hoffmann), que desejavam uma arte
desvinculada das exigências Ideológicas, e que foram depois atacadas Todavia, na crítica russa menos rigorosa, não são raras as tenta-
como inimigos em potencial; o agrupamento Pierleval (Desfiladeiro, Pas- tivas de enquadrar a própria poesia de Maiakóvski no verso tjadícjonal.
sagem), que afirmava a sinceridade e intuitivlsmo da criação literária Por exemplo, V. Nazárenko, em "SÔbre um equivoco muito difundido"
autêntica; e alguns escritores que não pertenciam a qualquer dos agru- {Apud Victor Zhirmuoskl, ob. cit, pp. 115, 216) afirma que Maíakóvdd
pamentos existentes. No enianto, a acepção do termo foi-se ampliando, ora usa simplesmente o verso sílabo-tónico, ora utiliza êssc metro com
a ponto de frequentemente serem apontados como popútchikl mesmo omissão ou adição de uma sílaba, ccmlrâção e outras manipulações arti-
escritores como Górlci e o próprio Maiakóvski, que aparece assim desig- ficiais, mas que os seus versos sempre podem ser enquadrados na orde-
nado na Enciclopédia literária, vol, 9. p . 147, em 1935. Não é de se nação clássica, isto é, em iambos, troqueus, anapestos, etc. Outros
estranhar, portanto, que o poeta surja também como um "companheiro autores fazem asserções semelhantes, «scouiendõ aqui e aÚ determinados
versos de Maiakóvski, mas contrariando com uns poucos exemplos o
210
211
que afirmou o prâprío poeta e sem se preocuperem com uma arguajen- fala dc Lénin sSo troqueus livres, o' dólnik marca a narraçSo, e o versú
tação baseada cm análise mais objctíva. tónico foi empregado para os temas de comido, de marcha e de palavra
de ordem.
Foram certamente asseredes desse jaez que levaram o teórico da
literatura B. V. Tomadiévski a afirmar que "o verso de Maialcóvski A. M. Kondratov dta uma exemplificação de Kohnogorav sôbre a
ainda aguarda o seu pesquisador" íApud A. Kondratov, Matemática acuidade com que a intuição poética de Maiakóvski harmonizava o
e poesia, p. 35). Todavia, o próinio Tomachévski dedicou a Maiakóvski ritmo c as necessidades semânticas. Num dos capítulos do poema "Que
um curso universitário, que foi publicado p&stumamente e ao qual V. bomi"', parodja-se a famosa conversa de Tatiana com a babá, no levstiiinl
Jirmúnski atribuí importância fundamenta) (Victor Zhirmunskl, ob. dt., Oniéguin de Púchkin. Kolmogorov dedicou-se ã tarefa de verificar esta-
p. 219). tisticamente se Maiakóvski utilizou simplesmente o tetrâmetro iflmblco
para a paródia ou se praticou o tetrâmetro tipicamente puchkiniano.
Segundo A. Kondratov (ob. cit., pp, 3S, 36), o primeiro traballio Para êsle fim, comparou o texto do levguiêni Oniéguin, a paródia de
em que o verso de Maiakóvski foi analisado de acordo com critérios Maiakóvski, a poesia de I . A. Baratínski (contemporâneo de Púch-
mais objetivos e concretos foi o estudo de V, A. NIconov, "A rftmlca de kin), a do Bimbolista Andriéi Bléli, a de Eduard Bagrítzkl (contempo-
Maiakóvski", onde se aplicou o método estatístico, mas nSo se levou râneo dc Maiakóvski) e o "iambo casual", isto é, que aparece na Jin.
em conta a estrutura das partes heterogéneas. Foi para suprir esta guagem cotldiana. Tratando-» do verso octassílabo cora tónicas pares,
falha, afirma Kondratov, que se iniciou um estudo estrutural da obra designaremos com P as sílabas pares em que recai o acento e com I
de Maiakóvski, por A. N. Kotmog(H'ov, Viatcheslav V. Ivanov e pelo as pares não acentuadas.
próprio Kondratov (Obras resultantes: A. N. Kolmogorov, "Contri-
buição ao estudo da rítmica de Maiakóvski", "A rítmica dos poemas de Segundo Kolmogorov, tem-se o seguinte quadro:
Maiakóvski'', este com A. M. Kondratov, ''Sôbre o dólnik da poesia
russa contemporânea, com A. V. Prokhorov; A. M. Kondratov, "A
evolução da rflmica de Maiakóvski", Matemática e poesia; Viatcheslav Poeta, obra PPPP IPPP PIPP PPIP IPIP PIIP
V, Ivanov, "O ritmo do poema *0 homem', de Maiakóvski"), 47,2 7,0 0,4
levguiêni Oniéguin 26.8 6,8 9,7
Vamos resumir agora o que afirma A. M. Kondratov, a propósito
desse estudo (ob. cit., pp. 36-41). Maiakóvski 34,0 S,0 2,0 48,0 8,0 0,0
Há quatro tipos fundamentais de organização rítmica do verso em Baratínski 28,1 9.4 1,7 51,3 9,4 0,1
Maiakóvski;
1) Os "metros clássicos" russos; Bagrítzkl 18,2 5,5 16,4 39,5 12,7 6,4
2) O voTso puramente tónico, no qual há regularidade no número BiéU 12.8 8.1 36,6 28,1 10,8 3,7
de acentos tfinicos, mas completa Uberdade quanto ao número de sílabas
não acentuadas; "lambo casual" 17,7 8,0 26,4 26,9 14,0 6,9
3) O verso a que os russos chamam dólnik, que é também t&nico,
mas em que o número de sílabas não acentuadas, embora nSo tenha Constata-se, pois, à saciedade, que Malakóvsld não utilizou o "lambo
regularidade absoluta, segue certa norma Com outros autores russos, a cm geral", mas sim a forma que mais se aproxima da putdikinlana, O
conceituaçao dôste tipo de verso é um pouco diferente): seu pouco apreço pela terceira forma de iambo se revelou maior que
4) O verso que segue ora a norma do tónico, ora do clássico, o cm Púchkin, mas nisto êle acompanhou a tendênda geral dos poetas
Jjue na prática se aproxima do verso Kvre, quanto a sfJabas c tímfcas, de tradição pudikinjan».
tilando sujeito, em Maiakóvski, às normas exigentes de seu rimário. O livro de Kondratov com os exemplos citados é uma brochura de
As pesquisas de mlnúda com textos de Maiakóvski, efetuadas pelos divulgação, da qual não se pode exigir o rigor de uma publicação cien-
tr&s estudiosos, com aplicação da estatística e da teoria da probabi- tífica (foi utilizada por mim por ser trabalho de conjunto. Isto é, menos
lidade, levaram-nos a uma descrição evolutiva da obra maiãkorslciana. particularizado que outros disponíveis). No entanto, mesmo através dessa
brochura, podem ser constatadas algumas características do trabalho
Segundo êles. os poemas da primeira fase são escritos de acordo com efetuado pelos três cientistas russos (quando Koknogorov sc dedicou ao
as normas do verso clássico, apenas disfarçado pela tlma inusitada e estudo matemático dos versos de Maiakóvski, seu nome Já era mundial-
pela disposição gráfica. A partir de 1914-1915, o poeta introduz a nota mente famoso pelos trabalhos sôbre Teoria da Probabilidade, Teoria das
de aspereza que lhe é típica, com a utiUzação do verso tdoico. Foi Funções, Topologia, Geometria e Lógica Matemática).
com 8ste nôvo tipo de verso que escreveu os poemas "Uma nuvem de
calças", "A flauta-vértebra", "A guerra e o mundo" e "O homem". Evidentemente, uma análise tão minudosa, baseada em processos ma-
No entanto, neste último poema, o verso tónico é entremeado de quadras temáticos, abre novas possibilidades de comprovação, desde que as
Inteiramente metrificadas em octassflabo de tónicas pares (o tetrâmetro premissas para semelhante estudo sejam colocadas adequadamente. A
iâmbico, nomenclatura da versificação russa). O ápice do verso lAnico é busca de fundamentação teórica c mesmo classificatória para os versos
o poema "150.000.000", a partir do qual se Inida uma nova etapa nos surgidos com as novas escolas poéticas tornou-sc uma constante nos
ritmos maiakovskianos: uma síntese entre o verso clássico e o verso estudos russos dc poética, a uartir da década de 1920. Ela permite a
nôvo, mais livre. Assim, no poema "A Sier^guéi lessienin", haveria compreensão de uma série de' fenómenos poéticos. A noção dc verso
quase 90% de troqueus, não obstante a asserção em contrário do próiwio tónico parece definir melhor certos ritmos tradicionais russos — como os
autor. Muitos capítulos do poema "Que bom!", o ooema "Jubileu"', o das antigas canções éiricas denominadas bilSni — que a formulação de
início do poema "Vladimir Ilitch Lênin" e a introdução ao poema "A Assiéiev sôbre o "ritmo da respiração", aparecida num ensaio sob muitos
plenos pulmões" também estariam escritos segundo iambos e troqueus títulos admirável. Aliás, óssip Brik jâ escrevera, em 1927, sÔbrc a falada
clássicos, embora Kondratov observe que devam ser antes classificados de se tentar demcuistrar que o ritmo das obras artísticas e uma conse-
no quarto gropo e não no primeiro, pois ãles seguem o verso tJSnico, nlo Qilênda do ritmo natural: batidas do coração, movimento das pernas
na alternância de sílabas tónicas e sílabas não acentuadas, e slin na na marcha, ele. (V. Trveian Todorov, Teoria da literatura, pp. 143-144),
maneira peculiar do verso oratório de Maiakóvski, onde há dlstlnçto Quanto â utilidade do conceito de verso tónico, podc-se lacrescentar
entre tónicas mais fracas e mais fortes, de acordo com as necessidades que êle permite explicar não só os ritmos russos mais antigos que dei-
da elocução. O terceiro tipo, ou dólnik, foi utilizado por MaiakiS^ki xaram inUigados muitos pesquisadores do século X I X . os quais não
numa série de poemas. Devido ã ocorrSnda de maior número de sílabas conseguiam enquadrá-los nos metros canónicos c, ao mesmo tempo, nao
não acentuadas, perto do final de cada poema, há maior lentidão, podiam deixar de reconhecer determinada regularidade ritnúca. Victor
o que dá ao verso certa solenldttde, certa palpabilidade, e o difereada Jirmúnski chega a criticar os teóricos alemães do verso, mesmo os
de um dólnik de Eduard Bagrftzkl, les^lénln ou Ana Akbmátova. O modernos, como Wolfgang Kayser, que não se referem a êstc tipo de
dólnik ora serve a Maiakóvski de metro fundamental para esaever verso, embora êle tenha constituído, desde épocas antigas, uma forma
poemas inteiros, ora para longos trechos; êle tem fimção importante no tradicional dc versificação entre os bovos de línguas germânicas. Da
poema '^Sôbre isto"' e, particularmente, em "Vladimir Ilitch Lênin", onde canção popular, especialmente da balada, este típo dc verso passou para
contrasta com eficáda outros metros: via de regra, os versos em que se
213
212
ai obras literárias alcmfis, ing1£sas e escandinavas no tempo de Goettae
e do romantismo. E êlc continuou a existir através do? séculos X I X e ^ 1 ^ \^ W W KJ W
XX, nSo obstante o silêncio dos tratadistas de versificarão. Somente a
Estilística da Língua Alemã, de E . Riescl, que se baseia em estudos w w — w w — w — t*^)
soviéticos, aborda o tema do verso "puramente tónico". (Victor Znir-
munski, ob. dt,, p 212). \ ^
\ . — \_/ — ^ í*-')
, Ainda segundo V. Jirmúnski, no campo do verso popular, a mo- ^_/ W W
derna conceituaçao russa sôbre o verso tónico teve como precursor A. C
Vostokov, que abordou o assunto em Ensaio sôbre a yersificação russa,
no inído do século X I X , dando predsamente o nome de "tónico" ao
verso popular russo (p. 134),
— (w)
Quanto à análise de alguns casos particulares da obra maiakovskiana,
há evidentes acertos no que expõe Kondraiov, como o do exemplo dtado w — \^ -^J \ —
por Kolmogorov, sôbre a paródia contida em "Que bomI". Outros re-
sultados, porém, são mais discutíveis, pelo menos na formulação contida
na obra citada. V_> \ W ^ '— w o — i<J)
E m primeiro higar, há uma evidente má vontade com os versos w — w o w v_>
maiakovskianos da primeira fase, que aparecem com a qualificação de
"famigerados {prieslovútie) versos futuristas" (p. 37). Acho mais justo
o profundo entusiasmo que expressaram por files Bóris Pasternak em W— — W o L-í (.W)
seu "Ensaio autobiográfico" (pp. 40, 41) c Roman Jakobsrai cm "A
geração que esbanjou os seus poetas" (pp, 21, 27, 44),
Os versos de juventude de Maiakóvski constituem ceJtamcnte uma Na minha opinião, não se pode ver nenhum padrão métrico em se-
das obras poéticas mais ricas de toda a vanguarda europeia, c pouquís- melhante esquema. Ê verdade que, em russo, a distribuição das tónicas
simas vezes a civilização urbana do século X X encontrou sua expressão pode variar bastante, de acordo com a entonação desejada, coníorme o
com tamanho vigor em literatura. significado (é o que os russos denominam "entonação lógioa"), mas,
Foi por pensar assim que empreendi com Augusto e Haroldo de qualquer que seja o tipo de leitura, o poema em questão não apresenta
Campos a tradução de vários desses poemas, e que deverá ser contiauada. regularidade métrica.
(V. Vladimir Maiakóvski, Poemai, pp, 47-59; Augusto dc Campos, Ê exata, no entanto, a asserção de Kondraiov sóbrc a Intercalação
Haroldo dc Campos e Bóris Schoaidcrman, Poesia Russa Moderna, pp. de quadras metrificadas cm poemas construídos sem esta norma.
147-152). Quanto ao poema "A Sierguéi lessienin", a afirmação de Kondratov
Ademais, parece-me absolutamente errada esta ruptura que se pretende sôbre os 90% de trooucug é multo discutível. Essa ocorrência só pode
às vezes estabelecer entre os primeúros versos de Maiakóvski c os ulte- se: admitida em t5o alta percentagem mediante um artifido de Kiter-
riores. Em "Maiakóvski: evolução e unidade", apresentação à pequena prctBção.
antologia já citada, escrevi (pp. 15, 16): Parece muito mais cnrreta a análise do poema por Victor Jirmúnski,
teórico da linguagem poética que conta entre suas obras muitos trabalhos
"Mais de uma vez, a sua obra foi aceita parctalmentc, com ressal- de versificação. Segundo êle, a partir de 1920, o verso sllabo-tônico só
vas, como se íósse possível fragmentá-la numa parte boa ç numa ocorre na obra de Maiakóvski com uma função estilística especificar em
parte ma. Por exemplo, Bóris Pasternak, cm seu Ensaio autobiográfico, numerosas citações, paródias e estilizaçóes (Victor Zhirmuoski, ob. dt.,
manifesta especial predileção pelos versos maiakovskianos anteriores à p. 235). O poema em questão foi escrito em resposta ao deixado por
Revolução, mas considera desprezível, 'inexistente', tudo o que Êle es- lessienin antes de sc suicidar (tradução dc Augusto de Campos em
creveu a partir i3c 191B, com cxceção de um 'docuraEnto imortal': 'A Poesia Kussa Moderna, p. 193). "Maiakóvski conservou o metro tro-
plenos pulmões'. Diversos críticos soviéticos que exaltaram Maiakóvski calco de lessienin, mas inseriu as linhas regulares deste, de dnco pés,
modificando-as, entre seus versos de resposta, que são irregulares em
fizeram restrições justamente aos versos daquele primeiro período, como número de pés e em rima. Hm virtude diiso, no poema de Maiakóvski
formalistas e futuristas. Mas, a nosso ver, a obra de Maiakóvdtl tem imediatamente se revela o metro irocaico 'livie', tão comum em sua
de ser considerada como um todo. Vemos uma expede de fio condutor obra" (Victor Zhirmunski. ob. cit., pp, 23B, 239).
ligando os seus primeiros versos aos últimos poemas. A evolução de Jirmúnski não dá a seu trabalho o caráter de uma resposta ãs
formas, as mudanças de visada, são apenas múltiplos aspectos da mesma publicações dos três clenlistas, mas torna-sc evidente o propósito de
realidade poética, que se apresenta num desenvolvimento contínuo. O explicar melhor alguns dos temas abordados por êles.
Maiakóvski futurista, que usava blusa amarela, é o mesmo poeta da A meu ver, o problema fica bastante esclarecido quando sc aplica
Revolução, consciente e desafiador, assim como os poemas que escreveu a certo tipo de verso de Maiakóvski o que Antônio Houaiss escreveu
nas vésperas da morte trazem a marca dos mesmos processos poéticos, sôbre um processo algo semelhante utilizado por Carlos Drummond de
Ofiginalís&imos e altamente elaborados, que pôs em prática a partir dc Andrade, não obstante as grandes diferenças entre Maiakóvski c Drum-
1912." mond, Segundo o critico brasileiro, o poeta usa um "isometrÍMno lasso",
sua medida aproxima-se do metro consagrado, mas não se enquadra nêle:
Vejamos agora a asserção de que os poemas em questão foram é um "cantabile pilhérico, sarcástico, irónico, piedoso, o que fôr, canta-
blle, entretanto, que sempre procura uma dicção coloquial" (António
escritos segundo as normas do verso clássico, disfarçado pela disposição Houaiss, "Carlos Drunmiond de Andrade" I I I , p. 3); (no caso de
gráfica e pela rima incomum. O volume I das Obras Completas dc Maiakóvski, não se tem um cantabile, isto é, "cantável", mas um
Maiakóvski, a fonte mais autorizada no caso, contém 3 poemas referen- "dizível").
tes ao ano dc 1912 e 17 a 1913. Fiz uma análise da estrutura métrica Creio que, feito o balanço das opiniões divergentes, chega-se á con-
desses 20 poemas; 5 seguem esquema métrico propriamente dito; 2 clusão de que o poeta é que tinha razão em seu ensaio. Na base de
Hptesenlam hgeira variação em relação a èle; 11 apresentam variação um artifício dc contagem, Kondratov, a par de algumas observações
considerável (por exemplo, no poema 'Nós' e em outros aparece um pertinentes, chega à condusão; "Maiakóvski errou". Mas, examinando-se
ritmo que se aproxima do tetrâtrietro anfibráquico, mas com quebras melhor a questão, fica ressaltada a sabedoria do artista criador, em
consideráveis, que atenuam o caráter embalador daquele metro); 2 não seu anseio de nos dar uma poesia desvinculada da "patina do passado",
seguem esquema métrico determinado, 24. O general N. N. ludiénitch comandou o exército "branco" do
Noroeste, durante a Guerra Civil, em 1918-1920. Suas tropas chegaram a
_ Esta última asserção pode parecer exagero. Mas aí está o esquema ameaçar seriamente a cidade de Petrogrado, mas foram completamente
silábico e tónico do poema "Êles não compreendem nada", de 1913; desbaratadas em dezembro de 1919.
214 215
25. Tradução inédita dc Haroldo dc Campos. 45. Segundo uma nota às O. C. (XU, 566), L . S. Sosnóvski foi
26. Êstc tipo de linguagem aparece parodiado na peça "A quadra- economista, jornalista e crítico literário. Féz parte da oposição trotddita
tura do círculo" de Valentln Katáiev, que foi montada em São Faulo c atacou Maiakóvski com bastante violência.
pelo Teatro Oficina, em 1963, com o nome dc "Quatro num quarto" 46. Nos anos que sc seguiram ã Revolução, lessienin esteve ligado
Eis um monólogo da peça: ao grupo dos imagistas russos (A. Marienhof, V. Cherchenévitdi, etc).
"Abraão (sòzmba). O que é necessário para um casamento fínne? 47. lessienin partiu para o estrangeiro, em conv>aiihia de Isadora
semclliaEça de génios, compreensão mútua, condição de classe comum, Duncan, viajando pela Europa Ocidental e pelos Estados Unidos cm 1922
objctivos políticos idênticos, contato operacional. Semelhança dc génios? e no primeiro semestre de 1923. Fracassado o seu casamento com a
Existe. Compreensão mútua? BasU meia palavra. Condição de classe? dançarina americana, regressou à União Soviética.
Temos. Objetivos políticos? Coroo não? Contato operacional? E como!"
(Valenlin Katáiev, Obras reunidas, V, p. 339). 48. Sôbre a VAPP, v. nota 2. Ú início da década de 1920 marca
o desligamento de lessienin do grupo Imagista. Em artigos então publi-
Na novela Inveja, de lúri Oliccha,' Volódia Makarov, que personi- cados, chegou a explicar que pretendia criar imagens orgânicas, organi-
tica a nova geração, tecnológica, esportiva, construtivista, com os seus zadas, enquanto os imagistas aglomeravam imagens numa profusão de-
exageros, se expressa num estilo semelhante. sordenada.
27. Sigla de Náutchnaia Organiiátzla Tntdá (Organização Qentí- 49. Sigla de Cossudárstvienoie itdátielstvo (Editora Estatal).
fica do Trabalho).
50. Tradução de Augusto de Campos. O texto Integral está em
28. Tadução inédita dc Haroldo de Campos. Poesia Russa Moderna (p. 193).
29. Nas reminiscências da tradutora Rita Hait, "Há vinte anos", Os versos em questão foram escritos com sangue, depois que lessienin
conla-se que Maiakóvski, depois de voliar dos Estados Unidos, pediu-lhe cortou os pulsos, num quarto do Hotel Inglaterra, em Leningrado, onde
que traduzisse uma cançãozinha que "não o deixava em paz". "Eu não em seguida sc enforcaria, em 27-12-1925.
conseguia atinar cora o que ela significava. E aó bem recentemente, 51. Diminutivo de Sierguéi.
(endo lido essas linhas cm inglês, ouvi no mesmo instante a voz minha
conhecida, que marcava o compasso com o pé e depois caçoava de mim. 52. Os versos são realmente de A. Jarov; do poema "SÔbre o túmulo
'Então, quer dizer que você não sabe níquel dc americano!' Mas, como de lessienin" {Izvtéstia, Moscou, 10-1-1926).
podia eu adivinhar qUe Maiakóvski, tendo provavelmente apanhado essas 53. P. S. Kógan (1872-1932) foi crítico e historiador da Uteratuca
linhas de ouvido, executadas por algum jazz, repetia-as com sotaque que se caracterizou por uma atitude bastante dogmática. Escreveu diversos
tipicamente negro? Não é de estranhar que, nesta forma, eu não conse- artigos lõbre a morte de lessienin, todos cm tom de panegírico, segundo
guisse reconhecer "A cruel Ana, vampe de Savannah". (Do livro A nota às o. C. X I I , 567.
Maiakóvski, p. 124. Apud O. C. XH, 564). 54. Palavras ligeiramente alteradas da personagem Lucá da peça
30. Tradução inédita dc Haroldo de Campos. No Original, o pri- de Gorki "No fundo", que foi montada em São Paulo pelo Teatro
meiro dístico SC lê: Brasileiro dc Comédia, com o nome de "Ralé".
Gdié jiviót Nita Jo? 55. O pocu A. Krutchônikh (1886-1968), a quem Maiakóvski se
Nita nije etajom. referiu com apreço em diversas ocasiões, publicou em 1926 algumas
brochuras sôbre les^ênin. Uma nota às O. C. (Xn, S67) reladona
31. O tema foi desenvolvido no poema "Mulherzinha estrangeira", seis títulos. Quando foi escrito o ensaio dc Maiakóvski, haviam sido
O. C. X , 60-^2. publicadas trés dessas brochuras.
32. O poema "A parisiense" trata de uma mulher que toma conta 56. Sigla de Novata Ecanomílcheskaia Política (Nova Política
do mictório de um restaurante de Paris (O. C. X , 63-65). Económica). Em diversas ocasiões, Maiakóvski expressou um sentimento
33. As duas primeiras citações são dc poemas já traduzidos para penoso, suscitado pelos "coiita'astes" a que se refere no texto,
o português (Vladimir Maiakóvski, Poemas, pp. 47, 48, 5(. 52), o 57. lessienin enforcara-se amarrando a corda no encanamento do
mesmo ocorrendo com a última (Poesia Russa Moderna, pp. 165-175). quarto de hotel,
A terceira é da tragédia "Vladimir Maiakóviki", O. C. I , 156, e a
quarta, da "Marcha de esquerda", O. C. JI, 24. 58. Daqui em diante, baseio-me, para os versos do poema, ao texto
34. De "A nuvem de calças", O. C. I , 193, 194. da tradução brasileira dc Haroldo de Campos.
35. O anúncio apareceu reabnentc no jornal indicado, em 10-11-1925. 59. o romancista lúri Libiedinski, Maiakóvski voltou-ae maia de
uma vez contra a novelística dc um realismo chão c fotográfico. Neste
36. Semanário ilustrado que existiu cm Moscou entre 18S9 e 191S. sentido, por exemplo, atacou violentamente, cm váirias ocasiões, o co-
37. Tradução inédita, por Haroldo de Campos, de uma quadra de nhecido romance de Fiódor Gladkóv, Cimento.
"Marburgo", poema de Borls Pasternak. A citação por Maíakóvdci, no
texto original, é ligeiramente incorreta. 60. Trata-sc realmente de versos escritos por um operário, o tipó-
grafo Grin, que os publicou na coletânea Pétalas, organizada pelos
38. O poema "A Sierguéi lessienin" foi escrito no início dc 1926. correspondentes de indústria agregados à usina de Khamóvnlki, em
Está traduudo para o português por Haroldo de Campos, em Vladíinir Moscou.
Maiakóvski, Poemas, pp. S7-94. Esta tradução apareceu a primeira vez
na Revista do Livro, acompenh^a de um estudo minucioso em que se 61. Não obstante esta advertência de Maiakóvslti, a htcratura so-
relauva o processo dc transposição do texto para o português — Haroldo viética dos anos subseqtlentcs ficou marcada pelo anseio de criar justa-
de Campos, Maiakóvski em português: roteiro de uma tradução. mente grandes "telas épicas", em forma de romances quilométricos «
de altissonantes poemas, narrativos.
39. O texto apareceu pela primeira vez nO jornal Alvorada do
Oriente, de nfliB, em 16-4-1926. 62. O poeta e phitor P. A. Radimov (n. cm 1887) escreveu muitos
40. Calçado de casca de tília, usado pelos camponeses russos no poemas em hcxfimetros. A referência a "pentâmetros'» no texto de
verlo. Maiakóvski é mais uma evidência da pouca importância que atiibufa ao
cânone métrico. No caso, ocorre alusão ao poema "Rebanho de porcos".
41. O poeta N. A. Kliúiev representou a assim chamada tendência
camponesa na literatura soviética da década de 1920. Exerceu Influência 63. V. nota N9 13.
sôbre lessienin. 64. Quando Maiakóvski escreveu neu trabalho, já se ba's1ain reali-
42. Do poema "Réquicm". zado na Rússia estudos de ritmo i oético, que não se limitavam ao
43. Do poema "A pomba do Jordão". Um fragmento em que simples recenseamento dos metros existentes. Chegou-se mesmo a destacar
aparece êstc verso está traduzido para o português em Poesia Russa a tensão constante entre o desenho rítmico e o esquema métrico. Esta
Moderna (p. 188). posição foi radicalizada poc Andriéi Biéli, que afirmou em 1910, m i
seu Simbolismo, que o ritmo é "simetria na violação do metio". V .
44. Continuação do fragmento anteriormente citado. Ignazio Ambrogio, Formalismo e vanguarda na Rússia (pp, 88, 89).
216 217
O plano semântico do original foi reproduzido. Apenas, cm russo,
65. Na base dêstc tr«cbo de Maiakóvski, o livro dc A. M. Kondratov, o verbo zaguibát recorda zaguíbi (impróprios) e tem também o sentido
MaUmatlca e poesia, tem um capítulo que sc chama "A 'zoada-ritmo* e a de "torcer", "fazer uma dobra".
estatística matemática", onde sc estuda o ritmo de Maiakóvski (pp. 83. Segundo nota às O, C. (XII, 589), trata-se de uma citação
35-39), assunto que jâ abordei na Nola n? 23. do poema de Valiéri Briussov "Ao poeU". Ponto de vista semelhante
Há uma curiosa coincidência entre o quc diz Maiakóvski e o depoi- foi, porém, afirmado pelo próorio Maiakóvski no artigo "Schrapncll de
mento de Paul Valéry sôbre o mesmo problema (nSo obstante o apego civil" (já citado por mim cm "Maiakóvski e o formalismo"), e que
de Valéry a uma medida bem reais tradicional que a do poeta russo): termina com as palavras: "Na qualidade de russo, é sagrado para noim
"Meu poema 'O cemitério marinho' começou em mim por um certo cada esforço dc um soldado para arrancar ao inimigo um pedaço dc terra,
ritmo, que é o verso decassílabo francês, cortado em quatro e seis. Eu mas, como homem de arte, devo pensar que talvez toda a guerra tenha
nâo tinha ainda nenhuma ideia que devesse preencher esta forma. Pouco sido inventada apenas para que alguém escreva um bom poema".
a pouco, palavras flutuantes se fixaram aí, determinando passo a passo 84. Do poema "Flores da neve", de C- D. Balmont
o assunto, e o trabalho (um trabalho muito prolongado) se impôs".
(Paul Valéry, "Poesia e pensamento abstrato", p. 1338), 85- Esta norma foi seguida por Maiakóvski desde o Inído dc sua
pordução poética, conforme tive oportunidade de mostrar, a base dc
66. Palavras Iniciais (cm tradução livre) da "Marcha fúnebre" dos comparação dc textos, em Vladimir Maiakóvski, Poemas, -pp, 18, 57.
revolucionários russos, tocada com a música da "Marcha fúnebre" dc
Chopin. 86, Da baiada "Vassíii Chibanov", dc A. C, Tolstói.
67. Canção revolucionária multo popular, escrita em meados da 87, Na tradução (com Haroldo dc Campos), alteramos ura pouco
década de I87U pelo socióloso "populista" P. L . Lavróv, os versos c, por isto, em vez dc "convcrsinha dc provinda", passamos
68. Fiz uma adaptação, de acordo com o texto brasileiro de a ter um "dramazinha de provinda", o que não modificou cm nada a
Haroldo de Campos. intenção do autor de mostrar o processo de divisão dos versos por ele
seguido, ç sua necessidade. A citação é da tragédia de PúcWdn, "Bóris
69. Para a exemplificação, tomei textos já existraitcs em português Godunóv".
e não os mesmos do ensaio de Maiakóvski. O primeiro é de Khliébnikov
e o segundo de Kamifnski {Poesia Russa Moderna, pp. 88, 89 e 59-63). 85. Tal como no caso das "telas épicas", a advertêntía de Maia-
kóvski sôbre a busca do estilo elevado não impediu, nos anos subse-
70. Tradução livre de três versos de Maiakóv^íki, quentes, a proliferação de poema altissonantes e palavrosos,
71. O trecho que termina aqui foi escrito após consulta a Haroldo
de Campos, que então reconstituiu oralmente o seu fabaUio de tradutor- 89 Na reaUdade, Maiakóvski estava pedindo que os críticos lite-
72. Mais uma vez, Maiakóvski se expressa como se conhecesse a rários dc orientação lingUIsUca íiicssem mais estudos no gfinero, sc
atual Teoria da Informação. V. nota 19, dedicassem mais a uma aiivldade que já estavam exercendo, pois uma
das características da lucubração críUco-teórica russa da época foi
73. Segundo recorda P. Lavut, em "Maiakóvski viaja pela União", Justamente a de se dedicar cm grande parte a trabalhos recentes. Aliás,
o poeta disse numa de suas conferências: "Pouco após a morte de Roman Jakobson já em 1919 escrevia: " , . . até hoje, a dCnda trata
Icssiêntn, houve no Teatro dc Arte uma sessão em sua memória. Os unicamente dc poetas que descansam cm paz, e sc as vfizes trata oe
oradores se sucediam com discursos 'muito sentidos', tendo por fundo vivos é apenas daqueles que já se apaziguaram e deixaram o cotidiano
uma betulazinha esquálida e quebrada. A seguir, Sóbinov contou com voz pelas'edições consagradas. Aquilo que ja se tomou um truísmo na dencia
finiiiba: 'Nem uma palavra, ó meu amigo, nem um suspiro, ficaremos da linguagem prática constitui até hoje heresia na ciênda da UoguaMm
calados os dois...', embora lessienin fôsse o único a calar-se, c Sóbinov poética, que, de modo geral, arrasta-se na rabeira da lingiiíatica, (Ro-
continuasse a cantar. Pois bem, todo aquele ambiente me causou im- man Jakobson, Sovissima poesia russa — esboço primeiro, p, 5),
pressão confrangedora. {Apud. O. C. X I I . 568),
O famoso cantor L . V. Sóbinov interpretou, na referida sessão no Mas, entre 1919 e 1926, a situação havia realmente mudado.
Teatro de Arte de Moscou, em 18-1-1926. uma canção de Tchaikóvski.
74. Na época, estavam bastante em voga na União Soviética seme-
lhantes esquemas, devido em parte aos trabalhos dc Victor Chklóvskl
sôbre Steme. Cf. Laurence Steme, The life & opinions of Trlstram
Shandy, Livro V I , Cap. 40,
75. Existem inúmeros trabalhos sÔbre o emprego da imagem por
Maiakóvski. Teve considerável repercussão o livro de Z. Pafriémi, A
imagem poética em Moiakórski. Aliás, a função da Imagem na obra
artística tem sido um dos temas prcdlletos doS estudos literários russos.
Uma informação muito boa sôbre o assunto, bem como sôbre a relação
dessas cogitações da crítica russa com o "pensamento por Imagens" de
Schlegel e Herder, pode ser encontrada em Ignazio Ambrogio, Forma-
lismo t vangiiarda na Rússia, pp. 45 e seguintes. Tratei ligeiramente do
assunto no artigo "Imagens e fórmulas",
76. O poeta I, I. Dorônin.
77. O título verdadeiro é; "O arador a trator",
78. Do poema "A colina", de I. P. Ctkln.
79. Verso de uma tradução de Valiéri Briussov (1873-1924) do
poema "Peste" de Emile Verhacrcn. A citação de Maiakóvdd é um
tanto incorreta, mas o cacófato em questão realmente se encontra no
texto.
80. No original, aparece uma forma adverbial que significa: "correr
ÊSpalhando-se",
81. Iliã Selvinski, que encabeçou o grupo dos tlõfiUS construtivis-
tas e com quem Maiakóvski manteve encarniçadas polemicas.
82. Na tradução ficou:
Você,
com todo esse talento
para o impossível,
hábil
como poucos.
219
218

Você também pode gostar