Nascida para Ser Vinculada 1 - Addison Caim

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Nascida para Ser Vinculada

Livro 1

Série A Reivindicação de um Alfa

Por Addison Caim


Staff

Envio: Área 51 Traduções

Tradução: Louvaen Duenda

Revisão: Sariah Stonewiser

Leitura Final e Formatação: Louvaen Duenda


É SEMPRE BOM LEMBRAR QUE...

Esta tradução foi realizada por fãs sem qualquer propósito lucrativo e
apenas com o intuito da leitura de livros que não têm qualquer previsão de
lançamento no Brasil.

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Agradecimentos
Para Chey, a quem eu adoro
Sinopse

À mercê de um vilão ciumento e possessivo, a gentil Claire implora ao selvagem

conquistador de sua cidade para salvar as vulneráveis mulheres Ômega, da violência

que seus soldados inspiraram em sua cidade caída.

Shepherd não apenas a recusa, mas também toma para si a desesperada e rara

mulher Ômega.

O primeiro livro da série Paranormal emocionante, crua e cheia de suspense de

Addison Cain é um romance sombrio viciante que consumirá sua mente, corpo e alma
Nota da Revisão

O texto a seguir foi revisado de acordo conforme as novas Regras Ortográficas,

entretanto, com o intuito de deixar a leitura mais leve e fluida, a revisão pode

sofrer alterações e apresentar linguagem informal em vários momentos,

especialmente nos diálogos, para que estes se aproximem da nossa comunicação

comum no dia a dia.

Alguns termos, gírias, expressões podem ser encontrados bem como objetos que

não estão em conformidade com a Gramática Normativa.

Boa leitura!
Capítulo 1

Ela havia chegado até aqui... olhos arregalados espiavam através da fenda estreita

entre o gorro de lã e camada após camada de cachecol sujo enrolado na metade inferior

de seu rosto. Ninguém parecia estar prestando muita atenção quando ela passou,

ignorando a criatura com o casaco fedorento e enorme hesitando ao pé de uma escada

larga e olhando para a Cidadela de Thólos. Agarrando-se com mais força ao frasco de

comprimidos em seu bolso, agarrando-se loucamente à sua tábua de salvação, ela deu o

primeiro passo.

Durante dois dias, ela tomou uma daquelas pílulas inestimáveis a cada quatro

horas, como um relógio. Entrando no que antes era uma área restrita, ela deveria estar

saturada de medicação, seu metabolismo e hormônios enganados e levados à

complacência. A comida necessária para uma semana foi negociada para que ela

pudesse subir aqueles degraus sem ser despedaçada.

Ela ainda estava com um medo mortal.

O rugido dos monstros lá dentro — os gritos e protestos enquanto seu povo era

despojado de sua dignidade e depois de suas vidas — embrulhou seu estômago,

embora a sensação de ácido possa ter sido um efeito colateral das drogas. Já suando,
agradecida por outros a terem coberto com tantas camadas para esconder o que ela era,

Claire respirou fundo, tentou não engasgar com o fedor de cadáver podre que havia

temperado suas roupas, e entrou na loucura.

Atravessar a entrada foi quase fácil demais. Não houve mão segurando seu ombro

para interromper seu movimento, nenhum Seguidor latindo e exigindo que ela

declarasse o que queria. Na verdade, o buraco negro parecia muito disposto a sugá-la.

Acima da soleira, o ar estava impregnado do cheiro de homens; uma mistura pungente

de Alfa agressivo e alguns dos Betas mais violentos que vieram rosnar e latir para quem

quer que fosse o entretenimento daquele dia.

Títulos de nascimento estavam espalhados pelo chão, pergaminhos mostrando o

piso onde botas indiferentes pisoteavam o que antes significava uma vida; uma lista de

nomes que foram riscados dos livros. Os pedaços de papel foram jogados fora para se

misturar com folhetos descartados, cartazes de procurado e lixo.

Quanto mais fundo ela ia, mais lotada ficava cada câmara, preenchida por uma

horda de cidadãos e pela escória rejeitada de Undercroft libertada no dia em que o

terror invadiu Thólos. Eram bandidos que levantaram a bandeira do conquistador do

Domo, homens com o poder de fazer o que quisessem. Homens encorajados a fazer o que

quisessem. Homens maus.

Precisava ser rápida, sabendo que se a multidão descobrisse o que ela era sob a

sujeira fedorenta que a envolvia, morreria horrivelmente e todos os outros seriam


deixados à fome. Um pé após o outro, com as costas pressionadas contra a parede, os

olhos indo de um lado para o outro, Claire contornou a multidão e rezou para passar

despercebida.

O homem que Claire procurava tinha a reputação de estar onde qualquer um

pudesse alcançá-lo; onde todos pudessem ver quem detinha o poder, para que os

desafiantes pudessem ser mortos - se os rumores fossem verdadeiros - com as próprias

mãos.

Ninguém poderia ter perdido ele, nem se tentassem.

O vilão que teve a audácia de se autodenominar ‘Shepherd’ era enorme, o maior

Alfa que ela já tinha visto. E não só isso... as marcas Da'rin. O que quer que fossem,

giravam sobre a pele escurecida pelo sol como se fossem uma extensão de seu erro —

animalesco, antinatural; a complexidade dos padrões atraindo o olhar diretamente para

os braços musculosos, alertando a todos que olhavam que o portador era traiçoeiro –

não confiável.

Antes de sua cidade cair, exibir aquelas marcas negras móveis acima do solo era

altamente ilegal — a punição: a execução. Ele era um condenado de Undercroft, aquele

que libertou os rejeitados, e foi o monstro responsável pelo sofrimento de seu povo e

pelos cadáveres empilhados nas ruas de Thólos.

Claire engoliu em seco, aproximando-se, optando por olhar para o Seguidor

blindado que Shepherd acenou com a cabeça; um Da'rin marcado como Beta, pela
aparência dele. Foi esse homem cujos penetrantes olhos azuis a pegaram se

aproximando. Embora diminutivo fosse uma maneira gentil de descrever Claire, pela

expressão dele, o Beta descobriu que ela não era nada... menos que nada. Ele desviou o

olhar, descartando sua abordagem.

Segurando aquelas pílulas, seu talismã contra o mal, Claire caminhou direto até os

dois conquistadores conversando. Buscando a atenção do gigante Alfa, ela lutou pelas

palavras. — Eu preciso falar com você, por favor.

Shepherd nem sequer olhou para ela, ignorando descaradamente a mulher envolta

em suas roupas fedorentas.

— É muito importante. — Ela tentou um pouco mais alto, a sinceridade em seus

olhos, o desespero e o medo avassaladores aparentes.

Quantas vezes isso aconteceu em sua vida? O desrespeito total, a rejeição

flagrante...

Claire soltou um suspiro frustrado e apertou ainda mais os comprimidos. Parada

como uma árvore, um pequeno rebento numa floresta de sequoias, ela esperou e

observou-o. De jeito nenhum ela iria embora até que falasse com a única pessoa que

poderia salvá-los. Ele queria ser líder, queria governar... bem, eles precisavam de

comida. O orgulho durou pouco tempo; no fundo ela sabia que isso não os manteria

vivos, então ela procurou Shepherd para pedir ajuda.


Os olhos fixos no homem, no maior da sala – talvez do mundo – ela esperou por

horas. Era difícil ignorar o que acontecia ao seu redor; o choro dos outrora poderosos

reduzidos a miseráveis chorões, arrastados para serem responsabilizados. Claire não tinha

certeza do que eles estavam sendo responsabilizados. Tudo o que ela sabia era que

todos os que tinham a infelicidade de serem levados para a Cidadela eram executados,

independentemente de mendicância, suborno, linhagem... nada importava para a

multidão. Nem mesmo culpa.

Ficou escuro. Claire permaneceu, respirando fundo, mantendo-se firme quando

tudo que ela queria era correr gritando; fingir que ela não tinha acabado de ouvir um

estranho ser condenado a ter sua pele arrancada para que o mundo pudesse ver do que ele

era feito por baixo. Já era tão tarde que sua triste coragem parecia inútil. Nem uma vez

aqueles olhos prateados se voltaram para ela. Nem uma vez.

Claire esperava que sua determinação levasse Shepherd a pelo menos olhar em sua

direção como seu Seguidor fez, dando-lhe a chance de defender seu caso. No entanto,

quanto mais ela esperava, mais seu coração começava a bater de forma irregular. Por

um momento, ela sentiu que poderia vomitar por causa do cheiro – não apenas de suas

roupas, mas de todos os Alfas furiosos na sala – e tirou seus comprimidos. Com a maior

velocidade que conseguiu, ela abriu a tampa do frasco e prendeu um pequeno

comprimido azul entre o indicador e o polegar. Seu dedo mindinho enluvado

enganchou o cachecol sujo, puxando-o para baixo apenas o suficiente para colocar a
pílula entre os lábios. Assim que atingiu sua língua, Claire lutou para criar saliva

suficiente para engolir.

Foi irregular ao passar por seu esôfago, fazendo-a estremecer e depois gemer

quando a sensação de atingir um estômago vazio quase fez o precioso medicamento

subir de volta. Seus dedos rapidamente reajustaram a lã para cobrir o máximo possível

de sua pele, puxando o cheiro fedorento de volta para seu nariz e boca... mas então tudo

deu errado.

O próprio ar alterado e uma onda de medo instintivo foram os precursores de seu

maior pesadelo. Era Shepherd, de repente imóvel e anormalmente. Ela podia ouvir os

ossos do pescoço dele estalando quando ele virou o crânio mais alguns graus em sua

direção.

Suando profusamente, sentindo-se tão mal, Claire falou no instante em que sentiu

sua atenção. — Preciso falar com você. — Disse ela, com a voz falhando devido à

respiração em pânico.

Ele matou muitas pessoas. Mesmo através do tecido em volta do rosto, ela

conseguia sentir o cheiro dele; mais potente que os outros, com certeza. Mas a expressão

em seus olhos era muito mais assustadora do que as marcas de Da'rin; o mercúrio duro

e implacável parecia ver através dela, destruindo seu disfarce. Com os ombros caídos,

Claire sentiu uma onda, um arranhão ardente em seu estômago que se transformou em

cólicas dolorosas, terror total deixado em seu rastro.


Tudo foi em vão.

Respirando fundo, balançando como se suas pernas não conseguissem decidir para

que lado correr, Claire sussurrou baixinho: — Não... não, não, isso não pode estar

acontecendo.

De alguma forma, todos os preparativos, as pílulas, não foram suficientes. Havia

muitos Alfas, muito do cheiro deles no ar, e ela entrou diretamente no cio. Ela já podia

sentir o cheiro escorregadio entre suas pernas, o cheiro disso, de algo tão impregnado

de feromônios que não seria mascarado pelo fedor horrível com o qual ela se vestiu

propositalmente, suja de comida, com o fedor de coisas podres e o peso da capa... ela

ficou ali na cova dos lobos como uma idiota enquanto os sinais aumentavam: náusea,

coração acelerado, febre... e o maior lobo de todos estavam olhando diretamente para

ela.

Claire finalmente conseguiu sua atenção, e agora era inútil.

Ela já estava delirando, em pânico, com a voz embargada e acusadora ao mesmo

tempo: — Eu só precisava falar com você. Só precisava de um minuto.

Esse desejo – aquele contra o qual ela lutou durante toda a vida – a estava fazendo

tremer e se preparar para fugir, mas já havia uma comoção por toda parte. Ela tentou

prender a respiração enquanto os Alfas farejavam o ar como cães de caça. Shepherd

rebateu sua retirada minuciosa, encarando-a de frente, olhando para ela com os olhos

arregalados e focados de um predador.


Foi a atenção dele – a atenção que ela precisava para salvar sua espécie – que atraiu

outros olhares na sala. Mais daquele maldito fluido começou a escorrer por suas pernas,

saturando o tecido de suas roupas, sinalizando que uma Ômega rara havia aparecido

do nada e que ela estava transmitindo um ciclo de cio.

Haveria um tumulto, um banho de sangue enquanto eles a atacassem...

provavelmente montando-a ali mesmo naquele chão de mármore sujo.

Outra onda de cólica e ela se dobrou, suas pupilas devorando lentamente as íris

verdes até que restasse apenas o preto com um anel de esmeralda. Um rugido veio de

trás, mãos apertadas agarrando seu braço. Ela gritou e o frenesi começou.

Os alfas eram dominantes; eles tinham uma necessidade animal de acasalar um

Ômega no cio. Autocontrole; eles possuíam isso também... mas não os monstros que

estavam naquela sala. Não o tipo de homem que se sentia atraído pela causa de

Shepherd. Não era o que os homens de Thólos haviam se tornado desde que aquele

bastardo caiu sobre eles. Ela seria estuprada até a morte, já sentia alguém rasgando suas

roupas.

A resposta de seu corpo, Claire não conseguiu evitar. Os rosnados e latidos só

faziam com que ela desejasse ser montada... mas não por nada que estivesse rastejando

naquela câmara.

Ela ouviu um uivo tão ensurdecedor que a sacudiu até os ossos; e teve que cobrir os

ouvidos. Houve o som de uma luta, tiros, Claire instintivamente se encolheu.


Lutando contra sua resposta, forçando seu corpo a se endireitar para que pudesse

fazer mais do que se livrar das mãos apertadas, ela abriu os olhos, expôs as pupilas

dilatadas e se preparou para correr. Eles iriam persegui-la, ela sabia disso. Os Alfas

eram mais fortes, rápidos e, estando ela cercada, alguém a pegaria. Pelo menos ela teria

tentado.

Mas Claire não estava preparada para ver a quantidade de corpos já espalhados

pelo chão. A visão de tantos homens quebrados a fez congelar, e isso era tudo que ele

precisava. Num instante, um braço tão grosso quanto um tronco de árvore passou por

sua cintura e ela foi levada, pendurada e dobrada, pelo ritmo arrogante de um homem

que reivindicava... o vencedor da batalha. A sala ainda ecoava com rosnados e gritos,

mas mais ainda, com os gemidos de dor dos poucos no chão que tiveram a sorte de

estar vivos.

Botas de combate e armaduras familiares, todas parecendo ter sido remendadas

com restos, envolviam coxas grossas. Era ele, Shepherd. Elogiando Nona pelo lenço

horrível e fedorento que preparou, Claire lutou contra si mesma – lutou contra seu

instinto de cheirá-lo – e fez o seu melhor para repetir o mantra que a ajudou a superar

esse pesadelo antes. Apenas instintos.

Ela tinha que falar com ele, tinha que lutar contra seus impulsos mais básicos.

Você acha que ele vai lutar contra os impulsos dele?


O pensamento a fez ceder, uma ação que ele sem dúvida tomou como submissão e

não como contrapartida, desespero. Claire perdeu a noção da distância ou direção que

ele a havia levado; só notei a penumbra e a estranha sensação de estar no subsolo.

Repetidamente ela preparou mentalmente o que deveria ser dito, prometendo a si

mesma que o diria. Mesmo que ele estivesse no cio, ela diria isso.

Mesmo que ele a matasse, ela diria o que precisava.

Uma porta foi fechada com dobradiças grossas de metal, fechada do jeito que ela

imaginava que seriam as portas dos submarinos do velho mundo sobre os quais ela

havia lido nos livros, e eles entraram em uma sala.

Cada inspiração, mesmo através do silenciador fedorento, estava saturada nele –

com o almíscar inebriante do Alfa principal. Pressionando a mão na boca e no nariz, ela

sentiu seu corpo se contorcer contra sua vontade e se concentrou novamente nas

pequenas respirações superficiais de controle.

Abaixada ao chão, seu corpo convulsionou em outra cãibra, provocando o gemido

de dor da fêmea. Ela queria — não, precisava — pressionar as mãos entre as pernas. Mas

o cheiro de carne podre revirava seu estômago, tanto quanto o cheiro delicioso da toca

do Alfa a enlouquecia.

Com palavras turvas de desejo, frases interrompidas por pequenos grunhidos, ela

lutou contra o desejo irresistível de abrir as pernas e se esforçar. — Estamos morrendo


de fome. Os Ômegas precisam de comida. Fui enviada para pedir que você arranje um

lugar seguro onde possamos obter nossa porção antes que todos morramos.

Ela o observou trancar a porta com uma vara tão grossa que fazia seu tornozelo

parecer pequeno, prendendo-a, encurralando a Ômega para o acasalamento. Sem saber

se Shepherd tinha ouvido, ela usou os pés para se afastar do macho até que suas costas

bateram na parede e tentou novamente. — Comida... não podemos sair... caçados,

forçados. Eles estão nos matando. — Suas pupilas dilatadas olharam para o homem

intimidador e imploraram para que ele entendesse. — Você é o Alfa em Thólos, você

detém o controle... não temos mais ninguém para perguntar.

— Então você tolamente entrou em uma sala cheia de machos selvagens para pedir

comida? — Ele estava zombando dela, seus olhos maldosos enquanto sorria.

O horror do dia, a frustração sexual de seu cio, fez Claire levantar a cabeça

agressivamente e olhar nos olhos dele. — Se não conseguirmos comida, estarei morta de

qualquer maneira.

Vendo a careta feminina através de outra onda de cólicas, Shepherd rosnou, uma

reação instintiva a uma Ômega reprodutora. O barulho disparou bem entre suas pernas,

cheio da promessa de tudo que ela precisava. Seu segundo ruído, mais alto, resmungou

dentro dela, e uma onda de calor e lubrificação encharcou o chão abaixo de seu sexo

inchado, saturando o ar para seduzi-la.

Ela não aguentou. — Por favor, não faça esse barulho.


— Você está lutando contra o seu ciclo. — Ele grunhiu baixo e abrasivo, começando

a andar, observando-a o tempo todo.

Balançando a cabeça para frente e para trás, Claire começou a murmurar: — Eu vivi

uma vida de celibato.

Celibato? Isso era inédito... uma história de boatos. Ômegas não conseguiam lutar

contra o desejo de acasalar. Era por isso que os Alfas lutaram e forçavam um vínculo de

casal para mantê-los para si. O cheiro por si só deixava qualquer Alfa na rotina.

Ele rosnou novamente e os músculos de seu sexo se apertaram com tanta força que

ela gemeu e se enrolou no chão.

Já era difícil o suficiente passar pelo cio trancada em um quarto sozinha até o ciclo

quebrar, mas o maldito barulho e o cheiro que invadiam a viscosidade podre de suas

roupas estavam quebrando suas entranhas.

A forma degradante como ele falou a fez abrir os olhos para ver a fera parada, sua

enorme ereção aparente apesar das camadas de roupa. — Quanto tempo normalmente

dura o seu cio, Ômega?

Tremendo, de repente amando o som daquele som lírico, ela cerrou os punhos ao

lado do corpo em vez de acenar para que ele se aproximasse. — Quatro dias, às vezes

uma semana.

— E você passou por todos eles em reclusão, em vez de se submeter a um Alfa para

quebrá-los?
— Sim.

Ele a estava deixando irritada, furiosa até, com suas perguntas estúpidas. Cada

parte dela gritava que ele deveria acariciá-la e aliviar a necessidade. Que esse era o

trabalho dele! Com a mão ainda pressionada sobre o nariz e a boca, sua explicação

abafada e quebrada veio como um discurso confuso e raivoso, Claire sibilando: — Eu

escolho.

Ele apenas riu; um som cruel e grosseiro.

Os Ômegas tornaram-se excepcionalmente raros desde as pragas e as seguintes

Guerras da Reforma, um século antes. Isso os tornou uma mercadoria valiosa que os

Alfas no poder tomaram como se lhes fosse devido. E em uma cidade repleta de Alfas

agressivos como Thólos, ela ficou presa em uma vida de simulação de existência como

Beta apenas para viver sem ser molestada; gastou uma pequena fortuna em supressores

de calor e trancou-se com os outros poucos celibatários que conhecia quando chegava o

cio. Escondidos à vista de todos antes que o exército de Shepherd surgisse de

Undercroft e o governo fosse massacrado; seus cadáveres deixados pendurados na

Cidadela como troféus.

Claire foi forçada a se esconder no dia seguinte, quando a agitação inspirou os

escalões mais baixos da população a lutar pelo domínio. Onde antes havia ordem, de

repente tudo que Thólos conhecia era anarquia. Aqueles homens horríveis
simplesmente pegavam qualquer Ômega que encontravam; matavam companheiros e

filhos para manter as mulheres – para procriá-las ou treparem até morrerem.

— Qual o seu nome?

Ela abriu os olhos, exultante por ele estar ouvindo. — Claire.

— Quantos de vocês estão aí, pequenina?

Tentando focar em um ponto na parede em vez do grande macho e onde seu lindo

pau ingurgitado desafiava o zíper de suas calças, ela virou a cabeça para onde seu corpo

ansiava por se aninhar, olhando com fome para a coleção de cobertores coloridos e

travesseiros – uma cama onde tudo deve estar saturado com seu perfume.

Um grunhido prolongado avisou: — Você está perdendo seu foco impressionante,

pequenina. Quantos?

Sua voz falhou. — Menos de cem... Perdemos mais a cada dia.

— Você não comeu. Você está com fome. — Não foi uma pergunta, mas foi dita

com uma vibração tão baixa que sua fome por ela era aparente.

— Sim. — Foi quase um gemido. Ela estava muito perto de implorar, e não seria

por comida.

O prolongado rosnado de resposta da fera obrigou um jato de líquido escorregadio

a molhá-la tanto que ela ficou sentada em uma poça escorregadia. Dobrando-se,

frustrada e necessitada, ela soluçou: — Por favor, não faça esse barulho. — e

imediatamente o rosnado mudou de tom. Shepherd começou a ronronar para ela.


Havia algo tão infinitamente reconfortante naquele estrondo baixo que ela suspirou

audivelmente e não se assustou com sua abordagem lenta e comedida. Ela o observou

com muita atenção, suas pupilas enormes e dilatadas eram a marca de que Claire estava

muito perto de cair completamente no cio.

Mesmo quando Shepherd se agachou, ele se elevou sobre ela, todo musculoso e

suor almiscarado. Ela tentou dizer as palavras “Apenas instintos...” mas as confundiu

tanto que seu significado se perdeu.

Começando com o lenço, ele desenrolou os itens que contaminavam seus lindos

feromônios, ronronando e acariciando cada vez que ela choramingava ou se mexia

nervosamente. Quando ele a puxou para frente para tirar a capa fedorenta, os olhos

dela chegaram ao nível de sua ereção confinada. O nariz descoberto de Claire farejou

automaticamente o lugar onde suas calças estavam salientes. Naquele momento, tudo o

que ela queria, tudo o que ela sempre quis, era ser fodida, amarrada e criada por aquele

macho.

Apenas instintos...

Shepherd pressionou o rosto no pescoço dela e respirou fundo, gemendo quando

seu pênis saltou e começou a vazar mais para agradá-la. Ele havia caído na rotina, não

havia como mudar esse fato, e com isso veio uma poderosa necessidade de ver a fêmea

cheia de semente; para acalmar o que a estava levando a esfregar a mão com tanto

frenesi.
As palavras quase se perderam em sua respiração: — Você precisa me trancar em

um quarto por alguns dias...

Um sorriso feroz se espalhou. — Você está trancada em um quarto, pequena, com o

Alfa que matou dez homens e dois de seus Seguidores juramentados para trazê-la aqui.

— Ele acariciou seus cabelos, acariciando-a porque algo dentro de si lhe dizia que suas

mãos poderiam acalmá-la. — É tarde demais agora. Seu celibato desafiador acabou. Ou

você se submete voluntariamente a mim, onde vou esmagá-la através do seu calor, ou

você pode deixar de fora aquela porta onde meus homens irão, sem dúvida, montá-la

nos corredores assim que sentirem o seu cheiro.

Uma batida veio. Shepherd levantou-se diante dela, olhando para baixo com uma

exigência aberta de que ela se submetesse e obedecesse. Com o domínio estabelecido,

ele foi até a porta e puxou a fechadura. Claire viu o mesmo soldado, o Beta menor com

olhos azuis muito vibrantes, e o encontrou farejando o ar em sua direção, ficando

abertamente excitado com a mistura inebriante de feromônios que sua mancha e suor

estavam bombeando no ar.

Shepherd estava certo. Ele a tirou do que teria sido um estupro em massa,

salvando-a de danos e provavelmente da morte. Ele ouviu, embora não tivesse

respondido, e os homens já estavam salivando no corredor. A compreensão da situação

passou abertamente por seu rosto. Claire assentiu, o cio turvando seu julgamento.
Algo foi murmurado entre os homens, terminando em — ...apenas Betas em

guarda.

Uma bandeja foi entregue com comida, outra braçada cheia de roupas de cama e

travesseiros, e ela empalideceu. Eles já sabiam que Shepherd a aceitaria e se prepararam

adequadamente. A pequena conversa não teve outro propósito senão fazê-la pensar que

tinha escolha. Ele viu a expressão dela e o estrondo de seu ronronar retornou.

Ela tinha que comer... ele tinha que alimentá-la antes de começar. A bandeja foi

colocada no chão onde ela se agachou, a ordem dele alta o suficiente para desviar a

atenção de onde as calças dele estavam salientes. — Coma.

Enquanto ela beliscava a comida invisível, ele começou a se despir. Toda a

armadura, cada camada inferior, foi cuidadosamente removida e organizada, o homem

não tendo vergonha do estado de seu corpo marcado por Da'rin ou do pênis saliente

orgulhosamente exibido. Mas mais do que o visual, foi o cheiro – o cheiro de um Alfa

no cio, excitado e inchado por ela – que fez a razão fugir completamente de sua mente.

Tudo zumbia naquele ronronar incessante, lembrando-a de que ele era o que seu corpo

precisava, e ela estava salivando por isso... mesmo que estivesse com medo.

Shepherd começou a andar de um lado para o outro, nu, girando os ombros

enquanto rondava, o tempo todo observando-a e farejando o ar continuamente. —

Coma mais... beba a água.


Com a voz francamente desagradável e ameaçadora, Claire sibilou como se devesse

saber que Ômegas não podiam comer durante o cio: — Eu não quero comida!

Não, ela queria o que deveria acontecer. Ele deveria estar transando com ela. Por

que ele estava esperando? Ela se levantou e ele estava lá, o macho dominante rosnando

tão alto que seus olhos rolaram para trás.

Um rasgo de tecido precedeu o ar frio sobre a pele febril.

Ele estava ao seu redor, puxando coisas desnecessárias, como roupas. O cheiro

dele, o suor cru, fez sua boceta escorrer. Sugando grandes respirações ofegantes da fértil

Ômega, Shepherd procurou acariciar a carne descoberta, um pouco surpreso por todos

os pelos de seu corpo terem sido removidos permanentemente - reconhecendo a

precaução que a Ômega havia tomado para ajudar a mascarar seu cheiro.

Ela estava tão longe, sua pequena língua já lambendo a pele dele, completamente

excitada com o sabor e o cheiro, que quando o dedo dele deslizou gotas de seu pré-

sêmen vazando para correr sobre seus lábios, ela gemeu alto e chupou profundamente

em sua boca.

Claire era muito pequena comparada ao seu peso, fácil de mover para onde ele

quisesse. Suas costas bateram na cama, Shepherd parado entre suas pernas esguias e

abertas, olhando para baixo com olhos arregalados e famintos para o rio escorregadio

que saía. Pequenos lábios rosados estavam abertos, a glande inchada de seu pênis

alinhada onde ela parecia pequena demais para aceitar um órgão tão grande. Com uma
mão no peito, acariciando a coisa retorcida, Shepherd avançou, rompendo seu útero

escorregadio, e estremeceu todo o corpo ao som de seu grito desesperado.

A mulher não mentiu... ela era tão apertada que fez seu pênis pulsar mais fluido

para ajudá-la. Ele só chegou na metade do caminho antes que ela começasse a

choramingar e se contorcer. Os Alfas eram grandes e Shepherd era enorme, sua

circunferência muito grande, e havia um tanto de espaço dentro de seu corpo.

— Abra para mim, pequenina. — Shepherd rosnou, usando os polegares para

esticar ainda mais os lábios inferiores, empurrando para frente, ganhando força,

centímetro por centímetro, enquanto a fêmea observava um pênis tão grosso quanto seu

antebraço desaparecer lentamente entre suas pernas.

Quando o impulso em expansão chegou ao fundo, quando toda a sua tensão

envolveu aquele comprimento duro... foi a felicidade absoluta. Ela precisava disso,

estava gemendo e arqueando, apertando seu sexo contra o osso púbico dele. Era divino;

a vibração de seus ronronados, o cheiro. Quando ele começou a sair, ela mostrou os

dentes e rosnou para um homem muitas vezes maior que ela. Shepherd pareceu

divertido, e então estalou os quadris, enterrando aquele pau enorme até o punho,

sabendo que ela gritaria.

Claire aprendeu rapidamente que ele gostava de seus pequenos acessos de raiva,

mas foi Shepherd quem dominou a conversa. Ele afundou com o vigor que ela

precisava, forte e rápido, aumentando aquela pulsação furiosa em seu núcleo. Quando
ela começou a rolar os quadris, olhos fechados e perdida na necessidade insaciável de

acasalar, ele a pegou pela nuca e latiu para ela abrir, para olhar para o macho transando

com ela, para reconhecer sua destreza.

Essas palavras duramente rosnadas a levaram ao limite. A realização perfeita

explodiu. Claire sentiu cada músculo de sua boceta ganhar vida, viu seus olhos

crescerem ferozes, sentiu seu nó se expandir enquanto ele se agarrava, enganchando-se

atrás de seu osso pélvico, prendendo-os tão profundamente quanto podia. Empurrando

sob a intensidade do orgasmo, ela sentiu o primeiro jorro quente de sêmen, ouviu-o

rugir como uma fera enquanto ela gritava. Shepherd gozou novamente, mais daquele

fluido copioso, a necessidade de seu corpo finalmente foi atendida, e com sua terceira

onda de líquido, ela desmaiou.

Não deve ter demorado muito para que ela acordasse, pois o nó dele ainda unia

seus corpos. Mas ele os havia mudado. Ele estava deitado abaixo do seu, o corpo dela

esparramado em cima, a orelha de Claire em seu coração. A serenidade do

acasalamento estava desaparecendo e o impulso de foder estava de volta. O desejo, a

única coisa que a definia naquele momento, cresceu além dela quando sua língua se

lançou para lamber o sal de suor do peito dele, para atrair o homem tatuado a começar

de novo.

No instante em que o nó começou a diminuir, ela registrou a perda do precioso

fluido, sentiu a semente dele vazando e choramingou. Como se conhecesse seus


pensamentos, Shepherd arrastou os dedos no pequeno rio e levou sua ejaculação à boca

de Claire. Só o cheiro a deixava louca, o sabor mil vezes mais.

— Eles teriam quebrado uma Ômega tão pequena. — Shepherd observou,

fascinado, enquanto ela chupava avidamente seus dedos, explicando baixinho como se

estivesse educando uma mulher que deveria saber melhor: — Não demonstrei

moderação diante de um cheiro tão avassalador.

Ela não queria que ele falasse; ela queria que ele transasse com ela novamente. Uma

mão grande chegou ao seu cabelo, esfregando o couro cabeludo da fêmea, acalmando-a

com carinhos e ronronados enquanto o nó diminuía lentamente para que ele pudesse

empurrar contra seus quadris agitados.

O segundo acasalamento foi muito menos frenético, muito mais gratificante, e

quando ele a preencheu novamente, Claire começou a perder a vantagem que a tornava

tão feroz. Foram suas mãos, talvez, levantando-a e abaixando-a no ritmo que fez sua

boceta cantar, ou o olhar em seus olhos, o prazer lascivo descarado.

Então era assim que era acasalar um Alpha.

Ele parecia conhecer seus pensamentos, e pelas rugas no canto dos olhos de

Shepherd, ela percebeu que ele estava se divertindo. Ele segurou seu rosto, terno e

gentil, e ela não se sentiu dominada ou forçada... Claire se sentiu erroneamente segura

no delírio.
Só um dia depois, quando ele a tomou por trás, no auge do cio, com todo o peso

nas costas, é que ela sentiu problemas. A euforia não havia desaparecido, o fervor lento

e crescente de seu calor nem estava perto de quebrar... mas ele rugiu, começou a apertar

e machucar; para contê-la. Lutando contra o domínio, contorcendo-se, Claire tinha um

medo preocupante de que o tirano pudesse mordê-la tão selvagemente que deixaria

cicatrizes - que ele pretendia deixar marcas de reivindicação.

Pior de tudo, instintivamente, ela queria que ele fizesse isso. Sua mente em cio

queria se unir ao monstro que destruiu Thólos e tornou sua vida um inferno,

simplesmente porque era ele quem estava transando com ela.

— E você vai! — Ele rosnou em seu ouvido.

Ela disse que não, ofegante ao som de sua pele batendo contra os montes carnudos

de sua bunda. Dentes afiados surgiram em seu ombro, o nó de Shepherd crescendo até

que o Alfa não conseguiu mais empurrar e ela não conseguiu se esquivar. Ela gritou de

dor e prazer, soluçando quando os dentes dele rasgaram sua pele, Shepherd rosnando

longo e baixo com a carne dela rasgada por sua mordida.

Ela chegou ao clímax com a reivindicação, apertando ritmicamente, extraindo os

jatos de fluido de seu pau enquanto ele cantava para ela e lambia o sangue.

Claire chorou enquanto ele ronronava e acariciava, chorava pelo vago

reconhecimento da total perda de controle que ela tão cuidadosamente cultivou em sua

vida. Quando dez minutos depois o corpo dela enviou sinais de que era hora de
Shepherd transar com ela novamente, ele puxou-a para baixo dele e foi gentil;

acariciando a mulher que roubou, embora as lágrimas dela caíssem durante todo o

acoplamento.

Quando tudo acabou, quando ele provocou outra explosão que afugentou o

impulso da loucura química, uma calma tomou conta de ambos. Claire dormiu

brevemente contra um homem que ela não conhecia, pressionando-se o mais perto que

podia, no exato lugar que o bruto esperava que ela descansasse.

-*-*-*-*-*-*-*-

No final, foram necessários três dias para quebrar o calor da faminta Ômega. Ela

estava dormindo, aninhada profundamente nos cobertores cobertos com seu sêmen e

em êxtase. Brincando com uma mecha de seu cabelo preto fuliginoso, Shepherd refletiu

sobre o que fazer com o que agora era sua posse, impressionado que a pequena fêmea

fosse corajosa o suficiente para se vestir com roupas de cadáveres e desfilar em um

bando de Alfas apenas para falar com ele. Ela teria morrido se ele não tivesse

encontrado seu cheiro pelo qual valesse a pena matar.

Claire também estaria dolorida agora que o estro1 havia terminado e sua mente não

estava nublada com o desejo insaciável de acasalar. Ele estava certo de que ela também

11 Cio.
ficaria ressentida com a ligação que ele forçou. Mas esse era o destino das Ômegas, o

caminho da natureza. Ele a queria, ele a tomou. Fim da história.

Olhos prateados percorreram o corpo ágil da dançarina que ela possuía, o Alfa

rosnando com o fato óbvio de que sua Ômega estava subnutrida. Isso o estava deixando

com tal humor que, quando alguém bateu na porta, ele cobiçosamente agarrou o que

era seu e rugiu.

A comoção – sendo empurrada contra uma montanha de calor – acordou Claire, e

ela sibilou de desconforto. Tudo parecia pegajoso, um homem arranhando hematomas

que não apreciava a atenção. As palavras que ele cuspiu estavam em outro idioma –

línguas perdidas da periferia, ela presumiu. Lembrando-se de quem ele era e do que

havia feito com ela, Claire se afastou do peito de Shepherd, apenas para sentir os braços

dele ficarem impossivelmente constritivos. A conversa entre o Seguidor do outro lado

da porta e seu captor se prolongou, Shepherd apertando cada vez mais cada vez que ela

se contorcia.

Quando acabou, Shepherd balançou o crânio em sua direção, latindo: — Você

precisa dormir mais. — Não foi uma sugestão e ela podia sentir claramente que ele

estava incomodada.

— As Ômegas. — Essa foi a razão pela qual ela veio até ele... para que ele não a

amarrasse por três dias inteiros.


Olhos mercuriais diminuíram entre as pálpebras estreitadas. Shepherd cheirou-a

uma vez e depois rosnou: — Sua suposição de que seria plausível ter uma distribuição

privada de provisões é falha. Isso apenas chamaria a atenção para o seu grupo. Todas as

Ômegas serão entregues aos meus cuidados e segregados da população no Undercroft.

Se alguém entrar no cio, um Alfa será escolhido entre meus Seguidores. A maioria será

unida no próximo cio.

— O que? Não! — A voz de Claire era puro horror. — Não é isso que queremos.

Elas precisam de comida, não de serem transformados em escravas.

— Isso é o melhor. Vocês são Ômegas, frágeis, e não cabe a você decidir essas

coisas.

Tudo no homem tornou-se subitamente repulsivo. Claire o queria longe dela e

tentou fugir. — Eu não vou te dizer onde elas estão.

Enquanto ele sorria, uma cicatriz em seus lábios tornava a expressão sinistra. —

Então elas morrerão de fome e serão abatidas uma a uma. A decisão é sua, pequena. Se

me forem entregues, estarão protegidas.

— De quem? Os mesmos homens que estupram e dão nós em meninas que ainda

não atingiram a maturidade são os mesmos de quem você se cerca?

Shepherd estava acariciando-a, tocando seu cabelo como se ela não estivesse

chateada, como se não o detestasse naquele momento, e isso a estava irritando. Quando

ela tentou afastar a mão dele, ele rosnou e prendeu-a debaixo dele. Seus dentes foram
para a curva do seu pescoço e ele cheirou, rosnando com a doçura enquanto usava a

coxa para separar as pernas dela.

Claire sentiu seu pênis pulsando contra sua barriga e ficou assustada. Não havia

estro, nem mancha abundante, e ela estava dolorida. Shepherd não se importou. Ele a

lembrou de quem era dominante em um golpe forte, tomando sua Ômega sem ronronar

ou carícias; dando nós sem o clímax para impulsionar sua semente. Quando os jatos

poderosos banharam seu útero, não houve paz, apenas frustração e lágrimas.

Quando ele pareceu ter recuperado o fôlego, a pressão indesejável de sua boca

chegou ao ouvido dela. — Você vai dormir mais.

Seus dedos voltaram a brincar com o cabelo dela enquanto Claire chorava até a

exaustão, abraçada por um homem que fazia jus à sua reputação de monstro.
Capítulo 2

Estava escuro na próxima vez que ela acordou. Embora Shepherd não estivesse

fisicamente lá, ele ainda cantarolava dentro dela. O novo vínculo ficou preso como um

fio gorduroso em sua caixa torácica, cavando-se continuamente. Claire só tinha ouvido

descrições do vínculo do casal e lido sobre isso nos Arquivos. Cada Ômega

experimentou a ligação de maneira diferente. Alguns compararam-no a uma fonte; uma

oferta interminável de água fria — outras, para um ferimento de faca que rasgava e

torcia suas entranhas. O dela parecia um verme, contorcendo-se e aprofundando-se;

uma subjugação e uma coleira. Ela já odiava. Era indesejável, invasivo e algo que não

podia ignorar.

Naquele momento, cantarolava como um som fino e desafinado. Como uma nota

ruim num violino.

Tateando pelas paredes em busca de um interruptor, Claire tropeçou em móveis

desconhecidos e praguejou. A sensação da porta do banheiro surgiu sob seus dedos. Ela

entrou e acendeu a luz.

Seu reflexo olhou para ela.


Nua e tão coberta pelo sêmen de Shepherd que estava grudado em seu cabelo, ela

parecia abalada. No estado nebuloso e feliz de seu frenesi, ele a alimentou com isso,

esfregou em sua pele, saturou-a por dentro e por fora com aquele líquido viscoso. Se ele

não tivesse passado tanto tempo passando os dedos pelos cabelos dela, ela tinha certeza

de que estaria uma bagunça.

Enojada, Claire se aproximou da estranha no espelho. Desde que viu seu corpo

refletido pela última vez, há meses, percebeu que ficou muito magra. Suas costelas se

projetavam, os ossos dos quadris também. Estava esquelética. Mas não foi a magreza

que lhe chamou a atenção; era a marca de mordida inflamada em seu ombro, as crostas

vermelhas e inchadas latejando.

Shepherd a havia mordido tão profundamente que ela carregaria a cicatriz de sua

reivindicação para sempre.

Passando um dedo sobre as duas feridas crescentes, Claire sentiu vergonha de sua

ignorância. Ela não entendia completamente como o vínculo foi formado; uma vida

inteira escondendo sua natureza tornou perigoso fazer muitas perguntas. Tudo o que

ela sabia era que isso envolvia a marcação e o início do ato por um Alfa.

Talvez fossem apenas instintos.

Apenas instintos...

Um desespero crescente cresceu em sua barriga, agravado pela corda ainda

vibrante que seu corpo tentava rejeitar. Claire respirou fundo e examinou o resto do
banheiro simples. Ou o homem era meticulosamente organizado ou tinha um

subordinado para fazer a limpeza para ele. A pia estava branca e brilhante, o espelho

polido, sem nem uma partícula de pasta de dente.

Abrindo o armário de remédios, foi quase bizarro encontrar coisas comuns, como

escova de dente e enxaguante bucal. Talvez fossem as marcas de Da'rin, o fato de ele ter

vivido tempo suficiente em Undercroft para acumular tantas. Ela foi ensinada que eles

eram todos selvagens sujos, menos que humanos.

Oscilando entre usar a escova de dente dele para tirar a sensação de confusão da

boca e enojada porque era a escova de dente dele, ela finalmente pegou a maldita coisa.

Poucos minutos depois, sua boca não tinha mais gosto de... coisas nas quais ela não

queria pensar. Colocando-a na prateleira na posição exata em que a encontrou, Claire

virou-se para o chuveiro e ligou-o.

Pisando sob um spray escaldante, ela provocou a queimadura, querendo que tudo

de Shepherd fosse tirado dela. Olhos fechados, cabelos sob o riacho, deixou a água

escorrer como lava sobre seu corpo. As feridas em seu ombro começaram a escorrer, as

crostas amolecendo com a umidade.

Havia apenas uma barra básica de sabão.

Cada centímetro possível foi esfregado até que sua pele ficou em carne viva, cada

vestígio daquele homem e seu cheiro foram eliminados. Ela ensaboou o cabelo,

sonhando com os dias em que teve acesso a coisas tão simples como xampu. Quando
terminou, ela saiu do vapor, olhando para a toalha do homem, e optou por não usar

nada dele que pudesse reaplicar o cheiro dele em seu corpo.

Com a pele arrepiada por causa do frio, ela secou ao ar, torceu o cabelo sobre a pia,

tentando o seu melhor para pentear a bagunça preta com os dedos. Paranoica com a

punição, ela apagou todos os vestígios de seu tempo naquela sala, deixando-o o mais

próximo possível de como ela o encontrou.

Com a luz do banheiro entrando na cela da toca de Shepherd, Claire encontrou um

abajur e o acendeu. No cio, sua mente não se concentrara em coisas insignificantes como

posição de móveis e decoração; tudo o que ela viu foi onde queria fazer o ninho e o

macho esperando para montá-la.

Depois de todos os anos de reclusão cuidadosa, todos os ciclos de cio torturados

passados trancada para evitar tal coisa, parecia que havia perdido uma parte de si

mesma sabendo que tinha sido acasalada... e não por um Alfa que ela escolheu.

Agora, ela era de alguma forma menos; falha.

Aquele pequeno cordão zumbido em seu peito pulsava como se sugerisse que ela

era mais... que havia mais agora. Sussurrava que Shepherd só tinha feito o que deveria

ser feito.

A vibração atormentadora a deixou com raiva. Desesperada, ela procurou qualquer

alívio potencial. O vínculo do casal ainda era novo, era frágil. Talvez ela pudesse

quebrá-lo?
Quantas vezes todos as outras Ômegas fortemente ligados desejaram a mesma

coisa?

Era quase ridículo o quão rápido o pequeno cordão em seu peito zumbia, tentando-

a a aceitar sua posição, a se submeter a um Alfa tão forte.

A sensação a fez querer vomitar.

Era perturbador; a mudança em Shepherd, do início coercitivo para o autoritário

inquestionável, assustou-a. Ele forçou um vínculo de casal, fez uma escolha que

impactaria o resto da vida dela. Alfas e Ômegas só se uniam uma vez, exceto em casos

extremos quando os companheiros morriam. Foram Betas que viviam sem o vínculo.

Eram Betas que Claire sempre invejara. Não tinham estro e ainda podiam ter filhos.

Betas podiam escolher. Eles acasalavam à vontade, alguns até com o mesmo parceiro

para o resto da vida, e não por algum artifício da natureza que forçasse um

acasalamento permanente. Para tornar a dor ainda maior, ao contrário das Ômegas, as

fêmeas Beta eram tratadas com o mesmo respeito que os machos Beta.

Os betas também ficavam em segundo lugar na hierarquia das três dinâmicas

humanas; tinham liberdade para fazer o que quisessem com suas vidas. As Ômegas, tão

raras e altamente desejadas, foram relegadas ao prestígio de animais de estimação

valiosos – um símbolo de status a ser reivindicado por Alfas poderosos. Eram menores,

não menos inteligentes, mas à medida que o seu número diminuía, era uma minoria

fácil para o resto das colônias forçar algum ideal arcaico. Os Alfas governavam os
últimos bastiões da civilização, eram supremos em cada Bio-Dome, em cada quadrante

regulamentado, em cada negócio poderoso, e havia muito mais deles do que Ômegas.

Olhando para o quarto escuro, ignorando o ninho que ela construiu entre as

sessões de ser fodida, Claire se perguntou sobre o homem. Espartano não era

exatamente a palavra certa para o que ela viu... talvez prático fosse melhor. Existia

apenas o básico: uma cama, uma escrivaninha, uma mesinha e alguns outros móveis

úteis; todos incompatíveis, nenhum escolhido por outra coisa senão praticidade.

Depois havia a estante de livros.

Pisando descalça no chão de concreto, ela olhou os títulos, vários dos quais

estavam em idiomas diferentes, e achou sua coleção de literatura... surpreendente. Eram

livros de um intelectual, muitos claramente lidos mais de uma vez. Ela reconheceu

vários dos autores, Nietzsche e Maquiavel, para citar alguns, apenas porque os livros

escritos por esses homens haviam sido banidos dos Arquivos. A penalidade por possuir

tais publicações era tão severa que, mesmo sabendo que seu governo havia caído, Claire

ficou nervosa em tocá-las.

Então, novamente, quem além de Shepherd iria puni-la agora?

Com os membros trêmulos devido ao impacto causado em seu corpo durante o

estro, Claire estendeu a mão e passou o dedo sobre as capas. Estava frio naquele espaço

subterrâneo e sem janelas – um lembrete de que ele a arrastou para o Subterrâneo. Ela
abandonou sua exploração e procurou suas roupas... apenas para descobrir que até o

último pedaço desfiado havia desaparecido.

Ela preferiria enfrentar a ira de Shepherd por usar suas roupas sem permissão do

que esperar nua como uma odalisca. Vasculhando a modesta cômoda do quarto, Claire

encontrou um suéter que passaria por um vestido em seu corpo muito menor. Puxando

a coisa cinza pela cabeça, ficou aliviada ao encontrá-la limpa, a roupa contendo apenas

um leve traço do cheiro dele.

Com o estômago roncando, ela começou a andar de um lado para o outro, seus

olhos inadvertidamente indo para a parte da sala saturada pelo cheiro seco de suas

emissões combinadas de estro: seu ninho. Claire os havia construído antes em reclusão

– era uma parte obsessiva do ciclo de calor, tudo organizado exatamente assim.

Cobertores, travesseiros, todos formando o formato que mais combinava com a Ômega;

isso fazia com que as mulheres, ou na extraordinária exceção de que o Ômega fosse

homem, se sentissem seguras. A ideia dos ninhos sempre a fascinou, a forma como

sabia exatamente onde cada peça deveria caber, o conforto que sentia ao deitar-se no

produto acabado; mesmo que aqueles que ela criou em reclusão nunca tivessem sido

usados para acasalar.

Betas não se aninhavam. E os Alfas básicos, ou pelo menos foi o que ela ouviu,

montariam em qualquer Ômega sem permitir o ninho, em um frenesi para começar a

semeadura. Os Alfas adequados entendiam a necessidade. Shepherd a deixou construí-


lo, forneceu cobertores e materiais extras além das coisas habituais que já estavam em

sua cama. Ele até tentou ajudar, agachado nu ao lado dela, puxando tecidos e afofando

travesseiros para entregar a ela. Quando ele ficou muito envolvido, ela rosnou e afastou

suas mãos. O ninho era o seu trabalho; ele era um Alfa, seu único trabalho era transar

com ela.

Seu primeiro ninho acasalado deveria ser algo além de especial, uma lembrança

querida, e não algo que fizesse seus olhos se encherem cada vez que tolamente olhasse

em sua direção.

Não havia nada de especial no arranjo pegajoso e com crosta fluida em que ela

acordou.

Franzindo a testa, Claire desviou o olhar antes de gritar. A porta estava em seu

campo de visão, um bloqueio de metal entre ela e o ar que não cheirava a sexo.

Andando novamente, tentou acalmar a onda de horror em seu estômago. A falta de

janelas, o fato de não saber se era dia ou noite, a sensação de estar presa no subsolo,

causava uma coceira desconfortável sob sua pele. Ela nem sabia onde estava em relação

ao Domo.

Quanto mais caminhava pela sala, mais ela queria sair dela.

Ela correu até a porta e experimentou a maçaneta, sabendo que estaria trancada,

mas precisando sentir o metal imóvel com os próprios dedos. O grito que ela deu foi

inevitável; um gemido triste de alguém que esperava; alguém à beira do pânico. Ela era
prisioneira de um homem que não conhecia; faminta, assustada e sofrendo com um fio

indesejável que não parava de existir, por mais que ela quisesse que isso desaparecesse.

No momento em que seu captor voltou, Claire estava estendida no chão, olhando

para o teto com olhos vidrados.

— Você está angustiada. — Shepherd grunhiu, farejando o ar. — É porque você

está com fome?

Piscando para o teto, imaginando se ele poderia sentir exatamente o que ela estava

pensando naquele momento, Claire olhou através de suas pernas enormes para a porta

que agora estava destrancada, e imaginou que poderia fugir. Essa liberdade era dela.

— Entendo. — Ele rosnou, os olhos estreitados em fendas.

Quando o ar deixou seus pulmões, ela admitiu: — Estou com muita fome.

Agachando-se sobre ela, ele descobriu que seus olhos verdes haviam mudado sob

sua carranca. — Você acordou mais cedo do que eu esperava.

Havia um milhão de coisas que ela queria gritar. Em vez disso, tudo o que fez foi

dar um suspiro desamparado. — Não sei que horas são.

— É meio-dia. A comida chegará em breve.

— Grande. — A atenção de Claire voltou para o teto de cimento.

O homem chegou ao ponto de passar os dedos pelos lábios dela. — Você tem

algum desejo de acasalar?


— Eu não. — Ela respondeu rapidamente, ainda assustada pela última e dolorosa

cópula. Tudo o que Claire pôde fazer foi lutar contra a vontade de fugir, certa de que

isso só o motivaria a persegui-la e fazer isso de novo.

Pequenas rugas se formaram no canto dos olhos de Shepherd, o bastardo era

presunçoso. O mais suave dos ronronados começou e, em resposta, sua carranca

diminuiu um pouco. A reação inconsciente a irritou, ainda mais quando a mão dele se

enterrou em seu cabelo, puxando suavemente as raízes, e seus olhos se fecharam

mecanicamente com a onda de contentamento que vinha com cada pequeno puxão.

Quando uma batida forte veio à porta, ela era uma poça no chão.

Shepherd chamou o familiar Beta para entrar, continuando a acariciar sua fêmea

enquanto seu Seguidor preparava uma bandeja. Claire se perguntou se ele fez isso

apenas para convencer outro homem próximo, para ser possessivo, ou simplesmente

porque parecia apaziguá-la. Provavelmente todos os três.

Eles estavam sozinhos novamente. O gigante deu-lhe uma cutucada para abrir os

olhos, inclinando a cabeça em direção à mesa. — Coma.

Ele insistiu em ajudá-la a ficar de pé, fazendo-a tocá-lo mais do que queria.

Olhando para a bandeja com um cheiro delicioso, Claire descobriu que só havia comida

para ela. Durante toda a refeição, ele a observou como se observa uma presa, notando

as minúcias de seus movimentos. Ela não gostava de feijão verde enlatado, mas comia o
que lhe davam. Cantarolou ao sentir o gosto do presunto. O copo de leite fez seus lábios

se curvarem um pouco.

Havia um comprimido ao lado da bandeja, algo que ela tinha visto e depois

esquecido — muito envolvida em uma refeição realmente quente. Os dedos grandes de

Shepherd apertaram-no e estenderam-no para ela pegar.

— O que é isso? — Claire perguntou, cobrindo a boca enquanto falava.

— Você está deficiente em muitos nutrientes devido à fome e ao estro recente.

Não fazia sentido discutir. Quer fosse uma vitamina ou um veneno, se ele quisesse

que ela tomasse, seria algo simples para ele forçar.

Enquanto ela engolia o comprimido, Shepherd perguntou: — Os comprimidos

azuis que encontrei no bolso do seu casaco. Você sabe o que eram?

O desgosto estava claro em sua expressão. — Eles deveriam ser supressores de

calor - me custaram comida para uma semana. Eu os tomei por dias antes de vir para a

Cidadela para implorar por sua ajuda. Claramente, eles não funcionaram, e você não

ajudou também. Então... pelo que eu vejo, eles eram uma piada de mau gosto.

Alcançando a sua mão livre, Shepherd passou a grande pata em volta do pulso

dela. Tudo o que ele precisava fazer era apertar e seus ossos seriam esmagados e

quebrados. Ela interpretou isso como um aviso sutil para tomar cuidado com a língua.
Passando o polegar sobre o pulso dela, ele explicou: — Mandei um laboratório

analisar suas pílulas. Elas eram exatamente o oposto, pequena - projetadas para

estimular seu ciclo de cio.

Oposto? Drogas para fertilidade... Outras garotas escondidas tomavam essas

pílulas. Dezenas de Ômegas poderiam ter entrado no cio inesperadamente, expostas,

assim como ela. Esse era exatamente o ponto que ele estava tentando enfatizar.

Com a cabeça apoiada na mão, ela o ouviu delinear precisamente o que já estava

pensando. — Alguém inteligente está usando suas necessidades para caçar as Ômegas,

sabendo que as mulheres que tomam essas pílulas anteciparão sua eficácia e entrarão no

cio ao ar livre. E como você, elas serão assediadas, caçadas ou capturadas.

— Isso é bárbaro. Vocês, homens, são tão malvados...

Shepherd sabia que ela estava se referindo a um coletivo generalizado de homens,

não a ele especificamente, e não permitiu que mais do que uma pitada de raiva

transparecesse em sua voz. — Onde você as conseguiu?

Depois de respirar fundo, ela admitiu: — Dos mesmos homens que vendem drogas

nas calçadas; qualquer um tem acesso. Aproximei-me como uma Beta, coberta pelo

cheiro de outro.

— O cheiro de outro?

— Aqueles que são fortes o suficiente para sair do nosso esconderijo roubam as

roupas dos mortos que apodrecem nas ruas. Usamos o cheiro deles para esconder o
nosso, como você deve ter notado quando cheguei até você. Precisamos de comida.

Fazemos o que é preciso para sobreviver.

— Por que foi escolhida uma fêmea jovem para se aproximar da Cidadela e não

alguém mais velho, com menos chances de entrar no cio ou chamar a atenção? —

Shepherd exigiu.

— Eu me ofereci.

— Por que?

— Sou mais saudável do que a maioria, vivi durante anos me fazendo passar por

Beta e sou confiável para pensar objetivamente pelo coletivo, já que não tenho

companheiro nem filhos.

— Você tem um companheiro. — Ele a lembrou, liberando seu pulso para escovar a

marca de mordida que havia deixado em seu ombro. — Eu reivindiquei você. Você

pertence a mim agora.

Seu estômago embrulhou e ela mordeu o lábio. Olhando para seus firmes olhos

prateados, ela sussurrou: — Você poderia mudar de ideia.

Por uma fração de segundo, Shepherd pareceu um pouco desapontado; um

instante depois, ele ficou cruelmente determinado. — Não sou um homem impulsivo.

Tomei uma decisão. O que foi feito está feito. Eu reivindiquei você. Você é minha agora.

Isso é tudo.
— Mas você nem me conhece. — Claire tentou explicar, percebendo que o homem

não poderia se importar menos com algo tão inconsequente como a personalidade de

uma mulher que seria compelida pelo vínculo a ser sua companheira. Seus desejos não

importavam mais.

Num ronronar baixo e sedutor, ele explicou: — É incrível as coisas que você

aprende sobre a mulher se contorcendo em seu pau durante três dias.

Corando até as raízes, Claire escondeu o rosto na mão.

Shepherd colocou um dedo sob seu queixo e levantou sua expressão corada para

examiná-la. Traçando o rosa em suas bochechas, ele disse: — Por exemplo, você era

pura... não se desperdiçou com o primeiro Alfa que atravessou você em um cio. Você

também tem uma vontade muito forte de ser membro de um coletivo submisso.

— Não é submissão se você for forçado!

A maneira como ele falou, as palavras baixas e ásperas, trouxeram de volta todo o

seu medo. — Se você tivesse se comportado, eu não teria te punido.

— Eu não queria que você me tocasse...

Com os olhos ainda perigosamente estreitados, Shepherd inclinou-se sobre a mesa

até ficarem nariz com nariz. — Eu tocarei em você quando eu quiser, da maneira que eu

quiser.

Todo o estresse acumulado, o horror, a raiva, apenas a fizeram explodir. — Eu não

quero ser amarrada a um bruto, ser apalpada e estuprada por um estranho -


especialmente um homem que quer que eu venda minha espécie como escrava sexual!

— Claire mal podia acreditar que ela havia gritado seus sentimentos, e

instantaneamente colocou a mão sobre a boca, olhando para o homem fervilhante com

olhos assustados.

Não havia dúvida do que viria a seguir. Shepherd levantou-se e puxou-a de seu

assento, retornando ao ninho que haviam criado em seu cio. Ele arrancou a camisa

roubada da cabeça dela e já começou a tirar a roupa.

Era injusto o quão facilmente ele poderia subjugá-la. Claire estava pressionada nua

contra o tecido frio e pegajoso, tremendo, mas orgulhosa demais para pedir desculpas

ou implorar. Teria sido inútil de qualquer maneira. O peso nu de Shepherd caiu sobre

ela, a mão segurando um seio inchado, beliscando seu mamilo até que ela se

contorcesse.

Shepherd rosnou, sua voz monstruosa: — Estuprada? Você gritou e implorou,

pequena. Você arranhou e rosnou se eu não te fodesse quando você queria ser montada.

Você esqueceu? Devo lembrá-la?

Sua mão mergulhou entre as pernas trêmulas e suas coxas grossas abertas. Ela

estava seca como um deserto até que ele pressionou o peito contra o dela, colocou os

lábios cheios de cicatrizes em sua orelha e soltou o lento rosnado animal que a fez

jorrar. Suas dobras ficaram lisas, seu corpo respondendo instintivamente ao chamado

de seu Alfa. Ele puxou e provocou seus lábios, espalhando sua secreção, circulando o nó
de nervos no ápice de seu sexo enquanto a Ômega se contorcia inutilmente em uma

tentativa de fugir. Ela se contorcia cada vez que ele beliscava seu pequeno botão, tão

frustrada e indignada que quando seu pênis estava preso dentro dela, ela gritou. O grito

dela foi muito mais do que raiva agravada; estava positivamente pingando com a fome

indesejada que os rosnados e os toques de seu Alfa emparelhado forçaram nela.

Segurando as mãos presas pela cabeça, Shepherd começou a bombear os quadris,

seus olhos prateados fixos nos dela. Ele fez aquele grunhido novamente, sentiu os sucos

dela ao redor de seu pênis e sorriu. Cada estocada preenchia aquele torno escorregadio,

esticando e fazendo o fio zumbir com uma sensação de conclusão. Quando era demais,

quando Claire não conseguia conter as ondas de êxtase compelido, ela gritava seu ódio,

amaldiçoando-o até as profundezas do inferno, entre suspiros de prazer e longos

gemidos. Shepherd apenas riu e fodeu-a com mais força, movimentando seus quadris

do jeito que aprendeu que seu pequena Ômega gostava mais.

Com um gemido desenfreado, ela gozou, ainda gritando obscenidades, cheia de

êxtase forçado até que apenas o nome dele estava em seus lábios.

— Shepherd...

O nó cresceu, seu pênis foi forçado tão fundo quanto podia no instante em que seus

músculos começaram a apertar ritmicamente para extrair sua semente. Observando-o

grunhir como uma fera, Claire sentiu as grossas cordas de creme, perdida no êxtase de

sua boceta gananciosa ordenhando seu pênis até que ela estivesse acumulando a coisa.
Enquanto o nó persistia, Shepherd olhou para os olhos verdes desorientados e

perguntou asperamente: — O nome de quem você chamou quando gozou?

Claire mal conseguia respirar, estava à beira de um clímax poderoso que a abalou

até os ossos. Ela sussurrou, tentando não chorar: — Seu.

— Porque eu sou seu Alfa. — Foi quase um rugido. — Você quer ser fodida por

mim! Você entende?

Balançando a cabeça, o lábio inferior tremendo, Claire falou a verdade. — Eu não

entendo.

Não se incomodando com o desafio, Shepherd disse friamente: — Então permita-

me mostrar-lhe novamente.

Uma vez que o nó diminuiu, ele a tomou suavemente, persuadindo e acariciando,

com estocadas lentas e calculadas. Ele tocou seu corpo como um violino, extraiu todos

os sons possíveis que uma mulher satisfeita poderia fazer, deu-lhe o tipo de orgasmo

que cresce lentamente e queima por muito tempo, observando-a como um gato observa

um buraco de rato.

Isso continuou por horas, enquanto ele despojava todas as suas convicções

mesquinhas até que ela estava exausta demais para revidar, até que as mãos dela

começaram a alcançá-lo em um torpor induzido pelo sexo, para acariciar suas costas e

traçar as linhas de suas tatuagens horríveis. Quando seu ponto de vista foi
completamente explicado, Shepherd a segurou contra ele e ronronou, acariciando-a,

recompensando a rebelde Ômega por se ajoelhar.


Capítulo 3

Shepherd poderia chamar isso do que quisesse – impulso animal, compulsão

biológica, necessidade de vínculo – para Claire, ainda era estupro. Ela se odiava toda

vez que ele a forçava a murmurar suavemente seu nome no escuro, ou estendia a mão

para acariciar a protuberância de seu músculo.

Era a mesma coisa todos os dias. Ele estava quase constantemente enterrado dentro

de seu ventre. Ele a levava quando ela acordava, depois que ela comia, de maneira

brusca, se ela parecesse irritada. E ele sempre fazia com que ela chegasse ao clímax...

simplesmente para provar que conseguia. Isso a deixava desossada e complacente,

desligando a mente que gritava para ela se lembrar de si mesma.

E o maldito ronronar; Shepherd exercia-o habilmente quando ela andava frustrada

ou agitada.

O tempo tornou-se irrelevante. Claire nem tinha certeza de quanto tempo estava no

subsolo, se fazia dias ou semanas. Sempre que queria saber a hora, precisava perguntar,

e isso acabou ficando confuso. A noite era dia, o dia era noite – tudo mudou.

Até mesmo a chegada das refeições não seguia um padrão definido, embora ela

nunca sentisse fome por muito tempo. Shepherd a alimentava tanto, na verdade, que
parecia um sacrilégio quando ela nem sempre conseguia esvaziar o prato. O homem a

estava engordando.

Coisas aleatórias chegavam à sala para seu uso: produtos para o cabelo, uma

escova, algum tipo de roupa – todos vestidos usados apenas pelas mulheres da elite

alojadas nos níveis quentes mais próximos do topo da Cúpula – mas nada de sapatos ou

roupas íntimas. Quando Shepherd saía, ela dormia; quase no instante em que ela

acordava, ele voltava. Era estranho, como se ele soubesse, como se ele sentisse os ciclos

dela do seu lado da linha. E sempre, antes que as palavras fossem ditas, ele tirava a

roupa, ia até a cama e deitava-se com ela.

Claire não sabia nada sobre o homem, mas memorizou cada centímetro de seu

corpo, a colocação aleatória de cicatrizes, a suavidade de sua pele. E ela sabia qual era o

sabor de cada centímetro dele. Nenhuma atenção foi por afeição – era apenas parte do

feitiço que ele construiria. Embora sua língua pudesse lamber sua carne, Claire nunca

retribuiu nenhum beijo que ele tentou pressionar contra sua boca.

Isso era algo que ele não podia aceitar e não podia forçar.

Suas expressões eram outro estudo; Shepherd transmitindo muito com seus olhos

de aço. Claire estava aprendendo a ler seu humor através de suas mudanças sutis.

Quando ele chegava irritado, com os olhos brilhando e as narinas dilatadas por causa

de algo que ela não tinha conhecimento, ele quase sempre a montava por trás — forte e

rápido — rugindo quando gozava. Quando ele parecia sua versão suave, eram toques
lentos enquanto observava o rosto dela. O que ela via então; o cálculo, a intensa

concentração — isso a assustava ainda mais. Ele a estava dissecando pedaço por

pedaço. Um pouco de pressão aqui, um pequeno puxão ali... e puf, chega de Claire.

Seus horários eram marcadamente diferentes. Eles nunca compartilhavam

refeições; na verdade, ela nunca o viu comer. A única coisa que ele parecia interessado

em compartilhar com ela era o seu ritual de banho; lavá-la era um ato que Shepherd

gostava e com o qual tomava muito cuidado. Uma vez que ela estivesse limpa, ele

entraria no cio imediatamente. Às vezes contra a parede no chuveiro, como se não

pudesse esperar mais um segundo para colocar seu cheiro de volta em sua Ômega.

Parecia que o vocabulário dela havia sido reduzido a apenas suspiros suaves ou

gritos de — Shepherd...— Foi isso que ele persuadiu. — Shepherd...— Outra parte dela

morreu... — Shepherd...

Deitada em cima dele, sem saber a hora ou o dia da semana, Claire sentiu a âncora

do nó preso dentro dela e de repente começou a chorar como se seu coração estivesse

partido.

Com a mão acariciando os cabelos dela, ele cantarolou, meio adormecido: — Por

que você está chorando, pequena?

Ela estava chorando porque ele a estava matando.

Ele a silenciou e enxugou as lágrimas que continuavam a cair. — O que agradaria

você?
— Eu quero ir lá fora. — Ela soluçou contra o peito dele, tão cansada daquelas

quatro paredes de concreto. — Eu preciso ver o céu.

Não houve resposta por um momento, apenas o som de sua respiração. —Depois

que você estiver mais acomodada em sua nova vida, isso poderá ser permitido de vez

em quando, mas apenas sob escolta e somente se você tiver uma barriga cheia de minha

semente para cheirá-lo.

Então seria esperado que ela acasalasse com ele apenas para sair da sala. A

exploração não foi perdida. Suas lágrimas secaram e seu habitual desânimo distraído

fez a pequena corda desafinar. — Eu não fiz nada de errado e você me prendeu em uma

prisão.

Shepherd sentiu o ressentimento dela através da corda fina, traçou a linha de sua

espinha enquanto considerava sua opinião sobre a prisão e como ela estava longe da

verdade real. Sua pequena Ômega deveria estar grata; a vida poderia ser muito pior

para ela. — Não é seguro para você fora deste quarto.

Meio consciente do que ela estava dizendo, Claire ficou sem vida e murmurou: —

Thólos não é seguro porque você fez isso dessa maneira.

Olhos prateados focaram nos fios de cabelo escuro que corriam por seus dedos. —

Isso é verdade.

Com a bochecha pressionada contra o coração dele, ela disse: — Você é louco.

Ela sentiu uma risada estrondosa e simplesmente o ignorou.


Shepherd deu uma palmada em seu traseiro. — Você não conversa assim há algum

tempo.

O nó estava lentamente começando a se soltar, sua semente se espalhando

enquanto a barreira recuava. Sentindo a quantidade gratuita de fluido escorrendo de

seu ventre, ela tamborilou os dedos no peito largo dele. — Se eu começar a falar, você

me joga na cama. Qual é o sentido?

— Eu só te acalmo quando você está preocupada.

— Como eu disse... loucura.

— Resistir é inútil. — O macho grunhiu, acariciando suas costas para ficar quieta

quando ela parecia ansiosa para se afastar.

Resignada, Claire parou e foi recompensada com um ronronar, certa de que o

homem estava tentando treiná-la como um cachorro.

— Você descobrirá, com o tempo, que o arranjo crescerá naturalmente em você,

pequena. — Shepherd falou como se soubesse, como se fosse absoluto. — Exercite a

paciência.

Desafiadora, ela rosnou contra seu peito nu: — Meu nome é Claire.

Ele bateu em seu traseiro com força suficiente para arder.

Sua cabeça voou para cima, olhos verdes brilhando. Ele riu, o som masculino e

musical, e completamente entretido. Ela odiou isso.

— Não me bata como uma criança!


Com olhos prateados brincalhões, ele refutou: — Se você agir como tal, responderei

de acordo.

— Meu nome é Claire. Claire O'Donnell. E antes de você desencadear o inferno em

Thólos, eu era um artista. Eu tinha uma vida e amigos... minha própria casa... coisas que

você deve imaginar que uma Ômega trabalhou muito para conseguir em um mundo

onde somos valorizadas por nossos companheiros, mas somos as mais baixas na

hierarquia. Você tirou tudo isso, despojou cada uma de nós do que éramos, tornou as

massas tão selvagens que eu tive que me esconder. Você pode me prender, mas sempre

serei Claire.

Aparentemente despreocupado com seu discurso retórico, Shepherd segurou a

curva de seu quadril: — Que tipo de arte?

Carrancuda, ela respondeu sem rodeios: — Ilustrações para livros infantis.

— Dado o seu celibato anterior, parece um pouco irônico, não acha, senhorita

O'Donnell?

— Por que? Porque eu não procriei com o primeiro Alfa que me cheirou? Eu queria

encontrar um bom companheiro e os homens que conheci tendem a ser... — Os olhos

dela seguraram os dele enquanto ela falava sobre seus sentimentos. — muito terríveis.

A expressão de Shepherd não era ameaçadora; seus olhos prateados permaneceram

lânguidos, mas em um grunhido ele explicou asperamente: — Você escolheu entrar na


Cidadela. Você se expôs a um grande risco. Você deveria saber que nunca teria

permissão para retornar uma vez que eu soubesse o que você era.

— Eu esperava que um homem conhecido como O Shepherd tivesse honra. — Claire

admitiu a contragosto.

Com voz quase preguiçosa, Shepherd respondeu: — E eu fiz a coisa honrosa, não

foi? Lutei contra uma multidão e salvei você de um estupro violento. Dei-lhe uma

escolha. Você me escolheu e eu reivindiquei você. Desde então, você tem sido protegida

e cuidada enquanto outros sofrem sob o Domo.

— Uma escolha? — Ela praticamente engasgou com a palavra. — Você se uniu a

mim sem sequer me cortejar primeiro! Não houve escolha.

— Você deseja que eu corteje você? — Ele parecia intrigado.

O bruto não entendia nada, ignorando completamente sua acusação. Rangendo os

dentes em frustração, Claire enterrou a cabeça contra o peito dele e tentou fingir que

Shepherd não estava lá, que seu pênis não estava ficando flácido dentro dela, e que o

maldito zumbido não estava em seu peito.

-*-*-*-*-*-*-*

Já se passaram três dias, pelo menos, ela pensou que eram três dias, quando Claire

acordou e encontrou um grande bloco de desenho, dois pincéis e um conjunto de


aquarelas descansando inocentemente na mesa de cabeceira. As coisas novas eram

como um ímã; ela rolou para fora da cama e os pegou com avidez. O vestido de ontem

foi puxado sobre sua cabeça e em poucos minutos ela estava de barriga para baixo, as

pernas balançando atrás dela, as tintas misturadas e o início de uma vista ganhando

vida no papel.

Ela passou horas retratando suas flores favoritas, as papoulas vermelhas que

floresciam nos Jardins da Galeria, banhando-as de sol sob um céu azul sem cúpulas.

— Seu talento é maior do que eu imaginava.

Quase pulando de susto, Claire olhou por cima do ombro, pressionou a mão no

coração e gritou: — Há quanto tempo você está aí?

— Tempo suficiente. — Respondeu Shepherd, já agachado ao lado dela.

Nervosa, ela pegou suas tintas e pincéis antes que o gigante pisasse neles ou ficasse

irritado e os levasse embora. Tudo foi limpo na pia do banheiro. Quando ela terminou,

Shepherd sentou-se na cama, os cotovelos apoiados nos joelhos, a obra de arte secando

encostada na parede ao lado da mesa de cabeceira.

— Que horas são? — Claire perguntou, fechando a porta do banheiro atrás dela.

Ele estava curvado, olhando para a pintura, com uma expressão estranha nos olhos.

— O sol está nascendo.


Aproximando-se da tela, ela estendeu a mão para centralizar seu trabalho. Quando

olhou para o gigante em repouso, ela descobriu que seus olhos tinham um traço de

diversão, como se ele achasse seu comportamento cativante.

Claire deu um passo para trás.

— Você ia sorrir. — Ele grunhiu, como se esperasse que ela o fizesse sob comando.

Olhos verdes, quase do mesmo tom dos caules das papoulas, voltaram-se para a

pintura. Ela sabia que não fazia diferença se ela sorrisse ou não. — Se eu sorrisse agora,

não seria sincero.

— Você não gostou dos seus presentes?

Com as mãos cerradas na saia, ela assentiu. — Eu gosto das tintas; você sabe disso.

Levantando-se, Shepherd foi em direção à sua mesa. — Pinte outro.

Claire não pintaria, esse clima havia passado.

Sentado como um gigante enorme à pequena escrivaninha, Shepherd acessou sua

tela COM e a ignorou. Claire começou seu ritmo ritual, um animal enjaulado sem

espaço para correr. Olhando para trás de sua odiada cabeça, ela suspeitou que sua

desatenção fosse algum ardil. Que a qualquer momento ele se viraria e puxaria o pau

para fora.

Mas a exclusão continuou – como se ele estivesse tentando derrubá-la, confundi-

la... fazendo isso sutilmente até que ela simplesmente cedesse.


Respirando irregularmente, os punhos cerrados nos cabelos, puxando mechas

pretas, ela repetia repetidamente dentro de seu crânio. — Eu sou Claire.

— Venha aqui. — A ordem foi emitida em voz moderada, Shepherd nem sequer

virou a cabeça na direção dela.

A última vez que ela ignorou uma convocação, ele a fodeu três vezes seguidas,

enquanto ela implorava para que ele parasse, deixando-a exausta e satisfeita até que não

pudesse fazer nada além de ficar parada e olhar para a parede. Movendo-se para ficar

ao lado dele, com o cabelo desgrenhado, Claire fez o que lhe foi dito.

Uma grande mão envolveu todo o seu quadril, puxando-a alguns centímetros para

mais perto antes que a montanha virasse. — Sua preocupação está deixando você

chateada.

Por que ela estava sendo repreendida por ter sentimentos? Humanos normais que

não eram assassinos psicopatas tinham sentimentos. E pessoas normais não se saíam

bem durante semanas a fio no mesmo quarto, tendo apenas um monstro como

companhia!

Trabalhando com o enorme polegar na cavidade abaixo do osso do quadril,

Shepherd percebeu sua expressão perturbada. — Cante algo para mim.

— Uhhh... — O quê? Cantar? Claire não queria acasalar, e esse seria o resultado

provável se ela recusasse. Carrancuda, ela esfregou os lábios e tentou desacelerar seus
pensamentos por tempo suficiente para pensar em uma música. Nada veio à mente. —

Que tipo de música?

— Algo calmante.

Ele estava tentando fazê-la se acalmar. Bem, ele poderia ir se foder. Depois de um

ou dois minutos de deliberação, com a mesma pressão constante do polegar movendo-

se contra sua pele, Claire escolheu uma balada bem conhecida, mais antiga que a época

das cúpulas. Era sentimental e retratava o romance sob uma luz totalmente falsa, mas

ela sempre gostou.

Embora agora ela soubesse melhor. Não existia amor verdadeiro - disso Claire

tinha certeza - apenas doutrinação, produtos químicos e bastardos que mantinham você

trancada em quartos.

Quando ela se aproximou do fim, sua voz ficou desolada. A meditação foi

substituída pelo desespero. Nunca haveria um herói. O crescente cordão do vínculo

deixou claro que ela só teria o grande Alfa sentado diante dela; um homem cujo rosto

ela odiava de todo o coração.

— Ajoelhe-se.

A pressão da mão de Shepherd sugeriu gentilmente que ela seguisse a ordem

sozinha, ou ele a pressionaria. Degradada, ela caiu de joelhos e olhou dentro de seus

olhos prateados, seu lábio inferior tremendo, certa de que ele a puniria por ter

pensamentos tão sombrios.


Quando tudo o que ele fez foi pegar a cabeça dela e colocá-la no colo, ela respirou

aliviada. Ele a acariciou enquanto trabalhava, Claire chorando silenciosamente no

tecido em sua coxa, confusamente confortada enquanto ele brincava com o cabelo dela.

Houve uma batida na porta. Surpresa, ela se moveu para se levantar. Com a mão

em sua nuca, Shepherd a manteve como estava, latindo para que entrassem. Ela deveria

saber... era tudo apenas um show para quando seu Seguidor viesse.

Até aquele momento, ninguém havia estado ali, ninguém tinha visto o que ela

havia se tornado. Espiando por apenas um segundo, ela viu o mesmo Beta do primeiro

dia. Os homens falavam numa linguagem grosseira que não significava nada para ela, o

rosto de Claire pressionado contra a coxa de Shepherd.

A reunião se estendeu até que seus joelhos começaram a doer, aquele peso

despenteando os cabelos de sua nuca nunca cedendo um centímetro. Colocando a mão

na coxa de Shepherd, ela coçou suavemente para chamar sua atenção, ciente de que se

ela se afastasse, ele retaliaria – especialmente porque outro homem estava observando.

— Shepherd. — Claire sussurrou seu nome contra sua perna, intrometendo-se na

conversa dos homens.

Tinha funcionado. A mão em seu crânio desceu e levantou seu queixo até que seus

olhos se encontraram. — Sim, pequenina?

Ele parecia clinicamente concentrado e ela não tinha certeza se interromper tinha

sido uma boa ideia. — Meus joelhos...-


Shepherd simplesmente a puxou para seu colo e começou a esfregar

distraidamente suas rótulas, continuando a conversa com seu oficial como se não fosse

nada. Com o rosto em chamas, Claire não tinha certeza do que era pior; ajoelhar-se a

seus pés como um cachorro ou ser forçada a sentar em seu colo como uma criança. Se

algum dos homens percebesse seu desconforto, o problema não seria resolvido.

A Ômega olhou para Beta, medindo sua postura rígida e rosto sério, notando como

sua atenção nunca se desviava em sua direção. Ele era muito menor que Shepherd,

pouco mais alto que ela, mas parecia ter uma qualidade firme que fazia Claire suspeitar

que ele era muito perigoso.

A reunião chegou ao fim e, por uma fração de segundo, os vibrantes olhos azuis do

homem se voltaram para ela.

Shepherd rosnou tão agressivamente que Claire pulou. O Seguidor curvou-se,

numa postura submissa, e saiu sem dizer mais nada.

Já apalpando-a, virando o rosto assustado em direção ao dele, Shepherd forçou sua

Ômega a encontrar olhos de ferro flamejantes. Ela viu uma possessão intensa, do tipo

que fazia seu estômago dar um nó. Aquelas mãos, tão grandes, começaram a esfregar,

arrumando-a exatamente como ele queria – acariciando um seio, a marca da cicatriz em

seu ombro, circulando seu pescoço.

— Por que você estava olhando para ele? — Foi falado em voz baixa, fortemente

misturado com desaprovação.


Claire respondeu, uma linha crescendo entre suas sobrancelhas. — Não vi mais

ninguém... nem sei há quanto tempo estou trancada aqui.

— Então você acha aceitável olhar abertamente para outros homens?

Sua carranca se aprofundou, sua voz confusa. — Sim...

Shepherd latiu, seus lábios cheios de cicatrizes rosnando: — Seu comportamento é

inaceitável. Eu te dei tintas; você não me agradeceu. Eu te dei conforto; você olhou para

o Beta.

Claire estalou. — Eu não quero a porra das tintas! Não quero me curvar aos seus

pés e ser segurado como um animal de estimação no seu colo. Quero ir para casa! Quero

minha vida de volta!

Zangado, ele a empurrou da coxa, deixando-a cair no chão. Apoiando-se no

quadril, ela olhou para cima, os grandes olhos arregalados em seu rosto pálido. Tudo na

corda entre eles foi fortemente sacudido... pior do que seus ossos por causa da queda. A

montanha ficou furiosa, levantando-se lentamente diante dela.

Ele parecia pronto para esmagá-la e ela fechou os olhos com força, antecipando o

golpe, acolhendo o fim de tudo. Houve silêncio, apenas o som de sua respiração difícil.

Dez segundos se passaram e nenhum movimento foi feito; e quando ela finalmente

abriu um olho, Claire descobriu que estava sozinha. Shepherd a deixou tão

silenciosamente que nem mesmo a porta rangente ousou reclamar.


Soltando uma lufada de ar, ela caiu de volta no chão, com o coração martelando.

Então ela percebeu: não houve nenhum deslize de ferrolho metálico prendendo-a.

A porta poderia estar destrancada.

Em pânico, totalmente abalada pelo olhar assassino nos olhos de seu companheiro

– não companheiro, ela lembrou a si mesma – nos olhos de Shepherd. Ela se levantou e

correu para a saída. Puxando a alavanca, ela girou misericordiosamente e um corredor

vazio apareceu bem diante dela.

Esquerda ou direita? Ela não sabia o caminho, mas sentiu claramente o cheiro de

Shepherd em uma direção e disparou como um coelho assustado pelo caminho oposto.

Antes da queda da cidade, ela corria frequentemente pelos muitos parques de Thólos;

não apenas para se exercitar, mas para garantir que ela seria mais rápida do que

qualquer um que tentasse pegá-la. As semanas de prisão pouco afetaram sua

velocidade. Ela ignorou o doloroso baque de seus pés descalços no chão. Lágrimas

escorriam por seu rosto, sua respiração era irregular enquanto ela tentava manter as

inspirações no ritmo constante de um corredor. Torcendo e girando, ela seguiu o som

da água. Encontrou uma escada e subiu os degraus, alheia ao som das vozes dos

homens gritando, alheia ao grupo de Seguidores que a seguiam. Ela abriu uma

escotilha, com os olhos cegos pelo primeiro vislumbre da luz solar intensa em semanas,

e saiu da escuridão.
Ela disparou por uma passagem aleatória, entrando e saindo de becos, subindo até

terraços mais altos, seu corpo fumegando no clima gelado da região inferior. Ela chegou

a uma encruzilhada, vomitou e cuspiu bile no chão. Diante dela havia uma ponte

quebrada entre dois quadrantes, uma lacuna enorme e impossível de escalar separando-

a da fuga mais próxima. A tentação de pular e acabar com tudo era muito tentadora.

Chega de Thólos, chega de Shepherd, chega de cair em pedaços arrebatados quando ele

transava com ela, e depois se odiar.

Mas ainda havia as outras Ômegas... e ela as decepcionou. Elas precisavam saber

sobre as pequenas pílulas azuis, precisavam saber que Shepherd não as ajudaria. Foi

essa sensação de solidão que moveu seus pés novamente.

Claire correu por quilômetros, correu em um padrão maluco que não faria sentido

para ninguém que pudesse sentir seu cheiro, correu até vomitar e cair em uma pilha

contra vigas de ferro. Então ela o viu, e ele poderia ter sido a coisa mais linda que seus

olhos já haviam visto. Um Beta, um estranho, estava se abaixando para ajudá-la...

afastando seu corpo soluçante de todo o frio e dor.

Ele disse a ela que seu nome era Corday.


Capítulo 4

Claire acordou em um sofá desconhecido com sol de verdade no rosto. Com a

cabeça doendo, ela se sentou e olhou em volta. A acomodação do quarto do Beta era

pequena, esparsa como a dela, com pouco mais do que o necessário e apenas uma única

planta murcha de purificador de ar.

O próprio Corday estava na cozinha; fritar ovos por causa do cheiro.

— Você gosta de café, senhorita?

Deus, ela não tinha acesso a café há meses. Já salivando, ela assentiu, seus olhos

verdes tão arregalados que o fizeram rir. O jovem se aproximou com um sorriso torto,

entregando-lhe um prato e a bebida fumegante. — Desculpe, não tenho açúcar nem

leite.

Ela não poderia se importar menos. A caneca foi aos seus lábios, Claire bebendo

com um suspiro de satisfação. — Obrigada.

— Apenas coma. Quando terminar, pode tomar banho e - para não tornar isso

estranho - mas você pode querer colocar algumas das minhas roupas sujas para

mascarar seu cheiro.


Depois de toda a corrida, de todo o suor, ela cheirava a Ômega. Sua oferta foi

extraordinariamente gentil, presumindo que ele não a estivesse encurralando como o

último homem fez.

Lendo a expressão preocupada no rosto da mulher, Corday acrescentou: — Não

vou machucar você.

Desconfiada, ela perguntou: — Por que você está me ajudando?

— Eu sou um Executor.

Ela balançou a cabeça. — Todos os Executores estão mortos. Eu vi a transmissão do

Interdome; as imagens de segurança nos portões do Setor Judicial. O contágio de

Shepherd os matou.

Havia pouco Domo – os humanos temiam mais do que a doença que reduziu

bilhões a alguns milhões em uma geração. Isso forçou escaramuças por suprimentos. O

Contágio Vermelho destruiu a cultura global e deixou a vida segura apenas sob a gestão

cuidadosa das Cúpulas. Saber que Thólossens tinha visto seus irmãos e irmãs de armas

morrerem tossindo sangue, saber que uma pilha de cadáveres não consagrados

esperava em uma seção sob confinamento, saber que possíveis sobreviventes do Setor

Judiciário teriam sido queimados vivos assim que o procedimento de quarentena

começasse, fez com que seu sorriso desaparecesse. Corday ficou triste, seu rosto de

repente parecendo muito jovem. — Nem todos nós, senhorita. Alguns estavam em

patrulha fora do Setor Judiciário antes do bloqueio de quarentena.


Seu lábio inferior começou a tremer. — Meu nome é Claire.

— Você está bem, Claire? — Corday perguntou cuidadosamente, olhando para

uma mulher que mostrava todos os sinais reativos de abuso.

Deus, foi era bom ouvir alguém dizer o nome dela. Sussurrando, ela balançou a

cabeça: — Não estou bem.

Contornando o sofá, sentou-se tão longe da mulher abalada quanto o sofá permitia.

Com as mãos nos joelhos e os olhos castanhos suaves, ele sugeriu: — Conte-me o que

aconteceu com você.

Ela sabia que no segundo em que dissesse o nome Shepherd, Corday iria chutá-la na

rua. Ela odiava mentir, mas precisava de um banho e roupas quentes para sobreviver

nas Terras Inferiores.

Mas talvez ela não precisasse mentir. Talvez tudo o que precisasse fazer fosse

começar do início. — Os traficantes de produtos químicos estão vendendo supressores

de calor falsificados. Eles se parecem com pequenas pílulas azuis... mas não são

supressores de calor. São medicamentos para fertilidade. Eles nos fazem entrar no cio

inesperadamente, onde estamos despreparadas e expostas.

— E isso aconteceu com você? — Corday perguntou, gentilmente incentivando-a a

continuar.

Claire não disse sim ou não, ela não precisava; as enormes lágrimas escorrendo por

seu rosto foram resposta suficiente.


Percebendo que estava perto de desmoronar, Corday assentiu e prometeu: — Vou

investigar. Agora termine o seu almoço. — Seu sorriso infantil voltou e ele recuou para

voltar ao fogão, provocando: — Tive que lutar contra seis fêmeas Alfa para conseguir

aqueles ovos.

Ela forçou uma risada com a piada, o café voltando para seus lábios. Mas foi difícil

aproveitar. A paranoia inabalável de que Shepherd explodiria pela porta a qualquer

momento fez seu estômago embrulhar. Ou pior ainda, Corday poderia estar mentindo,

esperando por um Alfa para quem ele pudesse vendê-la.

Com a mente girando em círculos, ela observou o jovem. Não havia projeção de

atração; ele não estava sexualmente excitado. Ele era apenas um cara cozinhando ovos

em sua cozinha. Ele parecia genuíno e inofensivo... até cheirava bem. Mas não se podia

confiar em ninguém em Thólos, não depois de a violação ter desencadeado o caos e os

cidadãos se terem tornado como animais.

Os invasores tinham acabado de surgir do solo como formigas — vomitando de

Undercroft, de sentenças por crimes considerados indesculpáveis — tudo tão preciso

que o governo de Thólos caiu em poucas horas. Tudo fácil porque a população estava

apavorada com a transmissão que circulava no Interdome Broadcast.

Todos assistiram aos sinais acelerados do Contágio Vermelho, os sintomas daquela

grande praga conhecida até pelos mais jovens, dizimarem os próprios homens e

mulheres que juraram proteger os cidadãos de Thólos.


Shepherd ameaçou infectar todos eles caso algum resistisse.

A cidade se voltou uma contra a outra; outrora, homens e mulheres pacíficos

arrastavam qualquer pessoa que considerassem questionável para a Cidadela para

serem eliminados. E lá estava ela, forçando ovos frios garganta abaixo, com medo de

que Corday se voltasse contra ela.

Ela não se aproximou dele para devolver o prato, apenas o colocou na beirada do

balcão antes de correr em direção ao banheiro para tomar banho. Sob a água não

aquecida, Claire esfregou cada pedacinho de Shepherd de seu corpo, sabendo que

Corday havia sentido o cheiro de Alfa que ela estava saturada... mortificada, a pequena

corda em seu peito parecia vibrar como se esticada por um exigente vínculo de casal.

Ela fechou os olhos e praticamente podia ouvir Shepherd furioso, sua respiração

furiosa saindo em longos rugidos. Então algo muito mais perturbador passou por sua

pele; se ela sentia a fúria dele, ele sentia o terror abjeto dela. Por causa da ligação,

Shepherd ainda estava com ela, ali mesmo naquele momento no chuveiro, sentindo-a

através do vínculo. Hiperventilando, Claire repetiu mentalmente, apenas instintos, e

forçou os olhos abertos para provar que nada além de azulejos descoloridos a

rodeavam.

Shepherd não estava lá. Ele não estava olhando para ela, pronto para arrancar sua

garganta.
Desligando o spray, Claire se secou com uma toalha saturada com o cheiro de

outro homem – um homem que nunca tentou machucá-la... pelo menos não ainda. Da

roupa suja dele, ela tirou as peças mais pungentes, vestindo um suéter com o qual ele

devia ter se exercitado e uma calça de moletom que, conhecendo os rapazes,

provavelmente não era lavada há semanas.

Parada diante do espelho, ela encontrou estranhos olhos verdes no reflexo e

desejou entender por que o rosto que olhava para ela estava cheio de arrependimento.

Desgostosa com aquela mulher, Claire se virou e voltou para a sala. Corday ainda

estava na cozinha, comendo sua própria refeição. Ele assentiu, com a boca cheia.

— Não tenho como trocar ou reembolsar pelas roupas agora. Mas quando puder,

farei. — Sua voz não parecia nada com ela, era a voz de um estranho.

Quando Corday a viu se aproximar da porta, engoliu rapidamente e se aproximou

com cautela. — Senhora, você está em estado de choque. Não acho que seja uma boa

ideia vagar pelo Domo. O que você precisa é descansar, se orientar. Você estará segura

aqui, se precisar de um lugar para reagrupar.

Tudo o que ele dizia parecia muito sensato, até mesmo o peso da mão no ombro

dela, guiando-a de volta ao sofá. Mecanicamente, Claire deitou-se. Ele a cobriu com um

cobertor e o sono a atingiu com força, um canto de sua mente ainda maravilhado com a

sensação do sol em seu rosto.


-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Os pesadelos começaram logo na primeira noite. Claire estava correndo por Thólos,

em meio à fumaça e ao mal. Os edifícios que ela escalou eram ruínas, muitos deles em

chamas. Tudo foi dizimado, assim como as fotos das cidades da Pré-Guerra da Reforma

em visual nos Arquivos. Não importa em que direção se virasse, ela não conseguiria

escapar da multidão atrás dela. Os rostos zombeteiros de Alfas furiosos, Betas

violentos... eles queriam despedaçá-la porque tudo era culpa dela. Ela deixou o monstro

furioso; ela era a razão pela qual Thólos conheceria ainda mais sofrimento.

Mãos começaram a agarrar suas roupas, mas ela avançou, os pulmões queimando

enquanto tentava encontrar algum caminho através da fumaça. Ela pegou o caminho

errado e ficou presa no topo de um viaduto quebrado, perseguida e petrificada. Mas

então ele estava lá na escuridão, esperando por ela. Parado como uma montanha,

Shepherd estendeu a mão, chamando-a com um estalar de dedos.

Com os cães atrás e o diabo diante dela, ela não sabia para onde se virar. Tudo o

que ela pôde fazer foi pular para a morte.

Claire acordou gritando.

Corday saiu correndo da cama, acendendo uma tocha para oferecer algo além da

escuridão forçada do toque de recolher de Thólos.

— Está tudo bem. Você está segura, Claire. — Sua voz saiu calmante.
Ela jogou os braços ao redor do estranho e segurou firme. — Ele vai me encontrar

aqui. — Ela sussurrou, tremendo. — Ele já está procurando.

— Ele não vai encontrar você aqui. Você entendeu? Foi apenas um sonho ruim.

Quem quer que ele fosse não pode mais forçá-la. Você é livre, você pode escolher.

Eu posso escolher?

As palavras ressoaram e ela começou a se acalmar. Inclinando-se para trás,

enxugando o ranho e as lágrimas do rosto, Claire lutou para se recompor.

Iluminado pela pequena luz, Corday perguntou: — Você gostaria que eu sentasse

com você?

Balançando a cabeça, ela respondeu com uma voz instável: — Não... me sinto

melhor agora. Obrigada.

Ela estava mentindo, é claro.

Não sendo possível mais dormir naquela noite; ela simplesmente sentou-se no sofá

e começou a olhar para as sombras. Foi só quando o sol nasceu, quando ela pôde sentir

a luz, que Claire encontrou coragem para fechar os olhos.

-*-*-*-*-*-*-
Corday deixou um bilhete na mesinha de centro avisando à garota adormecida que

ele tinha ido buscar provisões. Com tantos mortos, não demorou muito para encontrar

sapatos esquecidos para pés femininos em um armário onde os vizinhos não moravam

mais.

Nas calçadas, os Seguidores de Shepherd marchavam, hipervigilantes. Corday fez

questão de manter a cabeça baixa, para evitar todas as triagens. Várias pessoas eram

afastadas aleatoriamente. Isso não era novidade, mas naquele dia os homens de

Shepherd pareciam ter como alvo apenas as mulheres; tirando lenços, expondo os

cabelos cobertos, cheirando-os de perto. Algumas fêmeas Alfa ficaram irritadas; à

medida que continuava, até os Betas começaram a mostrar os dentes.

Mexer com as mulheres era uma maneira segura de iniciar outra rodada de

tumultos. Somente as fêmeas, especialmente os Alfas, reagiriam instintivamente. Se

seus filhos estivessem por perto, elas poderiam ser ainda mais agressivas. Depois havia

seus companheiros; Alfa ou Beta, ninguém gostava de ver sua mulher assediada.

O ar estava tenso enquanto ele passava por multidão após multidão; Corday estava

ansioso para retornar à arisca Ômega com seus suprimentos recém-coletados.

Ela estava acordada, com a cabeça voltada para a porta no instante em que ouviu a

chave dele na fechadura. Quando foi apenas o Executor oferecendo um sorriso

calmante, Claire soltou um suspiro e balançou a cabeça, como se sentisse que sua reação

tinha sido tola.


Mostrando seu prendedor gasto, Corday disse: — Encontrei alguns sapatos que

podem servir em você.

— Isso não é muito bonito. — Ela tentou brincar, mas sua voz saiu monótona, e o

que deveria ser engraçado foi enervante. Claire tentou novamente, forçando uma

inflexão e um sorriso. — Obrigada.

— É quinta-feira. A energia estará ligada nesta zona esta noite. — Ele trancou a

porta e colocou os sapatos no chão, perto da mulher. — Em vez de apenas ver a tinta

descascar, tenho uma coleção de filmes antigos. Se quiser, podemos assistir a um.

— OK.

Enquanto Claire colocava os sapatos novos sobre as meias emprestadas e

fedorentas, Corday sentou-se na extremidade do sofá, os dois como suportes de livros

incompatíveis. Ele ergueu o controle remoto. Quando a tela ganhou vida, tudo que

tocava era o Thólos Interdome Broadcast. Correspondentes desconhecidos circulavam a

cada cinco minutos, detalhando quais setores receberiam rações frescas no dia seguinte,

locais de pontos de coleta de suprimentos, rostos de criminosos procurados ...

Claire não ouviu nada, toda a sua atenção estava na data estampada no canto da

tela. — Cinco semanas...

Corday não precisava ser um gênio para entender o que a mulher murmurou.

Cinco semanas, foi o tempo que ela ficou presa.


Ela estava tentando esconder seu horror, então Corday inseriu o bastão que

continha seus preciosos filmes e escolheu algo alegre que a maioria das pessoas

reconheceria. Funcionou. Trinta minutos depois e os ombros de Claire perderam a

rigidez.

— Eu costumava assistir isso com meu pai quando era criança. — Ela ofereceu,

olhando para ele com um pequeno sorriso meio malicioso. — Ele adorava esse filme.

Corday deu-lhe um sorriso torto. — Parece que seu pai tem um gosto excelente.

— Ele tinha. — Claire concordou, seu rosto menos trágico. — Ele era um cara muito

engraçado. Muuuito Alfa, no entanto.

Ambos riram, sabendo exatamente o que isso significava. Os pais Alfa eram

fanáticos pelos filhos. Envolvido demais, se gabando constantemente... geralmente era

um pé no saco embaraçoso.

— E a sua mãe?

— Uma Ômega tensa e sem senso de humor... ela foi embora quando eu tinha doze

anos.

Isso era muito incomum; as Ômegas normalmente eram pais incrivelmente

dedicados às crianças. Além disso, o vínculo do casal a teria obrigado a retornar ao seu

Alfa. Corday queria perguntar, estava na cara dele, então Claire cuspiu – afinal, era

notícia velha. — Ela encontrou um lugar tranquilo perto dos Gallery Gardens e tomou
um frasco de comprimidos - uma overdose. Ela não suportava uma vida ligada a

alguém de quem não gostava.

— Sinto muito.

Balançando a cabeça, com o cabelo escuro balançando, Claire disse: — Não sinta.

No final, ela teve sua escolha. Eu respeito isso. — Olhando de volta para a tela, ela

perguntou: — E você? Como são seus pais?

— Ambos Betas. Papai foi enviado para Undercroft quando eu era criança. Ele, uh,

roubou coisas. Mamãe me criou. Ela morreu no dia em que Thólos foi violada.

Os olhos verdes olharam para o homem no sofá, para aquele que tinha sido gentil

com ela. As linhas entre as sobrancelhas falavam de tristeza. — Desculpe.

Parecia haver um entendimento entre eles. — Eu também.

Ambos olharam de volta para a projeção, rindo de todas as partes certas, nenhum

deles tinha cem por cento de certeza se o outro estava fingindo. Quando os créditos

rolaram, Corday preparou o jantar para eles, surpreso ao descobrir que a cozinha havia

sido limpa em sua ausência. Ele observou a nuca dela, viu-a brincar nervosamente com

o cabelo e se perguntou como diabos o mundo havia se tornado o que era.

-*-*-*-*-*-*-*-*
Se Claire sentasse no chão corretamente e inclinasse a cabeça, havia um fino pedaço

de céu que as estruturas ao redor não bloqueavam. O sol direto e delicioso aquecia sua

pele, mas havia algo vazio em tudo aquilo. Corday não lhe dissera para ir embora e ela

tinha que admitir que estava com medo até de sair de casa. Parecia tão irônico que tudo

o que ela queria era respirar ar fresco, e agora que podia... ela não conseguia. Mas ela

podia olhar pela janela, agachada para que nem uma alma, exceto os pássaros voando

acima, pudessem vê-la.

Com os olhos nas nuvens, Claire sentiu sua mente lentamente ficar quieta, suspirou

profundamente e aproveitou o estrondo quente do ruído ambiente. Demorou quase

uma hora até ela sair de seu devaneio e entrar em pânico com um som que não deveria

estar ali.

O ronronar de Shepherd estava ao seu redor.

Certa de que o gigante estava atrás dela, sua cabeça voou ao redor, seus olhos

procurando freneticamente o pequeno estúdio. Ninguém estava lá.

Mas ele estava ...

Claire sabia – logicamente – que ela estava sozinha, mas praticamente podia sentir

o cheiro dele no ar. Com o coração acelerado, ela puxou os joelhos sob o queixo e voltou

ao seu campo de visão, determinada a controlar sua mente. Quanto mais ela lutava,

mais quente ficava o verme em seu peito. Repetidamente, um puxão suave chegou ao
fio. Foi uma sensação muito estranha, como se a fera estivesse completamente calma

agora, chamando-a quase gentilmente.

Claire não confiou nisso nem por um segundo.

Shepherd era um homem agressivo; na conversa, no comportamento, na cama. Não

havia 'gentil' a menos que isso o servisse. E a gentileza que ela recebia era sempre

calculista. Ele não tinha sentimentos — ou, se tinha, estavam tão enredados na

megalomania que não contavam realmente. O que quer que ele pensasse que poderia

ganhar tentando atraí-la com algo tão esquivo como um convite suave através do

vínculo, ela não iria obedecer. Claire iria manter aquela janela e aquele pequeno pedaço

de céu, rejeitando a escuridão e o isolamento.

Algumas horas depois ela estava de volta ao sofá, lendo um livro que havia

retirado da pequena coleção de Corday. Foi a primeira vez que seus olhos encontraram

o papel em muito tempo. No subsolo, ela nunca havia tocado nos livros de Shepherd —

como se seus textos proibidos pudessem infectá-la com sua visão distorcida e maligna.

Foi bom fazer algo normal.

Ao anoitecer, Corday voltou. Eles trocaram gentilezas habituais, Claire esperando

que ele lhe mostrasse a porta. Mais uma vez, ele parecia despreocupado com o fato de

um intruso estar sentado em silêncio no único cômodo de seu apartamento. Corday

cuidou de suas próprias coisas, ela voltou ao livro e, antes que percebesse, as luzes
estavam apagadas e ela estava deitada no sofá, preparada para enfrentar uma noite

acordada na escuridão aterrorizante.

Se ela dormisse, sonhos vívidos atormentavam; a mesma cena repetidas vezes. Em

cada pesadelo, Shepherd espreitava no escuro, mãos violentas de estranhos estendendo-

se para agarrá-la e machucá-la se ela não corresse em direção a ele, se ela não subisse

mais alto na torre destruída.

O viaduto que poderia levá-la para uma zona melhor, o local para onde ela correu

– estava sempre quebrado. Não havia fuga. À sua esquerda estava seu grande pesadelo,

à sua direita, os rostos borrados daqueles que estavam ansiosos para vê-la sangrar. Ela

podia sentir isso naquela imponente ponte danificada; o ar gelado subindo das regiões

mais baixas, o suor em seu rosto por causa da corrida. Depois havia os olhos mercuriais.

Olhos firmes. Olhos determinados.

Das sombras, Shepherd estendia a mão para ela, silencioso em meio ao barulho dos

gritos coléricos, e cruzava os dedos. Para o horror de Claire, a cada noite seus pés se

aproximavam da coisa que ela mais temia.

Ela acordava suando frio, levantando-se do sofá só para ter certeza de que Corday

estava lá. Felizmente, o Beta dormia como um morto, roncando só um pouco. Era um

som que lhe trazia um grande conforto. Sussurrando para não acordá-lo, ela falou

sozinha, explicando que seu medo não era real. Os sonhos nada mais eram do que a

influência do vínculo do casal.


Ela estava livre. Ela teve que escolher.

Quando a vontade de vomitar passava e o tremor febril cessava, Claire se deitava e

tentava pensar em coisas boas. Todas as noites, enquanto ela olhava para o teto de

Corday, os roncos do menino eventualmente se transformavam no som de respirações

muito mais masculinas no momento em que o sono a atingia novamente. A sensação de

uma mão quente acariciando seus cabelos para acalmá-la, seu desejo inconsciente de

ouvir apenas um momento de ronronar... Um pequeno deslize e o sonho invadiria

novamente; uma dúzia de vezes por noite, cem? Parecia um loop sem fim.

O sol nasceria e Claire também, mais cansada que no dia anterior. Corday também

percebeu isso, ela percebeu pela maneira como ele lançou olhares sutis para ela, como

ele contornava as paredes e fazia questão de não chegar muito perto. Nenhum deles

falou da degradação dela; afinal, qual era o objetivo? Foi só no quinto dia – quando

Corday lhe disse que só voltaria de manhã – que o Beta enfiou a mão no bolso e tirou

uma pílula branca e circular.

— Isso vai te ajudar a dormir, se você quiser.

Com um sorriso conciliador, deixou-o sobre o balcão e desejou-lhe um bom dia.

Claire não tocou mas ficou hipnotizada demais pelo produto farmacêutico redondo e

pela quantidade de problemas que eles representaram em sua vida. A tentação de jogá-

lo na pia era tão forte quanto a tentação de engoli-lo imediatamente.


O dia todo aquela pequena pílula ficou olhando para ela. Com os dedos curvados

na borda do balcão, Claire se agachou para ficar no nível dos olhos da pequena tentação

branca. E se ela pegasse e o sono viesse? E se o sonho surgisse com ele e ela não

conseguisse acordar para evitar dar os passos finais em direção a um homem que o

vínculo manipulador estava transformando em um salvador? E se ela tomasse um

frasco inteiro de comprimidos?

No final, quando escureceu, ela não tomou a pequena pílula branca; escondeu em

vez disso. Deitada na escuridão, enterrada sob montes de cobertores, Claire fechou os

olhos e o mesmo filme passou repetidamente em sua mente. Olhos prateados, mão

estendida, vilões e fumaça... só que naquela noite, cada vez que ela acordava, não havia

nenhuma âncora de ronco no canto do quarto para ela acompanhar os batimentos

cardíacos. Encolhida e delirante por dias sem descanso, ela sentia que estava

enlouquecendo, ouvindo coisas, confusa. À medida que as horas passavam, Claire

percebeu com uma apreensão assustadora que era a respiração rouca de Shepherd que

ela imaginava no canto, e não os roncos do Beta; A mão de Shepherd, ela quase

acreditou, estava acariciando seu cabelo.

Ela sentiu em seus ossos que se pudesse ouvir apenas alguns momentos daquele

ronronar, o sono tranquilo finalmente chegaria.


Capítulo 5

— Os marcadores genéticos de Shepherd não correspondem a nenhum prisioneiro

registrado. Estou lhe dizendo. — A brigadeiro Dane foi inflexível. — Ele não foi

encarcerado em Undercroft.

Corday ouvira mil explicações; nenhuma delas era possível. Fora do Domo,

espalhavam-se cem quilômetros de tundra congelada em todas as direções, a

localização de Thólos foi escolhida especificamente para que qualquer viajante doente

em potencial nunca pudesse sobreviver à aproximação. Tudo lá dentro era

autossustentável e apenas duas vezes em sua vida os ônibus espaciais tiveram

permissão para pousar. Todos a bordo eram mulheres, cidadãos de outras biosferas

convidados para Thólos Dome para manter o patrimônio genético atualizado.

Aqueles que vinham nunca partiam, assim como aqueles que partiram para

cumprir o mesmo dever em solo estrangeiro nunca retornavam.

As varreduras para todos os recém-chegados foram vigorosas; não havia como

qualquer forma de vida inesperada passar pelos portões. Mesmo assim, a última troca

ocorreu há quase uma década.

Expressando sua opinião aos poucos Executores retardatários reunidos em segredo,

Corday discordou. — O homem está coberto com as marcas de Da'rin. Ele foi marcado
pelas gangues de Undercroft e trabalhou lá por tempo suficiente para organizar os

párias em um exército, para ter construído vários túneis que passaram despercebidos

por toda Thólos.

A brigadeiro Dane não era exatamente fã do Recruta Corday; sua paciência com o

jovem era escassa. — Então explique por que ele não existe nos registros.

A corrupção era uma doença que nem mesmo a Cúpula conseguia filtrar. Com o

queixo rígido, Corday disse: — Porque alguém o jogou lá embaixo, sem registro.

— Se fosse esse o caso, outros saberiam. Você não pode simplesmente marchar por

aqueles túneis arrastando um homem atrás de você; apenas os protocolos de segurança

teriam sido registrados. Se uma alma tivesse desaparecido, as pessoas teriam notado. O

que você sugere exigiria uma conspiração de proporções épicas.

Havia um homem na sala que tinha o poder e a autorização para saber. Vários

olhares se voltaram para o senador Kantor, todos exigindo que ele confirmasse que tal

atrocidade não era possível.

O velho levantou a mão para silenciar argumentos mesquinhos. — Eu gostaria de

dizer que não é possível, mas não posso. Assim como não deveria ter sido possível que

aqueles presos em Undercroft emergissem, que nosso governo caísse ou que nosso povo

enlouquecesse. ... Há muito sobre a insurgência que não sabemos. Neste ponto, a

identidade do líder fanático dos Seguidores é menos importante do que descobrir onde

ele armazenou o contágio.


Falando porque nada fazia sentido, Corday suspirou. — As informações da

brigadeiro Dane explicariam o ataque de Shepherd ao Senado e por que ele pendurou

os cadáveres na Cidadela. Pode ser um ato de vingança.

A brigadeiro Dane estreitou os olhos. — Ou apenas o ato de um psicopata...

Vinte e sete corpos em vários estágios de decomposição poluíram o ar filtrado com

mau cheiro. Homens e mulheres que serviram ao Domo, escolhidos pelo povo,

balançaram nas correntes ascendentes.

Depois havia o único nome que ninguém ousava mencionar; pois mesmo depois de

todos aqueles meses ainda havia uma total falta de informação sobre o desaparecimento

do primeiro-ministro Callas – o chefe não eleito do governo de Thólos. Tudo o que se

sabia era que o setor do primeiro-ministro tinha sido bloqueado nos primeiros

momentos da violação, uma barricada de aço separando a sua residência do resto da

Cúpula. Os Seguidores do Shepherd ignoraram-no, os cidadãos já não mantinham

vigília ali implorando por santuário, era apenas mais um portão fechado com só os

deuses sabiam o que havia do outro lado.

A brigadeiro Dane tinha mais a dizer, a mulher olhando para o último subordinado

que ela esperava realmente apoiaria sua teoria – para Corday, sua expressão

desconfiada. — Mas isso não explica como ele ficou armado com o Contágio Vermelho,

ou como a doença foi contrabandeada para Thólos.


Com cabelos grisalhos desgrenhados e sem o corte limpo que ostentava no cargo, o

senador Kantor balançou a cabeça. Parecia difícil para o velho falar, formular

exatamente como explicar. — Antes de as portas serem seladas, várias cepas de

Contágio Vermelho foram coletadas para estudo, e o segredo de sua manutenção só era

acessível ao mais alto nível do governo. Trinta e quatro anos atrás, houve um acidente

no laboratório que foi acusado de criar uma vacina. A cepa sofreu uma mutação

agressiva, um técnico foi infectado. Em questão de minutos, todo o laboratório foi

colocado em quarentena. — O senador Kantor parecia extremamente triste, como se

revivesse a memória de algo verdadeiramente indescritível. — Eu assisti a transmissão

de segurança. O protocolo de incineração falhou. As almas trancadas atrás dos portões,

elas sofreram... antes de morrerem.

O horror estava estampado nos rostos daqueles amontoados no escuro, o grupo

sem palavras.

Engolindo em seco, tentando entender o fato de que a mesma praga que destruiu a

humanidade havia sido conscientemente armazenada dentro do Domo, Corday

respirou: — E a cepa mutante... como saiu do laboratório? Como caiu nas mãos de

Shepherd?

Franzindo a testa, o senador Kantor respondeu: — Não sei. O laboratório está fora

da rede, selado. Nem eu sabia onde estava.


Se um dos homens mais poderosos do Senado não tivesse esse conhecimento, e

com a maioria dos seus colegas mortos ou desaparecidos, esta nova informação deixava

os maltrapilhos Executores com nada mais do que mais perguntas que não podiam ser

respondidas.

Ver tantos homens e mulheres em dificuldades consumidos por dúvidas ainda

maiores deixou o senador Kantor endireitando os ombros e assumindo o tom de um

orador. — Amigos, ainda há muito que não sabemos, e especulações sem fatos para nos

apoiar apenas gerarão discussões. Damos um passo de cada vez e confiamos que os

deuses nos levarão à salvação.

Com o rosto sombrio e abalado como os outros, Corday ofereceu um objetivo digno

e imediato no qual o grupo poderia cravar os dentes. — Eu sei por onde podemos

começar. Aprendi que os traficantes de produtos químicos que trabalham nas calçadas

estão vendendo supressores de calor falsos. Ômegas escondidos estão entrando em cio

enquanto estão despreparados e provavelmente expostos. Eles estão sendo

brutalizados.

O senador Kantor franziu a testa, aproveitando o dever oferecido. — Onde você

ouviu falar dessas coisas?

Olhando para o Alfa, Corday tentou não deixar transparecer seu persistente

desgosto em sua expressão. — Alguns dias atrás, me deparei com uma mulher Ômega

muito assustada, desmaiada no meio do convés.


A brigadeiro Dane deu um passo à frente, com uma expressão intrigada na testa. —

Como ela se parece?

Corday encolheu os ombros. — O que é isso?

— É importante. — Explicou o senador Kantor com voz calma, tirando um folheto

do bolso. — porque há uma recompensa muito grande por esta mulher.

Era um panfleto, semelhante a qualquer outra placa de procurado espalhada pelo

Domo. A jovem sorria, os cabelos negros ondulados desgrenhados como se por uma

corrente de ar ascendente, os olhos verdes brilhando, gentis e convidativos. Claire

O'Donnell parecia adorável e vibrante... e embora a versão que Corday conheceu fosse

abalada e assustada, era a Ômega que estava dormindo em seu sofá.

Tudo começou a fazer sentido. As mulheres estavam sendo assediadas nas filas de

alimentação porque todos estavam procurando por ela. E a recompensa em si era o

resgate de um rei. — O que querem com ela?

Os lábios do senador Kantor formaram uma linha e ele balançou a cabeça. — Não

sei, mas ela pode ter informações valiosas para a nossa causa.

Corday não conseguia tirar os olhos da foto. Ele respirou fundo, soltou o ar pelo

nariz e murmurou: — Então é melhor você vir ao meu apartamento. — Olhando para o

senador, ele acrescentou: — Mas você deve entender, ela não vai se sentir confortável

perto de um Alfa agora. E se você mostrar a ela esse folheto, isso pode levá-la ao limite.
O senador Kantor já caminhava em direção à saída. — O resto de vocês está

dispensado. Corday, você me levará até ela imediatamente.

-*-*-*-*-*-*-*-*-

Já era quase de madrugada quando ela ouviu a chave na porta. Depois de uma

noite de sono infernal e exaustão total, Claire estava nervosa, correndo em direção à

parede quando outro homem – um Alfa – entrou no quarto atrás de Corday.

— Não chegue perto de mim! — Ela rosnou, procurando por qualquer coisa que

pudesse usar para atacá-lo. Instalando-se em uma lâmpada, ela agarrou-a com tanta

força que tremeu.

O senador Kantor e Corday esperaram na porta para que Claire se sentisse um

pouco menos encurralada.

O Alfa mais velho exercia a voz mais gentil, olhos suaves e calmantes e anos de

experiência tocando para uma multidão. — Você sabe quem eu sou?

Com os lábios pressionados em uma linha e os olhos semicerrados, ela assentiu. —

Você é o senador Kantor. — O homem conhecido como Campeão do Povo; amado por

muitos por seu alcance ao proletariado, trabalhando para o bem maior.


— Eu não estou aqui para machucar você. — Ele inclinou a cabeça para o jovem

Executor. — Corday diz que você precisa de ajuda. Gostaria de ver o que posso fazer.

Seu aperto suado apertou a lâmpada. — Eu não quero que você chegue mais perto.

— Eu posso ficar aqui. — Ele sorriu suavemente, até mesmo recuando alguns

passos para se sentar em um banquinho perto do balcão da cozinha.

Isso pareceu apaziguar a Ômega, e ela baixou lentamente a arma improvisada.

Pelas manchas escuras sob seus olhos, Corday percebeu que ela mal havia dormido,

podia sentir o cheiro persistente de medo no ar. Houve um impasse; Claire ficou em

silêncio enquanto observava o Alfa como um falcão. O senador Kantor esperando,

deixando-a fazer o que ela achava que precisava.

Quando vários minutos se passaram e seu peito parou de arfar, o velho começou.

— Você estava tomando supressores de calor falsificados e entrou em cio em um lugar

perigoso.

— Sim.

— O que aconteceu?

Esfregando os lábios, ela respirou fundo. — O que importa... a única maneira de

você me ajudar é encontrar uma maneira de proteger as Ômegas escondidas. Elas estão

morrendo de fome... elas precisam de comida.

— Preciso saber o que aconteceu com vocês antes de descobrir como ajudar vocês.
Suas costas estavam tão pressionadas contra a parede que as omoplatas de Claire se

cravaram nela. Com uma expressão que se tornou positivamente miserável, ela lutou

para dizer: — Era perigoso tomar a nossa parte nas áreas designadas. Mais de nós

estávamos sendo apanhados todos os dias, e aqueles de nós que conseguiam comida...

nunca foi o suficiente para alimentar todos nós. Então foi decidido que eu iria até a

Cidadela para pedir ajuda pessoalmente.

— Eu estava tomando os comprimidos, coberta com roupas que estavam sobre um

cadáver em decomposição para mascarar meu cheiro. Subi os degraus e o encontrei. Ele

não quis me reconhecer, então esperei. — Ela respirou fundo e parou.

Corday atendeu ela, dizendo cautelosamente: — E você entrou no cio na Cidadela...

Claire assentiu.

O jovem continuou: — E alguém se aproveitou.

Ela tentou explicar, mas simplesmente não conseguia fazer aquele nome passar da

língua. — Houve um motim, ele matou muita gente e me levou.

Os dois homens notaram que ela não havia dito Shepherd nenhuma vez — que ela

continuava a se referir a Shepherd como ele. Foi o senador Kantor quem colocou a

questão da forma mais delicada que pôde. — E Shepherd foi quem levou você?

Claire começou a chorar, choramingando enquanto caía em pedaços. — Ele se

recusou a nos dar nossa parte. Em vez disso, exigiu que eu lhe contasse onde estavam

as Ômegas para que pudessem ser levadas e usadas por seus homens. Ele forçou um
vínculo de casal... me manteve trancada em seu quarto por semanas. — Sua mão foi até

o peito, seu punho batendo contra ele. — E ainda posso senti-lo, bem aqui.

Eles ficaram atordoados, ambos de queixo caído.

Um vínculo de casal... o homem estava procurando por sua companheira.

Corday balançou a cabeça como se isso fosse impossível. Ele podia entender por

que um vilão como Shepherd iria assustá-la durante um cio, mas realmente formar um

vínculo com uma estranha parecia extremo. Um vínculo era para sempre; não havia

nenhuma maneira conhecida de quebrá-lo sem a morte de um dos dois. E o resultado

era complicado – muitas vezes o parceiro vivo nunca mais conseguia formar casal. Ele

levou Claire para o resto da vida. Não admira que ela estivesse tão aterrorizada; um

homem com o poder de dominar uma colônia inteira, com Seguidores devotados em

suas costas, estava caçando-a e se unindo a ela.

Ela abriu os olhos e se forçou a parar de chorar. — Tenho que contar às Ômegas.

Tenho que ir até eles.

Tudo o que Corday conseguiu murmurar foi: — Você não pode sair, Claire. É de

Shepherd que estamos falando. Sua influência sob o Domo é quase absoluta.

— Não posso abandoná-las. Eu deveria ter ido antes, mas eu... — Ela não precisou

dizer que estava com medo; esse fato era óbvio.

— Você é uma mulher muito corajosa. — Com uma voz encorajadora e forte, o

Senador Kantor falou. — O que você tentou fazer pelos outros foi incrivelmente
corajoso, mas você não pode fazer isso sozinha. Deixe-nos ajudá-lo. Juntos

encontraremos uma maneira de ajudar as Ômegas.

— Como? — Grandes olhos verdes foram para o homem mais velho de fala mansa.

— Por enquanto vamos conseguir-lhes comida, produtos farmacêuticos

adequados... mas será necessária uma solução a longo prazo. Quantas são?

Balançando a cabeça, ela enxugou os olhos e afirmou: — Havia cerca de oitenta e

cinco na última vez que os vi. Mas já faz mais de um mês, pode ser metade desse

número... não tenho ideia.

— Onde estão? — Perguntou o senador Kantor.

Seu rosto ficou instantaneamente duro e ameaçador. Claire endireitou a coluna e

não disse nada. Ela falaria primeiro com as Ômegas, elas decidiriam antes que ela

revelasse a localização a alguém.

A expressão desafiadora da mulher não passou despercebida. O senador Kantor

ergueu a mão e acrescentou: — Não pretendo fazer mal a elas.

Ela rosnou, um pouco de seu antigo espírito aparecendo. — Eu não confio em

nenhum Alfa.

— Eu entendo. — E ele fazia. Seria impossível esperar que uma mulher que passou

pelo que você passou expusesse outras pessoas ao mesmo destino potencial.
— Dê-me alguns dias para considerar todas as opções, para conseguirmos alguma

comida também. — O senador Kantor levantou-se da cadeira, Claire já erguendo a

lâmpada novamente em advertência. O senador acenou em despedida e saiu.

O dia passou em silêncio entre Corday e Claire, mas naquela noite eles assistiram

outro filme juntos em lados opostos do sofá, com uma tigela de pipoca no meio.

Conhecendo sua propensão para a comédia, Corday escolheu sua favorita, e isso

pareceu eliminar a atitude suspeita que fizera Claire andar de um lado para o outro

durante todo o dia.

Quando chegou a hora de dormir, ela parecia resolvida e Corday foi dormir certo

de que ela estava mais forte do que antes.

Ela estava.

Assim que Claire ouviu seus roncos, ela saiu silenciosamente do sofá, roubou seu

casaco e saiu em busca das Ômegas. Estava escuro, as luzes da torre apagadas, a

manipulação da rede elétrica por Shepherd impôs o toque de recolher. Memorizando

onde estava para que pudesse encontrar o caminho de volta para a estrutura irregular,

Claire correu - de sombra em sombra - até um local miserável preso entre zonas: um

ferro-velho coberto de gelo no nível mais baixo, onde cada respiração saía como

neblina.

O lixão esquecido foi preenchido, abandonado e fechado antes de ela nascer.

Ninguém ia lá e o governo nunca reaproveitou o local. Como todas as coisas


consideradas impuras, e devido ao fato de estar localizada nas geladas Terras Inferiores,

a área era geralmente evitada. Era perfeito para as Ômegas: abrigo para dormir, água

suficiente no ar para ser coletada e bebida sem a necessidade de tirar água dos níveis

superiores e carregá-la para baixo. Mas era uma geladeira; elas não tinham energia nem

aquecimento.

— É Claire! — Um grito surgiu quando a garota de cabelos negros passou por uma

fenda na parede, Claire cambaleando para mais perto das mulheres amontoadas em

busca de calor.

Respirando fundo, ela baixou a cabeça entre os joelhos, tentando falar, embora sem

fôlego. — Pílulas azuis, falsas ...

Alguém lhe trouxe água, um fósforo foi aceso e uma vela preciosa também. Ao

redor da luz havia uma visão que fez o coração de Claire doer. As Ômegas estavam

esqueléticas e muitas olhavam para ela com olhos totalmente desprovidos de esperança.

Mas com a luz, as expressões mudaram. Algumas floresceram com sua chegada, outras

ficaram sombrias de suspeita. O pior de tudo era a inveja total... e Claire entendia o

motivo. Shepherd a estava alimentando; ela estava saudável. Ela recebeu comida

enquanto elas não tinham nada.

Foi Nona, uma das mais velhas respeitadas pelo grupo, quem falou primeiro. —

Doce deusa! Claire, estive tão preocupada.


Seus olhos verdes fitaram o rosto familiar em formato de coração, meio escondido

por cabelos lisos e grisalhos. — Quantas sobraram?

— A última contagem foi de cinquenta e seis.

Claire se sentiu mal. Cinquenta e seis... praticamente um terço das Ômegas

restantes foram abatidos enquanto ela estava presa por Shepherd. — Eu tenho tanto

para lhe contar. — Sua voz ficou mais forte. — Se vocês ainda não perceberam, as

pílulas azuis não são supressores de calor... são medicamentos para fertilidade. Entrei

no meu ciclo bem no meio da maldita Cidadela.

Suspiros de horror, muitos olhando com pena, envergonharam Claire.

— Tem mais. Shepherd não vai ajudar. Ele se recusa a enviar rações e queria que eu

revelasse sua localização para que todas pudessem ser levadas, segregadas da

população e preparadas para seus Seguidores.

— Mas não é isso que queremos? — Uma mulher ruiva ao seu lado sibilou.

Claire olhou Lilian diretamente nos olhos, viu o estado miserável ao qual ela foi

reduzida e disse: — Você seria presa e oferecida a um estranho em cio, ligada a um

homem de sua escolha. Ele mesmo me disse isso.

— Mas ele nos alimentaria?

— É isso que você quer? — Suas sobrancelhas arqueadas subiram. Claire queria

criticar, repreender a mulher, mas ela não fez nada além de balançar a cabeça e
continuar. — Também me encontrei com o senador Kantor. Ele ofereceu comida; quer

nos ajudar.

— Como? — Várias vozes perguntaram em uníssono.

— Ele precisa de alguns dias para montar um plano. Assim que eu descobrir o que

é, voltarei e lhe contarei. Então todas poderemos decidir.

Nona colocou a mão no ombro de Claire. — Você não vai ficar? É perigoso para

você lá fora. Você não sabe que há uma enorme recompensa pela sua cabeça? Amélia

viu o panfleto há dois dias.

Claire fez uma careta, mas a notícia não foi exatamente surpreendente.

Lilian cutucou a bochecha de Claire. — Você engordou. Os homens do Shepherd

estavam alimentando você.

Limpando os dedos, Claire gritou: — Fiquei presa em um quarto por cinco

semanas!

— Mas eles alimentaram você!

— Quieta, Lilian. — Nona retrucou a instigadora. — Você está com fome, não é

estúpida... você pode dizer pelo seu cheiro alterado que Claire está unida. Eles

alimentariam o que quisessem manter. Em vez de permanecer com seu companheiro,

ela escapou e veio aqui para nos ajudar. À todas.

Claire ficou mortificada.


Ela realmente cheirava diferente? Quando mais olhos começaram a brilhar para ela

à luz da vela e narizes começaram a farejar, tudo o que ela pôde fazer foi tentar não

recuar.

A questão foi lançada. — Quem foi? Quem reivindicou você?

Respondendo rapidamente, Claire murmurou: — Não importa.

Lilian, com os lábios curvados em um sorriso desagradável, riu baixinho. Claire

tentou se lembrar que a ruiva estava morrendo de fome, vivia em constante estado de

terror; seu comportamento selvagem era compreensível.

— É melhor eu ir. — Claire puxou Nona para um abraço. — Me espere de volta em

alguns dias.

Era bom cheirar e abraçar alguém tão familiar, alguém que ela sabia que se

importava com ela. Quando o abraço prolongado chegou ao fim, Claire saiu, subindo

pelas calçadas escuras de Thólos até o apartamento de Corday.

Ele nem sabia que ela tinha partido.


Capítulo 6

Com a cabeça baixa entre os ombros, Corday atravessou a calçada sombreada, o

homem à frente, de casaco esvoaçante, olhando para ele como se fosse carne fresca.

Durante dois dias ele assistiu o traficante de produtos químicos vender para tantos

cidadãos que parecia surpreendente o quão livremente as redes de drogas operavam

agora que os Executores estavam fora do radar. O bandido não fez absolutamente

nenhum segredo de seu negócio ilegal, quase provocando qualquer um que pudesse

desafiar suas ações para ousar falar isso na sua cara.

Sem cumprimentá-lo, Corday grunhiu: — Preciso dos seus supressores de calor, os

azuis.

— Claro, cara. — Era óbvio, aparente no tom e na cadência do discurso do

traficante de produtos químicos, que o negociante era um Pária; pela dilatação de suas

pupilas, alguém que provava seus próprios produtos. Com a papada caída e

balançando, ele puxou uma garrafa. — Vai custar caro. O valor atual é um quilo de

produtos frescos e cinco rações de carne.

— Isso é certo? — Corday balançou a cabeça, tentando evitar notar qualquer

semelhança familiar em um presidiário da mesma idade que seu pai teria. — Tenho
algo muito mais valioso do que comida que estamos dispostos a negociar... se você

conseguir vinte ou trinta garrafas.

Os olhos amarelados se estreitaram. — Por que você precisa de tantos?

Corday deu ao homem o mais pervertido dos sorrisos. — Digamos apenas que

gostamos de manter nossas Ômegas implorando por isso. Se você fornecer, poderá

participar.

— Um homem segundo o meu coração. — Dentes lascados e marrons à mostra, um

sorriso astuto acompanhava a pergunta do traficante: — Quantos você pegou?

Corday encolheu os ombros. — O suficiente para manter metade dos paus da zona

molhados, desde que estejam presas no cio.

Coçando o queixo, o traficante de química limpou uma grande quantidade de

catarro da garganta, rindo. — Os Seguidores do Shepherd matam qualquer homem

pego com uma Ômega induzida. Um empresário sábio pode procurar mais do que

apenas remédios...

Com voz desinteressada, Corday perguntou: — Tal como o que?

— O que você realmente veio fazer aqui. Parceiros. Minha gangue não tem medo

de Shepherd ou de seus Seguidores. Podemos fornecê-lo e manter os negócios

funcionando perfeitamente.

Ouvir o nome de Shepherd sendo mencionado casualmente trouxe um sorriso de

escárnio ao rosto de Corday. — Foda-se Shepherd.


— Respirador do céu... sem homens como nós nas costas, Shepherd vai te foder.

Estalando o pescoço, Corday murmurou: — Ele não me assusta.

O hálito que fedia a coisas podres deslizou como graxa pelo nariz de Corday, o

bandido se aproximando para provocar: — Isso é porque você nunca o viu matar, ou

viu psicopatas se curvarem para beijar seus pés.

Encontrando aqueles olhos amarelados, Corday chegou perto demais para se sentir

confortável. — Você deve pensar que nós, respiradores do céu, somos muito estúpidos. O

barulho não é novidade. Mas, ao contrário de você, não éramos burros o suficiente para

sermos pegos e amontoados em Undercroft. Eu disse foda-se Shepherd, e falei sério.

O homem gargalhou. — Você é um filho da puta arrogante. Se suas ações forem

boas, eu vou conseguir o que você precisa, garoto. Tanto quanto precisar. E você nos

dará exatamente o que queremos. É assim que uma aliança funciona. Ou eles chamam

isso de acordo comercial sob a Cúpula?

-*-*-*-*-*-*-*-*-

— Eles realmente devem pensar que todos os Executores cumpridores da lei se

foram. — Brigadeiro Dane murmurou baixinho.

O idiota nas calçadas ou tinha problemas mentais ou era totalmente

desavergonhado de seus crimes, agindo como se as consequências não existissem mais.


Nem uma vez ele suspeitou que Corday colocou um dispositivo de rastreamento em

sua pessoa, nem uma vez sequer pareceu cauteloso. E mesmo agora que o canalha

estava de volta ao seu buraco aconchegante e sujo, ela podia ouvir o homem rindo, os

sons de grunhidos e ruídos roucos e animalescos ao fundo.

Era difícil ouvir. A fêmea Alfa estava plenamente consciente do que estava

acontecendo por trás das paredes de concreto que os homens maus pensavam que

manteriam seu flagrante segredo seguro.

O que Corday afirmava possuir – as Ômegas eram mantidos como gado – esses

homens tinham em quantidade. E elas estavam sendo usadas enquanto o bandido da

calçada tramava com seus amigos como ele planejava fatiar o garoto arrogante que

tinha aquela boca, rindo de como seria fácil trair o garoto, e o quanto eles iriam oferecer

algo diferente de boceta frouxa e usada para os homens que faziam fila do lado de fora.

Deixando de lado o problema contínuo de Corday com a insubordinação, pela

primeira vez o Beta Executor fez algo certo; as atrocidades cometidas contra essas

mulheres tinham que ser interrompidas. Todos os homens lá dentro tinham que ser

eliminados da existência. E a ordem – mesmo que fosse apenas um pequeno retrocesso

em relação à forma como as coisas eram antes – precisava imposta.

As coisas tinham ido para o inferno sob o Domo, a beleza de um sistema funcional

virando fumaça ao primeiro sinal de problema real. Envergonhava Dane ver seus

irmãos tão fracos, saber que os preciosos sobreviventes de guerras e pragas ainda
poderiam ser reduzidos a nada além dos animais que a humanidade havia se tornado

antes dos Domos. Thólos Dome foi o bastião da civilidade; a maior Cúpula de todos os

continentes. O que tinha sido conseguido debaixo do vidro – a cultura florescente, a

beleza da vida para além da mera sobrevivência – foi agora abandonado por Erasmus

Dome, por Bernard Dome, até mesmo pelo mais pobre Vegra Dome. Um indício de

peste e qualquer chance de apoio externo desapareceram.

O problema precisava ser resolvido internamente. Shepherd e seus Seguidores

removidos, o contágio ser destruído. E a infecção — homens como os bandidos que

Dane se esforçava para matar —eliminada; seria um exemplo feito para outros

seguirem.

Um ou dois dias de vigilância e sua equipe demoliria o novo sindicato. A

brigadeiro Dane sorriu ao pensar em uma vitória tão necessária, ansiosa para ver a

expressão no rosto dos desgraçados quando ela enfiasse algo indesejado dentro deles –

algo pontudo – para ver se eles gostavam.

-*-*-*-*-*-*-*-*-*-

Claire estava magra, piscando rapidamente enquanto se mantinha tão longe do

Senador Kantor quanto o pequeno espaço permitia. Com a partida de Corday, o


senador permaneceu para interrogá-la em sua ausência, para que pudessem discutir

opções para as Ômegas.

As opções, ao que parecia, eram limitadas. Mas qualquer coisa era preferível ao

outro resultado; nomeadamente escravidão, estupro ou assassinato.

Porém a ajuda tinha um preço.

O senador Kantor foi sábio o suficiente para manter distância e falar gentilmente

com a mulher de olhos esquivos que andava loucamente de um lado para o outro. —

Você deve me contar sobre Shepherd. O que você souber pode nos salvar.

Só de ouvir esse nome, sua atenção se voltou para todos os cantos, como se o Alfa

pudesse ser conjurado com apenas uma palavra. Parando os pés, Claire torceu as mãos.

— Eu continuo dizendo a você, não posso. Não sei de nada.

— Você pode fazer isso. — Insistiu o senador Kantor. — Qualquer informação que

você divulgar ajudará a todos nós.

— Você não entende. — Empurrando impacientemente o cabelo para trás da

orelha, ela fez o possível para não tropeçar nas palavras. — Ele não falou comigo...

A expressão de pena na expressão de Kantor primeiro inspirou raiva e depois

vergonha. Depois do que aconteceu, aquele olhar ela receberia até o dia de sua morte.

O Alfa persuadiu as sutilezas do que ele precisava. — Podemos apenas conversar

sobre o homem, suas observações.

— OK...
O senador Kantor começou de forma simples. — As marcas Da'rin, você sabe o que

são?

Citando o que lhe ensinaram na escola, Claire disse: — Tatuagens de párias –

marcas que retratam qualquer crime pelo qual um prisioneiro foi encarcerado.

Assentindo, o senador Kantor ofereceu mais informações: — No entanto, a maior

parte é ganha em Undercroft, dada de um preso a outro - um testamento que os

prisioneiros induzem a criar padrões sob a pele.

— Indução?

— Elas não são feitos de tinta. Da'rin é um parasita.

Com as sobrancelhas franzidas, Claire perguntou: — Você infecta condenados

propositalmente?

— Os homens de Undercroft vivem sem sol, estão expostos a condições difíceis.

Nós os submetemos a uma relação simbiótica benéfica para que possam tolerar o

ambiente em que trabalham. Não só porque estão marcadas – veja bem, a luz do sol faz

as marcas queimarem.

Mas Shepherd exibia abertamente os braços e o pescoço onde quer que fosse, seus

grandes músculos flexionados detalhados em preto para que todos pudessem ver. —

Isso não faz sentido.

O velho suspirou. — Os padrões que Shepherd escolheu têm grande significado

entre os párias; poderia ajudar a resistência se tivéssemos uma melhor compreensão do


homem... se você pudesse descrever as imagens que não vimos, poderíamos construir

um perfil, aprender seus segredos.

É claro que ela sabia de cor as marcas de Shepherd, quase podia sentir o calor delas

movendo-se sob suas palmas errantes. Com o rosto vermelho, Claire gaguejou: —

Aquelas em seus braços, os que você viu. O que são elas?

— Uma contagem dos homens que ele matou.

Seu rubor envergonhado desapareceu, deixando-a pálida. Havia tantos símbolos

girando sobre a carne do Alfa, centenas de marcas filigranadas, milhares, e elas se

estendiam por seu peito, suas costas, suas coxas e nádegas... até mesmo seu...

Seu medo voltou mais forte do que antes, o link zumbindo como se questionasse

por que ela permanecia assustada e sozinha quando seu protetor desejava cuidar dela.

O senador Kantor aproximou-se para recuperar a atenção dela. — Há algo que você

viu entre as contagens que possa considerar digno de nota?

Apenas olhando para o homem, com lágrimas escorrendo pelo rosto, Claire ficou

em branco. — Ele está coberto em todos os lugares. Os padrões não significam nada

para mim, apenas bordas e redemoinhos. — Todas aquelas vezes que ela passou os

dedos sobre elas no escuro, estava inconscientemente admirando a morte de outra

vítima de Shepherd. — Eu não sabia...

A porta se abriu, Corday voltou e encontrou Claire incrivelmente perturbada, com

a cabeça entre as mãos.


— Claire. — O Beta correu para frente. Quando ela não entrou em pânico, ele a

puxou para sentar antes que suas pernas instáveis cedessem. — Você está segura aqui,

lembra? Você não precisa ficar com medo.

Algo sobre Corday estar na sala perturbou sua língua, Claire deixando escapar

observações inúteis em seu horror pelas marcas. — Seus Seguidores falam outra língua;

nunca soube o que eles disseram. — Com uma risada cansada e extremamente

perturbadora, ela listou a única coisa absolutamente correta. — Ele gosta de ler. Ele

segurava meu cabelo enquanto fazia isso, então caso eu me movesse, ele saberia. Eu

tinha que ficar bem quieta.

Corday sussurrou a pergunta: — O que acontecia se você se mudasse?

— O livro ficou menos interessante. — Claire se acalmou e virou a cabeça em

direção ao senador, o desafio enxugando suas lágrimas. — Fui mantido trancada em um

quarto. Não tive contato com ninguém além dele. Não havia janelas, tudo era cinza. O

homem nem sequer compartilhou uma refeição comigo. Agora, eu respondi às suas

perguntas, você responde às minhas. Além de fornecer verdadeiros supressores de

calor, o que você fará pelas Ômegas?

O senador, precisando urgentemente de se barbear, sorriu. — Assim que os

números forem avaliados, celas separadas de dois ou três serão contrabandeadas para

casas seguras que possam ser defendidas e monitoradas.


Os ouvidos de Claire se aguçaram, algo na declaração de Kantor parecendo muito

familiar. — Porque não enviar comida para onde estão agora? Não há necessidade de

deslocar o grupo ou separar as mulheres que dependem umas das outras para apoio.

— Podemos discutir essa opção, embora eu acredite que isso deixa você muito mais

vulnerável do que confiá-los à nossa proteção.

Quando o governo protegeu as Ômegas? Sua espécie praticamente não tinha

direitos sem um companheiro para falar por eles. — Você não fará nada até que eu fale

com as Ômegas. Elas devem decidir. — Disse ela.

— Claire. — Implorou o senador Kantor, aproximando-se da mulher que

claramente havia perdido a fé. — Você precisa confiar em nós e ficar aqui onde está

protegida. Podemos abordar suas Ômegas.

— Não. — Sua voz parecia menos a de uma criança assustada e mais a de uma

mulher furiosa. — Agradeço tudo o que você oferece, mas nem mesmo Shepherd

conseguiu tirar de mim a localização do nosso esconderijo. Este plano que você propõe

é uma decisão delas, e falarei com elas primeiro.

— Você não dorme há dias, quase não come... — Corday insistiu, apertando os

dedos úmidos. — Vagar por Thólos neste estado fará com que você morra. Se você tiver

que ir, então me leve junto. Um Beta será menos ameaçador e há segurança nos

números.
Tirando os dedos da mão dele, ela considerou. Tomar uma decisão foi fácil. — Nós

iremos hoje à noite, só você e eu.

Ambos os homens pareciam satisfeitos.

Envergonhada, Claire pediu um favor. — Vou precisar de roupas que possam

mascarar meu cheiro. Tudo aqui eu já usei... não consigo cheirar como uma Ômega.

Assentindo que entendia, Corday foi até a cômoda e vestiu um suéter pesado. —

Vou dar uma corrida. Você pode usar isso quando eu voltar.

Baixando os cílios, ela sussurrou: — Obrigada.

O senador Kantor partiu, Corday seguiu seu companheiro.

Sozinha, ela se levantou do sofá para se preparar.

Precisava de um banho frio, toda aquela água gelada ajudaria a limpar as teias de

aranha da sua mente. Claire abriu a torneira, ansiosa por um dilúvio. Ela suspirou no

instante em que os canos gemeram e sua mente privada de sono confundiu o barulho

com algo muito diferente. O efeito foi imediato. Sob o jato, de olhos fechados, onde só

deveria haver água fria escorrendo sobre sua carne, o calor de mãos grandes a

substituiu.

Palmas ásperas fluíram sobre a linha de sua coluna, acalmando a depressão na

parte inferior de suas costas... o ar cheio de grunhidos de agradecimento. Essas mesmas

mãos, calejadas e familiares, acariciaram sua barriga macia, subindo para segurar o peso

de seus seios, os polegares circulando os mamilos empinados até que eles ficaram tão
sensíveis que Claire choramingou. O fio pulsou em seu peito, uma camada generosa

escorrendo por suas pernas assim que o rosnado soou pela terceira vez.

Ao seu redor, respirações baixas ecoavam profundas e famintas, o calor de seu

peito pressionado contra suas costas, a espessura de seu pênis rangendo na fenda de

suas nádegas.

Dois dedos foram enfiados em sua boca.

Sua ordem em seu ouvido para chupar, e os olhos de Claire rolaram para trás em

seu crânio.

Pressionada contra o azulejo, os mamilos esfolados pela argamassa, a língua de

Claire torceu-se avidamente conforme lhe foi ordenado. A cabeça de seu pênis,

escaldante, cutucou insistentemente onde ela doía. A sua entrada não foi lenta.

Shepherd a espetou, seu ritmo errático, enchendo o pequeno recinto com os gritos

abafados de Claire, não importando como ele fodia sua boca com o dedo.

Com a testa apoiada no azulejo, mal conseguindo respirar, Claire veio com um

grito. Tudo dentro dela se contraiu, correu como um rio e a alucinação terminou.

As mãos fantasmas desapareceram.

Não havia Shepherd.

Nem rosnados.

Nem grunhidos licenciosos.


Tudo o que havia era o som dos canos e seus dedos inadequados trabalhando em

sua boceta.

Abalada, ela olhou para sua mão, horrorizada ao ver o que tinha feito. Ela estava

ficando louca, todos os outros pensamentos ficando fora de controle. Em pânico, pegou

o sabonete e começou a esfregar a mancha impregnada de feromônios antes que todo o

apartamento cheirasse à excitação de Ômega.

Ela estava na cozinha quando Corday voltou. Olhando por cima da massa simples

que preparou para o jantar, Claire sorriu. — Bem vindo de volta.

Suado, o sorriso torto de Corday foi rapidamente escondido quando ele puxou o

suéter pungente pela cabeça. — Deixe-me apenas tomar um banho rápido. Comeremos

e depois iremos.

Assentindo e sorrindo em gratidão pelo esforço dele, ela anunciou: — O jantar

estará pronto quando você terminar.

Assim que Corday desapareceu atrás da porta do banheiro, ela recuperou a

pequena pílula branca que estava escondida dias atrás. Esmagando-o até virar um pó

fino, misturou a droga na porção dele.

Claire sabia que nenhuma quantidade de sabonete poderia lavar os feromônios

remanescentes no banheiro. Quando ele demorou mais do que o normal, vermelho até

as orelhas, ela tentou ignorar o grunhido abafado de Corday, envergonhada por tê-lo

colocado em tal posição.


Outro ruído abafado, uma maldição prolongada e o som da água terminou.

Quando Corday apareceu, seu constrangimento havia se transformado em cansaço

familiar e ela ofereceu o prato.

Entre a corrida, a punheta no chuveiro e o remédio para dormir que ela escondeu

na comida dele, Corday desmaiou em menos de uma hora. Claire vestiu as roupas

suadas que ele preparou para ela, jogou um cobertor sobre o Beta que foi tão gentil e

saiu em busca de suas Ômegas.

-*-*-*-*-*-*-*-*-*

O frio mais severo das Terras Inferiores foi acentuado por leves rajadas

umedecendo as roupas de Claire. A distância era grande, seu ritmo era perigoso para

uma mulher exausta e prestes a cair.

Parecia que estavam esperando por ela, um pequeno grupo de Ômegas já na

entrada rachada, vela na mão. Dobrada uma vez em segurança lá dentro, Claire lutou

para recuperar o fôlego, resmungando: — O senador Kantor tem um plano. Ele pode

fornecer comida e supressores de calor de verdade.

— Como? — Foi Lilian, a ruiva, quem aproximou a vela.


— É isso que devemos discutir. Ele deseja nos dividir em celas menores,

contrabandear-nos para casas seguras onde Executores armados possam ficar de

guarda. Ou, se exigirmos, eles trarão rações para cá.

— Os Executores são caçados nas ruas. — Zombando, Lillian bufou: — Eles estarão

todos mortos em menos de um ano. Quem traria a comida então, Claire?

Cansada demais para ser paciente, Claire se endireitou. — Estou apenas oferecendo

opções. O grupo deve decidir por si mesmo se quer escravidão instantânea ou liberdade

difícil.

Foi então que Claire percebeu que nenhuma outra Ômega havia vindo se juntar a

elas. Nona não estava em lugar nenhum. Os únicos rostos ao redor daquela vela eram

Lilian e duas mulheres de aparência muito hostil.

— Já decidimos. — Lilian rosnou, balançando uma pedra na mão.

O mundo girou, uma dor aguda irrompeu ao lado da orelha de Claire. O

pavimento quebrado e o lixo espalhado arranharam suas pernas, seu corpo apático foi

puxado para mais fundo em seu abrigo. Tentando focar além do zumbido em seu

crânio, seus olhos instáveis procuraram por Nona no meio da multidão, apenas para

encontrar a mulher mais velha contida, lutando para se libertar.

Ela a chamou, implorou às Ômegas que não cedessem ao medo e sentiu uma mão

agarrar seu cabelo para afastá-la. Arrastada para uma cela de armazenamento, Claire foi
empurrada para dentro, o som de algo pesado sendo levantado para barrar sua única

saída.

Desorientada, cercada pela escuridão, seus olhos verdes olhavam fixamente para as

paredes rachadas.

Elas eram cinza.

Sua risada quebrada ecoava de volta. Sentindo gosto de sangue na boca, ela se

virou para que o chão gelado pudesse esfriar o caroço latejante que crescia em seu

crânio.

Mas não houve tempo para descansar. Ela teve que se levantar.

Foi preciso muito esforço para se desenrolar de uma bola e rastejar até a porta. De

pé, curvada, Claire gritou sua história, disse-lhes para não se perderem em desespero e

pânico, para pensarem racionalmente e verem que Shepherd nunca pagaria uma

recompensa, que tudo tinha sido uma armadilha só para apanhá-la. Para pararem antes

que todas se tornassem escravas.

Ela não conseguia mover os escombros que a bloqueavam; não conseguia gritar

alto o suficiente.

Claire tinha um limite de voz e, à medida que isso a abandonava, também diminuía

sua capacidade de diferenciar a fantasia da realidade.

Quando ela deslizou pela parede, o sonho começou.


Tanta corrida, a onda de loucura atrás dela, mas Shepherd estava lá segurando a

escuridão, com o braço levantado. Ela correu direto para ele, perto o suficiente para

sentir seu cheiro antes que seus pés parassem. Houve gritos, gritos furiosos das Ômegas

atrás dela. A onda de barulho estava se aproximando. Olhos aterrorizados voltaram-se

para Shepherd, de volta para o homem parado como uma pedra no caos enquanto ele

dobrava o dedo.

Ela deu outro passo.

O sonho recomeçou.

A luz acendeu em sua cela, a única luminária pendurada acima dela tremeluzindo

em seu estado lamentável. O zumbido da lâmpada velha e do filamento dentro dela fez

com que ela ficasse com os joelhos machucados e os pés bambos.

A máfia; ela podia ouvi-los, seus gritos se aproximando. A qualquer momento

viriam atrás dela. Ela corria, porque ela sempre corria. E ela o encontraria, porque ele

estava sempre ali, esperando.

De novo e de novo.

Sua cabeça virou-se para a porta, onde parecia inevitável que sua forma grande

preencheria o portal, que ela veria a mesma armadura áspera, as mesmas marcas de

Da'rin subindo por seu pescoço... aqueles olhos.

A intensidade com que Shepherd olhava não parecia natural.


O que quer que ele tenha visto na expressão dela fez o gigante se agachar, como se

quisesse parecer menor. O Alfa estendeu a mão, lentamente, para não assustar.

Ele nunca havia se agachado no sonho antes.

Claire fechou os olhos, certa de que finalmente havia perdido a cabeça, então

aquele som veio... aquele ronronar há muito desejado, alto e confiante, assegurando-a

de que tudo estava bem.

— Venha para mim, pequenina. — Até mesmo sua voz áspera parecia perfeita,

melódica enquanto as palavras passavam pelos lábios cheios de cicatrizes. Persuasivo e

não ameaçador, ele acrescentou: — Você não será punida.

O fio estava pulsando, sussurrando para ela, tentando-a a dar um passo à frente e

pegar a mão de seu Alfa. Ele estava chamando por ela, ele sentia a falta dela.

Claire não tinha ideia do que a fez dizer aquelas palavras, mas elas vieram

suavemente, como uma confissão. — Você tem assombrado meu sono. Cada vez que

fecho os olhos, você está lá.

— Você também esteve nos meus sonhos. — Shepherd cantou tão profundamente

que imaginou que podia sentir a vibração mudando-a no nível celular. — Você cantava

para mim, pequena.

Atordoada, ela respirou fundo, sentindo o cheiro que deveria estar com ela – o

almíscar familiar daquele Alfa. — O que eu cantei?


Um sorriso estava em seus olhos, a pele enrugada nos cantos. Seus dedos agitaram-

se, acenando para ela, e Claire se viu hipnotizada pelo movimento. — Venha.

Ao longe ouviam-se sons, coisas assustadoras da multidão dos seus sonhos. Logo

ela teria que fugir... ou poderia optar por acabar com isso.

Foram necessários três passos fracos antes que ela estivesse diante dele. Olhando

para o macho que, mesmo agachado, estava na altura dos olhos dela, Claire não pegou

a mão dele. Em vez disso, ela se apoiou nele, exigindo com voz exausta: — Ronrone.

Ele o fez, virando-se para estudar a mulher desorientada que descansava a cabeça

em seu ombro, avaliando a beleza do gemido prolongado que transmitia que não havia

mais nada no mundo que tivesse sido tão reconfortante quanto o barulho retumbante

de seu peito.

Braços enormes a envolveram no instante em que ela começou a escorregar para o

chão.

Shepherd levantou-se.

Claire não viu o soldado de olhos azuis assumir posição de guarda. Ela não sabia

que Shepherd tirou o casaco ou sentiu seu corpo sendo despido de roupas que

cheiravam a outro homem.

Ela estava deitada no calor do casaco dele, envolta no cheiro do Alfa. Desfocada e

indiferente, ela sentiu o corpo dele se acomodar entre suas coxas; uma fornalha em

comparação com uma sala fria.


— Você está perdida, pequenino. Vou levá-la para casa.

Ela murmurou uma resposta; sua mente vaga concordava. Mãos quentes, calejadas

e tranquilizadoras, percorreram sua barriga, abrindo bem as pernas. Antes que ela

pudesse reclamar, a pressão firme dos lábios e o movimento rápido da língua

percorreram a parte dela que ninguém jamais havia tocado de tal maneira.

Shepherd a provou, garantindo que ela permanecesse imaculada, nunca de outro...

puramente dele.

Encontrando-a intacta, o Alfa rosnou selvagemente. Ao som, seu corpo se curvou,

sua boceta respondeu com um fluxo escorregadio. Shepherd sugou tudo ruidosamente

na boca, engolindo, lambendo loucamente.

Não houve nada de gentil na maneira como ele a limpou.

Um grito sufocado e os olhos de Claire se abriram. Tudo o que ela conseguia ver na

névoa era o rosto dele enterrado entre suas coxas, os olhos fechados como se o banquete

fosse perfeito. Ele sentiu a atenção dela, seus olhos metálicos se abrindo. Com a parte

inferior do rosto escondida, Shepherd continuou a devorá-la enquanto rosnava: — Você

foi excepcionalmente desobediente; uma companheira difícil e desafiadora.

Ofegante, gritando quando ele sacudiu seu clitóris, Claire discutiu com a aparição:

— A culpa é sua! Você é um tirano. Você espera coisas que eu não entendo. Eu quase

não sei nada sobre você. Você não escuta... apenas me mantem trancada no subsolo.

Você gostaria de viver em uma prisão?


Shepherd riu maldosamente, agarrou seus quadris para acalmar suas contorções e

gananciosamente puxou sua boceta gotejante para mais perto.

Lutando contra suspiros e gemidos guturais, ela acusou: — Tudo o que você faz é

me foder!

Ela sentiu os dentes dele roçando suas dobras, os lábios se curvando em um

sorriso. A resposta de Shepherd foi rica e licenciosa. — Eu gosto muito de foder você.

Ela desejou que ele desaparecesse e o sonho pudesse acabar, mas não até que ela

lutasse contra a voz quebrada para acusar: — Você me força.

Ele rebateu, seus dentes mordendo levemente a pequena protuberância que seu

polegar expunha do capuz, fazendo-a se contorcer freneticamente para que ele pudesse

provar seu ponto de vista. — Eu sempre garanto que você sinta prazer quando

acasalamos.

Soltando um gemido infeliz, ela choramingou: — Isso não é verdade.

— Eu puni você uma vez, dando-lhe cio sem sua satisfação, e verifiquei que não era

a melhor maneira de disciplinar seu mau comportamento. Não fiz isso desde então. —

Uma vez que as palavras terminaram, ele atacou seu clitóris com movimentos rápidos

de sua língua, um grunhido de satisfação vindo de seus lábios sorridentes quando sua

pequena começou a praticamente soluçar pela atenção que seus quadris presos não

conseguiam escapar.
Quando Claire estava prestes a cair ainda mais no delírio, Shepherd lambeu uma

trilha por seu corpo, deixando sua boceta dolorida negligenciada para que ele pudesse

prendê-la. Um mamilo foi capturado, sugado quase com muita força até o botão se

alongar. Ao longe, ela ouviu o barulho de um zíper e então sugou o cheiro inebriante do

potente almíscar Alfa assim que seu membro foi exposto. A cabeça bulbosa bateu nela, e

muito lentamente ele entrou em um lugar que estava frágil e apertado por negligência.

Com ela distraída, Shepherd tentou tirar a única coisa que ainda não tinha

conseguido arrancar dela. Ele capturou seus lábios entreabertos e gemendo para tentar

um beijo. Isso a acordou do feitiço, seus cílios negros se abriram.

Não era um sonho.

Tudo o que ela podia ver eram os olhos prateados cheios de luxúria, desafiando-a a

participar mesmo quando Shepherd mergulhava a língua em sua boca; ele invadiu -

para que ela pudesse provar o quão perfeito era seu gosto - e começou a empurrar.

Ela tentou tirar a boca. Para evitar isso, ele segurou sua bochecha, passando os

lábios sobre os dela tanto quanto desejava, sabendo que ela reconhecia o que ele tinha

feito, como desafiava sua última barreira e lutava pelo beijo que ela continuava a negar-

lhe.

A sensação de seu pênis era inebriante, desgastante e infinitamente perturbadora.

Claire ficou frenética quando ele começou a bater com vigor. Quase violento, Shepherd

fodeu seriamente até que ela estava se contorcendo e gritando, precisando de liberação,
precisando dormir, precisando que ele lhe desse todas essas coisas e muito mais.

Virando a cabeça dela para o lado, a palma da mão apoiou sua bochecha para que seus

lábios pudessem traçar um caminho pelo lado exposto de sua garganta.

A sensação de sua boca, o roçar da língua quente na carne fria e a frustração

misturavam-se com o êxtase delirante. No segundo em que sua boceta se apertou e sua

ruína começou, ele empurrou profundamente, seu nó inchando enormemente,

esticando-a impiedosamente. O orgasmo de Claire foi tão forte que doeu, sua boceta

ordenhando-o desesperadamente enquanto Shepherd mostrava os dentes e mordia

brutalmente a cicatriz em seu ombro - a cicatriz que a fazia dele. Ouviu-se um estalo, os

dentes romperam a pele e o sangue começou a fluir.

A garganta de Claire só pôde emitir um grito silencioso, sua agonia ignorada

enquanto ele apertava ferozmente a mandíbula. Com ela presa por seu enorme nó não

havia escapatória, o que piorou quando sua boceta teve espasmos e misturou prazer

com dor com cada jato de calor que o Alfa despejou dentro dela.

A Ômega estava soluçando quando terminou, sangrando muito e tão emocionada

que não sabia mais onde estava.

— Shhh. — Ele sussurrou, lambendo o sangue escorrendo, silenciando-a

suavemente enquanto ela chorava. Ele deu-lhe o ronronar que ela queria, acariciando e

acariciando, os lábios em sua orelha. — Agora você pode dormir, pequena.


Tudo tinha sido demais. Muito medo, muita dor de cabeça, muita raiva, muito

desejo. Oprimida, Claire fechou os olhos e se entregou àquilo que seu corpo mais

precisava. Shepherd enfiou os braços flácidos nas mangas do casaco. Segurando-a pela

cintura, o nó ainda unindo-os, ele saiu pela porta, o corpo nu dela e a união deles

cobertos pela cortina de couro desgastado.

Fora da instalação de resíduos, as Ômegas estavam sendo conduzidos para um

transporte preparado para levá-las para Undercroft; algumas rosnando, outras

gritando, mas a maioria simplesmente engolindo barras de suplementos que seus

Seguidores distribuíam.

Claire perdeu tudo em seu sono profundo.


Capítulo 7

Claire não sentiu nenhuma névoa quente, nenhuma sensação gratificante de

contentamento ao acordar. Em vez disso, uma dor profunda apertou suas sobrancelhas,

só piorando quando ela mudou. Alguém a atropelou com um equipamento de

transporte, torceu-a... deixou-a devastada. Confusa, seus cílios se separaram e Claire

não viu nada além de escuridão subterrânea e paredes de concreto.

Foi o cheiro que uniu tudo, o ninho de cobertores macios e familiares, rico com o

cheiro de seu companheiro.

Não... Claire teve que se lembrar. Shepherd.

Ela odiava que o fedor dele oferecesse segurança em seu desconforto, que o fio

zumbisse deliciado, dizendo-lhe que não havia problema em se sentir fraca, desde que

ele estivesse por perto para cuidar dela... que tudo estava de volta como deveria ser. O

verme pulsou e ficou quente em seu peito. Foi esse vínculo manipulador que a

distorceu em primeiro lugar. A influência de Shepherd, que a separou dia após dia,

quando ela ignorou o chamado de seu companheiro para retornar, o que a levou à

exaustão e alucinações. Agora ele se contorcia de contentamento, tecendo uma teia de

mentira sedutora de abrigo e segurança.


Parecia mais forte do que antes, aquele cordão zumbindo entre eles parecia mais

apertado em seu peito. Foi por causa de sua vitória total sobre ela? Ou talvez porque ela

tropeçou direto para ele em seu desejo de dormir? Claire não sabia. Tudo o que sabia

era que suas lutas, sua negação e teimosia tinham sido em vão.

Eles estavam amarrados; mesmo quando ela estava escondida, ele exercia controle.

Aquela sala com paredes cinzentas não era um abrigo; era sua prisão. Shepherd a

tinha em sua jaula, ela estava de volta sob seu controle... e provavelmente nunca mais

sairia daquele quarto.

Engolindo a angústia, Claire reconheceu o grande peso dele mergulhando no

colchão ao seu lado, a coxa encostada nas costas dele, como se ela tivesse se pressionado

perto enquanto dormia. Shepherd estava de frente para a parede, com os cotovelos

apoiados nos joelhos, olhando para frente, perdido em pensamentos.

Lambendo os lábios secos, Claire pensou em fugir, apenas para cair de volta nos

travesseiros com uma maldição. A dor era grande, disparando de seu ombro tão

agudamente que tudo o que ela conseguia fazer era respirar.

A ampla extensão de costas musculosas e nuas ondulou, Shepherd virou a cabeça

para olhar para a mulher recapturada. Seus olhos prateados estavam vazios, o ar do

Alfa não era de punição iminente, nem de conforto oferecido. Ele parecia estático, mas

aqueles olhos mercuriais a observavam como se ela fosse problemática e fácil de

esmagar.
Envergonhada por tal expressão, Claire desviou o olhar, sua atenção voltada para a

gaze encharcada de sangue em seu ombro. Sem saber por que se sentia culpada sob a

avaliação dele, por que estava tentada a pedir desculpas, ela se concentrou na tarefa de

espiar por baixo do curativo. O que encontrou quase a fez vomitar. A ferida pode ter

sido limpa e curada em algum momento enquanto ela dormia, mas era uma bagunça

escorrendo e sangrando lentamente, inchada, machucada e totalmente nojenta.

Não admira que doía tanto. Shepherd a mutilou.

Ele estendeu a mão, puxando a gaze para ver a marca da mordida com seus

próprios olhos. Ele parecia satisfeito. — Isso vai deixar uma bela cicatriz.

Deixaria uma cicatriz horrível... vinte vezes pior do que a última marca que ele

deixou.

Olhos prateados implacáveis se fixaram na mulher, observando enquanto ela

afastava o curativo e tentava acalmar a respiração. — Talvez agora você se lembre de

que tem um companheiro. — Disse ele.

Cansada da intimidação, do medo e do silêncio, ela forçou seu corpo a sentar-se.

Ignorando a agonia de um braço indiferente, seus olhos verdes brilharam, sua pequena

mão cobrindo o curativo como se quisesse protegê-lo dele. Chocada, ela rosnou: — Você

não será punida? Então o que é isso? Você gostaria se eu arrancasse um pedaço de você?

Shepherd ergueu uma sobrancelha e desafiou: — Eu sou seu companheiro. Você

pode me marcar se desejar.


Algo em suas palavras causou um desejo tão forte de mastigar que seus lábios se

separaram dos dentes. Com um estalo de velocidade, Claire rolou para fora dos

cobertores, suas unhas já cravando pequenas luas vermelhas nos bíceps de Shepherd

enquanto ela se posicionava para poder afundar os dentes na junção do ombro e

pescoço.

Em algum lugar na névoa da ação, ela reconheceu que a fera estava parada, que

nenhum grande braço a tinha feito voar em resposta à sua agressão. Sua reação

instintiva foi tão rápida, tão estúpida, que ela só se conteve por um segundo antes de

socar sua marca no pedaço adequado de pele.

Uma onda inesperada de tontura fez sua visão turvar, uma náusea avassaladora

tirando-a da loucura.

Depois de uma respiração instável, a razão voltou.

Confusa com o quanto ela ainda desejava morder, como tudo dentro dela lhe dizia

que era seu direito – que ela precisava disso – Claire caiu, exausta. As mãos de Shepherd

já estavam em sua cintura, firmando-a enquanto ela deixava cair a testa em seu ombro.

De carne com carne, ele cheirava como se fosse dela, o fio satisfeito com sua

proximidade.

Por que tinha que ser tão bom quando ele a puxava para mais perto, segurando-a

para que ela pudesse encontrar forças?


Depois de um minuto, ela soltou desajeitadamente as garras do braço dele,

recuperando o controle de seus impulsos, teimosa e decidida a resistir. Mas sua cabeça

ainda estava girando quando ela olhou para cima. Mercúrio líquido observava como ele

sempre a observava, como um lobo lambendo os beiços. Ela fez menção de sair do colo

dele e voltar para o calor da cama, mas os braços dele a seguraram com firmeza,

acomodando seu corpo onde ela montava em suas coxas.

Um dedo percorreu sua espinha, um lembrete de que ela estava nua... um estado

em que ele a tinha visto tantas vezes que havia pouca vergonha nisso.

— Há tópicos que devem ser discutidos. — Foi dito em tom de conversa, mas sua

expressão era um argumento ousado. — Para começar, você vai me dizer onde esteve

nos últimos oito dias.

Sua voz parecia embargada, desgastada por gritar com suas irmãs Ômegas para

que esse mesmo cenário pudesse ser evitado. — Depois que desmaiei na rua, me

ofereceram abrigo. Um homem que foi gentil comigo, que me ouviu e tentou ajudar.

O calor de suas enormes palmas amassou profundamente a parte inferior de suas

costas, pressionando-a mais perto. — Quem era esse homem?

Claire balançou a cabeça, franzindo a testa e se preparando para receber punição

pelas palavras que estava prestes a falar. — Eu não vou deixar você matá-lo porque ele

foi nobre.
Houve um leve estrabismo acima de um sorriso de advertência. A voz de Shepherd

sussurrava, estranhamente complacente e uma mentira total. — Talvez eu queira

recompensar o Beta cujo fedor saturou suas roupas. Afinal, ele cuidou da minha

companheira fugitiva e tola.

— Não. Você deseja saber como entrar em contato com o senador Kantor para

poder prendê-lo na Cidadela. — Claire sabia que as Ômegas que ele capturou iriam

derramar cada palavra que ela lhes disse em seu medo. Elas podem ter se perdido no

desespero e na fome, mas Claire ficou mais forte ao ser alimentada como animal de

estimação de Shepherd, e ela não daria ao Alfa informações para ajudá-lo a caçar

qualquer um que pudesse resistir à sua ocupação.

Enfiando os dedos grandes no cabelo, Shepherd começou a pentear os

emaranhados. — Você sabe onde ele está?

— Eu não. Ele veio até mim. Mas mesmo que eu soubesse sua localização, eu não

lhe contaria.

— Você acha que sua lealdade a esses homens irá salvá-los?

Ela endireitou a coluna e lutou para evitar que a tristeza enfraquecesse sua voz. —

Eles foram os únicos que se ofereceram para realmente ajudar, que não queriam nada

em troca, me respeitaram como pessoa - não como objeto... Não direi uma palavra que

possa ajudar você a machucá-los. — Depois de fungar, ela ergueu o queixo, cheia de
desafio e determinação arrogante. — Você pode ter as Ômegas sob seu controle, pode

me ter de volta nesta sala, mas nunca reivindicará minha integridade ou honra.

Um dedo traçou a linha de sua mandíbula, seus olhos prateados quase suaves

enquanto examinavam seu rosto. — Você ainda é tão desafiadora.

— Eu ainda sou Claire.

Inesperadamente, o ronronar retumbou, absorvendo-a, acalmando sua irritada

beligerância. Quando Shepherd falou, foi indulgente. — Você é... rebelde e tolamente

nobre... mas acho que não é decepcionante.

Por que ele estava olhando para ela gentilmente? Por que ele estava dizendo coisas

boas? Estreitando os olhos, desconfiada mesmo quando o ronronar melhorou tudo,

Claire ficou tensa.

O polegar de Shepherd roçou seus lábios. — Você sentiu minha falta, pequena?

Com o leque escuro de seus cílios abaixados, Claire não estava disposta a

responder. Ela sentiu falta dele. Sentiu falta do cheiro e do ronronar, sentiu falta da

calma que ele cultivava com precisão. Mas o desejo dela por tais coisas era apenas o

resultado do vínculo. Ela não sentia falta da sensação constante de estar presa,

observando dia após dia mais pedaços de si mesma serem arrancados.

— Responda-me, pequena. — Ele usou aquele poder que tinha, fazendo o fio bater

no peito dela.
Parecendo perdida, seus olhos esmeralda encontraram os dele. — Você invadiu

minha mente.

— E o seu corpo. — Acrescentou ele, segurando-a com um pouco mais de firmeza.

— E meu corpo. — Claire concordou, sua expressão quebrada e resignada. — É isso

que você quer ouvir?

Apertando o queixo dela para que ela não pudesse desviar o olhar, ele avisou: —

Você não vai correr de novo.

O vínculo do casal havia se tornado tão avassalador que, mesmo que o fizesse, não

haveria chance de verdadeira liberdade. Os sonhos, as alucinações despertas; Shepherd

estaria com ela, não importa onde ela tentasse se esconder. Mas saber disso e aceitar não

eram a mesma coisa. Claire queria liberdade, ela queria escolher.

— Shepherd. — Ela falou o nome dele, algo raro, a menos que estivesse no auge da

paixão. — Eu precisava respirar ar fresco. Precisava ver o céu.

Seu ronronar cessou.

— O céu. — Shepherd cuspiu a palavra como se a ideia fosse superestimada; uma

respiração profunda sacudiu seu peito. — Você acha que sabe o que é prisão, pequena.

Você não sabe. Na prisão, você está cercado pela pior raça possível de homens. Se eu

quisesse comida ou água, teria que matar para isso. Abrigo, suprimentos... tudo foi

conquistado com muito esforço. O que você chama de estupro não é nada comparado

ao que a escória faz. Você vive em segurança e conforto; eu cuido de você e acalmo -
cuido de suas necessidades. — Sua voz ficou totalmente enojada. — E ainda assim você

anseia pelo seu céu.

Shepherd nunca compartilhou uma opinião pessoal. Intrigada com a estranheza de

tal afirmação, as sobrancelhas de Claire franziram e ela disse: — Não consigo decifrar

qual das suas marcas Da'rin explica qual crime colocou você em Undercroft.

Ignorando sua pergunta insinuada, Shepherd sorriu. — Esse termo que você usa

para - Undercroft - acho divertido. Uma palavra poética usada para descrever um lugar

de escuridão, cheio de apelos de milhares de pessoas que lutam nas portas para sair. E

quanto aos crimes... é irrelevante. Nunca fui condenado ao seu Undercroft. Nasci lá.

Shepherd era um homem que criava sofrimento sem remorsos – alguém que

compreendia o funcionamento obscuro da mente humana como se fosse uma segunda

natureza – mas uma história tão monstruosa não poderia ser verdadeira. Claire olhou,

procurando a falha, a mentira.

Palavras duras traíram sua irritação: — Você alegou não saber nada sobre mim;

agora eu falei e você está muda.

Ela aproximou o rosto um pouco mais, uma linha crescendo entre suas

sobrancelhas. — As mulheres não são condenadas ao Undercroft, elas trabalham nas

fazendas, segregadas dos homens até serem reabilitadas. O que você afirma não pode

ser verdade. Tal ato é contra nossas leis.


Shepherd riu secamente. — Suas leis? O que você sabe sobre a jaula em que vive e

as histórias falsas que foi treinada para recitar?

Com as bochechas em chamas por sua zombaria, Claire recuou. — Então, ao me

isolar do mundo, seu objetivo é me deixar louca como você?

A pergunta pareceu confundi-lo momentaneamente. Após uma breve pausa, ele

respondeu: — Quero que você se torne receptiva, pare de resistir e olhe objetivamente,

em vez de olhar com emoções feridas que nunca serão úteis para você.

— E eu deveria esquecer o que você fez? — A dor estava presente em seus olhos;

Claire listando seus pecados. — Você me pegou contra minha vontade, não ofereceu

ajuda à minha causa... apenas apreendeu para sua própria causa. Você capturou as

Ômegas e até agora os mantém em cativeiro para poder entregá-los a estranhos. Você

nos vê como objetos. Como não consegue entender por que me sinto tão resistente, por

que tenho medo?

Ele ronronou, quase inaudível, uma vez que ela afirmou sentir medo. Tão atento à

expressão dela, tão concentrado em seu olhar, a mão dele segurou seu rosto. Grande

polegar acariciando a pele macia, ele explicou: — Sua própria espécie traiu você. Não

desperdice seus pensamentos com aqueles que são indignos.

Ela podia sentir bem os olhos, sabia que ele não a deixaria desviar o olhar e forçou-

se a perguntar: — Alguma delas ficou ferida?

— Nenhum ferimento importante. Três serão enforcadas.


Horrorizada, Claire sussurrou: — Por que motivo?

Shepherd endureceu a expressão, flexionando o braço que a acorrentava ao colo. —

Eles atacaram minha companheira e tentaram vender você para mim... pensei em trocar

uma vida que já possuo para garantir seu conforto. Despojos.

Claire agarrou a mão que ele segurava em seu rosto, implorando. — Por favor, não

as mate. Lilian e os outros estavam morrendo de fome, com medo e desesperadas

— Você também estava. — Seus olhos estreitados brilharam. — Com mais medo do

que elas. E você estava, e ainda está, tentando ser a campeã delas.

Olhando para baixo, cheia de tristeza, Claire murmurou: — Eu sou uma péssima

campeã.

— Você se saiu muito bem, considerando as probabilidades. — Ele reconheceu

calmamente. — Sua falha foi presumir que existe algo bom em Thólos, quando não

existe. E por isso que você perdeu.

— Eu sei que você está errado. Algumas dessas mulheres são minhas amigas. Elas

são boas pessoas. Aquelas que me atacaram... eu não as conheço bem, mas prefiro

mostrar misericórdia do que condenar mulheres desesperadas e famintas tentadas por a

mentira da comida que você divulgou em seu folheto.

— E é por isso que você é fraca. — Parecia quase um elogio. — E é por isso que eu

sou forte.
— Você é mais forte do que eu. — Claire reconheceu, estudando as marcas Da'rin

no ombro de Shepherd, sem saber quantos mortos estavam representados naquele

pedaço de pele. — Você é mais rápido, tem poder, mas falta algo grande. E você nunca

encontrará isso na vida que vive.

— Eu? — Era como se ele soubesse o que ela iria dizer, achasse a opinião dela

juvenil e fofa. — Você fala de amor?

Ela balançou a cabeça, o cabelo preto emaranhado balançando sobre os ombros. —

Não é amor. Qualquer um pode amar.

— Então o que, pequena sábia?

— Humanidade... a fonte da alegria. Você pode já ter tido isso uma vez, mas

qualquer vida que você viveu a consumiu.

Ele cantarolou para ela, despreocupado com seu julgamento. — Eu entendo a

humanidade em seu nível mais básico e tenho muito mais experiência no mundo do

que você, pequena. A maneira como os cidadãos estão se comportando - como aquelas

mulheres que vou enforcar, não importa o quanto você implore ou chore - prova que

eles nunca foram bons, mesmo antes da fome. O sofrimento apenas revela a verdadeira

natureza de cada vida que apodrece sob a Cúpula.

— A maneira como fala; faz parecer que você acredita que está oferecendo

iluminação ao criar miséria conscientemente. — Claire zombou, balançando a cabeça,

surpresa por ele não ter começado a transar com ela para calar a boca.
Era a mesma fúria tempestuosa que percorreu seus olhos quando as palavras dela o

desagradaram. Claire ainda estava com medo – medo do monstro que poderia

facilmente esmagá-la, medo dos efeitos do vínculo – mas Shepherd parecia tranquilo e

quase disposto a deixá-la falar.

— Os livros que você guarda. — Ela respirou suavemente, olhando para as estantes

do outro lado da sala. — Você tem uma coleção tão estranha... um verdadeiro manual

de treinamento sobre como ser um ditador. Mas há coisas suaves: poesia, escritos de

grandes líderes espirituais e seres humanos virtuosos. Você os lê para tentar buscar o

que você quer? O que está faltando?

Ele declarou com orgulho: — Eu sou o Shepherd. Eu lidero o rebanho.

Ela sussurrou as palavras, hipnotizada pela conversa: — Através do terrorismo?

— Sua ingenuidade é como a de uma criança. Sob esta Cúpula, a injustiça corre

solta; Thólos é uma fossa cheia de corrupção, ganância, apatia e vício - um terreno fértil

para mentiras. A fraqueza deve ser eliminada, os enganos expostos e a punição sofrida.

Seus olhos verdes com cílios grossos se arregalaram. — Isso é algum tipo de

julgamento?

— Você ficou mais sábia do que isso, senhorita O'Donnell.

O fato de ele ter usado o sobrenome dela era assustador. A ponta do fio começou a

cantarolar desafinada, a conexão com tal criatura era indesejada e abominável. — Você
não quer poder de jeito nenhum... você quer que a cidade se afunde naquilo que sua

violação inspirou. Você quer nos ver sofrer.

Um sorriso vaidoso, uma coisa maligna, lábios distorcidos e cheios de cicatrizes. —

Continue, pequenina.

Uma leve compreensão do homem e seu raciocínio se uniram. — Você acha que é

algum tipo de campeão... como o primeiro-ministro Callas, ou...

Reagindo de raiva, Shepherd a interrompeu: — Seu precioso primeiro-ministro não

existe mais. Eu o destruí com minhas próprias mãos e aconselho você a não falar o

nome dele na minha presença.

Ser primeiro-ministro era ser o servo final de Thólos; uma posição hereditária

ocupada pela família que ergueu a Cúpula e serviu até a morte. Eles eram imaculados,

viviam com sabedoria e eram liderados pelo exemplo. No entanto, o ódio de Shepherd

era pessoal... inexplicável. Claire tinha que saber. Com o coração acelerado, ela desafiou

o destino e sussurrou: — Por quê?

— Seus Executores estão mortos, seu Primeiro-Ministro apodrece em pedaços e em

breve todos os senadores irão para fora da Cidadela para que todos os Thólos possam

respirar o verdadeiro fedor de sua corrupção. — Shepherd colocou os lábios em seu

pescoço e sentiu seu cheiro, flexionando os quadris para pressionar sua ereção crescente

entre as pernas macias enroladas em torno dele. — Então você vê, não há ninguém para

salvá-la. Você só tem a mim.


Com essas palavras, o pânico aumentou, sua mente passou do ponto do medo. Se

Shepherd não tivesse começado a ronronar naquele exato momento, ela poderia ter

começado a gritar.

Mãos grandes foram para o cinto. Ele a sentiu tremer e resistir quando retirou seu

membro, prendendo sua enfraquecida companheira em seu colo com facilidade.

Sentindo as curvas femininas nutridas pela comida que lhe fornecia, ele soltou um

grunhido faminto. No instante em que ela ficou remotamente molhada o suficiente, ele

a abaixou sobre sua tensa ereção.

O ritmo era quase lânguido. A cabeça dela enterrou-se contra o seu ombro

enquanto ele a levantava e abaixava, o pânico de Claire quebrado por uma devassidão

perturbadora.

Não haveria escapatória, todas as suas lutas foram em vão – essas coisas ele

sussurrava em seu ouvido.

Ela não mostrou seu rosto, nem suas lágrimas silenciosas – sua única visão foi a

visão de seu pênis grosso, brilhante e escorregadio, infiltrando-se em seu corpo, assim

como suas provocações penetrando em sua mente.

Shepherd acariciou sua mão para agarrar seu pescoço, puxando-a para mais perto

até que seus seios estivessem rentes a seu peito, o local de seu vínculo em contato. Ele a

segurou tão molhada que os olhos verdes foram compelidos a encontrar os dele. — Me

beija.
Claire sentiu tudo começar de novo. — Não.

Era o show dele, sempre foi o show dele. A vida dela era dele, o corpo dela

também; mas seus lábios eram dela.

Seu desafio apenas excitou Shepherd ainda mais. Com um grunhido baixo e

animal, o que não tinha pressa tornou-se um ataque carnal total. Ele os virou,

balançando-a no colchão para socar o lindo e perfumado buraco que o embainhava tão

perfeitamente. Ela gritou, enchendo o ar com gemidos soluçantes do nome dele.

Shepherd a segurou pela nuca, sentiu a força de seu clímax travar em seu pênis

enquanto ele inchava e a prendia a ele. E embora seus quadris estivessem presos pelo

nó, isso não impediu que a ponta do polegar roçasse o clitóris inchado de Claire.

Ele foi impiedoso, empurrou-a para além do prazer e para um ponto de sensação

sobrecarregada.

Ela tentou se desvencilhar do dedo dele, a fricção era muito forte, mas não

conseguiu fazer nada, presa como estava. Implorando em sons ofegantes, Claire ofegou:

— Shepherd, por favor, pare.

Observando os lábios dela formarem as palavras, dissecando o desejo torturado e o

prazer descontrolado, ele esfregou ainda mais rápido. Rosnando como uma fera, ainda

pintando seu ventre com respingos de creme, ele perguntou: — A quem você pertence?
Havia lágrimas escorrendo dos olhos fechados enquanto ela se contorcia e se

contorcia por causa do abuso de seu clitóris e do orgasmo cólica, prolongado demais. —

Por favor, pare... eu não posso...

— A QUEM VOCÊ PERTENCE?

Ela ia morrer, era demais, a sensação era tão grande que era uma agonia. Tudo

ficou branco, como se o mundo fosse feito de nada além de uma luz ofuscante e horrível

que a desnudava. Arqueando as costas, ela respirou fundo, como a primeira respiração

ofegante de um recém-nascido, e sentiu outra onda de contrações devastadoras em seu

núcleo. Com um rosto cheio de prazer doloroso, Claire ofegou: — Eu pertenço a você!

— Isso mesmo, pequenina. — Veio uma voz como se estivesse a léguas de

distância. O aperto em seus nervos diminuiu e ela soluçou quando o clímax prolongado

e forte demais começou a diminuir. Mais ondas de sêmen quente a queimaram por

dentro quando Shepherd ronronou: — Você pertence apenas a mim.

A punição foi brutal e ele levou quase uma hora para acalmar os músculos

trêmulos e a respiração irregular. Com os olhos bem fechados, Claire se enterrou nele,

pressionando com força, preocupada que se o contato desaparecesse ela poderia deixar

de existir.

Com um golpe descendo pelo quadril e subindo novamente, o monstro explicou

com um estrondo baixo e suave. — Se algum dia eu sentir o cheiro de outro homem
saturando você novamente, vou caçar o macho e arrancar seus membros enquanto você

assiste... então vou te foder na poça de sangue dele.

Seus dedos simplesmente arranharam onde ela se agarrou, cavando fundo. —

Quando você fala assim, me assusta.

Estranhamente, ele a silenciou como se estivesse confortando uma criança,

apertando-a com mais força em seus braços.


Capítulo 8

Ele simplesmente não conseguia acreditar. Balançando a cabeça, sofrendo por ela,

Corday lutou contra a raiva fervente. Os rumores se espalharam como fogo, variando

histórias de como um enclave de Ômegas foi resgatado.

Esse foi o termo que a Dome Broadcast usou para descrevê-lo. Resgatado.

E Claire se foi. No fundo, Corday se sentia responsável – que deveria saber que a

Ômega faria o que ela considerava melhor – e se odiava por não ver os sinais.

Acordando naquele sofá irregular, com uma cãibra no pescoço por um ângulo

estranho, ele percebeu imediatamente o que ela tinha feito. Levantando-se de um salto,

amaldiçoando uma tempestade, Corday saiu correndo porta afora.

Não houve necessidade de procurar, suas horas correndo pela cidade foram

desperdiçadas. Se ele simplesmente tivesse ligado o COMscreen, uma versão distorcida

da história – incluindo imagens de mulheres emaciadas aceitando comida – teria sido

reproduzida repetidamente. Não havia nenhuma foto de Claire, ou mesmo de

Shepherd. Mas um breve Beta conhecido por ser o segundo em comando de Shepherd

foi apresentado, oferecendo cobertores às Ômegas e orientando os Seguidores a levá-las

para um local seguro.


Uma mentira.

Corday não sabia como Shepherd as havia encontrado, mas depois de ver o

panfleto e a recompensa escandalosa, suspeitou que uma das amigas de Claire a havia

traído.

O pensamento partiu seu coração.

O Executor conhecia Thólos, entendia o que ela estava enfrentando. A inocente

Claire era muito idealista, muito doce e, por mais obstinada que fosse, ainda era uma

Ômega. Ela via o mundo através dos olhos de uma zeladora, de uma nutridora – não de

uma guerreira.

Pela aparência dos terrenos gelados que cercavam a captura, pelo vapor do hálito

exalado pelas mulheres famintas, foi a congelante Terras Inferiores que abrigou o grupo

de Claire – um lugar perigoso onde mais do que apenas o clima abaixo de zero poderia

matar.

Corday havia entrado na névoa para ver por si mesmo, disfarçado de saqueador

para vasculhar o labirinto, misturando-se com o resto dos abutres que já caçavam

furtivamente os escassos bens deixados para trás.

O cheiro de Claire permaneceu no ar, inebriante de ansiedade, poderoso pelo suor

que ela devia ter expelido quando correu para suas amigas. Corday o seguiu, ignorando

os itens pessoais abandonados espalhados pelos quartos, o lixo. A trilha terminava em

um armário, onde – assim que a porta foi aberta – ele encontrou ar preso que cheirava a
sexo. Shepherd a fodeu no momento em que a encontrou; isso ficou claro não apenas

pelo cheiro, mas pela visão do suéter e das calças descartadas que Claire estava usando.

Suas roupas – aquelas que Corday preparou especialmente para ela naquele dia.

Agachando-se, ele levantou o tecido e levou-o ao nariz, inspirando a Ômega,

baixando a cabeça, sentindo-se um fracasso.

Não poderia terminar assim.

Ele pode ter falhado com Claire, mas suas informações sobre as pílulas trouxeram à

luz outras Ômegas necessitadas, e os Executores – liderados pela brigadeiro Dane – já

estavam se preparando para atacar. Corday os ajudaria como havia prometido. Afinal,

qual seria o sentido da resistência se não se revidasse de fato?

-*-*-*-*-*-*-

Corday teve dificuldade em encontrar respeito por uma mulher como a brigadeiro

Dane. A arrogância de Dane e a necessidade míope de lembrá-lo constantemente dos

crimes de seu pai e do subsequente encarceramento os colocaram em conflito desde o

primeiro momento em que conheceu sua comandante. Mas algo mudou em Dane

durante os meses desde a queda da cidade. Ficou claro que a fêmea Alfa carregava o
enorme peso da culpa de sobrevivente. Dane se esforçava muito mais, falava menos e

parecia tão determinada quanto Corday a corrigir pelo menos um erro, se pudesse.

O tempo estava desagradável; mesmo ao meio-dia já estava quase escuro, e o céu

inchado cobria a cúpula tão hostil quanto os guardas do lado de fora da toca do

traficante de produtos químicos. Quando Corday chegou para se juntar ao ataque tático

de Dane, ele pôde sentir o cheiro de drogas cozinhando, o sabor amargo e químico

contaminando o ar. Mais ainda, ele podia ouvir os chamados drogados e necessitados

das mulheres, implorando por libertação de onde quer que o traficante de rosto flácido

as tivesse trancado.

Havia cerca de doze homens no local; metade estava armada com artilharia de

nível Executor à qual não deveriam ter acesso. Armas penduradas nos ombros, rostos

desprovidos de emoção, os bandidos estavam habituados à vileza que os cercava. Pelas

informações de Dane, os Executores agora sabiam qual desprezível comandava o show;

um Alfa mais velho e atarracado chamado Otto. As ordens da brigadeiro eram mantê-lo

vivo para interrogatório.

Eles precisavam saber quem havia fornecido aquelas armas àqueles homens. Eles

eram afiliados aos Seguidores do Shepherd? Existiam outros cartéis com artilharia que

pudessem ser confiscados?

Os clientes já estavam se aproximando com ofertas de troca, contorcendo-se com a

necessidade de dar um nó em uma Ômega aquecida. Parecia que algo tão simples
quanto um pedaço de fruta fresca ou um saco de arroz poderia fazer um Alfa ou Beta

transar. Havia estoques de comida, caixotes empilhados em um canto vigiado que

poderiam ser melhor aproveitados depois de apreendidos.

Derrubar estes homens poderia potencialmente financiar o início de uma

verdadeira rebelião.

Liderada pela brigadeiro Dane, com Corday nas suas costas, a equipe de doze

Executores blindados invadiu o complexo de concreto em formação tática. Todos os

alvos foram eliminados sem questionamentos, a infiltração coreografada com uma

precisão que até mesmo Shepherd teria admirado.

Enquanto Dane derrubava os homens curvados sobre as mesas que preparavam

drogas, a equipe de Corday dobrou uma esquina e passou pelos fundos do prédio.

Aproximando-se de onde as Ômegas estavam encurraladas, os Executores, como todos

os humanos, encontraram-se suscetíveis aos feromônios indutores de luxúria

misturados com o fedor da sujeira humana. O animal dentro de Corday cheirou,

instantaneamente seduzido, enquanto o humano que controlava tais impulsos achava

tudo o que via repulsivo. A vista era repugnante; seis mulheres acorrentadas à parede,

com coleiras no pescoço como cães. Duas estavam tão emaciadas pelo estro contínuo

que Corday não tinha certeza de como ainda respiravam.

Cada cativo estava equidistante – um pouco longe demais dos outros para ser

tocado. Alguns ainda estavam sendo atacados por Alfas; alheio aos soldados que os
atacam. Não havia piedade com a cidade sendo uma zona de guerra. Um único tiro na

cabeça e os agressores morreram, presos demais no nó para se desvencilharem. No

final, apenas três dos selvagens – incluindo o necessário Otto – foram capturados vivos

e amarrados no meio da sala. Os Executores começaram a desencadear Ômegas,

preparando-se para movê-las o mais rápido possível antes que um dos oficiais caísse

instintivamente na rotina por causa dos feromônios.

Havia coisas que Corday tinha visto em seus poucos anos como Executor, crimes

tão vulgares que ele simplesmente não conseguia acreditar que alguém fosse capaz de

cometê-los. Acontece que os horrores naquele canil Ômega eram apenas o começo.

Atrás de um frigorífico acorrentado jaziam os corpos extenuados de numerosas

criaturas esqueléticas, empilhados ao acaso, congelados pelo frio que os impedia de

apodrecer; os cadáveres emaciados de onze Ômegas assassinadas, machucadas,

espancadas, olhando com olhos sem vida para o nada em que haviam se tornado.

A brigadeiro Dane olhou, a fêmea Alfa de queixo caído, vendo uma garotinha que

se parecia tanto com sua irmã desaparecida, que levou um momento para registrar os

gritos de seus homens. Desviando os olhos, ela correu em direção ao clamor. Um das

Ômegas, uma fêmea recém-capturada e ainda livre do efeito total da droga, segurava

um caco de vidro que pingava sangue. Nua, ela ficou de pé sobre Otto e seus capangas,

serrando o pescoço do gangster amarrado até sua mão sangrar.

Ela matou sua fonte de informação.


Corday estava conversando com a Ômega em voz baixa, tentando acalmá-la, fazê-

la derrubar o copo, mas nada parecia passar por sua expressão de zumbi. — Shh-shh,

está tudo bem, abaixe o copo. Somos Executores e vamos levar você para um lugar

seguro, senhora.

Olhando para o jovem estendendo as mãos como se quisesse acalmá-la, sua voz

quebrada conseguiu: — Eles mataram meu Doug, meu bebê.

— Por favor, abaixe o vidro.

Olhos vidrados voltaram-se para os homens mortos que a acorrentaram, que lhe

tiraram a vida; não houve nem um momento de hesitação. Ela enfiou a arma

ensanguentada tão fundo na garganta que o jorro de sangue foi imediato.

Corday correu para frente, colocando as mãos no pescoço dela.

A brigadeiro Dane sabia que não havia maneira de salvar a fêmea do corte que ela

havia feito em sua própria garganta, não importando o quanto o frenética Beta tentasse.

Mas havia maneiras de salvar todas as mulheres amontoadas naquele frigorífico – se os

Executores tivessem notado, se tivessem agido meses atrás. Em vez disso, estavam

muito ocupados reunindo forças, conspirando e não fazendo nada.

Nos corações de todos que assistiram, todos os sentimentos de vitória

desapareceram, pingando enquanto o sangue da Ômega manchava o chão. Dane se

agachou e fechou os olhos da Ômega morta enquanto ela fazia sua oração.
Quando o encantamento à Deusa Mãe das Ômegas foi concluído, a voz de Dane

endureceu. Ordens foram gritadas. A torre de alimentos foi desmontada e carregada no

transporte; as Ômegas, atordoadas pelo calor, foram levadas embora.

Os corpos tiveram que ser deixados para trás; não havia nada que pudesse ser feito

pelos mortos.

Todas as drogas foram descartadas, espalhando-se juntas, enchendo o ar com gases

nocivos – a receita perfeita para a absolvição do fogo. Corday acendeu a chama,

destruindo os supressores de calor falsificados, as metanfetaminas... as evidências de

atrocidades e a parte dos Executores em purificá-las. Mas a estrutura do edifício ainda

estava de pé.

Thólos era à prova de fogo.

-*-*-*-*-*-*-*-*-*-

Cansada, Claire esticou as pernas debaixo dos cobertores quentes e pressionou os

pés no chão. Ela se sentia... desligada, saturada com a letargia que vem antes da doença,

e estava grata por Shepherd não estar no quarto para apalpá-la como sempre fazia

quando ela acordava. Ele a puniu por sua resistência, assustou-a e depois acalmou-a; de

volta aos seus velhos truques de tentar distorcer a mente dela.


Sentada na beira da cama, ela esfregou os olhos para tirar o sono e franziu a testa

diante da dor no ombro. No quarto, tudo se encontrava onde estava da última vez que

ela ficou trancada lá dentro. Exceto sua pintura de papoulas. Estava torto, o papel

menos nítido, como se tivesse sido manuseado repetidas vezes. Negando seu impulso

de centralizá-lo, Claire estudou as flores, certa de que Shepherd tinha feito o mesmo em

sua ausência.

Considerando a grande raiva que explodiu do seu lado do elo no início da fuga

dela, não havia sinal de tal ira na cela. Nenhum móvel estava quebrado. Suas escassas

coisas estavam exatamente onde ela as havia deixado, quase como se ela nunca tivesse

partido. Até os lençóis eram iguais; obsoletos, inalterados em sua ausência.

Movendo-se a passo de lesma em direção ao banheiro, Claire tirou a gaze do ombro

e ficou debaixo de água morna. Era difícil mover o braço sem dor, o xampu ardia em

seu ferimento e ela se viu cerrando os dentes com o desconforto que isso lhe causava

simplesmente por ficar limpa.

Como se ele soubesse que ela iria querer tomar banho ao acordar, havia uma gaze

estéril e esparadrapo esperando no balcão. Querendo cobrir a marca feia para que seu

estômago embrulhado parasse de ameaçar derramar cada vez que olhasse para ela,

Claire tratou a mordida. Enquanto pressionava a fita, consciente dos hematomas, seus

olhos capturaram algo que não deveria acontecer. A pequena lixeira que eles usavam

para lavar roupa exibia um de seus vestidos aparecendo perto do topo. Considerando
que ela estava ausente há oito dias, isso lhe pareceu estranho. Puxando-o, suas

sobrancelhas se ergueram. O tecido cheirava a ela, mas cheirava ao sêmen de

Shepherd... como se ele o estivesse cheirando enquanto se masturbava antes de vestir as

roupas dela.

A ideia trouxe uma pontada indesejável entre suas pernas, e Claire, sem pensar,

cavou mais fundo, apenas para descobrir que quase todas as peças de sua roupa tinham

sido tratadas da mesma maneira. Por que ele faria isso — ou, mais importante, por que

cheirava tão bem? Percebendo que ainda estava com o primeiro vestido pressionado

contra o nariz, uma onda de vergonha fez suas bochechas queimarem. Claire

rapidamente guardou a roupa ofensiva de volta.

Água fria foi jogada em seu rosto e a febre pareceu passar.

Havia algo sobre o ato que ele cometeu. Em todos os seus dias de liberdade, ela

lutou para não pensar em Shepherd, para não questionar como a separação deles

poderia tê-lo afetado. Claire não se permitiu perguntar se ele havia sofrido tanto quanto

ela. A negação dela ao chamado dele, a negação do vínculo, isso a distorceu. O que isso

fez com ele? Ele estava preocupado que ela pudesse ter se machucado? Até mesmo a

recompensa estipulava que ela deveria ser trazida ilesa para reivindicar a recompensa.

O homem depositou muita confiança na ganância dos outros... e parecia que sua

avaliação estava correta.

Claire saiu do banheiro, deixou seu reflexo corado e começou a andar.


Distraidamente, olhou em volta e descobriu que sua avaliação anterior estava

incorreta; o quarto simplesmente não estava certo. Começava com a roupa de cama,

insatisfatória; ela tinha que ser substituída. Ela a tirou, sentindo-se um pouco melhor

quando a roupa lavada foi estendida. Sua pintura teve que ser movida, centralizada.

Uma dor de cabeça começou, o caroço em seu crânio latejava. Ela começou a andar um

pouco mais. Num momento estava com calor, no seguinte com frio; no entanto, não

importava se ela suasse ou tremesse, ela se sentia completamente desconfortável.

A preocupação com as Ômegas agitou seus pensamentos. Shepherd garantiu a ela

que ninguém ficou ferida. Mas e Lilian? E quanto as suas companheiras? Ele as havia

assassinado? Estava as amarrando naquele exato segundo?

O estômago de Claire revirou e por um momento ela se sentiu realmente mal. A

sensação passou, inundando-a de pavor e deixando-a vazia. Era isso. Olhos verdes

avaliaram paredes cinzentas e monótonas, varrendo a sala. Esta era a sua vida – uma

vida amarrada a um homem obcecado em mantê-la escondida; que enforcaria três

mulheres porque elas tentaram receber a recompensa que ele ofereceu; um monstro

possessivo que usava o mal como ferramenta; um demônio que diria coisas terríveis e

depois a abraçaria com uma sensação de falso conforto.

Shepherd era reconhecidamente mau. Eram incompatíveis — em necessidades, em

ideais; na própria composição de suas almas. E eles estavam unidos. Para sempre.
Antes que pudesse chorar, Claire tentou se perder na limpeza do quarto,

desacelerada pelo braço e distraída pela preocupação. Não importa como ela esfregasse,

nada parecia limpo o suficiente. Mas o verme estava pulsando, entregando-se ao seu

comportamento louco, sussurrando para ela sobre o quão perfeito isso era, sobre a

beleza daquele quarto com paredes cinzentas, sobre a destreza de seu companheiro e

sobre o quão inteligente ele foi em resgatá-la.

Quando Shepherd chegou, Claire estava resignada, sentada à mesa com a cabeça

apoiada nos braços. Seu companheiro tinha uma bandeja para ela e olhou pela sala com

aprovação ao descobrir que sua fêmea praticamente ocupava seu tempo. Eles não

falaram. Claire simplesmente se sentou, colocando o cabelo atrás da orelha, e franziu a

testa para a comida.

Era um peito de frango lindamente preparado, encharcado com um molho

saboroso espesso com cogumelos e alho. Exatamente o tipo de cozinha que Claire

adorava, mas algo no cheiro estava estranho. Foi difícil comer durante aqueles últimos

dias de liberdade, um efeito colateral da luta contra o vínculo, e ela se sentiu

desconfortável ao pegar o garfo. O homem estava ronronando; ele cheirava ao Alfa rico,

todas as coisas que deveriam ter trazido conforto a ela, todas as coisas que seu corpo e

mente exigiram quando ela estava escondida. Mesmo assim, ela mal conseguia engolir

metade do prato.

Deveria ter sido bom. Ela deveria estar com fome.


Sentindo-se mal, Claire empurrou a comida e sentiu que poderia vomitar. Ele ficou

ao lado dela, abaixou-se para pegar a vitamina habitual que ela costumava esquecer e

esperou que tomasse. Ansiosa para acabar logo com isso, ela jogou-o na boca e engoliu

a água. Quando terminou, quando a pílula escorregou por sua garganta, ela começou a

engasgar.

Uma mão quente chegou à sua nuca e empurrou sua cabeça entre os joelhos, o

ronronar aumentando em volume e força. A onda de náusea passou, mas a deixou

suando frio. Tinha que ser o estresse, ou talvez ela tivesse contraído um vírus. Tudo o

que Claire sabia era que não havia nenhuma maneira de ela engolir outra coisa.

— Devo verificar sua marca em busca de sinais de infecção. — Não era uma

sugestão, era uma ordem, e ela sabia disso.

— Você pode me dar um minuto? — Claire resmungou, dobrando-se e nem um

pouco ansiosa para se endireitar.

— Vou recuperar o que for necessário; levará vários minutos, que você pode usar

esse tempo para se recompor.

O peso da sua mão deixou o pescoço dela e Claire viu as botas dele desaparecerem.

Respirando lentamente e refrescantemente, conseguiu se desenrolar e enxugou o suor

do rosto com o antebraço. Quando ele voltou, ela recostou-se na cadeira, olhando para o

familiar teto de concreto, ainda se sentindo uma merda.

A fera se aproximou. — Sente-se direito.


Uma nova bandeja foi colocada, cheia de vários instrumentos médicos e duas

seringas pré-cheias. Observando a estranha variedade, Claire ficou tensa quando

Shepherd deslizou a alça de seu vestido para baixo. A gaze foi retirada com cuidado.

Cotonetes embebidos em água oxigenada esfriaram sobre a pele quente, fazendo a

mordida furiosa efervescer. Ela desviou o olhar, sem saber se iria vomitar. Tudo o que

ele fazia parecia ser o mais conciso possível, para minimizar o desconforto, se

abaixando e segurando-a com delicadeza.

Ela ficou imóvel durante todas as cutucadas, extremamente infeliz com o

acontecimento e quase pronta para perder a calma e se esconder no banheiro. A

pomada foi espalhada sobre a ferida, uma gaze nova foi colada com fita adesiva, e então

ele enfiou um termômetro digital no ouvido dela e acenou com a cabeça ao ver o

resultado.

Quando aquelas mãos grandes foram pegar uma das seringas, Claire enrijeceu e

perguntou rapidamente: — O que é isso?

— Isto é um antibiótico. — Shepherd segurou o braço dela como se pudesse

arrancá-lo e injetou-a rapidamente. Claire observou a agulha deixar sua pele, uma

pequena gota de sangue jorrando. Quando ele veio até ela com o segundo, seu aperto

aumentou e ele espetou com muito mais força a parte carnuda de seu bíceps. Enquanto

ela dava um ai irritado, ele empurrou o êmbolo e disse francamente: — E esta é uma
forma muito mais pura da droga para fertilidade que você tinha nos bolsos quando foi

ao tribunal.

— O quê?

Claire já estava empurrando-o, batendo em seu braço com o punho para tirá-lo

dali. O Alfa apenas ignorou cada golpe e pressionou uma bola de algodão estéril no

local da injeção, esfregando até sentir o braço doer.

— SEU BASTARDO! COMO VOCÊ OUSA!

Aparentemente tranquilo, ele explicou: — Essa foi a sua segunda dose. A primeira

injeção foi administrada na sua chegada, há vinte e quatro horas. É por isso que você se

sente mal.

A acidez estomacal, o suor frio, a febre... era exatamente como ela se sentia

esperando nos tribunais, ampliado em dez. Só que desta vez ela não ficou apavorada;

em vez disso, estava prestes a matá-lo. Enquanto ela gritava todas as obscenidades que

conhecia até ficar com o rosto vermelho, Shepherd simplesmente segurou seu braço e

continuou a massagear as drogas injetadas em seu músculo.

Ela não deveria ter outro cio por pelo menos três meses, cinco se ela tivesse sorte, e

esse idiota estava forçando um nela.

— Por que você fez isso? — Ela cuspiu nele. — Por quê?
Sem remorso, ele explicou: — Seu corpo estava fraco demais durante o último cio

para aceitar a fertilização. Você está mais forte agora; a chance de uma gravidez bem-

sucedida é muito mais provável.

— Então você me enche de drogas para me criar como um cavalo? Você tem

alguma ideia de como isso é fodido? Estou ligada a você há menos de dois meses. Isso é

uma loucura! E eu teria engravidado naturalmente na primavera!

Shepherd falou, completamente despreocupado com sua explosão: — O tempo é

um fator e, como uma Ômega, a maternidade só lhe trará alegria.

Claire estava prestes a começar a arrancar o cabelo. — Shepherd, dê o fora desta

sala! Pegue seu veneno e suposições míopes sobre Ômegas e SAIA!

Quando ela viu uma risada entre os cílios dele, ela atacou e deu um tapa nele com

toda a força que pôde. Toda a sua violência realizada foi a palma da mão dolorida;

Claire apertando os dedos em punho para segurar os dedos ofendidos em seu peito. Ele

parecia calmo, como se esperasse completamente o acesso de raiva dela, e aguentou

enquanto ela reclamava e tentava se levantar da cadeira.

Quando ela estava uma bagunça desgrenhada, cabelos desgrenhados e olhos

ameaçadores de assassinato, ela sentiu outra onda de febre horrível, pior do que antes, e

rosnou como uma fera. — Te odeio!

— São os hormônios.

Claro que eram; ele estava enchendo-a de hormônios!


Saiu por entre os dentes cerrados. — Você é um porco... um péssimo companheiro.

— Eu garanto que você vai gostar muito mais de mim em questão de horas. — Ele

murmurou maldosamente, as costas dos dedos estendendo-se para acariciar sua

bochecha.

Claire se afastou e começou a chorar. Ela não sabia se isso era algum tipo de

punição fodida ou apenas mais uma parte de sua vida que ele tinha sob seu controle.

Tudo o que ela sabia era que tudo o que ele tinha feito não era bom.

Quando ele tentou acariciar seu cabelo, ela deu um tapa na mão dele e gritou: —

Não me toque!

Ela se abaixou, escondeu o rosto na saia e soluçou. Shepherd ficou parado durante

os bons dez minutos que levou antes que seu choro se transformasse em soluços

ofegantes.

— Se você parar de chorar, vou levá-la para fora e mostrar-lhe o seu céu. — Ele

ofereceu, suas zombarias substituídas por uma tentação sutil.

Ela permaneceu curvada, com o rosto escondido, e deu um tapa no ar em sua

direção. — Vá para o inferno.

O fio, o pequeno elo entre eles, que estava tão feliz, tão cheio e quente, apenas uma

hora antes, agora era apenas dor, como uma lâmina de barbear no seu peito. Ela

esperava por Deus que isso o machucasse tanto quanto a machucava, que o maldito

cordão gorduroso fosse uma sensação de tortura de mão dupla. Mas então ela lembrou
que ele era apenas um psicopata sem coração, incapaz de emoções humanas... que ele

estava torturando Thólos de propósito.

Pensando em sua mãe, Claire entendeu tudo o que deve ter passado pela cabeça

daquela mulher todos esses anos... corroendo-a até que ela simplesmente não

aguentasse mais. Seu pai pode ter sido um homem decente, mas até Claire podia ver

que sua mãe não o queria... que ela ansiava pelo Alfa da casa ao lado que nunca poderia

ter. Quão libertador deve ter sido seu suicídio. Controle de seu destino, da única coisa

que o Alfa que manejava o vínculo de casal não poderia decidir por ela. A ideia estava

se tornando cada vez mais atraente.

— Eu não aprovo a direção de seus pensamentos. — Shepherd rosnou, baixo e

ameaçador.

Claire o ignorou.

Mãos grandes rodearam seus braços e a puxaram para ficar de pé. Recusando-se a

olhar para ele, ela fungou e virou a cabeça, olhando pateticamente para a parede oposta.

— Vamos lá fora. Você verá o seu céu e se sentirá melhor. — Foi um comando. —

Essa resposta emocional da medicação vai passar.

Era como se ele não tivesse ideia de como as pessoas funcionavam.

Todos os sinais de um ciclo de calor cada vez mais intenso estavam presentes:

calafrios, suores frios, seu aparelho digestivo fechando. Toda a limpeza, a necessidade
de o quarto estar pronto... Shepherd estava certo; em poucas horas ela estaria

implorando para ele transar com ela.

Cobrindo a boca, veio outra onda de náusea.

Ele a soltou, observando enquanto ela corria para o banheiro para vomitar. Entre as

ânsias de desocupar o estômago, ela reconheceu remotamente que ele estava segurando

seu cabelo para trás, que sua mão estava acariciando suas costas. Tudo o que ela comeu

foi expelido até que nada além de bile surgisse. Ela se sentia tão doente e

completamente degradada, sentada ali de joelhos, com a própria causa de seu tormento

sendo uma cópia do conforto.

— Por que você está fazendo isso? — Ela respirou, enquanto ele passava uma

toalha fria em seu rosto.

— Desejo descendência; um legado.

Você é doente. — O pensamento racional estava voltando e Claire lutou para sair

do colo dele para poder chegar à pia e enxaguar a boca. — Até você deve ver que este

não é lugar para uma criança.

Ele falou com segurança, observando-a escovar os dentes e aproximando-se muito

mais do que seria confortável. — A gravidez irá acalmá-la e colocá-la no estado de

espírito correto. Não há necessidade de você ficar chateada, pequena. Eu proporcionarei

segurança e conforto a vocês dois.


Cuspindo, ela rosnou: — Segurança? Você acabou de me envenenar. Conforto? Eu

moro em uma caixa de concreto!

Seus olhos prateados profundamente alertadores se estreitaram, Shepherd estava

claramente perdendo a paciência. — Foi necessário, e só será benéfico para você se no

próximo ciclo estral você conceber.

— Não faça parecer que suas ações me beneficiam. Eu estaria completamente à sua

mercê; a gravidez me faria realmente precisar de você!

— Você já está completamente à minha mercê. Chega de mau humor.— Ele a

pegou pela nuca, o ronronar que ele oferecia incessantemente nunca vacilou enquanto a

levava de volta para o quarto. — Vamos caminhar agora.

Claire não era estúpida. — Não finja que isso é um ato de gentileza. Você quer que

eu saia da sala para que outros possam entrar e prepará-lo.

— Você é muito inteligente, pequena. Uma boa característica para a mãe da minha

prole.

— E você é muito mau. — Ela respondeu, olhando para a montanha diante dela

com aversão abjeta.

Shepherd pareceu crescer, espalhar-se na escuridão da sua prisão. — Eu posso ser.

Mas também sou um homem e espero um filho daquela que escolhi como companheira.

É uma pena que a linha do tempo não lhe agrade, mas é o que desejo. — Uma grande
palma foi estendida para ela pegar, não exatamente um ato de educação, e não

exatamente uma ameaça. — Agora venha. Vou acompanhá-la para fora.

Claire não tinha casaco nem sapatos, então Shepherd a envolveu em um cobertor,

enxugou seu rosto e alisou seu cabelo, ronronando alto para impedi-la de rosnar. Não

havia absolutamente ninguém nos corredores pelos quais ele a conduziu, como se ele

tivesse preparado e ordenado a saída de qualquer homem que pudesse ter encontrado a

Ômega que pertencia a ele. Caminhando pelo labirinto, Claire memorizou cada curva,

cada pequeno marco, construindo um mapa em sua cabeça, pronta para fugir na

primeira oportunidade. Durante tudo isso, Shepherd manteve um aperto implacável em

sua mão. Ela não iria a lugar nenhum.

A viagem silenciosa terminou no terraço inferior, perto da base da Cidadela — um

segmento decepcionante que pouco oferecia em termos de vista além das Terras

Inferiores cobertas de neblina. O Beta de olhos azuis estava lá, armado e olhando para

frente, mas mais ninguém.

Pés congelados no chão, um vento forte pressionava o tecido da manta contra suas

pernas, todo desconforto era ignorado pela infeliz Ômega. Embora estivesse escuro,

havia uma extensão de céu muito acima, cercada por torres que chegavam até o topo do

Domo.

Se ela apertasse os olhos, poderia ver as estrelas.


Claire doía, seu coração era um pedaço de carne arraigado e podre, envolto em

costelas danificadas pelo fio vermífugo. Distraidamente, ela começou a esfregar o local,

olhando em meio às lágrimas, doente e quase desesperada.

Shepherd estava atrás dela, corado para oferecer calor ao corpo, brincando com seu

cabelo enquanto ele soprava com as rajadas. Cada parte dela desejava afastá-lo, arrancar

o cabelo de seus dedos, mas ela sabia que gritar com ele de raiva na sala era o limite da

desobediência que Shepherd permitiria. Desafiá-lo na frente de um homem, seu

Seguidor subordinado, não terminaria bem para ela. Ele tinha muito mais com que

ameaçá-la agora que o estro quimicamente induzido se aproximava. Se ela o

pressionasse com força suficiente, ele poderia chegar ao ponto de deixar seus homens

montá-la, e ela estava aterrorizada com a ideia de ser compartilhada como uma

prostituta.

Um tormento estava chegando. Ela era jovem, fértil, e o cheiro de Shepherd

anunciava um homem viril. Eles eram extremamente biologicamente compatíveis. Ele

criaria vida dentro dela. Como se já fosse uma realidade, Claire olhou para sua barriga

lisa e pressionou a mão onde, em menos de uma semana, um bebê estaria crescendo.

O nariz dele estava na parte de trás do crânio dela, Shepherd respirando

profundamente. — Você está se sentindo melhor.

— E importa como eu me sinto? — Ela perguntou, baixo o suficiente para que suas

palavras fossem mantidas entre eles.


Puxando gentilmente o cabelo dela exatamente do jeito que ele sabia que iria

acalmá-la melhor, ele respondeu: — Importa.

— Eu nunca vou te perdoar por isso.

O homem ronronou mais alto, o braço deslizando pela cintura dela como uma

âncora.

Virando-se, com os olhos na altura do peito dele, Claire colocou a mão na parte

relativa do corpo dele onde seu próprio fio verme estava preso. Erguendo os cílios

úmidos e pontiagudos para olhar nos inexpressivos olhos prateados, ela chorou

abertamente. — É aqui que você está amarrado a mim, onde o vínculo está entrelaçado.

Talvez você seja incapaz de sentir o que fez, mas eu sei de uma coisa: Alfas unidos por

pares devem cuidar de suas Ômegas. Mas você não. ... então por que formar um vínculo

de casal comigo? Se tudo que você queria era um filho, você poderia ter me injetado

suas drogas e me semeado do mesmo jeito. Por que me fazer carregar o fardo de um

vínculo insatisfatório? Por que me arruinar para que eu nunca ser feliz?

Ele não desviou o olhar, mas ela teve a sensação de que ele estava tentando olhar

através dela. Após o espaço de três respirações, Shepherd falou. — Você é jovem e

acredita que entende o mundo a partir de sua perspectiva míope e idealista. Você acha

que sabe muito mais do que sabe. — Explicou ele como se fosse um grande professor

eloquente, a música de sua voz não afetada pelo vento. — Às vezes, é tão pouco
sofisticado quanto um homem simplesmente querer porque podia, viu uma chance e a

aproveitou.

O gigante falava em círculos, sem lhe dar absolutamente nada. Claire tirou a mão

do lugar onde ela esperava que ele pudesse sentir alguma coisa – algum indício de

arrependimento, algo por ela além da ideia de posse. — Vou lutar contra o estro.

— Você vai tentar. — Um dedo enganchou seu queixo e chamou sua atenção para

cima. Ele estava falando sério, sua expressão transmitindo seu ponto de vista. —Mas eu

sou seu companheiro e cuidarei de você neste calor. Cuidarei de você e lhe darei prazer,

e quando terminar, você me dará o que desejo.

— Se eu não conseguir engravidar, você vai me drogar de novo?

Colocando para trás uma mecha de cabelo dela, ele assentiu e respondeu

suavemente: — Sim.

Presa naquele olhar prateado, Claire murmurou, perdida e abalada: — Meus pés

estão frios.

— Estou ciente, mas quero que você experimente o seu céu o máximo que puder.

— Ele esfregou suas costas como se quisesse aquecê-la e continuou quase gentilmente:

— Nós dois sabemos que você não é confiável, pequena. Portanto, você não verá isso

novamente por um bom tempo.

Um grande polegar quente já estava lá para enxugar as lágrimas de raiva que ele

sabia que cairiam com seu veredicto.


-*-*-*-*-*-*-*-*-

Corday pressionou as costas contra a parede atrás dele e tentou ignorar a súplica

quimicamente induzida das mulheres trancadas no quarto às suas costas. Apenas seis

Executores Beta foram autorizados a permanecer no local do esconderijo, alternando

quem tinha que entrar na sala para alimentar à força os supressores de calor das

Ômegas a cada quatro horas. Eles fizeram o que puderam para bloquear os feromônios,

usaram máscaras embebidas em óleo pungente e agiram o mais rápido possível. Mesmo

assim, isso colocou os Betas na rotina e cada homem foi testado. Dois foram arrastados

para fora para respirar ar puro quando quem estava observando através do vidro viu a

mudança ocorrer em seu camarada.

Não foi intencional e nenhuma das mulheres foi tocada. A compulsão era

simplesmente um ato da natureza para o qual eles se preparavam com freios e

contrapesos. Os Executores que cuidavam das Ômegas trabalhavam em equipe

exatamente por esse motivo. Mas mesmo com a cuidadosa alimentação, uma das

fêmeas – um corpo que era pouco mais que pele e ossos – já havia morrido por falta de

nutrição e ferimentos internos invisíveis.


Ninguém sabia qual era o nome dela quando a enterraram no gramado de um

terraço coberto de mato, o mais fundo que puderam cavar antes de atingir a estrutura.

Sua história era desconhecida, outra Jane Doe deixada para apodrecer pela ocupação de

Shepherd. A Ômega tinha cabelos escuros como Claire, um corpo pequeno semelhante;

e quando a terra foi colocada sobre ela, Corday sentiu-se mal, quase chorou e voltou

para dentro antes de terminar, incapaz de olhar mais.

Doze horas se passaram desde a primeira dose das Ômegas. Pela pequena janela,

Corday pôde ver que o céu havia escurecido e se preparou. Ele seria o próximo a entrar

na sala, cheirando a estro quimicamente exagerado.

Um alarme soou, e o Executor que iria vigiá-lo enquanto ele enfiava o remédio na

boca das mulheres disse: — Está na hora, cara.

Assentindo, Corday levantou-se, pegou a máscara oferecida que estava encharcada

de fedor e depois pegou os comprimidos e a água. A porta foi aberta e ele avançou,

prendendo inconscientemente a respiração para começar da esquerda para a direita.

Suas mandíbulas se abriram de bom grado para chupar seus dedos. Era quase

impossível fazê-los engolir. Ele teve que ronronar entrecortado, o que o forçou a

respirar, e praticamente as afogou até conseguirem engolir o comprimido. Ele passou

por todas as cinco, sentiu a febre e recuou mesmo quando seu pênis começou a latejar

com tanta força que doía. Uma vez fora do quarto, praticamente correu para fora, sua
mente cheia de Claire e do momento de fraqueza que ele teve no apartamento quando o

banheiro cheirava tão bem e o deixou tão duro.

O fato de que mesmo naquele momento ele queria enfiar a mão nas calças e se

masturbar o encheu de auto aversão. Corday lutou contra isso, ficou no frio por mais de

uma hora... assim como todos os outros Executores que estiveram na sala fizeram.

Eventualmente ele se encontrou, ficou flácido e voltou para dentro para continuar sua

vigilância. Ele rezou ao deus dos Betas para que não precisasse voltar para aquela sala.

A oração, como todas as outras, não foi atendida.

Demorou quase três dias inteiros para as Ômegas saírem do estro e mais cinco

viagens ao inferno cheio de feromônios para Corday. Quando as mulheres recuperaram

o juízo, ficaram confusas e assustadas... a maioria estava tão chapada que mal se

lembrava do que havia acontecido com elas. As que se lembravam estavam

inconsoláveis ou vazias — como bonecas sem nada dentro. Os Executores deram-lhes

comida, cada homem designou turnos para vigilância de suicídios.

Outra Ômega morreu pela manhã, aquela mais vago... de causa desconhecida. Foi a

brigadeiro Dane quem suspirou e disse que parecia que a garota tinha acabado de

decidir parar de respirar.

Corday a enterrou, sabendo pelo menos que seu nome era Kim Pham, bem ao lado

de Jane Doe. Dessa vez, ele chorou como um bebê.


Capítulo 9

Enquanto estavam no terraço, Claire sentiu os primeiros sinais, o primeiro sinal de

alerta de que era hora de combater o cio. Uma onda de calor baniu o frio, o cobertor ao

seu redor ficou desconfortavelmente quente, coçando... ela tentou esconder. Sua

tentativa de fingir normalidade não fez diferença; Shepherd percebeu a mudança

imediatamente. Sem dizer uma palavra, ela foi levantada e rapidamente levada de volta

para sua jaula. Assim que a porta foi trancada, ela saiu correndo, forçando espaço entre

eles, onde começou a andar de um lado para o outro. A sua marcha continuou durante

horas; seu estômago estava azedo, seu humor estava péssimo. O macho parecia

contente em deixá-la torcer as mãos e andar de um lado para outro, notando que ela se

recusava a sequer olhar na direção dos materiais de nidificação fornecidos, ou na mesa

cheia de comida preparada para acompanhá-lo durante o que poderia ser um longo

isolamento.

Os nós em seu estômago doeram e logo ela estava respirando com dificuldade,

pressionando a mão na barriga, preocupada com o que as drogas dele estavam fazendo

com um corpo que estava longe de estar pronto para ovular.


Uma voz calma e abafada veio do canto. — O desconforto vai passar. Não haverá

danos a longo prazo.

Claire lançou um grunhido longo e cruel para a presença indesejada, odiando como

ele falava, como se pudesse ler sua mente. Ele ignorou o desrespeito dela; apenas

sentado como uma gárgula grande demais para sua cadeira.

Foi irritante.

Ela queria que ele saísse da sala, desacostumado a estar perto de um homem

naqueles momentos desconfortáveis de pré-estro. Obrigando-se a ignorar o intruso,

Claire empregou um catálogo de truques que aprendeu ao longo dos anos, pequenas

distrações que poderiam aliviar a loucura. Febril, enfiou as mãos no cabelo. Ela trançava

os fios, andava de um lado para o outro, desfazia as tranças, respirava — repetidas

vezes. O cheiro delicioso no ar – o cheiro de um Alfa muito próximo – fingiu ser outra

coisa; flores de laranjeira dos pomares que seu pai adorava visitar. Todos os verões de

sua infância, ele comprava a entrada da família para o nível mais alto da Torre da

Galeria para que ela pudesse brincar na terra como as meninas brincavam antes que a

humanidade se escondesse sob um vidro para sobreviver.

Cada fim de semana precioso custou ao pai o salário de um mês.

Precisando aliviar os músculos do pescoço, seus ossos ficando mais frouxos, Claire

distraidamente girou o ombro machucado. A dor instantânea interrompeu todos os

movimentos. Ela tinha esquecido. Olhando para o curativo, passou os dedos pela gaze;
doeu muito menos. Receptores de dor silenciados sinalizaram que o estro completo

estava quase próximo.

O medo aguçou uma mente turva. Claire forçou mais pensamentos sobre flores de

laranjeira, ignorou a necessidade e puxou o cabelo.

Mas o tempo marchava assim como ela. Movimentos que começaram em uma

cadência rígida e taciturna transformaram-se em algo lânguido. A frustração aumentou,

diminuiu, nivelou. E não importa o quanto ela tentasse se concentrar, seus pensamentos

ficavam confusos.

Ao som de um ronronar, Claire começou a cantarolar distraidamente. Algo suave

veio sob seu toque. A roupa de cama, toda fofa, toda nova, estava em seus braços.

Assim que percebeu que havia começado a organizar o ninho sem pensar, ela largou

tudo, dispersando a tentação, e cambaleou para trás como se estivesse queimada.

Shepherd riu. — Você está indo muito bem, pequena, mas não durará muito mais

tempo.

Sua cabeça virou-se lentamente em direção à presença indesejada. Encontrando

Shepherd nu, o processo de pensamento de Claire parou, sua atenção atraída para a

grandeza protuberante de seu pênis duro.

Os olhos verdes começaram a dilatar.

A Ômega resistiu notavelmente. Ela o havia negado e ignorado com uma vontade

digna de admiração. Mas não haveria mais perda de tempo. Com base em seu
comportamento, a reação de Claire à injeção foi mais forte do que o previsto, seu

temperamento e agressividade quase fofos enquanto ela caía ainda mais. Shepherd se

viu observando, hipnotizado, enquanto ela cantava baixinho e murmurava sobre

campos de laranjeiras.

— Venha até mim. — Ele acenou gentilmente. — Vamos acabar com isso. Permita

que seu companheiro cuide de você.

Ela cuspiu, medindo-o como se fosse a dinâmica maior: — O quê, para que eu

possa me ajoelhar aos seus pés, Alfa? Não!

Quando a fera começou a ficar de pé, a olhar para ela como se olha para uma presa,

a furiosa Ômega manteve-se firme, mostrando os dentes.

Quando ele se aproximou, ela prendeu a respiração, determinada a deixar claro

que poderia resistir ao cheiro e à presença dele. Claire poderia prevalecer.

Shepherd ficou de joelhos, ronronando lindamente e acariciando seus quadris. Seu

nariz encontrou o ápice de suas coxas, o calor de sua respiração hipnótico. — É isso que

você deseja, que eu me ajoelhe diante de você?

A proximidade dele exacerbou o problema químico interno que ela vinha

combatendo tão bem. Observando-o, sabendo que ele havia se aproximado e se

ajoelhado para promover sua agenda, Claire choramingou. De pé, rígida e

desconfortável, ela lutou contra a vontade de tocá-lo com tanta força que seus músculos

tremeram.
— Seus olhos ficam muito lindos assim, pequena. — Shepherd cantou, hipnotizada

pelas íris verdes lentamente conquistadas pelo preto invasor de suas pupilas.

Ele não a estava segurando, ela poderia simplesmente ir embora; um passo, depois

outro – seria simples. Em vez disso, fez uma careta, sentindo aquela primeira cólica

aguda do estro. Ele sentiu o cheiro imediatamente e os olhos prateados brilharam.

Levantando-se com uma graça fluida, Shepherd se esfregou contra ela, puxando seu

vestido em um movimento de tecido sobre sua cabeça.

Do peito do Alfa veio um grunhido exigente, o macho saboreando a forma como o

corpo de sua companheira se dobrava ao seu chamado. Durante horas ele controlou sua

necessidade de postura e ritmo para que pudesse ter sua vitória de curta duração; ele

havia se testado em vez de cair na rotina e forçá-la a seguir em frente. Agora a mancha

escorria abertamente pelas pernas; agora cada fibra do seu ser era necessária para

transar com ela.

Shepherd passou a mão em volta do pescoço de Claire e a pressionou mais para

baixo. Apertando seu pênis, ele esfregou a cabeça de sua masculinidade contra seus

lábios, espalhando o fluido inebriante criado para atraí-la ao frenesi. Ela enrijeceu,

ofegou, a ponta da língua sacudindo contra sua vontade.

Engolindo em seco, ela lamentou.


— Não é melhor quando você não luta contra o que você é? — Ele perguntou,

alisando o cabelo preto dela para expor as bochechas encovadas à sua visão, faminto

por vê-la chupar seu pau.

Por um momento Claire se lembrou de si mesma. De joelhos, humilhada diante

dele, o pênis de Shepherd escorregou de seus lábios e ela parecia prestes a chorar. — O

que você fez está errado.

As pontas dos dedos dele enterraram-se em seu couro cabeludo. — Eu estou te

dando vida.

Incapaz de parar de passar o nariz pelo calor da virilha dele, ela ofegou: — Eu já

tinha uma vida; você a destruiu.

Sentindo a fúria, a luxúria e a veemência misturadas com a miserável necessidade,

Claire subiu pelo corpo dele. Com os olhos dilatados e ardendo, ela rosnou para o

macho. O barulho mal havia saído de sua garganta quando Shepherd a girou e a

pressionou de volta no colchão.

Arqueada, lutando para embainhar a montanha enfiando seu pau latejante na

boceta que chorava por ele, Claire entrou em cio completo. A corda foi tocada em

harmonia, seu interior ansioso por aquele primeiro gole verdadeiro do que seu

companheiro prometia dar. Shepherd enganchou as pernas dela sobre os braços dele,

permitindo que ela arranhasse e se agarrasse enquanto ele atacava, golpeando rápido e

profundamente, olhando para as pupilas dilatadas.


Ele havia desfrutado dela durante o primeiro cio da Ômega, mas algo era muito

mais gratificante neste segundo ciclo estral. Shepherd estava tão chapado com seus

feromônios quanto ela com os dele, amarrando-a com rugidos gritados cada vez que

sua boceta apertava e torcia seu pênis em busca de fluidos. Foram ditas palavras que

mal conseguiam lembrar, gritos de êxtase e violência feroz. Claire estava muito mais

forte do que antes – nada comparado a ele, é claro, mas ela não tinha reservas em atacar

se ele não a agradasse. E Shepherd adorou, adorou como ele teve que prendê-la,

garantir a maldade e ultrapassar sua presa.

Claire dormia aos trancos e barrancos, sempre deitada em cima dele, não

importando o quanto ele tentasse aconchegá-la ao seu lado. Quando acordou pela

primeira vez, ela olhou para a bagunça de cobertores e soube que estavam todos

errados. Empurrando a massa quente em seu caminho, rosnou até que ela se movesse,

arrancando materiais macios de debaixo do Alfa.

Enquanto projetava o ninho, o calor de um corpo próximo permaneceu ao seu lado.

Shepherd a cheirava com frequência, passando os dedos pelos fluidos que escorriam

lentamente por suas coxas, parando apenas para entregar os travesseiros ou o que quer

que ela pedisse em seguida. Quando terminou, Claire o empurrou de volta para o que

ela havia construído e pegou o que queria; uma coisa que ela nunca tinha feito antes.

Montando seu pênis em seu ritmo, observando-o e saboreando a forma como ele aliviou
aquela horrível coceira interna, ela gozou poderosamente, amando o olhar em seus

olhos quando sorriu.

A Ômega rondava sobre ele, seus olhos negros totalmente absorvidos em seu

corpo; isso o manteve duro por dias. Quando ela ficou mais domesticada, à medida que

a reação exagerada ao estro forçado diminuía, ficava parada o tempo suficiente para

que ele a cheirasse, para que suas mãos grandes esfregassem a poça de esperma que

havia vazado de seu ventre por toda a sua pele, para alimentá-la, enquanto ele

ronronava e dava carinho.

Quando sua onda estava perto do fim, Shepherd moveu-se suavemente, seus olhos

prateados observando cada tique, vendo que ela sorria suavemente e engasgava de

prazer com cada impulso. Ele colocou seus lábios nos dela.

Mesmo pega em cio, ela recusou repetidamente seu beijo.

Shepherd achou isso muito desagradável.

Com ela pequena, conquistada, exausta e distraída no orgasmo, seria tão simples

de aceitar... mas ele precisava que ela gozasse para poder dar um nó; ele precisava que

ela gritasse, porque quando fizesse, quando ele a tivesse totalmente presa onde ela não

pudesse resistir, ele iria forçar o que lhe era devido.

Ansioso por sua devida recompensa, seus quadris estalaram e ele agarrou-a com

muita força. Com a boca em seu ouvido, Shepherd uivou: — GOZE AGORA!
Algo em seu tom, o comando absoluto, fez Claire ter um espasmo. Com os olhos

revirando em sua cabeça, seu clímax caiu muito cedo e com muita força. O nó de

Shepherd inchou enormemente atrás de seu osso pélvico, a fera gemendo alto a cada

jorro. Com a boca aberta num grito silencioso, ele aproveitou. Mãos algemadas a

seguraram no lugar, como se a fêmea fosse entrar em pânico. Seus lábios ásperos

caíram.

Ela tentou virar a cabeça, torcendo o corpo. Não importava como ele provocasse

sua língua, como chupasse seus lábios, Claire não se envolveria.

Emitindo outro fluxo de sêmen em sua Ômega, Shepherd levantou a cabeça e

encontrou os olhos dela semicerrados, distantes. Rosnando, frustrado, ele exigiu: —

Beije-me, pequenina.

Lábios cheios voltaram aos dela. Quando Claire cerrou os dentes, ele agarrou seu

queixo e trouxe seu rosto de volta para o dele. — Olhe para mim.

Foi a voz áspera que rompeu a névoa do orgasmo; Shepherd desesperado e quase

humano. Ela olhou para a fonte, confusa. Uma cicatriz irregular corria diagonalmente

pelo que ainda era uma bela boca; ela encontrou uma mandíbula forte. Ela olhou para

ele como se fosse a primeira vez, estudou o Alfa que a havia levado, que a havia

drogado para forçar uma criança a entrar em seu ventre; aquela cujos ronronados quase

lhe trouxeram tanta paz quanto o céu.


— Olhe para o homem que você diz odiar. — Palavras rosnadas que foram

distorcidas por ranger de dentes. — E me beije, pequenina.

Claire continuou a olhar, estendendo a mão para tocar, para traçar as linhas do

rosto de seu companheiro - a barba por fazer em sua mandíbula, seu nariz fino e os

lábios agressivos com sua cicatriz marcante. Ela sussurrou para ele. A grande fera

começou a tremer, os olhos nublados com o que quase parecia uma dor física.

Ela não ofereceu os lábios, mas puxou a cabeça dele para o seio e, em vez disso,

ofereceu um formigamento no mamilo. Ele chupou avidamente.

-*-*-*-*-*-*

Aconchegada contra ele, sua Ômega dormia muito mais profundamente do que ela

dormiu depois que ele quebrou seu ciclo de cio anterior. Passando cuidadosamente os

dedos pela massa escura de seu cabelo, Shepherd ronronou, tão possessivo quanto

desde o início. Pensamentos obsessivos circulavam em sua cabeça, centrados na mulher

sob seus cuidados, em como mantê-la, em como continuar. Ela era dele; ele nunca iria

compartilhá-la. Ela ficaria neste quarto e ele acariciaria e ronronaria tanto quanto fosse

necessário enquanto a criança que ele plantou crescia.

O que era um céu comparado a isso? Nada. O céu não era nada.
Sua fêmea se mexeu e os cílios escuros se abriram. Vendo seu rosto, sentindo o

cheiro familiar de seu hálito, Claire cantarolou tristemente e colocou a mão na barriga.

— Estou grávida.

— Você está, pequena. Seu cheiro já está mudando. — Ele desconsiderou o olhar

dela quando não era exatamente de alegria e acariciou sua bochecha. — Você me dará

um ótimo filho.

Algo na maneira como ele falou a deixou incrivelmente desconfortável. A névoa da

luxúria desapareceu; os momentos de palavras ternas e proclamações indignas de

confiança passaram. Automaticamente, o ronronar aumentou e os puxões em seu cabelo

recomeçaram. Observando-o com desconfiança, Claire filtrou a memória dos últimos

dias, consciente de que ele tinha sido paciente com a recusa inicial e a agressão direta

induzida pelas drogas. Shepherd poderia tê-la rebaixado, mas durante horas ele

simplesmente assistiu... até que ela começou a pingar, até que a rotina se tornou

inevitável. Não que isso o absolvesse do que tinha feito, o bastardo manipulador. Ela

quase desejou que ele simplesmente a tivesse estuprado.

Ele conseguiu o que queria sem o consentimento ou aprovação dela, e foi

recompensado com uma companheira de cama muito disposta no cio.

— Você vai manter nosso filho trancado neste quarto também? — Ela perguntou,

nervosa porque não importa qual fosse a resposta dele, não seria boa o suficiente.

— Não. — O ronronar veio com força total.


Claire pegou a mão dele, segurando seus olhos enquanto puxava a palma áspera

para baixo de seu corpo pegajoso, onde poderia descansar sobre a vida plantada dentro

dela. Era quase impossível sussurrar: — Você vai me separar de...

A mão em seu abdômen apertou um útero que embalava células que se dividiam

rapidamente, possuindo sua genética combinada. — Você não precisa se preocupar com

essas coisas.

— Isso não é resposta. — Ela se apoiou num cotovelo, cada vez mais indignada. —

Eu não estava pronta para ter um filho, certamente não com um homem que mal

conheço, mas você fez isso e eu quero saber o que fará conosco.

— Já é uma protetora mãe Ômega; acho que isso me agrada. — Havia um brilho

estranho em seus olhos, como se o bastardo estivesse sorrindo, embora seus lábios

cheios de cicatrizes permanecessem neutros. Pressionando-a contra o ninho, ele

ronronou: — Não vou separar você de nosso filho.

Mas alguém mais faria isso? O homem tinha maneiras de dizer meias verdades. —

Shepherd. — O nome foi falado como uma ameaça.

Havia um sorriso em sua voz, uma sugestão de algo sombrio também. — Sim,

pequenina?

— Não me dê motivos para te odiar mais.


Ele ficou encantado com o aviso e começou a enrolar os dedos em uma longa

mecha de cabelo escuro. — Chega de falar de ódio. Você é minha companheira e se

dedicará a mim.

Sobrancelhas escuras se ergueram e seu queixo caiu. — Você não pode forçar isso.

A ponta do polegar traçou seus lábios. — Eu posso.

Como se concordasse com o homem, o fio começou a bater forte em seu peito. Não

haveria mais conversa, ela estava cansada demais para discutir. O peso familiar da mão

dele passou da barriga dela para o meio das pernas. Ignorando como Claire virou a

cabeça, ele começou a acariciar o pequeno feixe de nervos, sacudindo-o para fazê-lo

inchar.

Shepherd rosnou e ronronou enquanto brincava com sua boceta. — Entregue-se.

Serei gentil e você vai gostar. Quando estiver calmo, você dormirá mais.

-*-*-*-*-*-*-*-

O quarto estava mais frio do que a cela onde Nona estivera trancada nos últimos

seis dias. Um guarda, um homem brutal quatro vezes maior que ela, apontou para a

cadeira vazia em frente a um Beta que ela vira no local. O Beta que liderou os homens

que arrastaram Lilian e seus amigos dias atrás.


— Meu nome é Jules. Sente-se, Nona French.

Ele tinha uma inflexão indecifrável e os surpreendentes olhos azuis de um

valentão; ela conhecia o tipo dele. Nona puxou a cadeira.

— Seu registro afirma que você é uma Beta e, de acordo com seu registro

claramente fraudulento, você nunca teve filhos ou concebeu filhos. — Começou o

homem, levantando os olhos do arquivo à sua frente para encontrar os olhos da mulher

mais velha. — Foi você quem ensinou a senhorita O'Donnell a viver como Beta?

A mulher tinha suas próprias dúvidas e não se interessava pelas besteiras do

Seguidor. — Onde está Claire?

O menor dos sorrisos surgiu no rosto do Beta. Colocando as mãos sobre a mesa, ele

organizou seu corpo em uma posição de intimidação sutil. — Ela está onde ela pertence;

com seu companheiro.

— O Alfa, Shepherd? — Foi feito como uma pergunta, mas ambos sabiam que era

uma declaração de desgosto. Ela viu o bruto carregá-la, Nona torcendo o pulso

tentando se libertar para poder salvá-la. Os lábios enrugados dela viraram para baixo

nos cantos, e as mãos da velha espelharam as dele – uma postura estranhamente

antagônica para uma Ômega. — Ele a trancou em um quarto por cinco semanas. Isso

não é um companheiro adequado.

Olhos duros e sem piscar fixaram os dela. Jules esclareceu: — O isolamento é um

comportamento habitual ao ajustar a Ômega de alguém à sua nova vida.


Ela riu bem na cara dele. — Eu não deveria me surpreender com sua falta de

civilidade, dado o que você é. Não é de admirar que ela estivesse com vergonha de

admitir quem a reivindicou. Ele bateu nela também?

— Quando você a viu, ela parecia espancada? — O homem olhou maliciosamente,

inclinando-se para frente.

Nona respondeu calmamente. — Ela parecia apavorada e indisposta.

— Há quanto tempo você conhece a senhorita O'Donnell?

A mulher de rosto severo não disse nada.

Jules estava cansado de jogar. — É do seu interesse responder às minhas perguntas,

Sra. French.

— Ou o quê? Você vai me trancar na prisão para que eu possa ser doada no meu

próximo cio?

— Na sua idade, o estro seria improvável. Eu simplesmente mandaria matar você.

Batendo os dedos na mesa, Nona sorriu. — Estou velha. E vivi nos meus termos. A

ameaça de morte não me preocupa muito.

— E a tortura?

— Só há uma maneira de descobrir.

Jules sorriu e recostou-se na cadeira. — Eu não disse sua tortura. Há duas Ômegas

sob nossa custódia, jovens demais para servir a um propósito. Serão elas que torturarei

se você não me disser o que quero saber.


A ansiedade de Nona aumentou. Com os lábios pressionados em uma linha, ela

assentiu.

Olhando novamente para o arquivo, Jules começou de novo. — Há quanto tempo

você conhece a senhorita O'Donnell?

A resposta dela foi vaga. — Fomos apresentadas dois anos antes da morte da mãe

dela.

— E você tem sido uma mãe substituta?

— Eu tenho sido uma amiga. — Nona grunhiu. — Claire é independente e não

precisa ser mimada.

Jules olhou para ela novamente. — Então ela não sabe que quando o pai dela

morreu, você financiou a doação que permitiu que ela se dedicasse à arte em vez do

trabalho braçal?

— Ela não sabe. — Respondeu Nona, com os lábios tensos. — Até onde eu sabia,

apenas o banco tinha acesso a essas informações.

De repente, o teor da conversa mudou. O ar ficou denso e Jules falou sem sorriso

ou entonação. — Parece que você tem uma forte ligação pessoal com a garota, o que me

faz pensar por que permitiu que ela entrasse nos tribunais.

Um sulco profundo cresceu entre as sobrancelhas de Nona. — Nós duas nos

oferecemos como voluntárias, mas era para eu ir aos tribunais.

— Explique.
— Ela roubou as roupas preparadas enquanto eu estava tomando banho. Quando

fiquei sabendo do que havia acontecido, ela havia desaparecido. Claire é muito

protetora com aqueles que ama.

— Ninguém tentou impedi-la?

— O grupo concordou com o raciocínio dela. — A mulher desviou o olhar, sua

decepção era óbvia. — E muitos simplesmente pensaram que ela seria mais atraente

como nossa representante. Foi uma votação muito acirrada.

— Isso não é irônico? — Entediado, o homem olhou-a diretamente nos olhos. —

Quem era o contato dela com o senador Kantor?

—Como você já interrogou as mulheres que se encontraram com ela naquela noite,

tenho certeza de que sabe que isso nunca foi mencionado na breve conversa que

tivemos. — Apoiando-se nos cotovelos, a mulher mais velha exigiu: — Quero ver

Claire.

— Não. — Respondeu o Beta categoricamente.

O interrogatório continuou; uma lista de perguntas variadas sobre a história de

Claire, suas peculiaridades — algumas tão precisas, como sua fruta favorita, que nem

Nona sabia a resposta. A conversa foi estranha, e ela se perguntou por que Shepherd

não fez essas perguntas pessoalmente a Claire.

-*-*-*-*-*-*-*-*-
Havia apenas exaustão na curta liberdade de Claire, e Shepherd não lhe permitiu

descanso após seu retorno. Entre os oito dias de insônia e o estado de alerta químico do

estro, Claire ficou esgotada de uma forma que nunca havia conhecido. Nunca dormia o

suficiente; mas sua antiga inquietação foi substituída por uma letargia assustadora e

uma relutância em sair do ninho. Quando ela acordasse, estaria enterrada,

completamente coberta. Uma ou duas vezes ela rosnou para o macho que se

aproximava para arrancá-la de debaixo de todas as cobertas para que ela pudesse comer

ou ele pudesse fazer um curativo em seu ferimento.

Tudo o que ela queria era a escuridão e ficar sozinha. Mas Shepherd apareceria,

não importa o quanto ela odiasse vê-lo, o homem arrastando-a para deitar-se

rigidamente em cima dele. Cansada demais para reclamar, ela ficou inerte, sabendo que

ele cobriria os dois e reproduziria sua toca. Quando a escuridão total retornasse, ela

fingiria que o bastardo não estava lá... ou tentaria. Shepherd só a deixava descansar por

um curto período de tempo antes que suas mãos buscassem mais do que acariciar a dor

persistente de seu corpo, acariciando seios cada vez mais macios e brincando entre suas

pernas.

Claire não queria atenção, odiava que o cheiro dele fizesse coisas com ela, ela o

desejava tanto que tinha necessidade de se enterrar no lado dele da cama quando se foi.
Como se soubesse o que a fazia cheirá-lo constantemente, as camisas de ontem

começaram a aparecer em seu ninho. Ao acordar, encontrando-as pressionadas contra o

nariz, Claire as jogava fora e o amaldiçoava para o inferno.

Shepherd as colocaria de volta quando voltasse.

Era quase um jogo. Naquela manhã, Shepherd aumentou as apostas. Claire jogou

uma fora e acordou com duas em seu lugar. Quando percebeu o que ele tinha feito, ela

riu, um som que fez o observador secreto no canto aguçar os ouvidos, nunca tendo

ouvido seu som de alegria. Sem saber que tinha audiência, ela jogou as coisas dele no

chão e se enterrou mais fundo, ainda rindo.

Houve um tapa em sua bunda e ela gritou de surpresa. Virando-se, tirando os

cobertores da cabeça, Claire sentou-se, com o cabelo bagunçado, e o encontrou de pé

sobre a cama, claramente deixando cair as roupas em seu colo.

Ao ver o rubor em suas bochechas, Shepherd foi quem riu, rondando-a para farejar

a mulher enlameada. — Você acha que a sua rejeição ao cheiro do seu companheiro

neste ninho é engraçada?

Ela não falava com ele – nem mesmo para perguntar a hora – há dias. Muito

cansada, muito confusa, ainda com raiva, ela franziu a testa, sem saber ao certo o tom

ou a intenção dele.

— Seu protesto é uma forma silenciosa de comunicar sua preferência pela coisa

real?
Parecia quase como se ele estivesse flertando. Claire levantou uma sobrancelha,

resmungando. — Não.

Shepherd agarrou os cobertores e puxou-os sobre suas cabeças, puxando-a contra

ele enquanto reconstruía sua toca. Recostando-se, odiando que ele não estivesse

tomando a posição correta e, em vez disso, pairando sobre ela, Claire sentiu a mão dele

se mover entre eles. O seu punho estava a bombear, e ela demorou um minuto para

perceber que ele estava se masturbando. Alguns pequenos grunhidos, um grande de

advertência quando ela tentou se afastar, e sua mão se moveu mais rápido até que ele

gemeu baixo e longo. Salpicos banharam sua barriga e seios nus, acumulando fluidos

até pingar no ninho e cheirar o espaço confinado com muito mais força do que qualquer

camisa usada.

Como se ela estivesse em cio, ele esfregou-o em sua pele, pressionou-o entre seus

lábios resistentes e certificou-se de que sua semente chegasse a todos os lugares. Algo

sobre o ato, que ele tinha feito isso para seu próprio prazer e não para o dela, fez com

que ela se sentisse negligenciada. Ele a deixou assim que terminou; Claire franzindo a

testa para suas costas. Espreitando de sua toca, levou apenas alguns minutos para que

ela se sentisse tentada a trocar a escuridão de seus cobertores pela penumbra

subterrânea de sua jaula.

Seus pés descalços caminharam silenciosamente até a cômoda, olhos verdes

observando furtivamente para o Alfa trabalhando em sua tela COM. Vestindo-se, sem
perceber que não tinha vontade de lavar seu sêmen, Claire começou a fazer o que

costumava fazer quando estava acordada no subsolo; ela andou de um lado para o

outro. Suas articulações estavam rígidas de tanto dormir e a caminhada pouco fazia

para aliviar seu mau humor.

Shepherd parecia contente em ignorá-la; ela estava tentando ignorá-lo, mas com o

passar da hora começou inconscientemente a se aproximar um pouco mais.

Olhando fixamente, Claire achou sua COMscreen bizarra e ilegível. Suspirando,

entediada, ela estalou os lábios e latiu quando um grande braço se lançou e a agarrou

do nada. Assim que ela foi colocada em seu colo, Shepherd voltou ao que quer que

estivesse fazendo, prendendo-a em uma gaiola de membros excessivamente

musculosos.

Ela estava muito quieta e ele parecia muito concentrado; não era sua intenção

convidar à interação. Ela se contorceu contra seu peito. — Estou com fome.

Uma resposta veio. — Não, você não está; você está inquieta e deseja atenção.

O que ela era, estava irritada. — Por que você não está ronronando? — O idiota

poderia pelo menos fazer isso. Pelo amor de Deus, era a única coisa para a qual ele

servia.

Claire não podia provar, mas tinha quase certeza de que ele estava rindo dela,

apesar do silêncio. — Se eu ronronasse, você não teria sido persuadida a se aproximar.

Esfregando a dor no ombro, ela estreitou os olhos.


Sorrindo, ele continuou: — Suas mudanças de humor são levemente divertidas,

pequena.

— O que é isso? — Ela gesticulou em direção à tela, sem vontade de ser provocada

e muito mais disposta a ser irritante.

Sua atenção voltou ao trabalho. — Se fosse para você ler, estaria na sua língua.

Claire simplesmente revirou os olhos. Lição aprendida. Ela manteria distância para

evitar essa situação no futuro.

— Não, você não vai.

Quando ele respondeu a pensamentos particulares que não eram da sua conta, ela

retrucou: — Pare de fazer isso!

Ignorando-a, o dedo de Shepherd foi até a tela e bateu até que algo novo surgisse,

brilhante e bonito. Inclinando-se para frente, ela ansiosamente estendeu a mão para

segurá-la sem pensar. Ele começou a ronronar e ela a sorrir ao olhar para a imagem de

sua família.

— Seu pai era um Alfa. — Estava claro que era ele quem tinha toda a atenção dela

na fotografia, que era o rosto dele que seu dedo passou como fantasma. — Sua mãe era

uma Ômega.

Obviamente...
Claire estava tentando ignorar a distração do homem, para focar em algo que

valesse a pena, vendo o pedaço de céu azul ao fundo, enquanto todos estavam juntos no

laranjal.

— Minha mãe não gostava do meu pai. — Ela provocou, apontando o paralelo com

a situação deles.

Shepherd zombou dela de volta. — E para evitar o destino dela você se isolou;

tornou-se algo antinatural.

Sua cabeça escura virou-se para encarar o homem que não poderia entender. —

Não há nada de errado com o celibato e o autocontrole! Você pode pensar que estou

abaixo de você, mas sua visão míope das Ômegas é patética e limitante. Isso mostra

muito que tipo de mente está por trás do carisma e da agenda insana. Eu fazia isso há

anos! Anos, Shepherd. E você estragou tudo.

Vendo o incêndio em seus olhos, Claire percebe o que ela fez. Ela ficou nervosa

com a reação dele à sua explosão e instintivamente cobriu a barriga para proteger o que

estava escondido dentro dela.

Seu tom sibilou de uma forma forçada e neutra. — E qual foi esse grande plano que

você viu para si mesmo? Como você encontraria um companheiro quando vivia em

reclusão e se comportava como uma Beta?

Na defensiva, ela resmungou: — Fui cortejada... de vez em quando.

A tensa resposta física de Shepherd foi claramente descontente. — Betas?


— Os betas respeitam meus limites. Os alfas são perigosos e pegam sem pedir.

— E você mentiu para eles sobre sua dinâmica.

Carrancuda, Claire esclareceu: — Eu simplesmente não disse nada sobre isso. Ser

uma Ômega não deveria ser o que me define, assim como a cor da minha pele ou o

nível em que fui criada.

— O suicídio da sua mãe teve um forte impacto no seu pensamento.

Claire balançou a cabeça e deu um suspiro cínico, nem um pouco surpresa por ele

ter pesquisado a história dela. — Acho engraçado quantas vezes em minha vida os

Alfas tentaram equiparar meu comportamento subversivo à morte de minha mãe. Não

sou a única Ômega a se sentir assim - muitas de nós o fazemos. E se vocês, Alfas,

tivessem um pingo de bom senso, levariam tempo para conversar conosco em vez de

apenas abrir as pernas para sua própria diversão.

— Seu pai foi cruel com sua mãe?

Claire olhou de volta para a tela. — Ele a adorava, mas isso não importava. Ela

estava apaixonada por outra pessoa.

Isso o deteve imediatamente. Ele começou a prender o cabelo dela, puxando a

cabeça dela para trás para forçar sua atenção. — Você não amará ninguém além de

mim.

Cada sentimento interior a fazia querer cuspir a verdade, gritar que ela não o

amava de jeito nenhum. Mas ela podia sentir o cheiro da agressão, do domínio e da
raiva, e sabia que falar era perigoso. A conversa deles chegou ao fim, e o assunto ficou

claro um momento depois, quando a mão dele deslizou sob a saia dela e o rosnado foi

feito.
Capítulo 10

Foi preciso um pouco de criatividade para descobrir a localização do domicílio de

Claire antes da ocupação. Todos os sistemas de rede no Dome foram encerrados, até

mesmo as torres de COM foram destruídas para garantir que a população tivesse

poucos meios de comunicação ou reunião fora do contato face a face. Tudo o que restou

foi hardware de emergência.

A manipulação das redes de informação e comunicação por Shepherd foi

praticamente completa, mas não total.

Ainda existiam bancos de dados, servidores preenchidos com as informações dos

moradores de cada nível; era isso que Corday precisava acessar. A maioria dos

escritórios do Executor estavam atualmente ocupado pelos Seguidores do Shepherd.

Corday havia explorado dezenas; os poucos locais que encontrou abandonados ficavam

em regiões muito hostis, com o funcionamento interno dos setores limpo ou totalmente

demolido. Mas depois de duas semanas de reconhecimento perigoso, ele teve sorte.

Na estrutura incendiada de uma pequena estação Executor de nível médio, Corday

descobriu um minúsculo escritório de diretórios intocado pelos tumultos. O COMscreen

funcionava e, por algum milagre, inicializou quando conectado a uma bateria.


Trabalhando rapidamente, antes que alguém que passasse notasse sua presença,

Corday coletou o antigo endereço de uma certa Claire O'Donnell. Sem perder tempo,

ele desligou o valioso recurso, arrancou o cubo de memória e desceu sete níveis para

enfrentar o bairro frio que Claire chamava de seu.

A Ômega morava muito perto das favelas para que sua casa fosse considerada

segura. Tudo estava mal conservado, bem imprensado e pintado com uma cor

desbotada. O apartamento dela havia sido saqueado, é claro; janelas quebradas,

bugigangas destruídas e qualquer coisa de valor perdida. O que restou foram móveis de

má qualidade e paredes de livros de papel caros.

De todas as coisas levadas, poucos livros foram roubados.

Os romances que ela adorava tinham lombadas distorcidas pelo uso frequente.

Sorrindo, Corday achou seus favoritos quase clichê, seus lábios se contraindo quando

uma cópia com orelhas de um romance pré-Dome estava em posição de destaque. Com

dedos cuidadosos, ele puxou-o e olhou para a capa desgastada.

Estava amassado e cheirava a baunilha e sabão. Devolvendo-o, Corday mudou-se

para o único quarto do pequeno espaço.

Tudo estava no tom de azul ovo do tordo, decorado na atmosfera simplista e

confortável que as Ômegas exigiam. A roupa de cama ainda cheirava a ela, embora

parecesse que um dos desordeiros tinha se enrolado no lençol. Sentando-se no colchão

estreito, Corday pegou a fotografia de família na mesa de cabeceira: seus pais e Claire
quando ela era apenas uma menina. As mãos de um pai Alfa repousavam sobre os

ombros de sua filha. Ao lado deles estava uma mulher com um sorriso tenso, uma

expressão forçada que tentava transmitir alegria sob olhos rendidos.

Claire era a imagem de seu pai, a mesma aparência distinta, o mesmo cabelo preto,

mas ela tinha o corpo pequeno e a qualidade de cisne de sua mãe. Ela parecia frágil,

mas Corday sabia que era mais forte do que parecia.

Colocando a fotografia de lado, Corday começou a vasculhar sua coleção de joias

inúteis que até mesmo os saqueadores haviam deixado passar. Sob o forro da pequena

caixa de veludo, ele sentiu o contorno de um anel e puxou o tecido para encontrar uma

de ouro gasta.

Era uma aliança de casamento; a mesma usada pela mãe na fotografia.

Sem pensar, Corday pegou-a para poder devolvê-lo a Claire. Porque ele iria vê-la

novamente. Sua amiga Ômega era sorrateira e inteligente; ela encontraria seu caminho.

Claire não acabaria como as Ômegas de olhos vidrados que os Executores libertaram,

aquelas que imploravam por algum Alfa para reivindicá-las e dar-lhes uma sensação de

propósito e alívio. Não... Claire era diferente.

Ela tinha que ser.

-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-
Claire não tinha certeza de quantos dias se passaram, que horas eram, quanto

tempo ela dormiu ou por que estava sempre exausta quando acordava. Shepherd não

voltou nenhuma vez desde a briga.

Não havia ninguém com quem conversar, nenhum perfume reconfortante. Não

havia nada a fazer senão ficar obcecada com o quarto e tentar não pensar em como ela

estava sozinha.

Ela limpou todas as superfícies, chegando ao ponto de tirar tudo da cômoda e

redobrar cada peça com cantos afiados. Mesmo forçando a distração, mais de uma vez

involuntariamente permitiu que seus pensamentos girassem em torno do Alfa,

tentando-a a relembrar seus pontos mais agradáveis.

A raiz do problema era palpável. Claire o queria de volta – seu ronronar suave, o

calor de seu corpo em seu ninho. A vida era confusa pela reclusão forçada,

desanimadora e confusa.

Depois de fechar a última gaveta, pronta para ir até a estante – o que Shepherd

chamava de janela – Claire se virou e guinchou. Uma mulher estava parada atrás dela,

tão perto que elas poderiam estar se tocando.

Com os olhos verdes arregalados ao ver um estranho, Claire gaguejou: — Olá. —

Perguntando-se por um momento se ela havia enlouquecido e começado a ter

alucinações.
Um sorriso, o sorriso adorável, polido e praticado da nobreza, espalhou-se pelos

lábios rosados. — Olá, linda.

Claire podia sentir o cheiro de que a fêmea não era o que parecia. A beleza exótica

era uma Alfa, mas tão delicada que a morena quase poderia se passar por Ômega.

Recuando, Claire encontrou olhos azuis acompanhando seu movimento e um pequeno

e divertido sorriso em seus lábios. — Quem é você?

A frieza dos dedos da mulher fez Claire imediatamente puxar a cabeça para trás.

Isso não impediu a mulher sorridente de passar a unha pela pele delicada sob a

mandíbula de Claire. — Eu sou a amante de Shepherd.

Aquela corda em seu peito, a corrente, se contorceu com essas palavras.

Pressionando a mão defensivamente sobre sua barriga, Claire engasgou: — Eu sou

Claire.

— Claire. — Uma voz rica e com sotaque prolongou a pronúncia do nome.

Havia um brilho naqueles olhos ovais, algo indesejável e traiçoeiro. A Alfa era

perigosa, olhando para ela como um pedaço de carne, contrariando cada passo que

Claire dava para trás até que se viu presa contra a cama.

A intrusa ronronou: — Fique quieta, Ômega.

A voz de Claire caiu, seus ombros ficaram mais rígidos e ela disse novamente: —

Meu nome é Claire.


A dor explodiu no rosto de Claire. Pressionando a mão no lábio sangrando, ela

olhou em choque para a estranha que a golpeara.

— Você está encharcada nele. — A fêmea Alfa fungou. — Deite na cama e abra as

pernas para que eu possa ver.

— Eu não sei quem diabos você é, mas recue!

Houve um som de reprovação no ar. — Você pode obedecer, ou farei Shepherd

forçá-la.

— Então peça para ele me forçar... Eu não me espalho só porque uma cadela Alfa

ordena.

Antes que ela pudesse escapar, uma mão inflexível circulou a garganta de Claire.

Ela foi forçada a recuar até que seus joelhos dobraram e as costas da Ômega bateram no

colchão. Agarrando-se ao aperto que esmagava sua traqueia, Claire olhou para os olhos

azuis de uma assassina que não piscava – o que ela viu ali inspirou mais medo do que

jamais imaginou.

A mão da mulher acariciou sob a saia de Claire, os dedos apertando dentro dela

para girar dolorosamente ao redor de seu útero seco. A morena tirou-os e provou. —

Você está grávida. Que interessante.

Uma segunda mão apertou o pescoço de Claire. Um aperto mais forte e seu mundo

começou a escurecer.

— Svana. — Foi uma palavra dita em um tom muito perigoso.


A morena inclinou a cabeça para o homem parado na porta.

— Meu amor. — Svana sorriu. — Os olhos do seu brinquedo são da cor errada.

Meus olhos são azuis.

— Solte a garganta da Ômega.

Com um sorriso brincalhão e um movimento rápido dos dedos, Svana soltou

Claire. Tossindo, inspirando ar, Claire recuou, os olhos arregalados olhando para

Shepherd, olhando para o homem que, embora ligado a ela, ficou parado e não fez

nada. Tudo estava errado, a corda estava emperrada e, com horror, Claire testemunhou

amor total na expressão que Shepherd ofereceu à fêmea Alfa se aproximando dele.

A beleza exótica acariciou o peito de seu companheiro. Svana ronronou: — Senti

sua falta. Livre-se do seu brinquedo; só tenho algumas horas antes de retornar.

Segurando o rosto da mulher, Shepherd explicou: — A Ômega não tem permissão

para sair desta sala.

Svana encolheu os ombros. — Então ela pode participar ou assistir. Que pena que

perdi seu último ciclo; não compartilhamos uma Ômega aquecida há algum tempo.

Tudo era mentira, isso foi tudo o que Claire conseguiu fazer enquanto se

pressionava contra a parede e percebia o quão verdadeiramente depravado era o

homem que prendeu uma âncora em seu peito. Agora ela entendia. Nenhum produto

químico da gravidez, nenhum vínculo de casal poderia mudar isso. Ela não era nada
para Shepherd. Ela foi manipulada para cuidar de um monstro que amava outro – para

ser o que a fêmea insistiu: seu brinquedo.

— Claire, você irá para o banheiro e ficará até que eu vá buscá-la.

Ele havia falado o nome dela. Estupefata, Claire olhou para os dois, olhou

enquanto Shepherd - como seu companheiro - tocava outra mulher afetuosamente.

Quando ela não fez nenhum movimento para seguir o comando, uma cabeça

furiosa se levantou e seus olhos prateados se estreitaram ameaçadoramente. — Vá.

Ela obedeceu. Cada passo parecia andar sobre vidro, mas a dor era uma bênção,

um presente da deusa das Ômegas. A mente de Claire começou a clarear, a influência

do cordão começou a enfraquecer e ela começou a não sentir absolutamente nada.

Ela fechou a porta atrás dela e sentou-se sozinha. Olhando o futuro de frente, ela

sabia exatamente como era o inferno.

O som dos dois Alfas transando não era nada; respirar não era nada. Onde ela

estava lentamente se adaptando à vida naquele pequeno quarto cinzento, agora estava

livre de coisas mesquinhas como a existência futura. Uma grande rachadura percorreu

seu peito, uma fissura que jorrou um gás vil e nocivo no ar enquanto Claire ficava

sentada lá no escuro, a música do mal entrando pela porta. Não havia mais nada para o

fio gorduroso segurar. Não havia mais nada dentro dela... mas ela ainda era

horrivelmente Claire.
Mais tarde, Shepherd a acordou onde ela dormia encostada na parede. Ele a puxou

para cima e a sentou na tampa do vaso sanitário para poder pressionar uma toalha

molhada em seu lábio cortado. Ela o olhou diretamente nos olhos, com um olhar feroz,

penetrante e de pesadelo. Quando ele não disse nada, ela começou a rir dele, em voz

alta, o barulho saturado de julgamento.

Ele era patético... nojento. E estava morto para ela.

A expressão que surgiu foi de confusão – a expressão de um garotinho encurralado

por valentões. Foi perfeito.

Uma voz dura rosnou: — Svana é perigosa.

Claire apenas riu mais, o som rouco foi arruinado pelo dano em sua garganta. Ela

riu até seu rosto ficar vermelho, até doer por dentro. Ela riu até ter que passar por

Shepherd e vomitar na pia. Endireitando-se, ela limpou a boca dolorida com as costas

da mão e, ainda rindo, saiu do banheiro e entrou em um quarto que, se ela tivesse

algum motivo para respirar, teria um cheiro totalmente contaminado.

Eram apenas quatro paredes cinzentas, todas as rachaduras conhecidas por ela –

uma caixa sem nada dentro.

Seu ninho estava uma bagunça, então Claire se deitou no meio do chão e fechou os

olhos. Quase parecia que ela estava se fundindo com a terra, tornando-se uma com a

sala infinita e sem vida.

Era bonito.
Quando acordou, estava claro lá fora, Claire sentiu isso em seus ossos. Ela olhou

para o teto imaginando como a luz do sol deveria brilhar no Domo. Estava sozinha

novamente. A comida estava na mesa esperando por ela. Levantando-se, ela pegou o

prato, levou-o até o banheiro e jogou tudo na privada. Deixando cair a vitamina, seus

lábios pronunciaram a palavra — plop— quando a pílula caiu na água turbulenta. O

prato vazio foi devolvido à bandeja e ela voltou ao seu contorno quente no chão. Um

dia inteiro se passou.

A porta se abriu. Seus olhos apáticos descobriram que Beta de olhos azuis tinha

vindo com outra bandeja. O Seguidor passou por ela como se ela não existisse.

Desprovida de sentimento, Claire resmungou: — Não sei seu nome.

Inexpressivo, ele respondeu: — Sou Jules. Shepherd deseja que você não se esqueça

da vitamina.

A bandeja vazia foi levada; ele passou sem nem olhar para ela.

A porta estava trancada e Claire certificou-se de seguir a ordem de Shepherd. Ela

deu descarga em toda a comida e, sem dúvida, não esqueceu a vitamina. Afinal, agora

que ela estava vazia por dentro, era bom ter o quarto cinza só para ela. Ela tomou

banho, trocou de roupa, escovou o cabelo... todas as coisas que as pessoas vivas

deveriam fazer. Então voltou para aquele lugar no chão para apodrecer.
Inevitavelmente, passou bastante tempo. O som de botas de combate bateu no chão

e o diabo estava agachado sobre ela. Um ronronar soou e Claire abriu os olhos,

totalmente impressionada.

Ela não sentiu nada.

Shepherd a pegou no colo, com o corpo pendurado, e tirou o vestido limpo,

colocando-a na cama. Os lençóis devem ter sido trocados. Ou isso ou ela havia perdido

o padrão do cheiro de Shepherd. Tudo cheirava sem graça. O homem deslizou ao lado

dela, nu, e se aproximou. Enquanto fazia tudo o que queria, aceitando o que ela nunca

ofereceu, ele pressionou o peito contra o dela e rosnou.

Nada.

Ele abriu as pernas dela, rosnou novamente e deixou os dedos dançarem entre as

coxas dela. O que quer que ele estivesse fazendo, Claire apenas olhava para o teto,

vendo em vez disso o céu noturno nublado. Ela não fez barulho quando uma presença

estranha empurrou desconfortavelmente seu corpo despreparado. Ela ficou ali deitada

durante tudo isso, sem saber quanto tempo ele tentou, quão duro ele trabalhou...

porque ela não se importava. Um estranho estiramento deixou-a saber que a coisa

suada e grunhida tinha dado um nó.

Nada ainda.
Enquanto seus corpos estavam trancados, ela ouviu o som distante de uma voz

baixa e rouca e o ignorou. Houve puxões em seu cabelo, carícias suaves de mãos. Claire

bocejou; o sono foi imediato.

-*-*-*-*-*-*-*-*-

Caminhando por Undercroft, onde sua espécie estava trancada, Nona manteve sua

espinha dorsal, apesar dos dois grandes Seguidores a puxarem. Ela não era incomodada

ou questionada há semanas, e se perguntava com que coisas estúpidas eles iriam

desperdiçar seu tempo agora. Quando a porta se abriu e ela foi pressionada para dentro

da sala, nem ela conseguiu esconder a expressão em sua testa ou a súbita sensação de

pavor ao descobrir que não era o Beta, Jules, quem estava sentado à mesa.

Mesmo sentado, o Alfa era enorme.

— Ela parece pensar que ficar de pé como você também serve a um propósito. Mas

você ainda é Ômega e sabe que resistir a alguém como eu é inútil. — Explicou

Shepherd, sua voz coloquial, embora a natureza de sua expressão fosse tudo menos

prazerosa.

Nona sentou-se sem ser convidada, já com idade suficiente para saber que não

deveria se envolver em provocações masculinas.

O homem começou. — Você é o líder de fato deste bando de Ômegas...—


Nona interveio: — Não sou. Funcionamos como uma democracia.

— Como você encontrou as acomodações fornecidas?

— Como uma prisão. — Respondeu Nona, observando-o com a mesma

insensibilidade com que ele a observava.

Shepherd não ficou impressionado com sua bravata. — Eu lhe forneci água limpa,

comida saudável, cobertores quentes, abrigo...

— Sua racionalização é falha. — Nona bateu na mesa. — Todos esses confortos

servem apenas para preparar as Ômegas para a escravidão a um estranho.

— Você é quem a corrompeu fazendo-a pensar do jeito que ela pensa.

Isso foi interessante. Inclinando a cabeça, Nona perguntou: — Desculpe?

— Dos oito pares de Ômegas unidos desde que chegaram à minha guarda, todas

aceitaram seu lugar - comportando-se como deveriam.

Era tolice sorrir, um bom golpe e ele poderia arrancar a cabeça dela dos ombros,

mas Nona permitiu a expressão. Havia um porém em sua declaração, uma irritação

subjacente que expôs seu próprio relacionamento nada perfeito. — Não há nada que eu

possa dizer que faria Claire ser o que ela não é. Fiquei falando durante horas sobre as

comidas que sei que ela gosta, seus hobbies... todas as perguntas que você mesmo

poderia ter feito a ela.


—Sua única utilidade para mim, velha, é informação que ajude a acalmar minha

companheira. — Contemplando a facilidade com que ele poderia esmagar a garganta

da velha, Shepherd advertiu: — Não pense em fazer postura ou aconselhar.

— Então vá direto ao ponto.

O leve brilho de seus olhos prateados, o súbito cheiro de hostilidade — ele estava

muito menos firme em sua indiferença do que fingia. — Estou começando a suspeitar

que você perdeu sua utilidade. Há espaço para seu corpo balançar ao lado dos outras

Ômegas.

— Se houver algo errado com Claire, eu faria qualquer coisa para ajudá-la. —

Argumentou Nona, mais do que feliz em expressar honestamente sua raiva. —

Qualquer que seja o insight que você procura, basta perguntar.

— Minha companheira se tornou retraída.

Carrancuda, Nona se perguntou como diabos ele poderia ficar surpreso. Com os

lábios alinhados, ela esperou que o homem continuasse.

Shepherd se aproximou e latiu: — Você não vai dizer nada?

— Não tenho certeza do que você espera que eu diga. — Afirmou Nona. — Essa

não é uma palavra que eu já tenha ouvido para descrever Claire. Ela geralmente é

bastante vocal. O que quer que ela seja agora, você criou ao tratá-la dessa forma.

— Nas mortes separadas de seus pais, o que a tirou de sua melancolia?

— Tempo e o apoio das pessoas que ela amava.


Ficou claro que a resposta era inaceitável, que o gigante havia chegado ao fim da

sua paciência.

O homem a deixou doente e o sentimento ficou evidente na acusação de Nona. —

Você também se comporta dessa maneira com ela? Ela não responde a isso. — Disse ela.

— Eu sou muito cuidadoso com Claire.

Algo em suas palavras a fez sentir que ele estava mentindo, ou que ele era

cuidadoso na forma como se segura um gatinho recém-nascido – uma maneira não

natural de se comportar com uma companheira. Farejando o ar, inclinando-se para

frente para tornar sua avaliação óbvia, Nona encontrou muito pouco do cheiro de Claire

no homem. — E você a estudou como um espécime, com informações coletadas de

fontes externas. Por quê? Para manipular a situação ao seu gosto?

— Claro.

— Aparentemente sua estratégia falhou. — Foi isso. — Não há nada que eu possa

dizer para ajudá-lo, Alfa.

O olhar de Shepherd ameaçou tormento. — Não haverá comida para nenhuma

Ômega nos próximos três dias. Todas serão notificadas de que você foi a causa da fome.

-*-*-*-*-*-*-*-*-*-
Como o mundo era engraçado. Tudo estava ao contrário. Claire estava sentada em

uma cadeira, com a cabeça apoiada na palma da mão, enquanto Shepherd era quem

andava. Para frente e para trás, para frente e para trás; ele era como um dinossauro

agitado. Claire fez um barulho.

O grande vulto parou e olhou para ela. Ele falou.

Ela não ouviu nada.

Seus dedos finos começaram a tamborilar na mesa. E novamente a fera rondou. Por

fim, ele a puxou para cima, como fazia em todas as visitas, e pegou o vestido dela. Foi a

mesma coisa; o colchão nas costas dela, seu rosnado inútil e, em seguida, quaisquer

truques que ele tivesse inventado para seduzir seu corpo. Shepherd pensou em ser

inteligente, espalhando uma grande porção de lubrificante em seu pênis saliente antes

de começar a rotina. Ele empurrou para um lado e para outro, assim como seu ritmo

perturbado. Ele tentou de tudo para obter uma resposta, até tentando arrancar um beijo

de seus lábios frouxos, sussurrar em seu ouvido, acariciar e olhar em olhos que estavam

distantes.

— Pequena, volte.

Ela nunca mais voltaria. Não para ele. Não para a besta que uma vez a fez desejá-lo

e a traiu tão completamente.

Claire adormeceu enquanto Shepherd ainda se movia dentro dela.


Eventualmente, o Alfa descobriu o que ela estava fazendo com as refeições

entregues enquanto ele estava fora. Não que fosse difícil descobrir quando ela nem

sequer olhou para a comida que ele lhe trouxe. Sua companheira estava ficando pálida,

com círculos escuros sob os olhos, e não importava o que ele empurrasse entre seus

lábios, ela não engoliria. Ela apenas olhava com aqueles olhos mortos, olhando

diretamente para ele, desafiando-o a tentar fazê-la comer.

Quando ele bateu a mão na mesa, o metal gemeu. Claire olhou de volta e

preguiçosamente cuspiu tudo em sua boca, deixando cair em seu colo. Houve um

rugido, a bandeja inteira foi jogada do outro lado da sala e bateu contra a parede. Uma

mão a arrancou da cadeira; um cobertor enrolado muito apertado em volta dela.

Shepherd a tinha em seus braços. O metal foi jogado para trás, suas paredes de concreto

desapareceram. Passaram por um extintor de incêndio que ela já tinha visto, uma porta

azul, uma sala cheia de COMmonitores; só que dessa vez havia homens na sala, homens

nos corredores — Seguidores saudando o gigante que os ignorou enquanto passava

furioso.

O som de botas nas escadas de concreto, ordens grunhidas que Claire ignorou e

uma porta se abriu para um frio intenso. Atmosfera, ar fresco... ela tinha visto essas

coisas no chão, olhando através do teto; não foi nada de especial. Claire fechou os olhos.

Shepherd não aceitou nada disso. Grandes braços a sacudiram, sacudindo seu

corpo até que seus olhos se abriram. Ele a colocou de pé e recuou para que ela tivesse
que ficar de pé sozinha. Claire sabia, sabendo de algo que nenhum outro homem

naquele terraço sabia. Uma mente poderia aprender coisas inteiramente novas quase

instantaneamente quando estava totalmente desprovida, os olhos viam minúcias que as

mentes pensantes não percebiam. Ela ficou de pé e olhou para o céu nevando... sentindo

os grandes flocos brancos derreterem em suas bochechas.

A neve tão espessa era um sinal de que o Domo tinha sido danificado e o Ártico se

infiltrava. Os engenheiros responsáveis pela segurança colonial falharam.

Todos eles não falharam?

Ao vê-la se levantar, a fera respirou aliviada atrás dela.

Ninguém poderia saber o que ela faria. Nenhum deles poderia ter suspeitado disso.

Sob o pretexto de um bocejo, Claire estalou o pescoço e girou os ombros de uma forma

que afrouxou o cobertor. Então, num impulso de velocidade, ela disparou como uma

lebre e saltou pela borda do terraço da Cidadela, caindo na escuridão antes que alguém

pudesse alcançá-la.

A inércia dos corpos flácidos absorvia a força de maneira muito diferente da dos

corpos rígidos e agitados; Claire sabia disso. O que ela não sabia era que mesmo pilhas

altas e fofas de neve realmente doíam quando você pulava de um prédio para cair.

Houve um clamor geral acima dela, mas o pó fresco a sugou, escondendo-a por tempo

suficiente para deslizar por um corredor gelado onde apenas alguém tão pequeno

quanto uma Ômega poderia passar. Então ela fez o que fazia de melhor. Claire correu.
De cima, parecia que ela simplesmente havia desaparecido. Como ela já estava

morta por dentro, ela também poderia estar.

Fim do Primeiro Livro

Para quem chegou até aqui, o nosso muiiiito obrigado.

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