Paulo Duarte Fontes - Entrevista
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Paulo Duarte Fontes – Ele era do Rio, tinha feito aquele discurso na
Central do Brasil, junto com o João Goulart. Comecei a estudar o processo e,
por sorte minha, havia um documento que dizia que, pelo mesmo fato, ele tinha
sido julgado e absolvido na Justiça Comum. Ora, em Direito existe um princípio
que diz: “Non bis in idem”, isto é, ninguém pode ser denunciado duas vezes pelo
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mesmo crime. Então, acabou-se o processo. É evidente que o Costa e Silva não
deve ter gostado. Mas Juscelino [Kubitschek] gostou. Ele falou com o João
Pinheiro que queria me homenagear. Assim, ofereceu um jantar no apartamento
do João. Foi muita gente, inclusive minha prima Regina, filha do [Olavo] Bilac
Pinto. A minha mulher, Marly Fontes, que era da UDN, saiu de lá encantada
com o Juscelino. Nós sentamos na mesa de honra. O jantar foi admirável. Depois
disso o João ofereceu um almoço mais restrito para mim, no qual o Juscelino
também estava presente. Foi muito agradável e fiquei amigo do Juscelino.
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O Longo, que presidia Conselho, achou ruim meu protesto, mas não
disse nada na hora. Quando foi passar a palavra aos advogados, advertiu-os:
“Os senhores vão poder falar, mas não vão fazer como o promotor que atacou o
general Figueiredo.”. Pedi novamente a palavra: “Eu lastimo que o senhor não
tenha entendido, eu não ofendi o general Figueiredo; pelo contrário, o admiro,
agora, ele não entende nada do que é o comunismo na Igreja Católica!”. Afinal,
absolveram os padres por unanimidade. O Longo terminou a sessão com uma
ironia, imitando o gesto do padre quando encerra a missa, fazendo o sinal da
cruz: “Vão em paz para casa.”. Desnecessário.
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soltei... Sabe como é...”. De fato, era uma posição constrangedora. Garanti-
lhe que resolveria. Cheguei à Auditoria e topei com o La Vangeli, que era
militar: “Tem um minutinho? É o seguinte: vou fazer uma representação
contra o senhor porque prenderam uma testemunha, fizeram tais absurdos, e
vou representar.”. “Chutei o balde!”, como se diz. Empalideceu. Eles “pintavam
e bordavam” em Juiz de Fora; fizeram os maiores absurdos, tudo em nome
da Revolução! Coisa nenhuma! Misturavam seus interesses nisso e até
prejudicavam a Revolução. Ele disse: “Não fui eu, Dr. Fontes, foi o Simeão”. Aí
o chamou e eu disse que representaria contra os dois. O Simeão estava fazendo
hemodiálise naquela época, passou mal e tivemos que o levar ao hospital. Logo
em seguida soltaram todo mundo e esqueci o caso.
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Mas, enfim, o início não foi fácil. A adesão dos membros era voluntária
e gratuita, de forma que organizei uma entidade meio simbólica. Estávamos
com pressa em ter essa representação. A partir daí, o Gilvan o Frauzino e eu,
estávamos os três legitimados para lutar pelos interesses da classe. Íamos ao
Palácio, ao Congresso, lutamos muito. Como eu tinha sido militar, a carteirinha
abria algumas portas. O [Paulo César] Cataldo e o Inocêncio [Mártires Coelho]
estavam na Casa Civil e nos recebiam. A primeira coisa que conseguimos foi
um aumento. Era a “gratificação de produtividade”, um nome meio fantasioso.
E a coisa melhorou um pouco, mas estávamos longe de ficarmos satisfeitos.
Queriam nos dar um V.A.S., mas comprometia as finanças do governo. Um dia,
o ministro Cataldo comentou comigo na barbearia: “Saiu a outra gratificação
para vocês.”. Ficamos com o salário e duas gratificações. Um dia, localizei uma
jurisprudência do Supremo que determinava que o salário era o somatório do
vencimento-base com essas duas vantagens. A partir daí é que se calculavam
os anuênios e as vantagens pessoais. Requeri ao Milton [Menezes da Costa
Filho] para ele deferir. Inteligente e brilhante como é, mandou o assunto para o
Tribunal de Contas, onde foi aprovado por unanimidade. Então, o problema dos
vencimentos ficou mais ou menos resolvido.
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Memória MPM – E por que o Leite Chaves não queria apoiar o projeto?
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[indica uma placa de metal guardada em uma caixa]: foi oferecida em um jantar
no qual fui homenageado, pelo Milton, os colegas procuradores e os servidores.
Os funcionários eram gratos a mim porque eu ajudava a conseguir apartamentos
funcionais em Brasília. Me deram essa placa...
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Agora, claro, ele fazia o jogo dos militares. Não se metia em nada
que os contrariasse, pelo menos na primeira fase de sua gestão. E teve o azar de
pegar dois processos rumorosos: o dos padres franceses e o Riocentro. Aquele
inquérito do Riocentro é uma vergonha! Não sou eu que digo. As críticas que
o almirante [ Júlio de Sá] Bierrenbach fez em seu livro são irrefutáveis. Ele foi,
talvez, o maior dos ministros militares do Superior Tribunal Militar. Já no caso
dos padres franceses, ele poderia ter distribuído o processo para um procurador,
mas preferiu não o fazer. O Milton entrou no Ministério Público por concurso,
antes da Revolução. Ficou doze anos ao todo à frente da chefia da instituição.
Isto sem mencionar o período de 1985 a 1990, durante o qual ele teve um papel
fundamental, assessorando os procuradores-gerais. O Leite Chaves gostava
muito dele e o Eduardo Pires Gonçalves recorria ao Milton constantemente.
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O Faber Cintra, que era bem linha-dura, percebeu que aquilo era
uma bobagem, rasgou a representação; nem respondeu. O Faber Cintra me
conhecia, nós havíamos sido colegas na ESG. Aliás, era um homem agradável,
muito rico, dono de um quarteirão inteiro em Ipanema: completou há pouco
100 anos de vida. A sua esposa faleceu não faz muito tempo, uma senhora
adorável, educada, descendente de alemães, muito religiosa.
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Paulo Duarte Fontes – Sim, era uma “parada”. Como todo sujeito
que mistificava, era muito agradável, envolvente e, sobretudo, engraçado.
Imagine, ia à praia em Camboriú, de trajes de banho, com um revólver 45
na cintura [risos]. Ele andava sempre armado. Mas no trato pessoal, era um
sujeito muito doce.
Paulo Duarte Fontes – Sim. Isso nem sempre era uma questão
tranquila. Um colega, pelo qual tenho muito carinho, o Flávio Corrêa, do
Mato Grosso do Sul, ficou chateado comigo, certa vez, quando uma comissão
formada por mim, pela Marly Gueiros e pelo Milton Menezes promoveu
o Kleber [de Carvalho Coêlho]. Nos anos 1980, era o ministro da Justiça
quem assinava as promoções: a indicação ia para o Departamento de Justiça
do Ministério e lá eles escolhiam e informavam o ministro, que nomeava. O
fato é que não adiantava eu dar um voto discordante, porque a Marly sempre
votava com o Milton, que queria o Flávio... então foi o Flávio que figurou em
primeiro lugar na lista, seguido do Kleber e do Amauri. O Kleber tinha acabado
de fazer concurso e já estava efetivo. O Amauri não tinha feito o concurso de
1981: estava com mais idade e seria até um absurdo fazer o concurso para
começar a carreira outra vez. Bem, mas eu tinha alguma força no Ministério da
Justiça. O Kleber me telefonou. Eu tinha operado os dentes, estava com dores
e mal podia falar. Ele queria que o acompanhasse ao Ministério da Justiça, que
o apresentasse ao diretor, que era um juiz do Rio Grande do Sul. O Kleber
era encantador quando queria, persuasivo; falou tanto que eu os aproximei e
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Paulo Duarte Fontes – Sim, com certeza! Meu pai foi deputado
federal, Fiel de Carvalho Fontes. Meu avô, Paulo Márcio Fontes, baiano,
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Não teve um cara que honrasse as calças para se insurgir contra o absurdo
daquela situação. Porque todos sabiam que, se algo fosse dito, ele mandava
prender. Essa história eles contavam como vantagem, para exemplificar o
poder que tinham. Eu acho uma idiotice, nada admirável. Dizem que o pessoal
o elogiava por causa de um berro estrondoso que ele dava de vez em quando.
Punha a cabeça para fora da casa e berrava: “Ahhhhh!!!...”. O Campo Grande
inteiro ouvia. Pode? Eu ouvia essas histórias quando era garoto...
Meu avô também foi removido do posto pelo Getúlio. Aí queria que
papai fosse para a Bahia para administrar as fazendas, uma área grande em
Cocorobó, Canudos, onde Antônio Conselheiro promoveu seu levante. Havia
muito latifúndio lá. Papai negou-se. A minha avó, conheci com noventa e nove
anos, magrinha... Dizem que foi um amor de moça.
Paulo Duarte Fontes – Sim, mas não advogava. Ele foi presidente
da Companhia de Anilinas, Produtos Químicos e Material Técnico. John
Jürgens passou a presidência para papai quando, em função da Segunda Guerra
Mundial, os alemães precisaram desligar-se do quadro social de empresas,
para que não entrassem na chamada lista negra e fossem, assim, proibidas de
vender e comprar. Seu Jürgens era uma joia de pessoa, não tinha nada a ver
com a situação política na Alemanha, mas era alemão, e isso, para os governos
brasileiro e norte-americano, já bastava.
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Acho que Deus é muito generoso comigo. Sou muito feliz. Olho
para a vida e penso em tudo o que vivi com leveza e bom-humor. Não tenho
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problemas hoje em dia. Amo minha família, gozamos, graças a Deus, de saúde
e levamos uma vida confortável. Eu sou muito feliz, casado há cinquenta e
sete anos. Estou com 88 anos e meu maior sonho agora é celebrar bodas de
diamante, quando desejo promover uma grande festa.
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