O Crime Do Padre Amaro
O Crime Do Padre Amaro
O Crime Do Padre Amaro
Eça de Queirós
A época: Portugal na segunda metade do século XIX
Para entender-se uma obra como O crime do padre Amaro, é preciso conhecer as circunstâncias
históricas da época em que foi escrito e em que seu autor viveu. E para melhor entender o contexto histórico
do Portugal da segunda metade do século XIX, é mister conhecer um pouco de sua história.
O reino português surgiu do Condado Portucalense, território localizado entre os rios Minho e Tejo.
No ano de 1143, com o reconhecimento de Leão e Castela, estabelece-se o Reino de Portugal, sob o cetro
de Afonso Henriques de Borgonha, seu primeiro rei.
Portugal manteve-se como nação independente até perder sua autonomia política para a Espanha,
em 1580. Foram sessenta anos de cativeiro, em que o povo português se uniu em torno do mito sebastianista
— a crença no retorno de D. Sebastião, que resgataria a dignidade do país — e da saudade das grandezas do
passado, conquistadas além-mar — e enfeixadas em Os lusíadas, de Camões, transformado, nessa fase, em
"Poema da Raça Portuguesa", em "Hino Nacional" da pátria lusa.
Nem mesmo com a Restauração, em 1640, e a independência e autonomia que ela significava, a
nação pôde recuperar a grandeza e o brilho anteriores: Portugal havia perdido parte de seu império e as
esperanças, agora, voltavam-se para o Brasil. Com a invasão das tropas napoleônicas, em 1808 a família real
vem para o Brasil, e a metrópole se vê na humílima condição de "colônia da própria colônia", sob o comando
de um inglês — Beresford. Essa situação dura até 1820, quando a Revolução do Porto convoca a Assembleia
Constituinte e D. João VI volta ao país.
A Independência do Brasil agravaria a situação político-econômica do reino que, em 1823, vê um
golpe militar reinstalar o absolutismo, dissolvendo o Parlamento e suspendendo a Constituição. Após um
período de turbulências, em que o país passa pela guerra civil provocada pelos irmãos Miguel e Pedro, na
briga pelo trono (1832-1834), e depois pela coroação de uma rainha de apenas 15 anos — D. Maria —,
Portugal se acha empobrecido e atrasado em relação à Europa, agora já francamente engajada no processo
de industrialização e economicamente próspera.
O período conhecido como Regeneração (1851-1910) traria alguma estabilidade e certo
desenvolvimento. Desencadeado pelo golpe militar do marechal Saldanha, esse período implementou a
adesão do país ao capitalismo, com o revezamento, no poder, de um partido político mais conservador — o
Regenerador — com outros menos conservadores: o Histórico, o Reformista e o Progressista. Portugal
assistiu, então, a uma certa prosperidade no meio rural, ao par do enriquecimento do comércio urbano e
das finanças. Essas mudanças determinaram o crescimento da burguesia rural que, enriquecida, vai para a
cidade em busca do progresso e dos melhoramentos e passa a valorizar a vida cultural e a educação de seus
filhos. Além da Universidade de Coimbra, a nação contava agora com as Escolas Médicas de Lisboa e Porto,
o Curso Superior de Letras de Lisboa e a Escola Politécnica.
Aumenta o consumo de jornais e o romance conhece um período de verdadeiro desenvolvimento,
impulsionado pelo interesse desse novo público leitor.
No entanto, a crise que o país atravessa ainda é grave e, embora tenha conhecido, no período, uma
certa estabilidade, vê-a definhar, em face de suas dificuldades estruturais de Economia. E contempla uma
Europa renovada no plano político, social, econômico e cultural. Não apenas contempla, mas se vê invadido
pelas novas conquistas do velho mundo, já que uma juventude operosa e inteligente está atenta àquilo que
lhes chega — em 1864 Coimbra se liga à rede europeia de caminho-de-ferro —, principalmente, de França.
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O Crime do Padre Amaro - Eça de Queirós
O surgimento de uma evolução tecnológica e, por decorrência, cultural, tende a esvaziar os ideais românticos
que prevaleceram por quase 40 anos.
Portugal assenta-se, incomodamente, numa situação que privilegia o processo oligárquico, com
tendências conservadoras, o que impede a visão de novos horizontes sócio-político-culturais.
É nesse ambiente que floresce a "Geração de 70", influenciada pelos modelos franceses buscados em
autores como Balzac, Stendhal, Flaubert e Zola.
Os jovens acadêmicos portugueses absorvem as teorias emergentes, tais como o Determinismo de
Taine, o Socialismo "utópico" de Proudhon, o Positivismo de Auguste Comte, além do Evolucionismo de
Darwin, entre outras novidades no campo das Ciências e da Filosofia.
Nesse cenário, um acontecimento é marcante: a Questão Coimbrã.
A "Questão Coimbrã"
Chama-se Questão Coimbrã à polêmica literária que opôs os jovens revolucionários realistas de
Coimbra e os defensores da tradição romântica de Lisboa.
Em Lisboa, o veterano Antônio Feliciano de Castilho escreve um posfácio à obra Poema da Mocidade,
de Pinheiro Chagas, seu discípulo das letras. Esse posfácio ataca violentamente o ideário da "Geração de 70".
Instaura-se, abertamente, a rivalidade. De Coimbra, Antero de Quental, jovem líder do grupo que se
opõe a Castilho, contra-ataca com o opúsculo intitulado Bom-Senso e Bom-Gosto, em 1865, no qual assim
se dirige ao velho Castilho:
"... eu hei de sempre ver uma péssima ação, digna de toda a importância dum castigo, nas impensadas
e infelizes palavras de V. Exa., dignas quando muito dum sorriso de desdém e do esquecimento. E se eu nem
sequer me daria ao incômodo de erguer a cabeça de cima do meu trabalho para escutar essas palavras,
entendo que não perco o meu tempo, que sirvo a moral e a verdade, censurando, verberando a desonesta
ação de V.Exa."
Estava deflagrada a Questão Coimbrã, que se tornou também conhecida como Polêmica do Bom-
Senso e Bom-Gosto e foi responsável pela introdução do Realismo-Naturalismo em Portugal. Eça de Queirós
não participou da polêmica, embora estudasse Direito em Coimbra.
O Realismo-Naturalismo
O Realismo-Naturalismo implica o distanciamento da postura subjetiva para o escritor, que se volta
para a realidade exterior e não usa mais sua vida pessoal como ponto de partida para a criação da obra de
arte. O interesse, agora, é pelo objeto externo, e não mais pelo sujeito.
Ocorre, assim, o aprofundamento da narrativa de costumes que já se cultivara no Romantismo e que
se propõe, a partir daqui, a desnudar as mazelas da vida pública e os contrastes da vida íntima, buscando,
para ambas, causas naturais ou culturais. É preciso compreender e explicar o mundo real por meio da razão
e do conhecimento científico. É necessário o embasamento, o apoio de teorias que auxiliem essa explicação.
Várias foram as correntes científicas que serviram como estofo à obra de arte realista-naturalista.
Entre elas, cabe destacar:
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Esse conjunto de ideias acabou por caracterizar a chamada "geração do materialista ou cientificista",
assim designada pela semelhança entre as atitudes dos autores e dos cientistas.
O escritor, movido por sua preocupação com a objetividade, tende a compreender o homem — aqui,
a personagem — como um "caso" que deve ser analisado à luz da ciência. A intensificação radical da
abordagem científica na obra de arte acabaria por conduzir ao Naturalismo, que considera o homem como
uma máquina dirigida por leis físicas e químicas, pela hereditariedade e pelo meio social, dirigindo seu
interesse, principalmente, para temas da patologia humana e social.
As características comuns ao Realismo e ao Naturalismo podem ser assim esquematizadas:
objetividade: exame da realidade exterior ao indivíduo, realidade captada pelo artista sem o
intermédio da imaginação e do sentimentalismo;
racionalismo: a inteligência é entendida como único meio para a compreensão da realidade
objetiva;
universalismo, impessoalismo: busca da verdade universal, impessoal, captada pelos sentidos e
pela inteligência, e só aceita quando passível de ser testada, examinada, experimentada;
arte compromissada, engajada: crítica, análise e denúncia da sociedade; preocupação e
compromisso com a transformação social;
contemporaneísmo: arte voltada para o seu próprio tempo, para os problemas de sua época;
antiburguesismo, anticlericalismo, antitradicionalismo, antimonarquismo;
preocupação formal: busca de clareza, de equilíbrio, de concisão no estilo, enxuto e limpo;
lentidão da narrativa: descrições minuciosas, morosas, pormenorizadas das personagens, o que
coloca o plano da ação e da narrativa em segundo lugar;
linguagem predominantemente denotativa, com privilégio da metonímia em detrimento da
metáfora;
exaltação sensorial, linguagem sinestésica: só é verdadeiro o que pode ser captado
sensorialmente.
abordagem científica da sociedade e dos atos humanos, com o privilégio dos aspectos doentios,
patológicos, defeituosos e o afastamento do psicologismo e da profundidade realistas, a fim de
examinar o plano científico e biológico;
personagens degradadas, párias da sociedade, vistas como "produto da raça e do meio", não
raro sublevadas à categoria animal, agindo por instinto, num processo conhecido
como zoomorfização das personagens, através de comparações entre o homem e o animal;
exame das classes inferiores, do proletariado, dos marginalizados;
enfoque dos aspectos torpes e degradantes da realidade;
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Na mesma carta, afirma que personagens como Luísa, a protagonista de O primo Basílio, e as outras,
que formam as bases falsas da sociedade, "são bem bonita causa de anarquia no meio da transformação
moderna; merecem partilhar com o Padre Amaro da bengalada do homem de bem."
A terceira fase corresponde à maturidade intelectual de Eça e apresenta obras de caráter construtivo,
permitindo evidenciar-se uma concepção de vida mais ampla e humanitária; trata-se de um período otimista,
de esperança, marcado pelo idealismo espiritualista e pelo culto dos valores da alma e da fé. São obras
representativas desta fase A Ilustre Casa de Ramires e A Cidade e as Serras.
Além das citadas, vale lembrar, ainda, as seguintes obras de Eça de Queirós:
romance: O mandarim; A relíquia; A capital; A correspondência de Fradique Mendes, O Conde de
Abranhos, Alves e Cia.
conto: Contos destaque para os contos: "Civilização"; "Suave Milagre"; "O Defunto"; "José Matias";
"Perfeição"; "Singularidades de uma Rapariga Loura".
O enredo
O principal tema de O crime do padre Amaro — romance que introduz o Realismo-Naturalismo em
Portugal, em 1875 — é a crítica ao celibato clerical. No esteio de Eurico, o presbítero, do romântico português
Alexandre Herculano — que, embora romântico, escreveu não apenas essa obra, mas um projeto em que se
propõe a "examinar o celibato clerical à luz do sentimento" —, Eça de Queirós combate vivamente essa
instituição da igreja católica, atacando dura e diretamente os jogos de aparências e o pseudomoralismo de
que se costumam revestir certos dogmas e costumes religiosos. Entre esses, o descaso dos padres em relação
à pobreza e à miséria e suas atitudes de bajulação para com os mais ricos e poderosos, a hipocrisia das
beatas, a superficialidade de seus cultos religiosos e a mistificação da verdadeira fé, não apenas permitida,
como até, na sua opinião, incentivada pela igreja.
Ao par do tema central, desenvolvem-se outros, como a exploração da miséria — pelas autoridades,
pelos ricos e também pelos padres —; a discrepância entre o dizer e o fazer no convívio social; a hipocrisia
das relações sociais, marcadas pela futilidade e pelo interesse e o costume provinciano de vigiar e comentar
a vida alheia.
Narrada em terceira pessoa por um narrador onisciente, a história se passa em Leiria, pequena cidade
provinciana de Portugal que tem sua vida e seus valores desmascarados ao longo da narrativa.
A ação inicia-se com o relato da morte do antigo pároco da cidade; já nesse início se pode observar o
teor anticlerical que marcará a narrativa:
"Foi no Domingo de Páscoa que se soube em Leiria que o pároco da Sé, José Liguéis, tinha morrido
de madrugada com uma apoplexia. O pároco era um homem sanguíneo e nutrido, que passava entre o clero
diocesano pelo comilão dos comilões. Contavam-se histórias singulares da sua voracidade. O Carlos da botica
— que o detestava — costumava dizer, sempre que o via sair depois da sesta, com a face afogueada de
sangue, muito enfartado:
— Lá vai a jiboia comer! Um dia estoura!
Com efeito estourou., depois de uma ceia de peixe [...]. Ninguém o lamentou, e foi pouca gente ao
seu enterro. [...]
Nunca fora querido das devotas; arrotava no confessionário; e, tendo vivido sempre em freguesias
da aldeia ou da serra, não compreendia certas sensibilidades requintadas da devoção: perdera, por isso, logo
ao princípio, quase todas as confessadas, que tinham passado para o polido padre Gusmão, tão cheio de
lábia!"
Com a morte de José Miguéis, ficou disponível o cargo de pároco, e dois meses depois se soube em
Leiria que havia sido nomeado outro, um padre muito novo, "saído apenas do seminário". As pessoas
atribuem sua nomeação a influências políticas, e logo começam as conjecturas e boatos a seu respeito.
Afinal, o único que o conhecia era o cônego Dias, seu antigo mestre de Moral no seminário.
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O cônego Dias vivia com uma irmã, D. Josefa Dias, e era considerado rico na cidade. Satisfeito com a
nomeação do antigo pupilo, passa a exaltar as qualidades deste na praça, na botica, na sacristia, enfim, nos
lugares onde houvesse paroquianos para ouvir.
Algum tempo depois, recebe uma carta de Amaro, pedindo-lhe que providenciasse um local onde
pudesse ficar. O cônego decide levá-lo para a casa de S. Joaneira, uma senhora sua amiga, que já tinha
recebido outras pessoas como hóspedes anteriormente. Alertado pelo coadjutor para a questão de que havia
na casa uma moça, Amélia, e de que isso poderia gerar comentários maldosos, já que Amaro também era
jovem, o cônego, animado pelo dinheiro que a amiga ganharia hospedando o pároco, não se deixa
convencer:
"— Ora, histórias! Então o padre Joaquim não vive debaixo das mesmas telhas com a afilhada da
mãe? E o cônego Pedroso não vive com a cunhada, e uma irmã da cunhada, que é uma rapariga de dezenove
anos? Ora essa!"
A chegada do padre Amaro acontece uma semana depois, à noite. Recebido festivamente pelo
cônego e pelo adjutor, foi conduzido à casa de S. Joaneira, onde o aguardava já uma ceia, da qual participa
também o cônego, assíduo frequentador da casa. Durante a ceia, os dois conversam, recordando-se dos
antigos tempos. Quando o cônego finalmente sai, encontra-se com Amélia, filha de S. Joaneira, que está
chegando.
Amélia é "uma rapariga forte, alta, bem-feita"; vinha de um passeio e, como correra, estava corada.
O cônego despediu-se dela e partiu, enquanto Amaro dirigia-se ao quarto que lhe fora reservado. Depois,
antes de dormir, enquanto repetia suas orações maquinais, ainda ouviu o tique-taque das botinas e o
farfalhar das saias engomadas que ela despia.
A este ponto, o narrador interrompe seu relato para fazer um pequeno "flash back" sobre a vida de
Amaro. E revela que o pároco nascera em uma rica casa, em Lisboa, a residência da marquesa de Alegros,
para quem seus pais trabalhavam como criados, sendo a mãe muito querida da patroa. Órfão de ambos aos
seis anos — o pai morrera de apoplexia e a mãe, tísica —, Amaro foi criado pela marquesa que, beata, desde
logo intentou fazê-lo seguir a carreira eclesiástica.
Acanhado, medroso, Amaro dormia com a lamparina acesa e na companhia de uma velha ama.
Cresceu entre as criadas e, quando a marquesa saía, elas o vestiam de mulher e riam muito; agradavam-no
bastante, também, e usavam-no em suas intrigas. O menino acabou tornando-se "enredador, muito
mentiroso".
Quando a marquesa morreu, deixou-lhe em testamento um legado para que ele entrasse no
seminário aos quinze anos e se ordenasse padre. Até completar tal idade, Amaro passou um tempo na casa
de um tio, onde sofreu muito, esperando o seminário como uma libertação:
"Entrou no seminário. Nos primeiros dias os longos corredores de pedra um pouco úmidos, as
lâmpadas tristes, os quartos estreitos e gradeados, as batinas negras, o silêncio regulamentado, o toque das
sinetas — deram-lhe uma tristeza lúgubre, aterrada."
No entanto, logo se habituaria à nova vida, chegando, inclusive, a tirar boas notas. Quando se
ordenou, recebeu uma carta de um padre a quem a marquesa o recomendara, avisando-o de que a quantia
que recebera como legado já tinha acabado. Estava, assim, por sua própria conta; dois meses depois foi
designado como pároco de Feirão, na serra da Beira Alta, um lugar pobre e sem qualquer possibilidade de
melhora.
Em busca de melhores condições de vida, Amaro vai a Lisboa tentar um cargo melhor e, graças à ajuda
da filha mais nova da finada marquesa, a essa altura já casada com um conde influente, consegue a
nomeação como pároco de Leiria.
Findo o flash back, a narrativa volta ao presente, destacando os comentários dos habitantes de Leiria
sobre a chegada de Amaro à cidade. Detalhes sobre o novo pároco são assuntos em cada ponto: sua
bagagem, o modo como tratava o cônego etc. Em casa, S. Joaneira mostra às beatas as coisas do padre,
convidando-as a visitá-la à noite, para conhecê-lo.
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À noite, estão todas lá, pontualmente: D. Josefa Dias, a rica viúva D. Conceição e Joaquina e Ana, as
irmãs Gansosos. O padre é o centro das atenções; todas querem saber sua opinião sobre a cidade, já que ele
saíra com o cônego durante o dia. É esta a primeira vez que Amaro presta atenção a Amélia:
"Amaro olhou para ela, pela primeira vez. Tinha um vestido azul muito justo ao seio bonito; o pescoço
grande e cheio saía de um colarinho voltado; entre os beiços vermelhos e frescos o esmalte dos dentes
brilhava; e pareceu ao pároco que um buçozinho lhe punha aos cantos da boca uma sombra sutil e doce."
Estava a um canto da sala João Eduardo, um rapaz alto, de bigode, vestido de preto. Criticado pelas
beatas por não crer nos milagres da Santa de Arregaça, responde que só fez repetir o que escutara dos
médicos: "aquilo é doença nervosa". Amaro pergunta quem é a santa e é informado de que se trata de uma
mulher presa ao leito há vinte anos, que sabe rezas e realiza milagres, chegando mesmo a levitar.
Após servido o chá, Amélia toca piano, acompanhada por Artur Couceiro, um rapaz que canta
modinhas. Depois, durante o jogo da loto, Amélia arruma um lugar para Amaro ao seu lado, para jogar. Cria-
se um certo clima entre ambos, percebido por João Eduardo, que usa de ironia ao despedir-se da moça:
"— Muitos parabéns por ter quinado com o senhor pároco. Que entusiasmo! [...]"
Ao retirar-se para dormir, Amaro demora-se pensando no dia que passara e nas pessoas que
conhecera, principalmente Amélia. Vai buscar água e vê
"[...] num relance Amélia, em saia branca, a desfazer o atacador do colete: estava junto do candeeiro
e as mangas curtas, o decote da camisa deixavam ver os seus braços brancos, o seio delicioso. Ela deu um
pequeno grito e correu para o quarto."
Apesar do susto, Amélia diz-lhe onde pegar água e ele vai até lá, mas a visão o perturbara
definitivamente: durante a noite, a moça ouve-o andando pelo quarto. Também insone, põe-se a recordar
seu passado, da infância ao primeiro namorado, que a trocara por outra, o que a levou a buscar abrigo na
religião.
Amaro vive dias tranquilos e confortáveis em casa de S. Joaneira: pela manhã, rezava a missa,
mecanicamente; à metade do dia, sentava-se na companhia de Amélia e sua mãe, enquanto elas costuravam;
ao jantar — "a sua hora perigosa e feliz" —conversava alegremente, animado pelo calor do vinho e à noite,
os serões, normalmente com a presença do cônego Dias. Assim, "quando descia para o seu quarto, à noite,
ia sempre exaltado."
A intimidade entre Amélia e o pároco aumente a cada dia. Mas às segundas e quartas-feiras João
Eduardo visitava Amélia, e esses eram os piores dias para Amaro: ficava no quarto até as nove horas, evitando
o encontro com o escrevente.
É aniversário do abade de Cortegassa e Amaro e o cônego vão jantar com ele, que cozinha muito
bem. Lá estão, também, dois padres, Natário e Brito, e Libaninho, um beato de maneiras afetadas. A conversa
gira em torno das "estratégias" usadas pelos padres para exercer o controle sobre os fiéis e de comentários
maliciosos sobre algumas raparigas. O padre Natário comenta o envolvimento da mulher do regedor com o
padre Brito, que reage, negando tudo. Depois da refeição, vão dar um passeio e Amaro decide voltar sozinho.
No caminho, encontra Amélia que, saltando o valado, cai sobre ele, que a agarra e beija violentamente.
Amélia sai correndo e o padre fica aterrado com a própria atitude.
O narrador informa o leitor de que Amélia já estava gostando de Amaro, desesperando-se quando
pensava que não era correspondida. Chega a pedir proteção à virgem à noite, ao voltar para casa.
Atordoado, amedrontado, Amaro resolve mudar-se e comunica sua decisão ao cônego, que se sente
aliviado, pois a presença do pároco estava atrapalhando seus encontros amorosos com S. Joaneira. Os dois
vão falar com Amélia e a mãe, que ficam muito chateadas com a novidade.
Amaro muda-se para uma casa "de um andar, muito velha, com a madeira carunchosa". É servido por
Vicência, uma criada muito devota, que o cônego lhe arrumara. Sua vida agora tinha-se tornado monótona;
passara a evitar Amélia e, um dia, ao encontrá-la com a mãe à missa, foi instado por S. Joaneira para que as
fosse visitar.
Amélia, por sua vez, vivia à espera de uma visita de Amaro e até adoecera, tendo o médico
aconselhado à mãe que a casasse logo.
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Amaro vai visitá-las e é recebido festivamente. O clima de intimidade entre ele e Amélia não apenas
logo se restabelece, como também aumenta, o que provoca maiores ciúmes ainda em João Eduardo, que a
adverte da inadequação de seu comportamento em relação ao padre. Amélia pede a Amaro para ser mais
discreto em suas atitudes.
Louco de ciúme, João Eduardo, não conseguindo dormir certa noite, dirige-se à redação do jornal Voz
do Povo, cujo redator, Agostinho, é seu parente. O diretor do jornal é o doutor Godinho, chefe do grupo da
Maia, contrário ao Governador Civil. Agostinho, assim como João Eduardo, também odeia os padres e,
durante a conversa que têm naquela noite, incita-o a escrever um artigo contra eles. O artigo contém um
ataque tão direto e violento, que o doutor Godinho só autoriza sua publicação caso saia como um
"comunicado" redigido por um "liberal".
No mesmo dia da publicação do "comunicado", João Eduardo escreve uma longa e queixosa carta a
Amélia, reclamando de sua falta de atenção e reiterando o grande amor que lhe tinha:
"Se tu soubesses como eu te quero, querida Ameliazinha, que até às vezes me parece que te podia
comer aos bocadinhos!"
Não chega a entregar a carta: ao chegar à casa dela para fazê-lo, encontra os padres e mais algumas
pessoas às voltas com a leitura do "comunicado", todos revoltados, pois a descrição de cada um dos padres
possibilitava sua identificação. Embora tentasse se controlar, percebia-se que até o cônego Dias estava
nervoso com a situação.
João Eduardo sente-se satisfeito com a repercussão de seu artigo e ainda mais quando, ao encontrar
o diretor do jornal, este o parabeniza e lhe promete o emprego que ele desejava há tempos. O escrevente
corre à casa de Amélia e, não a encontrando, conta do emprego a S. Joaneira, aproveitando para fazer-lhe o
pedido de casamento.
Amélia, que desde o domingo estivera alterada por causa do "comunicado", chega e a mãe conta-lhe
tudo, mostrando-lhe que se trata de um bom negócio:
"Por isso nessa tarde à janela, calada, olhando no telhado defronte voarem os pardais depois de saber
que João Eduardo, certo do emprego, viera falar enfim à mãe — pensava com satisfação no desespero do
pároco ao ver publicados na Sé os banhos do seu casamento. Depois as palavras muito práticas da S. Joaneira
trabalhavam-lhe silenciosamente na alma; o emprego do Governo Civil rendia 25$OOO réis mensais:
casando, reentrava logo na sua respeitabilidade de senhora; e se a mãe morresse, com o ordenado do
homem e com o rendimento do Morenal podia viver com decência, ir mesmo no verão aos banhos... E via-
se já na Vieira, muito cumprimentada pelos cavalheiros, conhecendo talvez a do governador civil.
— Que lhe parece, minha mãe? — perguntou bruscamente. Estava decidida pelas vantagens que
entrevia; mas, com a sua natureza lassa, desejava ser persuadida e forçada.
— Eu ia pelo seguro, filha — foi a resposta da S. Joaneira.
— É sempre o melhor — murmurou Amélia entrando no quarto. E sentou-se muito triste aos pés
da cama, porque a melancolia que lhe dava o crepúsculo tornava-lhe agora mais pungente a saudade ‘dos
seus bons tempos com o senhor pároco’.
Nessa noite choveu muito, as duas senhoras passaram sós. A S. Joaneira, repousada agora das suas
inquietações, estava muito sonolenta, a cada momento cabeceava com a meia caída no regaço. Amélia então
pousava a costura, e com o cotovelo sobre a mesa, fazendo girar o abajur verde do candeeiro, pensava no
seu casamento; o JoãoEduardo era bom rapaz, coitado; realizava o tipo de marido tão estimado na pequena
burguesia — não era feio e tinha um emprego: decerto o oferecimento da sua mão, apesar das infâmias do
jornal, não lhe parecia, como a mãe dissera, ‘um rasgo de mão-cheia’; mas a sua dedicação lisonjeava-a,
depois do abandono tão cobarde de Amaro; e havia dois anos que o pobre João gostava dela... Começou
então laboriosamente a lembrar tudo o que nele lhe agradava — o seu ar sério, os seus dentes muito brancos,
a sua roupa asseada.
Fora ventava forte, e a chuva, fustigando friamente as vidraças, dava-lhe apetites de confortos, um
bom lume, o marido ao lado, o pequerrucho a dormir no berço — porque seria um rapaz; chamar-se-ia Carlos
e teria os olhos negros do padre Amaro. O padre Amaro... Depois de casada, decerto, tornaria a encontrar o
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senhor padre Amaro... E então uma ideia atravessou todo o seu ser, fê-la erguer bruscamente, ir por instinto
procurar a escuridão da janela para ocultar a vermelhidão do rosto. Oh! isso não, isso não! Era horrível!...
Mas a ideia implacavelmente apoderara-se dela como um braço muito forte que a sufocava e lhe dava uma
agonia deliciosa. E então o antigo amor, que o despeito e a necessidade tinham recalcado no fundo da sua
alma, rompeu, inundou-a; murmurou repetidamente, com paixão, torcendo as mãos, o nome de Amaro;
desejou avidamente os seus beijos — oh! adorava-o! E tudo tinha acabado, tudo tinha acabado! E devia
casar, pobre dela!... Então à janela, com a face contra a escuridão da noite, choramingou baixinho. Ao chá a
S. Joaneira disse-lhe, de repente:
— Pois a coisa, a fazer-se, filha, deve ser já... Era começar o enxoval, e se fosse possível casar-te para
o fim do mês."
Amélia acaba decidindo-se pelo casamento, apesar da dor que sente por ter de separar-se de Amaro.
No entanto, pesam muito as vantagens de um marido com um bom emprego e o conforto material e social
que isso representaria. Horrorizada, chega a imaginar a possibilidade de, casada, ser amante do padre; afasta
esse pensamento, escandalizada. E escreve uma carta a João Eduardo, aceitando seu pedido.
O padre Natário informa Amaro do noivado de Amélia; o pároco fica chocado, pois estava só
esperando passar o calor dos boatos suscitados pelo "comunicado" para voltar à casa da moça. Acaba
concluindo que, por mais que doesse, era melhor.
A próxima visita de Amaro à casa da rua da Misericórdia acontece na segunda-feira seguinte: o
ambiente é tenso e o padre Natário ainda chega com a notícia da transferência do padre Brito — também
referido no "comunicado" — e de algumas atitudes severas que o senhor Chantre tomaria em relação aos
outros padres.
O padre Natário resolve investigar a autoria do "comunicado" e reata com o padre Sivério, com quem
estivera brigado longo tempo; toda a cidade comenta. Com efeito, logo ele fica sabendo — já que Silvério é
o confessor da mulher do doutor Godinho. Procura Amaro e conta-lhe que o autor é João Eduardo; ambos
decidem destruir o escrevente. Tratam de atrapalhar-lhe a concretização do emprego prometido por
Godinho e Amaro relata tudo a Amélia, exortando-a a desmanchar o noivado com um homem tão pecador
e perigoso. Essa conversa ocorre quando ele vai à casa de S. Joaneira ministrar os últimos sacramentos a uma
tia entrevada de Amélia e fica a sós com a moça. Naquela mesma noite, ao chegar João Eduardo, Amaro
dispensa-o da porta, argumentando que as duas precisavam descansar.
No dia seguinte, Amaro pede a D. Josefa Dias que lhe traga Amélia à Sé, convencendo-a a tomá-lo
como confessor, pois ele era mais severo que o padre Silvério e, portanto, mais adequado a uma moça
naquelas condições.
João Eduardo recebe uma carta de Amélia pondo fim ao relacionamento entre os dois; tenta
inutilmente falar com ela e vai procurar ajuda. Primeiramente, o doutor Godinho recusa-a, irritando-se com
ele; a seguir, ao procurar o doutor Gouveia, que sempre lhe dera especial atenção ouve a seguinte
ponderação:
"[...] Tu e o padre quereis ambos a rapariga. Como ele é o mais esperto e o mais decidido, apanhou-
a ele. É lei natural: o mais forte despoja, elimina o mais fraco; a fêmea e a presa pertencem-lhe."
Inconformado, desolado, o escrevente caminha pela rua e encontra um amigo, o tipógrafo Gustavo,
jovem de ideais revolucionários e liberais, que, como ele, detesta o clero. Almoçam, bebem, conversam e
começam a pensar numa vingança contra os padres. Depois do almoço, alterado pelo vinho que tomara,
João Eduardo, ao deparar com Amaro, que vinha andando com o padre Silvério, descontrola-se e agride o
pároco com um murro, atingindo-o no ombro.
O escrevente é levado ao administrador e o pároco o livra, intercedendo por ele, já que o processo
causaria um escândalo que lhe seria prejudicial também. O padre Amaro acaba sendo considerado um santo
e é muito elogiado pelas beatas; todos enaltecem sua atitude. Por outro lado, a João Eduardo, desesperado,
só resta chorar.
Uma semana após tais acontecimentos, Amélia e a mãe encontram o beato Libaninho, que as informa
da situação ruim que Amaro está vivendo, já que sua criada adoecera, e sugere que o acolham de novo em
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O Crime do Padre Amaro - Eça de Queirós
casa. No mesmo dia, Amélia vai jantar na casa do cônego; Amaro vai também e seus pés se encontram por
baixo da mesa. Encarregado de acompanhar a moça, pois o cônego não se sente bem e S. Joaneira não pode
buscá-la, o pároco a leva para sua própria casa, dispensando a irmã da criada com a desculpa de que precisa
ouvir em confissão. Lá, finalmente, Amélia não resiste e o processo de sedução se concretiza.
No dia seguinte, o pároco, alegre, não sente remorsos, pois os outros padres fazem a mesma coisa.
Assim, preocupa-se mais com a irmã da criada do que com o pecado que cometera. Esta, no entanto, mostra
certa compreensão e aconselha-o a ter cautela, chegando a recomendar-lhe que use a casa do sineiro para
os encontros, porque poderá ser mais discreto e Amélia também.
Depois de rezar a missa, Amaro vai falar com o sineiro e diz-lhe que precisa da casa para orientar, em
segredo, uma jovem que quer ser freira. O sineiro, então, recomenda o quarto do andar superior, que fica
em cima do de sua filha, a Totó, que é paralítica. Como ela não sai do leito, não haverá qualquer problema.
Acertado com o sineiro, o pároco precisa de uma desculpa para que Amélia possa sair e ir ao seu
encontro: inventa para as beatas que alguém precisa catequizar Totó e escolhem Amélia. Está construído o
álibi e, a partir daí, o casal passa a se encontrar na casa do sineiro pelo menos uma vez por semana. Quando
saem, Totó ou olha para Amélia desconfiada, ou esconde a cabeça nos cobertores.
Os encontros se sucedem e Amaro passa um tempo muito feliz: tudo vai bem. Amélia entregara-se a
ele de corpo e alma, em total e absoluta doação, e o padre adorava o domínio que exercia sobre a moça,
pois isso o compensava de humilhações passadas e presentes. Quando começou a ter ciúmes dela, tornou-
se possessivo e autoritário, proibindo-a de participar qualquer atividade da vida secular e enaltecendo a
própria condição de servo da igreja. A moça aceita tudo, submissa e escrava, imaginando-se protegida dos
céus por servir a um padre.
Totó passa a nutrir verdadeiro ódio e versão por Amélia e a externar seu incômodo com o barulho
que os encontros do casal provocavam, fazendo ranger o assoalho. Começa a gritar imprecações enquanto
eles estão no quarto, e Amélia vai ficando tensa e perde o prazer, por mais que Amaro tente tranquilizá-la a
respeito. Instala-se na moça uma sensação de pecado que a faz pensar em não voltar mais a encontrar-se
com o pároco.
Um dia, estão os dois na sacristia, preparando-se para ir à casa do sineiro, e Amaro cobre Amélia com
uma capa de cetim azul, que uma beata acabara de mandar para vestir uma santa. Excitado, começa a beijá-
la e a acariciá-la, e ela, embora no começo também se excite, acaba revoltando-se e recusando-se a ter
relações sexuais com ele naquele dia. À noite, a moça tem um terrível pesadelo e adoece a seguir.
Preocupada com a filha, S. Joaneira pede ao cônego que vá investigar o que se passava entre Amélia
e Totó, pois a moça, quando chegava, depois de catequizá-la, vinha sempre branca e muito fraca. O cônego,
então, acompanha Amélia no dia seguinte.
Totó estranha o padre desconhecido e não maltrata Amélia, mas assim que esta vai à cozinha,
pergunta ao cônego pelo "outro", "o que vai com ela para o quarto". O cônego compreende tudo e procura
Amaro, para repreendê-lo, mas este o pressiona, revelando saber do caso do antigo mestre com S. Joaneira.
Assim, acabam compreendendo-se e prometendo discrição um ao outro.
As coisas melhoram para Amaro, agora com o caso sob a proteção do cônego. Amélia, no entanto,
não vai bem, anda nervosa e dorme mal. Certo dia, o pároco anuncia nervosamente ao cônego que a moça
está grávida de um mês. Conversam e tentam achar uma solução, concluindo que o melhor é casá-la com
alguém. Mas não sabem por onde anda João Eduardo, e põem a criada Dionísia à procura do rapaz.
Amélia, que a princípio se revoltara contra a ideia dos dois padres, acaba acostumando-se a ela, o
que desperta violento ciúme em Amaro, que chega a esbofeteá-la. Porém, a procura pelo escrevente dera
em nada: corriam até boatos de que ele teria partido para o Brasil. Amélia chora com a notícia e passa a
chorar também durante os encontros com Amaro, que por isso aos poucos se tornam desagradáveis.
A irmã do cônego, D. Josefa Dias, fica doente e isso dá a Amaro a ideia de outra solução: procura o
cônego e sugere que este leve S. Joaneira para os banhos, enquanto Amélia — que fora enfermeira dedicada
de D. Josefa — acompanharia sua irmã à Quinta da Ricoça, nos Poiais. Assim, lá ela poderia ter o filho sem
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O Crime do Padre Amaro - Eça de Queirós
que ninguém soubesse. O cônego concorda e tudo se faz da maneira com o pároco tinha pensado. A essa
altura dos acontecimentos, Totó morre.
Aconselhado pelo cônego a não ir à Ricoça para não despertas suspeitas, Amaro passa um período
de solidão e desconforto emocional. Enquanto isso, Amélia, na quinta com D. Josefa, amaldiçoa a própria
vida, pois é tratada com frieza e censura pela beata. O padre Ferrão passa a visitá-las e a moça, vendo nela
maneiras compreensivas e receptivas, resolve abrir-se em confissão.
Amaro fica sabendo onde João Eduardo está morando e vai contar a Amélia, com a desculpa de visitar
D. Josefa. O encontro dos dois é tenso e grave. Ao despedir-se, tenta beijá-la, mas ela anuncia que está tudo
acabado e que já basta o que tinham pecado. Vai embora furioso, não sem antes avisá-la da proximidade do
escrevente.
Com raiva, Amaro resolve mudar sua conduta em relação a Amélia e passa a ser frio e indiferente,
com a intenção de comovê-la. Consegue o intento e Amélia volta para ele. Dionísia conta-lhe que há uma
certa Carlota que adota crianças rejeitadas, dando depois fim a elas. Ele vai falar com a "tecedeira de anjos"
e sonda a situação. Enquanto isso, continua visitando Amélia pela manhã, para não encontrar o padre Ferrão.
Amélia quer o filho e não concorda com a ideia de rejeitá-lo. Fala ao padre Ferrão que se casaria com
João Eduardo, se ele adotasse a criança, que se chamaria Carlos. Amaro, por sua vez, não sabe o que fazer:
se dá a criança para uma ama cuidar ou se a entrega a Carlota. Com medo, já que Libaninho lhe havia
informado que o chantre sabia de um escândalo com um padre, decide-se por Carlota; assim, não deixaria
vivo quem lhe pudesse atrapalhar a vida.
Nasce a criança e é entregue a Carlota na mesma noite. Amaro sente carinho pelo filho e recomenda
a Carlota que cuide bem dele, que não o deixe morrer. Amélia quer ver o filho, mas o doutor Gouveia manda
Dionísia distraí-la. Ao insistir, a moça começa a passar mal e acaba morrendo.
Enquanto isso, Amaro, que esperava Dionísia com notícias, tem que ir à igreja fazer um batizado. Ao
voltar, é informado por ela da morte de Amélia. Desesperado, corre até a casa de Carlota, para tentar salvar
o filho, mas é tarde: já havia morrido.
Desconsolado, desesperançado, o pároco só pensa em partir de Leiria, que se transformara numa
cidade maldita para ele. Fala com o bispo e parte para Lisboa na mesma tarde. No dia seguinte, João Eduardo
junta-se silenciosamente às pessoas que acompanham o enterro de Amélia.
Tempos depois, "nos fins de maio de 1871", em meio a grande agitação em Lisboa, Amaro e o Cônego
Dias encontram-se. Abraçam-se e conversam animadamente sobre as novidades de Leiria, sem que qualquer
um apresente sinais de remorso ou arrependimento por tudo o que lá se passara.
As personagens principais
Amaro: A personagem é mostrada como um jovem que se tornou padre sem qualquer vocação:
assim como "virou" padre, poderia exercer qualquer outro cargo que se lhe impusesse.
Desregra-se na vida sacerdotal e procura justificar seus desmandos com um discurso religioso.
Amélia: Jovem atraente aos olhos do padre Amaro. O crime do padre é consumado: Amélia
engravida, tem um filho que Amaro entrega a uma "fazedora de anjos" — assassina de bebês.
Amélia morre de uma hemorragia pós-parto.
João Eduardo: Jovem escrevente, apaixonado por Amélia, sofre pelo amor que dedica à jovem.
Cônego Dias: Dentro da crítica feroz do escritor à Igreja Católica, o tal Cônego Dias mantém
uma relação criticável com a mãe de Amélia.
D. Josefa Dias: Irmã do Cônego Dias. Mulher intrigueira, cujo aspecto físico condiz com o
caráter desprezível.
Joaquina e Ana: "as irmãs Gansosos". Duas figuras que reforçam, como outras, a exemplo da
viúva D. Maria da Conceição, a relação que o narrador impõe às características físicas e morais
de representantes da sociedade portuguesa à época de Eça de Queirós.
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O Crime do Padre Amaro - Eça de Queirós
O foco narrativo
Eça de Queiroz dá preferência à narrativa em terceira pessoa, a partir de um narrador-
onisciente, recurso que lhe permite cravar o bisturi da crítica à sociedade portuguesa de seu tempo e
ao clero.
O tempo
Predomina o tempo cronológico, com alguns lances de retrospectiva, de que o narrador se vale para
apresentar e caracterizar algumas personagens.
O espaço
Leiria situa-se no interior de Portugal. Lá se localiza o ambiente da obra: a sacristia, a casa das
beatas e a casa do sineiro, local em que Amaro e Amélia se encontram para seus idílios.
Atividades
Leia atentamente o texto abaixo:
“No dia seguinte havia missa na Sé, e a S. Joaneira e Amélia atravessaram a Praça para ir buscar D. Maria da
Assunção, que em dias de mercado e de populacho nunca saía só, receosa que lhe roubassem as joias ou lhe
insultassem a castidade.
Nessa manhã, com efeito, a afluência das freguesias enchia a Praça; os homens em grupo, atravancando a rua,
muito sérios, muito barbeados, de jaqueta ao ombro; as mulheres aos pares, com uma fortuna de grilhões e de
corações de ouro sobre peitos pejados; nas lojas, os caixeiros azafamavam-se por trás dos balcões alastrados de
lençaria e de chitas; nas tabernas apinhadas gralhava-se alto; pelo mercado, entre os sacos de farinha, os montões
de louça, os cestos de broa, ia um resgatar sem fim; havia multidão ao pé das tendas onde reluzem os espelhinhos
redondos e transbordam os molhos de rosários; velhas faziam pregão por trás dos seus tabuleiros de cavacas; e os
pobres, afreguesados à cidade, choramingavam padres-nossos pelas esquinas.
Já senhoras passavam para a missa, todas em sedas, de rostinho sisudo; e a Arcada estava cheia de cavalheiros,
tesos nos seus fatos de casimira nova, fumando caro, gozando o domingo.
Amélia foi muito olhada; o filho do recebedor, um atrevido, disse mesmo alto de um grupo: ‘Ai, que me leva o
coração!’ E as duas senhoras, apressando-se, dobravam para a Rua do Correio, quando lhes apareceu o Libaninho
de luvas pretas e cravo ao peito. Não as tinha visto desde ‘o desacato do Largo da Sé’, e rompeu logo em
exclamações. Ai, filhas, que desgosto aquele! O malvado do escrevente! [...]”
3. Quem denuncia a relação entre os padres e as beatas da região de Leiria? De que forma essa
personagem faz isso?
4. Qual é o verdadeiro alvo da crítica do autor, nesse romance: as pessoas ou uma instituição?
5. De que maneira — ou através de que atitude — Amaro explicitou o que sentia por Amélia?
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