Resp 1921573 2022 02 23

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 13

RECURSO ESPECIAL Nº 1.921.

573 - MG (2021/0038595-7)

RELATOR : MINISTRO SÉRGIO KUKINA


RECORRENTE : SARAH LAIS VIANA MEDEIROS
ADVOGADOS : CARLOS ALYSON MARTINS DA SILVA - MG078071
ANTONIO CARLOS PINHEIRO SOARES - MG060261
RECORRIDO : MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE
PROCURADOR : DANIEL BARROS GARCIA - MG098857
INTERES. : HOSPITAL SANTA LUCIA S/A
REPR. POR : JOSÉ ANTÔNIO DOS SANTOS RODRIGUES - CURADOR
ESPECIAL
EMENTA

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO


ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO.
ERRO MÉDICO. PARTO REALIZADO EM NOSOCÔMIO
PÚBLICO. USO DE FÓRCEPS. LESÕES CAUSADAS NA
RECÉM-NASCIDA. CASO EM QUE SE VERIFICA A
HIPOSSUFICIÊNCIA DA PARTE AUTORA NA PRODUÇÃO
DAS PROVAS NECESSÁRIAS À DEMONSTRAÇÃO DO
DIREITO ALEGADO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.
CASO CONCRETO. POSSIBILIDADE.
1. Trata-se, na origem, de ação indenizatória ajuizada por menor então
impúbere em desfavor do Hospital Santa Lúcia e do Município de
Belo Horizonte, com o fim de obter reparação pelos danos estéticos e
morais que alega ter sofrido em razão de falha médica durante a
realização de seu parto.
2. A sentença de piso julgou procedente o pedido, tendo sido
reformada pelo Tribunal estadual, que concluiu pela ausência das
provas necessárias à demonstração do nexo de causalidade entre a
conduta médica e os danos alegados (moral e estético).
3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça trilha o
entendimento de que a distribuição do ônus probatório é regra
dinâmica que deve ser interpretada conforme o caso concreto,
devendo o referido ônus recair sobre a parte que tiver melhores
condições de produzir a prova.
4. No caso, o Tribunal de origem concluiu que a parte autora deixou
de apresentar documento que se encontra em poder do hospital onde
ocorreu o nascimento. Contudo, o fato de não ter alegado eventual
óbice do nosocômio em fornecer a documentação não afasta a
possibilidade de os réus produzirem a aludida prova, sendo certo que
possuem maior facilidade não apenas na obtenção e juntada do
prontuário médico, mas também na indicação das testemunhas que
tenham participado do procedimento hospitalar.
Documento: 2117071 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 23/02/2022 Página 1 de 5
5. Ademais, a configuração do alegado erro médico na condução do
parto pode demandar a juntada de documentos outros cuja
necessidade pode passar despercebida pela parte autora, que não
detém conhecimentos técnicos para aferir a pertinência com os fatos a
serem provados.
6. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira


TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso
especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Regina Helena Costa,
Gurgel de Faria, Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF-5ª Região) e Benedito
Gonçalves (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 15 de fevereiro de 2022(Data do Julgamento)

MINISTRO SÉRGIO KUKINA


Relator

Documento: 2117071 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 23/02/2022 Página 2 de 5
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
PRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2021/0038595-7 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.921.573 /


MG

Números Origem: 10024063069843001 10024063069843002 10024063069843003 10024063069843004


10024063069843005 10024063069843006 30698438220068130024

PAUTA: 16/11/2021 JULGADO: 16/11/2021

Relator
Exmo. Sr. Ministro SÉRGIO KUKINA
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro BENEDITO GONÇALVES
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. CARLOS RODOLFO FONSECA TIGRE MAIA
Secretária
Bela. BÁRBARA AMORIM SOUSA CAMUÑA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : S LVM
REPR. POR : S LV
ADVOGADOS : CARLOS ALYSON MARTINS DA SILVA - MG078071
ANTONIO CARLOS PINHEIRO SOARES - MG060261
RECORRIDO : MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE
PROCURADOR : DANIEL BARROS GARCIA - MG098857
INTERES. : HOSPITAL SANTA LUCIA S/A
REPR. POR : JOSÉ ANTÔNIO DOS SANTOS RODRIGUES - CURADOR ESPECIAL

ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO -


Responsabilidade da Administração - Indenização por Dano Moral - Erro Médico

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Retirado de Pauta por indicação do Sr. Ministro Relator.

Documento: 2117071 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 23/02/2022 Página 3 de 5
RECURSO ESPECIAL Nº 1.921.573 - MG (2021/0038595-7)
RELATOR : MINISTRO SÉRGIO KUKINA
RECORRENTE : SARAH LAIS VIANA MEDEIROS
ADVOGADOS : CARLOS ALYSON MARTINS DA SILVA - MG078071
ANTONIO CARLOS PINHEIRO SOARES - MG060261
RECORRIDO : MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE
PROCURADOR : DANIEL BARROS GARCIA - MG098857
INTERES. : HOSPITAL SANTA LUCIA S/A
REPR. POR : JOSÉ ANTÔNIO DOS SANTOS RODRIGUES - CURADOR
ESPECIAL

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO SÉRGIO KUKINA: Trata-se de recurso


especial manejado por Sarah Laís Viana Medeiros, com fundamento no art. 105, III, a e c,
da CF, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, assim
ementado (fl. 481):

DIREITO PROCESSUAL CIVIL – REEXAME NECESSÁRIO –


APELAÇÃO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – ARTIGO 496, PARÁGRAFO
3º, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – NÃO
CONHECIMENTO DO REEXAME NECESSÁRIO – APELAÇÃO –
RAZÕES RECURSAIS DISSOCIADAS DA SENTENÇA –
INOCORRÊNCIA – PRELIMINAR REJEITADA – SENTENÇA –
AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – INOCORRÊNCIA –
PRELIMINAR REJEITADA – PARTO – UTILIZAÇÃO DE FÓRCEPS
DE ALÍVIO – LESÕES CAUSADAS NA RECÉM-NASCIDA – SERVIÇO
MÉDICO SUPOSTAMENTE INADEQUADO – ATO E NEXO DE
CAUSALIDADE – AUSÊNCIA DE PROVA – DEVER DE INDENIZAR –
NÃO CONFIGURAÇÃO – RECURSO PROVIDO – LITIGÂNCIA DE
MÁ-FÉ – NÃO CONFIGURAÇÃO.
- Nos moldes do artigo 496, parágrafo 3º, inciso II, do Código de Processo
Civil, dispensa-se o reexame necessário quando a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a
500 salários mínimos para os Municípios que constituam capitais dos
Estados, como no caso do Município de Belo Horizonte.
- Quando a sentença preenche os requisitos mencionados no artigo 489 do
Código de Processo Civil, estando presentes, de forma clara e objetiva, as
razões de convencimento, não há como falar em nulidade por falta de
fundamentação.
- Se não há prova de que as lesões causadas em recém-nascida tenham
decorrido da inadequação do serviço médico prestado, em razão do uso do
fórceps de alívio, e que o emprego do instrumento tenha ocorrido de forma
desnecessária ou incorreta, resta ausente a configuração do nexo causal,
mostrando-se descabida a pretensão indenizatória.
- Não há como falar em condenação por litigância de má-fé, quando não
Documento: 2117071 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 23/02/2022 Página 4 de 5
resta caracterizada qualquer das hipóteses previstas no artigo 80 do
Código de Processo Civil, havendo mera tentativa de reversão de
julgamento desfavorável, sem abuso.

Opostos embargos declaratórios, foram rejeitados ante a inexistência dos vícios


elencados no art. 1022 do CPC (fls. 298/302).
A parte recorrente aponta, além de divergência jurisprudencial, violação aos
arts. 6º, VIII, do CDC e 357, III, 373, § 2º, do CPC/2015. Sustenta que, em se tratando de
dano moral decorrente de erro médico, cabe a inversão do ônus da prova, porquanto "é
IMPOSSÍVEL a um paciente FORJAR prontuário médico ou mesmo obtê-lo se o Hospital
não o produziu ou forneceu." (fl. 552).
Contrarrazões do Município de Belo Horizonte, às fls. 564/568, em que pugna
pelo não conhecimento do apelo especial ou, se conhecido, pelo seu não provimento.
O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do recurso
especial, nos termos assim resumidos (fl. 627):

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DISCUSSÃO


SOBRE CABIMENTO DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. SÚMULA
7 DO STJ. PARECER DO MPF PELO NÃO CONHECIMENTO DO
APELO EXTREMO.

É o relatório.

Documento: 2117071 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 23/02/2022 Página 5 de 5
RECURSO ESPECIAL Nº 1.921.573 - MG (2021/0038595-7)
RELATOR : MINISTRO SÉRGIO KUKINA
RECORRENTE : SARAH LAIS VIANA MEDEIROS
ADVOGADOS : CARLOS ALYSON MARTINS DA SILVA - MG078071
ANTONIO CARLOS PINHEIRO SOARES - MG060261
RECORRIDO : MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE
PROCURADOR : DANIEL BARROS GARCIA - MG098857
INTERES. : HOSPITAL SANTA LUCIA S/A
REPR. POR : JOSÉ ANTÔNIO DOS SANTOS RODRIGUES - CURADOR
ESPECIAL
EMENTA

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO


ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO.
ERRO MÉDICO. PARTO REALIZADO EM NOSOCÔMIO
PÚBLICO. USO DE FÓRCEPS. LESÕES CAUSADAS NA
RECÉM-NASCIDA. CASO EM QUE SE VERIFICA A
HIPOSSUFICIÊNCIA DA PARTE AUTORA NA PRODUÇÃO
DAS PROVAS NECESSÁRIAS À DEMONSTRAÇÃO DO
DIREITO ALEGADO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.
CASO CONCRETO. POSSIBILIDADE.
1. Trata-se, na origem, de ação indenizatória ajuizada por menor então
impúbere em desfavor do Hospital Santa Lúcia e do Município de
Belo Horizonte, com o fim de obter reparação pelos danos estéticos e
morais que alega ter sofrido em razão de falha médica durante a
realização de seu parto.
2. A sentença de piso julgou procedente o pedido, tendo sido
reformada pelo Tribunal estadual, que concluiu pela ausência das
provas necessárias à demonstração do nexo de causalidade entre a
conduta médica e os danos alegados (moral e estético).
3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça trilha o
entendimento de que a distribuição do ônus probatório é regra
dinâmica que deve ser interpretada conforme o caso concreto,
devendo o referido ônus recair sobre a parte que tiver melhores
condições de produzir a prova.
4. No caso, o Tribunal de origem concluiu que a parte autora deixou
de apresentar documento que se encontra em poder do hospital onde
ocorreu o nascimento. Contudo, o fato de não ter alegado eventual
óbice do nosocômio em fornecer a documentação não afasta a
possibilidade de os réus produzirem a aludida prova, sendo certo que
possuem maior facilidade não apenas na obtenção e juntada do
prontuário médico, mas também na indicação das testemunhas que
tenham participado do procedimento hospitalar.
5. Ademais, a configuração do alegado erro médico na condução do
Documento: 2117071 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 23/02/2022 Página 6 de 5
parto pode demandar a juntada de documentos outros cuja
necessidade pode passar despercebida pela parte autora, que não
detém conhecimentos técnicos para aferir a pertinência com os fatos a
serem provados.
6. Recurso especial provido.

VOTO

O SENHOR MINISTRO SÉRGIO KUKINA (Relator): Como visto no


relatório, a autora Sarah Laís Viana Medeiros ajuizou ação indenizatória em desfavor do
Hospital Santa Lúcia e do Município de Belo Horizonte, objetivando reparação pelos danos
estéticos e morais que diz ter sofrido em razão de suposta falha médica durante seu
nascimento.

A sentença de piso julgou procedente o pedido e condenou os réus,


solidariamente, ao pagamento de indenização, então fixada em R$ 50.000,00 (danos morais) e
R$ 100.000,00 (danos estéticos).
Interposto recurso de apelação pela edilidade, o Tribunal de Justiça do Estado
de Minas Gerais deu-lhe provimento, para julgar improcedente o pedido vestibular, ante a
ausência de provas, notadamente o prontuário médico confeccionado durante o parto.
Nas razões do recurso especial, a parte recorrente sustentou que a hipótese
autoriza a inversão do ônus da prova, tendo em vista sua hipossuficiência probatória, nos
termos do art. 373, § 1º, do CPC.
Argumentou que, no caso, está impossibilitada de juntar o referido prontuário,
por "se tratar de prova diabólica, pois, o paciente JAMAIS conseguirá elaborar ou obter
o prontuário médico se o Hospital em questão não o fizer/produzir ou não o fornecer." (fl.
550).
Quanto ao objeto de discussão no apelo nobre, a Corte estadual consignou (fls.
489/490):

O sentenciante, equivocadamente, entendeu que era o caso de inversão do


ônus da prova, ante a vulnerabilidade da autora. Ocorre que não há como
se falar em vulnerabilidade, nem em aplicação do Código de Defesa do
Consumidor à espécie. O artigo 373, incisos I e II, do Código de Processo
Civil, prevê que compete ao autor o ônus da prova em relação aos fatos
Documento: 2117071 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 23/02/2022 Página 7 de 5
constitutivos de seu direito e ao réu o ônus da prova quanto à existência de
fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Contudo,
não há dúvida de que o parágrafo 1º. do referido dispositivo autoriza o
juiz a atribuir o ônus da prova de forma diversa nos casos previstos em lei
ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à
excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à
maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. No caso, não
vejo impossibilidade ou excessiva dificuldade da parte autora comprovar
os fatos constitutivos do direito alegado, e nem maior facilidade de
obtenção da prova do fato contrário pela parte ré. Afinal, não há
nenhuma dificuldade em se diligenciar a fim de buscar prontuários
médicos de assistência obstétrica, que ficam à disposição dos interessados;
notadamente quando não há sequer a alegação, nos autos, de que houve
recusa injustificada do fornecimento deles. Também não há pedido da
parte autora, nestes autos, requerendo que os réus exibissem referidos
documentos. Portanto, é descabida a inversão do ônus da prova na
presente ação, na qual um particular busca a indenização de um ente
público, e de um hospital ao mesmo conveniado, pois a autora tem acesso
a todos os atos, normas e documentos que lhe possam interessar para a
solução da lide, não se configurando as hipóteses de impossibilidade ou
excessiva dificuldade previstas no parágrafo 1º, do artigo 373, do Código
de Processo Civil. Na verdade, a autora somente percebeu a importância
dos referidos prontuários médicos quanto o perito concluiu que sem os
mesmos não poderia afirmar que houve erro médico. Ocorre que, até
mesmo depois da juntada do laudo pericial, a autora não se atentou que
competia a ela ter juntados os referidos documentos (fl. 311 dos autos
originais). Valendo ressaltar, ainda, que a autora também não
desincumbiu do seu ônus de juntar documentos que atestavam que, no
período gestacional, a gravidez e o feto estavam saudáveis, conforme
destacado pelo laudo pericial:
b) Há registro documentado, no referido período gestacional, que
demonstre uma gravidez e feto saudáveis? R: Não, não foram
acostados aos autos” (fl. 295 dos autos originais)
Sendo assim, entendo que, se a perícia restou prejudicada pela ausência
dos prontuários médicos, tal fato decorreu da desídia da parte autora.
Ademais, da análise dos demais documentos produzidos pelas partes não
há como se concluir que eventual alteração no atendimento poderia ter
gerado resultado diverso do ocorrido.
Portanto, repito, ausente a demonstração da falha médica e do nexo
causal, não há como deferir a pretensão indenizatória da apelada

Ocorre que o entendimento adotado pela Corte estadual não se coaduna com a
disposição do art. 373, § 2º, do CPC.
Isso porque, inequivocamente, a situação se amolda à hipossuficiência
probatória de que trata o referido dispositivo de lei, in verbis:

Art. 373. O ônus da prova incumbe:


I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
Documento: 2117071 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 23/02/2022 Página 8 de 5
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito do autor.
...
§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em
que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou
excessivamente difícil.

O Tribunal local consignou que a parte autora não se desincumbiu do ônus que
lhe competia, qual seja, a juntada de prontuários médicos, a fim de demonstrar o nexo causal
entre os danos alegados e a conduta dos profissionais que assistiram à parturiente e à
recém-nascida.
A jurisprudência desta Corte Superior trilha o entendimento de que a
distribuição do ônus probatório é regra dinâmica que deve ser interpretada conforme o caso
concreto, devendo o referido ônus recair sobre a parte que tiver melhores condições de
produzir a prova.
Destaca-se, nesse sentido, o seguinte aresto:

CIVIL E PROCESSO CIVIL. PEDIDO. INTERPRETAÇÃO. CRITÉRIOS.


PROVA. ÔNUS. DISTRIBUIÇÃO. LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ.
COBRANÇA DE DÍVIDA JÁ PAGA. LIMITES DE INCIDÊNCIA.
DISPOSTIVOS LEGAIS ANALISADOS: ARTS. 17, 18, 125, I, 282, 286,
333, I E II, 339, 355, 358, 359, 460 E 512 DO CPC; E 1.531 DO CC/16
(940 DO CC/02).
1. Ação indenizatória ajuizada em 16.02.2001. Recurso especial concluso
ao gabinete em 21.10.2011 2. Recurso especial em que se discute os limites
da responsabilidade civil das rés pelo apontamento indevido para protesto
de notas promissórias.
3. Não há como se considerar presente na espécie: (i) a litigância de má-fé
(art. 17 do CPC), pois a resistência da parte compreendeu apenas a
juntada de alguns documentos contábeis, que não se mostraram
indispensáveis à realização do trabalho pericial - tanto que não houve a
instauração de incidente de exibição de documentos - e cuja recusa na
apresentação guardou coerência com a tese de defesa; tampouco (ii) o
dolo na cobrança de dívida já paga (art.
1.531 do CC/16), ante a existência de dúvida razoável quanto à efetiva
quitação do débito, tendo a própria devedora admitido a possibilidade de
haver saldo em aberto, visto que as transferências de dinheiro por ela
efetuadas não eram discriminadas e as partes mantinham complexas e
diversificadas relações jurídicas, oriundas da celebração de vários
contratos, muitos deles entrelaçados e prejudiciais uns aos outros,
originando diferentes débitos, garantias e obrigações, parte deles sem
nenhuma relação com as notas promissórias apontadas para protesto.
Ademais, sendo uma só a conduta supostamente caracterizadora tanto da
litigância de má-fé quanto do dolo na cobrança de dívida já paga - qual
seja, a recusa de submeter parte dos livros contábeis à análise pericial - e
não tendo o Tribunal Estadual enquadrado esse comportamento nas
Documento: 2117071 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 23/02/2022 Página 9 de 5
hipóteses do art. 17 do CPC, deve-se, por coerência, afastar também a
incidência da sanção do art. 1.531 do CC/16.
4. No particular, não há como considerar incluído na indenização
decorrente do protesto indevido das notas promissórias o pedido de
compensação pelos prejuízos derivados da declaração de falência, na
medida em que: (i) por ocasião da propositura da ação indenizatória, o
pedido de falência sequer havia sido ajuizado, de sorte que as pretensões
contidas na inicial certamente não abrangeram os danos advindos da
quebra; (ii) o acórdão que decretou a falência ainda não transitou em
julgado; (iii) a iniciativa de propor o pedido de falência foi
exclusivamente de uma das empresas que figuram no polo passivo da ação
indenizatória; e, mais importante, (iv) a autora ajuizou ação indenizatória
autônoma objetivando especificamente o ressarcimento dos prejuízos
advindos da decretação da sua falência, cujo pedido foi julgado
improcedente em primeiro grau de jurisdição e que aguarda o julgamento
da apelação interposta.
5. O pedido deve ser extraído da interpretação lógico-sistemática da
petição inicial, a partir da análise de todo o seu conteúdo.
6. Nos termos do art. 333, II, do CPC, recai sobre o réu o ônus da prova
da existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do
autor.
7. Embora não tenha sido expressamente contemplada no CPC, uma
interpretação sistemática da nossa legislação processual, inclusive em
bases constitucionais, confere ampla legitimidade à aplicação da teoria da
distribuição dinâmica do ônus da prova, segundo a qual esse ônus recai
sobre quem tiver melhores condições de produzir a prova, conforme as
circunstâncias fáticas de cada caso.
8. A litigância de má-fé deve ser distinguida da estratégia processual
adotada pela parte que, não estando obrigada a produzir prova contra si,
opta, conforme o caso, por não apresentar em juízo determinados
documentos, contrários à suas teses, assumindo, em contrapartida, os riscos
dessa postura. O dever das partes de colaborarem com a Justiça, previsto
no art. 339 do CPC, deve ser confrontado com o direito do réu à ampla
defesa, o qual inclui, também, a escolha da melhor tática de resistência à
pretensão veiculada na inicial. Por isso, o comportamento da parte deve
sempre ser analisado à luz das peculiaridades de cada caso.
9. O art. 1.531 do CC/16, mantido pelo CC/02 em seu art. 940, institui
uma autêntica pena privada, aplicável independentemente da existência de
prova do dano, sanção essa cuja aplicação fica sujeita, pois, a uma
exegese restritiva.
10. A aplicação da sanção prevista no artigo 1.531 do CC/16 - cobrança
de dívida já paga - depende da demonstração de má-fé, dolo ou malícia,
por parte do credor. Precedentes.
11. Recurso especial da autora a que se nega provimento. Recursos
especiais das rés parcialmente providos.
(REsp 1.286.704/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 28/10/2013)

No caso dos autos, o Tribunal de origem concluiu que a parte autora deixou de
apresentar documento que se encontra em poder do hospital onde ocorreu o nascimento.
Documento: 2117071 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 23/02/2022 Página 10 de 5
Ora, o fato de a parte autora não ter alegado eventual óbice do nosocômio em
fornecer o documento não afasta a possibilidade de os réus produzirem a aludida prova, sendo
certo que possuem maior facilidade não apenas na obtenção e juntada do prontuário médico,
mas também na indicação das testemunhas que tenham participado do procedimento
hospitalar.
Ademais, a configuração do alegado erro médico na condução do parto pode
demandar a juntada de documentos outros cuja necessidade pode passar despercebida pela
parte autora, que não detém conhecimentos técnicos para aferir a pertinência com os fatos a
serem provados.
Caso similar foi objeto de análise deste Superior Tribunal de Justiça, em que,
diante da vulnerabilidade técnica da parte autora, concluiu-se pela inversão do ônus
probatório. Confira-se, a propósito, a seguinte ementa:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO


ESTADO. PARTO. LESÃO GRAVE A MENOR. INCERTEZA QUANTO À
OCORRÊNCIA DE ERRO MÉDICO. VULNERABILIDADE E
HIPOSSUFICIÊNCIA TÉCNICA DO RECORRENTE. DISTRIBUIÇÃO
DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA. INVERSÃO. PRECEDENTES DO
STJ.
1. Na hipótese dos autos, extrai-se do acórdão objurgado que os únicos
fatos incontroversos são: a grave lesão a criança (lesão de plexo braquial
com paralisia do membro superior esquerdo e anóxia) decorrente de
complicações no parto; a vulnerabilidade e a hipossuficiência técnica do
ora recorrente, e a incerteza quanto à responsabilidade da equipe médica
que prestou o atendimento, haja vista a afirmação do Sodalício a quo de
que "os únicos que poderiam realmente esclarecer acerca da verdade do
ocorrido na sala de parto eram os médicos e o pessoal da área de saúde,
que participaram do atendimento e do procedimento médico-hospitalar,
mas deles não há depoimento" (fl. 766/e-STJ).
2. Diante do contexto fático delineado no decisum vergastado, percebe-se
que a elucidação do ocorrido dependia da produção de provas que vão
além das possibilidades das vítimas do evento danoso (menor e seus pais),
porquanto além de sua evidente hipossuficiência técnica, a equipe da área
de saúde que poderia esclarecer o ocorrido pertence aos quadros do centro
hospitalar da municipalidade de Santo André.
3. Dessarte, verificando-se que era a parte recorrida, Município de Santo
André, que possuía melhor condição de elucidar as circunstâncias fáticas
por meio da produção de provas que estavam ao seu alcance, e
considerando-se a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, as
vítimas do evento não podem ser penalizadas pela incerteza quanto à
existência de erro médico, mormente em vista da gravidade do dano.
4. Embora não tenha sido expressamente contemplada no CPC, uma
interpretação sistemática da legislação, inclusive do Código de Defesa do
Consumidor (art. 6º, VIII) e da Constituição Federal, confere ampla
legitimidade à aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da
Documento: 2117071 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 23/02/2022 Página 11 de 5
prova, segundo a qual esse ônus recai sobre quem tiver melhores condições
de produzir a prova, conforme as circunstâncias fáticas de cada caso, tudo
nos termos de consolidado entendimento do STJ: REsp 69.309/SC, Rel.
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, DJ 26.8.1996; AgRg no
AREsp 216.315/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda
Turma, DJe 6.11.2012; REsp 1.135.543/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi,
Terceira Turma, DJe 7.11.2012; REsp 1.084.371/RJ, Rel. Ministra Nancy
Andrighi, Terceira Turma, DJe 12.12.2011; REsp 1.189.679/RS, Rel.
Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, DJe 17.12.2010; REsp
619.148/MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe
1º.6.2010. A inversão do ônus da prova não é regra estática de
julgamento, mas regra dinâmica de procedimento/instrução (EREsp
422.778/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Rel. p/ acórdão
Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, DJe 21.6.2012).
5. Recurso Especial provido.
(REsp 1.667.776/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA
TURMA, julgado em 13/6/2017, DJe 1°/8/2017)

Assim, conclui-se que, no caso concreto, está suficientemente delineada a


hipossuficiência probatória da parte autora, razão pela qual se faz necessária a inversão do
ônus da prova.
ANTE O EXPOSTO, dou provimento ao recurso especial, para determinar o
retorno dos autos à instância de origem, a fim de que seja reaberta a fase instrutória da ação
indenizatória, observada a inversão do ônus probatório.
É como voto.

Documento: 2117071 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 23/02/2022 Página 12 de 5
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
PRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2021/0038595-7 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.921.573 /


MG

Números Origem: 10024063069843001 10024063069843002 10024063069843003 10024063069843004


10024063069843005 10024063069843006 30698438220068130024

PAUTA: 15/02/2022 JULGADO: 15/02/2022

Relator
Exmo. Sr. Ministro SÉRGIO KUKINA
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro BENEDITO GONÇALVES
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. AURÉLIO VIRGÍLIO VEIGA RIOS
Secretária
Bela. BÁRBARA AMORIM SOUSA CAMUÑA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : SARAH LAIS VIANA MEDEIROS
ADVOGADOS : CARLOS ALYSON MARTINS DA SILVA - MG078071
ANTONIO CARLOS PINHEIRO SOARES - MG060261
RECORRIDO : MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE
PROCURADOR : DANIEL BARROS GARCIA - MG098857
INTERES. : HOSPITAL SANTA LUCIA S/A
REPR. POR : JOSÉ ANTÔNIO DOS SANTOS RODRIGUES - CURADOR ESPECIAL

ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO -


Responsabilidade da Administração - Indenização por Dano Moral - Erro Médico

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Primeira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do
voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Regina Helena Costa, Gurgel de Faria, Manoel Erhardt
(Desembargador convocado do TRF-5ª Região) e Benedito Gonçalves (Presidente) votaram com o
Sr. Ministro Relator.

Documento: 2117071 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 23/02/2022 Página 13 de 5

Você também pode gostar