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Matthew Barrett possui um instinto evangélico para o ensino bíblico clássico, testado pelo tempo e profundamente tradicional

acerca da Trindade. Este livro relata a história de sua alegria em encontrar essa doutrina depois de remover alguns entulhos e
resíduos que se acumularam sobre ela nos últimos anos. Simplesmente Trindade proclama as boas novas da doutrina não
manipulada do Deus triúno.
Fred Sanders, Torrey Honors College, Biola University

O livro de Matthew Barrett é a leitura perfeita para estudantes de teologia da tradição evangélica. Em capítulos claros e de fácil
leitura, Barrett leva seus leitores a apreciar a teologia trinitária clássica como o fundamento da fé bíblica. Os leitores são levados
para longe das rochas que são aqueles que tentaram nos convencer de que tal teologia precisava de uma mudança radical e
trazidos para o mar calmo e amplo que representa a fé histórica da comunidade cristã.
Lewis Ayres, Durham University

Matthew Barrett expõe aqueles que manipulam a Trindade e fornece um excelente antídoto contra eles. Oferece uma recuperação
sã e sóbria da exegese das Escrituras, da Igreja, com o intuito de explicar que as três pessoas da Divindade compartilham uma
substância, poder e eternidade sem hierarquias, ou outras heresias. Barrett fornece uma mistura instrutiva de exegese, história da
Igreja e teologia sistemática para defender a doutrina cristã da Trindade contra aqueles que a sabotam involuntariamente.
Michael F. Bird, Ridley College, Melbourne, Austrália

Simplesmente Trindade oferece uma introdução acadêmica acessível à compreensão histórica e bíblica da Trindade e demonstra o
quanto está em jogo nos debates trinitários que recentemente agitaram a comunidade evangélica. Recomendo-o fortemente.
Thomas S. Kidd, Baylor University

Fiquei impressionado com este livro, uma intervenção simples e poderosa na controvérsia trinitária. A crítica aos
subordinacionistas evangélicos por si já é fantástica, e nenhum leitor atento deve perder as suas conexões com o trinitarismo
social. A teologia evangélica tem problemas sérios, e acho que muitos de nós já sabemos disso há anos, mas é impossível ignorar
este livro. Nós devemos sinceramente reverter esta tendência ou o evangelicalismo perderá o evangelho.
Craig Carter, Tyndale University

Espero que este livro acessível seja lido e discutido de maneira ampla, principalmente pelos evangélicos. Ele desafia algumas
coisas que têm sido ensinadas nas últimas décadas. Mas os argumentos de Barrett, baseados nas Escrituras e na tradição, devem
ser levados a sério, uma vez que todos anelamos que nosso discurso e adoração ao Deus triúno sejam fiéis.
Kelly M. Kapic, Covenant College

Matthew Barrett escreveu um livro incrível. Ele enfrenta de frente o desvio amplo do relato histórico cristão do Deus triúno para
o relato pós-iluminista que favorece a redefinição e a novidade tendendo à heterodoxia. No século XX, os evangélicos adotaram
esta estratégia nova e procuraram redefinir Deus em favor de suas agendas sociais. Sou grato a Deus por este livro e pelo serviço
que o professor Barrett prestou à Igreja de Cristo.
Liam Goligher, Tenth Presbyterian Church

Barrett glorifica, com uma sabedoria profunda, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, que é infinitamente simples. Esse já seria motivo
suficiente para ler este livro, pois a maioria dos livros doutrinariamente ricos a respeito da Trindade são enfadonhos. Este livro,
ao contrário, alegra! Desde o início, Barrett prende a atenção e não a solta. O resultado é um alimento que é urgentemente
necessário para a cabeça e o coração.
Matthew Levering, Mundelein Seminary

Matthew Barrett fornece à Igreja um recurso valioso, apresentando um relato pró-Niceno da Trindade repleto de histórias,
ilustrações e exemplos que tornarão Simplesmente Trindade envolvente e compreensível para estudantes e cristãos nos bancos
das igrejas. Esta obra é solidamente bíblica, conscientemente pró-Nicena e a substituta ideal para os vários tratamentos
trinitaristas sociais da Trindade que têm ganhado popularidade nas igrejas locais nas últimas décadas.
Glenn Butner, Sterling College

Os leitores, que são imediatamente convencidos da necessidade deste livro, familiarizam-se com a história da deriva da Trindade,
bem como com a história a respeito do antídoto para esse problema. O estilo de Barrett é ao mesmo tempo convidativo e
acessível, utilizando narrativa em primeira pessoa e explicação teológica convincente com rigor e profundidade. Ele apresenta um
argumento bíblico e historicamente completo a favor do Deus triúno simples, diferenciado apenas pela geração e espiração
eternas. Valorizarei este livro como um parceiro de diálogo acadêmico e um texto de ensino pedagógico, mostrando que se
deixarmos de nos submeter à imagem, consistente com o texto e a tradição, de nosso Deus gracioso, não teremos fundamento
para pensar e viver teologicamente em um momento exigente como este.
Amy Peeler, Wheaton College

Matthew Barrett é um teólogo que se deleita na Trindade, um homem que percebe a importância dela. Por causa de seu amor pela
Trindade, Barrett perturba-se com o fato de muitos teólogos evangélicos do século XX terem-na usado e distorcido para suas
próprias agendas sociais e políticas. Eles interpretaram mal as Escrituras. Ignoraram os Pais da Igreja e grande parte da tradição
teológica cristã. Deixaram a Trindade à deriva. O livro de Barrett é uma refutação dessa tendência trinitária, mas é, ainda mais,
uma apresentação clara, criativa, robusta e erudita da Trindade, que trará alegria às mentes e amor aos corações de todos os que a
lerem. Ao fazê-lo, todos louvarão ao Pai, honrarão ao Filho e glorificarão o Espírito Santo.
Thomas G. Weinandy, Capuchin College, Washington, DC

A Trindade é uma das doutrinas mais desafiadoras da Bíblia e, ainda assim, Matthew Barrett orienta habilmente os leitores
através das questões, apresentando um ensino claro e convincente. Ele revela os tesouros do passado e recorre a teólogos
patrísticos, medievais, reformadores e contemporâneos para explicar essa doutrina. Mas também mostra de forma útil em que
pontos alguns se desviaram e apresenta caridosamente a verdade em amor. Todos fariam bem em ler este livro e mergulhar nas
profundezas do ensino bíblico acerca da natureza do nosso Deus triúno.
J.V. Fesko, Reformed Theological Seminary, Jackson, MS

Simplesmente Trindade poderia ser uma virada no jogo. Ao escrever um livro a respeito da doutrina da Trindade e das
contribuições dos Pais da Igreja para leigos, Matthew Barrett percorre um caminho longo para ajudar a banir os erros populares, a
respeito da própria natureza de Deus, que continuam a persistir. Mas este livro é muito mais do que isso. Doutrinas complexas e
termos históricos são retirados dos corredores da academia e devolvidos aos leigos. Enquanto lia, houve momentos em que fechei
os olhos e dei graças a Deus, cuja essência e perfeição estão além das palavras. Por favor, leia este livro.
Todd Pruitt, Covenant Presbyterian Church, Harrisonburg, VA; coapresentador do podcast Mortification of Spin

Simplesmente Trindade visa colocar a Igreja de volta no caminho da fidelidade confessional. Matthew Barrett nos ajuda a
compreender que a forma como lemos a Bíblia, e com quem a lemos, é fundamental para contemplarmos o Autor triúno que se
revela a nós em sua Palavra. Você verá como a nossa compreensão de Deus afeta a nossa compreensão da salvação e o que
perdemos se compreendermos erroneamente.
Aimee Byrd, autora de Recovering from Biblical Manhood and Womanhood

Simplesmente Trindade ajudará os leitores a uma formulação mais bíblica e historicamente ortodoxa da doutrina da Trindade;
também ajudará a fazer o mesmo com vários dos atributos de Deus. Se você está interessado no que as Escrituras ensinam acerca
de Deus e da Trindade, em como os primeiros credos do cristianismo formularam os ensinamentos das Escrituras em declarações
confessionais e no quanto alguns em nossos dias abandonaram os velhos caminhos acerca desta questão, este livro é para você.
Richard C. Barcellos, Grace Reformed Baptist Church, Palmdale, CA; IRBS Theological Seminary, Mansfield, TX
SIMPLESMENTE TRINDADE
O IMANIPULADO

PAI, FILHO E ESPÍRITO

Matthew Barrett
Tradução
Felipe Barnabé
PIRATARIA É PECADO E TAMBÉM UM CRIME
RESPEITE O DIREITO AUTORAL

O uso e a distribuição de livros digitais piratas ou cópias não autorizadas


prejudicam o financiamento da produção de novas obras como esta.
Respeite o trabalho de ministérios como a Editora Monergismo.
Copyright © 2021, de Matthew Barrett
Publicado originalmente em inglês sob o título
Simply Trinity: the unmanipulated Father, Son, and Spirit
pela Baker Books,
uma divisão da Baker Publishing Group,
PO Box 6287, Grand Rapids, MI 49516–6287 , EUA.
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por
EDITORA MONERGISMO
Caixa Postal 16387
Brasília, DF, Brasil — CEP 70.775-98
www.editoramonergismo.com.br

1.ª edição, 2024

Editor: Felipe Sabino de Araújo Neto


Editor assistente: Fabrício Tavares de Moraes
Tradução: Felipe Barnabé
Revisão: Felipe Sabino de Araújo Neto
Capa: Thiago McHertt
Conselho editorial: Fabrício Tavares de Moraes, Felipe Sabino de Araújo Neto, Thiago McHertt e Valter Graciano Martins

PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS, SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.

Todas as citações bíblicas foram extraídas da versão Almeida Revista Atualizada (ARA) salvo indicação em contrário.
Para Elizabeth.
Sua resiliência é como uma gérbera em flor depois da chuva. O sol
brilha forte, e você também.

“Como é preciosa, ó Deus, a tua benignidade! Por isso, os filhos dos


homens se acolhem à sombra das tuas asas...
Pois em ti está o manancial da vida;
na tua luz, vemos a luz.” (Sl 36.7, 9)
Sumário
Agradecimentos
1. Trindade à deriva
2 Podemos confiar no Deus de nossos Pais?
3 Quando a Trindade se tornou social?
4 De que maneira Deus revelou-se como Trindade?
5 Por que Deus deve ser um para ser três?
6 O Filho foi gerado do Pai?
7 A geração eterna é relevante para o Evangelho?
8 O Filho é subordinado eternamente ao Pai?
9 O Espírito é espirado?
10 O Pai, o Filho e o Espírito trabalham inseparavelmente?
Conclusão
Glossário
Bibliografia
Agradecimentos
Deus sabe que não realizei a peregrinação da escrita deste livro sozinho. Depois de
terminar None Greater (Baker, 2019), John Fesko encorajou-me a continuar escrevendo acerca
da doutrina de Deus, porque tanto a Igreja quanto a academia precisavam recuperar o trinitarismo
ortodoxo. Kelly Kapic também me inspirou, por crer que este projeto era oportuno, levando em
consideração a confusão que vivenciou em primeira mão. Quero agradecer especialmente a Scott
Swain. Ele tem sido um parceiro de conversa sempre cheio de perspicácia trinitária, atentando-se
sempre para onde estão as grades de proteção, em busca de segurança. Obrigado, Scott, por
escrever o prefácio e transmitir o quão crítico é compreender corretamente a doutrina da
Trindade. Também sou muito grato por Fred Sanders. Fred não apenas leu e endossou o
manuscrito, mas também ofereceu sabedoria precisa e de bom tom. Sua experiência foi
inestimável. Devo prestar o mesmo elogio aos outros endossantes que forneceram apreciações
valiosas. Claro, quaisquer deficiências residuais no livro são minhas.
Também sou grato a Brian Vos e à equipe da Baker, que acreditam que a teologia é
importante demais para ser inacessível. Sou grato à equipe da Baker, especialmente a Amy
Nemecek, por seu trabalho árduo no suavizar das arestas. Um dia destes escreverei um livro
menos complicado que um acerca da Trindade. E, por isso, a equipe de marketing festejará em
conjunto.
Escrevi este livro durante um período sabático. Samuel Powell e Point Loma receberam
minha família durante o verão de 2019. Devo dizer que nada se compara a escrever acerca da
Trindade com a costa do Pacífico aos seus pés. Obrigado por sua hospitalidade; minha família
ainda exulta com o tempo que passamos em seu campus.
Sou abençoado por lecionar no Midwestern Baptist Theological Seminary e sou ainda
mais abençoado porque aqueles que estão na liderança valorizam a escrita. Obrigado, Jason
Allen, não apenas por iniciar este período sabático, mas também por me encorajar a escrever a
respeito da Trindade para a Igreja. Oro para que este livro ajude a Igreja a encontrar o caminho
de casa. Jason Duesing também está entre aqueles que me incentivaram. Como é gratificante
lecionar em uma escola onde os colegas apoiam uns aos outros. Por último, aos meus alunos: o
entusiasmo de vocês foi meu combustível. Seja em um seminário ou tomando um chá adocicado
na Anselm House, sua investigação lembrou a este escritor cansado o motivo pelo qual, em
primeiro lugar, ele escreve. Agradecimentos especiais a Ronni Kurtz, Sam Parkison, Joseph
Lanier, Jen Foster e Timothy Gatewood pelas muitas horas dedicadas à bibliografia e ao
manuscrito.
Mas poucos se mostraram tão inspiradores quanto meus próprios filhos. Jamais
esquecerei aquelas noites em que cantávamos (às vezes até rap!) o Credo Niceno. Graças a
vocês, a ortodoxia agora tem ritmo. Acima de tudo, devo agradecer à minha esposa, Elizabeth.
Como faz com todos os meus livros, ela começa e termina cada peregrinação junto comigo. Que
esposa fica acordada na cama até meia-noite para discutir as complexidades da geração eterna? A
minha, e não há ninguém como ela. Por isso dedico-lhe este livro.
Prefácio
SCOTT R. SWAIN

Matthew Barrett quer levá-lo em uma viagem em seu DeLorean, que tem a capacidade de
viajar no tempo. Quer levá-lo de volta a uma época em que pastores, teólogos e cristãos liam a
Bíblia de maneira diferente da que costumamos ler hoje, à época em que a doutrina ortodoxa da
Trindade nasceu, por meio da Palavra e do Espírito soberanos de Deus, na teologia e na piedade
da Igreja. Por que essa jornada é necessária? Por que você deveria considerar juntar-se a ele? O
Dr. Barrett não é um cientista maluco, e sua busca pela viagem no tempo não decorre do
sentimentalismo por uma época de ouro no passado da Igreja. Para citar Huey Lewis and the
News,[1] ele quer levá-lo “de volta no tempo” porque acredita que o futuro da doutrina, piedade,
testemunho e adoração da Igreja está em jogo.
Teólogos clássicos do protestantismo falaram acerca de dois fundamentos da doutrina e
da vida da Igreja. Identificaram as Sagradas Escrituras como o fundamento cognitivo, a fonte e
norma supremas de tudo o que a Igreja é chamada a crer e a praticar, o fundamento da “verdade
segundo a piedade” (Tt 1.1). Além deste fundamento cognitivo, eles identificaram o Deus triúno
como o fundamento ontológico da doutrina e da vida da Igreja. Como todas as coisas são “de”,
“por meio de” e “para” o Deus triúno na ordem do ser (Rm 11.36), então, julgaram, todas as
coisas são de, por meio de e para o Deus triúno na ordem da compreensão teológica e da vida
cristã. As doutrinas da criação e da providência, da pessoa e obra de Jesus Cristo, da Igreja e dos
sacramentos, da salvação e das últimas coisas — cada uma dessas doutrinas repousa na doutrina
do Deus triúno para obter seu sentido e significado e na vida piedosa que se baseia nessas
doutrinas e nos direciona ao Deus triúno como nosso bem e fim supremo. A confissão de que
Jesus é o Cristo, o Filho ungido pelo Espírito do Pai, é o fundamento da confissão cristã (Mt
16.16; 28.19; Mc 12.1-12; Ef 2.20). Por esta razão, a doutrina da Trindade é o fundamento do
ensino e da vida cristã. Sem a doutrina da Trindade não há cristianismo.
O Dr. Barrett quer levá-lo de volta no tempo porque muitas igrejas reformadas e
evangélicas na América do Norte e no Reino Unido perderam contato com esta doutrina
fundamental nos últimos dias. Como isso aconteceu? Infelizmente, a nossa situação
contemporânea não surge de uma simples amnésia, de um simples esquecimento de algo que já
sabíamos. Nossa situação surge do fato de que as igrejas têm sido erroneamente catequizadas no
ensino cristão básico acerca da Trindade.
Pelas razões que o Dr. Barrett explora nas páginas a seguir, vários teólogos evangélicos
do final do século XX negligenciaram e/ou rejeitaram várias características comuns do ensino
cristão clássico a respeito da Trindade e, no lugar dessas características, introduziram um relato
novo e bastante distorcido acerca dela, o que o Dr. Barrett chama de Trindade manipulada.
Embora esta abordagem tenha preservado a distinção entre as pessoas da Trindade, dividiu
erroneamente o seu ser e essência singular, concedendo diferentes atributos a pessoas diferentes
(por exemplo, autoridade ao Pai, submissão ao Filho) e, assim, dividindo a vontade suprema e
singular de Deus. Nas últimas décadas, este tratamento da Trindade ganhou força significativa
nos círculos evangélicos por meio de Bíblias de estudo, livros didáticos, periódicos, conferências
populares e mediante sua promoção em algumas das maiores e mais influentes escolas de
treinamento pastoral na América do Norte e no Reino Unido. Infelizmente, este trabalho de
catequese, amplamente revisionista, tem sido muito bem-sucedido. Muitos cristãos evangélicos
hoje passaram a acreditar que a Trindade manipulada é um ensinamento cristão ortodoxo.
Não é. E é por isso que devemos acolher com satisfação o convite do Dr. Barrett para
viajar no tempo. Se perdemos o contato com o fundamento supremo do ensino cristão, se
recebemos de nossos contemporâneos uma formação deficiente, devemos então encontrar
professores melhores e mais fiéis, mesmo que isso signifique olhar para o passado. Pela graça de
Deus, tais professores existem e podem nos ajudar a apreciar melhor quem, o quê e como o Deus
triúno se revelou nas Escrituras Sagradas.
Dito isto, nossa viagem ao passado não é por uma consideração ao passado, mas em prol
de um futuro melhor. Quando algo tão valioso como o ensino cristão ortodoxo acerca da
Trindade se perde, devemos procurar recuperá-lo para que nós, os nossos filhos e as nossas
igrejas possamos restabelecer a nossa fé numa base mais sólida, para que possamos redirecionar
nossa piedade por meio da luz de uma estrela mais brilhante e para que possamos renovar nosso
testemunho de acordo com a medida de um padrão mais confiável. Deveríamos acolher com
satisfação o convite do Dr. Barrett para viajar de volta no tempo, de forma que, com a ajuda da
Palavra e do Espírito soberanos de Deus, nós também possamos nos juntar ao coro dos santos no
céu e na terra em todas as épocas, oferecendo à Trindade três vezes santa a adoração que
somente ela merece.
Então, aperte o cinto e aproveite a viagem. O Dr. Barrett é um motorista habilidoso e um
guia confiável.
O que me leva a uma última razão pela qual você deveria aceitar o seu convite para
(re)descobrir a Trindade não manipulada. Um dos principais erros cometidos recentemente pela
teologia trinitária foi sugerir que a Trindade somente tem importância na medida em que
podemos demonstrar sua utilidade para fins práticos, sociais e políticos diversos. Mas isso é
entender as coisas totalmente ao contrário. A Trindade não existe por nossa causa ou por causa
de nossas agendas. O Deus triúno não é um meio para um fim. Nós existimos para ele (1Co 8.6).
A Trindade é um fim em si mesma (Rm 11.36). Portanto, estudá-la — procurando conhecer e
compreender, valorizar e adorar, honrar e servir o Deus triúno melhor — não precisa de
justificativa além dela mesma. A razão para estudar o Deus triúno não é submeter a Trindade aos
nossos vários programas sociais. A razão para isso é inclinar nossas mentes, vontades, ações e
comunidades à Trindade, confiantes de que, ao fazê-lo, descobriremos nela tanto a razão de
nossa existência quanto a plenitude da alegria (Sl 16.11; Jo 15.11; 17.13).
Scott R. Swain, Presidente e professor da cadeira
James Woodrow Hassell de teologia sistemática,
Reformed Theological Seminary, Orlando, Florida
1. Trindade à deriva
Por esta razão, importa que nos apeguemos, com mais firmeza,
às verdades ouvidas, para que delas jamais nos desviemos.
Hebreus 2.1

Nem tudo que é ouro fulgura,


Nem todo o vagante é vadio;
O velho que é forte perdura,
Raiz funda não sofre o frio.
J. R. R. TOLKIEN, O Senhor dos Anéis

Dagom e Ebenézer
“Pai, o que é um Ebenézer?”
Era uma pergunta honesta. Nossa família cantou milhares vezes aquele famoso hino
“Come Thou Fount”, mas desta vez quando cantamos “Here I raise mine Ebenezer, hither by thy
help i’ve come” [Agora eu ergo meu Ebenézer, com a tua ajuda vim], minha filha Georgia
interrompeu-nos, confusa quanto a essa palavra estranha.
“É uma pedra”, respondi.
“Uma pedra?”
“Deixe-me te contar uma história. Há muito tempo, antes de Jesus, mesmo antes do rei
Davi, havia um profeta chamado Samuel.”
“O menino do templo? Deus não chamou seu nome enquanto ele dormia?”
“Sim, mas nesta história ele estava muito mais velho. Samuel teve um trabalho difícil.
Ele teve que dizer ao povo de Deus, Israel, para se arrepender, e eles não o fizeram. Eles queriam
adorar falsos deuses.”
“Ídolos?”
“Isso mesmo. Só que isso estava tão fora de controle que Deus permitiu que o inimigo de
Israel, os filisteus, conquistasse o povo por meio de uma guerra. Mas isso não é o pior. Os
filisteus levaram o que o povo de Deus tinha de mais sagrado: a Arca da Aliança. Ela ficava na
casa de Deus, e quando ele queria estar com seu povo, sua presença descia sobre a arca. Quando
ela foi capturada e levada, foi como se Israel tivesse perdido o próprio Deus. Foi a pior coisa que
poderia ter acontecido com eles.”
“Eles a pegaram de volta?”
“Sim. Os filisteus colocaram a arca no templo de seu deus, Dagom. Pela manhã, Dagom
tinha caído de cara no chão na frente da arca. Constrangedor, não é? Os filisteus levantaram
Dagom, mas na manhã seguinte ele estava de bruços novamente na frente da arca, e desta vez
sua cabeça havia partido. Não apenas a cabeça, mas também as mãos, como se tivessem sido
cortadas de uma vez. Você está rindo?”
“Sim”, Georgia disse tentando esconder um sorriso.
“É meio engraçado mesmo. De qualquer forma, os filisteus entenderam a mensagem.
Eles enviaram a arca de volta. Samuel não conseguia acreditar: justamente quando parecia que
Deus havia abandonado seu povo para sempre, ele voltava para salvá-lo do inimigo. Isso é tão
típico de Deus, não é? Mas Samuel sabia quão indigno o povo era de receber a arca de volta.
Então ele convocou todos para abandonarem seus falsos deuses e servirem ao único Deus
verdadeiro. Acredite ou não, Israel ouviu e obedeceu. Quando a arca chegou, Samuel pegou uma
pedra, colocou-a em um local onde Israel a veria por diversas gerações futuras, e chamou aquela
pedra...”
“Ebenézer!”
“Isso mesmo. Ele a chamou de Ebenézer porque disse: ‘Até aqui nos ajudou o Senhor’.
Daquele dia em diante, por centenas e centenas de anos, toda vez que um menino ou uma
menina, como você, perguntava à mãe ou ao pai porque havia uma pedra gigante no meio da
cidade, eles ouviam esta história. A pedra era apenas uma pedra, mas significava muito mais:
ajudava o povo a lembrar-se sempre de quem é este grande Deus e do que ele fez; ajudou-os a
nunca esquecerem a sua história, a sua herança familiar.”
“Que história ótima.”
“Não é? Uma das minhas favoritas. Não se esqueça, a história também é sua.”

A história em 1 Samuel 6 e 7 é realmente uma das minhas favoritas. Mas precisei que
minha filha me ajudasse a perceber o porquê: Deus preocupa-se profundamente com a tradição.
Sua tradição é importante. É a sua história, e um dia será a história dos seus filhos e
filhas, uma história que eles, por sua vez, contarão aos filhos e filhas deles. E assim por diante.
As histórias das nossas vidas, que herdamos e nas quais nos encontramos, deixam-nos uma
tradição que define mais ou menos quem somos e nos tornaremos.
Mas você já considerou que tipo de tradição teológica você herdou ou abandonou? Se
você está lendo este livro, sua tradição, assim como a minha, deve ser evangélica. Há muitas
razões para nos orgulharmos dela: a sua insistência de que é preciso nascer de novo para ser
cristão, o seu compromisso com a Bíblia como a nossa autoridade suprema, a sua determinação
em manter a cruz de Jesus em seu centro e o seu zelo em levar as boas novas da morte sacrificial
de Jesus às nações. Essas marcas definem nossa história evangélica.
Mas nossa tradição evangélica será perdida se não for também uma tradição católica —
com c minúsculo, referindo-se às crenças universais que a Igreja confessou desde o seu início.
Devido à sua fidelidade bíblica, a Igreja apresentou essas crenças em forma de credo, para serem
confessadas pela Igreja universal (em todos os tempos e lugares) e para protegê-la contra a
ameaça da heresia, que na maioria das vezes se apresenta como ensino das Escrituras. Por esta
razão, elas são chamadas de crenças ortodoxas. A questão é: será que as nossas crenças
evangélicas alinham-se com as crenças bíblicas e ortodoxas que a Igreja tem acalentado e
confessado desde o seu início e será que a nossa identidade no futuro será marcada por essas
mesmas crenças?
Eu não o disse, mas as quatro marcas que mencionei acima compõem o quadrilátero
evangélico: conversionismo, biblicismo, crucentrismo e ativismo. Segundo os historiadores,
essas quatro marcas definem e determinam se alguém é um evangélico.
Mas observe, não há Trindade aqui. Onde ela foi parar?

Jovem, inquieto, reformado..., mas trinitário? A Trindade à deriva


Talvez a Trindade esteja presumida em cada marca do quadrilátero evangélico. Espero
que sim. Mas você deve admitir que sua ausência como uma marca por direito próprio é paralela
à sua ausência na cultura evangélica hoje. Sou evangélico há décadas e nunca conheci ninguém,
ou ouvi falar de alguém, fora do rebanho evangélico que dissesse: “Esses evangélicos podem ser
muitas coisas, mas não há dúvida de que são totalmente trinitaristas”. Já os ouvi nos chamarem
por vários nomes, mas trinitaristas? Nunca.
É verdade que muitas igrejas e pastores evangélicos sabem que devem afirmar a
Trindade, e assim o fazem. Mas, se forem honestos, não têm ideia do porquê, somente podem
dizer: “A Bíblia diz isso em algum lugar, certo?” — embora não tenham certeza de em qual
versículo. Peça-lhes que articulem a própria Trindade de acordo com a ortodoxia bíblica, e eles
apresentarão um olhar de surpresa. Você pode estar apresentando um agora.
“Espere aí, professor”, você pode objetar. “Não experimentamos um ressurgimento da
teologia nos últimos anos?” Sim. Desnutridos e famintos por carne em vez de apenas leite, os
jovens da virada do século cavaram bastante para ressuscitar a teologia da Igreja, e não qualquer
teologia, mas a teologia reformada. Mas já se passaram duas décadas e agora temos a vantagem
de olhar para trás e perceber lacunas que não víamos antes — pontos cegos. Aqui está um grande
demais para ser ignorado: mantemos todo o nosso foco na grandeza de Deus na história da
salvação e, de alguma forma, quem é esse nosso Deus triúno na eternidade se perdeu. Que
irônico. A história da salvação é uma que revela não apenas o que nosso Deus triúno realizou,
mas quem ele é em si mesmo, como Pai, Filho e Espírito Santo. Que revelador. Talvez o nosso
ressurgimento reformado não seja tão reformado, ou pelo menos não tão reformado quanto
deveria ser.
Mas não apenas a Trindade recebeu pouca atenção entre os jovens, inquietos e
reformados. Há razões para acreditar que no meio do nosso ressurgimento reformado — e de
todo o entusiasmo que ele trouxe — nos afastamos da doutrina bíblica, ortodoxa, acerca da
Trindade. A Trindade à deriva, como gosto de chamá-lo, não foi algo repentino e explosivo, mas
gradual, como um casal em um veleiro desfrutando da companhia um do outro na brisa azul do
mar, parabenizando-se pelo belo passeio que prepararam, percebendo, ao olhar para cima, que
não veem mais a costa. Pior ainda, não têm ideia de como voltar.
Você não acredita em mim? Revisitemos nossa história; voltemos no tempo para
determinar o que nosso futuro reserva.

De volta para o futuro


Um dos melhores momentos da minha vida aconteceu no dia em que meu pai e eu
assistimos De volta para o futuro pela primeira vez. Eu tinha acabado de completar doze anos e
mal sabia que estava prestes a assistir a um clássico.
Marty McFly e Doc — e não esqueçamos de Einstein, o cachorro — transcendem os
limites do tempo graças ao DeLorean, uma máquina do tempo chique, se é que alguma vez
existiu uma. Mas a viagem no tempo, como Doc e Marty aprendem da pior maneira, está repleta
de perigos, tanto que Doc gostaria de nunca ter inventado o capacitor de fluxo. Alterar o passado,
mesmo que minimamente, é colocar o futuro em risco. Quando Marty sai de 1985 e viaja de
volta até 1955, comete um erro terrível, que coloca em risco sua própria existência futura.
Não podemos voltar no tempo e mudar o nosso futuro evangélico, por mais que eu
quisesse aproveitar a oportunidade de deslizar pela história no DeLorean. Mas podemos olhar
para trás no tempo e ver para onde o futuro pode nos levar... se as coisas não mudarem no
presente. Como será o futuro para os evangélicos se nossa trajetória atual continuar a imitar
nosso passado recente? Para responder a essa pergunta, precisamos olhar com severidade e
honestidade para as últimas três décadas, se quisermos compreender o porquê do futuro da
teologia trinitária poder estar em perigo.
Se o DeLorean de Doc levasse você de volta à virada do século e a qualquer campus
universitário evangélico, o que você veria? Veria a mim — isto é, um eu muito mais jovem —
sentado no refeitório da faculdade, grifando as páginas de um livro grosso de capa dura azul com
uma imagem quadrada de Moisés de frente para o deserto. Se não fosse por Moisés, você
pensaria que este livro era uma enciclopédia médica. Mas todos nós conhecemos o livro: é o
Teologia sistemática, de Wayne Grudem, popular entre os evangélicos por seu resumo claro e
confiável da doutrina bíblica.
Mas digamos que seu DeLorean seja sofisticado o suficiente para avançar no tempo e
deixá-lo não apenas em qualquer campus universitário, mas em um campus com um seminário.
Se esse for o caso, então ao sair do DeLorean em direção ao carrinho de café e às prateleiras da
biblioteca, você me verá novamente, perdido em um livro igualmente grosso, mas desta vez com
uma capa que parece um vitral azul e vermelho e apresenta uma cruz no meio. É o Teologia
sistemática, de Millard Erickson, popular pelo sabor filosófico que traz à doutrina, raciocinando
para chegar a conclusões por meio de uma prosa lógica e rigorosa.
Estas foram algumas de minhas primeiras introduções à doutrina da Trindade. Claro, eu
acreditava nela; afinal, era cristão. Mas não tinha ideia do porquê. Então, enquanto um estudante
ambicioso, jovem, ansioso por aprender teologia cristã, entrei de cabeça no assunto, com
marcadores amarelos, rosa e tudo mais. Eu também prestava atenção nas aulas, procurando
oportunidades de aprender mais sobre essa Trindade tão central para minha identidade cristã.
A maneira como fui ensinado a lidar com a Trindade, porém, foi mais ou menos como a
maneira de lidar com uma ciência rigorosa. A Trindade era tratada como um enigma, até mesmo
um problema, mas que podia ser resolvido com a fórmula adequada. Visto que nenhum versículo
da Bíblia a ensinava, era preciso ser matemático. Primeiro, some e liste os versículos que dizem
que Deus é um. A seguir, some e liste os versículos que dizem que o Pai, o Filho e o Espírito são,
cada um, plenamente Deus. E... voilà! Sabemos que Deus é uma essência e três pessoas. Pronto.
Era o que pensava.
Na época, lembro-me de ter pensado que esse tratamento parecia um tanto forçado, até
mesmo estranho à forma como conheci a Trindade bíblica. Conheci-a ainda jovem, mas devo
esclarecer que esse encontro se deu ao contrário: a Trindade veio me conhecer. O que há de
extraordinário em minha conversão é que ela foi algo... ordinário. Meus pais eram fiéis na leitura
da Bíblia para mim e tinham um carinho especial pelo Evangelho de João. Depois de ler textos
como João 3, o Espírito Santo abriu meus olhos para Jesus como o Filho de Deus e, quando
confiei nele como meu Salvador, soube que havia sido perdoado pelo Pai. Não me lembro de ter
ouvido um sermão a respeito da Trindade, nem de meus pais terem se sentado comigo para
explicá-la. Mas ao encontrar o evangelho, a conheci. Como eu disse, porém, aconteceu o
contrário: a Trindade veio ao meu encontro... ela até mesmo me salvou. Eu a amei porque ela me
amou primeiro.
Mas quando li acerca da Trindade nesses livros didáticos, não só me parecia forçada — a
soma total de uma longa lista de textos prova aleatórios — mas também o resultado de um truque
de mágica. Era como se ela surgisse do nada. Puff. Como um coelho saindo de uma cartola.
Também notei algo peculiar, até um pouco perturbador. Tanto na faculdade quanto no
seminário, cada livro que li fazia questão de rejeitar uma crença cristã antiga a respeito da qual
eu nunca ouvira antes: a geração eterna do Filho a partir do Pai. E não eram apenas livros
didáticos muito apreciados, mas alguns dos livros mais recomendados escritos por teólogos e
filósofos evangélicos a respeito da doutrina de Deus — John Feinberg, Bruce Ware, Robert
Reymond, William Lane Craig, J. P. Moreland e outros. Esses pensadores, e outros como eles,
foram úteis de diversas maneiras, e seus livros foram indicados por professores em quem eu
tinha bons motivos para confiar. Mas eles partilhavam esta fraqueza: rejeitavam esta antiga
doutrina chamada geração eterna porque não conseguiam encontrar um texto que a apoiasse.
Sem um capítulo e um versículo, ela não podia ser incluída em suas listas; simplesmente não se
encaixava em sua fórmula. Outros a rejeitaram porque simplesmente não fazia sentido racional e,
se não era razoável, não poderia ser sensato.[2]
Se você não sabe o que é geração eterna, não se preocupe. Parece mais complicado do
que realmente é. Na verdade, é algo quase simples demais para explicar. Faça a si mesmo esta
pergunta: Por que a Bíblia usa os nomes Pai, Filho e Espírito para descrever a Trindade?
Resposta: na Bíblia, especialmente em um livro como o Evangelho de João, o Pai é chamado de
Pai porque ele é, bem, o Pai de seu Filho. Como fazem os pais, ele gera seu filho. Afinal, é isso
que significa ser pai. Mas como estamos falando de Deus, e não de um mero mortal, ele o faz
desde toda a eternidade. Gera eternamente seu filho, embora ele próprio não seja gerado por
ninguém (ele é ingênito). Porque é a fonte ou origem. Isso se chama paternidade.
O Filho é chamado Filho nas Escrituras porque tem um Pai. Pense desta forma: ele vem
de seu Pai, é gerado por seu Pai desde toda a eternidade. Ou poderíamos dizer que o Filho é
gerado (as palavras concebido e gerado são sinônimas) da natureza divina do Pai desde toda a
eternidade. Afinal, é isso que significa ser Filho. Isso se chama filiação.
O Espírito é chamado Espírito nas Escrituras porque procede do Pai e do Filho desde a
eternidade. Ele não é outro Filho (um irmão) nem um neto — isso seria estranho — então não
deveríamos dizer que ele é eternamente gerado ou concebido. Pelo contrário, ele é espirado do
Pai e do Filho. Isto é chamado de espiração, um rótulo que capta o significado bíblico da palavra
“Espírito”.
Já que estamos falando acerca de palavras-chave, devo também mencionar que existe
uma frase que resume todos esses três nomes bíblicos: relações eternas de origem. Essa é uma
frase para decorar. Destaque-a. Sublinhe-a. Circule-a. Parece sofisticada, mas seu significado é
bastante simples. A palavra “origem” é apropriada porque estamos descrevendo de onde vêm
essas três pessoas (por exemplo, o Filho vem do Pai). A palavra “eterna” é apropriada, pois é
Deus que temos em vista. E a palavra “relação” é outra forma de se referir às pessoas da
Trindade, especificamente ao que há de tão único em cada uma delas (por exemplo, o Pai é
ingênito, o Filho é gerado, o Espírito é espirado).
Ora, voltemos ao DeLorean. Ao fazer algumas pesquisas, descobri que essa maneira
antiga de descrever a Trindade era — bem, como posso dizer — o padrão. Durante dois mil
anos, os melhores intérpretes bíblicos da Igreja acreditaram que esta era a maneira bíblica de
definir a Trindade. Isso fez meu queixo cair. Os livros didáticos e os professores que me
apresentaram a Trindade agiam como se seu tratamento científico e matemático, um tratamento
que alegremente mostrava a porta de saída à geração eterna, fosse justamente... padrão. Todos ao
meu redor presumiam que era. Mas não era. Nem perto disso. Foi apenas no século passado, em
nossa geração, que a Trindade foi reformulada de forma radical.
Mas minha investigação profunda revelou ainda mais: não só os melhores intérpretes
bíblicos do cristianismo confessaram uma doutrina como a da geração eterna desde a concepção
da Igreja, mas também acreditavam que tal doutrina salvaguardava a divindade de Cristo da mais
perigosa das heresias. Para deixar claro, estamos falando de uma crença tão essencial à Trindade,
distinguir o Filho como Filho do Pai como Pai, que quando a divindade de Cristo foi questionada
no século IV, os Pais da Igreja reuniram-se no Concílio de Nicéia (325) — talvez o concílio mais
importante de toda a história cristã — e escreveram um credo para afirmar a geração eterna como
uma condição da verdadeira ortodoxia (veja o capítulo 2). Se o Filho não foi gerado a partir da
essência divina do Pai desde toda a eternidade, argumentaram, então o Filho não é igual ao Pai
em divindade. A doutrina não apenas distinguia a pessoa do Filho da pessoa do Pai, mas garantia
que os dois fossem coeternos e iguais em divindade, poder, vontade, glória e autoridade. Afirmar
a geração eterna equivalia a ser um cristão, e ainda por cima um cristão que cria na Bíblia.
Negar a geração eterna era alinhar-se com a heresia.
Mais uma vez, meu queixo caiu. Como pode tal crença ser rejeitada hoje pelos
evangélicos, as mesmas pessoas que afirmam estar centradas na cruz? Era enervante, para dizer o
mínimo, que tal base trinitária tivesse sido cortada dos livros evangélicos e apagada dos quadros
brancos de suas salas de aula — salas de aula onde eu deveria estar aprendendo acerca da
Trindade. E então ocorreu-me: vivemos e ainda estamos observando a Trindade à deriva.
Mas espere, as coisas pioram. A Trindade continua à deriva...

A praia está os livros estão chamando... e eu preciso ir


Como nasci em Los Angeles, você não ficará surpreso ao me ouvir dizer que onde quer
que eu esteja, meu espírito tende a vagar de volta para a Cidade dos Anjos. Pode parecer
estranho para aqueles que gostam das planícies abertas do Meio-Oeste — que eu também adoro,
aliás —, mas me sinto em casa sempre que voo de volta para aquela cidade de concreto com suas
rodovias que lembram espaguete.
O sul da Califórnia é um paradoxo: seu concreto queimado pelo sol se estende por
quilômetros a fio, mas você sempre pode ter certeza de achar um trecho de concreto que leva a
uma praia de areia dourada e ondas brancas. Todo verão, nossa família escapa da umidade
opressiva do Meio-Oeste para a ensolarada SoCal [Sul da California], conhecida por seu clima
imutável de vinte e cinco graus. Sempre vale a pena: leio e escrevo todos os dias, mas à tarde e à
noite caminhamos até a beira-mar para nos refrescar no Pacífico e ver o pôr-do-sol exibir sua tela
laranja, rosa e amarela como se fosse uma das modelos de Los Angeles desfilando na passarela.
Certo verão, esse hábito tornou-se tão habitual entre nós, ratos de praia, que minha filha jurou
que compraria uma camiseta que ela sempre via e que dizia: A praia está chamando, e eu preciso
ir. Infelizmente para mamãe e papai, as crianças têm um jeito de transformar as coisas. Quando o
lixo precisava ser levado para fora ou quando a irmã mais nova precisava de uma tigela de
cereal, minha filha mais velha dizia com aquele sorriso astuto: “Desculpe, mãe. Desculpe, pai.
Os livros estão chamando e eu preciso ir”.
Naquele verão, era principalmente a praia que continuava chamando, e estávamos todos
dispostos a ser convocados. Mas de vez em quando, o chamado mudava, e eu parava de escrever
e procurava uma livraria local para examinar. Este é meu hábito, não importa em que cidade
nossa família esteja morando — sou incurável. No final de cada férias, as crianças empacotam as
conchas enquanto o pai tenta, desesperadamente, enfiar uma pilha de livros numa mala já cheia.
Uma tarde, descobri uma loja modesta cheia de livros do chão ao teto. Eis o que fiz:
comecei em ficção, escolhendo aqueles clássicos que ainda não havia lido, sabendo que no canto
mais distante havia uma seção negligenciada chamada “teologia” que me esperava como a cereja
no topo de um sorvete. Mas, para minha surpresa, esta livraria em particular tinha um armazém
cheio de cerejas. Na parede diante de mim havia uma história, cada estante de livros me
contando quais ideias haviam sido desenvolvidas nos últimos cinquenta a setenta anos. Como
uma criança em uma loja de doces, comecei a pegar livros aos punhados. Mas após quatro horas
era hora de partir. Comprei minha grande pilha de livros com a senhora na caixa registradora e
saí para ser recebido pelo cheiro salgado de peixe com batatas fritas.
Quando minha família voltou das férias, com marcas de bronzeamento e vitamina D
suficiente para sobreviver ao inverno, escondi-me em meu escritório e esvaziei uma estante
inteira para armazenar e poder ver todos os livros que havia comprado, bem como uma série de
outros que havia colecionado ao longo dos anos. Não vou incomodá-lo com o autor e o título de
cada livro que abri — de qualquer maneira, conheceremos alguns deles no capítulo 3. Mas devo
compartilhar com você o que descobri. Livro após livro revelava um padrão, e cada prateleira
contava uma história.
Primeiro, peguei um livro de um dos teólogos mais influentes do final do século XX. A
sua agenda era explícita: a Trindade é o nosso plano mestre para a política. Tal como a Trindade
é uma comunidade ou sociedade de pessoas iguais que cooperam entre si, também as estruturas
de poder na sociedade humana devem favorecer uma comunidade de cooperação e igualdade.
Deus não é um monarca unitário (monoteísmo) nem a Trindade é uma hierarquia (com o Pai
como autoridade), ambos os quais resultam numa ditadura na sociedade. Pelo contrário, existe
igualdade entre as pessoas e essa igualdade na comunidade é o nosso modelo para uma sociedade
socialista. Quem diria que a Trindade poderia ser tão política?
Em seguida, entusiasmado, peguei um punhado de uma vez, já que cada um tinha a
palavra “ecumênico” espalhada por suas páginas. Estes autores também apelavam à unidade
cooperativa entre as pessoas da Trindade, mas desta vez como um plano mestre para o
ecumenismo, a unidade entre as diferentes religiões. Tal como a Trindade, as distinções de cada
partido religioso não precisam ser perdidas; no entanto, a cooperação e a interdependência são
fundamentais, pois cada parte (pessoa) abraça a unidade com as outras, neste caso em prol das
missões. Alguns até acreditavam que a pluralidade que existe nesta sociedade unificada a que
chamamos Trindade é o nosso modelo para abraçar o pluralismo religioso no mundo. Quem diria
que a Trindade poderia ser tão inclusiva?
Coloquei aquela pilha de livros de lado, tanto por seu peso quanto porque vi alguns
outros livros desconhecidos escondidos no canto superior direito da estante. A princípio, pensei
que esses livros e artigos estavam fora de lugar porque tinham muito a dizer sobre
ambientalismo. Mas estava enganado. Estes autores transfiguravam a Trindade em prol da
ecologia. Alertavam contra as heresias ecológicas que tratam os seres humanos como superiores
ao meio ambiente e subordinam a natureza ao poder do homem. A criação e a humanidade
partilham a mesma essência, à imagem da igualdade do Filho com o Pai na Trindade. Quem diria
que a Trindade poderia ser tão verde?
Em seguida veio uma série de livros coloridos em tons de azul e verde, e ainda alguns em
branco ou preto. Mais uma vez, convenci-me de que estes livros deviam estar fora de lugar, pois
em cada um deles o gênero e a identidade sexual era o que ocupava a atenção do autor. Mas,
novamente, eu estava enganado. Folheando um livro após o outro, aprendi rapidamente que não
existe uma agenda tão sexual quanto a identidade de gênero na teologia. Estes autores estavam
convencidos de que a igualdade entre as pessoas da Trindade é a nossa justificação para a
igualdade entre os sexos, tanto na Igreja como na sociedade. Assim como existe uma sociedade
de pessoas iguais na Trindade, também os sexos, masculino e feminino, são iguais na sociedade
humana. Uma Trindade igualitária deveria resultar numa sociedade igualitária. Alguns livros
nesta estante eram tão ousados a ponto de dizer que Deus era uma mulher. Quem diria que a
Trindade poderia ser tão feminista?
Outros livros nesta mesma estante haviam sido escritos por evangélicos, mas em vez de
usarem a Trindade para defender a igualdade de gênero, estes autores usavam-na para falar
acerca de hierarquia. Eles apelavam para uma subordinação funcional do Filho ao Pai na
eternidade como justificativa para a subordinação das esposas aos seus maridos e das mulheres
aos seus pastores. Assim como o Pai e o Filho são iguais em essência, mas distintos em seus
papéis, também a esposa é igual como pessoa, mas subordinada em papel à autoridade do
marido. Como muitos antes deles, estes autores redefiniram o trinitarismo ortodoxo, substituindo
categorias ortodoxas (como simplicidade e geração eterna) por categorias sociais (papéis como
relacionamentos). Quem diria que a Trindade poderia ser tão patriarcal?
Justamente quando pensei que já tinha visto de tudo, peguei um livro que tinha a palavra
“sexualidade” logo no título. Embora os livros que acabei de mencionar usassem a subordinação
para apoiar a hierarquia, este livro usava um método semelhante, mas apelava ao amor mútuo
entre o Pai e o Filho para apoiar a homossexualidade. Esses autores defendiam os casamentos
gays e lésbicos com base em papéis funcionais dentro da Divindade. Assim como as diferenças
entre as pessoas da Trindade não impedem a sua igualdade, também as diferenças entre
heterossexuais e homossexuais não impedem a igualdade entre diferentes orientações sexuais.
Permanecem iguais e ao mesmo tempo distintos, mantendo sua identidade pessoal (da mesma
forma que a Trindade). Quem diria que a Trindade poderia ser tão sexual?


Socialismo, ecumenismo, pluralismo, ambientalismo, igualitarismo, complementarismo,
homossexualidade... quando larguei os livros, minha alma teológica sentiu um pouco de náusea.
[3]
Esses eram os livros apreciados pelas últimas duas gerações de membros de igreja, pastores,
estudantes e professores. Estes eram os livros aos quais a Igreja e a academia recorriam para
compreender a Trindade. E, acima de tudo, estes eram os livros que ensinariam à geração
seguinte como usar a Trindade para cumprir qualquer agenda social que considerassem mais
importante. Não há limite para as formas como usamos (abusamos) a Trindade para cumprir
nossas agendas sociais. E então me dei conta: a Trindade não está apenas à deriva, mas nossa
redefinição dela nos deu uma licença para manipulá-la.
Tanto para os evangélicos quanto para os liberais, a Trindade tornou-se um nariz de cera,
torcido e moldado à vontade até doutrina trinitária bíblica e ortodoxa esteja irreconhecível. Com
a melhor das intenções, os pensadores modernos transformaram a teologia em antropologia. A
Trindade tornou-se um espelho no qual vemos o nosso próprio reflexo; apresentamos nossa
doutrina da Trindade e poderíamos muito bem estar exibindo uma imagem de nós mesmos. Não
somos mais feitos à imagem da Trindade, mas ela é reinterpretada e remodelada até ser feita à
nossa própria imagem. O resultado: há tantas Trindades quantas agendas sociais. A própria
Trindade foi redefinida até como um artefato social para garantir que estas agendas sociais
tenham força. Nossas incessantes buscas de maneiras para torná-la relevante para a sociedade
resultam em uma coisa: o Deus triúno na eternidade foi engolido por quem queremos que ele seja
para nós na história.
A Trindade é o nosso programa social.

Todo o ar que respiramos, mas não podemos ver


Apesar de toda a minha conversa sobre o sul da Califórnia, devo confessar que na
verdade cresci em São Francisco. Para quem não conhece, San Francisco está no topo da
Califórnia, enquanto Los Angeles está na parte de baixo. É uma das viagens rodoviárias mais
pitorescas. Do início ao fim — se você não fizer turismo, o que é improvável — a viagem leva
seis horas de carro, da Lombard Street até Hollywood. Mas se você cochilar ao entrar, poderá
perder um paradoxo perturbador, que qualquer nativo honesto da Califórnia conhece, mas que na
maioria das vezes choca os turistas.
Em SoCal, enquanto você está parado no trânsito lento como um melaço da Interstate 5
(que os californianos chamam de The 5), senta-se no Dodger Stadium com um cachorro-quente
de 20 centímetros ou anda no Matterhorn na Disneylândia com seus filhos gritando, você não vê
toda a poluição que está inalando. Mas para aqueles que visitam primeiro a ponte Golden Gate, a
Ilha de Alcatraz e o Fisherman’s Wharf, em San Francisco, e depois dirigem até SoCal, surge
uma imagem diferente. No momento em que você pisa no freio após correr pela Grapevine e
olha para cima, para ver a Cidade dos Anjos pela primeira vez, você fica boquiaberto com toda a
poluição que vê — ela é tudo menos angelical.
É possível que todos na sociedade vivam com suas vidas ocupadas e nunca questionem
todo o ar que não podem ver. Isto é, até que lhes seja dada uma nova perspectiva. O ponto de
vista pode fazer toda a diferença.
O mesmo acontece com a Trindade e nossa herança cristã. O ar evangélico que
respiramos nas últimas três décadas é moderno em todos os sentidos. Não percebemos, porque
todos respiram o mesmo ar, e parece tudo bem. Presumimos que a Trindade que inspiramos e
expiramos é a bíblica, até mesmo a Trindade dos nossos pais. Mas não é. O ar trinitário que
inalamos e exalamos foi soprado em nosso hemisfério evangélico pelos ventos da modernidade,
e esses ventos nebulosos estão tão distantes da Bíblia e da ortodoxia cristã quanto possível.
Afastamo-nos da ortodoxia bíblica ao trocar a Trindade dos nossos pais por uma social,
que pode ser manipulada para cumprir a nossa agenda. Redefinimos a Trindade como uma
sociedade de relacionamentos em que cada pessoa coopera por meio de seu próprio centro de
consciência e vontade (o que uma geração anterior rotulou como a heresia do triteísmo), para que
possamos usá-la como nosso protótipo do tipo de sociedade humana que achamos melhor.
E os evangélicos, quer o percebamos ou não, também respiraram o ar do trinitarismo
social, convencidos, o tempo todo, de que a nossa Trindade é um do ar da montanha bíblico e
limpo, não adulterado. Nada mais, nada menos. Mas quando a poluição atmosférica se dissipa —
e em parte isso tem acontecido nos últimos anos — torna-se evidente que a doutrina evangélica
da Trindade está muito longe da ortodoxia bíblica. Pense desta forma: a poluição atmosférica
(teologia moderna) envolve Los Angeles como um cobertor grosso que cobre seus residentes.
Mas, em resposta, optamos por ignorá-la (Que poluição?) ou convencemo-nos de que, afinal, é
ar de boa qualidade (tenho a certeza de que está tudo bem), apesar do que os outros nos dizem
que veem quando estão a caminho da cidade.
O que significa que não só precisamos de um novo ponto de vista para ver toda a
poluição trinitária que respiramos, mas também precisamos de ar novo. E esse ar só pode ser
fornecido pelos velhos ventos da ortodoxia bíblica. Ortodoxia nicena, para ser exato. É hora de a
verdadeira Trindade se manifestar. É hora de a Igreja ficar cara a cara com o Deus que é
simplesmente Trindade.
Não adulterado. Não corrompido. Não manipulado.

O Time dos Sonhos


Escrevi este livro para despertar-nos, para nos dar um novo ponto de vista, para invocar
novos ventos com ar fresco que nos possam ajudar a respirar novamente. Não digo isso por
orgulho, mas com humildade... e um pouco de vergonha. Ao contar minha história nas páginas
seguintes, você verá que tenho um passado; também tenho inalado a poluição da teologia
moderna, assim como todo mundo. Mas depois de anos investigando profundamente a história de
nossa família, ficou claro para mim que a Trindade que aprendi com evangélicos bem-
intencionados não é a das Escrituras, nem aquela que os pais do cristianismo confessaram e pela
qual sangraram, até mesmo morreram, sob a ameaça da heresia. Ficar em silêncio parece algo
irresponsável. Estamos à deriva, e é hora de a Igreja encontrar o caminho de casa.
Se você quiser se juntar a mim nesta busca, gostaria de levá-lo de volta no tempo, para
muito antes da nossa era moderna, e reapresentá-lo à sua história, à sua herança cristã. Fico
emocionado em dizer que isso exigirá uma viagem no DeLorean. Pode ser a viagem mais
importante que poderíamos fazer. Pois se não conhecermos a nossa própria história, uma história
que revisitará não apenas os Pais da Igreja, mas as antigas vozes que ouvimos nas Escrituras,
então o nosso futuro evangélico permanecerá em perigo.
Como você provavelmente já deve ter adivinhado, sou fã do Los Angeles Lakers desde
que me lembro. Roxo e dourado correm nas veias da minha família há gerações. Meu pai e seu
irmão gêmeo costumavam sentar-se na quadra, embaixo da cesta, nos jogos do Lakers quando
eram meninos. Nas décadas de 1960 e 1970, seu ídolo era Jerry West, cuja silhueta é usada em
todas as camisas da NBA até hoje. Ele era mais conhecido como sr. Clutch[4] por seus arremessos
para a vitória no último segundo. Certa vez, ele acertou um Hail Mary[5] de 18 metros e colocou
o Lakers na prorrogação contra o Knicks no jogo 7 das finais da NBA de 1970. Eu poderia
continuar e falar sobre Wilt Chamberlin e Kareem Abdul-Jabbar e seus imparáveis ganchos
celestiais, sobre os contra-ataques rápidos de Earvin “Magic” Johnson e o início do “Showtime”,
sobre Shaquille O’Neal, um Hércules do garrafão, se é que alguma vez houve alguém assim. E
quem pode esquecer Kobe Bryant, que esteve tão perto de roubar a reputação de Michael Jordan
como o G.O.A.T. (o maior de todos os tempos).
Mas então houve uma seca de dez anos sem vitórias. Sem campeonatos. Sem anéis. O
Lakers tentou dar dinheiro aos jogadores, recrutando veteranos que logo se tornariam membros
do hall da fama para formar um time que parecia, pelo menos no papel, um sonho. Não
funcionou. Como os puristas do basquete sabem, um time campeão é formado por mais do que
apenas estrelas. No entanto, há uma grande exceção: o Dream Team [Time dos Sonhos]. Em
1992, a NBA reuniu uma escalação de estrelas para competir nas Olimpíadas. A equipe que
competiu em Barcelona, na Espanha, era como nenhuma outra, incluindo armadores como
Michael Jordan e Magic Johnson, atacantes como Larry Bird e Charles Barkley e centrais como
Patrick Ewing e David Robinson. E deu certo: o Time dos Sonhos levou o ouro para casa.
O Time dos Sonhos
Armador Magic Johnson Atanásio

John Stockton Hilário de Poitiers


Ala-Armador Michael “Air” Jordan Agostinho de Hipona

Clyde “the Glide” Drexler Gregório de Nissa


Ala Chris Mullin Basílio de Cesareia

Scottie Pippen Anselmo

Larry Bird Tomás de Aquino


Ala-Pivô Charles Barkley Gregório de Nazianzo

Christian Laettner João de Damasco

Karl “the Mailman” Malone François Turretini

Central David Robinson John Owen

Patrick Ewing John Gill

Por que mencionar o Time dos Sonhos em um livro sobre a Trindade? Se quisermos
resistir à tentação de manipular a Trindade para que ela sirva a qualquer programa social que
desejarmos, se quisermos encontrar o caminho de volta para o Deus da ortodoxia bíblica, então
precisamos de ajuda. Não qualquer ajuda, mas a de um time de estrelas, que não pode ser
derrotado. Para montar este Time dos Sonhos teológico, devemos voltar no tempo até os
melhores jogadores da Grande Tradição, aqueles Pais da Igreja que lutaram contra os hereges e
até colocaram suas vidas em risco para garantir que a Igreja permanecesse fiel às Escrituras.

Por que não posso simplesmente citar a Bíblia?


Fiel às Escrituras — essa é a frase-chave. Nosso Time dos Sonhos não é um substituto
para a Bíblia, mas um guia testado pelo tempo para interpretá-la. Somente a Bíblia é nossa
autoridade final e infalível. Mas como diz o ditado, todo herege tem um versículo bíblico seu. E,
como veremos no capítulo 2, os hereges mais perigosos sabiam citar a Bíblia melhor do que
ninguém, por isso era essencial usar palavras extrabíblicas para salvaguardar da manipulação a
Trindade bíblica.
Não adianta então fazer um concurso de versículos bíblicos, como se ganhasse quem
conseguisse citar mais. De qualquer forma, não é assim que conhecemos a Trindade: não há
nenhum versículo na Bíblia que a descreva, mas ela nos é revelada na história do evangelho (veja
o capítulo 4). Considerando quantas vezes esta história do evangelho foi usada por hereges para
distorcer o nosso Deus triúno, não devemos ser tão orgulhosos a ponto de pensar que não
precisamos de ajuda para interpretar a Bíblia. Precisamos.
Reconhecer a nossa necessidade de ajuda é o primeiro passo para tratar a Bíblia com
humildade e uma fé que busca compreensão e não o contrário. Aprenderemos com os erros de
interpretação bíblica do passado para não criarmos uma Trindade feita à nossa própria imagem
(veja o capítulo 3). Leremos a Bíblia com os cristãos que vieram antes de nós, pedindo-lhes que
abram os nossos olhos para a beleza de uma Trindade que de outra forma não veríamos. Ao fazê-
lo, invocaremos uma tradição, a Grande Tradição, que está profundamente enraizada nas
Escrituras. A questão é a seguinte: interpretar a Bíblia com humildade como Deus planejou
significa interpretar a Bíblia com a Igreja.
Muitos hoje responderão com um grito de protesto: Nenhum credo, exceto a Bíblia! Esse
grito, contudo, é um individualismo egoísta, ou o que chamo de biblicismo grosseiro e raso, que
se esconde sob o nome de autoridade bíblica. O sola scriptura foi mal interpretado, até mesmo
radicalizado, como significando apenas eu e minha Bíblia. Mas essa é uma mentalidade cativa do
deus da nossa cultura: o individualismo autônomo. Não reconhece que todos os que pegam numa
Bíblia estão localizados na história e inseridos numa tradição específica. Isto não é algo ruim;
deveria ser comemorado, na verdade.[6] A única questão é se esta é a tradição correta ou não, se é
uma tradição que ajuda ou prejudica a leitura da Bíblia como Deus a planejou.

O que sola scriptura significa realmente?


Sola scriptura é muitas vezes mal interpretado como significando que a Bíblia é a única autoridade. Mas isso é solo scriptura,
uma visão sustentada pelos radicais. Sola scriptura não exclui outras autoridades da Igreja (credos, concílios, pastores, etc.). Pelo
contrário, significa que somente as Escrituras são revelação divina e sem erro e, portanto, nossa autoridade final. Sola scriptura
não é antitradição, mas apresenta uma visão correta da tradição.

Tradição 0 — Radicais e racionalistas


Desde os apóstolos, a Igreja está perdida e deve ser reinventada. A tradição é inútil e perversa; na melhor das hipóteses, tem
pouco valor. Somente a Bíblia é a autoridade e fonte da teologia.

Tradição 1 — Reformadores Protestantes


A Igreja não está perdida, mas precisa de reforma. A tradição é essencial para a reforma, ajudando-nos a interpretar a Bíblia
corretamente, e ela exerce autoridade na Igreja. Mas as Escrituras são a autoridade final.

Tradição 2 — Católicos romanos


A tradição é uma segunda fonte de revelação infalível, igual ou mesmo superior às Escrituras.

Mas, ainda mais importante, tal abordagem individualista da Bíblia não é bíblica. Ora,
isso é irônico. De várias maneiras, o apóstolo Paulo, por exemplo, diz que o evangelho que
“recebeu do Senhor” ele então “entregou” ou “transmitiu” (latim: trado) à Igreja (1Co 11.23).
Mais tarde, ele lembra novamente à Igreja que pregou e transmitiu o evangelho que eles
“receberam” (15.1). Paulo também diz à Igreja que, se quiserem “permanecer firmes”, então
“guardai as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa” (2Ts
2.15). E quando treina Timóteo, lembra-o que ele primeiro acreditou no Deus triúno da Bíblia
porque sua avó Lóide e sua mãe Eunice foram fiéis em transmitir a fé que também receberam de
outros (2Tm 1.5; cf. 3.15). Paulo assegura a Timóteo que o Espírito “guardará o bom depósito
que lhe foi confiado” (2Tm 1.14). E como Paulo, Judas ordena à Igreja: “batalhar,
diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (v. 3).
“Entregue aos santos” — isso parece uma tradição. Por esta razão, os santos começaram a
usar a palavra latina traditio, que significa “transmitir a outro”. Eles reconheceram que o
evangelho que Jesus deu aos seus apóstolos foi então dado por estes à Igreja, tal como Jesus
pretendia. Não deveria ser preciso dizer, mas esse evangelho era totalmente trinitário. Essa
tradição evangélica trinitária tornou-se conhecida como regra de fé e era recitada com alegria
sincera sempre que a Igreja se reunia. Chegou até a assumir forma escrita, como pode ser visto
no Credo dos Apóstolos. E quando a heresia ameaçou o cerne trinitário deste resumo do
evangelho, desta regra de fé, a Igreja universal reuniu-se e escreveu outro credo — o Credo
Niceno. Esse credo era fiel às Escrituras e, por essa razão, tinha autoridade para os cristãos em
todos os lugares e épocas. Afastar-se do Credo Niceno era afastar-se do próprio ensino bíblico.
Abandonar o Credo Niceno era abandonar o próprio Deus do evangelho.
O credo é então uma autoridade ministerial, responsabilizando os cristãos perante a
autoridade final (magisterial) da Bíblia. E ninguém interpretou tão fielmente as Escrituras e o
Credo Niceno como a Grande Tradição — o Time dos Sonhos teológico. Por meio de uma
atenção rigorosa ao texto das Escrituras, eles desenvolveram um plano bem elaborado que
ensinava a Igreja a como construir uma doutrina da Trindade a partir das Escrituras. Ao fazê-lo,
ajudaram-na a permanecer fiel à Trindade bíblica, contra as Trindades distorcidas pela
manipulação.
E eles ainda podem ajudar. Mas devo avisar, isso envolverá uma pequena viagem no
tempo.

Para o DeLorean!
Espero que você esteja tão animado quanto eu para viajar no DeLorean mais uma vez.
Mas antes de começarmos a inserir números no capacitor de fluxo, permita-me dizer para onde
estamos indo.
Primeiro, como eu disse, precisamos ouvir uma voz que não é mais ouvida hoje — isto é,
a voz dos Pais da nossa Igreja. Voltaremos no tempo até o século IV para entender por que
nossos Pais escolheram certas palavras e frases para proteger a Trindade bíblica da heresia.
Descobriremos também que eles nos deixaram uma gramática trinitária — uma linguagem, para
ser exato — que nos ensina como distinguir entre Pai, Filho e Espírito Santo, como fazem as
Escrituras, mas sem comprometer a unidade (simplicidade) do nosso Deus triúno. No próximo
capítulo conheceremos os Pais que compõem esta Grande Tradição, esse Time dos Sonhos
teológico. E apesar da má fama, eles formam uma equipe, pois cada um recupera à sua maneira o
ensinamento bíblico do Credo Niceno. Observaremos o time passar a bola, percebendo como
eles trabalham como um só, toda a equipe assumindo as mesmas regras do jogo Niceno, e cada
membro dela mantendo seus fundamentos nicenos para garantir que permaneçamos fiéis às
Escrituras.
Em segundo lugar, o DeLorean levar-nos-á de volta ao futuro para comparar a ortodoxia
bíblica dos nossos Pais com as mudanças radicais introduzidas na Trindade pelos pensadores
modernos — e são mudanças radicais, sem dúvida. Mas não apenas com os pensadores
modernos; com os pensadores evangélicos também. Apesar do que nos foi dito, ficará evidente
que muitas representações modernas e evangélicas da Trindade são antitéticas aos credos e
confissões que a Igreja confessou como fiéis às Escrituras.
Em terceiro lugar, o DeLorean nos levará de volta às próprias Escrituras, nas quais
passaremos a maior parte do nosso tempo. Quando chegarmos, uma mulher hebraica do primeiro
século chamada Zípora nos guiará. Ouviremos o que ela ouviu pela primeira vez quando
encontrou Jesus falando acerca de seu Pai, e veremos o que ela viu em primeira mão quando
testemunhou a descida do Espírito no Pentecostes. Por meio de seus olhos e ouvidos, com
exegese cuidadosa e precisão teológica, trataremos a Bíblia como um todo e a leremos com a
Igreja para entender de que forma Deus se revelou como Pai, Filho e Espírito Santo. Mas ao
fazê-lo, lutaremos contra a tentação de manipular quem Deus é em si mesmo para transformá-lo
em quem queremos que seja, em prol dos nossos programas sociais.
Ao final desta jornada, desta busca, a verdadeira Trindade se manifestará, e você
encontrará a Trindade não manipulada, aquele que é simplesmente Trindade. Se você tiver uma
fé que busca entendimento, então crerá simplesmente quando vir aquele que é simplesmente
Trindade.[7]
E agora... sempre quis dizer isto: Para o DeLorean!
PARTE 1
COMO FICAMOS À DERIVA?

Parece-me que muitas igrejas protestantes ficam envergonhadas com


coisas que são tradicionais, que à medida que as coisas se tornam generacionalmente
mais antigas, perdem relevância... Não há apenas muitas perdas,
mas também uma deturpação do que somos.
MARILYNNE ROBINSON

Uma geração louvará a outra geração as tuas obras e anunciará os teus poderosos feitos.
SALMO 145.4
2
Podemos confiar no Deus de nossos
Pais?
Recuperando a ortodoxia bíblica

[A Trindade] Por certo nenhuma outra questão existe que ofereça mais risco de erros,
mais trabalho na investigação e mais fruto na descoberta.
AGOSTINHO, A TRINDADE

Se a teologia cristã, atualmente, se encontra às vezes em desordem — como, de fato, acredito que esteja —, então
uma das razões principais dessa situação é... a sua falta de raízes... Pouquíssimas coisas são mais necessárias, para a
renovação da teologia cristã, do que a promoção da leitura reverente de textos cristãos clássicos, bíblicos ou não.
JOHN WEBSTER, A CULTURA DA TEOLOGIA

Para o DeLorean!
Destino: Credo Niceno, século IV d.C.

Ponto principal: os hereges usaram a Bíblia para subordinar o Filho. Os Pais da Igreja usaram palavras extrabíblicas para
proteger a Trindade bíblica. Cada pessoa é uma “subsistência” da mesma essência “simples”. Somente as relações eternas de
origem (Pai ingênito, Filho gerado, Espírito espirado) distinguem as pessoas. O Filho é distinto e igual ao Pai porque é gerado da
essência do Pai.

A Bíblia da minha avó


Há uma Bíblia antiga em minha mesa. Para a maioria das pessoas, é apenas mais uma
Bíblia. Mas, para mim, é muito mais do que isso. É a Bíblia que minha avó me deu antes de
morrer. Cada vez que a vejo, lembro-me de como Deus usou minha avó, e especialmente minha
própria mãe, para me falar a respeito de Jesus. Se não fosse por elas, eu talvez não fosse um
cristão.
Você sabia que o jovem Timóteo sentiu a mesma coisa? Não se esqueça de quem
primeiro compartilhou o evangelho com você, escreveu certa vez o apóstolo Paulo a ele. Quem
primeiro compartilhou Cristo com Timóteo? Não foi Paulo. Não foi nem mesmo um apóstolo.
Foi sua avó, Lóide, e sua mãe, Eunice (2Tm 1.5). Quando Timóteo se lembrou da sua herança,
tornou-se ousado no evangelho, sem covardia (1.7-8). Sua herança o capacitou para guardar o
depósito que lhe fora confiado (1.14).
Quer seja a minha avó ou a de Timóteo, nossa fidelidade ao evangelho de Jesus Cristo
depende, na maioria das vezes, daqueles que vieram antes de nós. Se compreenderam Jesus de
maneira errada, nós também podemos errar. Se interpretaram mal suas Bíblias, nós também
podemos fazê-lo. O risco é enorme: se não formos fiéis às Escrituras e se não formos fiéis em
ensinar a sã doutrina à próxima geração, tudo poderá perder-se.
Não digo isso levianamente, mas falo por experiência própria. Como contei no último
capítulo, já fui um jovem estudante, ávido por aprender a Bíblia e teologia que deriva dela. Mas
os livros padrão que meus professores evangélicos colocaram em minhas mãos questionaram e
até rejeitaram a doutrina bíblica da Trindade ensinada pela Igreja por quase dois mil anos. Fui
presenteado com uma Trindade na qual me disseram que eu poderia confiar, mas, à medida que
me aprofundei, descobri que a Trindade que me ensinaram era nova em muitos aspectos,
manipulada para servir a uma variedade de objetivos. Eu tinha sido roubado de uma herança que
deveria ter sido transmitida a qualquer cristão comum. É assustador pensar que quase perdi
totalmente a Trindade.
Não é exagero dizer que tudo esteva quase perdido uma vez, apenas alguns séculos
depois de Paulo ter escrito a Timóteo. Um pastor leu a Bíblia incorretamente e transmitiu uma
visão herética acerca da Trindade para a próxima geração. Ele provocou um incêndio florestal
que ameaçou destruir o cerne da fé cristã. Felizmente, alguns dos jogadores do nosso Time dos
Sonhos se levantaram para proteger o bom depósito que lhes fora confiado. Neste capítulo,
sentar-nos-emos aos pés deles, enquanto eles nos ensinam como ler a nossa Bíblia de uma forma
que seja fiel à Trindade bíblica.

Tudo começou com um estudo bíblico: Ário, a fagulha que incendiou a floresta
No início do século IV d.C., enquanto a Igreja Cristã ainda era jovem, surgiu uma disputa
que ameaçou a sobrevivência do cristianismo tal como o conhecemos. Por volta do ano 318, o
bispo de Alexandria, cujo nome era Alexandre, pediu aos presbíteros (pastores) sob seus
cuidados que escolhessem um texto difícil do Antigo Testamento e o explicassem. Não era uma
má ideia. Mas ninguém imaginou que este estudo bíblico básico incendiaria o mundo inteiro.
O pastor que incendiou a floresta era um homem mais velho chamado Ário.[8] É difícil
saber com certeza qual foi o texto que Ário expôs. Pode ter sido Provérbios 8, um texto que
personifica a sabedoria, que a Igreja antes e depois de Ário interpretou como Cristo.[9] Cristo é a
sabedoria de Deus, e, por meio da sabedoria, Deus criou o cosmos. Porém, Ário adotou uma
abordagem diferente a respeito de sabedoria/Cristo em Provérbios 8.22–25. Quando o texto diz
que Deus gerou a sabedoria, Ário concluiu que o Filho fora gerado ou criado (ele tratou essas
duas palavras como sinônimos). O Filho podia ter sido gerado/criado antes do tempo ou da
criação do cosmos, mas tinha um começo, um ponto no qual veio à existência. Embora Deus
sempre tenha existido, o Filho não existia, o que significa que houve um ponto no tempo em que
Deus se tornou Pai.
Essa interpretação não agradou a Alexandre. Em seus sermões, ele ensinava, como
muitos antes dele, que os nomes bíblicos — Pai, Filho, Espírito — não eram invenções aleatórias
e sem sentido; antes, esses nomes revelavam quem era esta Trindade. O Filho, por exemplo, é
Filho porque vem do Pai desde toda a eternidade, gerado por ele antes de todos os tempos, o
Filho eterno de Deus. Isto é o que as Escrituras querem dizer sempre que chamam Cristo de
Filho.
Mas Ário perturbou-se profundamente com tal ensinamento.[10] Ele violava o princípio
central do monoteísmo, produzindo não um, mas dois deuses. Ário estava comprometido com a
monarquia divina: Deus não é apenas um, mas aquele e único que é princípio. Não pode haver,
portanto, nenhum outro princípio além dele. Para que Deus seja Deus, ele deve ser ingênito. Só
ele é o anarchos (grego), aquele sem causa e sem começo. Mas o Filho é o arche, causado e
trazido à existência, possuindo um começo.[11]
Ário também estava convencido de que Alexandre havia violado a distinção entre Criador
e criatura. O único monarca, Deus, é infinito, eterno, imutável, impassível e, portanto,
incompreensível para os seres criados que são finitos, temporais, mutáveis e passíveis. Ao
afirmar que o Filho, que se encarnou, é também Deus, um com o Pai, Alexandre introduziu
mudanças na própria natureza de Deus. E não qualquer mudança, mas a pior delas: passibilidade
(mudança emocional e sofrimento). Afinal, sabemos que Jesus morreu numa cruz; então o Filho
não pode ser Deus como o Pai é Deus, disse Ário. Sim, o Filho é gerado pelo Pai, e gerado
intemporalmente — Ário não era um adocionista, que diziam que o homem Cristo Jesus tinha
sido declarado Filho de Deus no início de sua encarnação. Mas, para ele, o Filho também não era
gerado desde a eternidade. Ele tinha um começo. Dessa forma, a mudança e o sofrimento podem
ser característicos do Filho, mas mantidos afastados do Pai. Os dois — Pai e Filho — devem
permanecer separados; não podem ser da mesma natureza divina, caso contrário a natureza
divina seria vulnerável à mudança e ao sofrimento.
Além disso, se o Filho não é gerado do Pai desde toda a eternidade, ele deve então, disse
Ário, ser gerado/criado do nada (latim: ex nihilo). Ele não é, então, um com o monarca (Deus)
em natureza, mas existe no reino criado, embora esteja entre Deus e o resto da criação, como o
primeiro ser criado. Ele é o Mediador da criação diante de Deus. Ele não vem do próprio ser de
Deus, mas é o efeito (ou produto) da vontade de Deus, que lhe é externa. Por mais privilegiado
que seja como o primeiro da criação, a glória de Deus lhe é concedida como um dom. O único
monarca, Deus, permanece incompreensível para o Filho, pois ele não é Filho por natureza, mas
por graça.
Dito isto, uma questão permanece:
Pergunta: Com a ênfase de Ário na subordinação do Filho, o que é então que une o Pai e
o Filho?
A resposta do arianismo: A unidade não pode ser uma unidade de ser, mas somente pode
ser uma unidade de vontade.

Que significa para Deus ser um? Unidade do ser versus unidade da vontade
Para Ário, o Filho não é gerado eternamente, nem gerado eternamente a partir da
natureza divina do Pai; portanto, não pode ser consubstancial (da mesma natureza ou substância)
com o Pai em divindade. Se não é coeterno com o Pai enquanto Filho, que é eternamente gerado
pelo Pai, ele também não pode, portanto, ser coigual. Enquanto alguém que não é gerado a partir
da natureza divina do Pai, nem coeterno e coigual com o ele, a unidade que o Filho tem com o
Pai nunca pode ser uma unidade de ser, natureza ou essência, ou o que os teólogos gostam de
chamar de ontológica. Na melhor das hipóteses, o Filho partilha uma unidade de vontade,
cooperando com a vontade de seu Pai; a unidade é meramente funcional.
O Filho, então, não está numa categoria diferente do restante da criação; ele é apenas o
melhor e o primeiro da criação. Gerado pelo Pai, ele é o pináculo da ordem criada, mesmo assim
ainda faz parte dela, ainda é um efeito da vontade divina, assim como o resto do cosmos.
Gerado/criado pelo Pai, o Filho não compartilha dos mesmos atributos divinos dele. A natureza
divina é caracterizada pela infinidade (Deus é imensurável), eternidade (Deus é atemporal),
imutabilidade (Deus não muda), impassibilidade (Deus não é vulnerável à flutuação emocional;
não sofre), etc. Mas o mesmo não pode ser dito do Filho. Pois é uma criatura, e estas não
compartilham tais atributos divinos. Como o resto da criação, o Filho não é infinito e eterno
(houve um tempo em que o Filho não existia), imutável (ele muda) ou impassível (ele sofre).
Se ao Filho é atribuída divindade em qualquer sentido, é apenas neste: a divindade não é
sua por natureza, mas é-lhe concedida pela graça. Por ter sido o primeiro a ser criado, ele é o
único, a quem foi concedida uma participação especial na glória de Deus. Contudo, esta
concessão é um dom, algo que o Filho recebe; não algo intrínseco à sua natureza.[12] Ele é Filho
por graça, não por natureza. Graça ao invés de natureza — esse é o núcleo do problema. É por
isso que Ário não pode dizer que a unidade na Trindade é de natureza; somente pode ser uma
unidade de vontade. Não perca isto: com tanta ênfase na vontade, o arianismo não é apenas uma
subordinação ontológica, mas uma subordinação funcional do Filho. Em outras palavras, o Filho
é inferior não apenas enquanto pessoa, mas em suas ações.
Gerado, não criado: Nicéia
Os ensinamentos de Ário e de seus apoiadores revelaram-se tão explosivos quanto
dinamite, e a explosão rompeu a unidade da Igreja. Num esforço para recuperar a unidade
perdida, o imperador Constantino convocou um concílio eclesiástico, recrutando teólogos do
Oriente e do Ocidente para representar a Igreja universal. Em 325 d.C., ano que ficaria para a
história, bispos e delegados reuniram-se em Nicéia, que fica na atual Turquia. Alexandre de
Alexandria, aquele contra quem Ário primeiro reagiu com consternação, certamente compareceu,
e alguns diáconos também participaram, incluindo o teólogo emergente apoiado por Alexandre,
Atanásio.
Ário participou? Ele o fez, junto com outros colegas que pensavam da mesma forma,
como Eusébio de Nicomédia.[13] Mas o concílio não ficou do lado dos arianos. Após uma
avaliação aprofundada, decidiram que o arianismo era contrário às Escrituras, até mesmo uma
heresia. Eles também escreveram um credo para ajudar a Igreja a saber o que as Escrituras
ensinam acerca da Trindade, um credo a ser confessado nas igrejas de todos os lugares. O credo
é o que se segue:
Cremos em um só Deus, Pai onipotente, artífice de todas as coisas visíveis e invisíveis.
E em um só nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, gerado unigênito do Pai, isto é, da substância do
Pai [ek tes ousias tou patros], Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não
feito, consubstancial ao Pai [homoousion tō patri], por meio do qual vieram a ser todas as coisas, tanto no
céu como na terra; o qual, por causa de nós homens e da nossa salvação, desceu e se encarnou, se
humanou, padeceu, e ressuscitou ao terceiro dia, [e] subiu aos céus, havendo de vir julgar os vivos e os
mortos;
E [cremos] no Espírito Santo.
Aqueles, porém, que dizem: “Houve um tempo em que não era”, e: “Antes de ser gerado não era”, e que
veio a ser do que não é, ou que dizem ser o Filho de Deus de uma outra hipóstase [hypostasis] ou
substância [ousia] ou criado, ou mutável ou alterável, [a eles] anematiza a Igreja católica.[14]

Observe, em primeiro lugar, a ênfase na geração eterna do Filho. Ele é gerado do Pai.
Mas por “gerado”, os Pais Nicenos não intentavam o mesmo que os arianos, que o Filho foi
criado. Não, o Filho é gerado, não criado. Há uma diferença. Para nós, criaturas, ser gerado é
passar a existir pela primeira vez. Ário era tão literal em seu pensamento que não conseguia
compreender que a metáfora bíblica, quando aplicada a Deus, desafia quaisquer limitações que
possam existir em nosso mundo. Sim, o Filho foi gerado — essa é a própria definição de Filho.
Mas como falamos do Deus eterno, infinito, imutável e impassível, a geração do Filho é eterna,
infinita, imutável e impassível, o que significa que ele não pode ter um começo como a criação
tem.
Observe também — e isso é extremamente importante — que o credo diz que o Filho é
gerado da ousia do Pai. O que isso significa? Eles usaram esta palavra grega ousia como
referência à essência de Deus. Desculpe o trocadilho, mas a palavra ousia atinge a essência da
divindade. Lembre-se, Ário pensava que o Filho fora gerado como uma criatura, um produto da
vontade do Pai e, portanto, não podia ser da mesma essência dele. Mas os Pais Nicenos
argumentaram que o Filho fora gerado da mesma essência do Pai. A geração eterna não prejudica
o Filho como coeterno e coigual; a geração eterna salvaguarda o Filho como coeterno e coigual.
Somente se ele for gerado eternamente a partir da essência do Pai, será totalmente divino.

Palavra-chave Essência
ousia = essência de Deus (natureza)

O Filho é gerado da ousia (essência) do Pai. Por isso é homoousios, da mesma essência do Pai.

Isto é muitas vezes esquecido nas apresentações a respeito de Nicéia, como se tudo o que
o concílio tivesse dito foi que o Filho é igual ao Pai. Mas ele disse mais — muito mais. O Filho é
igual ao Pai porque o Filho é “gerado... da mesma essência do Pai”. Não basta focar-se em
termos como ousia, como se pudéssemos estudar suficientemente as palavras para chegar a uma
fórmula trinitária. Essa abordagem deixa aberta a porta da manipulação, na qual lemos qualquer
conceito da Trindade que quisermos em palavras como ousia. Um tratamento muito melhor,
muito mais niceno, é ler estes termos em seu contexto. Para Nicéia, o contexto de palavras como
ousia está bem à vista: é a geração eterna.[15] “Gerado” é a primeira coisa que o credo diz acerca
do Filho. Somente depois de fazer referência ao fato de que ele é “gerado” é que o credo aplica a
palavra homoousios ao Filho, uma palavra que estudaremos em breve. Pois, a menos que o Filho
seja gerado a partir da essência do Pai, não se pode dizer que ele lhe seja igual em divindade.
Os Pais Nicenos recorreram às imagens bíblicas para estabelecer o Filho como o gerado.
Quando confessam que o Filho é luz da luz, passagens como João 1 e Hebreus 1 vem à mente,
levando os Pais Nicenos a concluir que o Filho é Deus verdadeiro de Deus verdadeiro. Assim
como a luz vem da luz, o Filho vem do Pai.[16] Sim, o Filho é distinguível como pessoa gerada,
mas o fato de ser gerado também indica que ele é da mesma essência, acentuando sua
coigualdade. Se o Filho é luz da luz, então é apropriado chamá-lo também de homoousios. Esta é
uma palavra grega, homo significa “mesmo” e ousia significa “essência”. O Filho não é de uma
essência diferente da do Pai. Nem é de uma essência semelhante porém não idêntica a do Pai.
Como alguém que é gerado da ousia, ou essência, do Pai, o Filho deve ser da mesma essência
(idêntico) do Pai.
Pense desta forma: o Filho é coessencial, o que significa que compartilha a mesma
essência divina; ele é consubstancial, o que significa que compartilha da mesma substância
divina. Gerado da essência do Pai desde toda a eternidade, a existência do Filho origina-se da
mesma essência eterna e divina do Pai, o que significa que ele é coigual, Deus verdadeiro de
Deus verdadeiro. Para que não tenhamos dúvidas, Nicéia nos leva a considerar as obras de Deus:
o Pai cria o mundo por meio de seu Filho. Ao contrário de Ário, que posiciona o Filho ao lado da
ordem criada, Nicéia identifica o Filho com o próprio Criador, na verdade, como o próprio
Criador.
No final, Ário rejeitou o credo, assim como outros dois bispos que assumiram a mesma
posição que ele. Os detratores foram enviados para o exílio, e parecia que Constantino havia
alcançado a unidade que buscava. No entanto, as décadas após Nicéia foram tumultuadas, à
medida que a controvérsia ultrapassou Ário.[17] Ele acendeu a fagulha da polêmica, mas muitos
outros alimentaram as chamas.

Procurando problemas; encontrando-os em todos os lugares: depois de Nicéia


O comediante Groucho Marx disse certa vez: “A política é a arte de procurar problemas,
encontrá-los em todo lugar, diagnosticá-los incorretamente e aplicar-lhes soluções erradas”.
Duvido que Groucho tivesse em mente as consequências do concílio de Nicéia, mas foi como se
tivesse falado acerca dele. A princípio os arianos foram exilados; depois, apoiadores do concílio,
como Atanásio, foram exilados. As coisas iam de um lado para o outro, dependendo de quem
estava no poder político.
Mas não foi apenas a política que se tornou mais complicada; o mesmo aconteceu com a
teologia. Todo mundo adora uma boa história sobre o bem contra o mal, os mocinhos vencendo
os bandidos maléficos. Mas essas categorias simples nem sempre contribuem para uma história
confiável. Em toda esta confusão surgiu um conjunto de posições concorrentes, e nem sempre
esteva claro qual delas prevaleceria no final.[18] Por exemplo, alguns levaram a visão ariana ao
seu fim lógico e argumentaram que o Filho era de uma essência diferente da do Pai. Ficaram
conhecidos como neoarianos e enfatizaram que o Filho era diferente do Pai, subordinando o
Filho ao Pai.[19]
Outros, porém, protestaram, dizendo que o Filho era como o Pai. No entanto, traçaram
uma linha rígida: o Filho é como o Pai... mas apenas em atividade.[20] Seu grupo (conhecido
como homoianos) cresceu em popularidade; afinal, pareciam ser bíblicos, focando no que o Filho
fez na história da salvação, subordinando-o funcionalmente.
Ainda outros disseram algo diferente: o Filho não era apenas semelhante ao Pai em
função, mas também em essência. Foi intenção do Pai gerar um Filho semelhante a ele.[21] Mas
eles não estavam dispostos a dizer, como Nicéia, que o Filho era gerado da essência do Pai
(homoousios). Temiam que isso pudesse confundir o Filho com o Pai, como se não houvesse
diferença entre eles. Em vez disso, o Filho deve ser apenas semelhante ou similar ao Pai em
essência (homoiousios).[22] Você não precisa ser um especialista em grego para reconhecer que a
diferença se resumia a uma única letra: i. Quem diria que uma pequena letra grega poderia
marcar a diferença entre ortodoxia e heresia?
Sua cabeça já está girando? Se sim, é um bom sinal. Isso significa que você também
percebe a necessidade de clareza. Atanásio e três sábios do Oriente também perceberam essa
necessidade. Vamos conhecê-los e descobrir o que fizeram para ajudar a Igreja a sair dessa
névoa.

Isto é grego para mim


Ousia = essência
________________________________________________
Homoousios = mesma essência (Nicéia)
Homoiousios = essência similar/semelhante
Heteroousios = essência diferente/não semelhante

Simplesmente Trindade
Um passo adiante importante pode ser creditado a Atanásio, que defendeu a geração
eterna do Filho a partir do Pai, apelando à simplicidade divina. Na teologia, simplicidade não
significa que Deus seja elementar ou básico. Significa que ele não é feito, composto ou
constituído por partes. Por exemplo, Deus não apenas possui atributos, como se os seus atributos
fossem partes diferentes da sua essência, cada parte sendo compatível com todas as outras partes.
Isso não é simplicidade, apenas congruência. Ao contrário, simplicidade significa que a essência
de Deus é exatamente os seus atributos, e os seus atributos são a sua essência. As Escrituras, por
exemplo, não dizem apenas que Deus possui amor, mas que ele é amor. Deus não apenas realiza
boas ações, mas ele é bom. Em outras palavras, os atributos de Deus não são uma coisa e sua
essência outra, mas tudo o que há em Deus é Deus. Incorpóreo e imutável, Deus é idêntico às
suas perfeições.[23] Isto é o que significa para Deus ser um.
Por que Atanásio apelaria à simplicidade para falar acerca da Trindade? Para mostrar que
o Filho é gerado da essência do Pai. Isso é o que significa para o Filho ser homoousios com o
Pai: gerado da essência (ousia) divina do Pai desde toda a eternidade.
Aqui o título do nosso livro é relevante: evitamos heresias como o arianismo quando
afirmamos que Deus é simplesmente Trindade — simplicidade em essência, Trindade em
pessoas. Dizer que o Deus triúno é simples é dizer que tudo o que é verdadeiro a respeito da
essência divina (eternidade, imutabilidade, etc.) é verdadeiro para cada pessoa da Divindade. O
Filho não é exceção a essa regra; ele também é “simplesmente Deus”, como diz Stephen Holmes,
“igualmente idêntico em todas as propriedades divinas”.[24]
O que a simplicidade tem a ver com doutrinas como a geração eterna? Muita coisa. Ela
nos ajuda a diferenciar, por exemplo, entre a geração humana e a divina. Veja o que Atanásio
tem a dizer: “Assim, então, os homens não criam como Deus cria, assim como o seu ser não é tal
como o ser de Deus, portanto a geração humana é de uma maneira, e o Filho provém do Pai de
outra. Pois os descendentes dos homens são porções de seus pais, uma vez que a própria natureza
dos corpos não é incomposta, mas está em estado de fluxo e é composta de partes; e os homens
perdem sua substância ao gerar e ganham novamente substância com o acesso ao alimento. Por
esse motivo os homens, em seu tempo, tornam-se pais de muitos filhos”.[25]

Palavra-chave Simplicidade
A essência de Deus não tem partes. Não há composição nele. Tudo o que há em Deus é Deus. A simplicidade é verdadeira para
cada pessoa da Trindade, pois cada uma é uma subsistência da essência divina. As pessoas não são “partes” que compõem Deus,
nem uma pessoa é uma “porção” de outra.

O que Atanásio está dizendo? A geração não pode aplicar-se à Trindade da mesma forma
que se aplica à humanidade. A razão: o Deus triúno é simples. “Deus, que não tem partes, é Pai
do Filho sem divisão ou paixão; pois não há efluência do Imaterial, nem influxo de fora, como
entre os homens; sendo de natureza não composta, Ele é Pai de Um Único Filho.”[26]
Mais a frente, Atanásio é mais específico: por que, por exemplo, as Escrituras dizem que
o Filho vem do Pai? Nicéia respondeu a essa pergunta: vir do Pai é ser gerado da essência do Pai.
Os arianos olharam para as Escrituras e presumiram que o Filho vinha “de Deus” como uma
criatura vem de Deus, como se “a Palavra de Deus não diferisse em nada de nós”. Em contraste,
Nicéia usou ousia (essência) ao se referir à geração eterna para diferenciar entre o Filho e o resto
da criação. “Pois, embora se diga que todas as coisas vêm de Deus, não é no mesmo sentido que
o Filho vem dele”, disse Atanásio. “Visto que ele não é uma criatura, somente ele vem... ‘do
Pai’.” Devemos “dizer que o Filho vem ‘da essência do Pai’”.[27]
Portanto, sempre que ouvirmos a frase “um em essência”, não devemos “imaginar
partições e divisões da Divindade”, como se algo material estivesse em vista. Em vez disso,
“tendo os nossos pensamentos dirigidos para coisas imateriais, preservemos indivisamente a
unidade da natureza e a identidade da luz; pois isto é próprio do filho no que diz respeito ao pai,
e nisto se mostra que Deus é verdadeiramente Pai do Verbo”.[28]
Nas décadas que se seguiram a Nicéia, Atanásio não esteve sozinho em seu apelo à
simplicidade na Trindade. Três teólogos da Capadócia ofereceram-lhe apoio: Gregório de Nissa,
Basílio de Cesareia e Gregório de Nazianzo. Para os Pais Capadócios, afirmar a simplicidade na
Trindade não significava dizer somente que as pessoas mantinham uma essência comum.
Significava mais: as pessoas eram consubstanciais umas com as outras porque eram uma só em
vontade e poder.[29] A vontade e o poder não estão separados da essência, como se pudessem ser
divididos em diferentes graus entre as pessoas, por exemplo. Não, a vontade e o poder devem ser
identificados com a essência única. Nós, mortais, tendemos a distinguir entre essência, vontade e
poder em prol da compreensão e da clareza, mas devemos lembrar que eles não são partes de
Deus. Na verdade, são uma e a mesma coisa. Deus é um, as três pessoas possuem uma essência,
vontade e poder.
Como veremos no próximo capítulo, muitos na era moderna rejeitaram a simplicidade de
Deus, incluindo os evangélicos.[30] “Não faz sentido!”, protestaram. “Além disso”, resmungaram,
“não deveríamos nos concentrar na simplicidade (unicidade), mas sim nas pessoas da Trindade
(triunidade)”. Muitos então disseram que não existe simplicidade em Deus, mas sim três centros
separados de consciência e vontade. Cada pessoa é seu próprio sujeito autodeterminado e
irredutível. Alguns separaram tanto as pessoas umas das outras que criaram gradações de
autoridade dentro da Divindade (veja o capítulo 8).
À frente de seu tempo, os capadócios não aceitarão nada disto. Era inconcebível. Por
exemplo, Gregório de Nazianzo, respondendo aos arianos que disseram que o Filho tem uma
vontade diferente da do Pai, rebate: “Temos uma Divindade, então temos uma Vontade”.[31] Se
existe apenas uma essência, também deve haver uma vontade, caso contrário as pessoas serão
divididas (triteísmo) ou subordinadas (arianismo). “Pois não consigo ver como se pode dizer que
aquilo que é comum a dois [Pai, Filho] pertence a um só [Pai].”[32]
Pode-se dizer o mesmo acerca do poder? Deve-se. “Pois um não é mais e outro menos
Deus; nem há um anterior e outro posterior; nem estão divididos em vontade ou em poder.”
Gregório então conclui afirmando sua simplicidade: “Mas cada uma dessas Pessoas possui
Unidade, não menos com o que está Unido a ela do que consigo mesma, em razão da identidade
de Essência e Poder”.[33]
Se as pessoas da Trindade são uma em essência, vontade e poder — simplesmente
Trindade — então segue-se também que trabalham inseparavelmente na criação e na salvação.
Indivisível em essência, indivisível em operação, gostavam de dizer os Pais da Igreja. Com
natureza e vontade singulares, as pessoas realizam uma ação singular. Centros individuais e
separados de consciência e vontade podem ser verdadeiros para pessoas criadas, mas não podem
ser verdadeiros para pessoas divinas, caso contrário a Divindade estaria dividida.[34] O que os
teólogos chamam de operações inseparáveis era algo tão indispensável à defesa que os
capadócios faziam de Nicéia que Gregório de Nissa disse que deveríamos inferir a unidade da
natureza da Trindade a partir da identidade de sua operação única, e Gregório de Nazianzo fez da
simplicidade da Trindade sua base para então discutir o que distinguia as pessoas.[35]
Esta ideia de operações inseparáveis é tão importante que dedicaremos todo o capítulo 10
a explorá-la. É um componente central da ortodoxia, certamente. Quando Lewis Ayres, um
especialista em Trindade de renome mundial, lista as três condições essenciais para alguém ser
pró-Niceno, coloca entre elas a crença em operações inseparáveis.[36]
Simplesmente Trindade
Um segundo passo essencial no caminho para uma maior clareza ocorreu quando os Pais
da Igreja decidiram que, apesar de todo o bem que pode ser encontrado no Credo de Nicéia, uma
frase revelava-se ambígua e precisava de mais esclarecimentos: o anátema no final do credo. Este
condenava abertamente o arianismo, citando até mesmo frases arianas. Até aí tudo bem. Mas
também condenava aqueles que diziam que o Filho “era de uma hypostasis ou ousia diferente”
da do Pai. Na época de Nicéia, estes dois termos gregos eram tratados como sinônimos, o que
criou muita confusão e debate depois do concílio. Para alguns, parecia que Nicéia estava dizendo
que a pessoa do Filho era a mesma pessoa que o Pai. Alguns pensaram que o credo havia
sucumbido ao sabelianismo, uma heresia da Igreja Primitiva que dizia que havia apenas uma
pessoa divina (não três) que se revelava de três maneiras diferentes.[37] Na tentativa de enfatizar a
igualdade do Filho com o Pai por meio da geração eterna, o credo confundiu o Pai e o Filho,
como se fossem a mesma pessoa?[38]
Nicéia, porém, não defendia o sabelianismo e, nos anos seguintes, tornou-se crucial
superar tal acusação. Lembre-se, o concílio fez distinção entre as pessoas quando disse que o
Filho era gerado do Pai. Em contraste, o sabelianismo via as pessoas como meras funções, como
se o que tornasse Deus Pai, Filho e Espírito fossem as diversas formas que ele assumia quando
criava ou salvava a humanidade. No entanto, como o Credo de Nicéia usava as duas palavras
gregas ousia e hypostasis como sinônimos, muitos tiveram dificuldade em levá-lo a sério. Tal
como o lançar de um ás de espadas justamente quando todos pensavam que o jogo estava
perdido, os capadócios proveram uma grande contribuição precisamente neste ponto. Por um
lado, persuadiram muitos a manter a linguagem original do credo — o Filho é homoousios (um
em essência) com o Pai. Mas o Filho não é a mesma pessoa que o Pai! Embora exista apenas
uma essência (mia ousia), existem três pessoas (treis hypostaseis). Esta distinção operou
maravilhas e até uniu adversários.

Como as Escrituras distinguem as pessoas?


Ingênito = Pai
Gerado = Filho
Espiração (procede) = Espírito

Essa não foi a única contribuição dos capadócios. Eles não apenas distinguiram entre a
essência e as pessoas, mas também introduziram um vocabulário, em conjunto com a Grande
Tradição que se seguiu, que evitou que a Igreja confundisse as pessoas umas com as outras. Este
vocabulário não era especulativo, apenas outra maneira de explicar o que a Bíblia quer dizer
quando chama Deus de Pai, Filho e Espírito Santo:
O Pai é ingênito (não gerado): a Bíblia chama o Pai de Pai porque ele gera seu Filho
(paternidade), embora ele próprio não seja gerado por ninguém.
O Filho é gerado: a Bíblia chama o Filho de Filho porque ele foi gerado por seu Pai
(filiação).
O Espírito é espirado: a Bíblia chama o Espírito de Espírito porque ele é soprado pelo Pai
e pelo Filho (espiração).
Para resumir essas distinções, a Igreja pensou muito sobre as frases que poderia usar para
descrever esses nomes bíblicos. Os Pais Nicenos e a Grande Tradição que se seguiu criaram três
frases:
1. Modos de subsistência (existência);[39]
2. Relações eternas de origem;
3. Propriedades pessoais.[40]
Essas frases podem parecer estranhas, mas são essenciais. Alguns chamaram de modos de
subsistência (existência), com a palavra “subsistência” referindo-se à maneira como a essência
única de Deus “subsiste” ou “existe” de uma forma única em cada pessoa. Outros usaram a
expressão relações eternas de origem, “relações” referindo-se não a relacionamentos (que é uma
categoria psicológica moderna), mas à proveniência eterna de cada pessoa. Alguns até
combinaram as duas, chamando as pessoas de relações subsistentes. Outros ainda disseram que
paternidade, filiação e espiração são propriedades únicas de cada pessoa. As pessoas são
idênticas em todas as coisas, exceto nessas propriedades pessoais.[41]
Considere, por exemplo, um dos capadócios: Gregório de Nissa. Ele defende a
simplicidade da Trindade, mas depois questiona o que distingue as pessoas. Resposta: seu “modo
de existência”. Quando, por exemplo, dizemos que o Pai é ingênito, somos “ensinados de que
modo ele existe”. Quando dizemos que o “Filho não existe sem geração”, somos ensinados a
dizer que este é o “modo de existência” do Filho.[42]

Três coisas para lembrar-se


Modos de subsistência (existência)
Relações eternas de origem
Propriedades pessoais

Essas frases são maneiras diferentes de se referir ao Pai como ingênito, ao Filho como gerado e ao Espírito como espirado.
Somente estas coisas distinguem as pessoas.

Por um lado, a “questão da existência é uma só” (simplicidade); por outro, o “modo de
existência é diferente” (Trindade). Por exemplo, considere o Espírito. “Todo atributo excelente é
predicado ao Espírito Santo, assim como é predicado ao Pai e ao Filho [simplicidade], com
exceção daqueles pelos quais as Pessoas são clara e distintamente separadas umas das outras.”[43]
Gregório está distinguindo entre propriedades essenciais, aqueles atributos sinônimos da
essência divina (poder, santidade, etc.), atributos que todas as três pessoas têm em comum, e
propriedades pessoais, o Pai como ingênito, o Filho como gerado, o Espírito como espirado —
somente estas coisas distinguem as pessoas. Essa palavra “somente” é a chave. Talvez você tenha
usado essa palavra ao se referir aos cinco solas da Reforma (como sola gratia, somente a graça).
Mas este termo, sola, também pode ser aplicado aqui: a única coisa que distingue cada pessoa
das outras é o modo de subsistência, as relações eternas ou as propriedades pessoais.
Apesar deste avanço dos capadócios, alguns ainda mantiveram dúvidas: se o Filho é uma
pessoa diferente do Pai, o que é que o torna um em essência (homoousios) com ele?

Por que o Filho é um em essência com o Pai?


Para responder a essa pergunta, devemos esclarecer as coisas: a frase “uma essência, três
pessoas” não era um lema por si só, como se bastasse dizer as palavras mágicas para ser niceno.
Lembre-se, a própria distinção estava inserida em um contexto: a geração eterna. A razão pela
qual o Filho é um em essência com o Pai é porque ele é eternamente gerado a partir da essência
do Pai. (A geração eterna não apenas distingue o Filho, mas garante a sua igualdade! Que tal
isso?)
Como disse Atanásio: “O Filho é sempre o fruto próprio da essência do Pai”.[44] Isso é
algo básico para a própria metáfora bíblica: “Um homem constrói uma casa por conselho, mas
gera um filho por natureza [essência]... o filho é descendente próprio da essência do pai e não
externo a ele”.[45] Os capadócios disseram o mesmo. Gregório de Nissa escreve: o Filho
“Unigênito” “está no Pai, e assim, é da Sua natureza [essência]”, e por essa razão nunca houve
um tempo em que o Filho “não existisse”.[46] Aqueles no Ocidente concordavam? Sim. Afinal,
estavam articulando o mesmo credo. Agostinho, por exemplo, escreveu que, na geração eterna, o
Pai “o gerou fora do tempo, de tal modo que a vida que o Pai deu ao Filho ao gerá-lo, é coeterna
à vida do Pai que a deu”. E não apenas quanto a geração eterna, mas quanto a espiração eterna
também: “assim como o Pai tem a vida em si mesmo, para que dele proceda o Espírito Santo,
assim deu ao Filho para que dele também proceda o mesmo Espírito Santo; o qual procedeu de
ambos, fora do tempo”.[47] Depois de Agostinho, inúmeros outros disseram o mesmo.[48]
Por meio da geração eterna, a essência única é comunicada do Pai ao Filho.[49] O Pai pode
fazê-lo porque tem em si a essência divina; não a recebe de outra pessoa, mas é ingênito.[50]
Enquanto os arianos protestavam que tal geração deveria subordinar o Filho (uma acusação ainda
hoje levantada pelos críticos), estes Pais responderam salientando o que o Credo Niceno, antes
deles, também havia dito: a geração a partir da ousia (essência) do Pai é eterna e imutável. Não é
como a geração humana.

Palavra-chave Subsistência
Latin: subsistentia (traduzido para o grego como hypostasis)

A essência divina tem três modos de subsistência. Cada pessoa é uma subsistência da natureza divina. Exemplo: o Filho é gerado
da essência do Pai. Por essa razão, ele é um em essência (homoousios), coigual e coeterno com o Pai.

A questão é esta: por mais que distingamos entre essência e pessoas, não ousamos separá-
las. Podemos mantê-los juntos se usarmos uma dessas frases confiáveis para dizer que a essência
una e simples tem três modos de subsistência ou que a essência una subsiste em três pessoas. Ou,
se formos supernerds e começarmos a misturar frases, podemos até dizer que cada pessoa é uma
relação subsistente. Por que usar todo esse jargão técnico? Usamo-lo para dizer que nosso Deus é
simplesmente Trindade.

O Espírito sob fogo


Os capadócios, porém, não defenderam apenas o Filho contra o subordinacionismo, mas
também o Espírito, o que traz à tona um de seus melhores momentos.
A luta pela Trindade complicou-se ainda mais quando um grupo surgiu a partir de um
solo eclesiástico e político já tumultuado e aplicou a lógica ariana ao Espírito Santo. Eles tiveram
visibilidade particularmente na década de 370 e foram chamados de “adversários do Espírito”, ou
Pneumatomachi, contestando a coigualdade e a coeternidade do Espírito e alegando que ele não
podia ser chamado de homoousios. Ele era apenas uma criatura, inferior ao Pai e ao Filho.
Suas afirmações desencadearam uma reação literária por parte dos capadócios, que
defendiam não apenas a geração eterna do Filho, mas também a espiração eterna do Espírito.
Este não é um segundo Filho, pois não é gerado. Em vez disso, como indica o nome bíblico do
Espírito (pneuma), ele é espirado, procedendo do Pai desde toda a eternidade, e dado a nós na
história para o bem da nossa salvação. O Espírito é um dom.
A espiração ou processão do Espírito era considerada propriedade pessoal dele ou relação
eterna de origem, e não apenas o distinguia como uma hypostasis, mas o protegia como coeterno
e coigual ao Pai e ao Filho. Pois o Espírito não procedeu de uma natureza divina diferente ou
meramente semelhante, mas da natureza divina do Pai e do Filho. Sua espiração garante que ele
tenha em comum a mesma natureza divina que o dois. Em alguns momentos, os capadócios não
usaram a expressão homoousios a respeito do Espírito, mas apenas porque procuravam
conquistar aqueles que pudessem tropeçar no vocabulário.
No entanto, embarcaram numa defesa apologética da coigualdade do Espírito, apelando
não apenas aos títulos divinos aplicados a ele, mas especialmente às obras divinas — criação,
salvação — atribuídas ao Espírito. Visto não ser uma divindade menor nem uma entidade criada,
o Espírito deve ser adorado juntamente com o Pai e o Filho, caso contrário, a nossa adoração não
será totalmente trinitária. Tal como aconteceu com o Filho, os capadócios acreditavam que as
consequências para a salvação eram significativas: “Se o Espírito não devesse ser adorado, como
poderia me deificar por meio do batismo?”, perguntou Gregório de Nazianzo. “Do Espírito vem
o nosso renascimento, do renascimento vem uma nova criação, da nova criação um
reconhecimento do valor daquele que a efetuou.”[51]

Finalmente: Constantinopla
Esses avanços surgidos após o Concílio de Nicéia — unindo simplicidade e Trindade,
distinguindo entre essência e pessoa, afirmando a eterna processão do Espírito — necessitavam
de outro concílio, um que reafirmasse o Credo de Nicéia, mas desta vez com uma declaração
mais elaborada acerca do Espírito.[52]

O Credo Niceno (381 d.C.)


Cremos em um só Deus, Pai onipotente, artífice do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis.
E em um só senhor Jesus Cristo, filho unigênito de Deus, gerado pelo Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, luz da luz,
Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não feito, consubstancial ao Pai [homoousion to patri]; por meio do qual tudo veio a
ser; o qual, em prol de nós, homens, e de nossa salvação, desceu dos céus, e se encarnou, do Espírito Santo e Maria, a Virgem, e
se humanou; que também foi crucificado por nós, sob Pôncio Pilatos, e padeceu e foi sepultado e ressuscitou no terceiro dia,
segundo as Escrituras, e subiu aos céus e está sentado à direita do Pai; e virá novamente na glória para julgar os vivos e os
mortos; cujo reino não terá fim.
E no Espírito Santo, Senhor e vivificador, que procede do Pai, que junto com o Pai e o Filho deve ser coadorado e
conglorificado, que falou por meio dos profetas. Na Igreja una, santa, católica e apostólica. Confessamos um só batismo para a
remissão dos pecados. Esperamos a ressurreição dos mortos e a vida do século vindouro. Amém.
“O símbolo da fé constantinopolitano (381)”, em Henrich Denzinger e Peter Hünermann (org.), Compêndio dos símbolos,
definições e declarações de fé e moral, 66-67)

Constantinopla estava madura para tal concílio, graças ao imperador Teodósio. Em 381
d.C., os bispos foram convocados mais uma vez, desta vez para Constantinopla (atual Istambul).
Infelizmente, Atanásio e Basílio de Cesareia já haviam morrido. No entanto, suas contribuições
não foram esquecidas, mas reiteradas e celebradas pelos bispos orientais que chegaram a
Constantinopla. De muitas maneiras, o Concílio de Constantinopla recuperou e reafirmou o
Credo de Nicéia (325 d.C.) como vinculativo e autoritário. Mas o credo que se originou de
Constantinopla é conhecido como Credo Niceno-constantinopolitano ou, mais concisamente,
Credo Niceno. Isto é apropriado: Constantinopla não estava escrevendo um novo credo, apenas
reafirmando o que fora dito em Nicéia, mas com esclarecimentos adicionais.
Constantinopla revelou-se um grande avanço para a causa de Nicéia. Ainda que o debate
não tenha cessado depois de 381. No entanto, o Credo Niceno solidificou ainda mais a causa da
ortodoxia, inicialmente defendida por Atanásio e promovida pelos capadócios, perpetuada e
celebrada pela Grande Tradição, tanto Oriental como Ocidental, que exploraremos durante todo
o resto de nossa empreitada.
Dito isto, que tipo de autoridade a Grande Tradição acreditava que o Credo Niceno
deveria ter na Igreja? Essa é uma questão relevante para a Igreja hoje.

A autoridade do Credo Niceno para a Igreja apostólica, ontem e hoje


Não devemos ignorar a penúltima linha do Credo Niceno: “Cremos... numa Igreja una,
santa, católica e apostólica”. Essa não é uma linha descartável. Esta não é uma referência à Igreja
Católica Romana; isso seria anacrônico, uma vez que ela ainda não existia tal como a
conhecemos hoje. Pelo contrário, é uma referência à Igreja universal, e não apenas universal,
mas santa e apostólica. É universal porque é santa e apostólica. Os Pais estão afirmando, em
outras palavras, que esta Trindade que confessam não é outra senão a Trindade das Escrituras,
das mesmas Escrituras escritas pelos apóstolos. Por essa razão, o credo exerce autoridade na
Igreja, e não apenas na do século IV, mas na Igreja universal, em todas as terras e abrangendo
todas as épocas, no Oriente e no Ocidente.
Dito isto, o Credo Niceno não é letra morta; em vez disso, carrega autoridade até hoje.
Não, não está no nível das Escrituras; não é uma fonte de revelação divina. Mas uma vez que
está em conformidade com as Escrituras, deve ser respeitado, confessado e celebrado na Igreja
até hoje. Afastar-se do credo é afastar-se do próprio ensino bíblico.

Palavra-chave Heresia
Heresia é uma crença que contradiz, nega ou mina uma doutrina que um concílio ecumênico da Igreja declarou bíblica e essencial
ao cristianismo. O que torna a heresia tão sutil e perigosa? Ela é nutrida dentro da Igreja e está envolvida com o vocabulário
cristão. Seus representantes até citam a Bíblia. Muitas vezes apresenta-se como toda a verdade quando é uma meia verdade.

Como veremos nos capítulos 3 e 8, muitos evangélicos hoje — alguns com uma agenda
para tornar a Trindade relevante, outros com um espírito de individualismo biblicista — rejeitam
partes do credo, como a parte acerca da geração eterna. Isso não deve ser encarado levianamente.
Nossas raízes são católicas em todos os sentidos, remontando aos Pais da Igreja e às suas
confissões apostólicas. Nosso instinto padrão não deveria ser uma hermenêutica da suspeita, mas
uma hermenêutica da confiança, que gera humildade, um anelo por sentar-se como um aluno aos
pés da ortodoxia, em vez de permanecer como seu senhor. Assim, sempre que ouvirmos alguém
— não importa quantos graus acadêmicos tenham atribuído ao seu nome — abdicar ou rejeitar o
credo, nossos instintos apostólicos naturais deveriam entrar em ação e deveríamos perguntar:
“Irmão, irmã, por que seu primeiro instinto é desconfiar do Deus de nossos Pais e de seu credo?”
Se formos titubear numa direção ou noutra, deveria ser na direção da ortodoxia e não da
heresia. Infelizmente, com a chegada da era moderna uma chuva de teólogos modernos
bombardeou a Igreja com uma hermenêutica de desconfiança em relação ao Deus de nossos Pais,
determinados a descartar completamente a ortodoxia ou a modificar a Trindade ortodoxa para
que ela pudesse atender às suas agendas sociais.
Para essa história nos voltaremos agora.
3
Quando a Trindade se tornou social?
A Trindade manipulada

Vejo a renovação da teologia trinitária no século XX como dependendo, em grande parte, de conceitos e ideias que
não podem ser encontrados em relatos patrísticos, medievais ou reformados acerca da doutrina da Trindade. Em
alguns casos, de fato, são pontos repudiados explícita e energicamente como errôneos — mesmo ocasionalmente
como formalmente heréticos.
STEPHEN HOLMES, THE QUEST FOR THE TRINITY

Não seria sábio aceitar a doutrina da Trindade imanente de Deus?


KARL BARTH, CARTA PARA JÜRGEN MOLTMANN, 1964

Para o DeLorean!
Destino: Século XX — nosso passado recente.

Ponto principal: Desvio da Trindade. O trinitarismo social redefiniu a Trindade bíblica e ortodoxa. Perigo: triteísmo. O
trinitarismo social manipulou a Trindade para uma miríade de agendas sociais. Perigo: uma Trindade feita à nossa imagem.

Assombrados pelo fantasma da ortodoxia passada


Há um dia no ano que minha família aguarda com expectativa implacável. Assim que a
barriga fica cheia com as sobras, que duram uma semana, do Dia de Ação de Graças, anuncio aos
meus filhos que chegou a hora, finalmente chegou a hora. Eles olham para mim com olhos
arregalados como bolotas, saltam do sofá e se esforçam para vestir os casacos de inverno e
amarrar as botas de caminhada. Todos sabemos que está frio, mas vale a pena.
Quando chegamos à fazenda de árvores de Natal, a disputa começa: quem encontrará a
árvore de Natal perfeita este ano? Será aquela cheia de pontos afiados e alta o suficiente para
usar três, talvez quatro cordões de luzes coloridas, mas não tão alta que não possa ser coberta por
um anjo antes de atingir o teto da sala? Assim que avistamos aquele pinheiro angelical, os céus
se abrem e o próprio Deus olha para baixo e vê que é bom. É o escolhido.
Isso é o que deveria acontecer. Na maioria dos anos, grito para as crianças pararem de
brigar sobre qual árvore querem, enquanto me envergonho publicamente com minha total
incapacidade de serrar um tronco de árvore com menos de quinze centímetros. Mas depois que
venci a natureza e tenho seiva suficiente nas mãos para o provar, depois que mamãe e papai
marcaram as crianças para o resto da vida com toda a alegria do Natal, voltamos para casa,
colocamos aquela árvore em nossa sala, e a decoração começa.
Mais tarde, mamãe prepara chocolate quente para todos, e nos sentamos perto da lareira
para ouvir uma história de Natal enquanto olhamos para uma árvore que está agora vermelha,
laranja, azul e verde. Há muitas histórias excelentes para escolher, mas poucas são tão adequadas
quanto A Christmas Carol [Uma canção de Natal], de Charles Dickens. A história começa com
Scrooge, um empresário sem coração. Ele nem sempre foi assim, mas por meio de uma série de
decisões na vida, seu coração foi dominado pelo amor ao dinheiro em detrimento dos
relacionamentos, e ele tornou-se “duro e afiado como uma pedra”. E nenhuma estação do ano o
deixava tão desconfortável quanto a estação do doar-se.
Mas numa véspera de Natal, Scrooge é visitado pelo fantasma de Marley, seu antigo
parceiro de negócios. E que fantasma horrível e amedrontador ele é. Seu próprio som é tortuoso:
correntes enroladas em suas pernas como cobras, tilintando e tinindo a cada passo. “Trago a
corrente que forjei ao longo da vida”, diz Marley. “Eu a fiz elo por elo, metro por metro;
amarrei-a a mim por vontade própria, e por vontade própria agora a carrego.” E o mesmo
aconteceu com Scrooge. Em breve, tal como Marley, ele irá para um lugar “sem descanso, sem
paz”, mas “tortura e remorso incessantes”.[53] Antes de partir, Marley promete que três fantasmas
visitarão Scrooge para assombrá-lo a respeito de seu passado, presente e futuro.
Mais tarde naquela noite, Scrooge foi acordado por um “forte raio de luz”; era o
Fantasma dos Natais Passados, usando um “um grande apagador de lampiões como chapéu”. De
volta no tempo, eles viajam e param exatamente naquele ponto da vida em que Scrooge está em
seu auge. Uma jovem, com lágrimas nos olhos, senta-se ao lado do jovem Scrooge, lamentando
que um ídolo de ouro a tenha substituído. Por mais que tente, ela não pode mais competir com
esse ídolo; a riqueza se tornou sua única paixão. Ver seu eu frio preferir essa paixão a uma
mulher que poderia ter sido sua esposa é demais para suportar, e Scrooge implora ao Fantasma
dos Natais Passados para levá-lo embora. Este o faz, mas apenas para transferi-lo para um outro
tempo, para mais uma lembrança assustadora de seu passado. Por mais que tente extinguir a luz
radiante do fantasma com seu chapéu, Scrooge descobre que não pode escapar de seu passado;
ele moldou para sempre quem ele é e o que inevitavelmente se tornará.
A história de Scrooge, relida todos os anos no Natal, lembra-nos pelo que devemos viver,
o que realmente importa na vida. O que poderia ser pior do que uma vida vivida, e quase
terminada, cheia de arrependimentos, assombrada pelo passado? Graças ao Fantasma dos Natais
Passados, Scrooge está sóbrio e assustado, ainda com tempo suficiente para mudar de atitude. E
ele muda.
Mas não são apenas os indivíduos que podem ser assombrados pelo passado; movimentos
inteiros e épocas históricas também podem. Às vezes somos tão míopes que não conseguimos
ver o panorama geral de onde estivemos e para onde vamos. E assim, a assombração começa —
isso se tivermos sorte o suficiente para que um fantasma apareça e nos assuste.
Não quero ser assustador — afinal, estamos falando do Natal, não do Halloween. Mas
considere este capítulo como o Fantasma da Ortodoxia Passada. Lewis Ayres, um dos maiores
especialistas atuais na Trindade, diz-nos que há uma grande divisão entre a doutrina bíblica e
ortodoxa da Trindade, que remonta ao Credo Niceno, e a compreensão moderna da Trindade ao
longo dos últimos cem anos. No entanto, esta Trindade moderna extinguiu a bíblica e ortodoxa,
até mesmo fingiu sê-la, até que restasse pouco de ortodoxia. Não se trata apenas de que “o
trinitarismo moderno tenha se envolvido mal com a teologia pró-Nicena”. A situação é muito
pior: “ele quase não se envolveu de maneira alguma”. “Como resultado, o legado de Nicéia
permanece paradoxalmente como o fantasma despercebido na moderna festa trinitária.”[54]
Não faz muito tempo, esse fantasma passou despercebido na festa trinitária, mas agora
nos assombra, e seus gemidos estão cada vez mais altos, sua luz ofuscante é tão brilhante que
nenhum apagador de lampiões pode extingui-la. Para perceber o porquê, devemos percorrer as
divisões desta casa assombrada a que chamamos cristianismo moderno, salas que explicam e
expõem o passado recente. Mas não se engane, este é o nosso passado recente. É meu passado
recente também. Conforme contei, certa vez me ensinaram uma visão moderna da Trindade,
como se fosse a visão bíblica. Mas o Fantasma da Ortodoxia Passada continuou me
assombrando. O que descobri nestas salas assombradas será assustador para nós: a Trindade da
Bíblia, a nossa Trindade, foi manipulada de maneira irreconhecível. O convidado de honra na
festa trinitária não é de forma alguma a Trindade bíblica e ortodoxa. A deriva da Trindade é
real. E somos suas vítimas.
A questão é: como chegamos aqui? Essa é uma pergunta que o Fantasma da Ortodoxia
Passada pode responder.

Sala 1: a Trindade é especulativa e irrelevante para a sociedade — o liberalismo


protestante abandona a ortodoxia bíblica
Durante mil e seiscentos anos, a Grande Tradição acreditou que Deus se revelou como
Trindade nas Escrituras. Essa suposição foi questionada com a chegada do século XVIII e de
uma revolução intelectual conhecida como Iluminismo. A revolução começou quando os
pensadores ensinaram que havia um fosso largo e feio que separava a verdade absoluta
(localizada na razão humana) da verdade contingente (localizada na história). Embora a nossa
razão pudesse dar-nos a verdade universal, a história não podia; ela é inconstante. Por quê? Ela
não pode ser demonstrada. As “verdades acidentais da história nunca podem tornar-se a prova de
verdades necessárias da razão”.[55] Mesmo que você fosse o maior saltador olímpico do mundo, o
fosso não pode ser atravessado. É impossível.
O cristianismo caiu de cabeça neste fosso, e com ele caiu a doutrina da Trindade. Pois as
afirmações bíblicas acerca da Trindade estão enraizadas numa revelação que foi transmitida por
meio de pessoas e acontecimentos históricos, de Moisés a Jesus e ao apóstolo Paulo. Mas a
história não é confiável, não nos provê acesso à verdade universal. Esta pode vir apenas por meio
de nossa razão. Quaisquer partes do cristianismo que flutuem até ao topo do fosso após os
destroços e pareçam razoáveis — isto é, universalmente sensatas — podem ser recuperadas e
guardadas em segurança. No entanto, nenhuma destas partes incluía doutrinas como a da
Trindade, mas apenas a ética bíblica, tal como encontrada nos ensinamentos de Jesus, por
exemplo. Quanto à Trindade, ela ficou no fundo do fosso e deveria ser mantida lá.
Com esse buraco no caminho, o que o cristão deveria fazer? Muitos tentaram seguir as
regras do jogo do Iluminismo: só precisamos aplicar razão suficiente para provar que Deus é
razoável e sensível ao intelecto humano. Mas essa mentalidade resultou num Deus deísta,
despojado do sobrenatural, pois o sobrenatural é tudo menos sensível. Outros disseram que a
Trindade não pode ser conhecida pela razão, por isso devemos fechar os olhos, começar a correr
e dar um salto cego de fé.[56] Outros ainda disseram que a resposta era muito mais pietista: ela
não está em algum lugar lá fora, mas dentro de nós; devemos olhar para a nossa experiência
religiosa ou sentimento de dependência absoluta daquilo que é divino.
Foi esta última resposta que se revelou influente — tão influente que não só ocupou o
cristianismo até aos dias de hoje, mas também o transferiu, junto com sua doutrina da Trindade,
para a terra do liberalismo teológico. Ou, devo dizer, para a sala do liberalismo teológico, onde o
Fantasma da Ortodoxia Passada continua a nos assombrar.
O pai fundador do liberalismo foi um homem chamado Friedrich Schleiermacher, e ele
acreditava que havia uma palavra que capturava o núcleo da fé e da vida cristã: Gefühl. É uma
palavra alemã e refere-se a um “sentimento autoconsciente de dependência absoluta”.[57]
Dependência de quê? De quem? Do infinito, do divino ou do que alguns chamam de Deus.[58] O
Gefühl trouxe destaque a Jesus, por exemplo. Ele foi o exemplo máximo de um homem que
entrou em contato com o infinito, o garoto-propaganda daquele sentimento autoconsciente de
dependência absoluta.[59]
As doutrinas e os dogmas tradicionais, no entanto, atrapalham. Tomemos a “distinção
eterna no Ser Supremo” entre as pessoas da Trindade: o Pai ingênito, o Filho gerado, o Espírito
espirado. Tais distinções não dizem respeito à “consciência religiosa, pois ali ela nunca poderia
surgir”.[60] Tais distinções são especulativas, inalcançáveis, um conhecimento que não é inato ao
sentimento autoconsciente de dependência absoluta. Nem são a preocupação das Escrituras, que
lidam com a piedade cristã, nem a especulação doutrinária acerca do ser e da essência de Deus.
Mesmo que “não tivéssemos conhecimento de qualquer fato transcendente”, como a Trindade, e
mesmo que a visão ortodoxa da Trindade fosse em si uma heresia, ainda assim “a nossa fé em
Cristo e a nossa comunhão viva com ele seriam as mesmas”.[61] De acordo com Schleiermacher, a
Trindade “não tem utilidade na doutrina cristã”.[62]
Mas digamos, apenas para fins de argumentação, que a Trindade não seja especulativa,
que possa ser conhecida. Ainda assim, Schleiermacher está convencido de que ela está repleta de
contradições internas. Por exemplo, se distinguirmos entre pessoas, então a igualdade será
perdida. Ele discorda da geração eterna porque ela torna o Pai não gerado superior ao Filho
gerado. Ele reconhece que os Pais da Igreja acreditavam que a geração era eterna, mas ainda
assim, protesta, ela passa a ideia de que o Filho é dependente e, se dependente, inferior. Da
mesma forma se dá com o Espírito. Em suma, se “tais distinções forem feitas, a igualdade das
Pessoas será perdida”.[63] Em contrapartida, Schleiermacher escolhe o lado da igualdade. Na
verdade, ele vai mais longe, perguntando-se se a heresia do sabelianismo poderia ser, afinal, a
visão correta acerca da Trindade.[64] A Igreja não deveria também ser tão rápida em condenar o
unitarismo. Eles não apenas preservaram a unidade de Deus, mas “de forma alguma se separaram
de todas aquelas afeições espirituais que brotam da consciência de Deus”.[65] Isso é o que
realmente importa no final.
A mentalidade de Schleiermacher foi promovida por muitos outros no século XIX.[66]
Alguns deram ao liberalismo uma agenda moralista como nenhuma outra. O cristianismo não se
preocupa com dogmas especulativos como a Trindade, mas com a ética do reino de Deus e em
como essa ética pode transformar a sociedade. A Trindade é irrelevante porque não tem nada a
contribuir para o avanço moral da sociedade nos valores cristãos. O cristianismo não tem a ver
com quem Deus é — essa é uma obsessão metafísica que ocupou os Pais da Igreja —, mas sim
com o que Deus faz na sociedade e o que a sociedade deve fazer em cooperação com ele. Em
suma, o cristianismo não se trata de dogmas, mas de ética, não se trata de doutrina, mas de
valores.
Esta mentalidade entrou no século XX por meio do evangelho social apresentado por
Walter Rauschenbusch.[67] De acordo com ele, a menos que a Trindade se revele necessária para
as preocupações sociais da Igreja e da comunidade em geral, não é necessária de forma alguma.
Ali jazia a Trindade, apodrecendo como madeira morta numa árvore caída e em decomposição.
Absinto. Tudo porque ela é irrelevante para o sentimento de dependência absoluta ou para a ética
da justiça social.

Sala 2: podemos tornar a Trindade novamente relevante — os modernos substituem


a ortodoxia por uma Trindade social
Justamente quando a Trindade parecia perdida para sempre (ou perdida na eternidade),
rejeitada com um clamor (especulação!), um novo vento soprou nos corredores da academia e
nos bancos da Igreja, um vento que dizia que a Trindade tinha afinal importância. E assim, um
renascimento da Trindade começou.
Observando a desconexão entre a doutrina de Deus e a agenda da Igreja para a sociedade,
os teólogos modernos acreditavam ter uma solução. Enquanto os liberais disseram que a
Trindade era irrelevante, a menos que fosse comprovada como um expediente para a ética e a
justiça social, os teólogos do século XX exclamaram: “Ela é relevante; é sim, de verdade!”
Mas, para o provar, precisavam de uma Trindade radicalmente diferente do modelo
histórico e ortodoxo; precisavam de uma Trindade social que correspondesse à sua visão da
sociedade. Os teólogos e pastores que assumiram este novo desafio são inúmeros e por vezes
diversos. Mas antes de entrarmos nestas águas agitadas, façamos um breve desvio para entender
por que a Trindade e a sociedade se tornaram, em primeiro lugar, tão interligadas.

A regra que altera todas as regras


Na década de 1960, em algum lugar entre as calças boca-de-sino e a paixão pelos Beatles,
o teólogo católico romano Karl Rahner escreveu um livro a respeito da Trindade, declarando que
já era tempo de nos livrarmos dos grilhões da especulação escolástica e de a libertarmos. Ele,
como quase todos os teólogos modernos, critica os teólogos do Ocidente, de Agostinho a Tomás
de Aquino, porque, afirma, eles começaram a partir da essência una de Deus. Por outro lado, ele
diz que ficará ao lado do Oriente, começando pelas três pessoas, pelo Pai em particular.

Ocidente versus Oriente? Desfazendo mitos


Muitos teólogos modernos ergueram um muro entre o Oriente e o Ocidente, como se eles adotassem dois tratamentos antitéticos
à Trindade. Os trinitaristas sociais afirmam que os gregos (Oriente) começaram com as três pessoas e passaram para a essência
única, enquanto os latinos (Ocidente) começaram com a noção abstrata de uma essência e passaram para as três pessoas. E ficam
ao lado do Oriente, culpando os Ocidente, especialmente Agostinho, por séculos de ênfase na unidade e na simplicidade. Esta
leitura da história e tratamento acerca da Trindade, popularizada recentemente por Colin Gunton, remonta a Theodore de Régnon
(século XIX). Mas depois de muita investigação, os historiadores perceberam que este paradigma moderno estava errado,
carecendo de provas reais. Como vimos, Atanásio e os capadócios (Oriente) apelaram à simplicidade (a essência única) para
defender a geração eterna do Filho. Quanto a Agostinho, ele não elaborou uma Trindade diferente da de Nicéia, mas recuperou a
doutrina trinitária nicena. Os estudiosos patrísticos de hoje criticam este falso paradigma, mas os teólogos demoram a recuperar o
atraso e não têm prestado atenção a essas pesquisas.

Mesmo quando o Ocidente se concentra nas três pessoas, Rahner queixa-se de que eles
apenas contemplam as pessoas na eternidade e não a Trindade na história.[68] Eles “trancaram” a
Trindade “dentro de si mesma”, em “isolamento esplêndido”, e nós, criaturas, somos
“excluídos”.[69] Rahner protesta: racionalismo![70] Essa não foi a razão pela qual a Trindade se
tornou irrelevante em primeiro lugar?
Mas ele afirma ter o antídoto para este vírus ocidental, para esta epidemia latina: a
Trindade não deve ser encarcerada na eternidade, mas liberta na história. Como assim? Rahner
tem a resposta: “A Trindade ‘econômica’ é a Trindade ‘imanente’ e a Trindade ‘imanente’ é a
Trindade ‘econômica’”.[71]
Espere um momento. Qual é a diferença entre imanente e econômico? A Trindade
imanente refere-se a quem o Deus triúno é em si mesmo, independentemente da criação ou da
economia da salvação. A Trindade econômica refere-se à forma como o Deus triúno atua em
relação à criação e na economia da salvação. No passado, os teólogos tiveram o cuidado de
distinguir entre imanente e econômico, para que os dois não fossem confundidos, misturados ou
colapsados. Não gostaríamos de projetar qualidades da criação no Criador, criando um Deus à
nossa própria imagem.

Karl Barth
Não houve teólogo tão influente no século XX como Karl Barth. Reagindo contra o liberalismo de sua época e sua ênfase
excessiva na imanência divina, que ele acreditava ter transformado a teologia em antropologia, Barth voltou a atenção da Igreja
para a transcendência de Deus. E, no entanto, a doutrina barthiana da Trindade tem sido motivo de debate. Por um lado, ele pode
parecer ortodoxo. Por outro lado, alguns o acusaram de sabelianismo por ter reagido contra a palavra “pessoa”, achando-a
moderna demais. Todo o programa barthiano, incluindo a sua visão da Trindade, centra-se na autorrevelação de Deus na Palavra,
Cristo Jesus. Com o seu foco na encarnação, Barth conclui que a obediência define não apenas a missão econômica do Filho, mas
a Trindade imanente. Por esta razão, alguns críticos acusam-no de sucumbir ao subordinacionismo.

Mas Rahner desafia o paradigma recebido com a sua tese (ou regra, como é chamada).
Ele não entra em grandes detalhes enquanto dá corpo à sua tese em todas as suas especificidades,
por isso tem havido algum debate a respeito de como interpretá-lo. Um leitor generoso poderia
dizer que ele pretendia apenas comunicar que a Trindade econômica era o nosso único acesso à
Trindade imanente. Mas muitos acreditam que ele queria dizer mais.[72] Em certo sentido, Rahner
iguala o imanente e o econômico, de modo que ambos sejam a mesma coisa. “Nenhuma
distinção adequada pode ser feita entre a doutrina da Trindade e a doutrina da economia da
salvação.”[73]
Mas o que não está em debate é este fato: a Regra de Rahner deu aos teólogos modernos
a oportunidade de repensar tudo e, o mais importante, de fechar a lacuna entre o Criador e a
criatura.[74] Em nome de Rahner, alguns hoje chegam ao ponto de rejeitar completamente a
Trindade imanente. Deus é o que Deus faz. Nada mais. Função é tudo. Como argumentou um
autor moderno: “A geração eterna do Filho e o sopro do Espírito ocorrem na economia de Deus”.
[75]
Deus se torna Trindade quando age como tal na história.
Com a lacuna entre o imanente e o econômico fechada, a Trindade e a sociedade foram
conectadas, de modo que o que é a sociedade deve ser o que é a Trindade, e o que é a Trindade
deve ser o que é a sociedade. Mas para que esta conexão se mantivesse, tornou-se necessário um
movimento ainda mais radical: o próprio DNA da Trindade teve de ser redefinido. Já não se
podia seguir a ortodoxia histórica, mas uma nova doutrina, uma doutrina social da Trindade, era
agora conveniente, pelo menos para que ela fosse relevante para as preocupações sociais da
sociedade. Embora um vórtice de exemplos possa ser considerado, nos concentraremos em um
dos alunos mais brilhantes de Rahner.

A Trindade torna-se social


Um dos teólogos mais influentes do século passado — sem exagero — é Jürgen
Moltmann, conhecido por sua crença num Deus que sofre.[76] Acontece que dois Karls — Karl
Rahner e Karl Barth — ensinaram-lhe a Trindade enquanto ele era estudante.[77] Mas Moltmann
acreditava que seus mentores haviam entendido errado a Trindade: ao começarem com “a
soberania do Deus Único”, eles foram “então capazes de falar a respeito da Trindade apenas
como os ‘três modos de ser’ ou os ‘três modos de subsistência’ daquele Um Deus”.[78] (No
capítulo 2 aprendemos que “modos de subsistência” é uma frase que se refere ao modo como a
essência única existe no Pai como ingênito, no Filho como gerado e no Espírito como espirado.)
Ele conclui que os dois Karls, assim como o próprio Schleiermacher, correm um risco alto de
cair no sabelianismo, devido ao seu foco na unidade de Deus.[79]
Moltmann parece detestar mais o trinitarismo de Barth porque ele se orgulha da maneira
como Deus se revela como Senhor. Esta obsessão pelo senhorio só pode ser o resultado de uma
preocupação ocidental e individualista com a única substância e monarca divinos. Moltmann
critica até mesmo o Credo Niceno, este padrão histórico de ortodoxia, como “ambivalente no que
diz respeito à questão da unidade de Deus”. Pois “sugere uma unidade de substância entre Pai,
Filho e Espírito” com toda a sua linguagem a respeito do Filho ser homoousios (da mesma
essência) com o Pai, gerado a partir da essência do Pai desde toda a eternidade.[80]

O que é uma visão social da Trindade?


“Desenvolvi uma doutrina social da Trindade, segundo a qual Deus é uma comunidade de Pai, Filho e Espírito, cuja unidade é
constituída pela habitação mútua e pela interpenetração recíproca.” — Jürgen Moltmann

Moltmann resiste a esta ênfase ocidental no senhorio porque ela decorre de um


compromisso inabalável com o monoteísmo — uma palavra terrível na opinião dele.[81] A
“unidade do sujeito absoluto é enfatizada a tal ponto que as Pessoas trinitárias se desintegram em
meros aspectos do sujeito único”; esta ênfase na unidade leva “involuntariamente, mas
inevitavelmente, à redução da doutrina da Trindade ao monoteísmo”.[82] Em contraste, ele
“decidiu a favor da Trindade”. Ninguém que se autodenomina cristão opta em desfavor da
Trindade, então o que exatamente Moltmann quer dizer? “Desenvolvi uma doutrina social da
Trindade, segundo a qual Deus é uma comunidade de Pai, Filho e Espírito, cuja unidade é
constituída pela habitação mútua e pela interpenetração recíproca.”[83]
Observe a palavra que os trinitaristas sociais, como Moltmann, usam para definir a
Trindade: comunidade. A Trindade é uma comunidade ou sociedade, uma cooperação de pessoas
divinas, cada uma com o seu próprio centro de consciência e vontade. Como cada pessoa nesta
sociedade é igual à outra, a igualdade é distribuída e a hierarquia eliminada. Moltmann apela ao
conceito de pericorese, mas não da forma como a Grande Tradição o fazia — cada pessoa una
com a outra devido à essência simples que têm em comum. Isso seria um regresso ao
monoteísmo e à metafísica (ontologia) — mais uma vez, duas palavras notáveis na avaliação de
Moltmann. Em contraste, ele dá à pericorese uma ênfase social forte: a Trindade é uma
comunidade com reciprocidade mútua entre pessoas que se relacionam umas com as outras. O
foco não é ontológico (simplicidade; modos de subsistência), mas comunitário, a Trindade é uma
sociedade cooperativa de amor.
Ao redefinir a Trindade como social, Moltmann tem agora a solução para os males que
assolam a sociedade. “Somente quando a doutrina da Trindade vencer a noção monoteísta do
grande monarca universal no céu e seus patriarcas divinos no mundo, os governantes, ditadores e
tiranos terrestres deixarão de encontrar quaisquer arquétipos religiosos justificadores.”[84] Se sua
Trindade social é o caminho a seguir, então “encontramos o reflexo terreno desta sociabilidade
divina não na autocracia de um único governante, mas na comunidade democrática de pessoas
livres, não no domínio do homem sobre a mulher, mas em sua reciprocidade igualitária, não em
uma hierarquia eclesiástica, mas em uma Igreja fraterna”.[85] Moltmann regozija-se com o fato de
as teólogas feministas poderem agora lutar pela igualdade dos sexos graças ao fato de a Trindade
ser uma sociedade igualitária de pessoas — o próprio Deus já não é patriarcal, mas sim
bissexual, dando ao matriarcado uma voz divina. Ele também aplaude um evangelho da
libertação. Podemos agora defender a causa dos oprimidos na sociedade contra o “monoteísmo
político” graças à falta de hierarquia na comunidade trina.[86]
O primeiro passo de Moltmann para a liberdade é a rejeição da linha de abertura do
Credo dos Apóstolos: “Creio em Deus, o Pai Todo-Poderoso”. Aqui está o problema resumido
em uma frase. O caminho a seguir não é pensar em Deus ou na Trindade em termos de poder,
mas de amor, amor autocomunicante e sofredor (passível).[87] Embora o poder seja a arma do
único governante sobre os oprimidos na sociedade (o que ele chama de monarquianismo
monoteísta), o amor é o remédio que restaura a comunidade, tanto em Deus como na sociedade.
Que tipo de comunidade, você pergunta? Uma comunidade socialista. “Não é a monarquia de
um governante que corresponde ao Deus triúno; é a comunidade de homens e mulheres, sem
privilégios e sem subjugação.” Mais uma vez, a Trindade é o nosso paradigma: “As três Pessoas
divinas têm tudo em comum, exceto suas características pessoais. Assim, a Trindade corresponde
a uma comunidade na qual as pessoas são definidas por meio das suas relações umas com as
outras e de seu significado umas para as outras, e não em oposição umas às outras, em termos de
poder e posse”.[88]

Palavrões?
Neste livro, usaremos os termos ontologia (ontológica) e metafísica como sinônimos. Eles se referem ao que algo ou alguém é.
Na teologia, estas palavras referem-se à essência de Deus e a como a sua essência existe (subsiste) em três pessoas. Por várias
razões estranhas, os cristãos de hoje foram ensinados a presumir que essas palavras são palavrões. Mas a Grande Tradição
discorda: estas palavras combatem a domesticação de Deus e a imposição da nossa experiência social ao Criador.

Moltmann está sozinho em sua agenda social? Como se provou, ele lançou uma cruzada
social que foi levada a cabo por um dos seus próprios alunos e um dos pensadores mais
populares da atualidade: Miroslav Volf.

A Trindade é nosso programa social


Miroslav Volf é croata, mas tem sido influente nos Estados Unidos — tão influente que,
na verdade, foi até convidado para aconselhar o departamento da Casa Branca dedicado às
parcerias baseadas em fé. Grande parte de sua carreira foi dedicada à teologia política e pública,
por isso não é surpreendente que ele tenha algo a dizer acerca da Trindade e da sociedade. De
fato, o título do seu livro diz tudo: After Our Likeness: The Church as the Image of the Trinity [À
nossa semelhança: a Igreja como imagem da Trindade]. Volf está igualmente convencido de que
a doutrina histórica da Trindade deve ser modificada ou mesmo rejeitada, ao menos se a
Trindade for servir de modelo para a Igreja e para a sociedade, o que ela deve fazer. A Trindade,
pelo menos em certo sentido, deve ser o nosso programa social.[89] Com seu objetivo definido
para a Igreja em particular, Volf conclui que deve haver uma correspondência direta entre o tipo
de comunidade que vemos na Igreja e a Trindade.[90] A questão é: que tipo de correspondência?
Para responder a essa pergunta, devemos entender a que Volf está respondendo. Alguns
trinitaristas sociais dizem que o segredo da Trindade é este: devemos redefinir o ser de Deus
como comunhão.[91] Ser como comunhão — o que isso significa? Em vez de definir o “ser” da
Trindade como uma essência com três modos de subsistência (alerta metafísico!), como o fez a
Grande Tradição, argumenta-se que o “ser” se refere às relações interpessoais de amor ou
comunhão que as pessoas têm umas com as outras. Exceto que esta sociedade de amor tem o Pai
no topo. Imagine um traçar de uma linha reta da Trindade até a Igreja e a sociedade. Assim como
existe hierarquia na Trindade, com o Pai no topo, existe também, argumenta este grupo,
hierarquia na Igreja, com o bispo no topo. Você já consegue ouvir Moltmann arrastando as unhas
no quadro-negro?
Agora, voltemos ao pensador croata, Volf. Aqui está algo irônico: ele também é um
trinitarista social. “Amém!”, ele diz, para relacionamentos interpessoais e sociais de amor.
“Amém!”, ele diz, para o ser como comunhão. Mas a comunhão trinitária é de igualdade e não de
hierarquia, e uma vez que a Trindade é o paradigma para a Igreja e sociedade, então a política da
Igreja também deve refletir essa igualdade. A autoridade reside na reunião do todo, não num
único patriarca ou bispo no topo. Em uma palavra, a Igreja deve ser tão congregacional quanto a
Trindade e a Trindade tão congregacional quanto a Igreja. Com toda esta conversa sobre Igreja,
não perca a verdadeira questão: para cumprir a agenda eclesiástica, a Trindade foi redefinida.
Mas também não perca a ironia: os trinitaristas sociais estão chegando a conclusões opostas;
alguns querem hierarquia, outros querem igualdade.
Para ver tal revisionismo com clareza cristalina, viajemos ao Brasil e conheçamos um
teólogo cujo nome soa parecido com o de Miroslav Volf. Seu nome é Leonardo Boff. O que há
de tão único em Boff é o seguinte: ele acredita que a Trindade é o protótipo não apenas para a
Igreja, mas para a política também. Boff tem sido uma voz antiga na teologia da libertação,
especialmente na América do Sul. Os teólogos da libertação leem a Bíblia e concluem que a sua
mensagem principal é a promessa e a esperança de que os oprimidos da sociedade serão libertos
de seus opressores. O evangelho não é o plano do Deus triúno de enviar seu Filho, para que Jesus
nos substitua, assumindo a penalidade pelos nossos pecados de forma que possamos ser
perdoados e receber a vida eterna. Ao contrário, o evangelho é a libertação social e política,
libertando aqueles que são empurrados para baixo na sociedade daqueles que estão no poder.
Então, por que Jesus morreu? “O Filho encarnado morreu em protesto contra as servidões
impostas aos filhos e filhas de Deus.”[92] Essa redefinição do evangelho pressupõe, certamente,
uma redefinição da Trindade.
A redefinição da Trindade começa com a troca da definição ortodoxa de pessoa por uma
moderna: “Para os modernos a pessoa, fundamentalmente, significa um ser-de-relação. A pessoa
é um sujeito existente como centro de autonomia, dotado de consciência e de liberdade”.[93]
Nesta frase, Boff resume o trinitarismo social. Mas antecipa uma objeção: se esta redefinição
moderna de pessoa for aplicada à Trindade, como não resultará em triteísmo? Boff está
convencido de que escapa desta heresia porque “se acentua a relação, a abertura total de uma
Pessoa à outra”.[94] Ele admite — num momento de total honestidade sobre as suas intenções —
que existe um perigo real em ser mal interpretado como herético: “Quando a teologia clássica
fala de pessoa, não o entende como os modernos o entendem. Se não o explicarmos, cada vez, ao
povo, corremos o risco de que este entendam o mistério de forma herética”.[95] No entanto, Boff
está convencido de que vale a pena correr o risco de ser acusado de heresia.
Redefinindo a pessoa como aquela que se relaciona com os outros, Boff redefine então a
Trindade como uma sociedade e uma comunidade. Ele busca ajuda na sociedade humana. “A
sociedade não resulta da soma de seus indivíduos, mas constitui um ser próprio unido pelo tecido
das relações entre pessoas, funções e instituições, constituindo a comunidade social e política.” O
resultado: “Da cooperação e colaboração de todos resulta o bem comum”.[96] O mesmo acontece
com a Trindade: ela é uma sociedade divina onde os indivíduos são pessoas que se relacionam
entre si, pessoas que cooperam e colaboram como faria uma comunidade humana. A sociedade
humana é um “indicador” para a Trindade, e a Trindade é o “indicador” para a sociedade.[97] A
Trindade é uma “visão comunitária”: “Deus é comunidade de Pessoas e não simplesmente o
Uno; sua unidade existe na forma de comunhão (comum-união)”.[98] Somente esta redefinição da
Trindade “impede todo totalitarismo pretensamente baseado no monoteísmo divino ou todo
paternalismo fundado no monarquismo do Pai que a todos submete ou do qual todos dependem”.
Em suma, o “modelo da dominação é substituído pelo modelo da comunhão”.[99] Tal comunidade
significa que há “total reciprocidade” entre o Pai, o Filho e o Espírito, com “relações amorosas”
mútuas.[100]

Como os trinitaristas sociais redefinem as pessoas da


Trindade?
“Para os modernos a pessoa, fundamentalmente, significa um ser-de-relação. A pessoa é um sujeito existente como centro de
autonomia, dotado de consciência e de liberdade.” —Leonardo Boff

Esta frase “relações amorosas” é fundamental. As pessoas “não aparecem como


concreções do Uno (natureza ou substância ou Espírito Sujeito absoluto)”, como muitos na
Grande Tradição disseram, “mas como três Sujeitos em comunhão eterna (e por isso essencial) e
sempre unidos e interpenetrados entre si”.[101] Se são três sujeitos separados, podem realmente ser
um só Deus? Boff pensa desta forma: “esta comunhão eterna de amor faz que eles sejam um só
Deus”.[102] Os Beatles ficariam orgulhosos: para Boff, all you need is love [tudo de que você
precisa é amor]. Mas observe, para os trinitaristas sociais, o amor se torna uma segunda distinção
ou marca adicional dentro da Trindade imanente, não apenas as relações eternas de origem (Pai
ingênito, Filho gerado, Espírito espirado).

Uma Trindade social é uma esperança política ou um


perigo para o mundo?
“A tradução direta da Trindade num programa social é problemática porque, ao contrário da mutualidade trinitária pacífica e
perfeitamente amorosa, a sociedade humana está cheia de sofrimento, conflito e pecado. Transformada numa recomendação para
as relações sociais, a Trindade parece irrealista, bastante ingênua e, por essa razão, talvez até politicamente perigosa. Para um
mundo de pessoas violentas, corruptas e egoístas, a Trindade parece oferecer apenas um plano débil: ‘Por que não podemos
simplesmente nos dar bem?’” — Kathryn Tanner, “Social Trinitarianism and Its Critics”

Redefinindo a Trindade em categorias sociais, Boff estabelece seu modelo para a


sociedade. Uma Trindade social condena as sociedades capitalistas, “uma ditadura da classe
burguesa com seus interesses individualistas e empresariais sempre resguardados a partir do
controle do aparelho de Estado”. Boff adverte que esse “regime introduziu as mais radicais
divisões de que se tem notícia historicamente entre ricos e pobres, entre raças e entre os sexos”.
Mas o problema não é apenas a divisão; o capitalismo é o culpado pela miséria dos
desfavorecidos em todo o mundo.[103] Uma sociedade capitalista está, por definição, fora de
sintonia com a Trindade: “As sociedades sob o regime capitalista contradizem por sua prática e
por sua teoria as interpelações e convites da comunhão trinitária”.[104]
Que tipo de sociedade então pode nos levar à Trindade? “As sociedades com um regime
socialista baseiam-se num princípio correto, o da comunhão e do envolvimento de todos nos
meios de produção.”[105] Isto porque a própria Trindade é socialista, uma comunidade onde o
poder está ausente e todas as coisas são distribuídas em igual medida. Acompanhe a lógica de
Boff:
Como funciona a Trindade: “Na Trindade santa não há a dominação a partir de um polo,
mas a convergência dos Três numa recíproca aceitação e doação. São diferentes, mas
ninguém é maior ou menor, anterior ou depois do outro”.
Ergo...
Como funciona a sociedade: “Por isso uma sociedade que se deixa inspirar pela
comunhão trinitária não pode tolerar as classes, as dominações a partir de um poder
(econômico, sexual ou ideológico) que submete e marginaliza os demais diferentes”.[106]
Esta conexão inquebrável entre o socialismo e o trinitarismo social não poderia ser mais
relevante para o evangelho da libertação de Boff. “A sociedade não está definitivamente perdida
em suas relações injustas e desiguais, mas convocada a se transformar à luz das relações abertas
e igualitárias que vigoram na comunhão trinitária, utopia realizada de todo caminhar histórico-
social. Se a Trindade é evangelho, então o é particularmente para os oprimidos e condenados à
solidão.”[107] Ao olharmos ao redor deste mundo cruel, vemos a Trindade onde quer que os
oprimidos se levantem como uma fênix das cinzas e protestem contra a injustiça que sofrem
pelas mãos das superpotências deste mundo. “A Trindade se comunica como Trindade... quando
os oprimidos e seus aliados lutam contra as rupturas e as opressões.”[108] Em que lugar os
oprimidos encontram força e coragem para fazê-lo? Em que lugar buscam saber que tipo de
sociedade construir? “A comunhão da Trindade é fonte de inspiração, fator de protesto,
paradigma de construção”.[109] Boff resume tudo quando conclui: A Santíssima Trindade é “nosso
programa de libertação”.[110]
Mas espere, o Fantasma da Ortodoxia Passada não terminou. Mais uma sala ainda nos
assombrará.

Sala 3: a família historizante


Já exploramos aquelas figuras proeminentes no coração do século XX. Mas há outro
grupo de influenciadores que se juntaram ao renascimento trinitário. Gosto de chamá-los de
família historizante. Embora admita, muitos nas duas salas anteriores também têm laços com
essa família.

Marcas de uma Trindade social


O trinitarismo social é diverso e algumas versões são mais radicais que outras, mas a maioria mantém em comum algumas ou
todas as oito marcas a seguir:
1. O ponto de partida (ou pelo menos a ênfase) não é a simplicidade, mas as três pessoas; alguns rejeitam a
simplicidade completamente.
2. A Trindade é redefinida como uma sociedade e comunidade, análoga à sociedade humana.
3. As pessoas são redefinidas como três centros de consciência e vontade.
4. As pessoas são redefinidas de acordo com as suas relações: foco na mutualidade, na interação social.
5. A unidade é redefinida como relações interpessoais de amor entre pessoas (redefinição da pericorese).
6. Grande sobreposição (às vezes colapso) da Trindade imanente e econômica.
7. Coloca o Oriente contra o Ocidente, apelando aos Pais Orientais.
8. A Trindade Social é um paradigma para a teoria social (eclesiologia, política, gênero, etc.).

Acusação: Trindade Social = Triteísmo

Para conhecer o primeiro teólogo de nossa família historizante, passaremos pelas folhas
alaranjadas e amarelas do outono em New Haven, Connecticut, sede da Universidade de Yale.
Durante a segunda metade do século XX, Hans Frei podia ser ouvido pregando nos púlpitos da
Ivy League. Frei moldou uma geração de tal maneira que seu pensamento simplesmente se
tornou sinônimo de Escola de Teologia de Yale. A escola de pensamento de Frei também foi
rotulada de teologia narrativa, devido à sua ênfase na narrativa das Escrituras.[111] Nos resíduos
do liberalismo, que desconsiderava a fiabilidade das histórias do Evangelho e dos seus relatos
históricos sobre Jesus, Frei foi uma voz refrescante e pós-liberal. Ele alertou contra o eclipse da
narrativa bíblica que o liberalismo promovia.[112]
Apesar de sua crítica louvável ao liberalismo, seu próprio tratamento tem consequências
negativas para a doutrina cristã clássica acerca de Deus. Por exemplo, Frei acredita que a Grande
Tradição que veio antes dele era enganosa, guiando a Igreja e a academia para a especulação
teológica, com ênfase em quem Deus é em si mesmo. Em vez disso, nossa atenção deveria estar
na narrativa que a Bíblia apresenta. Ele não acha que o foco sejam os ensinamentos de Jesus,
nem mesmo seus ensinamentos acerca de si mesmo. Em vez disso, devemos nos concentrar na
narrativa que descreve a ação que Jesus tomou, especialmente em sua paixão. Se você quer saber
quem é a pessoa de Cristo, basta olhar para o que Cristo faz. As discussões a respeito da
Trindade imanente e da pessoa do Filho são matéria de credos e concílios. “Metafísica!
Ontologia!”, ele protesta, ao passo que a atenção da Bíblia está nas obras de Deus na história,
especificamente nas obras do Cristo encarnado na história.
Note que Frei chamou-nos a atenção para algo bom: a narrativa. E especificamente para
as histórias bíblicas acerca da experiência humana de Jesus. Então, qual é o problema? O
problema é que ele se concentrou apenas na narrativa. Como resultado, ignorou outras partes das
Escrituras — incluindo outras narrativas! — que nos dizem quem é Deus à parte de sua
humanidade. Como leitores da Bíblia, prestamos atenção não apenas ao que Jesus faz, mas
também ao que diz, especialmente ao que diz acerca de quem ele era antes da criação e da
encarnação (veja as suas muitas declarações “Eu Sou”, por exemplo). Se nos concentrarmos
apenas em sua experiência humana, corremos o risco de minar a identidade divina e eterna não
só do Filho, mas de toda a Trindade. Em suma, humanizamos Deus ao nos focarmos apenas na
história, perdendo a paciência, como o faz Frei, com toda e qualquer discussão a respeito da
Trindade imanente. Enfim, ênfase é tudo. Uma ênfase exagerada na experiência humana de Jesus
pode levar a uma negligência ou a uma revisão total da divindade de Deus separada da
humanidade.
Para conhecer o segundo teólogo de nossa família historizante, deixemos Yale e vamos
para Princeton, mas desta vez para conhecer um luterano: Robert Jenson. Na virada do século,
Jenson ingressou no Centro de Investigação Teológica, associado ao Seminário Teológico de
Princeton. Ele também fez uma conexão direta com a encarnação. Em Cristo, e nele crucificado,
recebemos a revelação de Deus — ou, para usar a expressão de Jenson, a autoidentificação de
Deus. Naturalmente, então, nosso foco deve estar na narrativa das Escrituras, examinando o que
o Filho encarnado faz, como exerce sua função.[113] Não devemos então focar numa Trindade
imanente, como se pudéssemos conhecer quem é o Deus triúno à parte do mundo (ad intra). Que
vergonha para a Grande Tradição, Oriente e Ocidente, de Nicéia a Agostinho, por fazê-lo. Em
vez disso, devemos “acomodar o evangelho” e, para isso, devemos “reinterpretar o ser [de
Deus]”.[114] As relações eternas de origem, por exemplo, não são atemporais e imutáveis, fixadas
para serem o que são à parte da criação. Não, o que o Deus triúno faz na história constitui quem
ele é na eternidade.[115] As relações tornam-se relações à medida que ocorrem na criação. As
pessoas da Trindade são, num sentido real, temporais.[116] “[A] identidade do Filho eterno é a
pessoa humana Jesus.”[117]
Existe algum risco em uma ênfase tão extrema naquilo que Deus fez na história? Sim. “O
foco exclusivo na descrição histórica corre assim o risco de reducionismo.”[118] Como temos
testemunhado desde o início da Regra de Rahner, o imanente colapsa no econômico e, no caso de
Jenson, diz-se que o econômico constitui o imanente. Quem é Deus na eternidade reduz-se aos
seus atos na história; na verdade, seus atos na história fazem dele quem ele é como Trindade. As
relações triúnas de Deus tornam-se temporais; seu ser está em devir. Não temos mais uma
Trindade imutável e eterna. Apesar de toda a ênfase de Jenson no evangelho, a Trindade foi
reduzida ao evangelho, e sua identidade colapsou-se na história da salvação.[119]

A ponta do iceberg social: o evangelicalismo não é uma exceção


Os cristãos evangélicos escaparam da influência do trinitarismo social? Não. Eles
também contribuíram para a deriva da Trindade.

Uma partida de um contra um


Ortodoxia nicena Trinarismo social (alguns evangélicos)

Quando? Pais da Igreja Primitiva até os reformadores da pós- Iluminismo até os dias atuais (séculos XVIII a XXI)
reforma (século I ao XVIII)

O que Relações eternas de origem: o Pai é não gerado, o Comunidade e relacionamentos: as pessoas formam
distingue as Filho é gerado, o Espírito é espirado. uma sociedade, cooperando umas com as outras nas
pessoas da relações Eu-Tu.
Trindade?
O que é A pessoa é uma subsistência da essência divina; uma Pessoa é um centro distinto de consciência e
uma pessoa relação subsistente. Existem três modos de vontade, uma personalidade em relações mútuas e
divina? subsistência: Pai ingênito, Filho gerado, Espírito interdependentes de amor (ou hierarquia) com as
espirado. outras.

Quantas Uma vontade, de acordo com a essência única. As Trinitaristas sociais: três vontades porque existem
vontades pessoas são indissociáveis, indivisíveis em vontade e três centros de consciência (e em alguns modelos,
existem na operação. hierarquia entre pessoas)
Trindade?
Trinitaristas sociais modificados: uma vontade, mas
três agentes diferentes (e em alguns modelos,
hierarquia entre pessoas)
Acusação: triteísmo; subordinacionismo

Por exemplo, inúmeros filósofos cristãos hoje abraçam uma visão social da Trindade,
mesmo correndo o risco de triteísmo.[120] Eles propõem uma Trindade social na qual Pai, Filho e
Espírito são “centros distintos de conhecimento, vontade, amor e ação”. O que define as pessoas
como pessoas? Elas são “centros distintos de consciência”.[121] Juntas, elas formam uma
“comunidade” ou “sociedade”, de modo que “a Santíssima Trindade é uma sociedade ou
comunidade divina e transcendente de três entidades totalmente pessoais e divinas”.[122] Com
tanta ênfase em vontades e centros de consciência distintos, a afirmação nicena histórica da
simplicidade simplesmente não serve mais. A simplicidade “acaba complicando
desnecessariamente a doutrina da Trindade. Seu arrendamento não deve ser prorrogado”.[123] Se a
simplicidade deve ser afirmada em algum sentido, deve ser “modesta” e estar em conformidade
com uma visão social das pessoas.[124]
Outros são ainda mais ousados. William Lane Craig e J. P. Moreland argumentam que a
“premissa central” do trinitarismo social é este: “Em Deus existem três centros distintos de
autoconsciência, cada um com intelecto e vontade próprio”.[125] Três vontades, três centros de
autoconsciência — este é o próprio DNA do trinitarismo social. Não há Trindade de outra forma.
Rejeitando a afirmação clássica da simplicidade divina, concluem: “Deus é uma substância ou
alma imaterial dotada de três conjuntos de faculdades cognitivas, cada uma das quais é suficiente
para a personalidade, de modo que Deus tem três centros de autoconsciência, intencionalidade e
vontade”.[126] No entanto, eles também se sentem pressionados para explicar o porquê de três
vontades e centros de consciência não ser triteísmo. Eles até reconhecem que a sua visão
contradiz muitos dos credos da Igreja, incluindo o Credo Atanasiano (será discutido no capítulo
5). No entanto, encontram conforto em apelar ao sola scriptura.[127]
Os teólogos evangélicos também não são exceção. Tomemos como exemplo Stanley
Grenz, um dos mais renomados pensadores evangélicos do século passado. A Trindade é uma
realidade social, diz Grenz, e a marca definidora desta comunidade é o amor.[128] O amor é o
atributo de Deus que controla tudo e a marca definidora da sociedade que chamamos de
Trindade, vinculando as pessoas em unidade. A sua comunhão benevolente, unida em particular
pelo Espírito Santo, é o que as mantém unidas como um único ser. Mas é preciso dedicação
própria: cada pessoa deve estar comprometida com relacionamentos sociais de amor
cooperativo. Grenz repreendeu a Grande Tradição por enfatizar o ser de Deus, um ser com três
modos de subsistência. Segundo ele, isso cria uma quarta pessoa. Em vez disso, devemos definir
as pessoas como aquelas que buscam relacionamentos amorosos eternos entre si.[129]
O movimento Novo Calvinismo também não está imune ao trinitarismo social, por mais
que ache que está. Como veremos no capítulo 8, evangélicos como Wayne Grudem e Bruce
Ware também redefiniram a Trindade como uma sociedade de pessoas definidas por “papéis” e
“relacionamentos” sociais, cooperando entre si como agentes distintos. No século XX, os
trinitaristas sociais redefiniram as pessoas como relações de reciprocidade e amor abnegado para
apoiar a igualdade na sociedade, especialmente entre os sexos.[130] Mas Grudem e Ware
acreditam que esta sociedade de relacionamentos na Trindade é definida pela hierarquia
funcional. O Filho, por exemplo, está subordinado à autoridade suprema e absoluta do Pai dentro
da Trindade imanente, uma visão conhecida como SFE (subordinação funcional eterna) [eternal
functional subordination, em inglês]. Sua agenda social revela-se tão forte, se não mais forte, do
que a dos trinitaristas sociais que vieram antes deles, em que argumentam que a submissão à
autoridade dentro da Trindade, dentro da Divindade eterna, é o paradigma e o protótipo para a
hierarquia na sociedade, especialmente para as esposas que se submetem aos seus maridos em
casa. Os críticos classificam a SFE junto com a família historizante, pois, quer percebam ou não,
eles projetam a subordinação funcional do Filho ao Pai durante a encarnação de volta à Trindade
eterna e imanente, apenas para retornar à história a fim de aplicar sua hierarquia aos papéis de
gênero.
Nós poderíamos continuar. O que vimos é apenas a ponta do iceberg social da Trindade.
Esse iceberg é tão extenso que a sua massa congelada também navega nas águas do
evangelicalismo. Ironicamente, alguns olham para ele e concluem que estamos vivenciando um
reavivamento trinitário, até mesmo um renascimento.

Reavivamento ou desvio?
Muitos que experimentaram o ressurgimento do interesse pela Trindade chegaram à
conclusão de que houve um renascimento do pensamento trinitário. A Trindade estava perdida,
mas agora foi encontrada, e apesar da atitude desdenhosa do liberalismo protestante da velha
escola, ela é importante, afinal de contas. Por meio da RCP doutrinária, a Trindade foi
ressuscitada e nunca foi tão relevante para a sociedade.
Mas a Trindade que eles ressuscitaram não é nem a ortodoxa nem a bíblica (cap. 2). Para
ser franco, não reviveram a Trindade ortodoxa, mas a mataram, apenas para substituí-la por uma
completamente diferente — uma Trindade social —, que pode ser moldada, e até mesmo
manipulada, para se adequar ao palanque da sociedade.
Com a chegada do século XXI, ficou agora evidente que existem tantas Trindades quanto
teólogos modernos. A cada nova Trindade chega um novo programa social. No final das contas,
as buscas pela Trindade não são sobre Deus, mas sobre mim e minha agenda social.[131] A
Trindade é agora um “pretexto”: afirmamos ter uma nova “visão da natureza interior de Deus”,
mas apenas para que “possamos usá-la para promover regimes sociais, políticos ou
eclesiásticos”.[132] Como compartilhei no início de nossa jornada, experimentei isso em primeira
mão. Nos círculos evangélicos, tanto na sala de aula quanto na Igreja, contemplar e louvar a
Trindade não era o objetivo final (como deveria ser), mas ela era usada apenas como um meio
para outros fins.
Não estou sozinho nesta conclusão. Após uma análise detalhada do pensamento moderno,
Stephen Holmes expressa um lamento igualmente sério: “A explosão de trabalhos teológicos que
afirmam recapturar a doutrina da Trindade, que temos testemunhado nas últimas décadas, na
verdade interpreta mal e distorce tanto a doutrina tradicional que é irreconhecível... [Estes são]
afastamentos completos da tradição mais antiga, em vez de reavivamentos dela”.[133] Para que
você não perca o quão sério Holmes pensa que esses afastamentos são, afastamentos que se
apresentam como reavivamentos, ele emite este aviso: “Vejo a renovação da teologia trinitária no
século XX como dependendo em grande parte de conceitos e ideias acerca da doutrina da
Trindade que não podem ser encontrados na patrística, nos relatos medievais ou na Reforma. Em
alguns casos, de fato, são pontos repudiados explícita e energicamente como errôneos — até
mesmo, ocasionalmente, como formalmente heréticos — pela tradição anterior”.[134]
A deriva da Trindade é real. Não só nos afastámos da Trindade bíblica e ortodoxa, como
também a manipulámos para cumprir nossas agendas sociais.
A questão é: como encontramos agora o caminho de casa?
PARTE 2
COMO RETORNAMOS PARA
CASA?

[A Trindade] deve ser recebida pela fé e adorada com amor.


FRANÇOIS TURRETTINI, COMPÊNDIO DE TEOLOGIA ALOGÉTICA

A Trindade não deve ser rebaixada ao nosso nível como modelo a ser imitado; nossa esperança é que um dia
possamos ser elevados ao nível dela.
KATHRYN TANNER, “SOCIAL TRINITARIANISM AND ITS CRITICS”
4
De que maneira Deus revelou-se como
Trindade?
A eternidade e o mistério do evangelho

Ário, vá ao Jordão e lá verás a Trindade.


PAIS DA IGREJA

A doutrina da Trindade é frequentemente representada como um ponto especulativo, sem grande importância, quer
se creia nele ou não... lamentavelmente! Ela participa de toda a nossa salvação e em todas as suas partes; participa
de todas as doutrinas do evangelho.
JOHN GILL, BODY OF DIVINITY

Para o DeLorean!
Destino: Os dias em que Jesus andou sobre a terra. Uma mulher (fictícia) chamada Zípora, que viveu no primeiro século, nos
apresentará a Trindade bíblica.

Ponto principal: A Trindade é revelada no evangelho, mas não devemos confundir ou colapsar Deus em si mesmo, separado do
mundo (Trindade imanente), com suas ações em direção à criação e à salvação (Trindade econômica) ou manipularemos a
Trindade.

Vá ao Jordão
Não parecia certo. Ao menos àqueles de nós que estávamos lá, observando fixamente
incrédulos. Jesus estava sendo batizado por João? Olhei em volta, e aqueles que vieram comigo
ao rio Jordão naquele dia pareciam igualmente perplexos, com suas testas enrugadas e as
sobrancelhas elevadas, salientando sua descrença.
Três dias antes, eu fora batizada por João naquelas mesmas águas depois de ouvir a
leitura do livro do profeta Isaías na sinagoga. Era aquela seção do pergaminho que dizia:
Voz do que clama no deserto:
“Preparai o caminho do Senhor;
Endireitai no ermo vereda a nosso Deus”.[135]

Quando ouvi, soube que ela tratava acerca de João. Ele tem pregado o arrependimento ao
meu povo e nos prometido que chegará o dia em que o Prometido, o Salvador ungido de Israel, o
próprio Senhor, chegará para redimir a nação.
Desde o meu batismo, tenho compartilhado a mensagem de João com o máximo de
pessoas possível. Toda semana, minha família, amigos e vizinhos vão até o Jordão para
testemunhar mais batismos. Mas o que continuo esperando ver é a vinda do redentor de Israel.
Depois de muita expectativa, esse dia chegou. João batizava novamente no Jordão, quando um
homem chamado Jesus, da Galileia, foi visto caminhando em sua direção. João parou o que fazia
e, após um período de silêncio constrangedor — ninguém sabe por que João ficou parado tanto
tempo —, ele apontou para Jesus e exclamou: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do
mundo! É este a favor de quem eu disse: ‘após mim vem um varão que tem a primazia, porque já
existia antes de mim’... ele é o Filho de Deus”.[136] João já havia nos dito que quando o Prometido
viesse, o batismo que ele, o Messias, traria seria muito maior do que o seu. Pois o Ungido
batizará com o Espírito Santo e com fogo. Como redentor de Israel, ele entregará o julgamento
contra os ímpios e a salvação aos arrependidos. Agora, finalmente, o dia da salvação estava
próximo.
Estava mesmo?
Com todos os olhos fixos em Jesus, algo inesperado aconteceu. Ele entrou na água e
pediu a João que o batizasse. “O que ele está fazendo, Zípora?”, minha irmã, Naomi, perguntou.
“Por que ele está pedindo a João para batizá-lo? Não deveria ser o contrário?” Eu não tinha uma
resposta.
Até João parecia confuso. Nós o ouvimos dizer: “Eu é que preciso ser batizado por ti, e tu
vens a mim?”[137]
Como eu disse, não parecia certo; tudo estava ao contrário ou de cabeça para baixo ou
invertido ou algo assim. Mas Jesus persistiu. “Deixa por enquanto, porque, assim, nos convém
cumprir toda a justiça.”[138] Quem era João para dizer não? Então ele batizou Jesus. Quando este
saiu da água, os céus se abriram como se o próprio Jeová estivesse prestes a descer. Foi então
que João viu o Espírito de Deus descer como uma pomba e pousar sobre Jesus. Ele também
ouviu uma voz do céu — era a voz do próprio Pai, dizendo: “Este é o meu Filho amado, em
quem me comprazo”.[139]
Ver isso se desenrolar diante dos meus próprios olhos desenraizou todas as minhas
suposições. Jesus foi batizado, mas diferentemente de mim, não foi pelo fato de ser um pecador.
Em vez disso, como o próprio Senhor, ele foi batizado em meu lugar e no lugar de meu povo. É
como se ele estivesse revivendo — sim, até mesmo recapitulando — minha história familiar.
Tendo entrado nas águas, ele agora, como Israel, iria para o deserto para ser tentado e então,
como Moisés, subiria ao monte de Deus para nos ensinar como viver no reino de Deus? Teria ele
sucesso onde nós, filhos de Adão e filhas de Eva, todos filhos de Abraão, falhamos? E se assim
for, o que significaria sua obediência à lei para a justiça de Israel?... para minha justiça? O tempo
diria.
Mas naquele dia Jesus desconstruiu outra suposição minha. Por ser israelita, conheço a
lei; no centro está o mantra do meu povo, o Shemá: “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o
único Senhor”.[140] Ao contrário de todas as nações que nos rodeiam, que acreditam em muitos
deuses, nós acreditamos num só Deus. Então, como pode João estar certo ao dizer que quando os
céus se abriram, a própria voz divina pronunciou sua bênção sobre aquele que é, nas palavras de
Isaías, o Senhor? Existem dois senhores agora? Não apenas dois, mas três, pois João disse que
uma pomba desceu sobre Jesus. Alguns dizem que esta é o Espírito. João jurou que devia ser.
Sobrecarregada, saí daquele dia com mais perguntas do que respostas.
Ouvi o Pai, andei com seu Filho e agora tenho o Espírito em mim
Nos meses e anos seguintes, continuei a seguir este Jesus, mantendo-me nas sombras,
escondendo-me no meio de grandes multidões, mas ainda assim tornando-me uma espécie de
discípulo. Não fui a única; um grupo nosso, de mulheres, manteve-se junto dessa forma, algumas
de nós acreditando mais do que outras que esse Jesus era aquele de quem as Escrituras falavam.
Mas eu ainda tinha minhas dúvidas. Por um lado, ouvi-o reafirmar a crença de nosso
povo de que Deus era um só. Por outro lado, não só ouvi Jesus orar ao seu Pai, mas também o
ouvi afirmar vir do Pai e, por essa razão, ser igual a Deus. Afirmações como essas quase o
mataram. Seus oponentes o entenderam mal, como se ele afirmasse ser uma segunda divindade.
Mas pensei um pouco e, no final, acho que entendi o que ele quis dizer: distinto de seu Pai,
também é um com ele. Ele não estava contradizendo o Shemá, mas expandindo nossa
compreensão deste à luz de sua própria identidade com Deus.
Um dia, por exemplo, encontrei Jesus depois de terminar minhas compras no mercado.
Não é nenhuma surpresa que seus oponentes (mais parecidos com os céticos) estivessem atrás
dele novamente, embora Jesus permanecesse paciente e astuto. Justamente quando pensavam que
o tinham envolvido em um de seus enigmas teológicos, ele levantou uma questão teológica
astuta:
Como podem dizer que o Cristo é filho de Davi? Visto como o próprio Davi afirma no livro dos Salmos:
“Disse o Senhor ao meu Senhor:
‘Assenta-te à minha direita,
até que eu ponha teus inimigos por estrado dos teus pés’”.[141]
Todos na multidão sabiam que ele citava o Salmo 110, um salmo recitado frequentemente
na sinagoga. Mas a forma como ele levantou a questão a respeito deste salmo trouxe uma nova
luz. Não sei por que nunca tinha visto estes dois Senhores no texto antes. Devo ter recitado as
palavras de Davi milhares de vezes, mas nunca prestei atenção à pluralidade que ele assume estar
presente no único Deus que adoramos. Mas Jesus o fez. Não só isso, mas ele deu a impressão de
que ele é um desses Senhores — o Senhor de Davi, para ser exato. Aparentemente, Davi ouviu
uma conversa divina entre o Pai e seu Filho na eternidade acerca da vitória que o Pai prometeu
que realizaria, uma vitória que Jesus veio agora inaugurar na história. É como se o Espírito
falasse por meio de Davi quando este deu voz à própria pessoa do Pai dirigindo-se ao seu Filho
unigênito antes de todos os tempos. Afinal, se bem me lembro do Salmo 110, o Pai prossegue
dizendo ao seu Filho: “eu te gerei antes da aurora”.[142]
Não muito tempo depois, meu paradigma foi destruído de uma vez por todas, quando
Jesus não libertou meu povo dos romanos como eu pensava que faria, como pensei que ele
deveria fazer. Em vez disso, ele se entregou aos seus inimigos e foi crucificado. Fiquei ao pé
daquela cruz, olhando para ele, seu rosto salpicado de sangue, sua cabeça balançando para cima e
para baixo até que ele deu seu último suspiro. Lágrimas escorreram pelo meu rosto e, embora eu
não conseguisse fazê-lo, tive vontade de erguer o punho para ele e gritar. Ele me enganou; eu
acreditei nele. Eu acreditei nele. João estava errado. Jesus não era rei; ele não era o Prometido
que se sentaria no trono de Davi para sempre.[143]
Mas, à medida que meu luto se misturava com a frustração, lembrei-me mais uma vez
daquele dia em que vi Jesus pela primeira vez na margem do rio. “Eis o Cordeiro de Deus que
tira o pecado do mundo!”, João gritou de excitação. Parei de chorar, olhei para Jesus, sua pele
agora pálida e fria, e minha raiva chorosa diminuiu. E se eu estivesse errada? João disse que
Jesus era o cordeiro, o cordeiro pascal. Então me ocorreu: ao dar a própria vida, uma vida
destinada a fazer um sacrifício, ele resgatou Israel. O próprio Isaías o dissera.[144] E Jesus sabia
disso o tempo todo. Isso explica o motivo dele continuar prevendo que morreria, de não resistir à
prisão e de ter gritado na cruz: “Está consumado!”.[145]
Minha esperança, hesitante mas renovada, foi confirmada três dias depois, quando o
túmulo de Jesus foi encontrado vazio. Um grupo de mulheres próximas a ele disse que até
mesmo o viu. Então me lembrei, Jesus também havia predito isso; simplesmente não percebemos
na época. Ninguém percebeu. João estava certo o tempo todo: Jesus é o Filho de Deus. Semanas
depois, vi Jesus com meus próprios olhos. Não há palavras para descrever o que vi — um
homem morto, que vi morrer, estava agora vivo? Eu não queria perder Jesus de vista, com medo
de perdê-lo novamente, com medo de que ele fosse levado embora. Mas ele tinha a intenção de ir
embora. Ele nos disse isso, explicando que era hora de retornar ao Pai. Mais uma vez, me senti
confusa, mas desta vez minha confusão foi acompanhada por preocupação: Jesus, por favor, não
vá. Ainda não, pelo menos. Você acabou de voltar. Nós precisamos de você... Eu preciso de
você. Mas ele disse, como se conhecesse os pensamentos preocupantes que viviam em nossos
corações, que não tinha intenção de nos deixar sozinhos, como órfãos, vagando por este mundo
sem rumo e sem lar. Espere em Jerusalém, disse ele, e o Ajudador, o Consolador, o Espírito
Santo virá e estará com você, até mesmo o guiará.[146] Ele havia prometido esse Consolador antes
de sua morte, mas, agora que ressuscitara, nos lembrou mais uma vez, e suas palavras assumiram
um novo significado. Então, ele nos deixou, ascendendo ao céu. Nunca me senti tão sozinha, tão
desesperada para que esse Consolador descesse, do que naquele momento.
Então, esperamos. E tal como ele dissera, o Consolador chegou, embora não da forma
que eu esperava. Eu estava em outra sala dos discípulos quando ouvi um som estranho, o som do
vento batendo nas paredes com fúria. Corri para ver, e havia fogo no topo das cabeças dos
discípulos, só que pareciam línguas flamejantes, por mais estranho que pareça. Quando o vento
parou de soprar na casa e as chamas sumiram, os discípulos saíram da sala, sendo recebidos por
uma multidão. “O que isto significa?”, alguém perguntou, expressando a mesma dúvida que
todos pensávamos. Vendo a confusão no rosto de todos, Pedro levantou-se e contou-nos sobre o
profeta Joel que predisse que este dia chegaria, bem como muitas outras Escrituras que
apontavam para Jesus, como se tudo o que havíamos testemunhado estivesse de acordo com o
plano de Deus.[147]
Naquele dia, Pedro pregou um sermão como nunca ouvi antes. O próprio Pedro parecia
um novo homem — explicando-nos que este plano de salvação não é outro senão o plano do
único Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo. Assim como Jesus, Pedro voltou às Escrituras,
especialmente aos Salmos, para reiterar Davi: “Disse o Senhor ao meu Senhor: ‘Assenta-te à
minha direita, até que eu ponha os teus inimigos por estrado dos teus pés’”.[148]
Quando ouvimos essas boas novas, muitos de nós — acho que todos nós — ficamos com
o coração partido e perguntamos o que deveríamos fazer a seguir. “Arrependei-vos”, disse Pedro,
“e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e
recebereis o dom do Espírito Santo”.[149] Naquele dia, três mil pessoas foram batizadas — três
mil!
E eu fui uma delas. Eu tinha seguido João, até fui batizada por ele, mas agora era uma
seguidora do próprio Jesus. Não posso deixar de pensar que era isso que João pretendia o tempo
todo. Quando Pedro me colocou na água e me trouxe de volta, lembrei-me do que Jesus dissera
pouco antes de ascender ao Pai e enviar o Espírito Santo: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas
as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar
todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação
do século”.[150]
Nunca esquecerei este dia. O Espírito Santo deu-me fé no Filho crucificado e
ressuscitado, o Senhor Jesus, meu Mediador diante do Pai, aquele que me amou antes da
fundação do mundo. Lavado no sangue do Cordeiro, sou sua filha desde então e, embora não
possa mais ver Jesus, ele continua comigo por meio de seu Espírito de santidade, tal como
prometeu. Alguns dias são mais difíceis que outros, mas, nos dias difíceis, o Consolador me
garante que não estou sozinha, que estou sendo cada vez mais conformada à imagem de Jesus, a
imagem verdadeira do Deus invisível. ■

Pare de discutir a Trindade da mesma maneira que os racionalistas e pietistas: o


Evangelho é Trinitário
Por que se colocar no lugar de uma mulher do primeiro século, Zípora? Fazê-lo nos ajuda
a ver quão enraizada a Trindade está em nossa história cristã. Desde o batismo de Jesus (Mt
3.14-17; Jo 1.29-34), até suas últimas palavras (Jo 19.30), até sua Grande Comissão (Mt 28.19-
20), até a entrega do Espírito no Pentecostes (Jo 16.7; At 2.1-4), a história da salvação é
completamente trinitária. A Trindade é revelada na redenção dos ímpios; Pai, Filho e Espírito são
revelados na salvação da humanidade.[151]
Para o cristão do primeiro século, tornar-se cristão era abraçar a salvação doada e
realizada por ninguém menos que o Deus triúno: Pai, Filho e Espírito Santo. Para obter acesso ao
trono da graça, era preciso ir ao Pai crendo em seu Filho unigênito, e isso só acontecia se o
Espírito Santo abrisse os olhos cegos para a vida salvífica e ressurreta do Filho. Para esses
primeiros cristãos, acreditar no evangelho era crer que o único Deus de Israel era triúno.
Qualquer outra coisa simplesmente não era cristianismo. Um evangelho que não fosse trinitário
não era evangelho de maneira alguma.[152]
Minha ênfase neste ponto não é exagerada. Enquanto carregarmos o rótulo de
evangélicos, também creremos num evangelho totalmente trinitário. No entanto, os evangélicos
hoje esquecem-se disto, por estarmos atormentados por uma espécie de Alzheimer trinitário.
Pode haver razões para tal. Às vezes tratamos a Trindade como racionalistas, como se ela fosse
um enigma cognitivo a ser resolvido, um Cubo Mágico divino, encaixando textos bíblicos
aleatórios até chegarmos à fórmula matemática mágica. Depois de formularmos proposições
simplistas acerca da divindade de cada pessoa, somamos todas e — voilá! — Trindade. Outras
vezes, tratamo-la como pietistas, descartando-a no início da nossa peregrinação, tratando-a como
pura especulação que nada tem a ver com o Evangelho ou com a vida cristã, seja oração,
adoração ou mesmo a pregação das boas novas.
Qualquer das estradas é destrutiva. Qualquer dos caminhos chega a um fim: uma
Trindade afirmada no papel, mas que permanece para sempre como uma nota de rodapé dos
verdadeiros assuntos da fé cristã. Cada caminho produz um evangelicalismo que é “frio em
relação à doutrina da Trindade, confuso quanto ao seu significado ou evasivo quanto à sua
importância”.[153] Em minha experiência, muitos professores e pastores tendem a ser como os
primeiros (frios, confusos), enquanto o frequentador médio dos bancos da igreja tende a ser tal
qual os últimos (evasivo).
Mas, como vimos com o exemplo de Zípora, a Trindade define o Evangelho porque ele é
completamente acerca da Trindade. O Pai enviou seu Filho unigênito para realizar nossa
redenção, e o Pai e o Filho enviaram o Espírito para aplicar essa redenção em nosso interior. Há
uma descendência trinitária para o bem da nossa salvação.
Mesmo nossa recepção subjetiva deste evangelho objetivo e sua aplicação contínua a nós
na vida da Igreja é trinitária. Regenerados para uma nova vida pelo Espírito, somos chamados ao
Filho, recebemos fé em Cristo, nosso Salvador, e, com base na sua vida, morte e ressurreição,
temos acesso ao trono da graça do Pai. “Porque, por ele [Cristo], ambos temos acesso ao Pai em
um só Espírito” (Ef 2.18). Nossa comunhão, unida ao seu Filho pelo poder do Espírito, não
começa com apenas uma ou duas, mas com todas as três pessoas da Divindade. “No qual [Cristo]
também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito” (Ef 2.22; cf.
3.14-17). Os componentes mais práticos da vida cristã são afetados como resultado. Oramos, por
exemplo, ao Pai por meio do Filho pelo Espírito. Quando nos reunimos para adorar, nossas
liturgias (deveriam!) levar-nos na mesma direção, a nos arrependermos e crermos, capacitados
pelo Espírito, no Filho unigênito enviado pelo Pai a nós e para nossa salvação. Como Paulo diz:
“[Nós] adoramos a Deus no Espírito, e nos gloriamos em Cristo Jesus” (Fp 3.3). “Iluminados
pelo Espírito”, diz Basílio de Cesareia, olhamos “para o Filho, e nele, como a Imagem,
contemplamos o Pai”.[154] Se o Evangelho revela uma descendência trinitária, nossa recepção
desse evangelho envolve uma ascensão à vida triúna de Deus.
Além disso, a natureza trinitária do Evangelho significa também que ele nos diz algo
acerca de quem é este Deus triúno em si, à parte da criação e da salvação. Quanto mais nos
aprofundamos no mistério do Evangelho de Jesus Cristo, mais descobrimos que a missão do
Filho na história da salvação — o fato de ele ter sido enviado pelo Pai — reflete a sua origem
eterna do Pai na eternidade. Esse padrão aplica-se a toda a Trindade: o Pai enviando o Filho, o
Pai e o Filho dando o Espírito — estas missões não são arbitrárias, mas revelam algo intrínseco
acerca da triunidade de Deus. O Pai envia seu Filho ao mundo porque o Filho é eternamente
gerado por ele à parte do mundo. Da mesma forma, o Pai e o Filho doam o Espírito, que desce
ao mundo porque o Pai e o Filho sopram ou espiram eternamente o Espírito à parte do mundo. O
ponto é que as missões temporais revelam as relações eternas.[155]
No entanto, uma barreira permanece para muitos cristãos. Animado por saber que o
Evangelho é completamente trinitário, muito feliz por descobrir que as missões na história da
salvação nos dizem algo eterno a respeito de quem é este Deus triúno em si, o cristão corre até as
Escrituras esperando ver a Trindade surgir em cada página. Este recém-descoberto zelo trinitário
começa a diminuir à medida que ele ou ela lê centenas de páginas, começando por Gênesis, e
desaponta-se por não ver toda a Trindade aparecendo de forma explícita. Devido ao cansaço e a
frustração, dúvidas surgem: É esta Trindade apenas uma invenção do Novo Testamento?
Disseram-me que a Trindade é o cerne do Evangelho em que creio, então por que ela não
aparece até as últimas duzentas páginas da minha Bíblia?

O que a decoração de interiores tem a ver com isso?


Você já percebeu que os momentos decisivos da história por vezes são encontrados em
seu pano de fundo? A Reforma é um exemplo disso. Adoramos recontar a história daquele
obscuro monge alemão, Martinho Lutero, e de suas noventa e cinco teses pregadas na porta da
igreja do castelo em Wittenberg, ou daquele impetuoso William Farel, que ameaçou um jovem e
impressionável João Calvino para que permanecesse como pastor em Genebra, de forma que
Deus não amaldiçoasse suas aspirações de ficar na torre de marfim. Mas tenha em mente que às
vezes as marcas mais seguras de uma reforma são mudanças sutis e silenciosas na mobília. Sim,
no mobiliário. Se você vivesse no século XVI, um dos primeiros objetos com que se depararia ao
entrar em uma das catedrais de Roma seria o altar, na frente e no centro. Pois era no altar que se
dizia ocorrer o milagre da transubstanciação: o pão e o vinho sendo transformados no corpo e no
sangue de Jesus. Mas se você entrasse em uma igreja comprometida com a Reforma, o púlpito o
confrontaria também, um púlpito por vezes sustentando por um pilar para que todo o povo de
Deus pudesse ouvir toda a Palavra de Deus. Esta transição simples (mas controversa) na
arquitetura apresentava onde residia a autoridade final: na Palavra de Deus. Pois foi nas
Escrituras que o próprio Evangelho pôde ser encontrado, e é por isso que Lutero disse que as
Escrituras, o Antigo Testamento, em particular, são os panos em que Cristo nasceu.
Você sabia que a decoração de interiores também é importante para a nossa doutrina da
Trindade? B. B. Warfield compara a revelação da Trindade às luminárias em uma sala.[156] No
início, a sala está mal iluminada e você não consegue ver muito bem os objetos nela, se é que
consegue ver alguma coisa. Mas à medida que as luzes aumentam, você pode distinguir peças de
mobília, e quanto mais claro o ambiente fica, mais você descobre o quão mobiliado ele já era. Os
móveis não apareceram de repente quando as luzes ficaram fortes. Não, os móveis estavam lá o
tempo todo. Então, o que mudou? Nossa visão mudou. Embora a penumbra da sala nos
impedisse de ver os móveis, um pouco de iluminação resultou no que parecia ser um mobiliário
“novo”. Na verdade, os sofás de veludo, as estantes de carvalho, as obras de van Gogh
adornando as paredes estavam lá o tempo todo.[157]
A decoração de interiores nos ensina três pontos acerca de como a Trindade nos é
revelada na história.
1. Entre dois mundos. Embora existam muitas alusões à pluralidade dentro do único Deus
em todo o Antigo Testamento, a plenitude da Trindade é revelada num ponto único da história:
no tempo entre os Testamentos. Se a Trindade começa a vir à plena luz com a encarnação do
Filho, Cristo Jesus, então a plena revelação de Deus da sua identidade triúna ocorre depois da
escrita do Antigo Testamento, mas antes da escrita do Novo Testamento. Com a encarnação do
Filho e a descida do Espírito, a Trindade é revelada na salvação do povo de Deus, o que dá aos
autores do Novo Testamento muito a dizer e confessar a respeito do Pai, do Filho e do Espírito
Santo em suas epístolas.[158]
Como cristãos do século XXI, precisamos deste lembrete. Deste lado da cruz, com o
cânon completo em mãos — cânon que se refere a todos aqueles livros que chamamos de
Escrituras inspiradas, também conhecidas como Bíblia —, viramos as páginas da nossa Bíblia e
passamos do Antigo para o Novo Testamento em segundos. Mas não se esqueça, centenas de
anos se passam com uma virada de página. O que mantém unidos estes dois testamentos não é
outro senão o próprio Cristo. Ele é o grampo cristológico.[159] Sua vinda não significa apenas o
cumprimento de todas as promessas da aliança que Deus fez no Antigo Testamento, mas a plena
revelação do próprio Deus como Pai, Filho e Espírito Santo. Por meio da redenção vem a
revelação, e por meio da revelação vem a redenção.[160] A Trindade não é um mero meio para a
salvação; a Trindade é a salvação para o povo de Deus.

A Bíblia é trinitária?
“Todo o livro [Bíblia] é trinitário em sua essência; todo o seu ensino se ergue na suposição da Trindade; e as suas alusões à
Trindade são frequentes, despreocupadas, fáceis e confiantes.” — B. B. Warfield, A doutrina bíblica da Trindade

2. Aperfeiçoada, estendida e ampliada. Em vez de pensar, como o fazem muitos dentre


os céticos, que a Trindade é uma invenção, uma correção do Antigo Testamento pelo Novo
Testamento, deveríamos, em seu lugar, pensar na Trindade como surgindo plena, iluminada e
radiante, um brilho da revelação triúna diante de nossos olhos. “O mistério da Trindade não é
revelado no Antigo Testamento”, diz Warfield, “mas o mistério da Trindade está subentendido
na revelação do Antigo Testamento, e aqui e acolá é quase possível vê-lo”. Lembra de Zípora?
Ela olhou para o Cristo crucificado e lembrou-se das palavras de João: “Eis o Cordeiro de Deus”.
Foi então que as luzes se acenderam: todo o sistema sacrificial, assim como profetas tais quais
Isaías, apontavam para este dia sombrio de redenção. Por essa razão, a “
revelação de Deus no Antigo Testamento não é corrigida, pela revelação mais plena que se lhe
segue, mas é, simplesmente, aperfeiçoada, prolongada e ampliada”.[161]

O Antigo Testamento aponta para a Trindade?


Observe alguns traços da Trindade no Antigo Testamento:

Distinção entre nomes: Elohim e Yahweh


Forma plural Elohim
O Anjo do Senhor
A sabedoria personificada em Jó 28.12-27 e Provérbios 8
A Palavra de Deus também personificada; atribuída de atribuídos divinos
O Espírito de Deus
Deus fala de si mesmo no plural
Várias pessoas divinas são nomeadas
Três pessoas são nomeadas

Estes e muitos mais podem ser encontrados em Reformed Dogmatics [Dogmática reformada], de Geerhardus Vos.

Gosto desta palavra — prolongada. A triunidade de Deus estava enraizada no solo do


Antigo Testamento e, no devido tempo, brotou e floresceu à luz do Filho. Não é isso que
Hebreus diz? “Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos
profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho” (1.1-2). Se pensarmos nas categorias de
Hebreus, então a Trindade não é uma invenção do Novo Testamento, mas é revelada plenamente
quando as antigas promessas de Deus são cumpridas na vinda de seu próprio Filho.[162]
3. Trazida a você como uma cortesia das Escrituras. Embora a Trindade se manifeste,
pelo menos na íntegra, entre os testamentos, as Escrituras são a revelação escrita e definitiva de
Deus sobre a sua identidade triúna para o seu povo. No Novo Testamento, o Deus triúno do
Antigo Testamento entra nas luzes brilhantes do palco deste mundo para revelar a sua identidade
triúna prefigurada anteriormente. Mas, tendo-o feito, ele deixa um testemunho permanente dessa
identidade triúna, dando-nos as Escrituras, que, devo lembrá-lo, são inspiradas pelo próprio Deus
triúno. O Pai revelou sua Palavra pelo seu Espírito.
Este último ponto não deve ser subestimado. Sim, é no Evangelho que nosso Deus revela
sua identidade triúna mais detalhadamente. Na encarnação encontramos não apenas o Filho, mas
o Pai e o Espírito. Mas como este evangelho triúno chega até nós agora que Cristo ascendeu à
direita do Pai? Resposta: por meio das Escrituras. A Bíblia é o Evangelho triúno inscrito. A
Palavra escrita de Deus (ela própria uma forma de revelação especial) é o meio designado por ele
por meio do qual recebemos o conhecimento mais completo e definitivo da Trindade. Quão
engenhoso da parte de Deus: estas Escrituras são inspiradas pelo próprio Deus triúno com o
propósito de revelar seu Autor triúno para nós e para nossa salvação.[163]
Com toda esta ênfase no evangelho e em como esse evangelho revela a Trindade, surge
outra pergunta, e devemos esclarecê-la:
P: A Trindade é-nos revelada na economia da salvação — especialmente no Evangelho
— mas deveríamos confundir quem Deus é na eternidade com seus atos na história da salvação?
R: Não.

Perigo à frente: conflação


Em toda a nossa excitação com o dom da revelação, um dom que nos dá conhecimento a
respeito de nosso Deus triúno, podemos ficar arrogantes e assumir que tudo o que existe na
Trindade é o que vemos acontecer na encarnação (o Evangelho). Como se quem a Trindade é em
si mesmo fosse irrelevante, algo apenas para ser comprimido em tudo o que o Deus triúno faz na
criação e na salvação, ou no que quer que o homem Cristo Jesus faça durante seu ministério
terreno. Esqueça a ontologia; funcionalidade é o ponto chave, dizem muitos teólogos.
Se levados ao extremo, poderíamos também assumir que as ações do Deus triúno na
história da salvação não só revelam, mas constituem as pessoas da Trindade na eternidade (veja o
capítulo 3). Qualquer um dos perigos pode ser resumido em uma palavra: conflação. Quem é o
Deus triúno em si está relacionado com o que acontece na história. O Deus eterno é, para ser
franco, historicizado. Tudo, também, em nome do Evangelho.
Antes de começarmos a apontar o dedo para os outros, perceba que esse perigo não está
lá fora em algum lugar; é um perigo que existe dentro do nosso próprio arraial. Falo por
experiência própria quando digo que nós, evangélicos que cremos na Bíblia, centrados no
Evangelho e saturados de Cristo, somos propensos a esse perigo que chamamos de conflação.
Percebo o quão confuso isso parece; afinal, não enfatizei apenas o Evangelho e como ele revela a
Trindade? Mas observe, há uma grande diferença entre dizer (1) que o Evangelho revela a
Trindade e (2) que o Evangelho constitui, e até mesmo cria, a Trindade. Pode parecer estranho
dizer isso, mas, como evangélicos, podemos facilmente passar do primeiro para o segundo,
enquanto mascaramos nosso desvio em categorias evangélicas.
Apesar de todo o nosso foco saudável naquilo que Deus fez para nos salvar, podemos
falar, falar e falar a respeito de nossa salvação e esquecer de falar acerca do objeto final de
adoração do Evangelho: o próprio Deus triúno. O Evangelho deve nos levar além de nós mesmos
para conhecer a Deus e quem ele é em si. Apesar de todo o nosso foco no que Deus faz por nós,
às vezes esquecemos quem ele é à parte de nós e o motivo de não existir Evangelho sem ele.

Como evitamos a conflação?


Resistir a este perigo, da conflação, exige precisão teológica da nossa parte, e sempre que
esta é necessária, também o são palavras e frases que podem ajudar no esclarecimento.
Para começar, façamos uma distinção entre a Trindade imanente e a Trindade econômica.
A Trindade imanente refere-se a quem é nosso Deus triúno na eternidade, independente da
ordem criada. Às vezes, ela é chamada de Trindade ontológica. Lembre-se, ontologia refere-se
ao estudo do ser, neste caso o ser de Deus, isto é, sua essência ou natureza. Referir-se à Trindade
imanente, então, é referir-se a quem o Deus triúno é internamente, de acordo com ele mesmo e
em si mesmo, à parte da criação. A Trindade econômica, contudo, refere-se à forma como este
Deus triúno age em relação à ordem criada. Econômico descreve as operações externas do Deus
triúno na criação, providência e redenção. Talvez um pouco de latim ajude: quando nos
referimos à Trindade na eternidade (Trindade imanente), separada da ordem criada, podemos nos
referir à opera ad intra, às operações internas da Trindade. Mas quando nos referimos à forma
como a Trindade atua em relação à sua criação (Trindade econômica), podemos referir-nos à
opera ad extra, às operações externas da Trindade.
Mas a questão de um milhão de dólares é esta: qual é a relação entre o imanente e o
econômico? Como aprendemos no capítulo 3, Karl Rahner disse: “A Trindade ‘econômica’ é a
Trindade ‘imanente’ e vice-versa”. Rahner disse que este é o “axioma fundamental” da teologia
trinitária.[164] Em outro lugar, ele elabora: “Ambos os mistérios, o da nossa graça e o de Deus em
si mesmo, são o mesmo mistério insondável”.[165]
O que devemos fazer com a Regra de Rahner? Se ele quer dizer apenas que não temos
duas Trindades, mas uma, que as obras econômicas do Deus triúno, as suas operações externas
em relação ao mundo, revelam algo verdadeiro acerca de quem ele é em si e por si mesmo
(Trindade imanente), então sua regra está bastante correta. Deveríamos evitar o perigo de
bifurcar o imanente e o econômico. Não existe, por exemplo, uma Trindade diferente, uma
segunda Trindade por trás da cortina da Palavra de Deus que seja dúbia, contrária à Trindade que
nos é revelada nas Escrituras. A Trindade não tem duas caras ou é esquizofrênica.
Além disso, no que diz respeito ao nosso conhecimento da Trindade, a única maneira de
sabermos algo verdadeiro a respeito de quem Deus é em si mesmo como Pai, Filho e Espírito
Santo é por meio de seus atos revelatórios (por exemplo, Encarnação e Pentecostes) e Palavra
(Cristo e as Escrituras). Não deveríamos tornar-nos agnósticos trinitários, como se a distinção
entre o imanente e o econômico não resultasse em nenhum conhecimento verdadeiro de Deus.
Nem desejamos criar uma dicotomia trinitária, como se quem é o Deus triúno em relação à sua
criação não dissesse nada de verdadeiro nem se assemelhasse, por analogia, a quem esse Deus
triúno é na eternidade. Se essas variações fossem verdadeiras, então este livro seria realmente
muito curto; eu não teria muito a dizer.
No entanto, há razões para suspeitar da Regra de Rahner.

Depende de qual é o significado da palavra “é”


Toda presidência dos EUA está repleta de controvérsia, mas já reparou que por vezes
estes escândalos notórios são lembrados por uma única frase, às vezes por uma única palavra? O
escândalo Watergate, por exemplo, expôs o plano de Richard Nixon para invadir a sede do
Comitê Nacional Democrata. Numa tentativa de parecer inocente, Nixon falou em rede nacional
e insistiu: “Não sou um bandido”. Ou consideremos o julgamento do grande júri de Bill Clinton
sobre as suas relações sexuais com Monica Lewinsky. Quando questionado a respeito da
declaração do seu advogado — “não existiu absolutamente nenhum tipo, maneira, aspecto ou
forma de sexo em relação ao presidente Clinton” —, ele respondeu: “Depende de qual é o
significado da palavra ‘existe’ [é]”.
Não há nada de politicamente escandaloso no Regra de Rahner. Mas, ao contrário da
declaração, agora cômica, de Clinton, a Regra de Rahner depende de qual é o significado da
palavra “é”. Se a regra for entendida como significando — como a palavra “é” parece transmitir
— que o econômico deve ser equiparado ao imanente, bem, então, temos um problema.
Observe, a regra diz “vice-versa”, o que significa que não só o econômico é o imanente, mas o
imanente é o econômico. Quem o Deus triúno é em si mesmo nada mais é do que quem ele é na
história. Há muitas razões pelas quais isso é dúbio.[166]
Em primeiro lugar, distorce o propósito da revelação ao confundir quem nosso Deus
triúno é, independente da criação, com o que ele faz na criação. No final, resta muito pouco ou
nada. O que Deus diz às suas criaturas acerca de sua identidade triúna por meio de suas obras e
palavras poderosas revela algo verdadeiro a respeito dele na eternidade (veja o capítulo 7). Mas
não devemos presumir que quem Deus é em seus atos de revelação em relação à ordem criada
esgota quem ele é fora da ordem criada. Em outras palavras, as obras econômicas e externas da
Trindade podem revelar algo verdadeiro acerca da Trindade (embora devamos ter cuidado com o
que exatamente esse algo é), mas não ousemos pensar que quem esse Deus triúno é em si e por si
mesmo pode ser reduzido às suas ações externas na história, ações que podem ser até
temporárias. Se o fizermos, poderemos impor limitações ou características humanas ao próprio
Deus.
Tomemos, por exemplo, um pensador moderno como Moltmann (cap. 3). Moltmann olha
para a cruz e assume que se o Filho sofre em sua humanidade, não só ele deve sofrer em sua
divindade, mas toda a Trindade sofre também. Deus foi crucificado; Deus morreu. Moltmann
transformou o imanente em econômico, permitindo que a humanidade de Cristo durante a
encarnação definisse e determinasse a divindade de toda a Trindade na eternidade. Ou
consideremos os proponentes da SFE que olham para a submissão do Filho ao Pai durante a
encarnação, que é para o propósito da salvação, e então assumem que o Filho deve estar
subordinado à autoridade do Pai também na eternidade, mesmo dentro da Trindade imanente
(veja o capítulo 8). A inferioridade do Filho define quem é o Filho à parte do mundo (ad intra);
faz do Filho um Filho. Tal como Moltmann, a SFE tomou uma qualidade humana da encarnação
— neste caso a submissão — e projetou-a de volta na pessoa divina do Filho, separada da
criação, de forma que a hierarquia define a vida interior da Trindade na eternidade. Estes são
exemplos de confinamento da eternidade na história, de modo que as características e limitações
da humanidade são projetadas na Divindade. O que ocorre na experiência humana de Cristo é
projetado na divindade de toda a Trindade. Em sua raiz, isto é uma falha em distinguir entre
Cristo na forma de servo e Cristo na forma de Deus. A cristologia engoliu a Trindade. Nosso
Deus triúno foi domesticado, criado à nossa imagem.

Trindade imanente e econômica


Imanente Econômica
Opera ad intra Opera ad extra
Operações internas Operações ou missões externas
Deus triúno em si mesmo Deus triúno em relação à ordem criada
A vida eterna do Deus triúno Os atos do Deus triúno na história: criação,
providência e redenção
Não pode ser esgotado pela economia Revela algo verdadeiro acerca do imanente, mas não o
esgota
As profundezas ocultas de Deus; conhecido em sua plenitude Revelado às criaturas pelos atos poderosos e palavras
somente pela Trindade do Deus triúno

Este primeiro problema revela uma ironia: Rahner tentou libertar a Trindade, que ele
acreditava que a escolástica (pense na Grande Tradição) tinha trancado na eternidade. Mas a
Regra de Rahner também prende Deus; a diferença é que a cela da Trindade não é a eternidade,
mas a história. Deus em si mesmo não é mais do que suas interações terrenas com as criaturas.
Em segundo lugar, fundir Deus na eternidade com as suas ações na história corre o risco
de diminuí-lo ao tamanho da criação. Reduz a identidade infinita e triúna de Deus em si mesmo
na eternidade aos efeitos de suas ações para com suas criaturas. Uma coisa é dizer (como
fizemos) que o econômico revela o imanente até certo ponto e de uma forma específica — o
envio do Filho reflete sua geração eterna, por exemplo. Mas é uma coisa completamente
diferente dizer que o econômico constitui o imanente, ou que tudo e qualquer coisa no
econômico (sofrimento, submissão) deve ser projetado de volta para o imanente, como se o que
distinguisse o Pai do Filho e do Espírito fossem suas ações no mundo.[167] Gilles Emery adverte:
“A história da salvação manifesta a Trindade, mas não é a economia da salvação que dá ao Pai,
ao Filho e ao Espírito Santo a sua personalidade distinta... [A] economia não constitui a
Trindade”.[168] Embora os atos de Deus na história possam revelar algo de sua identidade triúna,
ele de forma alguma depende da história para essa identidade, nem tudo o que ocorre na história
deve ser projetado na identidade imanente e eterna da Trindade.

Deus não precisa de você... e isso é uma boa notícia


Ao distinguir entre o imanente e o econômico, salvaguardamos a asseidade de Deus. Asseidade significa que Deus é vida em si
mesmo. Ele então não depende de ninguém nem de nada para sua existência ou felicidade (At 17.24-29). As criaturas são seres
derivados e dependentes, mas não o Criador. Se colapsarmos o imanente e o econômico, comprometemos esta diferença
fundamental entre o Criador e a criatura e comprometemos a asseidade de Deus.

Relações e missões
Com toda a confusão que a Regra de Rahner criou, alguns questionam-se se será sensato
utilizar um vocabulário diferente de imanente e econômico, um que possa ser mais específico e
evitar as armadilhas da conflação e da projeção do passado. Se o imanente e o econômico são
apropriados indevidamente, é fácil projetar praticamente qualquer coisa sob a égide do
econômico no imanente — sofrimento, subordinação, mudança, e assim por diante — e depois
afirmar: “O econômico revela o imanente, certo? Certo!”
Sem abandonar totalmente a linguagem imanente/econômica, pode ser sensato usar um
vocabulário muito mais específico, algo como relações e missões.[169] Lembre-se, a Trindade
imanente refere-se a quem Deus é em si mesmo, o Deus único que se distingue como três
pessoas apenas por suas relações eternas de origem: o Pai ingênito, o Filho gerado e o Espírito
espirado (veja o capítulo 2). Essas relações eternas de origem — e somente essas relações —
explicam a ordenação interna e eterna (processões) na Trindade (paternidade, filiação,
espiração). Mas também explicam as missões externas e temporais da Trindade.
Por exemplo, é porque o Pai gera seu Filho na eternidade que é apropriado que ele envie
o seu Filho para encarnar na história. E é porque o Pai e o Filho juntos (como uma fonte)
espiram o Espírito na eternidade que é apropriado que o Pai e o Filho enviem (doem) o Espírito
na história. Mas sejamos muito claros para evitar confusões: gerar e espirar na eternidade não são
a mesma coisa que enviar e doar na história da salvação. Gerar e espirar são eternos e internos,
ocorrendo dentro do Deus triúno antes de todas as eras, à parte do mundo, independente do
mundo. O envio, porém, é temporal e externo no sentido de que o Filho e o Espírito são enviados
ao mundo com uma missão específica a cumprir de uma vez por todas.
Para que não pensemos demais em nós mesmos, precisamos permanecer sóbrios e
lembrar-nos que mesmo que nosso Deus triúno nunca tivesse criado o universo, mesmo que ele
nunca tivesse decidido enviar seu Filho para salvar o mundo, as relações eternas de origem ainda
seriam verdadeiras. Estas são independentes da criação e da salvação. Nosso Deus é Trindade,
independentemente de criar ou redimir. Rejeitamos a crença moderna de que o Pai, enviando seu
Filho ao mundo, constitui suas relações como o Pai não gerado que gera seu Filho desde toda a
eternidade, ou que o envio do Espírito ao mundo pelo Pai e pelo Filho constitui sua relação como
o Espírito espirado desde toda a eternidade. Ao fazê-lo, salvaguardamos a liberdade e a asseidade
de nosso Deus triúno (autoexistência e autossuficiência): ele é triúno, quer crie ou salve ou não
os faça. Como o Deus eterno e atemporal, sua identidade triúna não depende de forma alguma da
criação ou salvação do mundo. Como diz John Gill: “Se nunca tivesse havido uma criatura feita,
nem uma alma salva, nem um pecador santificado, Deus teria sido o mesmo que é, três Pessoas
em um Deus”.[170] O Deus triúno dá graça por escolha, mas vive por natureza, necessariamente.
[171]
Isso não significa, porém, que as relações eternas de origem não se reflitam nas missões
temporais da Trindade. As missões revelam relações, mesmo que essas mesmas missões não
constituam relações de forma alguma. Por exemplo, no capítulo 6 focaremos na geração eterna, a
relação eterna de origem (ou propriedade pessoal) do Filho. Lá aprenderemos que a missão
temporal do Filho (ser enviado pelo Pai) foi projetada para revelar (mas não constituir) sua
relação eterna de origem como o Filho unigênito do Pai, gerado pelo Pai antes de todos os
tempos. Como diz Agostinho: “Portanto, assim como o Pai gerou e o Filho foi gerado, assim o
Pai enviou e o Filho foi enviado”.[172] O mesmo acontece com o Espírito: o Pai e o Filho,
enviando e dando o Espírito para aperfeiçoar a obra da salvação, destinam-se a revelar (mas não
a constituir) a relação eterna de origem do Espírito: a espiração, procedente do Pai e do Filho
desde toda a eternidade. Agostinho escreve que “do mesmo modo que para o Espírito Santo ser
dom de Deus é proceder do Pai, assim ser enviado é ser conhecido como o que procede do Pai”.
[173]
Os capítulos futuros capitalizarão a linguagem bíblica de ser enviado (Filho) e ser doado
(Espírito).[174]
Em resumo, as missões temporais — o envio do Filho e a doação do Espírito — podem
revelar as relações eternas de origem (geração eterna e espiração), mas as missões temporais de
forma alguma constituem as relações eternas de origem. As missões temporais são contingentes
(Deus não tem que criar e salvar), mas as relações eternas são necessárias (ele não pode ser
triúno sem elas). Da mesma forma, não presuma que tudo o que ocorre na economia (o
sofrimento humano do Filho na cruz, a humilde submissão do Filho ao Pai como um servo [Fp 2]
para realizar a salvação) deva ser projetado de volta no imanente. Evitamos tal ambiguidade e,
em vez disso, lutamos pela especificidade: é o envio em particular que revela as relações eternas
em particular. Longe da encarnação ser projetada de volta à eternidade, o Filho enviado é um
reflexo e uma extensão do Filho gerado; da mesma forma, o Espírito sendo dado é um reflexo do
Espírito sendo espirado. Somente estas relações são reveladas nas missões. Ler qualquer outra
coisa nas relações é um convite à conflação.

Alguém com alergias? João 1 e o Verbo de Deus


Nós, evangélicos, somos propensos à conflação. Abordamos o texto assumindo que a
história é seu único foco. O resultado? Desenvolvemos uma alergia às coisas eternas.
Ironicamente, essa abordagem — um biblicismo grosseiro — é uma falha em ser bíblico o
suficiente.
Sim, o enredo das Escrituras assume uma forma narrativa, focada na história da salvação.
Mas os autores bíblicos nunca param aí, nem a narrativa é um fim em si mesma. Nunca enfiam a
Trindade infinita e incompreensível na nossa minúscula caixa da história, limitando quem Deus é
ao que faz, priorizando a função sobre o ser. Seja em seus pressupostos (considere os Salmos) ou
em suas conclusões teológicas (consulte as Cartas de Paulo), eles pretendem que o leitor leia
teologicamente. Mais precisamente, os autores bíblicos não têm qualquer alergia à eternidade e à
ontologia (o ser de Deus). Eles não estão tão focados nos fatos históricos da vida de Cristo a
ponto de não se preocuparem com sua origem eterna e trinitária, anterior à encarnação. Não têm
uma mente tão terrena a ponto de não terem nenhum bem celestial. Nós também não deveríamos
ter.
Considere a abertura do Evangelho de João, por exemplo. Muitas vezes ouço pastores
aconselhando os fiéis a dar o Evangelho de João a alguém que estão tentando evangelizar. E isso
tem uma boa razão também: o Evangelho de João expõe o Evangelho com convicção lúcida,
colocando o incrédulo face a face com o Cristo crucificado e ressuscitado e com os muitos dons
que ele dá a todos os destinatários da sua graça. É por isso que amamos textos como João 3.16;
desejamos contar ao mundo sobre o Filho de Deus para que eles possam receber a vida eterna.
Mas na pressa de falarmos a respeito da vida eterna, às vezes pulamos para a segunda
metade de João 3.16 e esquecemos de falar do Filho eterno. Como diz a primeira metade de João
3.16, Deus “deu o seu Filho unigênito” (KJV). Deixe essas palavras marinarem: Deus... deu...
seu... Filho... unigênito... Quando nos precipitamos para os benefícios que o Filho traz e
ignoramos a identidade que ele tem na eternidade, negligenciamos não apenas a primeira metade
de João 3.16, mas os dois primeiros capítulos do Evangelho de João — capítulos, preciso
lembrá-lo, que precedem João 3.
Por exemplo, você sabia que João começa seu Evangelho não com a vida eterna que
recebemos, mas com a vida que o Deus triúno desfruta na eternidade? Volte para a abertura de
João 1, o que você lê? “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era
Deus. Ele estava no princípio com Deus” (1.1-2). Antes de chegarmos às boas novas sobre Jesus
e a vida eterna que ele traz, vamos dar um passo atrás e considerar, como João o faz, de onde
esse Jesus se originou. Isso será difícil, mas adiemos o que Deus fez na criação e foquemos
primeiro em quem Deus é fora da criação. Por que faríamos isso? Eis o porquê: a menos que
você entenda quem Deus é à parte de você, nunca entenderá a importância do que Deus fez por
você, pelo menos não completamente. Percebo como isso parece contraintuitivo, adiar a história
da redenção — a sua história — para falar acerca de coisas eternas. Abstrato e esotérico talvez.
Mas João está convencido de que, ao fazê-lo, você compreenderá melhor quem é este Verbo e o
porquê de ele ter se tornado carne e habitado entre nós. Além disso, uma longa linhagem de Pais
da Igreja também acredita que o tratamento de João evita um pântano sujo de heresias, muitas
das quais ameaçam confundir quem Deus é em si mesmo (ad intra) com a forma como Deus age
externamente (ad extra) em relação à sua criação.
Observe o que João faz primeiro: ele começa pelo princípio. Mas o que ele quis dizer
com princípio provavelmente não é o que você pensa. Ele ecoa a linguagem da criação de
Gênesis para falar acerca do Deus eterno que fez a criação e quem esse Deus deveria ser antes
que qualquer roseira ou palmeira viesse a existir. Antes de todas as eras, havia Deus e nada mais.
Antes de o cosmos existir, havia Deus e somente ele.[175] Somente pode parecer que ele estava
sozinho. Não estava. Pois no princípio, diz João, era o Verbo — a maneira de João se referir ao
Filho. Coeterno, este Verbo estava com Deus. Coigual, esta Palavra era Deus. É difícil identificar
mais a Palavra com Deus do que desta maneira. Ele era coigual a Deus como aquele que era o
próprio Deus.
Como veremos no capítulo 7, a escolha da expressão feita por João — o Verbo — é
estratégica. Pois em breve ele dirá ao leitor que este Verbo não é outro senão o próprio Filho de
Deus. Uma palavra é formulada por seu locutor, o que significa que existe uma fonte. O mesmo
acontece com o Verbo: como Palavra de Deus, ele vem de Deus desde toda a eternidade para
revelá-lo aos que estão na história. João explicará isso com mais detalhes quando mudar sua
imagem do Verbo para o Filho (1.14). Como Filho, ele vem de seu Pai, pois é isso que significa
ser filho, afinal. No entanto, uma vez que estamos falando de Deus, o Filho é gerado a partir da
natureza do Pai antes de todos os tempos. Nunca houve um tempo em que o Pai estivesse sem
seu Verbo, porque nunca houve um tempo em que o Pai não gerasse seu Verbo. Se houvesse,
então de forma alguma João poderia dizer que o Verbo (o Filho) estava com Deus e era Deus. Na
mente de João, o Verbo (o Filho) é distinto de Deus (o Verbo estava com Deus) e é um com o
próprio Deus (o Verbo era Deus). Mas a distinção (na personalidade) e a identidade (na essência)
só são possíveis por causa da geração eterna: o Filho é distinto precisamente porque foi gerado
pelo Pai; o Filho é coigual precisamente porque é gerado da natureza do Pai, a mesma natureza
divina que o Filho compartilha.
Tendo estabelecido a relação eterna de origem do Verbo nos versículos 1-2, João está
agora pronto para apresentar o mundo. É por ser o Verbo eterno (nunca houve um tempo em que
não estivesse com Deus) e é porque sua origem é divina (nunca houve um tempo em que não
fosse Deus) que “todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi
feito se fez” (1.3). Por meio do Verbo, Deus criou o cosmos ex nihilo. Para esclarecer, não foi o
Verbo que foi criado do nada; o mundo foi criado do nada pelo Verbo. O Verbo não é criado
junto com a criação, nem foi criado antes do resto da criação (arianismo; veja o capítulo 2). Pelo
contrário, a criação é trazida à existência por meio do Verbo cuja existência nunca começou, cuja
divindade nunca teve um ponto de partida.
Mas não é apenas a criação que é atribuída ao Verbo; a salvação também o é. Nenhuma
obra de Deus é escondida do Filho. Fazendo uma transição de metáforas, João chama o Verbo de
“vida” e “luz” (1.4-5), a “verdadeira luz” que dá vida ao mundo (1.9). Ele pode fazer isso já que
“o mundo foi feito por intermédio dele” (1.10). Mas há algo ainda mais notável: para dar vida ao
mundo, o Verbo encarnou-se. “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de
verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai” (1.14).
Extraordinário! O Verbo eterno, o próprio Filho de Deus, aquele que é gerado do Pai
desde toda a eternidade, foi enviado pelo Pai para garantir que seríamos destinatários da sua
graça. Por um lado, João diz: “Ninguém jamais viu a Deus” (1.18), uma observação que o
próprio Antigo Testamento reitera (Dt 4.15). Por outro lado, “o Filho unigênito, que está no seio
do Pai, ele o declarou” (1.18, KJV). Quão apropriado, então, é que João chame o Filho eterno de
Verbo eterno. É porque ele é o Filho unigênito do Pai, gerado antes de todos os tempos como o
Verbo que estava com Deus e era Deus, que ele pode então, no tempo apropriado, encarnar-se e
revelar-nos o Pai, para nossa salvação. Ele é a revelação de Deus em carne.
Como aprenderemos nos capítulos futuros, de João 1 em diante, João e Jesus alternarão
para lá e para cá da eternidade para a história, de Deus em si mesmo para o Deus que age em
nosso favor, sempre demonstrando que o último depende do primeiro. Mas nunca, nunca,
confundindo os dois. Como Jesus afirma repetidamente ser o caminho para a salvação no
Evangelho de João, ele também apoiará o seu direito de fazer essa afirmação apelando para a sua
origem eterna do Pai, especialmente quando os líderes religiosos questionam a sua autoridade. É
somente porque foi gerado pelo Pai desde toda a eternidade que ele pode então reivindicar ser
enviado pelo Pai para encarnar na história. A sua relação eterna com o Pai constitui a sua missão
redentora no mundo, mas não vice-versa. Acerte essa ordem e veremos o Evangelho na
perspectiva trinitária adequada; erre e usaremos mal o Evangelho para redefinir a Trindade na
eternidade.

Deus não cabe em nossa caixa


Em resumo, nós, evangélicos, podemos aprender muito com o capítulo inicial de João.
Com o nosso foco bem-intencionado no Evangelho, não devemos privilegiar certos textos ou
eventos a ponto de negligenciarmos textos que falam muito acerca do caráter e da triunidade de
Deus fora da história. Se o fizermos, corremos o risco de enfiar a essência infinita do nosso Deus
triúno na nossa pequena caixa da história, limitando quem Deus é ao que Deus faz, priorizando a
função sobre o ser. Mas os autores bíblicos entendem que quem é o Deus triúno em si mesmo
não pode de forma alguma ser confundido ou manipulado.
Com os perigos da conflação sinalizados e as tendências historicizantes detidas, a Palavra
de Deus permanece aberta diante de nós, as missões do nosso Deus triúno estão prontas para
revelar quem é esse Deus triúno separado de nós e o que suas relações significam para a
simplicidade do seu ser infinito.
5
Por que Deus deve ser um para ser
três?
Simplesmente Trindade

O que se entende por “simples” é que o seu ser é idêntico aos seus atributos, independentemente das relações que se
diz que as pessoas mantêm entre si.
AGOSTINHO, A CIDADE DE DEUS

Simplicidade, com respeito à essência; Trindade com respeito às pessoas.


FRANÇOIS TURRETINI, COMPÊNDIO DE TEOLOGIA APOLOGÉTICA

Para o DeLorean!
Destino: Eternidade, para aprender acerca da simplicidade da Trindade.

Pontos principais: A simplicidade importa de verdade: ela garante que a Trindade seja um Deus uno e que cada pessoa seja
igual. A simplicidade ajuda a lutar contra o trinitarismo social, o triteísmo e o subordinacionismo, que não conseguem preservar a
unidade da Trindade.

Diga-nos claramente
Ontem caminhei até o templo. Fiz a viagem para provar meu valor: minha irmã não
achava que eu ainda seria capaz. Pelo menos não na nossa idade. Quando éramos jovens, nós
duas íamos ao templo pelo menos três vezes por semana. Lembro-me dessas viagens:
costumávamos passear de mãos dadas pelo oceano roxo de jacintos na primavera. No meio do
caminho, deitávamo-nos debaixo de um olival para escapar do calor, à sombra daqueles troncos
antigos, éramos alimentadas por sua única oferenda: azeitonas marrons e pretas, algumas
amargas, outras doces. Com azeitonas na boca, duas de cada vez, ríamos das previsões confiantes
uma da outra. Quão certas estávamos de que a qualquer momento um jovem bonito de Jerusalém
viajaria até a nossa pequena cidade para pedir nossa mão em casamento ao nosso pai.
Isso foi há muito tempo e, embora nenhum pretendente bonito tenha chegado, minha irmã
e eu permanecemos companheiras inseparáveis. Mas nem sempre enxergávamos as coisas da
mesma maneira. Não era a distância que a incomodava, a tensão instável em Jerusalém, porém, a
deixou insegura quando lhe contei que estava a caminho do templo naquela manhã. Ela é minha
irmã mais velha, então suponho que se sinta responsável por mim, mas já lhe disse muitas vezes
que posso cuidar de mim mesma.
Eu sabia porém que ela estava certa. Pois quando me sentei para descansar os tornozelos,
que agora estavam cheios de bolhas devido às bordas ásperas das tiras de couro da minha
sandália, aquele homem, Jesus, passou, e uma multidão de discípulos o seguia, como patos, todos
indo para o mesmo lago. A ansiedade tomou-me como uma onda alta no mar. Cada vez que meu
caminho cruza com o de Jesus, algo acontece — um milagre ou uma briga com judeus,
geralmente ambos. Meus pés ainda clamavam por alívio, mas vesti as sandálias novamente e
manquei até o templo, curiosa para ver o que Jesus fazia. Não avancei muito e fui afastada pelos
líderes religiosos, uma matilha de lobos, prontos para atacar com suas perguntas afiadas e
céticas, destinadas apenas a encurralar o rabino.
“Até quando nos deixarás a mente em suspenso? Se tu és o Cristo, dize-o francamente”,
exigiram.[176]
Eles eram tudo menos sinceros. Pela minha experiência, não importa o que Jesus diga ou
faça, não crerão nele. Não estão abertos a acreditar nele. Foram testemunhas oculares de alguns
dos milagres mais impressionantes de Jesus, mas odeiam-no ainda mais por estes feitos
sobrenaturais; eles o querem morto. Esse foi o motivo por trás da pergunta, uma pergunta tão
fatal quanto feroz. Eu sabia. A multidão sabia. Ainda assim, a questão tinha valor para quem
ouvia, para quem havia vindo sem uma agenda. Cabeças se viraram, com todos os olhos voltados
para Jesus, esperando para ver como ele responderia agora que estava sendo colocado em uma
situação difícil.
“Já vo-lo disse, e não credes. As obras que eu faço em nome de meu Pai testificam a meu
respeito. Mas vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas.”
Olhei em volta, tentando avaliar a reação da multidão, os israelitas sem dúvida estavam
familiarizados com seu Shemá. A julgar pelas sobrancelhas franzidas, a resposta de Jesus fora
chocante.
“Ele está afirmando que não está sozinho, que veio de seu Pai, que todos os seus milagres
são feitos em nome de seu Pai, que ele não é outro senão o Filho e Messias do Pai?”, o homem
ao meu lado perguntou.
Mas Jesus continuou, desta vez com palavras que visavam a identidade deles, dos seus
críticos: “Não sois das minhas ovelhas,” disse-lhes. “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu
as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as
arrebatará da minha mão.”
Após ouvir um veredito tão conclusivo, olhei em volta e percebi o que eles estavam
pensando, pela expressão em seus rostos: Como você sabe essas coisas? Como se soubesse o que
pensavam, Jesus respondeu: “Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai
ninguém pode arrebatar”.
“Como ele sabe disso?”, a mulher à minha esquerda disse em voz baixa, não querendo
que ninguém a ouvisse.
“Você não estava ouvindo?”, sussurrei de volta. “Ele é o Filho, aquele a quem seu Pai
deu estas ovelhas.”
“Mas Jesus não acabou de dizer que estas ovelhas estavam em suas mãos? Agora ele diz
que eles estão nas mãos de seu Pai. Então, qual é?”, ela respondeu.
“Ambos”, eu disse.
Então Jesus disse algo que pegou todos de surpresa: “Eu e o Pai somos um”. Até mesmo
seus próprios seguidores foram pegos de surpresa pelo golpe contundente daquelas palavras.
Depois do que pareceram reticências eternas, os líderes religiosos soltaram um gemido
audível e descontente, abanando a cabeça, alguns estendendo as mãos e olhando em volta,
esperando que todos os outros partilhassem a sua descrença.
“O que ele está dizendo?”, a mulher ao meu lado perguntou novamente, agora mais
confusa do que antes, mas desta vez com uma voz mais baixa, percebendo a tensão entre os
líderes religiosos e Jesus aumentando.
“Não creio que Jesus se refira apenas à forma como ele, o Filho de Deus, coopera com o
plano de seu Pai, um plano para salvar as suas ovelhas”, tentei esclarecer. “Ele não quer dizer
nada menos, mas acho que quer dizer muito, muito mais.”
Eu estava certa? Ou estava lendo demais nas palavras de Jesus? O que aconteceu a
seguir revelou a resposta: os judeus pegaram pedras do chão, irregulares e afiadas o suficiente
para realmente machucar alguém, até mesmo matar. A multidão começou a entrar em pânico
quando percebeu que este alguém era Jesus. O apedrejamento era uma pena para blasfemadores
graves, o tipo que afirma ser o Messias de Israel ou o próprio Deus, ou ambos. Só de pensar em
um apedrejamento, a ansiedade passou a subir e descer pela minha espinha, como um calafrio.
Foi por isso que ainda na semana passada minha irmã me dissera para parar de seguir Jesus; ela
estava preocupada que eu pudesse me machucar só por estar perto do homem. Talvez estivesse
certa. Mas agora não era hora de parar. Eu já estava no meio da coisa.
Enquanto eu os observava mirar em Jesus, tudo se esclareceu de uma vez: Jesus estava
reivindicando algo significativo, até mesmo algo divino. Ele estava reivindicando uma
identidade eterna, e sua reivindicação era tão forte, tão absoluta, tão radical, que ele acreditava
ser um com o próprio Pai. Devo ter pensado em voz alta, pois a mulher ao meu lado me deu uma
cotovelada nas costelas, como se dissesse: “Cale a boca!”
Olhei novamente para Jesus, depois para os judeus, depois para Jesus novamente. Ele era
um homem morto. Mas justamente quando a primeira pedra estava prestes a ser lançada, Jesus
falou. “Tenho-vos mostrado muitas obras boas da parte do Pai; por qual delas me apedrejais?”
A pergunta era provocativa, obrigava os judeus a dizer-lhe quem pensavam que ele era.
E, para minha surpresa, eles morderam a isca. “Não é por obra boa que te apedrejamos, e sim por
causa da blasfêmia, pois, sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo.”
Eu sabia: os judeus entenderam a afirmação de Jesus como algo tão radical quanto eu
pensava.
“Se não faço as obras de meu Pai, não me acrediteis; mas, se faço, e não me credes, crede
nas obras; para que possais saber e compreender que o Pai está em mim, e eu estou no Pai.”
Esta segunda resposta intensificou uma situação já terrível. Jesus não poderia ter feito
uma reivindicação mais direta de unidade com Deus. Nenhum judeu teria ousado afirmar tal
coisa, nem mesmo o maior dos profetas de Israel. Mas talvez, apenas talvez, Jesus fosse algo
mais.
A disputa durou o que pareceu quase meia hora, até que os judeus pararam de debater e
tentaram prendê-lo. De alguma forma, embora não tenha certeza de como, Jesus escapou. A
última coisa que ouvi foi que ele atravessou o Jordão e teve uma recepção muito melhor quando
pisou do outro lado. Pensei em fazer a viagem sozinha, se meus pés aguentassem. Mas receio ter
herdado as solas macias do meu pai. ■

Como pode o Filho estar no Pai?


“O Pai está em mim, e eu estou no Pai” — Jesus (Jo 10.38; cf. 14.10-11, 20)
“Embora permaneçam distintas, [as três pessoas] nunca estão separadas uma das outras, mas sempre coexistem; onde quer que
uma esteja, aí realmente está também a outra.” — François Turretini

A Grande Tradição, no Oriente e no Ocidente usou palavras diferentes para se referir a essa coexistência ou habitação mútua:

1. Perichoresis (grego)

2. Circumincessio (latim)

Mas Jesus só pode confirmar a pericorese se for homoousios, da mesma essência, que o Pai. Contudo, ele só é homoousios se
for gerado da ousia do Pai. Caso contrário, a pericorese faz pouco sentido. Como diz Hilário: “A plenitude da divindade está
no Filho, não em alguns aspectos, mas em tudo, como quis quem pôde, como sabe quem gerou”. Ele elabora: “O Pai está no
Filho, porque o Filho nasceu dele, o Filho está no Pai, porque não lhe vem de outra parte o ser Filho, o Unigênito está no
Ingênito, porque o Unigênito vem do Ingênito” (Tratado sobre a Santíssima Trindade 3.4). João de Damasco e Tomás de
Aquino (que até cita Hilário) dizem o mesmo. Infelizmente, os trinitaristas sociais removeram a pericorese do seu contexto
patrístico e a redefiniram em categorias sociais.

Mostra-nos o Pai
O que Zípora testemunhou no templo, acerca de que você pode ler mais em João 10, foi
mais um sinal da crescente hostilidade que Jesus enfrentou por parte dos judeus. Mas o que os
oponentes de Jesus não puderam aceitar, Zípora aceitou: Jesus é um com o Pai.
Esta não será a última vez que Jesus fará uma afirmação tão audaciosa no Evangelho de
João — uma afirmação que os Pais da Igreja acreditavam ser de grande importância para a nossa
compreensão da Trindade. Por exemplo, em João 14, Filipe pede a Jesus que mostre a ele e aos
seus companheiros discípulos o Pai, e isso será suficiente para que eles creiam, um pedido não
muito diferente dos judeus em João 10, mas sem a sua notória malícia. A resposta de Jesus é a
mesma: “Há tanto tempo estou convosco, e não me tens conhecido? Quem me vê a mim vê o
Pai; como dizes tu: Mostra-nos o Pai? Não crês que eu estou no Pai e que o Pai está em mim?...
Crede-me que estou no Pai, e o Pai, em mim; crede ao menos por causa das mesmas obras” (Jo
14.9-11).
O que Jesus quer dizer? Agostinho nos dá uma visão: “Quando se manifesta o Pai,
manifesta-se também o Filho que está nele; e quando se manifesta o Filho, manifesta-se também
o Pai que está nele”.[177] Como vimos em João 10, esta habitação mútua só é possível se o Filho
tiver a mesma essência de seu Pai.[178] “O que é comum”, diz Tomás de Aquino, “a todas as
pessoas divinas é que cada uma delas subsiste na natureza divina distinta das outras”.[179] Quer
seja o Pai, o Filho ou o Espírito, é esta unidade na natureza que define a Trindade como una.[180]

Leia a Bíblia com a Igreja


“[A] conexão do Pai no Filho, e do Filho no Paráclito [Espírito], produz três Pessoas coerentes, mas distintas uma da outra. Estes
Três são uma essência, não uma Pessoa, como se diz: ‘Eu e meu Pai somos Um’, no que diz respeito à unidade de substância, não
à singularidade do número.” — Atanásio

No final do Evangelho de João, Jesus ora ao seu Pai, sabendo que em breve será
pendurado na cruz: “Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer; e,
agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que
houvesse mundo” (Jo 17.4-5). Muito poderia ser dito aqui a respeito da cruz como um tipo de
glória, mas para os nossos propósitos não perca o que é inferido: Jesus compartilha com o Pai
uma glória que antecede a sua encarnação, que antecede a própria criação. É uma glória divina,
uma glória trinitária, para ser exato, uma glória que as pessoas da Divindade compartilham umas
com as outras. Jesus não apenas se refere à sua preexistência como Filho de Deus, mas também
reivindica o direito divino e único a uma glória que somente Deus conhece como Pai, Filho e
Espírito. E, no entanto, como diz o Credo Atanasiano, não existem três glórias, mas uma.[181]
Como é possível tal unidade? Se o “Pai, existindo antes dos tempos, está sempre na
glória, e o Filho pré-temporal é a sua glória, e se da mesma maneira o Espírito de Cristo é a
glória do Filho, sempre a ser contemplada junto com o Pai e o Filho”, então não pode haver
“‘antes’ naquilo que é atemporal”, nem pode uma pessoa ser “‘mais honrada’ naquilo que é
essencialmente honroso”, diz Gregório de Nissa.[182] Existe apenas uma divindade, uma glória,
uma honra e uma autoridade. O Filho é tão honrado quanto o Pai, e foi exatamente isso que os
judeus não compreenderam quando o pregaram numa cruz. Eles desonraram o Filho honrado de
Deus, enviado pelo Pai, mas igual ao Pai em todos os sentidos. Pois ele não é outro senão a
glória do Pai.
Jesus, porém, não é o único que compreendeu a sua identidade em termos tão trinitários,
identificando-se com o único Deus de Israel. O apóstolo Paulo também tem muito a dizer, e não
apenas a respeito do Filho, mas também do Espírito, ajudando-nos a visualizar o monoteísmo de
Israel através de uma lente trinitária.
Mas para entender Paulo, precisamos primeiro conhecer algumas coisas acerca de comida
mexicana.

Chouriço, tamales e o Senhor que é um


Você nunca saberia disto olhando para mim, graças à família do meu pai, mas sou parte
mexicano e tenho orgulho de o dizer. Sempre que possível, visito minhas tias e tios, sobrinhos e
primos por parte de mãe. O sobrenome dela mudou, mas ela sempre será uma Cervantez de
coração, e eu também. Cada vez que vou embora da casa de meus parentes, gostaria de ter ficado
mais tempo. Conversamos por horas, às vezes o dia todo. Sem compromissos. Sem telefones.
Sem televisão. Apenas entes queridos conversando, debatendo, relembrando. É muito bom.
Gosto de todos da minha familia. Mas devo dizer que minha tia Lecha ocupa um lugar
especial em meu coração. Isso porque ela conhece o caminho até meu coração, que é o caminho
para o coração de todo mexicano: através do estômago. Nada se compara a acordar de manhã
com o chiado e o cheiro salgado de chouriço estalando no fogão. Não há nada como sentar-se
para o jantar de Ação de Graças e ignorar o peru para pegar um de seus tamales picantes
lendários. Justamente quando penso que não conseguiria comer outro, ela diz: “Mijo, você está
muito magro. Parece que está morrendo de fome. Aqui, rapaz, coma outro tamale”. Não consigo
recusar. Esses tamales são irresistíveis. Com a familia, a vida sempre — e é sempre mesmo —
gira em torno da comida. Mas não qualquer comida. Comida feita com amor e consumida
juntamente com os entes queridos.
Minha herança abriu-me os olhos de inúmeras maneiras para a centralidade do alimento
na Bíblia, desde a árvore no jardim até a ceia das Bodas do Cordeiro. É claro, a comida também
poderia ser uma fonte de discórdia no primeiro século. Tome os coríntios como exemplo. Paulo
teve de dizer-lhes para não comerem alimentos sacrificados aos ídolos se isso fizesse tropeçar
um irmão ou irmã menos maduro (1Co 8). Para os nossos propósitos, algo que Paulo diz no meio
desta instrução é relevante à nossa doutrina da Trindade. Logo depois de dizer que um “ídolo
nada é no mundo” e que “não há senão um só Deus”, ele diz: “Porque, ainda que há também
alguns que se chamem deuses, quer no céu ou sobre a terra, como há muitos deuses e muitos
senhores, todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e para quem
existimos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós também, por ele”
(1Co 8.5-6). Não há dúvida de que Paulo tem o Shemá em vista; ele cita Deuteronômio 4.35, 39.
[183]
Mas quem no Antigo Testamento teria incluído outro nome, outra pessoa, no Shemá? Fazê-lo
seria uma blasfêmia. Mas Paulo o faz. Ao mesmo tempo que cita o Shemá, ele nomeia Jesus
Cristo. Há “um só Deus”, diz ele, “o Pai... e um só Senhor, Jesus Cristo”. Paulo nomeia o Pai e o
Filho como aquele Deus referenciado e adorado no Antigo Testamento.
Além disso, quando Paulo se refere ao Pai como o único Deus, refere-se à sua obra de
criação: “de quem são todas as coisas e para quem existimos”. Mas observe, ele faz o mesmo
quando se refere a Cristo: “pelo qual são todas as coisas, e nós também, por ele”. Caso tenha em
mente João 5, no qual Jesus é quase morto por afirmar que trabalha no sábado assim como seu
Pai trabalha no sábado, uma prerrogativa reservada somente a Deus, Paulo parece pressupor o
mesmo conceito. Jesus não é um segundo deus, outra divindade que rivaliza com o Pai, como
supunham os líderes religiosos. Ele é nomeado e compartilha o nome único de Deus com o Pai; a
obra divina da criação atribuída ao Pai é atribuída a ele também.
Paulo está essencialmente dizendo a esses coríntios que o Deus único do Antigo
Testamento deve ser confessado em termos trinitários.[184] Ele não está acrescentando Jesus à
Trindade, nem reinventando o Shemá para atender à sua nova doutrina trinitária. Em vez disso,
Paulo acredita que uma confissão verdadeira e correta do Shemá é totalmente trinitária, um ponto
que toma como algo certo agora que Cristo veio. Confessar que Deus é um é confessar o Pai, o
Filho e o Espírito Santo como um só Senhor.
Mas espere, onde está o Espírito em 1 Coríntios 8? O Espírito não é referenciado neste
texto, mas Paulo não é binarista. Na sua segunda carta aos Coríntios, ele usará essa mesma
linguagem de senhorio, porém, desta vez, a aplicará não apenas ao Filho, mas ao Espírito
também. Para entender o motivo devemos voltar no tempo até os dias de Moisés. Na antiga
aliança, Moisés “punha véu sobre a face, para que os filhos de Israel não atentassem na
terminação do que se desvanecia” (2Co 3.13). Paulo lamenta que “os sentidos deles se
embotaram” (3.14). Alguma coisa mudara nos dias de Paulo? Não. Infelizmente, diz ele, “até ao
dia de hoje, quando fazem a leitura da antiga aliança, o mesmo véu permanece”. Embora tudo
pareça perdido, Paulo diz que há esperança: “Pois até ao dia de hoje, quando fazem a leitura da
antiga aliança, o mesmo véu permanece, não lhes sendo revelado que, em Cristo, é removido.
Mas até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles. Quando, porém,
algum deles se converte ao Senhor, o véu lhe é retirado” (3.14-16). Que boas novas!
Mas espere, há mais boas novas, e desta vez tem a ver com o Espírito Santo: “Ora, o
Senhor é o Espírito; e, onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade. E todos nós, com o rosto
desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de
glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito” (2Co 3.17-18). O
Espírito desvendou nossos rostos para que sejamos os destinatários das bênçãos da nova aliança.
Mas, observe, o Espírito só pode fazê-lo porque é o próprio Senhor. Como o Senhor, o “Espírito
de Deus” não apenas nos desperta para uma nova vida, abrindo nossos olhos cegos, mas nos
transforma, até mesmo nos santifica para que tenhamos “a mente de Cristo” (veja 1Co 2.10-16).
Em suma, às vezes as Escrituras falam do Pai, às vezes do Filho, e às vezes do Espírito,
mas sempre que se referem a qualquer pessoa, assumem que essa pessoa é consubstancial com
todas as outras, coeterna e coigual em divindade, mantendo a essência divina única em comum.
O único Deus, o único Senhor, não é outro senão Pai, Filho e Espírito Santo. Mas, em alguns
casos, todas as três pessoas aparecem ao mesmo tempo, e a beleza da triunidade brilha ainda
mais, como quando Paulo conclui sua segunda carta aos Coríntios com uma bênção final: “A
graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com
todos vós” (2Co 13.13).
Entretanto, as cartas de Paulo aos coríntios são apenas um exemplo de um padrão mais
amplo que permeia todas as suas cartas às igrejas. Por exemplo, ele escreve aos gálatas a respeito
de sua adoção como filhos de Deus: “[Nós] estávamos servilmente sujeitos aos rudimentos do
mundo... vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho... a fim de que
recebêssemos a adoção de filhos. E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o
Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!” (Gl 4.3-6). Ou considere sua carta aos efésios, na
qual ele lembra-lhes que é “por ele” — isto é, Cristo — que “ambos temos acesso ao Pai em um
Espírito” (Ef 2.18). Com esse acesso, tanto judeus como gentios são como uma casa na qual
habita o Deus triúno (2.19), uma família que tem Cristo como pedra angular (2.20). Em Cristo,
esta família é “bem-ajustada” e “cresce para santuário dedicado ao Senhor” (2.21). “No qual
[Cristo] também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito”
(2.22). Paulo é criativo na utilização da metáfora de um edifício para encorajar os efésios a se
unirem como uma só família, um templo unificado. Essa unidade deve refletir a unidade do
próprio Deus triúno: “Há somente um corpo e um Espírito... um só Senhor... um só Deus e Pai de
todos” (4.4-6). Paulo está repetindo a oração do próprio Jesus para que seu povo seja um, assim
como ele é um com o Pai (Jo 17.22).
Quer Paulo esteja se referindo ao evangelho, à adoção ou à unidade da Igreja, ele assume
em cada um a triunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Na mente dele, existe apenas um
Deus, um Senhor, e seu (único) nome é Pai, Filho e Espírito Santo. Paulo está apenas imitando
Cristo, que comissionou seus discípulos, ordenando-lhes que batizassem em “nome [singular] do
Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28.19).
Como a Igreja tem confessado ao longo dos tempos, cada pessoa é uma subsistência da
essência divina única, Pai, Filho e Espírito mantém a essência única em comum, são
consubstanciais uns com os outros.
Tendo em vista a afirmação clara da triunidade nas Escrituras, prossigamos à essência da
questão, porque a essência é, afinal, o que mais precisamos discutir.

Simplesmente Trindade
Confessar que Deus é único, muitas vezes é tomado como se existisse apenas um Deus.
Isso é decerto verdade, e não deveríamos afirmar nada menos. Mas há mais, muito mais, a dizer
acerca da unidade de Deus. Confessar que Deus é único é confessar também que ele é um. Ele é
um por natureza, sua natureza é única. Ele não é um Deus feito de partes, mas um Deus sem
partes. Não há composição nele, nem pode ele ser composto por partes. Se pudesse, então seria
um ser dividido (partes são divisíveis por definição), um ser mutável (partes são propensas a
mudar), um ser temporal (partes requerem um organizador) e um ser dependente (dependendo de
suas partes como se o precedessem). Esses atributos podem definir criaturas finitas, mas não
podem caracterizar o Deus imutável (que não muda), eterno (atemporal) e autossuficiente
(asseidade), que não possui forma corporal (incorpóreo). Como diz Hilário de Poitiers, é por
Deus não ter corpo — sendo os corpos divisíveis em partes, como sabemos por experiência —
que ele é “um todo perfeito. Nele não há partes, mas Ele é íntegro e tudo abarca. Não foi
vivificado, mas é vivo”.[185]

A simplicidade e Alice no País das Maravilhas


Quando Alice cai na toca do coelho e retorna ao País das Maravilhas, o Chapeleiro Maluco olha para ela e diz: “Você não é mais
a mesma de antes. Você era muito mais... muito mais... você perdeu sua demasia”. Se falamos a respeito de criaturas, o
Chapeleiro Maluco tem razão. Mas não se falarmos de Deus. Sua essência nunca muda; ele nunca se torna muito mais do que
antes. Isso se deve à sua simplicidade. Como ele não é feito de partes como nós, nunca perde sua demasia. Ele é vivo ao grau
máximo ou ato puro, como gostavam de dizer os Pais.

Então, como descrevemos um Deus sem partes? Simples: dizemos que Deus é simples.
Não dá mesma maneira que elementar ou simplista. Pelo contrário, ele é um Deus de
simplicidade absoluta. Isso significa que tudo o que há em Deus é Deus. Sua essência e seus
atributos não são entidades separadas. Sua essência são seus atributos e seus atributos são sua
essência. Deus não possui apenas amor, por exemplo; ele é amor. Deus não possui apenas
santidade; ele é santo. E assim por diante. Sua substância ou essência é caracterizada por uma
unidade intrínseca. É por isso, pelo menos em parte, que só ele merece ser chamado de Deus,
pois nenhum ser criado pode ser simples neste sentido divino. “A verdadeira divindade reside na
unidade da substância, e a unidade da substância reside na verdadeira divindade.”[186] Ele é
simplesmente Deus.[187]
Mas alguns acreditam que a simplicidade representa um desafio: como Deus pode ser
simples se é três pessoas?

Objeção
Como pode a simplicidade aplicar-se às pessoas se o Pai age para gerar seu Filho? A geração eterna não assume que a Trindade
age e se torna algo que de outra forma não seria (o que os teólogos chamam de potência passiva)? Resposta: não. A razão:
pessoas não são agentes com vontades próprias. A geração não é algo que acontece ao Filho. Pelo contrário, ser o Filho é
exatamente ser gerado. Como Anselmo ora: “tu és tão simples que de ti não pode nascer outra coisa diferente do que tu és... e da
suprema simplicidade não pode proceder algo de diferente daquilo que é aquilo de que procede. Aquilo que cada um é
singularmente, é-o simultaneamente toda a Trindade — Pai, Filho e Espírito Santo” (Proslogion).

Como Deus pode ser simples se é triplo?


Quando confessamos o monoteísmo, não estamos apenas aderindo a qualquer
monoteísmo; não somos simplesmente monoteístas. O monoteísmo não é um ocultamento de um
Deus impessoal. Gregório de Nazianzo questiona essa suposição equivocada: “O monoteísmo,
com o seu princípio único de governo, é o que nós valorizamos — e não o monoteísmo definido
como a soberania de uma única pessoa... mas a regra única produzida pela igualdade da natureza,
pela harmonia da vontade, pela identidade da ação e pela convergência à sua fonte daquilo que
brota da unidade — nada disso é possível no caso da natureza criada. O resultado é que, embora
haja distinção numérica, não há divisão na substância”.[188] O que Gregório quer dizer? O
monoteísmo não significa que Deus seja uma única pessoa que governa o mundo. Em vez disso,
seu governo único reflete uma natureza, vontade e operação únicas. No entanto, isso pode ser
dito de três pessoas divinas, desde que tenham em comum a mesma única natureza, vontade e
operação.
Talvez a nossa jornada anterior no vocabulário trinitário precise ser revisitada. Lembre-
se, para fazer justiça à forma como todas as Escrituras descrevem a unidade e a triunidade de
Deus, era apropriado que os Pais dissessem que Deus é uma essência, três pessoas. Isso não quer
dizer que a essência e as pessoas devam ser divorciadas uma da outra (o que criaria quatro
coisas, uma quaternidade). Não, as três pessoas são subsistências da essência ou natureza divina
indivisa, de modo que as três pessoas, por mais distintas que sejam como Pai, Filho e Espírito,
ainda assim mantêm em comum a única essência divina.
Isso significa que a simplicidade e a Trindade só são uma contradição se Deus for um da
mesma maneira que é três. Mas, como acabamos de ver, esse não é o caso. Quando dizemos que
Deus é um, estamos nos referindo à sua essência ou ser ou natureza (essas três palavras são
sinônimas). Quando nos referimos a Deus como três, no entanto, referimo-nos a três pessoas,
especificamente à forma como a essência simples subsiste (existe) em cada pessoa de uma
maneira especial. Não queremos dizer que a essência simples de Deus seja tripla — pois então a
essência seria multiplicada por três e não seria mais simples. Queremos dizer, em vez disso, que
o Deus que é simples em essência é triúno em pessoas. É por isso que os Pais “costumavam
dizer... ‘uma só essência, três subsistências’”.[189]
Se essa distinção entre essência e pessoas ainda está nebulosa, talvez algumas analogias
possam nos ajudar não nos ajudando em nada.

Ouro de tolo: Agostinho, Anselmo e as analogias


Às vezes, os cristãos com as melhores intenções recorrem a analogias, como se elas
explicassem a Trindade. Você provavelmente já ouviu todas: A Trindade é como um ovo; é um
ovo único, mas composto pela casca, pela clara e pela gema. Ou a Trindade é como um trevo; é
um trevo único, mas com três folhas. Ou a Trindade é como a água, que pode ser vapor, líquido
ou gelo. O problema é que as analogias são suscetíveis às heresias. O ovo e o trevo não podem
evitar o triteísmo, e a mudança da água em diferentes formas parece muito com o sabelianismo.
Parece que as analogias são tão antigas quanto a poeira (e, em alguns casos, tão úteis
quanto esta). Se você ler os Pais da Igreja, verá que eles também estavam acostumados a ouvir
analogias de fiéis bem-intencionados. Agostinho, por exemplo, diz que as seguintes analogias
simplesmente não funcionam (então, pare de tentar):

três amigos, amizade comum


três vizinhos, vizinhança comum
três parentes, família comum
três estátuas, ouro comum
três espécies, de um ser
três homens, uma masculinidade.[190]

Tome o ouro como exemplo. Superficialmente, a analogia é intrigante: três estátuas, cada
uma feita do mesmo mineral: ouro.
Mas espere, diz Agostinho: “Não dizemos, porém, três pessoas formadas de uma mesma
essência, como se houvesse de um lado o que é essência e de outro o que é pessoa. Podemos
dizer muito bem três estátuas do mesmo ouro”.

Agostinho de Hipona
Na minha opinião, o teólogo norte-africano Agostinho (354-430) foi o maior teólogo trinitarista que a Igreja já viu. Existem
poucos que rivalizam com seu livro A Trindade, talvez a articulação mais fiel e madura da ortodoxia nicena. Agostinho ficou
desiludido com a seita maniqueísta e converteu-se ao cristianismo, você pode ler acerca disto em seu Confissões. Foi nomeado
bispo de Hipona à força e passou a maior parte das semanas preparando sermões e aconselhando membros da igreja ainda
influenciados pelo paganismo. Agostinho escreveu livros contra os maniqueus, os pelagianos, os donatistas e os arianos de sua
época.

“Mas por que não?” pergunta um frequentador da igreja do século IV em Hipona.


“Pois uma coisa é o ouro, outra coisa são as estátuas.”
“Mas e se as estátuas parecerem iguais e até tiverem o mesmo peso em ouro?”
“Quanto às estátuas iguais, há mais ouro em três juntas do que em uma só, e há menos
ouro em uma do que em duas”, responde Agostinho.
“Entendo o que você quer dizer.”
“Mas em Deus não é assim, pois o Pai, o Filho e o Espírito Santo juntos não são uma
essência maior que o Pai ou só o Filho, mas as três substâncias (ou pessoas, se assim as
denominamos) são iguais a cada uma dentre eles em particular. Eis aí o que o homem animal não
tem capacidade de compreender” (1Co 2.14).
“Quem você está chamando de carnal?”, pergunta o agora irritado frequentador da igreja
de Hipona do século IV.
O homem carnal “somente pode imaginar massas ou espaços, grandes ou pequenos,
através de conceitos que sejam em seu espírito como imagens dos corpos”.[191]
“E é por isso que as analogias do nosso universo físico não funcionam quando aplicadas a
Deus que não tem corpo?”
“Exatamente”, diz Agostinho.
Agostinho expõe grandes problemas com a analogia do ouro (e com a maioria das outras
analogias). O ouro é divisível, sendo cada estátua uma mera percentagem do ouro dividido em
diferentes partes. Se você colocar todas as estátuas em uma tigela gigante de fogo e derretê-las,
juntas elas serão mais do que separadas. Isso porque cada estátua por si só é menor que todas as
três combinadas.

A casa de papel: O assalto a banco mais não agostiniano que já existiu

Não muito tempo atrás, a simplicidade da triunidade de Deus me atingiu enquanto eu


assistia ao drama espanhol La casa de papel (A casa de papel), também chamado de Money
Heist [Assalto ao banco].[192] Na parte 3, o professor (o cérebro da operação) e seus ladrões
italianos reorganizam-se para roubar o impenetrável Banco da Espanha, de modo que a Europol
não tivesse outra escolha senão libertar um de seus membros, Rio. Mas como eles retirariam o
ouro? A sempre criativa Nairóbi teve uma ideia: derreter todo o ouro em pedrinhas que poderiam
então ser dispersas durante a fuga. Enquanto fazem isso, “Bella ciao”, uma música que captura a
mensagem antifascista deles, toca ao fundo. Que genial, pensei, enquanto observava sua
estratégia tomar forma. Mas me ocorreu que essa seria uma ilustração terrível para a Trindade;
quão pouco agostinianos esses diretores devem ser. Pois todos sabem que o ouro vale mais junto
do que quando separado, cada pedrinha de ouro vale muito menos por si só do que todas as
pedrinhas combinadas.
A essência de Deus não funciona desta maneira na Trindade. A essência única de Deus é
indivisível; não tem partes. A essência divina não se divide em três partes para formar três
pessoas. A introdução de tal separação resulta em um Deus composto de partes.[193] Em vez disso,
as três pessoas são uma em essência, cada uma é uma subsistência da mesma essência idêntica,
possuindo-a totalmente, e não apenas uma parte. Embora distingamos as pessoas da essência, não
ousamos pensar que a essência seja alguma quarta coisa que as pessoas mantêm em comum. Isso
não é uma unidade real; não preserva a verdadeira simplicidade. Em vez disso, como diz John
Owen, uma “pessoa divina nada mais é do que a essência divina... subsistindo de uma maneira
especial”.[194]
Nem devemos olhar para as pessoas e pensar que se juntarmos duas delas, teremos mais
“Deus” do que se ficarmos apenas com uma. Isso seria aceitar novamente a analogia do ouro.
Não, diz Agostinho, o “Pai e o Filho juntos” não “excedem a verdade do Pai ou do Filho
separados”. Ambos “juntos não superam em grandeza a cada um em particular”.[195] Isto é tratar a
Trindade como um problema matemático que envolve adição. Mas, como dissemos, cada pessoa
é totalmente Deus, uma subsistência da mesma essência divina que as outras pessoas na
Divindade. A “Trindade possui tanta grandeza como qualquer das pessoas em particular”.[196]
Isso significa que “todas as relações não são algo maior do que uma só delas, nem todas as
pessoas são algo maior do que uma só”; ao invés disso, diz Tomás de Aquino, “cada pessoa
possui toda a perfeição da natureza divina”.[197] Mesmo quando dizemos que o Filho, por
exemplo, é Deus de Deus (Nicéia), não queremos dizer que ele é “Deus de Deus como todo da
parte, ou como parte do todo, ou como parte da parte”. Não, “se existe Deus de Deus, todo Deus
vem de todo Deus”. Isso ocorre porque “Deus não tem partes”.[198]

O Boi Mudo
Tomás de Aquino (1224/25-1274) foi ridicularizado na escola e apelidado de “boi mudo” por causa de sua figura. Acontece que
este Boi Mudo abalou o mundo ocidental e até hoje é considerado um dos maiores teólogos, filósofos e comentaristas bíblicos
que a Igreja já viu. Ele não apenas escreveu uma extensa apologética da teologia chamada Summa contra Gentiles [Suma contra
os gentios], mas também um extenso guia (inacabado) de teologia para estudantes chamado Summa Theologiae [Suma teológica].
Infelizmente, os protestantes hoje, especialmente os evangélicos, que o evitam como o fazem com uma praga, pensando ser ele
católico romano. Essa é uma caricatura que precisa morrer uma morte súbita. Sim, deveríamos criticá-lo (como devemos fazer
com qualquer outro teólogo na história), mas entregá-lo a Roma é perder as suas inúmeras percepções teológicas, apologéticas,
exegéticas e pastorais. Quanto à Trindade, você não consegue nada melhor que Tomás. É ortodoxia com clareza cristalina.

Paulo, André e Tiago? Fora com a quaternidade


Ao contrário dos filmes, nem todos os artefatos de valor inestimável são roubados num
assalto e vendidos no mercado negro. Às vezes os artefatos mais preciosos são simplesmente
destruídos. Durante séculos, uma escultura medieval de pedra calcária ergueu-se na catedral
romanesca de Vic, uma cidade ao norte de Barcelona, na Espanha. Por fim, a escultura foi
destruída, assim como a catedral que abrigava sua beleza. Mesmo assim, um fragmento da
escultura foi salvo e hoje está guardado no museu Nelson-Atkins, em Kansas City. Este
fragmento de rocha exibe três apóstolos: Paulo, André e Tiago. Por morar em Kansas City, vi
essa obra de arte do século XII com meus próprios olhos. As cores da tinta já se desgastaram há
muito tempo; no entanto, cada curva, cada vinco, está ainda nítido. Os apóstolos ficam um ao
lado do outro, com seus Evangelhos nas mãos, e têm halos circulares adornando suas cabeças.
Na minha opinião, é um dos maiores tesouros do museu.
Por mais que eu aprecie essa escultura, ela também é uma analogia ruim para a Trindade.
Paulo, André e Tiago são três pessoas e todos têm a mesma natureza humana.[199] Poderíamos
dizer que todos possuem a natureza que chamamos de humanidade. Mas podemos dizer que são
um só humano? Não.[200] Paulo, André e Tiago participam do que chamamos de humanidade,
mas não são um único ser humano. São, antes, três indivíduos separados, três seres distintos. Não
apenas distintos, mas independentes. Eles podem ter muito em comum, mas permanecem três, e
não um. A ilustração falha: o que chamamos de natureza humana pode ser dividida. Nunca
poderá ser uma única essência humana e ao mesmo tempo três seres humanos. “A humanidade
comum das três pessoas humanas não indica, como faz em Deus, uma unidade numérica de
essência, apenas uma unidade genérica.”[201] E uma unidade genérica não serve para falar acerca
do Deus triúno.
Paulo, André e Tiago podem existir um sem o outro; eles não precisam um do outro, nem
a sua identidade depende do outro. Não há unidade genuína entre os três. Eles são, em suma,
separáveis e divisíveis. Não é assim com o Pai, o Filho e o Espírito. O Pai não existe sem o seu
Filho, o Filho não existe sem o seu Pai, e o Espírito não existe sem o Pai e o Filho, se todos os
três tiverem a mesma essência divina.[202] Sim, são distinguíveis, mas apenas em termos de suas
relações eternas de origem (propriedades pessoais), não em termos de sua essência (natureza). A
essência divina, eles têm em comum. Pois essa é comunicável, enquanto as propriedades
pessoais não o são (são incomunicáveis).[203] “O Pai e o Filho são um em todas as coisas, exceto
no que diz respeito às suas propriedades pessoais: o Filho é tudo o que o Pai é, exceto que não é
Pai e não é sem princípio”, diz Emery. “No Pai, no Filho e no Espírito Santo, a natureza divina é,
portanto, idêntica e a mesma.”[204]
Em suma, a essência divina não é uma coisa e as três pessoas outra, como se tivéssemos
agora quatro coisas, criando uma quaternidade em vez de uma Trindade — este é o perigo real
de ambas as analogias (ouro e apóstolos). Por mais que distingamos entre a essência e as pessoas,
não podemos esquecer que cada pessoa é uma subsistência divina da essência una, indivisa e
indivisível. Caso contrário, a simplicidade se dissolve, e com ela a Trindade. Como diz João de
Damasco: “Cada um dos três tem uma subsistência perfeita,... não uma natureza perfeita
composta de três elementos imperfeitos, mas uma essência simples, que ultrapassa e precede a
perfeição, existindo em três subsistências perfeitas”.[205]

A simplicidade pode ajudar a combater a heresia trinitária?


O fracasso da analogia Paulo-André-Tiago ensina-nos uma verdade fundamental: tudo
depende dessa distinção entre essência e pessoas. Ela é muito importante. Sem ela, ou nos
desviamos para uma unidade radical (sabelianismo) ou para uma triunidade radical (triteísmo).
Mas a simplicidade nos afasta de ambos. Em outras palavras, a simplicidade não é apenas
consistente com um Deus triúno, mas a simplicidade é a razão pela qual podemos afirmar um
Deus triúno, por mais irônico que pareça. Não só isso, mas a simplicidade nos protege de
diversas heresias trinitárias importantes.
Sabelianismo. De acordo com o sabelianismo (também chamado de monarquianismo
modalista), Deus não é três pessoas, mas uma, que apenas se converte em três formas diferentes.
A única pessoa que chamamos de Deus usa três máscaras diferentes: às vezes coloca a máscara
para se tornar o Pai, mas depois troca de máscara para se tornar o Filho ou o Espírito Santo. O
Deus único não é composto por três pessoas distintas, mas transita em três modos impessoais, de
modo que não temos uma Trindade a menos que a pessoa única de Deus se envolva com sua
criação de três maneiras diferentes.
A simplicidade, porém, vem em nosso auxílio. Quando afirmamos que existem três
modos de subsistência (paternidade, filiação, espiração), não nos referimos a três modos de
subsistência impessoais (sabelianismo), mas a três modos de subsistência pessoais. Em outras
palavras, a essência única não se manifesta de três maneiras diferentes (isto é, impessoal). Em
vez disso, a essência única subsiste eterna e totalmente em três pessoas indivisas, mas distintas,
sendo cada pessoa uma subsistência da essência única e indivisa.[206]
Triteísmo. A simplicidade também é capaz de evitar o triteísmo. Como explicam Tomás
de Aquino e Anselmo, só porque “sejam três que têm a divindade” não significa que haja “três
deuses”.[207] A essência divina não se multiplica três vezes: isso é triplicidade.[208] A triplicidade
leva ao triteísmo, porque “se Deus é composto de três coisas, ou não existe substância simples ou
existe outra substância que supera a substância de Deus em alguma coisa”.[209] Três coisas, três
partes, comprometeria a essência única e simples de Deus.[210]

Deus é somente uma pessoa?


Nos primeiros três séculos da Igreja, os cristãos viviam numa cultura politeísta que acreditava em mais de um deus. O
cristianismo, por outro lado, ensinava que existia apenas um Deus, e este é o governante de tudo, Senhor do céu e da terra.
Contudo, num esforço para preservar o governo do Deus único, alguns seguiram uma direção herética: o monarquianismo
modalista. Para dar sentido aos nomes bíblicos — Pai, Filho, Espírito —, afirmaram que o único monarca estava apenas sendo
descrito de maneiras diferentes. Sua lei única assume três formas de revelação. No século III, um homem chamado Sabélio foi
excomungado. Não sabemos muito acerca dele, mas parece que existiu uma versão melhorada do monarquianismo modalista
associada a ele. A única pessoa de Deus desempenha três papéis diferentes, cada um servindo a um propósito único na história da
salvação. O sabelianismo ensinou, como resultado, o patripassianismo. Quando o Filho sofreu na cruz, o Pai sofreu na cruz, pois
são a mesma pessoa. Diferentes Pais da Igreja responderam aos vários representantes do sabelianismo. Por exemplo, Tertuliano
(c. 160-220) escreveu um livro chamado Contra Praxeas. Embora o livro dê a impressão de que seu alvo seja Praxeas, o nome
em grego significa “corpo ocupado”. Muito provavelmente, o nome verdadeiro da pessoa em questão era Calisto. Para proteger a
Trindade da heresia, Tertuliano desenvolveu uma gramática trinitária em latim:

trinitas = Trindade
persona = pessoa
substantia = substância

Tertuliano e Orígenes também argumentaram que o Filho era gerado eternamente do Pai, distinguindo-o assim como pessoa.
Ele não é outro deus, mas uma persona que vem da mesma substantia do Pai que o gerou.
Além de Tertuliano e Orígenes, Hipólito também ofereceu uma resposta ao sabelianismo.

No entanto, triplicidade não é a mesma coisa que Trindade. A triplicidade divide a


essência de Deus, tornando cada pessoa um agente individual. Mas a Grande Tradição evita essa
armadilha ao enfatizar que a essência única e simples tem três modos de subsistência. Em vez de
dizer simplesmente que Deus é três pessoas, podemos ser mais específicos: a essência una e
indivisa subsiste inteiramente em três pessoas, sendo cada pessoa uma subsistência da mesma
essência simples. Veja o que John Gill diz: “Existe apenas uma essência divina, indivisa e
comum ao Pai, ao Filho e ao Espírito, e nesse sentido apenas um Deus; portanto existe apenas
uma essência, embora existam diferentes modos de subsistência nela que são chamados de
pessoas; e esses possuem toda a essência indivisa”.[211] Embora a simplicidade exclua partes, ela
não exclui relações eternas ou propriedades pessoais. Pois essas relações não prejudicam a
unidade de Deus, mas sustentam tal unidade.
Como?
As relações eternas de origem — o Pai ingênito, o Filho gerado, o Espírito espirado —
não apenas distinguem as pessoas, mas também garantem que elas sejam subsistências da mesma
essência divina. A essência divina é comunicada do Pai ao Filho, e do Pai e do Filho ao Espírito.
Por exemplo, considere a geração eterna. O Filho é gerado da essência do Pai, ou como os Pais
da Igreja tantas vezes disseram, da ousia do Pai. Teólogos posteriores também lidaram com esse
ponto. François Turretini escreveu: “Por fim, a essência divina é comunicada por geração ao
gerado não para que ela exista, mas para que subsista”.[212] Assim, sempre que enfatizamos
somente as relações como aquilo que distingue as pessoas, não devemos esquecer que essas
mesmas relações preservam a simplicidade da essência.

O trinitarismo social torna Deus mais ou menos


pessoal?
Se Deus fosse constituído de partes, suas partes precisariam ser atualizadas; Deus teria que alcançar seu potencial e se tornar algo
mais do que é. Mas a simplicidade nos ensina que Deus não tem partes e, portanto, está vivo maximamente. Ele é, como gostava
de dizer a Grande Tradição, ato puro; não precisa se tornar nada mais do que é desde a eternidade. Isso significa que ele não pode
se tornar mais pessoal do que já é desde a eternidade. Ironicamente, o trinitarismo social, que rejeita a simplicidade, torna Deus
menos (e não mais) pessoal. E ao definir a Trindade como uma sociedade ou comunidade em que cada pessoa é o seu próprio
centro de consciência e vontade, os trinitaristas sociais devem explicar por que as pessoas não precisam se tornar mais pessoais
nas suas relações interdependentes de amor. Para aprender mais sobre Deus como ato puro, veja o capítulo 6 e o glossário.

Trinitarismo social. Se a simplicidade protege contra o triteísmo, então também nos


protege do trinitarismo social. Se Deus é um em essência, então é sem dúvida um em vontade.
“O Pai, o Filho e o Espírito”, diz John Owen, “não têm vontades distintas. São um só Deus, e a
vontade de Deus é única, como uma propriedade essencial de sua natureza”.[213] Isso é essencial
para o trinitarismo ortodoxo, um pilar fundamental que protege a Trindade da heresia, bem como
de ficar à deriva.
No entanto, muitas formas de trinitarismo social rejeitam essa crença e, em vez disso,
ensinam que existem três centros de consciência e, portanto, três vontades na Divindade. O
trinitarismo social coloca ênfase nas pessoas como uma comunidade, como uma sociedade, cada
pessoa tendo a sua própria vontade que não é apenas distinta, mas diferente da vontade das
outras pessoas (veja o capítulo 3).
Esse é um erro de proporções colossais. Apesar dos protestos em contrário, o trinitarismo
social possui todos os ingredientes para um triteísmo. Pois onde há três vontades há três centros
separados de consciência, e onde há três centros separados de consciência há três deuses. Nessa
visão, Deus não age mais como um porque é um (operações inseparáveis), mas age como um
porque as três vontades das três pessoas simplesmente cooperam umas com as outras.
Revisitaremos a vontade única da Trindade no capítulo 10, pois apenas uma vontade pode
explicar como as obras externas do nosso Deus triúno permanecem indivisíveis. Por enquanto,
aqui está uma provocação: “Deus é um, portanto o poder e a operação de todas as Pessoas são
unos e indivisos; e cada Pessoa é a causa imediata e perfeita de toda a obra”.[214]
Para concluir, a verdadeira unidade não é uma mera unidade de vontade(s) (isso é o que
argumentavam os arianos), mas deve haver uma unidade no ser (Grande Tradição).[215] As
pessoas agem como uma só porque são uma — uma em essência e, portanto, uma em vontade.
“Pois existe uma essência, uma bondade, um poder, uma vontade, uma energia, uma autoridade,
uma e a mesma, repito, não três que se assemelham”, diz João de Damasco. “Mas as três
subsistências têm um mesmo movimento. Pois cada uma delas está tão intimamente relacionada
com a outra quanto consigo mesma: isto é, o Pai, o Filho e o Espírito Santo são um em todos os
aspectos, exceto naqueles de ser ingênito, de ser gerado e de proceder.”[216]
O que, então, distingue as pessoas se não as vontades diferentes? Como explicará o
capítulo 6, as pessoas são idênticas em todas as coisas, exceto em suas relações eternas de
origem (propriedades pessoais): paternidade, filiação, expiração. Essas e somente essas
distinguem as pessoas. Qualquer coisa a mais, qualquer outra coisa, e a unidade do nosso Deus
triúno será dividida; a simplicidade divina ficará comprometida. Deus não será mais
simplesmente Trindade.
Mas isso não é tudo. Essas relações não apenas distinguem; também unem.

A simplicidade é importante para a igualdade: o Credo Atanasiano


Vimos agora que a simplicidade é importante. Ela nos protege tanto do sabelianismo e do
triteísmo quanto do trinitarismo social. Mas a simplicidade também é importante por outro
motivo: igualdade. Sem simplicidade, não há igualdade. Ou, para chamar a sua atenção: a
simplicidade nos protege da heresia do arianismo (e de qualquer matiz de subordinacionismo).
Se Deus não é composto de partes, mas a única essência divina subsiste inteiramente em
três pessoas, então também deve seguir-se que cada pessoa é totalmente Deus. A simplicidade
nos impede de pensar que uma pessoa da Trindade é superior a outra, ou que uma pessoa da
Trindade é inferior a outra, seja em essência, poder, vontade ou autoridade.
Mas, novamente, tal coigualdade só pode ser afirmada se a simplicidade for verdadeira
em relação a Deus. Se ele fosse dividido por partes que chamamos de Pai, Filho e Espírito, então
essas partes ou não seriam totalmente Deus — cada uma possuindo apenas parte de Deus, que
corresponderiam a totalidade quando somadas — ou seriam totalmente divinas, cada uma delas
sendo um Deus próprio, resultando no triteísmo. Mas se Deus é simples, então não é composto
de três partes, nem é divisível em três centros de consciência ou três vontades diferentes. Em vez
disso, ele é um, e sua essência não tem composição. Indivisível, a sua essência única não pode
ser dividida entre três pessoas nem pode ser desmantelada em três agentes separados de
divindade. Em vez disso, a essência una e indivisível subsiste inteiramente em três pessoas, de
modo que cada pessoa é uma subsistência da essência divina una e indivisa.

O Credo Atanasiano
Houve um tempo em que alguns diziam que esse credo fora escrito por Atanásio, mas os estudiosos agora reconhecem que ele
não o escreveu. Eles acreditam que o credo não se originou no Oriente, mas no Ocidente, e data do final do século V ou início do
século VI. No entanto, a linguagem do credo está em dívida tanto com o Oriente quanto com o Ocidente, pois depende do Credo
Niceno e de Agostinho. Os Pais medievais acreditavam que qualquer pessoa que se preparasse para o ministério deveria conhecer
o Credo Atanasiano. Alguns diziam que ele era tão importante quanto o Credo Niceno. O Credo Apostólico, o Credo Niceno e o
Credo Atanasiano formavam o Tria Symbola. E os reformadores consideravam o Credo Atanasiano tão monumental quanto os
outros dois, acreditando que ele ensinava a mesma fé.

Para saber mais, leia J. N. D. Kelly, The Athanasian Creed.

Isso significa, então, que quer estejamos falando do Pai, do Filho ou do Espírito Santo,
cada um deve ser considerado Deus verdadeiro, totalmente divino. Nenhum deles é inferior ao
outro, nem mesmo um pouco. “E isto por não ser”, diz Tomás de Aquino, “a essência divina
mais do Pai do que do Filho. Por onde, assim como o Filho tem a grandeza do Pai, que o torna
igual a este, assim o Pai tem a do Filho, que também o torna igual a ele”.[217] A inferioridade não
pode existir onde cada pessoa é uma subsistência da mesma e idêntica natureza divina. Nenhuma
pessoa está eternamente subordinada à outra porque nenhuma pessoa é menos divina que a outra.
A simplicidade da essência divina não é propriedade de apenas uma ou duas pessoas, mas de
todas as três. Quando Moisés confessa: “Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR”
(Dt 6.4), o Filho e o Espírito Santo estão incluídos nessa confissão tanto quanto o Pai, como
nossa amiga Zípora confirmou em João 10.[218]
Os Pais compreenderam a importância da simplicidade para a igualdade. Considere, por
exemplo, o Credo Atanasiano.[219] Ele começa com uma doxologia, confessando
que veneremos um só Deus na Trindade, e a Trindade na unidade,
não confundindo as pessoas
nem separando a substância.[220]

Para que haja uma Trindade em unidade, o Credo Atanasiano diz que a Divindade (Pai, Filho e
Espírito) “é toda uma”, e se todos são um, então deve haver igualdade total: “mesma divindade,
igual em glória e coeterna majestade”. Além da única coisa que as distingue (isto é, as relações
eternas de origem: paternidade, filiação, espiração), elas compartilham inteiramente todas as
propriedades da essência indivisa de Deus. É por isso que o Credo Atanasiano pode começar
com uma longa lista descrevendo o Pai, o Filho e o Espírito Santo como incriados,
incomensuráveis, eternos, onipotentes e, ambos, Deus e Senhor. Observe:
Qual o Pai, tal o Filho, [e] tal o Espírito Santo:
incriado:
incriado o Pai, incriado o Filho,
incriado o Espírito Santo;
incomensurável:
incomensurável o Pai, incomensurável o Filho,
incomensurável o Espírito Santo;
Eterno:
eterno o Pai, eterno o Filho,
eterno o Espírito Santo;
Onipotente:
Semelhantemente, onipotente o Pai, onipotente o Filho,
onipotente o Espírito Santo.

Observe que nem mesmo a autoridade, que é sinônimo de “onipotência”, pode ser negada a todos
os três. O Filho não está subordinado ao Pai, que seria um onipotente maior — isso os tornaria
dois onipotentes, um menor que o outro.
Atribuir essas coisas a todos os três, significa que existem três incriados,
incomensuráveis, eternos e onipotentes? Não.
... não três eternos,
mas um só eterno,
como também não três incriados nem três incomensuráveis,
mas um só incriado e um só incomensurável.
... não três onipotentes,
mas um só onipotente.

Observe que o credo afirma a igualdade divina de cada pessoa distinta na Divindade (cada uma
sendo incriada, incomensurável, eterna e onipotente) e ao mesmo tempo evita a heresia do
triteísmo, ao afirmar que não existem três incomensuráveis ou três eternos, mas um e somente
um. A triunidade de Deus está sempre próxima de sua simplicidade. Afirmar uma é afirmar a
outra ao mesmo tempo. Pois quando o credo trata acerca da própria Divindade, lemos:
Assim Deus o Pai, Deus o Filho,
Deus o Espírito Santo; e,
no entanto, não três deuses,
mas um só Deus.
Assim Senhor o Pai, Senhor o Filho,
Senhor o Espírito Santo, e,
no entanto, não três Senhores,
mas um só é o Senhor.

Como veremos nos próximos capítulos, o credo continua explicando o que distingue as três
pessoas (paternidade, filiação e espiração). Mas mesmo quando se diz, por exemplo, que o “Filho
vem do Pai” (geração eterna), ele é rápido em qualificar tal relação como eterna. Por quê? Pois
se não é eterna, então o Filho é menor que o Pai, subordinado e inferior. Mas se forem coeternas,
então todas as três pessoas também serão coiguais. Concluímos, então, com esta melodia
cativante:
E nesta Trindade nada é antes ou depois,
nada maior ou menor,
mas todas as três pessoas são entre si coeternas e coiguais.
De modo que, em tudo, como já foi dito acima,
deve ser venerada e a Trindade na unidade e a unidade na Trindade.
6
O Filho foi gerado do Pai?
Paternidade e filiação parte 1

Ele gera, portanto é Pai.


TOMÁS DE AQUINO, SUMMA THEOLOGIAE

A geração pelo Pai, sem mudança alguma de natureza, proporciona ao Filho a essência, sem início de tempo.
AGOSTINHO, A TRINDADE

Todos os escritores sãos e ortodoxos depõem unanimemente a favor da geração e filiação eterna de Cristo, em todas
as épocas.
JOHN GILL, THE ETERNAL SONSHIP OF CHRIST

Para o DeLorean!
Destino: Os dias em que Jesus andou pela terra. Uma mulher (fictícia) chamada Zípora, que viveu no primeiro século, nos
apresentará Jesus, que nos contará de onde ele veio antes da encarnação.

Ponto principal: O Pai é ingênito, o princípio sem princípio na Divindade. O Filho é gerado eternamente, a partir da essência do
Pai. Não devemos ser vítimas das nove marcas de uma geração doente, que ameaçam comprometer a sua eterna igualdade e
distinção pessoal em relação ao Pai. Conclusão: somente se ele for o Filho do Pai por natureza poderemos aproximar-nos com
ousadia do trono do Pai pela graça.

Meu filho amado


Às vezes, outras pessoas da minha igreja me perguntam: “Você realmente estava lá? Realmente
viu Jesus?”
“Sim, eu estava lá”, respondo com relutância.
“Você deve ter visto muita coisa. Você poderia compartilhar conosco uma de suas
lembranças, Zípora?”
Isso pode parecer egoísta, mas não gosto de compartilhar minhas memórias. Quero que
outros saibam o que Jesus fez. Realmente quero. Mas temo que meus contos não apresentem
Jesus como ele era, como o conheci. Minhas palavras são como esboços do sol. Retratam a fonte
de luz no céu, mas não podem fazê-lo sentir seu calor. Entretanto, no fundo, sou pessimista, e é
por isso que minha irmã Naomi continua olhando para mim com suas sobrancelhas arqueadas,
como se dissesse: “Zípora, devo lembrá-la mais uma vez que nosso Senhor usou palavras para
transmitir quem ele é?”
“Houve uma vez em que vi Jesus e não deveria ter visto”, eu disse. Os ouvintes, que mal
tinham idade para casar e ter filhos, lançaram-me um olhar de suspense, que era o que eu
pretendia.
“Eu tinha mais ou menos a sua idade”, disse, apontando para uma jovem com cabelo
castanho escuro e uma barriga que começava a aparecer. “Pedro, a quem hoje chamamos de
apóstolo, tornou-se um amigo. Mas naquela época, ele não era tão confiante como é agora. Ele
tinha dúvidas reais, lutas reais. Certa vez, ele confessou que Jesus era o Cristo, o Filho do Deus
vivo. No entanto, quando ouviu Jesus predizer a sua própria morte, repreendeu-o. A resposta de
Jesus cortou-o ao meio: ‘Arreda, Satanás!’[221] Pedro era assim — fervoroso num minuto,
confuso no seguinte. Mas neste dia, estava cheio de fé e coragem.
“‘Tenho que ir, Zípora. Desculpe, você não pode vir’, ele disse-me assertivamente.
“‘Por quê?’”, perguntei.
“‘Não sei, mas Jesus disse que apenas Tiago, João e eu podemos ir com ele. Tenho
certeza de que não é nada, e estaremos de volta em algumas horas, no máximo amanhã’.
“Eu não o escutei, segui Jesus e os outros três à distância enquanto eles subiam uma
montanha alta, pensando que estavam sozinhos. No topo, vi algo que não deveria ver, algo que
nunca poderei esquecer, mas que também não quero esquecer.”
“O quê?”, um dos meninos mais novos interrompeu.
“Eu vi Jesus transfigurado.”
“Transfigurado?”
“Sim. Enquanto subia a montanha, ele era apenas Jesus, como sempre o víamos. Parecia-
se muito com os outros. Mas no topo da montanha, seu rosto ficou radiante. Brilhava como o sol.
Você não conseguia olhar para o rosto dele — queimava. Suas roupas também. Elas ficaram
brancas com a luz.”
“E quanto aos outros?”, o jovem interrompeu novamente.
“Não. Eles não. Apenas Jesus. Mas então aconteceu mais uma coisa. Outras duas pessoas
foram ao encontro dele. Eu não sabia quem eram, então me aproximei silenciosamente até poder
ver melhor. Parei quando consegui distingui-los. Para minha surpresa, eram Moisés e Elias. Eles
ficaram ao lado de Jesus, conversando com ele como se já tivessem feito isso antes. Mas a
conversa deles parecia urgente, como se algo estivesse para acontecer, e eles precisassem falar
com Jesus sobre isso.”
“O que Pedro, Tiago e João fizeram?”, a menina grávida perguntou.
“Nada. Eles ficaram tão chocados quanto eu. Espere... Retiro o que disse. Pedro fez algo,
ele disse alguma coisa. Ele estava nervoso. Novamente, ele não era o Pedro que você conhece
agora. Naquela época, ele era, bem, reacionário, dizia tudo o que lhe vinha à mente. Perguntou a
Jesus se poderia preparar tendas para abrigar Jesus, Moisés e Elias. Típico dele. Ele não sabia o
que dizer, então falou sobre tendas. Tendas. De qualquer forma, ele continuou resmungando, mas
parou quando uma nuvem luminosa ofuscou a todos. Quando vi a nuvem, fiquei ainda mais
nervosa. Lembre-se de nossos antepassados: Deus apareceu ao nosso povo numa nuvem no
deserto. Agora a nuvem pairava sobre nós. Então veio uma voz da nuvem: ‘Este é o meu Filho
amado, em quem me comprazo; a ele ouvi’.”
Naomi lançou-me outro de seus olhares, desta vez com as sobrancelhas levantadas, como
se dissesse: “Eu disse. Você ouviu, Zípora, as palavras dele?”
“Quando Pedro, Tiago e João ouviram isso, caíram com o rosto em terra e ficaram
aterrorizados. Mas Jesus os confortou, dizendo-lhes que se levantassem, que não tivessem medo.
Eles olharam em volta, esperando ver Moisés e Elias novamente, mas esses haviam
desaparecido. A nuvem desapareceu. A brancura ofuscante desapareceu. Só havia Jesus.”[222]
“Pedro realmente disse aquelas coisas estúpidas?”, uma das crianças perguntou,
incrédula.
“Sim”, Pedro respondeu do fundo da sala, e com uma pitada de desaprovação pelo
segredo agora revelado. “Zípora está certa. Era como se o próprio céu estivesse falando.
Olhamos para cima, mas não conseguimos ver nada além da própria nuvem.”[223]
“De quem era a voz?”, perguntou um dos homens mais velhos.
“Do Pai”, disse uma das crianças com uma certa precocidade.
“Sim, do Pai. Ouvi a voz dele, e essas mesmas palavras, agora que penso nisso, foram
ditas no batismo de Jesus. Mas agora, quando Jesus estava prestes a sofrer, as palavras vieram
novamente. Mais para o nosso bem do que para o dele, eu diria. Você não concorda, Pedro?” Eu
disse, mas sem olhar para o fundo da sala.
“Sim”, disse Pedro, lançando-me um olhar amigável. “E as tenho ouvido desde então.” A
grávida riu, o que fez sua barriga balançar para cima e para baixo. As crianças viram e se
esforçaram para não rir.
“Jesus nos disse muitas vezes durante o seu ministério que ele era o amado do Pai. Não
porque ele foi de alguma forma adotado pelo Pai. Ele era o Filho amado do Pai desde toda a
eternidade. Nunca houve um tempo em que ele não fosse o Filho amado do Pai. Mas agora, por
nossa causa, o Pai confirmou a identidade do seu Filho para que o ouvíssemos. Todos nós
precisávamos ouvir isso, já que todos lutávamos para entender o motivo de Jesus ter que morrer.
Porém, agora sabemos o porquê”, eu disse. Pedro olhou para mim novamente, desta vez com
gratidão.
“Ora, escutem-me. Todos vocês. Deus enviou seu Filho amado para falar suas palavras,
palavras salvadoras, e se você as ouvir, se você as receber, as mesmas palavras que Jesus
transmitiu a Pedro, então ele lhe dará o Espírito sem medida. E embora você não veja Jesus
como nós, você o conhecerá. Mas o mais importante é que ele conhecerá você.” ■

Frase-chave: relações eternas de origem


Por “origem” queremos dizer aquilo que é “a proveniência de outro” e aquilo que é “proveniente doutro”, diz Tomás de Aquino.
Por “relação” queremos dizer “propriedades pessoais”, pessoais porque essas propriedades são o que “separam ou constituem
hipóstases ou pessoas” na Trindade. “Relações eternas de origem”, portanto, identificam de quem cada pessoa procede e o que há
em cada pessoa que a distingue das outras (Suma 1a.32.3). Somente as relações eternas de origem podem nos dizer por que Deus
é Trindade. “O objetivo”, diz Gregório de Nazianzo, “é salvaguardar a distinção das três hipóstases dentro da única natureza e
qualidade da Divindade” (Sobre Deus e Cristo 4.31.9).

O princípio sem princípio


A memória acerca da transfiguração, de Zípora, a respeito da qual você pode ler em Mateus 17, e
a lembrança de Pedro desse mesmo evento, a qual você pode ler em 2 Pedro 1, nos colocam face
a face com Cristo em sua glória revelada. Mas por mais que tenhamos nos concentrado, como o
público de Zípora, no que Pedro viu, o propósito final era levar a fé dos discípulos além da mera
visão, para que, no fim, eles ouvissem o que Jesus tinha a dizer. Porém, foi necessário que o
próprio Pai falasse, confirmando que Jesus era, de fato, seu Filho amado. Ao fazê-lo, o Pai não
apenas assumiu a identidade de seu Filho como Filho, mas também assumiu sua identidade como
Pai.

Palavra-chave Inascibilidade
Esta é uma palavra teológica sofisticada que significa que o Pai não vem de ninguém, ele é a fonte sem fonte, o princípio sem
princípio. Enquanto o Filho é gerado, o Pai é ingênito. Termos como estes, diz John Webster, destacam a “identidade do Pai em
relação ao Filho”, mas de forma alguma conotam “a elevação do Pai sobre o Filho como um princípio superior do qual o Filho é
uma emanação derivada” (God Without Measure, 31).

Como Pai, ele é a origem eterna de seu Filho, a fonte da qual o Filho é gerado.[224]
Relações eternas de origem — você deve se lembrar de nossa discussão acerca dessa frase no
capítulo 2. Lá aprendemos que as três pessoas que mantêm em comum a essência simples e una
são distinguidas por relações eternas de origem: o Pai é ingênito, o Filho é gerado, o Espírito é
espirado. Somente essas distinguem as pessoas. Descobrimos que a Grande Tradição usava
outras frases para dizer o mesmo: a essência única tem três modos de subsistência (propriedades
pessoais).[225]
Em Mateus 17, a única razão pela qual o Pai pode referir-se a Jesus como seu Filho
amado é porque o Filho tem sua origem do Pai eternamente. Jesus não é amado porque se
encarnou; encarnou porque é amado. Como disse Zípora, nunca houve um tempo em que ele não
fosse o Filho amado do Pai. Como Jesus disse repetidas vezes, o Pai o ama (Jo 3.35; 5.20).
Gerado pelo Pai desde toda a eternidade, foi enviado pelo Pai à história para nós e para a nossa
salvação.
Mas, diferente da paternidade humana, Deus Pai não tem pai. Ele é, numa palavra,
ingênito; nenhum Pai o trouxe à existência. A Grande Tradição, nosso Time dos Sonhos, usou a
palavra “princípio”, que, segundo Tomás de Aquino, “significa aquilo de que alguma coisa
procede”. Visto que, “como do Pai procede outro, resulta que o Pai é princípio” e o único na
Trindade que não tem princípio, o princípio que, ele próprio, não tem princípio.[226] Se não o
fosse, então Cristo não teria “nos ensinado a dirigir nossa oração ao Pai por meio do Filho”.[227]
Dito isto, o que exatamente significa para o Pai gerar seu Filho?

O que é geração eterna?


Como aprendemos no capítulo 2, a palavra “geração” significa “surgimento” e, com referência à
Trindade, refere-se ao Filho que surge da essência do Pai.[228] O conceito nos leva ao cerne do
que significa para o Filho ser Filho. Ele vem eternamente do Pai, por isso é chamado Filho. Para
ser mais específico, na geração eterna o “Pai, desde toda a eternidade, comunicou seu nome, suas
perfeições e sua glória ao Filho”.[229] Desde toda a eternidade, o Pai comunica a essência divina
única, simples e indivisa ao Filho. Ou, para usar o vocabulário do Evangelho de João, geração
eterna significa que o Filho é gerado eternamente a partir da essência do Pai (veja o capítulo 7).
Se o Filho não for gerado do Pai, a essência divina não pode subsistir (existir) no Filho.[230]
Correndo o risco de afirmar o óbvio, filho é, por definição, aquele que é gerado pelo pai,
aquele que tem origem no pai. Apontaremos em breve as diferenças entre a filiação humana e a
divina, porém não podemos perder de vista a semelhança fundamental: filiação significa que
alguém é gerado por um pai. Quando o conceito é aplicado ao Filho de Deus — como tantas
vezes o fazem os autores das Escrituras —, ele significa, em seu sentido mais básico, que ele,
como o Filho eterno, vem de seu Pai.
Para deixar claro, vir do Pai não se refere à encarnação, a Cristo como Mediador; ser
enviado pelo Pai para salvar pode refletir a geração eterna, mas de forma alguma a constitui. Em
vez disso, vir do Pai refere-se à origem do Filho na eternidade, à parte da criação. A geração é
entre Pai e Filho, um ato eterno, e não entre a Trindade e a criação, como se fosse um ato
temporal. Como aprenderemos, a geração é interna ao Deus triúno, ad intra, como gostamos de
dizer em latim, em oposição a externa, ad extra.[231] O Filho ser enviado pelo Pai ao mundo em
missão reflete sua origem eterna do Pai (geração), mas essa missão de forma alguma constitui
sua relação eterna de origem. O Filho é gerado pelo Pai antes de todas as eras, fora do mundo, de
maneira independente da criação. Ele é Filho, quer seja enviado ao mundo ou não; ele é o Filho
eterno do Pai, quer encarne ou não.[232] O que está em vista é a Trindade imanente, e não a
econômica.
Como vimos, existe outro termo [em inglês] que transmite o conceito de geração:
begotten [gerado]. Talvez você já tenha percebido a palavra ao ler aquelas longas genealogias da
Bíblia: fulano de tal gerou fulano de tal que gerou fulano de tal. Mas, como veremos no capítulo
7, João também aplica esta linguagem a Jesus, referindo-se a ele como o Filho unigênito [only
begotten] de Deus (e.g., Jo 3.16). Essa linguagem de geração, no entanto, é muito anterior à
Bíblia King James. Já no século IV, os Pais da Igreja que escreveram o Credo Niceno também a
usaram. O Credo Niceno, por exemplo, diz: “Cremos em... um só Senhor Jesus Cristo, o Filho
unigênito [only-begotten] de Deus, gerado do Pai antes de todos os séculos”.
Por ser do Deus indiviso de que estamos falando, o fato de o Filho ser gerado do Pai
significa que Deus é gerado de Deus, e é por isso que o credo confessa que o Filho é “verdadeiro
Deus de verdadeiro Deus”. Confessar o Filho como Deus verdadeiro de Deus verdadeiro não é
um exagero, pois ele é, não ousemos esquecer, consubstancial ao Pai. Consubstancial significa
que o Filho é igual ao Pai em todos os sentidos, da mesma essência ou substância do Pai, não
menos divino que o Pai. Mas só podemos afirmar tal coigualdade se o Filho for gerado da
essência do Pai.
Além disso, somente a geração é o que distingue o Filho como Filho. Não existe algum
outro conceito, função ou atividade na Trindade que distinga a pessoa do Filho da pessoa do Pai.
Somente a geração pode fazê-lo, pois só ela transmite o núcleo da filiação. Isso não é pouca
coisa, porque sem a geração não só não existe Filho, mas também não existe Trindade. Como
adverte John Gill: “Sem a sua geração eterna, nenhuma prova pode ser feita de que ele é uma
Pessoa divina distinta na Divindade”.[233] Sem geração, caímos de cabeça no sabelianismo, pois o
que anteriormente distinguia o Filho do Pai é dissolvido e, como resultado, as pessoas são
fundidas até que não haja mais pluralidade.
Com a ideia básica de geração estabelecida, devemos qualificar a filiação na Trindade
para não interpretá-la de uma forma literal, como uma correspondência individual com a filiação
criatural. Existem diferenças significativas entre uma geração divina e uma humana.
Compreender essas diferenças — o que a geração eterna não é — ajuda-nos a compreender
melhor o que ela é. Também evita uma multidão de heresias. Comecemos com esta pergunta:
quando o Filho é gerado pelo Pai?
Quando o Filho é gerado?
Essa é uma das perguntas mais capciosas que existem. Não há “quando”. Por quê? A resposta
curta: nosso Deus triúno é eterno. Ele não está limitado pelo tempo, é atemporal; ele não tem
começo. Uma sucessão de momentos não pode aplicar-se a ele. Ele simplesmente é. Isso
significa que a seguinte pergunta é mais relevante:
P: Sendo Deus eterno, o que isso significa para o Filho e para sua geração do Pai?
R: Ao contrário da geração humana, a geração do Filho é eterna. Nunca houve um
tempo em que o Filho não existisse, nem um tempo em que o Filho não viesse do
Pai.
Ou, como gostavam de dizer Pais como Gregório de Nissa, não existe “quando” para o Filho
porque ele não foi gerado no tempo. “Ele existe de fato por geração, mas ainda assim ele nunca
começa a existir.”[234]
Não é como se Deus, o Filho, não existisse, mas tivesse vindo à existência num
determinado momento, criado pelo Pai e, portanto, posterior a ele. Isso descreve como a geração
funciona na nossa existência humana, mas não pode representar a geração do Filho. Ele é, diz
Nicéia, “gerado, não feito”. Ele é, não podemos esquecer, o Filho eterno do Pai (veja o capítulo
7). Se a essência divina subsiste nele, então ele também compartilha dos atributos da divindade,
sendo um deles a eternidade. Não é uma criatura, e se não é criatura, sua geração não pode ser
temporal. A geração do Filho “não ocorre dentro do tempo, assim como a criação não ocorreu
antes do tempo”.[235]
Se a geração do Filho ocorresse dentro do tempo, então não só haveria um tempo em que
o Filho não existiu, como também haveria um tempo em que o Pai não era Pai. E se houve um
tempo em que o Pai não o era, então houve um tempo em que a Trindade não existia. Como
aponta Atanásio: “Se o Filho não é de fato descendente da essência do Pai, mas veio a existir do
nada, então a Tríade consiste em um nada, uma vez que não havia uma Tríade, mas uma
Mônada”.[236]
Além disso, se ele é Filho porque vem do Pai, então sua filiação deve ser tão eterna
quanto o próprio Pai, ao menos se ele for gerado da mesma essência que o Pai. É por isso que o
Credo Niceno enfatiza que o Filho é “gerado pelo Pai antes de todos os séculos... gerado, não
feito... por meio do qual tudo veio a ser”. A geração dentro de Deus é diferente de qualquer
outra; não é suscetível às limitações do tempo. A identidade filial do Filho não tem duração nem
sucessão de momentos; é atemporal. Em posse de uma natureza eterna, nunca houve um tempo
em que o Filho não tivesse sido gerado pelo Pai.
Isso pode parecer uma contradição — como alguém pode ser gerado e eterno? Apenas
soa como uma contradição porque só conhecemos a geração dentro da experiência da nossa
própria finitude. Para a Divindade infinita e eterna, os limites da nossa finitude não se aplicam.
Não nos esqueçamos de que, quaisquer que sejam as palavras usadas para se referir a Deus — até
mesmo palavras e metáforas bíblicas —, este é o Deus que temos em vista: infinito, imutável e
eterno. A linguagem é, por definição, analógica em todos os sentidos. A metáfora deve então ser
adaptada àquele que é incompreensível, e não vice-versa. O mesmo acontece com a geração.
Como diz Agostinho, visto que a geração do Filho é eterna, “não por ser um anterior ao outro,
mas por ser um procedente do outro”.[237] O Filho não é gerado depois do Pai, o que o tornaria
menor que o Pai, o Filho é gerado do Pai e desde toda a eternidade.[238]
Mais uma coisa: aprenderemos no capítulo 7 que as Escrituras se referem à origem eterna
do Filho do Pai com uma variedade de metáforas e títulos, incluindo resplendor, imagem,
sabedoria, Palavra e Ancião de Dias. Mas há algo que podemos considerar neste momento: a
verdade. Como o próprio Jesus diz, ele é a verdade (Jo 14.6). Houve um tempo em que Deus, o
Pai, esteve sem a sua Verdade? Os arianos disseram que sim. Com uma expressão de terror no
rosto, Atanásio pondera este cenário bizarro: “Pois se o Filho não existiu antes da sua geração, a
Verdade nem sempre esteve em Deus”. É um pecado dizer tal coisa, conclui ele. Esse pecado se
multiplica se também dissermos que houve um tempo em que a Imagem não existia, pois “a
Imagem de Deus não é delineada de fora, mas o próprio Deus a gerou; em que, vendo a si
mesmo, ele se deleita... Quando então o Pai não se viu em sua própria Imagem?”[239] Resposta:
nunca. O Pai sempre e para sempre se viu em sua própria imagem. Então, sim, o Filho é a
imagem do Pai, mas diferente das imagens em nosso mundo finito, nunca houve um tempo em
que o Filho não fosse a imagem do Deus invisível (Cl 1.15).[240]

Como o Filho é gerado? Nove marcas de uma geração doente


Até agora, enfatizamos que a geração divina e eterna deve ser diferenciada da geração humana
temporal. Devemos livrar as nossas mentes de qualquer coisa “carnal e impura”, diz John Gill. O
que mais se inclui nessa categoria?
Gill lista nove marcas da geração humana que não deveriam caracterizar a geração
divina. Na verdade, essas não são sugestões originais de Gill, mas são também expressas pela
Grande Tradição, como visto em um Gregório de Nissa.[241] Estas são as nove marcas de uma
geração doente:
1. Divisão de natureza
2. Multiplicação de essência
3. Prioridade e posterioridade
4. Movimento
5. Mutação
6. Alteração
7. Corrupção
8. Diminuição [isto é, redução]
9. Cessação de operação[242]

Não podemos tratar cada uma delas, mas podemos lidar com algumas que são especialmente
perigosas, juntamente com algumas que nós identificamos, com a ajuda de companheiros de
equipe do nosso Time dos sonhos.

John Gill
John Gill pode ser um dos trinitaristas mais negligenciados na história da Igreja. Isso é uma pena para nós, porque o seu Body of
Divinity (uma teologia sistemática) contém uma das articulações mais concisas e precisas da ortodoxia nicena na literatura
teológica. Ele foi um pastor batista calvinista em Londres no século XVIII, momento em que o unitarismo ganhava força na
Igreja. Gill certa vez liderou sua igreja por meio da disciplina eclesiástica, removendo alguém da membresia por rejeitar a
geração eterna do Filho. Ele também escreveu um livro defendendo a doutrina, intitulado The Eternal Sonship of Christ [A
filiação eterna de Cristo]. Os teólogos divergem sobre se Gill era um hipercalvinista, e esse debate afastou muitos de lerem seus
escritos (jogando o bebê fora junto com a água do banho). A ironia é que Gill é muito mais ortodoxo do que muitos batistas hoje.
Ele pode ajudar os batistas a abandonarem seu trinitarismo social e retornarem à ortodoxia nicena.

Nenhuma multiplicação, nenhuma divisão


Primeiro, a geração do Filho não envolve multiplicação ou divisão de natureza. Nenhuma
multiplicação da essência divina está envolvida na geração do Filho. Quando o Pai gera, ele
comunica a essência divina una (simples) ao seu Filho, mas não multiplica a essência divina.[243]
Se o fizesse, não haveria mais uma essência simples, mas duas essências. Da mesma forma,
quando dizemos que o Filho é gerado, não queremos dizer que ele recebe do Pai a essência
divina em parte, mas completamente.[244]
Ou pense desta forma: Deus “não é triplo (triplex), mas trinitário (trinum)”.[245] O Pai não
dá a seu Filho o que recebeu anteriormente de seu próprio Pai. A geração funciona dessa maneira
entre pais criados e finitos, mas Deus, o Pai, não tem começo nem é gerado. Ele não é
descendência de ninguém. Só ele é ingênito, sem origem. “Os pais humanos transmitem o que
receberam”, mas “somente Deus Pai dá ao Filho e ao Espírito Santo o que não recebeu de
nenhuma outra pessoa”.[246] Isto não envolve uma multiplicação da natureza divina, o que
resultaria em três deuses (triteísmo). O Filho é gerado do Pai por natureza, de modo que o Filho é
uma subsistência daquela natureza divina, não a produção de outra, segunda natureza.
A natureza divina não somente não se multiplica, como também não se divide como
resultado da geração do Filho. No século IV, os arianos afirmaram que era assim. Apelaram à
simplicidade divina para argumentar contra a geração eterna do Filho a partir do Pai e contra a
coigualdade com o Pai. Como relata Atanásio, os arianos “negam que o Filho seja o descendente
adequado da essência do Pai, alegando que isso implicaria partes e divisões”.[247] O Filho não
pode ser da essência do Pai, pois então o Pai deve separar-se de uma porção da essência para
gerar um Filho.
Na geração humana, a natureza humana é divisível. Pode, diz Turretin, “permanecer a
mesma em espécie quando propagada por geração, embora não seja a mesma em número, posto
que destaca certa parte de sua substância, a qual transfere para o gerado”.[248] Isso porque a
geração humana é física e material. A natureza divina, porém, é espiritual e, portanto, indivisível.
Deus é espírito, então permanece uno, simples e indiviso. É por isso que alguns chamam a
geração do Filho de hiperfísica, para comunicar que a geração do Filho não ocorre no tempo ou
no espaço, nem resulta em partes divisíveis.[249]
Conforme mencionado, o Filho não recebe o que o Pai recebeu de seu pai, pois o próprio
Pai não tem pai. Não se segue, contudo, que o Filho nasça do nada (ex nihilo), como insistiam os
arianos.[250] Se assim o fosse, não seria diferente do resto da criação, que foi feita por Deus do
nada. Mas o Filho não é nenhuma criatura; sim, ele foi gerado, mas não foi feito (Nicéia). Não
confundamos os dois. Em vez de o Filho ter sido “gerado do nada”, diz Tomás de Aquino, ele foi
gerado “da substância do Pai”.[251] Novamente, isso não deve ser interpretado no sentido humano.
O “Filho é gerado da substância do Pai, porém diferentemente dos filhos dos homens. Pois, parte
da substância do gerador passa para a substância do filho”. Isso dividiria a substância ou
natureza de Deus. Por outro lado, “a divina natureza é indivisível”. “Portanto, necessariamente, o
Pai, gerando o Filho, em vez de lhe transmitir uma porção de sua natureza, lhe comunica a
natureza inteira, e só se distingue dele pela origem.”[252] A natureza divina pertence ao Filho —
não em parte, mas totalmente — devido à sua origem no Pai, e se for total, então a natureza
divina não foi multiplicada nem dividida.
Observe que a simplicidade divina desempenha um fator importante neste ponto. Visto
que Deus não é feito de partes, não é como se a geração eterna envolvesse uma porção da
essência divina que fosse separada e dada ao Filho pelo Pai. O Filho, objeta Hilário de Poitiers,
não “nasceu imperfeito do Pai”.[253] Isso não apenas tornaria Deus uma composição de partes,
mas também sacrificaria a plena divindade do Filho, como se ele fosse apenas parte da
Divindade. Nem a Trindade seria simplesmente Trindade. Em vez disso, ser gerado do Pai é
possuir totalmente a essência divina única e indivisa. “Tudo isso se demonstrou a partir da
unidade do Espírito e da natureza que lhe pertence por nascimento, de tal modo que o Filho
proclama o Deus que lhe dá o ser, mas, por outro lado, o fato de ter recebido o ser não oculta a
consciência de sua natureza divina. Deus Filho declara ser Deus porque dele nasceu; e, porque
nasceu, tem, por natureza, o que Deus é.”[254] Cada pessoa é uma subsistência da natureza divina,
esta natureza que subsiste inteiramente no Pai, no Filho e no Espírito Santo. “O Filho é gerado da
essência do Pai”, diz Tomás de Aquino, “na mesma medida em que a essência do Pai,
comunicada ao Filho por geração, subsiste nele”.[255]

Hilário de Poitiers
Hilário (c. 300-367) foi apelidado de Atanásio do Ocidente. Por uma boa razão: seu livro acerca da Trindade é uma das
articulações mais profundas, precisas e lúcidas do trinitarismo niceno. O que é ainda mais notável é que ele só se tornou cristão
mais tarde em sua vida. Seu episcopado começou por volta de 350 d.C., ao mesmo tempo em que a oposição ao credo de Nicéia
se tornou feroz. Hilário desempenhou um papel importante na oposição aos credos homoianos. A maioria das pessoas esquece
que ele também escreveu comentários sobre a Bíblia, incluindo um a respeito de Mateus.

Visto que o Filho é gerado da (de) essência do Pai, “não é uma parte, não é separação, não é
diminuição, não é derivação, não é extensão, não é passibilidade, mas é natividade de natureza
viva, vinda daquele que vive”; a geração eterna é “Um procede do que é Um”, isto é, “Deus que
procede de Deus”.[256] Ou, como diz o Credo Niceno, o Filho é “Deus verdadeiro de Deus
verdadeiro”. A existência do Filho “não começou do nada para existir, mas saiu do que sempre
permanece”. Ainda é apropriado chamar de nascimento (este é o significado de gerar), mas “não
começo”.[257] Nascimento, não começo. Ao contrário da criação do universo ex nihilo, “não é a
mesma coisa uma substância ter um começo, e ter Deus saído de Deus”.[258] Hilário está certo, o
Filho “nascido de Deus, não provém de outro princípio, nem procede do nada”.[259]
Alguém poderia objetar que é uma impossibilidade clara o Pai gerar o Filho sem produzir
uma quarta coisa. Como pode a mesma essência ser comunicada do Pai ao Filho sem criar algo
ou alguém? A resposta é encontrada na natureza infinita do Deus triúno. Como diz Turretini: “A
mesma essência numérica e singular pode, não obstante, ser comunicável a mais de um (porque
infinita)”.[260]

Nenhuma prioridade, nenhuma posteridade, nenhuma inferioridade


Em segundo lugar, a geração do Filho não envolve nenhuma prioridade ou posterioridade, e
certamente nenhuma inferioridade, mas designa apenas a ordem. Se envolvesse prioridade ou
posterioridade de qualquer tipo, então o Filho seria inferior ao Pai.
Anteriormente, enfatizei que o Filho é gerado pelo Pai, mas, diferentemente da nossa
experiência humana, a geração do Filho é eterna (antes de todas as eras; atemporal). E se é
eterna, então a geração do Filho não é a geração de um ser inferior (feito no tempo ou antes do
tempo), mas a geração de um Filho que é igual em divindade ao seu Pai. Mas a razão pela qual o
Filho não é inferior ao Pai é porque a essência divina única subsiste inteiramente no Filho devido
à sua geração a partir da natureza ou substância do Pai. Verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, na
geração do Filho, “o que foi gerado subsiste na mesma natureza na qual subsiste inteiramente
Aquele que o gerou”.[261] O Pai gera seu Filho, e os dois são, voltando à palavra-chave de Nicéia,
consubstanciais, o que significa que devem ser identificados pela mesma essência divina. A
prioridade ou a posterioridade prejudicariam o Filho como consubstancial, como alguém que é
da mesma natureza do Pai.
Como vimos anteriormente, a falta de prioridade ou posterioridade se deve, em parte, à
natureza atemporal da geração do Filho, que é eterna, e não temporal. Certa vez, perguntaram a
Gregório de Nazianzo porque o Filho e o Espírito não são cooriginados com o Pai, se é verdade
que são coeternos com ele. Sua resposta: “Porque eles [o Filho e o Espírito] vêm dele [Pai],
embora não lhe sejam posteriores. ‘Ser não originado’ implica necessariamente ‘ser eterno’, mas
‘ser eterno’ não implica ‘ser não originado’, desde que o Pai seja referido como a origem”. Para
esclarecer esse ponto, Gregório apela à ilustração do sol. “Então, porque eles [o Filho e o
Espírito] têm uma causa, não são não originados. Mas é evidente que uma causa não é
necessariamente anterior ao seu efeito — o Sol não é anterior à sua luz. Como o tempo não está
envolvido, eles são, neste ponto, não originados —, ainda que você assuste almas simples com a
palavra assustadora; pois as fontes do tempo não estão sujeitas ao tempo.”[262]
Com um incentivo de Gregório, considere mais uma vez a imagem bíblica da luz (Jo 1.4,
8-9). Nicéia disse que a geração eterna do Filho a partir do Pai podia ser comparada à “luz da
luz”. Os Pais Capadócios também apelaram a essa imagem da luz para contrariar a crença dos
subordinacionistas, que diziam que um efeito é inferior à sua causa, o Filho sendo subordinado
ao Pai. Considere o Sol, disseram os Capadócios, em resposta. É a causa da luz, mas de forma
alguma a luz é inferior à sua fonte. Em essência, são uma e a mesma. Não se daria isso ainda
mais com a Divindade? A essência divina não é simples e inseparável, eterna e imutável?
Poderíamos também acrescentar que o Filho não pode ser menor que a sua fonte (o Pai),
porque não há hierarquia na Trindade. O Pai não é maior que o Filho — de forma alguma. Para
evitar mal-entendidos, alguns podem preferir a palavra “fonte” em vez de “causa” (como eu)
quando falam do Pai, o que salvaguarda melhor a igualdade do Filho. Mas independentemente
disso, na Grande Tradição nenhuma das palavras significa que o Filho tem um começo ou é
menor que o Pai porque vem dele.
Em suma, o Pai é o princípio na Divindade — o princípio que é o único sem princípio.
Não gerado. Mas isso não significa que o Pai e o Filho não sejam iguais. Pelo contrário, as
relações eternas revelam as origens pessoais das pessoas. Ver hierarquia de qualquer tipo nessas
origens é abusá-las, até mesmo manipulá-las. O Pai pode ser o princípio sem princípio, mas
também é o “princípio sem prioridade”. Scott Swain esclarece: “O Pai é a fonte do Filho e do
Espírito, e essas relações manifestam sua perfeição pessoal distinta. No entanto, a identidade do
Pai como fonte do Filho e do Espírito não é (nem mesmo logicamente) anterior à existência do
Filho e do Espírito, mas é antes constituída pelas suas relações eternas com o Filho e com o
Espírito”.[263] Em outras palavras, “não podemos atribuir nenhuma prioridade ao Pai em relação
ao Filho e ao Espírito, seja em termos de ser ou de hierarquia”.[264]
Para concluir, sempre que nós ou a Grande Tradição usamos palavras como “fonte”, a
intenção é apenas identificar, por exemplo, a origem pessoal do Filho: o Pai.[265] A hierarquia e a
prioridade são excluídas pela própria natureza, vontade, poder e glória que as três pessoas têm
em comum. Como diz Gregório de Nazianzo: “Eles não têm graus de ser Deus ou graus de
prioridade em relação aos outros. Não estão separados em vontade ou divididos em poder. Você
não pode encontrar ali nenhuma das propriedades inerentes às coisas divisíveis”. Em resumo, “a
Divindade existe indivisa”.[266]
Se a geração do Filho não envolve nenhuma prioridade ou hierarquia, então também é
seguro concluir que não pode envolver qualquer mudança (mutação)?

Nenhuma mudança
Terceiro, a geração do Filho não envolve nenhuma mudança na Trindade. Numa série de
sermões acerca do Evangelho de João, Agostinho disse certa vez à sua congregação: “Conquanto
as realidades mutáveis sejam feitas pelo Verbo, Ele próprio é imutável”.[267] Deus pode criar o
mundo mutável por meio da sua Palavra, mas lembre-se, a própria Palavra não muda. Pois não
foi criada, mas gerada da natureza do Pai desde toda a eternidade. O Filho, diz Atanásio, “vindo
do Pai, e de maneira apropriada à sua essência, é imutável e inalterável como o próprio Pai”.[268]
Enquanto uma geração corporal envolve mutação, uma geração sem corpo (incorpórea) não
envolve.[269]
Lembre-se, diz João de Damasco, geração eterna significa que o Filho é “da natureza do
[270]
Pai”. Se ele pertence à natureza do Pai, uma natureza que não é apenas simples e eterna, mas
imutável (sem alterações), então nenhuma mudança pode ocorrer na geração. Se ocorresse, então
ou a natureza do Pai não seria imutável ou o Filho seria gerado a partir de outra natureza, externa
a Deus, e nesse caso não poderia mais ser coigual ao Pai em divindade.[271]

O que a geração eterna tem a ver com a


impassibilidade?
A tradição nicena não diz que o Pai gera o Filho apenas de forma imutável, mas também impassível. (Impassibilidade significa
que Deus não está sujeito a flutuações emocionais; isto é, ele não sofre.) Os arianos afirmavam que a geração envolvia mudança
no Filho e, portanto, paixões. Mas, os Pais Nicenos contestaram: isso pressupõe que a geração é externa a Deus, entre o Pai e um
ser criado. Mas a geração é interna, dentro da Trindade imanente. O Filho é o verdadeiro Deus do verdadeiro Deus desde a
eternidade. Em Contra Eunômio, Gregório de Nissa escreve: “Como seria permitido considerar a ideia de paixão ao pensar na
geração no que diz respeito à Natureza incorruptível?” (4.4). Da mesma forma, Gregório de Nazianzo diz que o Filho
“Unigênito” está relacionado ao Pai, “idêntico ao Pai em Essência”, por conta de sua “geração sem paixões” (Theological
Orations 4.20). John Webster conecta os pontos: “Impassibilidade não é indiferença, mas a vida divina infinitamente profunda e
realizada irrestritamente, da qual Cristo emerge como a presença de Deus para nós. Gerar não é paixão porque o Filho é
intrínseco à plenitude de Deus, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro. Gerar é um modo da perfeição de Deus” (God Without
Measure, 33).

Das nove marcas de uma geração doente, de Gill, você deve ter notado que cinco delas —
movimento, mutação, alteração, corrupção, diminuição — têm uma coisa em comum: são todas
resultado de mudança. Isso é inevitável com a geração humana, pois onde estão envolvidas
criaturas finitas há sempre mudança, e onde há mudança, há potencial de mudar para pior, o que
significa que a corrupção é uma possibilidade real. Mas não se dá assim com o Deus triúno, cuja
natureza não é apenas eterna, mas imutável. Se é imutável, então o Pai gera seu Filho sem
alteração da natureza divina. Isso ocorre porque não há potência em Deus, o que significa que
Deus não tem nenhum potencial não realizado que deva alcançar, como se não fosse o verdadeiro
Deus até que alcance todo o seu potencial. Em vez disso, ele é o Ser Perfeito, autoexistente,
autossuficiente, é sempre e para sempre o perfeito ser, maximamente vivo, sem qualquer
necessidade de alguma forma tornar-se mais perfeito do que é desde toda a eternidade — é por
isso que os Pais o chamam de ato puro.[272] O Pai não gera o seu Filho como se o Filho devesse
de alguma forma atingir o seu potencial ao longo do tempo, como se devesse crescer, mudar e
tornar-se mais perfeito do que era antes. Lembre-se, a Trindade é perfeita, viva em nível
máximo, nunca precisando se tornar algo mais, maior ou melhor. Isso significa que a geração
eterna “é um perfeito ato gerador de perfeição”.[273] Perfeição gerando perfeição — isso se
parece muito com o Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, de Niceia.[274]
Tudo isso para dizer que se a geração do Filho é eterna, também deve ser imutável.[275] Se
houver uma sucessão de momentos (tempo), a mudança ocorrerá; na verdade, precisa acontecer.
Mas na eternidade não há sucessividade e, portanto, não há mutação em Deus. O Pai gera o seu
Filho não como um momento novo no tempo, mas desde a eternidade. Dizer, como fizeram os
Pais Nicenos contra os arianos, que nunca houve um tempo em que o Filho não existisse, é
também confessar que nunca houve um tempo em que o Filho não fosse imutável. Se ele não
tivesse sido gerado a partir da natureza eterna e imutável do Pai, então estaríamos certos em
perguntar se algo está faltando em Deus, se o próprio Deus é incompleto e imperfeito.
Mas podemos nos alegrar com Tomás de Aquino, que diz: “A natureza do Pai é perfeita
abeterno; e ainda que a ação pela qual o Pai produz o Filho não é sucessiva, porque então o Filho
de Deus seria gerado sucessivamente, e a sua geração seria material e sujeita ao movimento, o
que é impossível. Donde se conclui, que o Filho existiu desde que existiu o Pai. E portanto é
coeterno com o Pai. E, semelhantemente, o Espírito Santo, com ambos”.[276]
Isto nos deixa com uma última questão:
P: Se a geração do Filho é imutável, ela deve ser também imanente, interna à
Trindade?

Não transitiva mas imanente


Em quarto lugar, a geração do Filho a partir do Pai não é transitiva, mas imanente. Este ponto
final também separa a ortodoxia da heresia. Embora Nicéia acreditasse que a geração do Filho
era uma ação imanente (ocorrendo dentro de Deus), ideias heréticas diziam que a geração era
transitiva (Deus gerando uma criatura externa a si mesmo, não alguém que é Deus de Deus).[277]
Atanásio acreditava que esta era uma linha divisória entre ele e os arianos de sua época. O “Filho
não está conectado ao Pai, mas coexiste com ele”.[278] Quando o “Filho diz que Deus é seu
próprio Pai, segue-se que o que é partilhado não é externo, mas vem da essência do Pai”.[279]
Que pensamento assustador: uma geração que gera alguém externo à natureza do
progenitor.[280] Neste esquema, o Pai gera um Filho, mas este Filho não é gerado da mesma
natureza do Pai; ele deve ser de uma natureza diferente, inferior à do Pai. Mas o “que nasce de
Deus não pode deixar de ter aquela mesma natureza donde provém”, esclarece Hilário de
Poitiers. O Filho “não existe como outro diferente de Deus, porque não subsiste vindo de outro, a
não ser de Deus. É da mesma natureza, não porque o que gerou tenha nascido (pois como
poderia ser Ele mesmo se fosse gerado?), mas porque o que foi gerado subsiste na mesma
natureza na qual subsiste inteiramente Aquele que o gerou, porque Aquele que foi gerado não
provém de nenhum outro princípio”.[281]
Os arianos recusaram-se a aceitar a geração imanente descrita por Atanásio e Hilário.
Mas os Pais medievais que se seguiram abraçaram-na sem reservas. Eles até aplicaram a mesma
convicção ao Espírito. Tomemos Anselmo, por exemplo: “Quando Deus [o Espírito] procede de
Deus Pai e do Filho, não procede fora de Deus”; o Espírito “permanece em Deus, de quem
procede”, de modo que não existem deuses diferentes, mas “um só Deus, o Pai, o Filho e o
Espírito Santo”.[282] A natureza eterna do nosso Deus triúno apoia tal afirmação: “Visto que Deus
é eternidade, como não há nada eterno fora da eternidade, então não há absolutamente nada de
Deus fora de Deus, e como eternidade após eternidade é apenas uma eternidade, então Deus em
Deus é somente um Deus”.[283] Não há nada de Deus fora de Deus — isso é apenas outra maneira
de aplicar a linguagem nicena: Deus verdadeiro de Deus verdadeiro.

Aba, Pai! Nossa filiação no Filho


Se Jesus não é o eterno e unigênito Filho do Pai, então não temos esperança, nem qualquer
direito de chamar Deus de nosso Pai, em primeiro lugar. Somente se ele for o Filho do Pai por
natureza poderemos aproximar-nos com ousadia do trono do Pai pela graça. O Pai, por meio de
seu Filho, efetuou nossa redenção, e nós, como resultado, somos os destinatários da graça do seu
Filho multiplicada por mil.[284]
Não é isso que Paulo assume quando escreve aos gálatas a respeito de sua adoção?
“Assim, também nós, quando éramos menores, estávamos servilmente sujeitos aos rudimentos
do mundo; vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher,
nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de
filhos. E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que
clama: Aba, Pai!” (Gl 4.3-6). Nós, como seus filhos adotivos, temos vida em seu Filho eterno, e
por meio dele o Espírito nos comunica a benevolência do Pai. Como destinatários da sua graça
eterna, como receptores da sua misericórdia incessante, clamamos a ele: “Aba, Pai!” com toda a
confiança de que ele nos receberá como filhos em seu Filho (Rm 8.15). “De sorte que já não és
escravo, porém filho; e, sendo filho, também herdeiro por Deus” (Gl 4.7).

Natureza versus graça


Qual é a diferença entre a filiação do Filho e a nossa filiação? Sua filiação é, por natureza, gerada eternamente a partir da essência
do Pai, enquanto nossa filiação é pela graça (Jo 20.17). Como diz Hilário de Poitiers: “Este é o verdadeiro e próprio Filho, pela
origem, não por adoção nem pelo nome; pela natividade, não por criação” (Tratado sobre a Santíssima Trindade 3.11). A
distinção natureza-graça também afeta a forma como definimos o amor: Cristo é o Filho porque o Pai o ama, ou o Pai o ama
porque ele é seu Filho? Esta última deve ser verdadeira se ele for o Filho por natureza, desde a eternidade, em vez de ser adotado
como Filho em algum momento pela graça, apenas para ser amado depois disso. Ele não é “o Filho por ser o bem-amado”, diz
Turretini, “mas é o bem-amado por ser o Filho” (Turretini, Compêndio de teologia apologética, 394).

Quão importante é a geração eterna para o Evangelho? A essa pergunta nos dedicaremos no
próximo capítulo. Mas podemos dizer isto: é somente porque Jesus é o Filho gerado eternamente
que é capaz e qualificado para descer às profundezas deste mundo abandonado por Deus, nascer
como um bebê numa manjedoura e ascender de volta ao seu Pai com uma série de filhos recém-
nascidos em sua trilha. A menos que nasça do Pai desde toda a eternidade, não pode ser enviado
pelo Pai para nascer como homem na história da salvação, nem garantir que aqueles que
confiaram nele como o Filho unigênito de Deus sejam eles próprios adoptados como filhos.
Além de sua filiação eterna, não temos esperança de sermos adotados como filhos e de
recebermos todos os benefícios de nossa união com o Filho, Cristo Jesus.
7
A geração eterna é relevante para o
Evangelho?
Paternidade e filiação parte 2

Porque assim como o Pai tem vida em si mesmo, também concedeu ao Filho ter vida em si mesmo.
JESUS, JOÃO 5.26

O Filho é sempre o fruto próprio da essência do Pai.


ATANÁSIO, CONTRA OS ARIANOS

[Geração eterna] é o critério distintivo da religião cristã... Sem ela, a doutrina da Trindade nunca poderia ser
sustentada.
JOHN GILL, BODY OF DIVINITY

Para o DeLorean!
Destino: Os dias em que Jesus andou pela terra. Juntos com Zípora ouviremos Jesus enquanto ele nos conta de onde veio antes de
sua encarnação.

Ponto principal: O Filho é gerado eternamente a partir da essência do Pai. Seu nome, quem o enviou ao mundo e um mosaico de
imagens e títulos bíblicos, como nascimento, resplendor, imagem, sabedoria, Palavra e Ancião de Dias, são todos atestados
bíblicos de sua geração eterna. Conclusão: se o Filho não foi gerado eternamente do Pai, não podemos confiar que nasceremos de
novo nele.

Uma doutrina pela qual vale a pena morrer


Os judeus estavam prontos para matá-lo. Isto é, Jesus. E não apenas prontos; observavam-no,
procurando a melhor oportunidade. Sei disso porque estava lá; Eu os vi. Aqui está o que
aconteceu.
Eu voltava para casa e, como sempre, passei pelo tanque de Betesda, onde ficavam os
cegos e paralíticos. Eles acreditavam que se conseguissem entrar no tanque quando a água fosse
agitada poderiam ser curados. Não gosto de passar por esse lugar. É um pouco deprimente ver
tantas pessoas aleijadas e com pouca esperança. Conheço pessoas que estão lá desde crianças.
Nada nunca muda.
Mas um dia algo mudou. Jesus caminhou até o tanque, virou-se e fez contato visual com
um homem aleijado, um homem que vejo no tanque há trinta e oito anos. Com uma palavra,
Jesus ordenou-lhe que se levantasse e andasse. Eu ri silenciosamente. Mas, para minha surpresa,
o homem se levantou e começou a andar. A mulher à minha esquerda, que me conhecia da
sinagoga, gritou, incrédula: “Você viu isso, Zípora? Eu conheço esse homem. Ele está deitado lá
há... bem, desde sempre. Olhe para ele, está andando!”
Mas quando me virei para o homem à minha direita, um rabino em treinamento, percebi
que ele não estava admirado, mas indignado. Intrigada, perguntei-lhe o porquê. Ele me deu uma
resposta acalorada: “Porque é sábado. Você não conhece a lei? Jesus está violando o sábado,
dizendo a esse homem para pegar sua cama e andar”. Mas, pensei, isso não é ignorar todo o
sentido da lei?
Antes que eu tivesse tempo para pensar, tudo piorou. O homem que Jesus curou foi
escoltado até uma pequena reunião de líderes judeus, e o homem ao meu lado juntou-se a eles.
Não sei o que estava pensando — minha irmã me mataria —, mas decidi segui-los de perto. Uma
coisa levou à outra, e a seguir percebi que os judeus também estavam confrontando Jesus,
condenando-o por violar o Sabá. A resposta de Jesus os enfureceu: “Meu Pai trabalha até agora,
e eu trabalho também”.[285]
De acordo com os líderes religiosos, Jesus não só “violava o sábado, mas também dizia
que Deus era seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus”.[286] Prestei atenção suficiente ao meu pai
enquanto ele nos ensinava a Torá quando éramos crianças para saber que somente Deus trabalha
no Sabá. Ele criou os céus e a terra e depois descansou no sétimo dia. Mas por ser Deus, só ele
pode sustentar o universo, e só ele tem o direito de fazê-lo no sábado. Essa é uma sua
prerrogativa. Portanto, quando Jesus disse que seu Pai trabalhava até agora e ele também, fazia
uma reivindicação de divindade. Pessoalmente, pensei que os judeus o compreenderam mal,
como se ele afirmasse ser um segundo Deus rival, descartando o monoteísmo dos nossos pais.
Mas, para mim, pareceu que afirmava ser um com Deus, o Pai, como aquele que é o próprio
Filho de Deus.

Leia a Bíblia com a Igreja


O que Jesus quis dizer com: “Porque assim como o Pai tem vida em si mesmo, também concedeu ao Filho ter vida em si mesmo”
(Jo 5.26)? Agostinho tem a resposta: “não entenda que o Pai deu a vida ao Filho como a alguém já existente. Entenda, porém, que
o gerou fora do tempo, de tal modo que a vida que o Pai deu ao Filho ao gerá-lo, é coeterna à vida do Pai que a deu” (A Trindade
15.47).

Independentemente disso, o que Jesus disse a seguir revelou muito mais sobre quem ele afirmava
ser: “Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou
tem a vida eterna”.[287] Prometendo que um dia viria no qual aqueles que ouvissem a sua voz — a
voz do próprio Filho de Deus — viveriam, Jesus então disse algo que ainda estou tentando
entender: “Porque assim como o Pai tem vida em si mesmo, também concedeu ao Filho ter vida
em si mesmo”.[288]
Ele então disse que seu Pai lhe deu autoridade para executar o julgamento, e até garantiu
que um dia todos aqueles que ouvissem sua voz ressuscitariam de seus túmulos para a
ressurreição da vida.[289] Ele realmente acreditava que tinha o direito e o poder de dar vida, seja
agora ou no futuro, porque tal vida lhe foi dada por seu Pai.
Mas a reivindicação de filiação de Jesus — “Porque assim como o Pai tem vida em si
mesmo, também concedeu ao Filho ter vida em si mesmo” — deixou-me com mais perguntas:
De onde vem este Jesus? Qual é a sua origem para que faça tal afirmação? Ocorreu-me que as
palavras dele, por mais que fossem dirigidas à vida aqui e agora, eram dirigidas à eternidade.
Não creio que Jesus afirmasse ser apenas um homem separado ou um homem enviado por Deus
— isso não teria impressionado nem ofendido os líderes religiosos. Não, a sua reivindicação era
maior: ele deveria vir do próprio Deus Pai. Jesus estava dizendo algo divino acerca de sua
origem, como se ele fosse do Pai desde toda a eternidade e por isso pudesse oferecer vida a
meros mortais. Em sua declaração original — aquela que instigou a reação —, ele identificou-se
com a obra de criação do Pai. Talvez Jesus preceda a própria criação, não nascido como todos
nós, mas nascido de Deus.
Se eu estiver certa, então, por reivindicar igualdade com o Pai, Jesus deve ser o Filho que
vem do Pai. Caso contrário, como poderia reivindicar tal vida, que é eterna? Certamente não há
reivindicação mais definitiva do que esta: dizer que assim como o Pai tem vida em si mesmo,
também ele concedeu a seu Filho ter vida em si mesmo. Qualquer judeu conhece a diferença
entre Criador e criatura. E a afirmação de Jesus não era de forma alguma apropriada a uma
criatura. Se Jesus estava se chamando de Filho — o Filho do Pai, para ser mais exato — então
estava reivindicando uma identidade eterna quando se referiu ao Pai eterno, o único que tem vida
em si mesmo, concedendo-lhe — ao Filho! — vida “em si mesmo”. Se não, então por que esse
líder religioso ao meu lado ficou tão fora de si, pronto para matar Jesus? Acredito que Deus é
meu Pai, mas Jesus estava chamando Deus de seu Pai de uma forma que nenhuma criatura
deveria fazer. ■

O que há em um nome? Tudo


O que Zípora ouviu — que você pode ler em João 5 — lida com a doutrina da geração eterna.
Como vimos nos capítulos anteriores, desde o encontro de Jesus com esses líderes religiosos, a
Igreja chegou a conclusões semelhantes às de Zípora. Por exemplo, Agostinho, refletindo a
respeito de João 5.26, diz: “gerou o Filho que é vida imutável, a qual é a vida eterna”.[290]
Às vezes os críticos objetam: “A geração eterna é coisa dos teólogos, algo imposto ao
texto. Cite apenas um versículo onde a geração eterna é ensinada”. Tal objeção deixa escapar
algo quase simples demais: a geração eterna é intrínseca aos próprios nomes que as Escrituras
revelam — Pai e Filho. Muito mais persuasivos do que um texto prova são os nomes bíblicos
pelos quais o próprio Deus revela suas relações eternas de origem.
Recapitulemos. Ser filho é ser gerado de um pai; esta é a essência da filiação. É a
característica fundamental que distingue um filho de um pai. Geração comunica que um filho
compartilha a natureza de seu pai e que é, ao mesmo tempo, distinto dele. Caso contrário, um pai
não precisa ser chamado de pai, e um filho não precisa ser chamado de filho. Os títulos não
teriam sentido.
Os nomes bíblicos revelam as relações entre as pessoas. Isso é intencional. O Pai só é Pai
se gera o Filho, e o Filho só é Filho se é gerado pelo Pai. Nesse sentido, é impossível escolher
entre Filho e gerado. Ambos se definem; um não pode ser compreendido sem o outro. Como diz
Agostinho: “Se alguém é filho é porque foi gerado; e porque foi gerado é filho”. [291] Embora as
Escrituras não expliquem a doutrina da geração eterna em nenhum versículo, o conceito é
assumido sempre que se referem ao Filho como Filho e ao Pai como Pai.
Além disso, a geração eterna é inferida sempre que o Filho diz que vem do Pai. Sempre
que Jesus diz que foi enviado pelo Pai — e esta linguagem abunda no Evangelho de João —, ele
assume que vem do Pai antes de todos os tempos também. Pois essa é a base da sua missão, o
que torna a sua missão, para começar, possível. Como vimos em João 5, ser enviado pelo Pai na
história da salvação reflete a origem do Filho a partir do Pai na eternidade. A missão do Filho
(ser enviado pelo Pai para nossa salvação) é designada pelo próprio Deus para revelar a relação
eterna do Filho (ser gerado pelo Pai desde toda a eternidade).
Lidamos com a Bíblia da mesma maneira que os
socinianos?
Aqueles que adotam uma postura crítica em relação à geração eterna parecem muito com os socinianos do século XVII. Leia uma
declaração sociniana como a do Catecismo Racoviano:
“Essa geração fora da essência do Pai envolve uma contradição. Pois se Cristo tivesse sido gerado a partir da essência de seu Pai,
deveria ter tomado uma parte dela ou o todo. Ele não poderia ter participado dela, porque a essência divina é indivisível. Nem
poderia ter pegado o todo; pois neste caso o Pai teria deixado de ser o Pai e teria se tornado o Filho: novamente, visto que a
essência divina é numericamente una e, portanto, incomunicável, a geração não poderia de forma alguma ter acontecido”.
O puritano John Owen respondeu: “Esse é o fruto de medir as coisas espirituais pelas carnais, o infinito pelo finito, Deus por nós
mesmos, o objeto da fé pelas regras corrompidas da razão corrompida”. Mas “o que é impossível nas essências finitas e limitadas
pode ser possível e conveniente para aquilo que é infinito e ilimitado, como se dá acerca aquilo de que falamos” (Vindiciae
evangelicae, em Works, 12:237).

A conexão entre ser enviado e ser gerado é evidente em João 10.36, por exemplo. Quando os
judeus estão prestes a apedrejar Jesus: “pois, sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo” (10.33)
— uma hostilidade instigada pela afirmação de Jesus: “Eu e o Pai somos um” (10.30) —, Jesus
então pergunta por que estão perseguindo “aquele a quem o Pai santificou [ou consagrou] e
enviou ao mundo”, por que estão prontos para matá-lo por dizer “sou o Filho de Deus” (10.36).
Essa palavra “santificou” significa algo mais do que o Pai enviando seu Filho ao mundo. Tal
como o título, que fala por si: Filho de Deus, a palavra “santificado” leva o leitor de volta à
eternidade, pois ali, como Jesus já o disse, vemos não apenas que ele é preexistente, mas também
um com Deus Pai. Consagrado por Deus é outra forma joanina de se referir ao Filho como
unigênito, gerado eternamente pelo Pai. Como Filho consagrado, convém que seja enviado ao
mundo por Deus Pai. Mas não poderia essa consagração referir-se meramente à unção de Jesus,
digamos, em seu próprio batismo? De Tomás de Aquino a João Calvino, aqueles que estão na
Grande Tradição responderam: não. “A declaração de Cristo não pode referir-se à sua
consagração no batismo, caso contrário Cristo teria falado, primeiro, de ser enviado ao mundo e
depois de sua consagração subsequente. Portanto, Cristo fala de uma consagração pré-temporal
ou eterna”.[292]

Perdido na tradução: o Filho unigênito


Uma razão pela qual os cristãos que leem a Bíblia hoje acham essa expressão “geração” tão
estranha é porque, ao contrário de todos os leitores ingleses da Bíblia que vieram antes deles,
eles foram alimentados com traduções novas que removeram a palavra “gerado” do Evangelho
de João. Não, não sou um cético ranzinza, que vive reclamando que não fazem traduções como
antigamente. Estou, na maior parte, feliz com muitas traduções contemporâneas da Bíblia. Como
pastor e professor, utilizo traduções contemporâneas, como a ESV e a NVI, quando prego e dou
palestras.
No entanto, quando se trata do Evangelho de João, foi dado um passo em falso, e não foi
um passo pequeno. Suas consequências teológicas são graves. Como contei no início deste livro,
enquanto era um estudante jovem e entusiasmado e aprendi acerca da doutrina da Trindade com
professores evangélicos em instituições evangélicas, nunca ouvi nada sobre a geração eterna.
Quando era mencionada, eles juravam que ela não estava em nenhum lugar da Bíblia. Mas aqui
está o problema: todas as traduções da Bíblia que me deram para ler e memorizar — NIV, ESV,
RSV, HCSB, etc. — foram extirpadas do termo “unigênito” [only begotten] no Evangelho de
João e em sua primeira epístola. Durante mais de quatro séculos, aqueles que traduziram o Novo
Testamento do grego para o inglês traduziram a palavra monogenēs como “unigênito”. Por
exemplo, considere aquela famosa passagem de João 3.16, que diz na versão King James:
“Porque Deus amou tanto ao mundo que ele deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele
crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. João diz algo semelhante em sua primeira epístola:
“Nisto foi manifestado o amor de Deus para conosco: por esta causa Deus enviou seu Filho
unigênito ao mundo, para que pudéssemos viver através dele”. (1Jo 4.9 KJV). O termo
“unigênito” é encontrado em todos os escritos de João (e.g., Jo 1.14, 18; 3.18).
Entretanto, no século XX, os estudiosos apagaram “unigênito” do corpus joanino e
substituíram esta frase por “único” [unique ou only].[293] Começando a partir da Revised Standard
Version [Versão padrão revisada], os tradutores seguiram seu exemplo. Deus amou o mundo de
tal maneira que deu o seu único Filho. Quer tenha sido sempre intencional ou não, a gerações de
cristãos nunca foi apresentado o conceito de geração eterna, nem puderam eles ver o motivo do
conceito estar tão enraizado na apresentação do Filho de Deus pelas Escrituras, nem mesmo num
Evangelho como o de João. E, como vimos no início deste livro, até mesmo teólogos como
Wayne Grudem costumavam cometer esse erro, concluindo a partir de novas traduções da Bíblia
que a geração eterna não era um conceito bíblico, mas um conceito imposto ao texto.[294]
No entanto, esse consenso está mudando rapidamente. Nos últimos anos, os estudiosos da
Bíblia passaram a admitir que os tradutores ingleses dos últimos quatrocentos anos estavam
certos quando traduziram monogenēs por “unigênito”. Não apenas os estudiosos da Bíblia desde
a Reforma, mas todos os Pais da Igreja acreditaram que a palavra transmitia a metáfora biológica
da geração. Por exemplo, Charles Lee Irons adverte contra dois extremos: aqueles que forçam
monogenēs a significar “unigênito” em todos os textos possíveis do Novo Testamento contra
aqueles que negam que monogenēs possa significar “unigênito” em qualquer texto do Novo
Testamento.[295] A verdade está em algum lugar no meio do caminho: quando o contexto está
correto, monogenēs significa, sim, “unigênito”. Irons examina a literatura bíblica e antiga e
conclui que “o significado mais antigo de monogenēs era biológico, referindo-se a um filho
único”.[296] Sim, também ocorreram posteriormente outros usos (metafóricos e científicos).
Entretanto, “o conceito biológico fundamental de ‘gerar’ está certamente presente na palavra
quando usada em contextos familiares literais ou metafóricos”.[297]
A palavra “contextos” é fundamental. Não decidimos o significado de uma palavra
consultando-a em um dicionário e jogando uma moeda para determinar qual definição devemos
usar. Por exemplo, a palavra “luz” pode referir-se a algo que é radiante e brilhante (como a luz
do sol; luz do dia), ou pode referir-se a compreensão ou visão (como “tive uma luz”). Como
sabemos qual significado usar? Contexto. A forma que a palavra é usada em uma frase ou
parágrafo. O mesmo se dá com monogenēs. A palavra pode ter definições diferentes, mas a sua
história mostra que ela era usada para se referir a algo biológico, algo familial. E quando abrimos
as Escrituras antigas, os autores bíblicos usam-na de maneira semelhante, biológica, referindo-se
às relações filiais entre o Pai e o Filho.
Tome João como exemplo. Nas cinco vezes em que monogenēs aparece (Jo 1.14, 18;
3.16, 18; 1Jo 4.9), seu contexto é sempre familial e filial. Em outras palavras, o contexto assume
que uma metáfora biológica é aplicada a Deus: ele é chamado de Pai e sua descendência é
chamada de Filho. Claro, a linguagem é analógica, não literal (não existe mãe!). No entanto, é
familial em essência.
Pergunta: como João inicia seu Evangelho? Exatamente, o contexto da segunda metade
de João 1 é a encarnação. Mas para compreendermos a encarnação, João nos leva de volta ao
início. “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus” (1.1,
KJV). João pretende que os seus leitores saibam, desde o início, que a existência divina de Jesus
não começou como a existência de qualquer outro homem; na verdade, nunca começou. Ele é
preexistente. Seu passado é diferente do nosso passado, sem gênese, e deve ser rastreado até o
próprio Deus na eternidade. Nunca houve um tempo em que Deus (o Pai) estivesse sem a sua
Palavra (Jo 1.1), e como João revelará em breve, essa Palavra não é outro senão o Filho de Deus.
Sabemos que o contexto é filial e que a filiação está em vista porque em 1.14, 18, João se
refere tanto a “Deus” quanto ao “Pai”, tratando os dois como sinônimos. A história de fundo da
encarnação é biológica, falando analogicamente. A origem eterna do Verbo não é outra senão
Deus Pai. No entanto, ao contrário dos filhos humanos, a Palavra (Filho) não tem ponto temporal
de geração; ele é gerado desde a eternidade. Pois não apenas a Palavra estava com Deus, a
Palavra era Deus.
Quando João se volta para o milagre da encarnação, pressupõe a filiação eterna: “E a
Palavra se fez carne, e habitou entre nós, (e nós contemplamos sua glória, como a glória do
unigênito do Pai), cheio de graça e verdade” (1.14, KJV).[298] A glória reflete a sua origem
familial: do Pai. Ele é a glória de Deus porque não é outro senão o Filho de Deus, a própria
imagem e semelhança de seu Pai. A geração, portanto, deve estar em vista. “O conceito de que o
filho carrega a semelhança ou imagem familiar do pai e revela quem é o pai reforça ainda mais a
metáfora biológica da geração.”[299] Em todos os nossos esforços para traduzir monogenēs como
“único” em vez de “unigênito”, não conseguimos terminar a frase de João: a glória do Verbo é a
“glória, como a glória do unigênito do Pai”. Já nos esquecemos de onde veio o Pai e o que a sua
origem eterna implica para o seu Filho, o Verbo, aquele em quem tal glória irradia?
Se nos esquecemos, talvez o versículo 18 refresque a nossa memória: “Nenhum homem
viu a Deus em qualquer tempo; o Filho unigênito, que está no seio do Pai, ele o declarou” (KJV).
Ou, como diz o versículo na NASB: “Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito que está no
seio do Pai, ele o explicou”. Observe o contexto mais uma vez: onde o monogenēs está
localizado? No seio do Pai. A razão pela qual João pode dizer que a Palavra foi enviada pelo Pai
para se tornar carne e habitar entre nós é porque ela não é outra senão o Filho, cuja origem vem
do Pai. Gerado pelo Pai na eternidade, o Filho pode ser enviado pelo Pai para encarnar-se na
história.
Isso explica o motivo de somente ele, como a Palavra, poder revelar o Pai. Deus, por ser
Deus, está oculto ao nosso olhar finito. Mas se aquele que é gerado, que está no seio do Pai, se
torna carne e habita entre nós, então esse Deus nos é dado a conhecer. À medida que João vai e
volta entre a eternidade e a encarnação, o contexto em que o faz é filial. Irons diz: “Assim, João
1.14 e 18 são de importância crucial para demonstrar que o monogenēs joanino não pode ser
reduzido a ‘apenas da sua espécie’, mas deve ter um significado biológico metafórico,
‘unigênito’. João vê Cristo como o Filho unigênito de Deus, no sentido de que ele é o único
descendente adequado do Pai, derivando seu ser divino do Pai”.[300]
Em suma, há aqui uma lição: filiação e geração andam de mãos dadas; definem-se.
Apresentar monogenēs como se significasse “único” e não tivesse nada a ver com a origem
preexistente, eterna e trinitária de Jesus do Pai é roubar o significado da palavra e tratar o
contexto de João 1 de maneira inadequada.
No entanto, a doutrina da geração eterna não depende apenas de monogenēs ser traduzido
como “unigênito”. Isso levou, sim, tradutores e teólogos a abandonarem a doutrina. Porém, o
conceito está muito impregnado na apresentação bíblica do Filho para depender de apenas uma
palavra. Não está apenas enraizado no significado do próprio nome divino (Filho), como vimos,
mas incorporado num mosaico diversificado de imagens bíblicas.

Um mosaico colorido
Não são apenas os nomes: Pai e Filho, juntamente com a expressão de João: “unigênito”, que nos
levam a beber do poço da geração eterna, mas também imagens coloridas e metáforas plantadas
nas Escrituras, formando, no fim, um mosaico vívido e brilhante. O conceito é orgânico,
enraizado na linguagem bíblica para o Filho.
Hilário de Poitiers captura muitas dessas imagens e metáforas bíblicas quando diz que o
Filho “é progenitura do Ingênito. Um que procede do que é Um, Verdadeiro do Verdadeiro, Vivo
do que vive, perfeito do que é perfeito, virtude da virtude, sabedoria da sabedoria, glória da
glória, imagem de Deus invisível, forma do Pai ingênito”.[301] Precisaríamos de vários volumes
(!) para explorar cada uma dessas ricas metáforas bíblicas para a geração eterna. Mas, neste
volume, podemos ao menos destacar cinco: resplendor, imagem, sabedoria, Palavra e Ancião de
Dias.

Resplendor
De todas as imagens e metáforas que o autor de Hebreus poderia ter escolhido para descrever o
Deus Filho, ele escolheu abrir sua carta com esta: resplendor. O autor de Hebreus primeiro atesta
o Filho como a revelação do próprio Deus. A seguir, faz a afirmação extraordinária de que esse
Filho é aquele “pelo qual [Deus] também fez o universo” (1.2). O que faz o leitor se perguntar
quem é esse Filho, para que o cosmos seja criado por meio dele e para ele? A resposta chega no
versículo 3: Deus pode criar o cosmos por meio de seu Filho porque, diferentemente de tudo na
ordem criada, a origem desse Filho é eterna. Ele é, por outras palavras, “o resplendor da glória e
a expressão exata do seu ser”, por isso não nos deveria surpreender que o mundo tenha sido
criado por meio dele e que a sua governança contínua se deva ao seu poder sustentador. Pois esse
Filho está “sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder” (Hb 1.3). Quão radiante deve
ser esse Filho para que tais obras de divindade lhe sejam atribuídas.
Luz é uma imagem comum em todas as Escrituras, mas é usada em Hebreus 1 de uma
forma única. Por exemplo, Tiago também usa a luz para falar acerca de Deus: “Toda boa dádiva
e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação
ou sombra de mudança” (Tg 1.17). Mas observe, Tiago usa a imagem da luz para diferenciar
entre o Criador imutável e a criação mutável. O Pai das luzes é uma frase que o descreve como
Criador das grandes luzes no céu e imutável em todos os sentidos, sem variação ou sombra de
mudança e é, portanto, o doador de todas as boas dádivas em nossa ordem criada, que está em
mudança constante. Para todos os autores bíblicos existe uma distinção clara e indiscutível entre
o Criador imutável e a sua criação mutável, uma distinção que não ousamos violar.
O autor de Hebreus aproxima Deus, o Filho, do Pai das luzes ou de sua criação mutável?
Vimos no capítulo 2 como Ário respondeu a essa pergunta: o Filho deve ser identificado com a
criação, o primeiro da ordem criada. Mas não é o que Hebreus diz: o Filho participa da mesma
glória que Deus porque é o próprio resplendor de sua glória, a expressão exata da natureza de
Deus. E para que não pensemos o contrário, o autor então identifica o Filho com o próprio
Criador e não com a criação, nomeando o Filho como o sustentador do universo. Ele fará o
mesmo no final de Hebreus 1, apelando para o salmo 102, passagem que fala de Deus como
Criador, concluindo que o que o salmista diz deveria ser dito acerca do próprio Filho: “No
princípio, Senhor, lançaste os fundamentos da terra, e os céus são obra das tuas mãos” (Hb 1.10;
cf. Sl 102.25-27). Dificilmente se poderia pedir uma afirmação mais direta da coeternidade e
coigualdade do Filho com o Pai.
O Filho, então, não deve ser identificado com a criação, mas com o Criador. O Pai não é
seu Criador da mesma forma que o é da criação em Tiago 1.17. Em vez disso, o Pai é a fonte
eterna do Filho, o seu princípio eterno, e é por isso que Hebreus 1.3 descreve o Filho como o
resplendor da glória de Deus. O Pai não é o Criador do Filho, mas ele é o Pai do Filho. Ele não
criou seu Filho, mas o gerou desde toda a eternidade. Há uma diferença grande. “Ao contrário
das imagens de Tiago 1.17, onde linhas claras de descontinuidade são traçadas entre o imutável
Pai das luzes e sua descendência mutável como criatura, as imagens de Hebreus 1.3 sugerem que
o Pai deve ser entendido como o princípio natural do Filho — assim como a luz irradia
naturalmente seu brilho, Deus também irradia naturalmente seu Filho. ‘As luzes e seu resplendor
são um só.’”[302] Deus naturalmente irradia seu Filho — esse é o cerne da geração eterna. O
Filho é a refulgência resplandecente da glória de Deus.[303]

Leia a Bíblia com a Igreja


Gregório de Nissa diz que Hebreus 1.3 destaca não apenas a divindade do Filho, mas o “modo inefável de subsistência” do Filho
como o “Unigênito”.

Não é dessa maneira que a luz funciona? Nunca esquecerei a primeira vez que voltei aos Estados
Unidos depois que minha família se mudou para Londres. Os turistas, que viajam em julho, não
percebem que na maior parte do ano a cidade fica coberta por um manto de escuridão cinzenta,
eliminando a incandescência onde quer que ela possa ser encontrada. Mas uma vez fui convidado
para falar numa conferência em Houston, Texas. Depois de um voo de quatorze horas sobre o
Atlântico, o avião finalmente pousou. Saí do aeroporto e fui recebido pelo sorriso vertiginoso de
um céu azul próspero, seu sol brilhante cobrindo meu rosto com deficiência de vitamina D. Senti
como se tivesse sido redimido, trazido de volta ao planeta Terra depois de um exílio triste e
desanimador. Com um sorriso de orelha a orelha, eu teria beijado a grama verde sob meus pés se
o policial que estava ao meu lado não me olhasse como se eu fosse um alienígena de outro
planeta. Naquele dia feliz, olhei para cima e agradeci ao sol por seu resplendor.
Mas nossa experiência finita, parcial e bastante limitada de resplendor não é nada em
comparação com o tipo de resplendor que Hebreus tem em mente. Ao procurar por palavras para
descrever esse mistério eterno, a geração eterna, luz parece ser bastante apropriada. O Filho, diz
Hebreus, é o resplendor da glória de Deus, a refulgência resplandecente, sempre luminosa e
radiante, de Deus e de sua imensidão eterna. Ele é “a presença autodifusora daquele que é ele
mesmo um resplendor inacessível. A glória de Deus é o próprio Deus na perfeita majestade e
beleza do seu ser. A glória é resplandecente. Porque o próprio Deus é luz, ele derrama luz”.[304]
Portanto, quando Nicéia descreve a geração do Filho a partir do Pai como “luz da luz”, não está
especulando, mas ecoando o testemunho bíblico para descrever a relação eterna de origem do
Filho: a filiação. O Filho é luz porque é fruto eterno da luz.
Ao contrário dos críticos que objetam que tal ideia torna o Filho inferior, a ideia de
resplendor, segundo Hebreus, não diminui, mas salienta a igualdade do Filho com o Pai. A razão
pela qual o Filho é coeterno e coigual ao Pai é porque ele é o resplendor da glória divina — luz
da luz — e a expressão da própria natureza divina. Palavras como “resplendor” e “expressão”
não apenas distinguem o Filho como Filho, insinuando sua origem divina, mas afirmam sua
identidade com a própria natureza divina. Embora possamos distinguir luz de luz, resplendor de
glória, fazemos isso sabendo muito bem que um vem do outro, são inseparáveis e indivisíveis,
Pai e Filho mantêm a natureza em comum. “A metáfora indica, portanto, a continuidade
ininterrupta do ser entre a glória de Deus e seu resplendor, a luz e seu resplendor são um só.”[305]
Mas isso só pode ser dito se o Pai for a fonte de tal resplendor e o Filho sua luz radiante. E deve
ser nesta ordem também — o Filho vindo do Pai, e não o Pai vindo do Filho. Pois o Filho, diz
Hebreus, é o resplendor da glória de Deus, e não o contrário. Como diz Gregório de Nissa: “O
brilho [vem] da glória, e não, inversamente, a glória do brilho”.[306]
De maneira semelhante, Hebreus muda as metáforas de “luz” para “expressão”, mas com
o intuito de transmitir o mesmo ponto. Além disso, Hebreus diz que o Filho é a expressão exata
da natureza de Deus, confirmando mais uma vez a coigualdade do Filho com o Pai. No entanto,
como expressão, ele não é a mesma pessoa que o Pai. A mesma natureza, sim, mas distinta,
como o Filho que vem do Pai, muito parecido com uma expressão de seu modelo ou fonte
originária. O conceito de expressão não prejudica nem desvia a atenção do que aprendemos a
respeito do resplendor, mas complementa-o em todos os sentidos. Pois se ele é a expressão exata
— “na forma de Deus” (Fp 2.6) —, então é gerado da natureza do Pai. “A metáfora da
expressão”, diz John Webster, “não nos leva numa direção diferente daquela do resplendor, mas
reforça-a ao falar do Filho como a representação exata da essência divina”.[307] Resplendor da
glória de Deus, expressão da natureza de Deus — ambos acentuam a origem eterna do Filho a
partir da essência do Pai.
Forçamos o conceito de geração eterna a Hebreus, impondo-o ao texto (eisegese), em vez
de estar extraindo-o do texto (exegese)? De jeito nenhum. Pois, se você continuar a ler,
descobrirá que o autor transita das imagens de resplendor e expressão para o vocabulário da
própria geração. Num esforço para comunicar a superioridade do Filho sobre a criação, numa
tentativa de separá-lo da criação e posicioná-lo na Divindade, o autor de Hebreus remonta ao
Antigo Testamento: “Pois a qual dos anjos disse jamais: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei?” (Hb
1.5).[308] O autor está citando Salmos 2.7.[309]
No salmo 2, as nações se enfurecem contra o Senhor e contra o seu Ungido (2.1-2). Mas
eles não são páreo: “Ri-se aquele que habita nos céus; o SENHOR zomba deles” (2.4). A raiva
deles é fútil, pois assim que o Senhor falar, sua ira “no seu furor os confundirá” (2.5). Essas
nações não representam nenhuma ameaça real ao Senhor e ao seu reino eterno. “Eu, porém,
constituí o meu Rei sobre o meu santo monte Sião” (2.6).
Mas para que não pensemos que este Ungido, este Rei em Sião, é apenas um mero
mortal, o Senhor nos leva além da nossa visão finita e temporal e abre os nossos olhos para o seu
decreto, um decreto que fala acerca de coisas eternas (2.7a).[310] A razão pela qual os alicerces de
Sião não serão abalados é porque seu Rei vem desde a antiguidade, vindo de uma origem divina
como Filho de seu Pai. “Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei” (2.7b). Ora, aqui está algo
extraordinário: Davi é o orador do salmo 2, mas o Espírito está falando por meio do profeta Davi
para que ele assuma a própria voz do Pai dirigindo-se ao seu Filho.[311] Davi está presenciando
uma conversa divina a respeito da origem do Filho desde a eternidade.[312]
Alguns objetarão que a palavra “hoje” no Salmo 2.7 e Hebreus 1.5 exclui o conceito de
geração eterna e, em vez disso, refere-se apenas ao Filho sendo enviado ao mundo ou sendo
nomeado para o seu cargo como Rei. Tal objeção não apenas ignora o restante de Hebreus 1, que
cita um salmo após outro para demonstrar o domínio eterno do Filho (1.6-14), mas também se
contenta com uma compreensão superficial da palavra “hoje”. Os autores do Antigo Testamento
por vezes usam a palavra para se referir à existência e ao alcance eterno de Deus.[313] Como o
contexto de Hebreus 1 diz respeito à eterna divindade do Filho, o autor é pressionado a comparar
Cristo aos anjos e a concluir que ele lhes é muito superior (1.5, 7, 13). Ao contrário desses seres
angélicos criados, Cristo é um Filho natural, não adotado; um Filho desde toda a eternidade, não
um cuja origem começa no tempo. Como explica Agostinho: “A palavra hoje denota o presente
real, e como na eternidade nada é passado como se tivesse deixado de existir, nem futuro como
se ainda não tivesse acontecido, mas tudo é simplesmente presente, uma vez que tudo o que é
eterno está sempre existindo, as palavras: ‘Hoje eu te gerei’, devem ser entendidas como sendo
da geração divina. Nesta frase, a crença católica ortodoxa [isto é, universal] proclama a geração
eterna do Poder e da Sabedoria de Deus que é o Filho unigênito”.[314] Davi pode estar falando,
mas ao assumir a própria voz do Pai dirigindo-se ao seu Filho unigênito, essa conversação divina
transcende o tempo. Desafiando totalmente as limitações temporais, Deus é eternamente
atemporal na geração de seu Filho.

Espiando Deus
A citação do salmo 2.7 em Hebreus 1.5 é um exemplo de interpretação prosopológica (grego: prosōpon, “pessoa”). Parece algo
sofisticado, mas você já a conhece. Lembra da nossa amiga Zípora? Quando ela testemunhou a oposição dos líderes religiosos a
Jesus (cap. 4), ele respondeu citando Davi no salmo 110 (“Disse o SENHOR ao meu Senhor”), deixando-nos conhecer o discurso
do Pai ao seu Filho na eternidade. Os escritores do Novo Testamento usam um método prosopológico para que possamos
espreitar uma conversa divina, ajudando-nos a distinguir uma pessoa divina de outra. A interpretação prosopológica não foi
inventada pelos apóstolos, mas emerge do diálogo no próprio Antigo Testamento, como vimos no salmo 2.7. Por essa razão, a
exegese prosopológica é uma prática comum na Grande Tradição, como era nos tempos bíblicos.

Em breve o autor de Hebreus descreverá a entrada do Filho no mundo (veja Hebreus 1.6), mas
antes de fazê-lo, ele primeiro estabelece a superioridade do Filho como Filho, algo que os anjos
não podem reivindicar de forma alguma porque, apesar de todo o seu brilho, não são o
resplendor da glória de Deus nem a expressão exata de sua natureza. Se essa geração em Hebreus
1.5 é uma geração eterna, então talvez seja correto parafrasear o salmo 2.7 da maneira como o
fez um estudioso: “Tu és meu Filho; para sempre eu te gerei”.[315] Afinal, os capítulos posteriores
de Hebreus se referirão ao próprio Jesus como aquele que é o mesmo ontem, hoje e para sempre
(13.8; cf. 1.8-9; 7.3, 24).[316] Hebreus não cita o salmo 2.7 com o intuito de dizer que Jesus sobe a
escada da divindade, como se tivesse uma glória menor e devesse chegar a uma posição mais
exaltada. Hebreus cita o salmista para transmitir a ideia de que a origem do Filho sempre foi do
Pai. Nunca houve um tempo em que o Filho não existisse, porque nunca houve um tempo em que
o Filho não tivesse sido gerado por seu Pai. Não existe uma reivindicação mais elevada de
igualdade divina. O autor de Hebreus também sabe disso, e é por isso que direciona o sentido do
salmo 2.7 ao próprio Cristo.[317]
Mas e quanto a Atos 13.33, que se refere ao salmo 2.7 e parece aplicá-lo à ressurreição de
Cristo, não ao seu estado eterno? No passado, os comentaristas sentiam-se obrigados a escolher
um ou outro. Mas se compreendermos a maneira como o Novo Testamento usa o Antigo, não há
razão para que ambos não possam estar em vista. A razão é encontrada no próprio salmo 2.7.
Deus diz: “eu, hoje, te gerei” depois de dizer: “Tu és meu Filho”. Paulo não força a linguagem de
geração eterna para fazê-la se referir à ressurreição de Cristo. Pelo contrário, é porque este é o
Filho, o Filho eterno, gerado pelo Pai antes de todos os tempos, que Paulo pode então aplicar a
linguagem de geração também à sua ressurreição. Na ressurreição, Deus está anunciando ao
mundo não apenas o que seu Filho realizou, mas quem é este Filho desde a eternidade. Eis o
resultado: “O Messias era o Filho de Deus antes de ser coroado como rei de Sião”.[318]
O contexto do salmo 2 pode ter em vista o rei davídico, mas Davi é apenas um tipo que
aponta para um rei muito maior, o Davi maior que virá: Jesus, o Messias. A aliança que Deus fez
com Davi (2Sm 7) é cumprida no filho davídico, o Senhor Jesus, o tipo (Davi) culminando no
antítipo (Cristo). A ressurreição de Jesus é a prova de que tal cumprimento ocorreu. É por isso
que em Atos 13.33 Paulo pode dizer que o salmo 2 está cumprido. Mas Paulo não diz que este rei
davídico ressuscitado não tem origem eterna.[319] A razão pela qual ele é um Davi maior em
primeiro lugar, e a razão definitiva pela qual ele não está morto no túmulo como Davi (veja At
2.29), é esta: ele antecede Davi como o Filho cuja origem eterna vem do Pai. (“Tu és meu
filho”).
Em resumo, os autores do Novo Testamento podem aplicar o salmo 2 à entronização do
novo rei davídico (Jesus) devido à sua conquista da salvação. Mas eles também reconhecem,
com base na conversa intratrinitária no salmo 2, que esse rei davídico que foi designado desde a
eternidade para realizar a nossa salvação (Hb 1.2; Sl 2.8) não é outro senão o Filho que procede
do Pai desde antes de todos os tempos.

Imagem
Se o autor de Hebreus usa a ideia de resplendor para capturar a relação eterna de origem do
Filho, Paulo transmite a mesma verdade por meio do termo imagem.
Ele começa sua carta aos Colossenses louvando a Deus por nos libertar “do império das
trevas” e nos transportar “para o reino do seu Filho do seu amor” (1.13). A frase “Filho do seu
amor” já diz muito: este é o Filho amado de Deus. O que significa para o Filho ser Filho é
transmitido a seguir: “Este é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação; pois,
nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam
tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para
ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste” (1.15-17).

As mãos de João de Damasco


Um Pai da Igreja oriental que foi esquecido nas sombras é João de Damasco (675/76-749), o qual deixou os negócios da família
no governo para entrar na vida monástica. Uma lenda diz que a obediência de João foi testada quando ele foi proibido de
escrever. Quando o irmão de outro monge morreu, ele escreveu uma carta para confortá-lo. Como penitência, teve que limpar os
banheiros com as próprias mãos. Outra lenda diz que João foi incriminado quando uma carta em seu nome foi forjada,
incentivando uma revolta. Como punição, sua mão foi decepada. Mas depois de orar, ela foi restaurada milagrosamente. Quer
seja verdade ou não, João fez bom uso de suas mãos quando escreveu teologia. Se você quiser um resumo conciso do trinitarismo
niceno, não encontrará nada melhor do que sua Exposição acerca da fé ortodoxa. João baseia-se nos Pais da Capadócia, e seu
resumo da Trindade é tão profundo que mais tarde Tomás de Aquino o citará com frequência.

Uma imagem, por definição, não deve ser dissociada daquilo que representa, mas ela reflete,
representa e revela aquilo que representa. Embora uma imagem possa ser distinta em aspectos
importantes daquilo que representa, ela é, antes de qualquer outra coisa, uma imagem porque
compartilha algo em comum com aquilo que representa, seja lá o que for. A metáfora da imagem
é encontrada por todas as Escrituras. Assim que abrimos a Bíblia, lemos no primeiro capítulo de
Gênesis que o homem e a mulher foram feitos à imagem de Deus. Embora os comentaristas
tenham debatido durante séculos o que é a imagem de Deus (algo que somos? algo que fazemos?
ambos?), não há debate acerca do fato de a imago Dei ser fundamental para o que significa ser
humano. Ao contrário de muitos secularistas, os cristãos são reconhecidos por essa crença básica.
Mas você já notou que, apesar de toda a conversa acerca de imagens que permeia os
capítulos iniciais da Bíblia, Deus nunca diz a ninguém em sentido absoluto: “Você e somente
você é a imagem”? A ninguém, exceto a um: seu Filho. E ele não é mencionado no relato da
criação porque não é uma criatura. Mas quando o apóstolo Paulo lê o Antigo Testamento e
reflete sobre a pessoa do Filho, ele acredita que essa prerrogativa pertence ao Filho e somente a
ele. Ele é “a imagem do Deus invisível” (Cl 1.15). Essa é uma afirmação sem precedentes. Você
deve se lembrar que no deserto Deus deixou bem claro para Israel que ele não tem forma; não é
como os ídolos das nações vizinhas (Dt 4.15). João abre seu Evangelho dizendo o mesmo:
“Ninguém jamais viu a Deus” (1.18a). Mas isso não é tudo que João diz. “Ninguém jamais viu a
Deus”, mas (!) “o Filho unigênito, que está no seio do Pai, ele o declarou” (KJV). De quem João
está falando? De ninguém menos do que o Filho, Cristo Jesus, nosso Senhor. Como Filho
unigênito, gerado pelo Pai antes de todos os tempos, ele e somente ele é a verdadeira imagem do
Deus invisível. Ao assumir nossa natureza humana em sua pessoa, ele foi então capaz de
manifestar e revelar Deus a nós em carne. Só ele poderia fazê-lo porque só ele está “no seio do
Pai”.
Mesmo que Paulo não utilize o termo “unigênito” de João, o mesmo conceito está
implícito quando ele diz que o Filho é a imagem do Deus invisível. Sim, as Escrituras dizem que
somos portadores da imagem. Mas somos criaturas criadas, redimidas pelo sangue do Filho, e
somente com base nisso se diz que somos transformados cada vez mais até que finalmente
sejamos conformados à sua verdadeira imagem. Na verdade, é somente porque o Filho é a
imagem do Pai que podemos ser refeitos à imagem de Deus. Como diz Atanásio: “O Verbo de
Deus veio em sua própria pessoa, de forma que, sendo ele a imagem do Pai, pudesse recriar o
homem à sua imagem”.[320] Mas, tornando mais claro, só ele é a imagem, porque só ele é o Filho.
Como diz Nicéia, somente ele foi gerado, não feito, e portanto somente ele é considerado a
imagem do Deus invisível. Nicéia e os Pais não querem dizer — e nem nós — que o Filho seja
apenas um espelho do Pai, como se ele apenas parecesse ser aquele que reflete. Pelo contrário, o
Filho é a imagem de Deus porque compartilha a própria natureza de Deus.[321] Conforme
Gregório de Nissa, diz-se que o Filho está no Pai “assim como a beleza da imagem se encontra
na forma a partir da qual foi delineada; e o Pai no Filho, visto que a beleza original se encontra
na imagem de si mesma”.[322] As implicações para aqueles que se encontram em Cristo são
extraordinárias.
Mas espere, Paulo não diz logo em seguida que o Filho é o “primogênito de toda a
criação”? Como, então, o Filho foi gerado, mas não feito? Os arianos concluem que
“primogênito” (grego: prototokos) significa que o Filho foi criado. A diferença entre ele e a
criação não seria de classe ou tipo, de modo que o Filho fosse identificado com o Criador eterno,
distinto de tudo o mais, que é temporal e criado. Não, o Filho também faria parte da ordem
criada, mas ele seria o primogênito, o que significa que foi o primeiro a ser criado e, nesse
sentido, detém a supremacia sobre todo o resto. Se o arianismo estiver certo, então o que
acabamos de dizer a respeito do Filho ser a imagem do Deus invisível assume um significado
totalmente diferente: o Filho é criado pelo Pai e, portanto, é um portador de imagem, assim como
nós, criaturas, somos portadores de imagem, embora ele seja o primeiro. Ele não poderia ser a
imagem do Deus invisível por ser um com Deus, gerado a partir da natureza do Pai — se for um
ser criado assim como nós.
No entanto, o arianismo deturpa o ensino de Paulo. Quando este diz que o Filho é o
primogênito de toda a criação, não está se referindo a Deus criando seu Filho. Não, Paulo refere-
se a Cristo em relação à criação. Paulo não está se referindo à supremacia de Deus sobre seu
Filho, mas à supremacia de Cristo sobre sua criação. É por isso que ele diz no versículo
seguinte: “pois, nele [no Filho], foram criadas todas as coisas” (Cl 1.16a). O ponto não é que o
Filho foi a primeira criatura da ordem criada, mas que o Filho preexistente é preeminente à
ordem criada, transcendendo-a completamente como aquele que a criou em primeiro lugar, e
portanto tem plenos direitos para governar e reinar sobre ela.[323] “Ele é antes de todas as coisas.
Nele, tudo subsiste” (1.17), não porque ele foi criado primeiro, mas porque aquilo que foi feito (o
cosmos), foi feito por meio daquele que foi gerado e não feito.[324] Mas se o Filho fosse criado,
então Paulo estaria exagerando da pior maneira possível quando confessa: “porque aprouve a
Deus que, nele [no Filho], residisse toda a plenitude” (1.19) e “porquanto, nele, habita,
corporalmente, toda a plenitude da Divindade” (2.9).[325]
Em suma, ser imagem não significa que o Filho seja inferior àquilo que representa, como
se ele fosse subordinado ao Pai. A imagem transmite semelhança.[326] O Filho, diz Gregório de
Nazianzo, “é chamado ‘imagem’ porque é consubstancial ao Pai”.[327]

Sabedoria e Palavra
Os cristãos contemporâneos referem-se a Cristo de muitas maneiras: o Caminho, a Verdade e a
Vida; a Luz do Mundo; o bom Pastor; o Alfa e o Ômega. Mas nunca ouvi um cristão (ou um
pastor, aliás) referir-se a Cristo como a sabedoria de Deus. Nunca. Mas esta imagem —
sabedoria — é aquela que as Escrituras (tanto o Antigo quanto o Novo Testamento) aplicam a
Cristo. Isso mostra que quando lemos as Escrituras, às vezes somos atraídos apenas para aqueles
conceitos que nos são familiares, ignorando outros que são estranhos ao nosso dialeto cristão.
Como resultado, o nosso conhecimento de Cristo fica atrofiado e não aprendemos a ler a Bíblia
como um todo, vendo Cristo do início ao fim, como Deus planejou. As consequências podem ser
graves: doutrinas como a da geração eterna, que permeiam o enredo das Escrituras, são
negligenciadas ou totalmente rejeitadas. A sabedoria é um exemplo disso.
Mas nem sempre foi assim. É difícil ler qualquer Pai da Igreja, oriental ou ocidental, sem
ler sobre a sabedoria de Deus, por meio da qual se referem a Deus Filho. Atanásio, os
capadócios, Agostinho e muitos outros do nosso Time dos Sonhos não apenas se referem ao
Filho como a sabedoria, mas passam capítulo após capítulo de seus tomos revelando esse nome
bíblico por meio de uma exegese robusta.[328] Às vezes até pregavam sermões acerca do Filho
como a sabedoria de Deus. Quando foi a última vez que você ouviu um sermão com esta
temática? Faziam-no porque estavam convencidos de que este título, em ambos os Testamentos,
comunica a geração eterna do Filho. Crendo que o cânon era uma unidade, acreditavam também
que Provérbios 8 apontava para aquele que é a própria sabedoria.
No início da primeira carta de Paulo aos Coríntios, lê-se que a cruz de Cristo é uma
loucura para aqueles que estão perecendo. Certamente parece ser assim aos olhos incrédulos:
como um rei pode ser crucificado? Que tipo de Deus é pregado numa cruz? Mas, aos olhos dos
que creem, o que parece fraqueza é na verdade a exibição do poder de Deus. Pois pela morte de
Cristo, nós, pecadores, somos salvos (1Co 1.18). Paulo cita o livro de Isaías e conclui que Deus
destruiu a sabedoria dos sábios; a sabedoria do mundo é tornada em loucura pela cruz (1Co
1.19–20; cf. Is 29.14). “Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua
própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura da pregação” (1Co 1.21).
Em seguida, Paulo leva a sabedoria a um novo nível, não mais se referindo a ela apenas
como um substantivo ou verbo, mas como uma pessoa: “Porque tanto os judeus pedem sinais,
como os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os
judeus, loucura para os gentios; mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos,
pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus” (1.22-24). Tanto judeus quanto gregos
olham para Cristo na cruz e vacilam, afastando-se do Calvário, incrédulos. Para os judeus, a
crucificação é um sinal de derrota, não de vitória, e, como disseram a Jesus durante o seu
ministério, eles queriam sinais milagrosos, cada vez mais, até que estivessem convencidos de que
ele vinha de Deus. Quanto aos gregos, orgulhavam-se da sua sofisticação física, intelectual e
retórica. Eles olham para a morte sangrenta de Jesus e acham que é uma tolice, uma vergonha,
certamente. Mas, diz Paulo, nem tudo é o que parece: o que o mundo diz ser sábio é loucura para
Deus, e a própria “loucura” de Deus — a cruz de Cristo — é, ao que parece, sabedoria. Pois não
é fraqueza como parece, mas o poder de Deus para salvar. Quão apropriado, então, é que Paulo
conclua que este Cristo é o poder de Deus para a salvação e a sabedoria de Deus exposta a todas
as nações. “Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou, da parte de Deus,
sabedoria” (1Co 1.30).
A questão é: de onde se originou essa sabedoria? Pode parecer que Paulo é o único a
chamar Cristo de sabedoria de Deus, personificada na pessoa do Filho. Mas ele é tudo menos
inovador. Lembre-se, como um rabino que foi treinado com os melhores, Paulo conhecia seu
Antigo Testamento. E o Antigo Testamento personifica a sabedoria em Provérbios 8.
Coincidência? Duvido. Em Provérbios 8, Salomão retrata a sabedoria como uma pessoa que
chama nas ruas, convocando todo e qualquer um que queira ouvir. Pois se ouvirem, viverão; caso
contrário, encontrarão a destruição nesta vida e na próxima.
O SENHOR me possuía no início de sua obra,
antes de suas obras mais antigas.
Desde a eternidade fui estabelecida,
desde o princípio, antes do começo da terra.
Antes de haver abismos, eu nasci,
e antes ainda de haver fontes carregadas de águas.
Antes que os montes fossem firmados,
antes de haver outeiros, eu nasci.
Ainda ele não tinha feito a terra, nem as amplidões,
nem sequer o princípio do pó do mundo.
Quando ele preparava os céus, aí estava eu;
quando traçava o horizonte sobre a face do abismo;
quando firmava as nuvens de cima;
quando estabelecia as fontes do abismo;
quando fixava ao mar o seu limite,
para que as águas não traspassassem os seus limites;
quando compunha os fundamentos da terra;
então, eu estava com ele e era seu arquiteto. (Pv 8.22-30)

À medida que a sabedoria clama nas ruas, proclamando o seu caminho de retidão e os seus
caminhos de justiça (8.5-20), percebemo-la então não apenas mais personificada, mas também
autoconsciente de sua própria origem. Diz-se que a sabedoria vem desde “antes de suas obras
mais antigas” (8.22). Exploraremos isso mais detalhadamente quando examinarmos o título
Ancião de Dias, encontrado no Antigo Testamento e também atribuído a Jesus. Mas aqui em
Provérbios 8, “antigo” confirma algo: a sabedoria tem uma origem eterna. Não só isso, mas sua
origem desde a antiguidade tem uma fonte: “Antes que os montes fossem firmados, antes de
haver outeiros, eu nasci” (8.25). Nasceu? De quem? A resposta está no versículo 22, no qual o
próprio Senhor é identificado. Foi o Senhor quem “me possuía no início de sua obra”, e esse
mesmo Senhor “gerou” a sabedoria antes que “os montes fossem firmados” e antes de ele fazer o
“pó do mundo”.
A sabedoria, em outras palavras, foi gerada do Senhor desde toda a eternidade. Talvez
agora você possa perceber por que tantos na Grande Tradição acreditavam que a sabedoria
personificada em Provérbios 8 se referia direta ou tipologicamente a Deus, o Filho, e à sua
geração eterna a partir do Pai. Ainda mais quando consideramos também, como vimos em 1
Coríntios, como os autores do Novo Testamento chamaram Cristo de sabedoria de Deus (1Co
1.24, 30). Mas para perceber a ligação, devemos ler o Antigo Testamento como cristãos, isto é,
cristologicamente, da forma como os autores do Novo Testamento leram o Antigo Testamento
na época deles. Deus incorporou sua intenção autoral divina para que os tipos e sombras no
Antigo Testamento encontrassem seu cumprimento e culminação em Cristo Jesus (nosso Novo
Testamento). Dito isto, também devemos ler Provérbios 8 tendo em mente 1 Coríntios 2. A
sabedoria é personificada em Deus Filho, gerado do Senhor desde os tempos antigos, revelado
poderosamente a nós como a sabedoria de Deus nas circunstâncias mais imprevisíveis: a
humilhação da cruz.
“Calma aí!”, protestaram os arianos do século IV. Provérbios 8.22-23 diz que a sabedoria
foi “possuída” e “estabelecida” no “princípio”, de modo que a geração eterna não pode estar em
vista — é impossível. Esta sabedoria foi criada, não gerada; foi feita junto com a criação, não
gerada pelo Pai desde toda a eternidade. Ao contrário de Provérbios 8.25, que se refere à origem
eterna da sabedoria do Senhor, os versículos 22 e 23 referem-se à relação da sabedoria com o
resto da criação (semelhante ao uso que Paulo faz da linguagem sobre o “primogênito” em
Colossenses 1). Em outras palavras, ela foi “estabelecida”, por assim dizer, “antes do começo da
terra” (v. 23), porque o cosmos foi criado por meio dela e para ela, um ponto que os autores do
Novo Testamento estavam muito ansiosos em enfatizar (cf. Cl 1; Hb 1). Enquanto o versículo 25
se refere ao que ocorre dentro da Divindade (ad intra), os versículos 22-23 referem-se ao que
ocorre externamente à Divindade, em direção à ordem criada (ad extra).
Identificar o Filho eterno como a sabedoria de Deus parece muito adequado aos olhos dos
autores bíblicos. A semelhança é fantástica: a sabedoria nasce de Deus; o Filho nasce de Deus. A
sabedoria reflete a glória divina; o Filho reflete a glória divina. A sabedoria vem desde o
princípio; o Filho é desde o princípio. A sabedoria é o agente da criação; o Filho é o agente da
criação. A sabedoria desceu do céu; o Filho desceu do céu. A sabedoria ilumina aqueles que
estão nas trevas; o Filho ilumina aqueles que estão nas trevas.[329] E, como a sabedoria, ele é a
Palavra. O que aprendemos acerca da sabedoria está resumido no título que João dá a Jesus: “No
princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus. Ele estava no
princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez”
(João 1.1-3, KJV).
O paralelo entre a sabedoria em Provérbios 8 e a Palavra em João 1 é simplesmente
extraordinário. O Logos, um título que se sobrepõe à sabedoria, não surgiu algum tempo antes da
criação, mas esteve com Deus desde a eternidade. Como os Pais da Igreja gostavam de dizer,
nunca houve um tempo em que Deus estivesse sem a sua sabedoria. Não poderíamos dizer
também que nunca houve um tempo em que Deus esteve sem a sua Palavra?
Como João revelará no restante do capítulo inicial, essa Palavra não é outro senão o
próprio Filho (1.14, 18). Como tal, João pode fazer a afirmação mais chocante de todas: a
Palavra era Deus (1.1). Ele não poderia identificar mais o Filho com o Pai. Como Jesus dirá mais
tarde: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10.30). Sua divindade é inquestionável porque ele é
identificado com o próprio Deus desde a eternidade.
Mas há mais a ser dito sobre o título Palavra. Considere João 1.14, 18: “E a Palavra se fez
carne, e habitou entre nós, (e nós contemplamos sua glória, como a glória do unigênito do Pai),
cheio de graça e verdade... Nenhum homem viu a Deus em qualquer tempo; o Filho unigênito,
que está no seio do Pai, ele o declarou” (KJV). Muitas vezes nos concentramos, como João o faz,
no versículo 18, em como o Filho nos revela o Pai. É, em parte, por isso que João escolheu esse
título. O Pai nos fala uma Palavra salvadora, e essa não é outra senão o seu próprio Filho. No
entanto, há algo mais fundamental no título Palavra. Jesus não é apenas a Palavra porque nos
revela o Pai; ele é a Palavra, antes de tudo, porque vem do Pai desde antes de todos os tempos
como o Filho. É por isso que João pode passar, ao mesmo tempo, do título “Palavra” para o título
filial “Filho”. Esta Palavra, em outros termos, não apenas nos revela o Pai como o Filho que está
“no seio do Pai” (1.18), mas pode nos revelar o Pai porque ele é o Filho nascido da essência do
Pai (ousia). Caso contrário, João não tem o direito de chamar esta Palavra, este Filho, de
“unigênito”. Em suma, o Pai pode trazer a sua criação à existência por meio de sua Palavra, e
falar uma Palavra salvadora que faz nova uma criação caída, porque nunca houve um tempo em
que Deus estivesse sem a sua Palavra. Proferida pelo Pai desde toda a eternidade, a Palavra pode
então, no momento apropriado, encarnar-se para revelar-nos o Pai na história. Ora, isso é
sabedoria.

Ancião de Dias
Ao contrário de como funciona hoje, os nomes tinham um significado durante os tempos
bíblicos; eles tinham sentido, importância, e até comunicavam uma mensagem. Um dos meus
nomes favoritos no Antigo Testamento é Icabô. O nome aparece em 1 Samuel 4, que é um dos
capítulos mais sombrios de toda a Bíblia. Eli, o sacerdote, tinha dois filhos que estavam levando
o povo de Deus à imoralidade e zombando da santidade de Deus. Eles eram, nas próprias
palavras divinas, filhos de Belial e não se importavam com o Senhor. Então, Deus permitiu que
os filisteus derrotassem os israelitas numa batalha em que os dois filhos de Eli são mortos, e a
arca da aliança é capturada. Esqueça seus filhos perversos; quando Eli ouve que a arca foi
levada, ele cai, e seu peso quebra seu próprio pescoço (Eli não era um homem magro). Quando a
nora de Eli ouve a notícia, começa a ter dores de parto e dá à luz um filho. Ela o chama de Icabô,
que significa: “Foi-se a glória de Israel”. Você consegue imaginar isso? Sempre que alguém dizia
o nome daquele menino, todos se lembravam de que a presença de Deus não estava mais em
Israel. Esse é um nome sem esperança.
Mas nem todos os nomes do Antigo Testamento eram tão trágicos. O profeta Miquéias,
por exemplo, tinha um nome que exalava boas novas. Ao contrário de Icabô, o nome de
Miqueias transmitia esperança. Seu nome significava “Quem é como Javé?” que perdoa a
iniquidade do povo (7.18). Mas nos dias de Miquéias, o povo de Deus tinha-se tornado corrupto,
e tal corrupção provinha de seus líderes. Como resultado, eles mereceram ser condenados por
seus muitos atos perversos. Por mais que o Senhor tenha pronunciado o julgamento sobre o seu
povo por meio do profeta Miquéias, acontece que o julgamento não foi o fim. Embora
merecessem a destruição, Javé lhes concedeu perdão. Ao contrário do seu povo infiel, Javé é um
Deus que permanece fiel à aliança que fez, inabalável na sua fidelidade.
A benevolência e o perdão imerecidos de Deus para com Israel atingem seu ápice na
promessa feita em Miquéias 5:
E tu, Belém-Efrata,
pequena demais para figurar como grupo de milhares de Judá,
de ti me sairá
o que há de reinar em Israel,
e cujas origens são desde os tempos antigos,
desde os dias da eternidade (5.2).

Ancião de Dias — por alguma razão nunca associei esse título ao livro de Miquéias. Talvez seja
porque estou acostumado a lê-lo no livro de Daniel, que se refere repetidamente a alguém
conhecido como o Ancião de Dias (Dn 7.9, 13, 22). Mas também está no livro de Miquéias,
explicitamente. Em meio a guerra e a calamidade, o Senhor pronuncia uma palavra de promessa
e esperança: chegará o dia em que em Belém, dentre todos os lugares, surgirá um novo líder, um
governante, um pastor. Se isso parece familiar, é provavelmente porque todo Natal ouvimos a
leitura de Mateus 2.4-6 em algum momento. Quando alguns sábios do Oriente chegaram a
Jerusalém perguntando: “Onde está aquele que acaba de nascer, rei dos judeus?” O rei Herodes
perguntou aos seus principais sacerdotes e escribas onde este Cristo nasceria, ao que
responderam: “Em Belém da Judéia” (Mt 2.5). Aparentemente, esses conselheiros sabiam uma
ou duas coisas sobre o Antigo Testamento, identificando Miquéias 5.2 como o versículo que lhes
dizia não apenas que um rei nasceria, mas onde nasceria.[330]
Por que este rei, este pastor profetizado, é tão singular? Veja novamente Miquéias 5.2.
Sim, ele virá de uma pequena cidade chamada Belém. Mas o que deveria chamar sua atenção é o
seguinte: Belém não é o local de origem definitiva deste rei. Sua origem é anterior a Belém.
“Cujas origens são desde os tempos antigos.” Quão antigos? “Desde os dias da eternidade.” Esta
linguagem é usada por todo o Antigo Testamento para se referir à origem eterna de Javé. Mas se
o Deus de Israel é de eternidade a eternidade, sem princípio nem fim, como pode este
governante, rei e pastor ser Jesus, se sabemos onde ele nasceu?
Como já vimos, o nascimento de Jesus não foi um nascimento humano comum, apesar
das suas aparências humildes. A ironia é explícita: este bebê, nascido entre os animais e colocado
na manjedoura onde se alimentam, não é outro senão o Filho eterno, gerado pelo Pai antes de
todos os tempos. O seu nascimento em Belém pode ser o início da sua encarnação, mas a
identidade deste bebê remete-nos para a eternidade, onde as origens da sua filiação estão
localizadas com o Pai. Sua vinda é antiga porque esse rei recém-nascido não é outro senão o
próprio Ancião dos Dias.
Para Mateus, atribuir Miquéias 5.2 a Jesus não significa nada menos do que isso. Mateus
coloca esta citação no seu Evangelho não apenas porque Jesus é o cumprimento final do rei e
filho que Deus prometeu que se sentaria no trono de Davi. Ele é isso, mas é muito mais. Este
pastor da linhagem de Davi pode vir e estabelecer o seu reino porque a sua identidade divina,
trinitária, não começa em Belém, mas origina-se na eternidade.[331] O Ancião de Dias origina-se
dos tempos antigos. Como diz John Owen: “Aquele que nasceu na plenitude dos tempos em
Belém, teve sua origem do Pai desde a eternidade”.[332]

Erga-se e renasça!
A geração eterna é uma doutrina sem fundamento bíblico? Somente se adotarmos um biblicismo
raso e grosseiro. Mas se alguém ler as Escrituras como Deus planejou — como um todo
integrado em vez de partes díspares, tendo o próprio Deus triúno como seu autor único e divino,
que se revelou ao longo de toda a história da redenção — então a geração eterna é vista pelo que
realmente é: a trama bíblica, a doutrina de que toda a história depende.
Se (1) considerarmos a estrutura redentiva da história (o Pai enviando o Filho), (2)
prestarmos atenção ao que os nomes Pai e Filho significam intrinsecamente, (3) levarmos em
conta o contexto joanino de monogenēs, confirmando Jesus como o Filho unigênito, e (4)
observarmos as diversas metáforas e títulos atribuídos a Jesus (resplendor, imagem, sabedoria,
Palavra, Ancião de Dias), o que descobrimos é que a geração eterna está implícita e pode ser
inferida de inúmeras maneiras. Despojando as Escrituras deste conceito, será impossível
compreender o que significa Jesus ser chamado de Filho, ao menos em seu sentido trinitário,
bíblico e, sim, distintivamente cristão. Remova esse pilar da ortodoxia e não poderemos mais
entender o que distingue o Filho do Pai, nem porque o Pai enviaria seu Filho para redimir uma
humanidade caída.
Mas a geração eterna também é essencial para a compreensão da salvação. Pois se o Filho
não é o unigênito, então não há base sobre a qual o Pai possa enviá-lo ao mundo para salvar
pecadores como você e eu. Somente aquele que é o próprio Deus, gerado da própria essência do
Pai, é qualificado, e capaz, de salvar uma humanidade caída. Se ele não for gerado eternamente,
que esperança temos de que seremos regenerados? A menos que ele nasça do Pai desde toda a
eternidade, temos pouca confiança de que nasceremos de novo e entraremos em seu reino (Jo
3.3, 16). Talvez devêssemos revisitar o versículo que abriu este capítulo, aquele que nossa amiga
Zípora ouviu dos próprios lábios de Jesus: “Porque assim como o Pai tem vida em si mesmo,
também concedeu ao Filho ter vida em si mesmo” (Jo 5.26). Só quem tem vida em si pode dar
vida a quem tanto precisa dela.
Isso deveria fortalecer o nosso evangelismo: não oferecemos ao mundo um Salvador que
espera e deseja poder mudar este mundo; oferecemos a um mundo perdido nas profundezas das
trevas um Salvador que pode ressuscitar os mortos para uma nova vida. Por essa razão,
Agostinho convocou corajosamente os incrédulos em todos os lugares a olharem para ninguém
menos que o Filho unigênito: “E o que dizer de ti, alma? Estavas morta, perderas a vida: ouve o
Pai que te fala por meio do Filho: ‘Levanta-te! Recebe a vida’, de modo a receber, n’Aquele que
tem a vida em Si mesmo, a vida que não possuis em ti”.[333]
Se as palavras de Agostinho soam estranhas, talvez uma melodia mais familiar soe
melhor, uma canção que você canta em todo Natal: “Anjos cantam harmonias”. A terceira estrofe
do hino atemporal de Charles Wesley diz:
Cante o povo resgatado
glória a Deus, Senhor da paz,
pois, em Cristo revelado,
vida e luz ao mundo traz.
Nasce a fim de renascermos,
vive para revivermos —
Rei, Profeta e Salvador.
Louvem todos ao Senhor.

Longe do Filho unigênito, gerado do Pai desde toda a eternidade, não temos confiança nem
garantia de que podemos ou iremos renascer. Os filhos da terra só recebem o seu segundo
nascimento se este Príncipe da Paz nascer do céu.
8
O Filho é subordinado eternamente ao
Pai?
Um filho digno de adoração

Onipotente o Pai, onipotente o Filho


e onipotente o Espírito Santo;
... não três onipotentes
mas um só onipotente.
CREDO ATANASIANO

À luz da mensagem de Jesus, que insiste que as posturas adequadas de governo são caracterizadas menos por
direitos de autoridade e mais por um serviço abnegado para o bem dos governados, de uma maneira que aponta
diretamente para a cruz (Mateus 20.20-28), discutir os relacionamentos entre as pessoas da divindade em termos de
estruturas de autoridade (como fomos ensinados a pensar em estruturas de autoridade, pela nossa cultura) pode ser
algo extremamente enganoso.
D. A. CARSON

A interpretação é a aceitação exultante daquilo que o texto oferece além de sua superfície.
OLIVER O’DONAVAN, FINDING AND SEEKING

Para o DeLorean!
Destino: Evangelicalismo

Ponto principal: Uma nova visão surgiu dentro do evangelicalismo, conhecida como SFE, e alega que o Filho está subordinado
ao Pai em autoridade dentro da Trindade imanente. A SFE não é bíblica, aproxima-se perigosamente de três heresias e ameaça a
visão cristã de salvação e adoração. Também é uma versão do trinitarismo social, que é um afastamento da ortodoxia bíblica e
nicena.

Um Ford Mustang e insetos texanos


O tempo que se passa no seminário pode ser emocionante. Para mim, o foi. Minha esposa,
Elizabeth, e eu tínhamos acabado de nos casar, em Malibu, Califórnia. Éramos jovens e livres
para partir e nos plantar onde quer que Deus nos quisesse. Meus professores universitários me
incentivaram a ir para o seminário. Portanto, lá fomos nós.
Foi então que tomei uma decisão da qual ainda estou me recuperando até hoje: nós
vendemos meu Ford Mustang conversível preto. Precisávamos do dinheiro. Mas mantivemos o
Volvo 1990 quadrado e prateado desbotado de Elizabeth — um tanque indestrutível — e
empacotamos o pouco que tínhamos, para fazer uma viagem de carro.
Nossa nova casa ficava em Louisville, Kentucky, o estado do bluegrass, sede do
Kentucky Derby e do melhor bourbon a leste do rio Mississippi. Mas para chegar lá tivemos que
passar pelo Texas em meados de julho. Como se costuma dizer no Texas, estava tão quente
quanto as dobradiças do inferno. E o nosso tanque de aço sueco também sentiu isso; seu ar-
condicionado parou de funcionar assim que cruzamos a fronteira. Sabendo que iríamos assar
vivos se dirigíssemos durante o dia, decidimos dirigir à noite. Praticamente não ajudou. Com as
janelas abertas, dirigimos com nada além de terra em cada lado da estrada, orando a Deus para
que nosso carro não superaquecesse. Mas não levamos em consideração outro fenômeno do
Texas: no meio da noite, um carro com quatro janelas abertas e faróis brilhantes equivalia a um
convite ecológico aberto, que convidava os maiores e mais desagradáveis insetos de todo o
Texas para juntar-se a dois recém-casados em sua viagem mal planejada. Não sei quem foi o
primeiro a dizer que tudo é maior no Texas, mas ele estava certo. Eu tinha acabado de perceber
que nem mesmo os motoristas de caminhão estavam na estrada, quando um inseto que havia
comido uma vaca no jantar entrou voando e bateu no meu banco do motorista. Então, fiz o que
qualquer homem no Texas faria: gritei.
De alguma forma, sobrevivemos e chegamos a Louisville bem a tempo de começar as
aulas. Tive aulas de todas as matérias, mas podia ouvir meu coração bater mais rápido dentro da
minha alma teológica sempre que assistia a uma aula de teologia sistemática. Eu ficava sempre
querendo mais. Este anelo me levou a buscar um lugar na primeira fila das aulas de teólogos
notáveis, muitos dos quais se inspiravam na ortodoxia nicena. Com a prática, aprendi a cantar a
melodia da Trindade.
Como achava que a teologia que obtinha não era suficiente, fazia perguntas, tentando
descobrir outros com os quais deveria ter aulas. Muitos disseram: “Pegue as aulas de Bruce
Ware. Ele lhe ensinará uma visão evangélica da Trindade”. Ware se destacava por sua
combinação de convicção teológica e piedade pessoal. Ele era claramente um homem piedoso e
comprometido em ensinar a Bíblia. Além disso, sua devoção à fidelidade bíblica era contagiante.
Como um líder evangélico, ele ensinava seus alunos a proteger a fé de doutrinas doentias.
Ademais, sempre admirei seu investimento pessoal em seus alunos e sem dúvida me beneficiei
de muitas maneiras.
Mas ao mesmo tempo em que Ware cantava louvores à Trindade, ele às vezes dizia
coisas que soavam desafinadas: o Pai é “supremo sobre” o Filho; o Pai “está acima do Filho”;
somente o Pai merece a “glória última”, mesmo acima do Filho, que merece apenas a
“penúltima” glória; e somente o Pai deveria receber “o maior louvor”.[334] Essas eram notas
dissonantes que modificavam a canção nicena que eu estava aprendendo a cantar.[335]
O que significavam? Demorou e necessitou muito estudo sério, mas finalmente cheguei
ao cerne da questão.

Um novo tipo de biblicismo


Durante quase sete anos, ouvi Bruce Ware articular sua doutrina da Trindade. Isso foi logo
depois que seu livro Father, Son, and Holy Spirit: Relationships, Roles, and Relevance [Pai,
Filho e Espírito Santo: relacionamentos, papéis e relevância] foi lançado.[336] Ware e Wayne
Grudem falavam em igrejas, faculdades e seminários, ensinando uma visão conhecida como
submissão, ou subordinação, funcional eterna (SFE) do Filho ao Pai.[337] Os proponentes da SFE
disseram a uma geração inteira que a Trindade imanente — Deus em si mesmo, independente da
economia da salvação — era definida por relações de autoridade e submissão eternas (RASE).[338]
Ware, por exemplo, apresentava sua doutrina da Trindade com a fórmula:
1. Liste versículos bíblicos que ensinam que Deus é um (monoteísmo).
2. Liste versículos que apoiam a divindade de cada pessoa: Pai, Filho e Espírito.
3. Apele ao homoousios para argumentar que cada pessoa tem a mesma natureza
divina.
4. Liste versículos nos quais duas ou três pessoas são mencionadas.
5. Conclusão: Deus é uma essência, três pessoas.[339]

Com forte convicção, Ware simplesmente listava texto após texto fora de contexto,
concentrando-se apenas em palavras selecionadas e concluindo com muito entusiasmo: “Eu
simplesmente acredito na Bíblia!”
Você também deve ter notado a falta da geração e da espiração eterna. Naquela época, as
relações eternas de origem não eram levadas em conta na fórmula da SFE. De nenhuma maneira.
Nem eram levadas em consideração na apresentação da história da SFE. Quando os proponentes
da SFE falavam sobre o Filho, apresentavam Nicéia e depois passavam para Agostinho, mas
focando-se apenas na palavra homoousios, abstraindo-a de seu contexto confessional (geração
eterna).[340]
Só depois de Ware ter apresentado a sua fórmula para a Trindade é que identificava o que
distinguia as pessoas.[341] Não eram a geração e espiração eternas que vemos nas Escrituras e no
Credo Niceno. Em vez disso, apenas uma coisa distinguia as pessoas: “papéis” ou
“relacionamentos”.[342] Ware adicionava à Trindade uma forte ênfase social, definindo-a como
“pessoas trinas em comunidade relacional”.[343] “A relacionalidade eterna exige e evoca uma
comunidade criada de pessoas.”[344] Como uma sociedade em si, a Trindade é o modelo para a
sociedade humana. Às vezes, Ware até buscava na sociedade humana algo para definir a
Trindade.[345]
Mas então surgiu a pergunta de um milhão de dólares: que tipo de “papéis” e
“relacionamentos” distinguem as pessoas? Que tipo de “sociedade” é a Trindade, e deveria esta
sociedade divina tornar-se o protótipo da sociedade humana?
A resposta da SFE: A Trindade é uma sociedade de autoridade e submissão. Uma
comunidade relacional hierárquica dentro de Deus.

Uma sociedade hierárquica


Para a SFE, a posição de supremacia dentro da Trindade pertence somente ao Pai, não ao Filho, e
definitivamente não ao Espírito, que tem a menor autoridade dentre todas. Somente o Pai é
“supremo entre as pessoas da Divindade”.[346] Somente ele tem a “supremacia final” e somente
ele é “supremo na Trindade”.[347] O Pai “está acima do Filho” e o “Pai tem supremacia absoluta e
incontestada, incluindo autoridade sobre o Filho e sobre o Espírito”.[348] O Pai “está acima do
Filho” e é “supremo dentro da Divindade”.[349]
Os proponentes da SFE foram inflexíveis ao afirmar que essas indicações de supremacia
e subordinação nos dizem quem são as pessoas à parte da criação e da salvação. São até mesmo
aquilo que define as pessoas. Assim como a subordinação distingue o Filho como Filho, a
supremacia distingue o Pai como Pai dentro da Trindade. À parte desses papéis, não existe
Trindade, um ponto que Grudem também enfatizou várias vezes.[350]
A certa altura, os proponentes da SFE até mesmo colocaram o Filho ao lado da criação,
uma vez que ambos estão subordinados ao Pai. “O Pai é supremo sobre toda [a criação] e, em
particular, é supremo dentro da Divindade, como aquele mais elevado em autoridade e que
merece o maior louvor”[351] e “honra e glória definitivas”.[352] Essa última frase é
superimportante: somente o Pai é aquele “que merece o maior louvor” e “glória”, não o Filho.
Ao Filho cabe um louvor menor. Sua glória é uma glória menor.
Os proponentes da SFE citam frequentemente 1 Coríntios 15.28, que Ware parafraseou
da seguinte forma: “No final da história, quando todas as coisas definitiva e completamente
estiverem sujeitas a Jesus Cristo, o Filho, então o próprio Filho também estará sujeito a seu
próprio Pai, que é aquele que sujeitou todas as coisas ao seu Filho, para que Deus, o Pai, que não
está sujeito a ninguém — nem mesmo ao seu próprio Filho — possa ser mostrado como supremo
e soberano sobre tudo o que existe”. E então vem uma declaração muito significativa: “O Pai está
acima do Filho, e o Filho reconhece esse fato com alegria”.[353]
A subjugação do Filho não é apenas uma realidade econômica, limitada à salvação ou à
encarnação. A subordinação do Filho está enraizada no próprio DNA da Trindade, à parte da
criação, dentro da própria Trindade imanente (que os proponentes da SFE assumem como sendo
sinônimo do que rotulam de eternidade passada e futura).[354] Existe uma hierarquia de autoridade
e subordinação dentro da Trindade.

O Pai realmente precisa do Filho ou do Espírito? Há ciúmes... dentro da Trindade?


A posição da SFE sofria com as implicações sempre que descreviam a supremacia do Pai sobre o
Filho como “abrangente, todo-inclusiva e absoluta”.[355] Por somente o Pai ter tal autoridade, em
virtude da sua paternidade, ele poderia, se quisesse, agir por si mesmo. Sozinho. O Filho e o
Espírito poderiam ser, ao menos hipoteticamente, “marginalizados”, uma vez que o Pai é
“supremo”; no entanto, o Pai “escolhe não trabalhar dessa forma”.[356] Bem, na maioria das vezes.
Grudem disse que às vezes o Pai prescinde do Filho; quando planeja a salvação, por exemplo, ele
age sozinho.[357]
Ware chegou ao ponto de comparar o Filho à criação: “De muitas maneiras, o que vemos
aqui: o Pai escolhendo não trabalhar unilateralmente, mas realizar sua obra por meio do Filho, ou
do Espírito, estende-se ao seu relacionamento conosco. Deus precisa que façamos a sua
obra?”[358] A resposta é não, mas, para os proponentes da SFE, a razão decorre da Trindade: o
envolvimento do Filho é opcional. O Filho não está envolvido porque é o Filho. Ele só está
envolvido porque o Pai escolhe envolvê-lo. O Pai poderia ter pedido ao Filho que ficasse de lado
e o observasse fazer todo o trabalho. Da mesma forma se dá com o trabalho de criação.
Às vezes, os proponentes da SFE colocam esse ponto de forma explicita: “Pois, embora o
Pai seja supremo, embora tenha na ordem trinitária o lugar de mais alta autoridade, de mais alta
honra, ainda assim escolhe fazer o seu trabalho, em muitos casos, por meio do Filho e do
Espírito, e não unilateralmente”.[359] Ware imitou a voz do Pai em conversa com o Filho e o
Espírito: “Em vez de dizer ao Filho e ao Espírito Santo: ‘Apenas fique de lado e observe-me
enquanto faço todo o trabalho’, é como se ele, em vez disso, dissesse: ‘Quero que vejais a minha
obra realizada por meio do meu Filho’”. Mas, se alguém pensa que o Filho é a razão pela qual o
Pai fez essa escolha, pense novamente; trata-se, em última análise, de uma decisão do Pai: “Olhe
para o meu Filho! Observe meu filho! Veja a maravilhosa obediência dele para comigo”.[360] É
até mesmo um ato de generosidade da parte do Pai incluir o Filho, em primeiro lugar. “O Pai faz
sua obra por meio do Filho e do Espírito, e essa generosidade em compartilhar sua obra com
outras pessoas se reflete na forma como ele se relaciona conosco.”[361]
A generosidade é fundamental para a visão da SFE. Caso contrário, o Filho poderia ser
ingrato, resistir ao seu lugar de submissão e tentar exaltar-se à posição de autoridade do Pai
dentro da Trindade. Mas os proponentes da SFE dizem que o Filho não fará isso porque “aceita o
seu papel” e se contenta com o seu lugar abaixo do Pai.[362] Não há, então, “nem ciúme nem
orgulho”; em vez disso, cada pessoa “trabalha em conjunto com as outras para um propósito
unificado e comum”.[363] Elas não permitem que a sua “diversidade” e “diferenciação” — isto é,
hierarquia e subordinação — “levem à discórdia”.[364]
Ciúme, orgulho, discórdia? Por que os proponentes da SFE sentiriam a necessidade de
excluí-los de dentro da Trindade eterna, imanente?

Contra a ortodoxia
Antigamente, a apresentação de Ware era levada a um nível totalmente novo em palestras mais
avançadas a respeito da Trindade, nas quais ele rejeitava abertamente os credos ortodoxos e a
Grande Tradição, e o fazia com confiança. Considere dois exemplos.
Primeiro, em diversas ocasiões, Ware, seguindo o exemplo de Grudem, criticou e rejeitou
a geração eterna como especulativa e antibíblica (não há capítulo nem versículo acerca dela); a
doutrina em si simplesmente não faz sentido (a geração não pode ser eterna). Quando os alunos
perguntavam sobre o Credo Niceno, que afirma a geração eterna e o faz para defender a
divindade de Cristo, Ware balançava a cabeça e dizia, rindo: “Bem, acho que sou um herege!”[365]
Segundo, os papéis e as relações de hierarquia dentro da Trindade imanente eram tão
essenciais, definindo e diferenciando as pessoas, que Ware afirmou, e até insistiu, que há
múltiplas vontades na Trindade, contrariando os credos ortodoxos que dizem que há apenas uma
vontade. Se o Pai “está acima do Filho” e é “supremo dentro da Divindade”, então ele deve
exercer a sua própria vontade sobre o Filho, e o Filho deve submeter a sua própria vontade à do
Pai.[366] Ware já havia sugerido isso quando disse que o Pai pode agir “unilateralmente” sem o
resto da Trindade.[367] Ele não precisa do Filho ou do Espírito, mas pode agir por sua própria
vontade. Ele poderia dizer ao seu Filho: “Apenas fique de lado e observe-me enquanto eu faço
todo o trabalho”, agindo por sua própria vontade, mas em vez disso, ele inclui o Filho: “Veja a
maravilhosa obediência dele para comigo”.[368]
As vontades múltiplas acabam com a unidade? Ware rejeitou a questão porque, disse, as
pessoas cooperam como em uma sociedade: “Cada pessoa divina aceita o seu papel, que está em
relação adequada com o das outras, e cada uma trabalha em conjunto com as outras para um
propósito unificado e comum”.[369] Ele negava uma singularidade de vontade; singularidade de
propósito era suficiente.[370] No entanto, Ware garantia aos outros que não era triteísta, uma vez
que as pessoas, em sua visão, possuíam a essência em comum. Mas isso parecia peculiar porque
Ware, em não poucas ocasiões, criticou e rejeitou a simplicidade divina pelas mesmas razões que
rejeitou a geração eterna (extrabíblica e ilógica). “Escolástica! Metafísica!”, ele protestava.
“A Trindade social é o protótipo da sociedade”... especialmente dos papéis de gênero
No capítulo 3, vimos quão arduamente os trinitaristas sociais trabalharam para tornar a Trindade
relevante novamente. Redefinindo-a como uma sociedade de relacionamentos, tornaram-na o
protótipo da sociedade humana. Os proponentes da SFE fizeram o mesmo. Se a Trindade é uma
“sociedade de Pessoas” que estão “socialmente relacionadas” por meio da autoridade e da
submissão, então ela “fornece um dos padrões mais importantes e negligenciados de como a vida
e as relações humanas devem ser conduzidas”.[371] Ware porém foi ainda mais longe, chamando-a
não apenas “padrão”, mas “paradigma” e “protótipo”.[372] Para o quê exatamente? Para tudo: o
local de trabalho, o ministério e o lar.[373] Grudem também o fez.[374] Esta foi sua maneira de dizer
o que muitos trinitaristas sociais já haviam dito antes deles: a Trindade é o nosso programa
social.
De maneira mais específica, a Trindade é o paradigma para os papéis de gênero no local
de trabalho, no ministério e no lar. Em oposição fervorosa ao igualitarismo evangélico, que vê
homens e mulheres como iguais em autoridade, a SFE defende o complementarismo, que vê o
marido como o chefe da sua esposa e o “papel” da esposa como um de submissão ao marido.
Mas o “paradigma” e o “protótipo” para tal submissão à autoridade é a Trindade. Assim como o
Filho se submete ao Pai, também as esposas devem se submeter aos seus maridos. Esses papéis
são até intrínsecos à sua identidade. Assim como o Filho não pode ser Filho se não for
subordinado, a esposa não pode ser esposa se não for subordinada.[375] “[A] característica mais
marcante das relações trinitárias é a presença de uma expressão eterna e inerente de autoridade e
submissão.”[376] Dá-se o mesmo com os papéis de gênero.[377] O texto prova da posição da SFE é
1 Coríntios 11.3: “Quero, entretanto, que saibais ser Cristo o cabeça de todo homem, e o homem,
o cabeça da mulher, e Deus, o cabeça de Cristo”. Contudo, os membros da SFE foram sempre
rápidos a reiterar que não havia qualquer desigualdade. Tal como se dá com o Filho, a submissão
da esposa é funcional, não ontológica; é submissão no papel, não na essência.[378]

Acusação: semiarianismo
Outros complementaristas, como Carl Trueman, também soaram o alerta, apelando ao movimento novo calvinismo, em
particular, para que se responsabilizasse. Igualitaristas como Michael Bird concordaram. Bird rotulou os proponentes da SFE de
“complementaristas homoianos”. “Bruce Ware e Wayne Grudem não são arianos... mas estão perigosamente próximos do
homoianismo, que é semiarianismo, ou, no mínimo, não são nicenos... O homoianismo é uma subvariedade mais sutil e, portanto,
mais perigosa do arianismo.” Veja Trueman, “Fahrenheit 381”, e Bird, “The Coming War”.

Algo novo... e muito mais radical do que o anterior


Os proponentes da SFE ensinaram sua visão durante décadas. Mas recentemente o grande debate
a respeito de sua visão aumentou e irrompeu como um vulcão.[379] Liam Goligher, pastor da
Décima Igreja Presbiteriana na Filadélfia, soou o alerta. Ele escreveu: “Sou um
complementarista bíblico e não tenho vergonha disso”, mas “usar as relações intratrinitárias
como modelo social não é bíblico nem ortodoxo. Deus não é um conjunto de pessoas, mas nós
somos [um conjunto de pessoas]... A vida interior do Deus Triúno não apoia hierarquia,
patriarcado ou igualitarismo”.[380] A Trindade não é o nosso “programa social”. Além disso, os
proponentes da SFE não são transparentes: “Eles constroem seu argumento reinventando a
doutrina de Deus, e fazem-no sem dizer ao público cristão o que estão a fazer”.[381] Goligher
apelou aos evangélicos de todo o mundo para “pesarem o que está em jogo” antes de
“descartarem a compreensão clássica, católica, ortodoxa e reformada de Deus”.[382]
Após esses disparos iniciais do canhão, seguiram-se milhares de respostas, a maioria
contra a SFE. Representantes dela também responderam.[383] Eles mudaram de opinião? Sim, mas
não exatamente. Num certo sentido, a sua visão tornou-se ainda mais radical, ainda mais
heterodoxa.[384] Eles agora afirmam a geração eterna, pelo que devemos ser gratos.[385] Mas em
que sentido a afirmam? E para que fim?
No capítulo 2 aprendemos que os Pais Nicenos não apenas afirmaram as relações eternas
de origem (o Pai é ingênito, o Filho é gerado, o Espírito é espirado), mas disseram que somente
essas relações distinguiam as pessoas. Ware discorda. Existem duas categorias de
“distintividade”: (1) relações eternas de origem e (2) relações funcionais eternas ou papéis
hierárquicos. Essas duas não são independentes, mas relações/papéis funcionais eternos
(autoridade/submissão) “fluem de” e são encontrados “dentro” das relações eternas de origem.
[386]
Isto é estratégico, dando aos proponentes da SFE uma oportunidade de inserir subordinação
dentro da Divindade eterna. Será que a nova afirmação da SFE sobre relações eternas de origem
prejudica a sua inclusão de autoridade e submissão na Divindade? “Absolutamente não! Isso
apenas fortalece a visão”, afirma Ware.[387] Para evitar a acusação de heresia (arianismo), a SFE
diz que as relações eternas de origem são “ontológicas”, enquanto os papéis de
autoridade/submissão são “funcionais”.[388] A SFE nega que o Filho seja ontologicamente
subordinado; ele é apenas funcionalmente subordinado. E ainda assim, o funcional flui do
ontológico. Apesar do fato de a SFE afirmar que “ontológico” pertence às relações eternas de
origem e não tem nada a ver com papéis funcionais, no entanto, depois de afirmar a “primazia”,
“prioridade” e “autoridade final” do Pai sobre o Filho, Ware diz que o Pai tem “primazia
ontológica” na Trindade eterna.[389] Os proponentes da SFE não explicam como resolvem esta
contradição aparente.

Palavra-chave Apropriações
Segundo os Pais Nicenos, sendo a Trindade una na essência (simplicidade), as três pessoas trabalham sempre de forma
inseparável na economia. No entanto, uma vez que a essência única tem três modos de subsistência (relações eternas de origem),
uma determinada obra pode ser “apropriada” por uma determinada pessoa, mas sempre de uma forma que seja consistente com o
modo de subsistência dessa pessoa. Por exemplo, o Filho é enviado pelo Pai para encarnar, o que corresponde ao seu modo de
subsistência (relação eterna): ser gerado.

A princípio, Ware garante que é ortodoxo e niceno, mas quanto mais elabora, mais
perceptível se torna que está insatisfeito com a forma como os Pais Nicenos e a Grande Tradição
articularam a Trindade. Por exemplo, o ortodoxo “apelo às apropriações divinas não consegue
expressar plenamente o que as Escrituras indicam a respeito das relações funcionais”. “Sim, a
ordem das operações ad extra expressa a ordem das relações ad intra, mas dizer apenas isso
exclui uma porção significativa das indicações bíblicas.” O que exatamente está excluído e
“faltando”? Autoridade. Hierarquia. Dentro da Trindade. Sem submissão à autoridade dentro da
Trindade imanente, Ware acha que o Pai enviar o Filho é apenas uma “operação mecânica” e
“impessoal das relações de origem”. Ele não explica exatamente o porquê. Mas se o Filho está
sujeito ao Pai dentro da Trindade imanente, então as apropriações tornam-se pessoais. No final,
as apropriações sugeridas pelos Pais Nicenos “ficam aquém”, se não resultarem da submissão à
autoridade dentro da Trindade imanente.[390] Por essa razão, quando Ware articula apropriações, a
sua linguagem não é pró-nicena, mas sim social, falando das pessoas como se fossem os seus
próprios agentes distintos. Isso não é surpreendente, uma vez que Ware adicionou uma categoria
social, “papéis”, dentro da Divindade imanente.
Em suma, embora os proponentes da SFE pareçam ter reformado a sua posição ao aceitar
relações eternas de origem, os críticos concluem que eles, na verdade, radicalizaram a sua
posição, incorporando a subordinação mais profundamente na identidade eterna e imanente de
Deus. Resultado: os membros da SFE afirmam ser ortodoxos, mas ao mesmo tempo dizem que
uma Trindade “pró-nicena” “fica aquém”. Os membros da SFE estão cientes de que a sua visão é
“diferente, até mesmo contrária” à “tradição pró-nicena” (ou pelo menos, na sua opinião,
diferente de “parte” dessa tradição ortodoxa); mas estão convencidos de que têm “a Bíblia ao seu
lado, enquanto os outros não a tem”.[391]

Como devemos então responder?


Nas igrejas, faculdades e seminários, os evangélicos continuam a beber das fontes da SFE.
Talvez você se identifique com a minha história: disseram-lhe que SFE era completamente
bíblica. Mas é hora de ficar atento: a SFE mina a ortodoxia bíblica e ameaça afundar o
evangelicalismo no pântano do trinitarismo social. Em uma palavra, a SFE é nova. Embora
alegue fidelidade à ortodoxia nicena, é um claro afastamento, que chega perigosamente perto de
ressuscitar heresias que a Igreja há muito enterrou. Consideremos algumas das razões.[392]

Retorno do social
A Trindade “é por natureza uma unidade de Ser, ao mesmo tempo que existe eternamente como
uma sociedade de Pessoas. A realidade tripessoal de Deus é intrínseca à sua existência como o
Deus único que é o único Deus. Ele é um ser com relações sociais dentro de si mesmo”.[393]
Quem disse isso?
Se você leu o capítulo 3, pode pensar que foi um dos trinitaristas sociais que tratamos.
Jürgen Moltmann talvez? Mas na verdade foi Bruce Ware. Parece tão familiar porque os
proponentes da SFE definem a Trindade tal como qualquer outro trinitarista social do século
passado. No capítulo 3 identificamos várias marcas-chave de uma Trindade social. Agora que
você conhece a visão da SFE, observe quantas dessas marcas são exatamente correspondentes:
O ponto de partida (e ênfase) não é a simplicidade, mas as três pessoas —
alguns rejeitam completamente a simplicidade;
A Trindade é redefinida como sociedade e comunidade, análoga à sociedade
humana;
As pessoas são redefinidas como três centros de consciência e vontade;
As pessoas são redefinidas de acordo com seus relacionamentos e funções;
Uma grande sobreposição (às vezes colapso) da Trindade imanente e
econômica;
A Trindade social é paradigma para a teoria social (eclesiologia, política,
gênero, etc.).

A SFE alinha-se com cada uma dessas marcas, o que faz dela uma espécie de trinitarismo social.
Como vimos nos capítulos 2 e 3, o trinitarismo social é um afastamento da ortodoxia bíblica. A
principal diferença entre a SFE e os trinitaristas sociais anteriores é esta: enquanto teólogos
modernos repensaram a Trindade em categorias sociais como um protótipo para a igualdade na
sociedade, a SFE adota a mesma visão social, mas conclui, ao contrário, que ela é definida por
uma “estrutura de submissão à autoridade”, que também é um protótipo para a sociedade.[394] A
visão da SFE acerca da personalidade difere pouco daquela de um trinitarista social como
Leonardo Boff, que disse: “Para os modernos a pessoa, fundamentalmente, significa um ser-de-
relação. A pessoa é um sujeito existente como centro de autonomia, dotado de consciência e
liberdade”.[395] Exceto que, para a SFE, as pessoas não são apenas sujeitos sociais, mas o Filho e
o Espírito são sujeitos, isto é, submissos ao Pai, o único que tem “autoridade suprema” e sozinho
“merece louvor final”.[396]
Por mais que os membros da SFE digam que apenas ensinam a Bíblia, estão operando
com uma visão totalmente social da Trindade. Mas será que um tratamento social trai a
fidelidade bíblica ortodoxa, especialmente aquela que trata o Filho como alguém com menos
autoridade e merecedor de uma glória menor? De fato, a SFE, ainda que involuntariamente, flerta
com três heresias: triteísmo, sabelianismo e subordinacionismo.

A SFE perdeu a unidade trinitária? O perigo do triteísmo


No capítulo 2 aprendemos que para ser pró-niceno é preciso afirmar as operações indivisíveis. O
conceito de operações indivisíveis significa mais do que apenas cooperação ou envolvimento das
três pessoas. As pessoas não são três centros de consciência e vontade, como se apenas
trabalhassem juntas, compartilhassem os mesmos desejos e concordassem com o mesmo plano.
Operações indivisíveis significa que cada ato de Deus é o ato único do Deus triúno. Não existem
atos diferentes praticados por agentes diferentes, mas um ato em acordo com uma agência divina.
Singularidade na vontade, singularidade na operação. Diremos mais acerca disso no capítulo 10.
Mas a linguagem da SFE trai essa premissa básica da ortodoxia bíblica quando seus
membros se referem às pessoas como se fossem os seus próprios agentes, ou quando usam
palavras como “papéis” e “funções” para definir as pessoas. Ware diz agora que mantém uma
vontade na Trindade, enquanto anteriormente ensinava que havia três vontades. Mas quando
descreve as pessoas da Trindade, especialmente as gradações de autoridade entre elas, é
improvável que sua visão (a visão da SFE) possa legitimamente sustentar operações inseparáveis
como afirma, muito menos a simplicidade divina. Grudem até mesmo critica a inseparabilidade
de operações.[397]
Isso fica mais evidente quando os proponentes da SFE usam uma linguagem que
historicamente implica múltiplas vontades. Por exemplo, eles não apenas dizem que o Pai gerar o
Filho significa que aquele tem “primazia ontológica”, mas o Pai enviar seu Filho unigênito ao
mundo por amor revela a “motivação do Pai”, “que deve ser exclusivamente do Pai, mesmo que
sua motivação esteja de acordo ou unida aos motivos do Filho e do Espírito”.[398] Múltiplos
motivos? Motivações exclusivas? Essa é uma receita para o triteísmo.
A SFE também atribui ao Pai um “propósito distinto” e exclusivo. Existe uma
“autoridade paterna” que é essencial para o “motivo e propósito distinto do Pai”, ao menos se ele
quiser enviar seu Filho.[399] Ware chega a dizer que o Pai é seu próprio “agente distinto”.[400]
Múltiplos propósitos? Agentes distintos? Novamente, mais ingredientes para o triteísmo.
Superficialmente, essa linguagem pode parecer inofensiva. Mas se considerarmos como a
SFE introduziu uma nova categoria de relações funcionais de submissão à autoridade na
Trindade imanente, esta linguagem torna-se subitamente muito alarmante. Especialmente quando
fala acerca de uma autoridade exclusiva do Pai e de uma subordinação exclusiva do Filho. Ela
praticamente grita: “Múltiplas vontades!” Aqui está o trinitarismo social da SFE — centros
distintos de consciência — que se manifesta de forma densa e pesada. A questão é que a SFE
separa as pessoas da Trindade umas das outras, e até mesmo as coloca umas contra as outras. O
resultado é a fragmentação.

Acerca do propósito
Os proponentes da SFE observam como o Deus triúno age em relação à criação e assumem que Pai/Filho é sinônimo de
autoridade/submissão. Mas Pai/Filho não é equivalente a poder/instrumento ou superior/inferior, diz John Webster (God Without
Measure, 72). Ao falarmos sobre o Deus único, simples, mas trino, em referência à criação e à economia da salvação, é
apropriado falar de propósito/concretização.

Em contraste, as pessoas não são “agentes quase independentes”, alerta John Webster. “Na
economia, a Trindade atua de maneira indivisa, e suas obras devem ser atribuídas
‘absolutamente’ à única essência divina.” Assim, “é insuficiente falar dos ‘papéis mútuos’
desempenhados pelas pessoas na economia; a ação inseparável ou coerente não é simplesmente
uma operação conjunta... Atividade comum não é atividade indistinguível”.[401] Papéis mútuos —
esse é precisamente a expressão que a SFE utiliza. O problema é que ela assume que “operações
inseparáveis” é meramente uma operação conjunta. Mas uma atividade partilhada não é a mesma
coisa que uma atividade singular.
John Owen diz que as pessoas são “indivisíveis em suas operações, agindo todas pela
mesma vontade, pela mesma sabedoria, pelo mesmo poder. Cada pessoa, portanto, é a autora de
toda obra de Deus, porque cada pessoa é Deus, e a natureza divina é o mesmo princípio indiviso
de todas as operações divinas; isso surge da unidade da pessoa na mesma essência”.[402] Observe
que Owen não exclui o poder. Unas na vontade, as pessoas agem pelo mesmo poder. Assim
como o Filho não é uma glória menor, também não é um poder menor. Isso é algo que a SFE não
pode dizer.
Além disso, as três pessoas não podem realizar uma ação única se uma ou mais forem,
por definição da sua personalidade, inferiores em autoridade a outra pessoa. Assim que você
insere gradações de autoridade dentro da Trindade imanente, gradações que definem as pessoas
e, portanto, são essenciais para que a Trindade seja uma Trindade, você perde a vontade una de
Deus.[403] Você perde a essência única e simples da Trindade. Nosso Deus é simplesmente
Trindade... nada mais.
Demais, no minuto em que se projeta autoridade e subordinação na vida interior de Deus
(Trindade imanente), o ônus da prova recai sobre aquele que o fez, para explicar como agora não
haveria três vontades na Trindade (triteísmo) em vez de uma vontade (simplicidade). “Onde
existe uma vontade simples, não pode necessariamente haver autoridade e submissão.” Por quê?
Resposta: “autoridade e submissão requerem diversidade de faculdades volitivas” — em outras
palavras, múltiplas vontades em Deus.[404] Por essa mesma razão, o trinitarismo social tem sido
acusado de triteísmo.
Os adeptos da SFE negam a heresia do triteísmo, mas é incerto como podem evitá-lo
quando introduzem uma categoria nova e funcional na Divindade imanente. É verdade que
ninguém afirma ser triteísta, mas o triteísmo pode infiltrar-se de maneiras que não percebemos.
Isso acontece de duas formas: “Uma forma usaria um conceito moderno de ‘pessoa’ que enfatiza
excessivamente a individualidade de cada uma das três. Outra forma enfatizaria excessivamente
os traços distintivos de cada pessoa divina, em vez de enraizar as distinções pessoais nas relações
de origem que fundamentam suas missões”.[405] Foi exatamente isto que a SFE fez: enfatizou
excessivamente a individualidade, enfatizou excessivamente os traços distintivos, distinguindo as
pessoas de acordo com papéis funcionais de hierarquia, em vez de relações de origem apenas.
“As formas ‘sociais’ modernas de trinitarismo enfrentam regularmente essa acusação.”[406]
A SFE é uma dessas formas sociais modernas.

Sobrecarga funcional: o perigo do sabelianismo


Até agora, vimos as tendências da SFE em direção ao triteísmo. Mas e quanto ao sabelianismo?
Como mencionado acima, tudo se reduz a uma questão de ênfase. Uma ênfase excessiva é fatal.
A SFE não apenas enfatiza excessivamente as pessoas como agentes distintos, mas também
enfatiza excessivamente a função. Repetidamente, os membros da SFE enfatizam (para evitar
acusações de arianismo) que a subordinação na Trindade não é ontológica, mas funcional. Mas,
como vimos, eles trazem de volta a funcionalidade — autoridade e submissão, em particular — à
Trindade imanente.

E quanto ao Espírito?
Os proponentes da SFE afirmam que os nomes bíblicos para as pessoas transmitem autoridade/submissão por definição. Mas não
é curioso que eles tenham dificuldade em explicar como o nome “Espírito Santo” transmite submissão e subordinação? Deveria
transmitir, se quisessem ser consistentes. Eles insistem que Filho não significa apenas gerado, mas subordinado em função. Mas
não podem aplicar a mesma abordagem estreita a Espírito. A palavra nem mesmo faz parte do vocabulário familiar.

Lembre-se, a ortodoxia nicena argumenta que apenas uma coisa define as pessoas: relações
eternas de origem. Esse julgamento está correto: como vimos no capítulo 7, as Escrituras dizem
que somente a geração eterna explica a origem eterna do Filho. Não somente a linguagem de
“geração” é aplicada ao Filho (ex.: Jo 3.16), não apenas o próprio título Filho transmite a
metáfora do nascimento, mas ambos os testamentos transmitem o mesmo quando usam palavras
como resplendor (Hb 1.3, 5), imagem (Cl 1.15-17, 19), sabedoria (Pv 8; 1Co 1.22-24, 30),
Palavra (Jo 1.1, 14, 18) e Ancião de Dias (Mq 5.2; Mt 2.5). Da mesma forma, no capítulo 9
testemunharemos a origem do Espírito. Sua origem é transmitida não somente pelo significado
da espiração em si, mas também por meio de muitos outros títulos que as Escrituras lhe atribuem,
incluindo Sopro (Gn 1.2; Jó 33.4; Sl 33.6; Jo 3.8; 20.22; 2Tm 3.16), Dom (Jo 3.14; 4.10; 7.38-
39; 15.26; At 2.38; 5.32; 8.20; 10.45) e Amor (Rm 5.4-5; Gl 5.22; 1Jo 4.7-16).
Mas a SFE acrescenta outra categoria, que as Escrituras nunca atribuem à Trindade
imanente: relações funcionais de hierarquia (autoridade/submissão). Dizem que essas funções
não são acidentais mas essenciais, não opcionais mas necessárias. E observe que tais relações
funcionais são essencialmente sociais. As pessoas da Trindade não são mais definidas somente
por relações ontológicas, mas são definidas agora por relações sociais de hierarquia. Com tanta
ênfase na funcionalidade dentro da Divindade imanente, como pode a SFE evitar que as pessoas
se tornem meras atividades sociais hierárquicas? Quando o que as pessoas fazem (exibir poder
sobre outra, submeter-se ao poder de outra) define quem são (Pai, Filho, Espírito), isso significa
que o sabelianismo não está tão distante. Quem é a Trindade foi confundido com o que ela faz.
Traços de sabelianismo também aparecem, como tinta invisível sob luz fluorescente,
quando os proponentes da SFE dizem que o Pai não precisa do Filho e do Espírito para agir na
criação e na salvação. Ele pode agir unilateralmente; no entanto, é generoso o suficiente para
incluí-los. Isto não é apenas uma violação da simplicidade e uma dissolução flagrante da vontade
única de Deus, mas é algo muito próximo do sabelianismo. No mundo antigo, o sabelianismo
assumiu formas variadas.[407] Uma delas afirmava que existe apenas uma pessoa divina que
aparece e se revela de três maneiras (Pai, Filho, Espírito). Um segundo tipo dizia que existe
apenas uma pessoa divina que se transforma sequencialmente. A SFE transita em algum ponto
entre esses dois. Pois, se Deus, o Pai, tem o direito de agir por si mesmo, unilateralmente, sem o
Filho e o Espírito, apresenta-se a questão se o Filho e o Espírito devem esperar a sua vez até que
o Pai decida que são elegíveis para a ação. Esta não é uma Trindade que funciona
indivisivelmente.
Além disso, a forma como a SFE fala da glória menor do Filho apenas aumenta as
suspeitas de sabelianismo, como se, no final, o Filho se colocasse de lado, na sua subordinação,
para que o Pai recebesse o “louvor final”; afinal, diz a SFE, só o Pai o “merece”.[408] O próprio
fato de Ware ter de assegurar ao leitor que não há ciúme, inveja ou discórdia dentro da Trindade
imanente devido à maior autoridade e glória do Pai apenas abre ainda mais a porta para
acolherem o sabelianismo.

O calcanhar de Aquiles: o perigo do subordinacionismo


Ao longo deste livro continuamos repetindo o princípio básico da ortodoxia nicena: somente as
relações eternas de origem distinguem as pessoas na Trindade imanente. Mas a SFE acrescenta
uma nova categoria de distinção: papéis eternos de autoridade e submissão. No entanto, seus
proponentes insistem que as relações eternas de origem são ontológicas, enquanto as relações
funcionais eternas/papéis de autoridade/submissão são funcionais.
Em primeiro lugar, é falacioso dizer que existe algo ontológico em oposição a algo
funcional dentro da Trindade imanente. Esta é uma dicotomia estranha, que não apenas é
completamente nova, mas antitética à ortodoxia bíblica nicena. Em toda a sua exegese das
Escrituras, os Pais pró-Nicéia nunca teriam reconhecido tais categorias. O Credo Niceno nunca
se refere a “papéis” de hierarquia dentro da Trindade imanente. Falar sobre a Trindade imanente
sempre foi falar de ontologia. Este é o Deus triúno do qual falamos. Tudo o que há em Deus é
ontológico, caso contrário ele não seria Deus. O que distingue a pluralidade no Deus simples não
é algo funcional, mas pessoal, hypostaseis, para ser exato. Mesmo assim, cada pessoa é uma
subsistência da essência única. A essência tem três modos de subsistência. Não é possível ser
mais ontológico do que isso. Mas ao projetar papéis sociais na Trindade imanente, as pessoas
deixam de ser apenas subsistências, tornam-se agentes distintos que cooperam para formar uma
comunidade, neste caso uma comunidade hierárquica. Isso pode se enquadrar como uma
Trindade social, mas é qualquer coisa menos bíblico, ou ortodoxia nicena.
Em segundo lugar, a insistência da SFE de que a subordinação é funcional, e não
ontológica, falha na compreensão da ligação entre pessoa e essência. Os proponentes da SFE
criaram uma divisão entre as duas coisas, e devem fazê-lo se quiserem salvaguardar a igualdade
ontológica do Filho em essência de sua subordinação funcional enquanto pessoa.[409] Apesar da
sujeição do Filho em autoridade e de sua glória menor, a SFE assegura-nos que o “Filho é igual
ao Pai precisamente porque possui a mesma natureza que o Pai”.[410] Mas por quê? Por que o
Filho possui a mesma natureza do Pai? Ware nunca responde a essa pergunta.

Houston, temos um problema


Não podemos implantar a hierarquia nas relações eternas de origem, tornando-a intrínseca à Trindade imanente, sem implantá-la
também na própria essência divina. Dizer que podemos é uma falha em compreender o que são as relações eternas de origem: as
pessoas são subsistências da própria essência divina. A erupção da controvérsia pode ter levado Grudem e Ware a reconsiderar
publicamente sua posição e a adotar as relações eternas de origem, mas rapidamente ficou claro que eles o fizeram inserindo uma
hierarquia funcional dentro da Trindade imanente. Anexar subordinação às relações eternas de origem é uma manipulação das
categorias bíblicas e nicenas.

Mas a resposta a essa pergunta revela o calcanhar de Aquiles da SFE. Lembre-se do


capítulo 2, as relações eternas — como a geração do Filho — não apenas distinguem as pessoas,
mas Nicéia apresentou a geração eterna para afirmar, contra o arianismo, que o Filho é igual ao
Pai. Pois o Filho é eternamente gerado da essência (ousia) do Pai. Como disse Atanásio contra os
arianos: “O Filho é sempre o fruto próprio da essência do Pai”.[411] E como disse Gregório de
Nissa, o “[Filho] Unigênito... está no Pai, e portanto é de sua natureza”.[412] Aqueles no Ocidente
concordaram. Na geração eterna, disse Agostinho, “a geração pelo Pai, sem mudança alguma de
natureza, proporciona ao Filho a essência, sem início de tempo”.[413] Anselmo escreveu que o Pai
“possui sua essência a partir de nada senão de si mesmo”, mas “[o] Filho, por outro lado, tem sua
essência a partir do Pai, além de ter a mesma essência do Pai”.[414] Tomás de Aquino disse o
mesmo: “A essência divina é o princípio pelo qual o genitor gera”.[415] A Grande Tradição que se
seguiu continuou essa linha de pensamento até a era pós-Reforma. Turretini, por exemplo, diz:
“Essência é comunicada por geração ou espiração”.[416] John Owen também percebeu a conexão:
“[Uma] pessoa divina nada mais é do que a essência divina subsistindo, por conta de uma
propriedade especial, de uma maneira especial”.[417]

Não perca sua ligação


Pode parecer certo e adequado dizer que há algo ontológico (essência) e algo funcional (papéis hierárquicos) na Trindade
imanente, e que um não afeta necessariamente o outro. Mas essa bifurcação separa essência e pessoa e não compreende o que é
uma pessoa divina e como cada pessoa se relaciona com a essência. As pessoas não têm um lado ontológico e um lado funcional
(muito menos hierárquico). Como subsistências da essência, elas são totalmente ontológicas. A SFE não reconhece isso porque
adicionou uma nova categoria, uma categoria social (papéis de autoridade/submissão) que não se enquadra na linguagem nicena.
Seríamos sábios em ouvir a Grande Tradição, que não perde a ligação entre essência e pessoa: “Pois em Deus não é uma coisa o
ser, outra, ser pessoa, mas há identificação perfeita”, diz Agostinho. “E assim como para ele o ser identifica-se com o ser Deus...
do mesmo modo, o ser identifica-se com ser uma pessoa” (A Trindade 7.6). Ou, como explica Bavinck, em “cada uma das três
pessoas... o ser divino é completamente coextensivo como ser Pai, do Filho e do Espírito” (Dogmática reformada 2:304, 305).

Mas os proponentes da SFE não conseguem ver a conexão. Eles tratam homoousios — o
Filho é um em essência com o Pai — como se fosse apenas uma caixa a ser verificada na lista da
ortodoxia, para que possam dizer simultaneamente que o Filho é igual em essência, mas
subordinado em papel. Mas eles removeram o homoousios do seu contexto orgânico, bíblico. A
razão pela qual a tradição pró-Nicena poderia afirmar que o Filho é homoousios com o Pai é
somente porque o Filho é gerado a partir da essência do Pai.[418] Consequentemente, a Grande
Tradição disse repetidas vezes que a essência única tem três modos de subsistência, sendo cada
pessoa uma subsistência daquela essência única, simples e indivisa. Como o Filho subsiste na
mesma essência do Pai? Ele é eternamente gerado da essência do Pai. Esta é a aula básica de
Introdução à Ortodoxia Nicena.
Isso também é algo básico para preservar a igualdade das pessoas nas Escrituras. Observe
que toda, e qualquer, vez que as Escrituras refletem acerca da Trindade imanente — e esses
momentos são raros, considerando que o foco na maior parte do tempo está na salvação e na
humilhação da encarnação —, sempre enfatizam a igualdade do Filho com o Pai sem qualquer
qualificação. E quando digo sempre, quero dizer realmente sempre. “O Verbo estava com Deus,
e o Verbo era Deus” (Jo 1.1): nenhuma qualificação adicionada. “Este é a imagem do Deus
invisível” (Cl 1.15): nenhuma nuance necessária. O Filho de Deus é “o resplendor da glória [de
Deus]” (Hb 1.3): nenhuma glória ou autoridade menor é mencionada. Ele é “a expressão exata
do seu Ser” (Hb 1.3): sem cláusula de exceção em torno da palavra “exata”. Se ele fosse um
poder menor, Hebreus não poderia dizer que ele está “sustentando todas as coisas pela palavra do
seu poder” (1.3). “Cristo [é] o poder de Deus” (1Co 1.24), não menor do que o Pai. De que outra
forma ele poderia dizer: “Quem me vê a mim vê o Pai” (Jo 14.9)? Ele não é algum deus inferior
no totem da autoridade divina da Trindade. Será que ousaremos (!) corrigir Jesus quando ele diz:
“Eu e o Pai somos um” (Jo 10.30), e dizer: “Exceto em poder e autoridade — não se esqueça
dessa parte, Jesus”?
Até os fariseus, que não acreditavam em Jesus, entenderam que ele afirmava ser o Filho
de Deus; até mesmo seus oponentes mais cruéis compreenderam que ele estava reivindicando
igualdade total com o Pai (Jo 5.18). Se Jesus tivesse apenas assumido uma qualidade — como
deveria ter feito se a SFE estivesse correta — explicando que ele não quis dizer igual em
autoridade, os fariseus nunca teriam condenado à morte esse tal blasfemador.
Então, pergunto novamente: por que a subordinação nunca é mencionada em nenhuma
dessas reflexões bíblicas a respeito da Trindade imanente? A resposta é muito simples: a
subordinação colocaria totalmente em cheque a igualdade divina atribuída ao Filho. E se os
proponentes da SFE objetarem que eles somente querem dizer que o Filho é inferior em
autoridade (pessoa), não em essência (divindade), não esqueçamos que o Filho é uma
subsistência da essência divina. Gerado da essência do Pai desde toda a eternidade (veja os
capítulos 6-7), o Filho não é menos que igual ao Pai em nenhum sentido. Pois a essência divina
não pode ser separada, arrancada ou divorciada do poder, autoridade e glória divinos, cada um
dos quais subsiste igualmente nas três pessoas. Mais uma vez, os fariseus entenderam isso. Note
a acusação deles: “Os judeus ainda mais procuravam mata-lo, porque... [ele] dizia que Deus era
seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus” (Jo 5.18). A filiação de Jesus (pessoa) está diretamente
ligada à divindade, e a autoridade divina está ligada a ela.
Além disso, a SFE insiste que os papéis hierárquicos definem a pessoa. Você não pode
ter uma Trindade sem hierarquia, esse é um ponto que Grudem ressalta continuamente.[419] Para
garantir a sua necessidade, a SFE agora diz que os papéis hierárquicos fluem das relações eternas
de origem.[420] Mas espere: se as pessoas são subsistências da essência, o que significa manter a
subordinação da essência? Se a essência tem três modos de subsistência, e se a subordinação flui
do próprio modo de subsistência do Filho (geração eterna), o que mantém a hierarquia longe da
Divindade? Inventar uma divisão entre ontológico e funcional é uma farsa. A essência subsiste
no Filho por meio de seu modo de subsistência (geração eterna), e esse modo de subsistência,
segundo a SFE, está repleto de subordinação.
Em terceiro lugar, a SFE removeu o poder e a autoridade da essência divina e isolou-os
nas pessoas, mas acima de tudo no Pai, violando a simplicidade da Trindade. A ortodoxia nicena
foi muito cuidadosa na afirmação da simplicidade: essência e atributos não são coisas diferentes;
atributos não são partes da essência de Deus. Pelo contrário, a essência de Deus são os seus
atributos e os seus atributos, a sua essência. Como subsistências da mesma essência divina,
nenhuma pessoa possui um atributo maior ou menor do que outra — incluindo o poder e a
autoridade de Deus. Como diz o Credo Atanasiano:
onipotente o Pai, onipotente o Filho,
onipotente o Espírito Santo;
e, no entanto, não três onipotentes,
mas um só onipotente.

O Pai, então, não é um todo-poderoso maior que o Filho. Isso dividiria a essência simples de
Deus e criaria um Filho inferior. Coiguais em poder e autoridade, existe apenas um Onipotente.
[421]

Por outro lado, a SFE alega que há um poder maior no Pai, e não apenas um poder maior,
mas também uma glória maior. Como vimos, a SFE até diz que só o Pai merece a glória final
dentro da Trindade imanente, e não somente na economia, mas devido a natureza da sua
paternidade eterna. O Filho é uma glória menor que o Pai.[422] Os proponentes da SFE não devem
também concluir, se quiserem ser consistentes, que o Pai deve receber mais e maior adoração do
que o Filho?
Isso não apenas contradiz o Credo Atanasiano, mas também dispensa completamente a
simplicidade bíblica. “A unidade do poder no Pai e no Filho se mostra pela reciprocidade da
glória a ser dada e retribuída”, diz Hilário de Poitiers.[423] Ao declarar que o Filho é um poder e
uma glória menor, a SFE toma o que pertence à essência de Deus e, portanto, o que pertence
igualmente, totalmente, a todas as três pessoas que subsistem nessa mesma essência e dá-o ao Pai
acima e além do Filho e do Espírito, dividindo a Trindade. Despojar a essência de tal autoridade
e entregá-la ao Pai acima de tudo cria um Filho inferior.[424]

A eternidade errada
No capítulo 4, distinguimos entre Deus em si mesmo (imanente) e Deus em relação ao mundo (econômico). O grande erro que os
proponentes da SFE cometem resume-se a uma suposição: assumem que algo que é eterno também deve ser imanente. Eles então
olham para um texto como 1 Coríntios 15 e concluem que se Paulo fala acerca do futuro, então a submissão deve definir quem é
o Filho dentro da Trindade imanente. Contudo, a SFE não conseguiu reconhecer que o econômico também pode ser eterno. A
eleição, por exemplo, ocorre antes da fundação do mundo. É, no entanto, opcional; Deus não precisa eleger. Só porque a eleição é
eterna não significa que seja necessário que Deus seja Deus (Trindade imanente). Aqui está a lição: não confunda a economia da
salvação, mesmo na eternidade, com a vida imanente, interior e necessária de Deus na eternidade. Em 1 Coríntios 15, Paulo está
ensinando: “que o último ato da obra salvadora de Deus será a entrega do Reino do Filho ao Pai pode parecer estar tratando de
um ato de submissão ou subordinação na eternidade, mas, novamente, essa é, se podemos utilizar esses termos, a eternidade
errada: é a consumação da obra divina, não um aspecto da vida divina” (Stephen Holmes, “Classical Trinitarianism and Eternal
Functional Subordination”, 97).

De quem são as regras que seguimos? Governados pelas Escrituras


Agora que identificamos o calcanhar de Aquiles da SFE, podemos também identificar a sua falha
central: a hermenêutica (interpretação bíblica). Uma das razões pelas quais a SFE parece tão
intuitiva é porque seus adeptos fazem com que você jogue de acordo com as regras deles.
Considere o próprio título: subordinação funcional eterna. Os seus proponentes querem que você
pense (como eles) que a questão controversa é esta: a subordinação funcional do Filho é eterna?
Se a SFE conseguir produzir textos de prova suficientes dizendo que é, então concluem que
venceram. Isso parece simples, mas é exegeticamente simplista e, como estamos começando a
ver, retira os textos de seus contextos.
Mas a SFE está fazendo a pergunta errada. A pergunta certa é esta: a submissão é ad intra
ou ad extra; é intrínseca à Trindade imanente ou é algo que ocorre na economia (no contexto da
história da salvação)? A ortodoxia cristã bíblica sempre reconheceu que a economia da salvação
envolve a submissão do Filho encarnado à missão que seu Pai lhe deu com o propósito de salvar.
Também reconheceu que esta missão não se origina no momento em que o Filho encarna. Na
eternidade o Filho é designado pelo Pai e no momento oportuno é enviado em sua missão de
redenção.[425] Dizer, portanto, que devemos determinar se a submissão do Filho é eterna é um
erro estranho de categoria, tal qual aparecer no baile de formatura com uma fantasia de
Halloween. É claro que o Pai planejou a redenção desde a eternidade. É claro que o Filho é
enviado pelo Pai na eternidade. Ninguém o contesta. Mas isso não prova que algo como a
subordinação seja intrínseco a quem o Deus triúno é em si mesmo, à parte da economia da
salvação. Mesmo que concedêssemos à SFE a crença de que a submissão está presente na
eternidade — o que é uma leitura errada das Escrituras, mas apenas consideremos que é assim
para fins de argumentação —, ela ainda não demonstrou que existe hierarquia dentro da Trindade
imanente; apenas demonstrou que a submissão é apropriada na economia da salvação.
Sugiro que joguemos o jogo segundo um conjunto de regras diferente, que façam justiça
à diversidade dos textos bíblicos. No capítulo 4 aprendemos acerca da Regra de Rahner, que
levou a uma fusão entre o imanente e o econômico, mas agora veremos as regras de Agostinho,
que evitam a confusão e preservam distinções adequadas entre quem Deus é e o que faz. Uma
vez que é um excelente exegeta, Agostinho presta muita atenção às nuances do texto bíblico e
identifica três maneiras diferentes pelas quais as Escrituras descrevem o Filho em relação ao Pai:
1. Forma de Deus: Alguns textos dizem que o Filho é um com o Pai (Jo 10.30) e está
na própria forma de Deus (Fp 2.6). Esses textos descrevem a “unidade e igualdade de
essência” do Pai e do Filho.
2. Forma de Servo: Outros textos dizem que o Pai é maior que o Filho (Jo 14.28; cf.
5.27). Esses textos não significam que o Filho seja uma divindade inferior ao Pai; o
Filho é “menor” apenas no sentido de que tomou a forma de servo (Fp 2.7), “isto é,
por ter assumido a substância de criatura mutável e humana”. De acordo com a sua
humanidade, ele se humilha e obedece ao Pai com o propósito de cumprir a sua
missão de salvação.
3. Enviado pelo Pai: Ainda outros textos dizem que o Pai deu ao Filho vida em si
mesmo (Jo 5.26) e o Filho só faz o que vê o Pai fazer (Jo 5.19). Esses textos não se
referem ao Filho ser “igual” ou “inferior”, mas, em vez disso, revelam que o Filho
procede do Pai. “Devido a essa regra, segundo a qual ensinam as Escrituras que um
não é inferior ao outro, mas revelam apenas quem procede de quem.”[426]
Essas regras não são exclusivas de Agostinho; são básicas para uma boa interpretação da Bíblia.
São nada menos do que regras das Escrituras.

Projeção?
“[Não] concebam as processões eternas... por meio de uma projeção da economia na vida interior da Trindade, mas, ao contrário,
elas afirmam que a missão reflete a origem.” — Gilles Emery, The Trinity

Às vezes, múltiplas regras são apresentadas na mesma passagem, como acontece com
Filipenses 2. Por um lado, Cristo está na “forma de Deus”. Por outro, ele se humilha e toma a
“forma de servo”, nascido à semelhança dos homens.[427] Sempre que as Escrituras falam da
nossa salvação, temos o hábito de distinguir entre ambas: “Na forma de Deus, o Verbo por quem
todas as coisas foram feitas (Jo 1.3); na forma de servo, feito de mulher, feito sob a lei, para
redimir os que estavam sob a lei (Gl 4.4). Consequentemente, na forma de Deus criou o homem,
na forma de servo, fez-se homem”.[428] Tal distinção afeta a forma como entendemos o trabalho
mediador de Cristo em nosso favor: “onde é inferior ao Pai, ele roga; onde é igual ao Pai, ouve
com o Pai”.[429]
No entanto, os proponentes da SFE confundem essas regras, misturando e mesclando as
três. Eles olham para a linguagem “enviado” nos Evangelhos, ou para a que diz que o Filho é
dependente de seu Pai de alguma forma, e concluem que essa subordinação e autoridade remonta
à eternidade, até mesmo à Trindade imanente. Isso é um erro de categoria. “A vida do Filho é
imutável como a do Pai, mas que o Filho é do Pai”, diz Agostinho; “há inseparabilidade de
operações entre o Pai e o Filho. Mas a atuação do Filho é daquele de quem possui ser, isto é, do
Pai”.[430] Ou pense desta forma: “aquilo que vir o Pai fazer, isso o faz também o Filho (Jo 5.19)
significa que é do Pai”.[431]
Agostinho fica frustrado com aqueles que são imprudentes com o texto bíblico e
confundem um conjunto de passagens (ou uma regra) com outro. “Daí os homens errarem pela
descuidada investigação e pela falta de consulta a todo o conjunto das Escrituras. E por isso,
transferirem essas afirmações acerca de Cristo Jesus como homem, aplicando-as à sua
substância, que era sempiterna, antes da encarnação.”[432] Que profético da parte de Agostinho,
pois é exatamente isso que a SFE faz. Falha em manter em vista “todo o conjunto das
Escrituras”. Os adeptos da SFE pegam “afirmações acerca de Cristo Jesus como homem” (isto é,
submissão ao Pai) e “transferem” esse conceito “à sua substância, que era sempiterna”. Eles
negarão isso, mas interpretam a humanidade na divindade, projetando a forma de servo que se
manifesta na história de volta à forma de Deus na eternidade. A SFE lamenta que a cristologia já
não defina a Trindade, mas ela balançou o pêndulo de tal forma que a cristologia agora engole
toda a Trindade.
Consideremos um exemplo.

Contexto, contexto e contexto: 1 Coríntios 15 e o segundo Adão


Será coincidência que o texto prova definitivo no argumento da SFE seja 1 Coríntios 15.24-28, o
mesmo texto prova ao qual os homoístas recorreram no século IV para argumentar contra a
ortodoxia?[433] Os homoístas recorreram a Paulo para dizer que o Pai é uma autoridade maior que
o Filho, mas deram o próximo seguinte e concluíram, como resultado, que o Filho não devia ser
consubstancial em divindade. Os proponentes da SFE não dão esse passo seguinte, mas seu
argumento aplica a mesma lógica.
O que Paulo diz nesse texto? Na forma de Deus, o Filho é consubstancial ao Pai. Paulo o
afirma ao longo de suas cartas (e.g., 1Co 8.6). Contudo, em 1 Coríntios 15, sua atenção não está
no Filho na forma de Deus, mas na forma de um servo (Regra 2 de Agostinho). O contexto não é
a Trindade imanente, mas a economia, a missão redentora do encarnado.[434]
O capítulo inteiro trata acerca da ressurreição de Cristo, algo que os proponentes da SFE
raramente mencionam. Paulo faz um grande esforço para delinear a morte, o sepultamento e a
ressurreição de Cristo com o intuito de substanciar a ressurreição do próprio cristão dentre os
mortos. Além disso, Paulo compara e contrasta Cristo com Adão: “Visto que a morte veio por
um homem, também por um homem veio a ressurreição dos mortos. Porque, assim como, em
Adão, todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo” (15.21-22). Paulo tem
esse hábito de contrastar Adão e Cristo; também o faz em Romanos 5. Aqui está o contraste:
Adão falhou, mas o segundo Adão foi bem-sucedido.
Mas não negligencie o contexto: o foco de Paulo está na história, na história da redenção
especificamente, exibindo o segundo Adão como aquele que vai em sentido contrário ao da
maldição ao ressuscitar da sepultura. O foco de Paulo está em Cristo como o mediador adâmico e
redentor do povo de Deus. Vitorioso sobre a morte, Cristo cumpriu a missão do Pai. Chegará o
dia em que aqueles que estão em Cristo ressuscitarão, “e, então, virá o fim, quando ele entregar o
reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e
poder” (15.24).
Ao entregar o reino, Cristo completa a sua missão, conduzindo suas ovelhas às mãos do
seu Pai. Não ignore isto: enquanto seu mediador adâmico (v. 20-22), Cristo está sujeito ao Pai,
que colocou todas as coisas em sujeição ao seu Filho crucificado e ressurreto (15.28), o que
conclui a missão que o Pai lhe havia dado. A obediência ou subordinação eterna dentro da
Trindade imanente não está em vista, mas sim a obediência encarnacional, adâmica, como
mediador da humanidade. Os proponentes da SFE violam a distinção entre forma de Deus e
forma de servo quando assumem — ignorando o contexto — que tal sujeição deve ser verdadeira
para o Filho na eternidade, dentro da Trindade imanente, como se o Filho fosse Filho porque
está sujeito a o Pai, subordinado em função. Essa suposição não poderia ser mais estranha a
Paulo. O seu foco, ao contrário, está na servidão do Filho como o último Adão na economia da
salvação, e em 1 Coríntios 15 vemos essa economia no seu auge, o Mediador submetendo a sua
missão ao Pai que o enviou. Este é o Filho dizendo: “A redenção está completa. Está
consumado!” Sobrepor uma sujeição que continua na Trindade imanente é minar a obra de
salvação consumada de Cristo.
Isso fica evidente no salmo 8.6, a passagem do Antigo Testamento que Paulo cita. Ao
contrário de outros salmos que tratam acerca da eternidade, no salmo 8 Davi centra-se na criação,
naquilo que Deus fez, incluindo o próprio homem. O uso que Davi faz da frase “filho do
homem” é central (v. 4), pois diz-se que o filho do homem é “por um pouco, menor do que os
anjos” (KJV), mas ainda assim coroado com honra. Ao filho do homem é dado “domínio sobre
as obras da tua mão” (v. 6). Não foi esta a mesma linguagem que Deus usou para Adão em
Gênesis 1.26? Sim. Quase literalmente. Quando Paulo usa essa linguagem de Gênesis 1.26 e do
salmo 8.6, pretende que tal linguagem adâmica seja aplicada a Cristo, o último Adão. É por isso
que diz em 1 Coríntios 15.22: “Porque, assim como, em Adão, todos morrem, assim também
todos serão vivificados em Cristo”.
Cristo, como o segundo Adão, não é uma expressão original de Paulo, mas pode ser
encontrada já nos Evangelhos.[435] Estes apresentam Jesus como o filho obediente à aliança, algo
que Adão e Israel não conseguiram ser (Dt 1.30-31; 8.5-6; 32.6-7, 18, 23-25). O contraste é
impressionante: Adão e Israel falharam em obedecer à aliança, mas Jesus conseguiu obedecê-la,
não pelo bem dele próprio, mas por causa deles. Usando a linguagem da filiação aplicada pela
primeira vez a Adão e Israel, Deus anuncia no nascimento de Jesus: “Do Egito chamei o meu
Filho” (Mt 2.15). Porém, observe, essa citação de Oséias 11.1 referia-se a Israel, mas Mateus
agora a aplica ao novo Israel, Jesus, o Cristo. Uma vez convocado, este Cristo, este Messias,
obedece então à lei que Israel transgrediu e estabelece uma nova aliança, cumprindo toda a
justiça (Mt 3.13-17), vivendo de toda palavra que sai da boca de Deus (Mt 4.1-11). O Evangelho
de Lucas rastreia Jesus até ao próprio Adão (Lc 3.38). Lucas retrata a tentação de Jesus no
deserto como uma recapitulação do Jardim do Éden (Lc 4.1-13) e conclui o seu Evangelho com o
paraíso reaberto graças à obediência de Jesus até à morte (Lc 23.43). No Evangelho de Marcos, o
Filho do Homem entrega-se à cruz como um ato de fidelidade às Escrituras (Mc 8.31-32; 9.30-
31; 10.33-34). Observe a mentalidade de Jesus: “Mas entre vós não é assim; pelo contrário, quem
quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre
vós será servo de todos. Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para
servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (10.43-45). Como o servo sofredor de Isaías
prometeu (Is 53), Jesus anuncia que veio para obedecer à aliança de Deus naquilo que Adão e
Israel, o filho primogênito de Deus, falharam. Isto está no cerne do evangelho. Sua obediência
então se torna nossa justiça baseada na fé.
Os discípulos de Jesus, e certamente os seus oponentes, tiveram dificuldade para
compreender que o Messias não tinha vindo para salvar com a espada, mas para redimir por meio
da sua justa obediência e morte sacrificial. O verdadeiro inimigo não era Roma, mas o pecado.
Para corrigir seus conceitos errados acerca do Messias, Jesus enfatizou repetidas vezes que ele
salvaria o povo de Deus sofrendo por esse povo. Para transmitir esta mensagem, Jesus enfatizou
a sua adesão ao plano de redenção do Pai: ele só faz o que o Pai faz, executa a vontade do Pai
que o enviou, e não age apenas com base em sua própria autoridade, mas com base na autoridade
de seu Pai (Jo 5.19, 30; 6.38; 8.28-29; 12.49-50; 14.28, 31; 15.10; 17.2). Jesus está soltando
fogos de artifício no céu que soletram as palavras: “Eu sou o verdadeiro Adão, o Israel fiel, o
filho obediente que você nunca foi. Eu me humilhei muito só para salvar você!”
Note que cada uma dessas passagens ocorre dentro do contexto da redenção, da economia
da salvação, da sombra da cruz (Jo 8.28-29). Cristo obedece como nosso Mediador da aliança.
Esse é o objetivo de sua obediência. Enquanto filho primogênito de Deus, Adão (e depois Israel)
desobedeceu e afundou o mundo no pecado. Jesus, não. Pelo seu perfeito histórico de obediência,
somos declarados justos. Mas a SFE extrai essa obediência adâmica inteiramente do seu contexto
pactual e sobrepõe esta obediência encarnacional à Trindade imanente, minando a igualdade do
Filho. Novamente, pode parecer simples, mas revela-se simplista, ignorando completamente o
contexto.
Em resumo, na forma de Deus, ele é “Deus, Cristo Jesus”. Mas na forma de servo, como
aquele que assumiu a nossa humanidade e pode portanto ser o nosso Mediador, o nosso
verdadeiro Adão, Cristo entrega o reino ao Pai. Ao fazê-lo, diz Agostinho, somos levados à
“contemplação de Deus Pai”.[436]

Compreendendo mal a encarnação: a obediência é um escândalo


A SFE olha para a obediência de Cristo na economia da salvação e assume que a subordinação
deve ser aquilo que define o Filho como Filho; sua propriedade pessoal é intrinsecamente
inseparável de sua sujeição. Mas isso é compreender mal todo o propósito da encarnação; é
interpretá-la mal porque Deus tornou-se homem confundindo e fundindo o Filho na forma de
Deus com o Filho na forma de um servo.
Tome Filipenses 2 como exemplo. Paulo tem muito cuidado em primeiro confessar Cristo
como o Filho eterno: ele estava na “forma de Deus” (2.6). No entanto, para morrer na cruz, o
Filho eterno de Deus assumiu a “forma de servo” (2.7). Como? “Tornando-se em semelhança de
homens” (2.7). O que essa servidão implica? Humildade e obediência. “E, reconhecido em figura
humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” (2.8).
Não perca isso de vista: a obediência não foi algo que o Filho fez antes da encarnação, na
“forma de Deus” enquanto Filho eterno de Deus. Não, o Filho teve que primeiro humilhar-se
(encarnar e sofrer) para se tornar obediente. A SFE ignora esse ponto, assumindo que a
obediência é, pelo menos em parte, o que faz do Filho um Filho na eternidade, assumindo que a
obediência ao Pai define a sua propriedade pessoal dentro da Trindade imanente. Os defensores
da SFE transformam a obediência encarnada em nada mais do que uma continuação da
obediência dentro da Trindade imanente.
Mas isso minaria o fluxo lógico de Paulo: a obediência não é a qualidade que define o
Filho como Filho do Pai na Trindade imanente, mas é algo que o Filho aprende em virtude de
sua encarnação; obediente é algo que o Filho se torna em virtude de sua humanidade.[437] E ele só
o faz quando se humilha, assumindo a “forma humana”. Caso contrário, Paulo não poderia dizer
que Cristo se humilhou “tornando-se” obediente.
Além disso, observe o contexto de tal obediência: não é a eternidade ou a Trindade
imanente (a forma de Deus), mas a cruz. Ele tornou-se obediente com o propósito de morrer na
cruz, e é por isso que Paulo aplica a esse sofrimento obediente a frase “forma de servo” em vez
de “forma de Deus”. Não é que o Filho sofredor deixe de ser Deus; por favor, não entenda ou
interprete mal o que Paulo quer dizer com “se esvaziou”. A ênfase de Paulo recai sobre o Filho
na forma de servo porque é como servo que ele sofre como homem para que a salvação seja
realizada. Isso é o que Paulo quer dizer com “se esvaziou” (2.7). O Filho não se esvaziou da sua
divindade ou dos seus atributos divinos; em vez disso, esvaziou-se “assumindo a forma de servo”
(2.7). Projetar obediência, submissão e subordinação na Trindade imanente, tornando-a um
componente essencial e adicional à propriedade pessoal do Filho, é renunciar ao motivo do Filho
ter de “se esvaziar” (tornar-se encarnado). Ele não se esvaziou e assumiu a forma de servo
porque estava subordinado intrinsecamente ao Pai; ele se esvaziou e assumiu a forma de servo
para se tornar obediente na cruz.[438] Caso contrário, Paulo não poderia justapor o ser “igual a
Deus” do Filho com a sua obediência “até à morte”, muito menos vangloriar-se de que Cristo se
recusou a agarrar a primeira em detrimento da segunda.
Não é o que diz o autor de Hebreus? “Embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas
coisas que sofreu” (5.8). Ou o que diz próprio Jesus: “Porque eu desci do céu, não para fazer a
minha própria vontade, e sim a vontade daquele que me enviou” (Jo 6.38). Descer do céu e
tornar-se homem foi necessário para que Jesus obedecesse e sofresse. Inverter essa ordem é
compreender mal todo o sentido da encarnação. Se o Filho já fosse obediente como Filho ad
intra (dentro da Trindade imanente), então Hebreus não poderia estabelecer um contraste e dizer
“embora” fosse filho, ele “aprendeu” a obediência por meio do que sofreu. Nem Paulo poderia
estabelecer o mesmo contraste em Filipenses 2.8 e dizer que o Filho “se humilhou” tornando-se
obediente até a morte, até mesmo a morte na cruz. Por que ele foi obediente? Porque se humilhou
(algo que não havia feito antes). Como ele o fez? Tornando-se obediente até a morte (algo que
não havia feito antes).
Por isso, a obediência não é intrínseca à Trindade imanente, mas ocorre no contexto da
economia, o Filho tornando-se um servo sofredor para realizar a nossa salvação, tal como disse o
profeta Isaías. Isso não é algo que ele é em virtude de sua filiação imanente na Trindade, mas
algo que deve tornar-se, por meio da humildade, em virtude da sua humanidade, na economia.
Projete a obediência da economia de volta à Trindade imanente, e o Filho encarnado, de súbito,
não será o servo que as Escrituras dizem que é. A humildade do sofrimento e da morte não será
mais tão surpreendente. O evangelho é muito menos extraordinário. A obediência encarnada e
humilhante é escandalosa porque não é algo que o Filho de Deus faz em glória enquanto
Segunda Pessoa da Divindade.

Por que a graça é, de fato, tão incrível?


Acabei de enfatizar que se projetarmos a obediência da economia de volta à Trindade imanente,
então o Filho encarnado não será o servo que as Escrituras dizem que é. Mas isso significaria que
o Filho encarnado não poderia ser o Salvador que as Escrituras dizem que é.
De acordo com Isaías, Cristo “foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas
nossas iniquidades” (53.5). “Nisto consiste o amor”, diz João, “não em que nós tenhamos amado
a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados”
(1Jo 4.10; cf. 3.16; Mc 10.44; Rm 5.8; 1Co 7.23; 15.1-3; 1Pe 1.18-19; 2.21).
Mas a SFE turva esse tema divino puramente benevolente e altruísta. O Filho não só
viveu e morreu por nós, mas por si também. Sua obediência não foi uma obediência apenas por
nossa causa, mas também por ele mesmo. Lembre-se, a SFE ensina que a subordinação é o que
faz do Filho um Filho antes de o mundo ser criado ou de um pecador ter pecado; ele não pode ser
Filho de outra forma. Na eternidade, dentro da Trindade imanente, o Filho deve ser obediente...
senão... senão o quê? Como dizem os proponentes da SFE repetidamente: senão ele não será
mais Filho. Essa lógica se transfere também para a história. Para a SFE, a encarnação é apenas
uma continuação de uma subordinação eterna, mas observe o que está sendo perdido. A
obediência até a morte, portanto, não pode ser tão altruísta no final. O Filho tinha que obedecer
de qualquer maneira, caso contrário o próprio significado da sua filiação seria perdido. Os
defensores da SFE não o admitem, mas, para eles, o Filho obedece e morre não apenas por nós,
mas para garantir que ele prossiga e não perca sua filiação.
Contudo, Jesus não foi à cruz por si mesmo; ele foi à cruz por nós e somente por nós. A
obediência só foi necessária por causa dos pecadores, não para que o Filho continuasse sua
filiação subordinada. Isso não é afirmado em nenhum lugar das Escrituras. O que é afirmado nas
Escrituras é o seguinte: o motivo da encarnação e da cruz é o amor sacrificial de Deus por nós. A
questão mais básica do evangelho cristão é esta: Por que Deus se tornou homem? João 3.16
responde: “Porque Deus amou tanto ao mundo que deu o seu Filho unigênito”. Por quê? “Para
que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (KJV). Se Jesus obedecesse ao Pai
na terra apenas como uma forma de continuação de sua obediência ao Pai no céu, a graça então
não seria afinal tão surpreendente. Era o que o Filho tinha de fazer de qualquer maneira. O
próprio pensamento esvazia a cruz do amor sacrificial, abnegado. Sua obediência encarnada seria
uma mera perpetuação do céu; sua subjugação ao sofrimento seria uma mera continuação da
eternidade.
Talvez seja hora, então, de mudarmos nosso vocabulário. Nós, evangélicos, temos o
péssimo hábito de usar palavras como “submissão” e “subordinação”. Essas palavras não
somente nunca aparecem nas Escrituras com referência ao Filho eterno de Deus, mas também
implicam um Filho menor, inferior. É muito mais sábio usarmos a linguagem do Novo
Testamento: humilhação (Fp 2). Essa palavra bíblica transmite o que deveríamos encontrar: a
auto-humilhação do Filho, e não a subordinação estática.
No final, os riscos são altos: se seguirmos a SFE até ao vale da sua baixa cristologia, não
deveríamos nos surpreender quando a nossa soteriologia também sofrer.[439]

Quando a Trindade se tornou sexual?


Os membros da SFE têm feito grandes esforços para apresentar a sua posição como uma visão
complementarista — embora tanto os complementaristas quanto os igualitaristas tenham
criticado a SFE. Ao fazê-lo, estão convencidos de que possuem o modelo, o paradigma, para os
papéis de gênero: a submissão da mulher é algo intrínseco ao que significa ser esposa, assim
como a submissão do Filho é algo intrínseco ao que significa ser Filho.
Os membros da SFE muitas vezes não o percebem, mas esse é um movimento antigo, já
proposto pelos trinitaristas sociais no último século (veja o capítulo 3). Acabamos de saber que
os proponentes da SFE projetam a submissão da economia da salvação de volta à Trindade
imanente, mas também projetam a sua agenda de gênero de volta à Trindade imanente. “Isso não
é por acaso: não acontece apenas porque as teorias sociais da Trindade muitas vezes projetam os
nossos ideais em Deus”, diz Kilby. “Em vez disso, está integrado no tipo de projeto em que a
maioria dos teóricos sociais está envolvida, no sentido de que eles têm de ser projecionistas.”[440]
Deixe-me colocar minhas cartas na mesa: sou um complementarista comprometido e
convicto. Acredito que existam fortes razões bíblicas para restringir o cargo de pastor a homens
qualificados. Acredito também que o marido é o cabeça da esposa e que a esposa deve se
submeter ao marido. Mas concordo com outros complementaristas que a SFE tem um cheiro de
manipulação, exalam aquele odor moderno que vimos no capítulo 3, que buscou redefinir a
Trindade em prol dos seus muitos programas sociais. Apesar de todas as nossas divergências,
nós, complementaristas e igualitários, podemos concordar nisto: a Trindade não é o nosso
programa social.
Os proponentes da SFE apelam para dois textos em particular: 1 Coríntios 11.3 e Efésios
5.22-32. Mas, como vimos, a exegese é muito parecida com o que se dá no setor imobiliário.
Enquanto o corretor diz: “localização, localização, localização”, o exegeta diz: “contexto,
contexto, contexto”. Para começar, é um exagero, para dizer o mínimo, pensar que Paulo tem em
vista discussões acerca da Trindade imanente, ad intra, quando fala a respeito da cobertura da
cabeça da mulher em 1 Coríntios 11 e dos relacionamentos entre marido e mulher em Efésios. 5.
“Um texto sem contexto é um pretexto para um texto prova”, diz Carson.[441] Bem, esses são
apenas tais tipos de textos prova nas mãos da SFE. Por quê?
Quando olhamos para o contexto, descobrimos que Paulo não tem intenção de partir
diretamente das discussões metafísicas acerca da Trindade imanente para os papéis de gênero.
Em vez disso, tem a economia em vista, especificamente a missão de encarnação de Cristo como
nosso Mediador diante de Deus, nosso Pai — o seu próprio nome (Cristo/Messias) o revela. 1
Coríntios 11 começa com uma ordem de Paulo: “Sede meus imitadores, como eu sou de Cristo”
(v. 1). Paulo acabou de dizer aos coríntios para estarem atentos às consciências de outras pessoas
que possam ter dificuldades em comer alimentos oferecidos aos ídolos (10.23-33). Ele diz que o
crente tem o direito de comer, mas deve se abster se isso não for “útil”. “Ninguém busque o seu
próprio interesse, e sim o de outrem” (10.24). Naquele espírito de doação e sacrifício, que o
próprio Cristo exemplificou em seus próprios sofrimentos na encarnação, Paulo diz para imitá-lo
como ele imita a Cristo. Os cristãos devem imitar a cruz, e as suas vidas são uma réplica do amor
sacrificial do seu Salvador.[442] A morte altruísta de Cristo pelos outros — esse é o contexto
adequado para o que Paulo diz a seguir. Os coríntios estavam sendo egoístas, pensando nos seus
próprios interesses e não no bem de toda a comunidade.[443] Mas agora devem modelar as suas
vidas ao modelo cruciforme do seu Salvador, imitando a sua mesma abnegação.
Assim, quando Paulo diz ser “o homem, o cabeça da mulher, e Deus, o cabeça de Cristo”
(11.3), ele tem em vista o servo sofredor, encarnado, que cumpriu a sua missão por meio de sua
vida obediente, morte e ressurreição como o Messias (Cristo). Não há absolutamente nada no
contexto imediato ou mais amplo que diga alguma coisa a respeito do Filho à parte da criação e
da salvação dentro da Trindade imanente. Infundir e impor discussões sobre a Trindade imanente
nesse texto é uma falha em tratar o contexto com integridade. Paulo tem em vista o senhorio
salvífico do Ungido, o Messias.
O que, então, Paulo quer dizer ao chamar Deus de cabeça de Cristo? Cristo submete-se a
Deus Pai, mas o faz como o Redentor encarnado cumprindo sua missão de salvação. Sim, existe
submissão entre o Pai e o Filho, mas o texto nunca indica que essa submissão está dentro da
Trindade imanente, mas sempre no contexto da economia. Pois a salvação é o próprio ponto
dessa submissão, não a hierarquia dentro do próprio ser de Deus. Como vimos em Filipenses 2.5-
7, o Filho deve tornar-se obediente. Apelar para 1 Coríntios 11 para injetar subordinação dentro
da Divindade imanente é um caso clássico de manipulação de um texto até que ele diga muito
mais do que pode sustentar, esticando-o como uma corda elástica até que se rompa.
É irônico que os membros da SFE apelem a Efésios 5 para aprofundar o seu argumento a
partir de 1 Coríntios 11, porque Efésios 5 não poderia estar mais fundamentado no contexto
econômico da encarnação. O mistério do evangelho agora manifestado não apenas para os
judeus, mas também para os gentios (Ef 3) é o que conduz a carta de Paulo do início ao fim.
Tanto que ele começa discutindo a eleição (Ef 1), depois a justificação (Ef 2) e, finalmente, nossa
caminhada com Deus, ou santificação (4.17-5.21). Quando faz a transição para tratar como
deveria ser a vida na Igreja, Paulo novamente opera dentro do contexto do evangelho. “As
mulheres sejam submissas ao seu próprio marido, como ao Senhor; porque o marido é o cabeça
da mulher, como também Cristo é o cabeça da Igreja, sendo este mesmo o salvador do corpo”
(5.22-23). Observe que Deus, o Pai, não é mencionado em parte alguma. A comparação não é
entre maridos sobre esposas, como pai sobre filho. Não, a comparação é o marido como cabeça
da esposa, assim como Cristo é o cabeça da Igreja. A subordinação do Filho não está em vista,
apenas a subordinação da Igreja. Mesmo assim, o Cristo a que Paulo se refere é o Salvador, que
nos lembra mais uma vez que a Trindade imanente não está em vista, apenas o Mediador
encarnado. Sabemos disso porque Paulo continua dizendo aos maridos que se sacrifiquem por
suas esposas, assim como Cristo se entregou na cruz por sua noiva, a Igreja (5.25-27).
Um último ponto enquanto estamos no tópico da Trindade e do gênero: afirmar que a
Trindade, especificamente a subordinação dentro da Trindade imanente, é um modelo para os
papéis de gênero é uma das inovações mais recentes. Dois mil anos de história da Igreja se
passaram, mas até que os proponentes da SFE entrassem em cena ninguém pensava em apelar à
subordinação na Trindade imanente como um modelo para a submissão feminina. Acho isso não
apenas surpreendente, mas revelador, pois todos eles também se esforçaram para interpretar
corretamente a Bíblia. É ainda mais revelador porque durante a maior parte da história as
sociedades foram patriarcais. No entanto, essas sociedades patriarcais nunca pensaram em usar a
Trindade para estabelecer a subordinação feminina.

Apagando um incêndio florestal


Até agora olhamos uma árvore de cada vez. Mas é hora de darmos um passo atrás e
considerarmos a floresta como um todo. Infelizmente, a SFE incendiou a floresta, e as suas
chamas estão destruindo três árvores que não nos podemos nos dar ao luxo de perder: a Bíblia, a
história e a adoração. Consideremos cada uma delas.

É hora de voar na primeira classe, não na econômica: como (não) ler a Bíblia
Há uma série popular de televisão que leva o nome de seu personagem, um famoso detetive da
polícia de Los Angeles, Bosch. Quando alguém é assassinado, todos os outros policiais correm
para o local e olham para o que quer que esteja na superfície da cena — a janela aberta, a carteira
roubada, o marido ciumento. Confiantes e incorrigíveis, eles concluem rapidamente: “Caso
encerrado”. Mas Bosch, não. “Com uma pequena reverência bonita e elegante”, ele continua
observando pacientemente, estudando o contexto no qual a evidência foi tão convenientemente
colocada. “Eu sinto que estamos sendo enganados, colega.” Da mesma forma se dá com a SFE.
Claro, o tratamento que ela dá ao texto parece simples à primeira vista, mas observe melhor: é
exegeticamente simplista. Tal como Bosch, devemos ir além da enxurrada de suposições e
prestar muita atenção ao contexto das Escrituras. Considere alguns exemplos.
Primeiro, apesar de toda a conversa da SFE sobre crer apenas na Bíblia, não é intrigante
que não exista um — nem ao menos um — texto que diga que há subordinação dentro da
Trindade imanente? O único texto que pode, superficialmente, parecer próximo disso é 1
Coríntios 15, mas como vimos, o contexto é a economia da salvação, não a Trindade imanente.
Acontece que a SFE carece de evidências concretas. Sem apoio bíblico, depende da especulação.
Em segundo lugar, os evangélicos foram ensinados a ler as suas Bíblias de uma forma
literal, concentrando-se em palavras específicas, independentemente do contexto ou gênero.
Lemos a Bíblia como se a fala humana finita devesse ser interpretada da maneira mais literal
possível, esquecendo que estamos descrevendo o indescritível: o Deus infinito e
incompreensível. Nossa linguagem não é unívoca, como se houvesse uma correspondência direta
e individual entre nossas palavras e o Deus que descrevemos. Você consegue imaginar isso?
Leríamos os Salmos e concluiríamos que Deus tem um corpo com orelhas grandes, globos
oculares e asas como as de um pássaro.
Por exemplo, os evangélicos de hoje foram criados numa cultura cristã que enfatiza o
evangelho — isso, por si só, é uma coisa boa. Amém! Mas não esqueçamos que a confusão
também pode ser contrabandeada por meio do evangelho. Embora a encarnação de Cristo possa
ser o culminar da revelação especial de Deus, a experiência humana de Cristo (sofrimento,
submissão) não deve ser a zona de descolagem de nossa aeronave da doutrina de Deus. Se
fizermos dos sofrimentos humanos de Cristo na cruz a nossa plataforma de lançamento,
projetaremos então o sofrimento na Trindade imanente, como se Deus sofresse em sua
divindade. Da mesma forma, se começarmos com a submissão na encarnação de Cristo,
projetamos a submissão na Trindade imanente, tornando a hierarquia uma propriedade pessoal
do Deus triúno.
O que aconteceu? Impomos as características da criatura, como a subordinação, nos
nomes divinos, presumindo que as relações humanas que vivenciamos na sociedade são as
mesmas para a Trindade, que até mesmo originam-se a partir dela. Lembro-me daquela pessoa
— sempre há uma — que entra no avião com uma mala cinco vezes maior do que o que caberia
no compartimento superior. Elas retêm toda a fila de passageiros, convencidas, e até
determinadas, a conseguir... isto... encaixar a mala. Não tratemos a Bíblia da mesma maneira.
Nem tudo o que ocorre na economia se encaixa na Trindade imanente. É hora de um tratamento
de primeira classe.

Subindo o sarrafo: a humildade histórica


Os membros da SFE ficaram (e ainda estão) chocados, até mesmo indignados, com o fato de a
sua opinião ter sido acusada de heresia. “Não somos arianos!”, protestaram. É verdade que a SFE
não tem exatamente a mesma visão que o arianismo; por isso devemos ser gratos. No entanto,
como os estudiosos salientaram, o tratamento da SFE às Escrituras (hermenêutica) é
notavelmente semelhante, e por vezes sua visão sobrepõe-se, à visão homoiana, que também foi
condenada pelo Credo Niceno (veja o capítulo 2). Por essa razão, alguns rotulam a SFE de
semiariana.[444]
Independentemente de saber se a SFE é uma heresia ou não, a resposta incrédula a tais
acusações demonstra que os seus membros não compreendem porque é que as acusações de
heresia foram feitas em primeiro lugar. Pode-se afirmar a igualdade do Filho, mas a lógica
interna do argumento pode muito bem minar o que se afirma. É assim que funciona a teologia: a
confissão formal é um começo, mas o caminho para a fidelidade confessional é igualmente
revelador, e deve também ser levado em conta. Mesmo que a SFE não corresponda exatamente a
uma heresia histórica, vimos que a lógica da sua posição, bem como a sua substituição de
categorias ortodoxas por categorias sociais, aproxima os seus adeptos, ainda que
inadvertidamente, de três heresias: subordinacionismo, triteísmo e sabelianismo. Nem é preciso
dizer, mas três heresias são, bem, três heresias. Para os cristãos que acreditam na importância da
fidelidade ao credo, “não ser tecnicamente uma heresia” é um sarrafo muito baixo. Os Pais
Nicenos elevaram o sarrafo para uma posição muito mais alta. Afinal, essa é a Trindade, a crença
definidora do cristianismo.

Não tente isso em casa


Os adeptos da SFE negam que a sua posição seja nova. Se virem a palavra “subordinação” sendo usada por teólogos do passado,
presumem que a SFE deve estar em vista. Isso não é apenas anacrônico, mas também falha em prestar atenção ao funcionamento
do vocabulário niceno. Quando a palavra é usada, refere-se meramente à ordem dentro da Divindade (Pai, Filho, Espírito) devido
às relações eternas de origem. Subordem não é o mesmo que subordinação. As processões, e não a autoridade, estão à vista. A
lição é que não devemos forçar nossas categorias sociais modernas (como a hierarquia), que são novas, a teólogos do passado que
nunca consideraram descrever a Trindade por meio de nada senão categorias nicenas.

Além disso, tal desprezo em relação às acusações de heresia também revela uma falta de
sensibilidade histórica por parte dos membros da SFE. Mesmo que não haja um paralelo
histórico exato ou uma associação direta, isso não a qualifica como ortodoxia nem a isenta de
responsabilidade confessional. Significa apenas que o seu subordinacionismo matizado é muito
mais sútil e muito mais difícil de detectar devido à sua novidade. Por exemplo, tomemos outro
tópico, como o teísmo aberto (a negação da presciência de Deus), que fez incursões no
evangelicalismo nos últimos anos. O teísmo aberto nunca foi tratado pelos credos ecumênicos.
Em muitos aspectos, o teísmo aberto não teve precedentes até a era moderna. Mas os teólogos
evangélicos têm argumentado que ele está claramente fora dos limites, não só contradizendo as
Escrituras, mas violando a fidelidade confessional. Em outras palavras, os credos e confissões da
Igreja não são uma tradição morta, mas uma tradição viva. Sob essa luz, a novidade da SFE é um
golpe fatal contra ela. A democracia viva dos mortos não governa a seu favor.
Em contraste, como devemos tratar a Trindade? Com humildade histórica. Depois de dois
mil anos de responsabilidade robusta com o credo, deveríamos sentir-nos desconfortáveis e
desconfiados sempre que alguém defende uma posição nova acerca da Trindade. O ônus da
prova cabe a eles, e não a nós. Mesmo que eu seja um novato na interpretação bíblica, é sábio da
minha parte confiar na hermenêutica bíblica dos meus Pais, testada pelo tempo. Não só é sábio,
mas demonstra humildade hermenêutica, do tipo que queremos que os nossos fiéis imitem, do
tipo que diz: “Leiamos a nossa Bíblia... com a Igreja”.

O ponto principal: adoração


A SFE diz repetidamente que o Filho é uma autoridade menor, uma glória menor, que o Pai, pois
somente o Pai merece louvor e adoração finais.[445] O que levanta uma questão: a SFE fabrica um
Filho subordinado que não pode ser adorado?
No Evangelho de Mateus, imediatamente depois de Jesus alimentar cinco mil pessoas
com apenas cinco pães e dois peixes, ele faz seus discípulos entrarem num barco e navegarem na
frente dele para que pudesse ficar para trás e orar (14.22-23). Mas o barco é apanhado por uma
tempestade cruel e impiedosa. Você pode imaginar quão aterrorizados os discípulos devem ter
ficado? À medida que as ondas batiam no barco, devem ter pensado que estavam prestes a
morrer. Mas então, quando tudo parecia perdido, eles olharam para cima e viram uma figura
caminhando na direção deles sobre a água. Mateus diz que os discípulos ficaram “aterrados”
(14.26). A natureza se transformou em um demônio — primeiro as ondas, agora um fantasma.
Eles começaram a chorar, gritando de medo. E então Jesus falou: “Tende bom ânimo! Sou eu.
Não temais!” (14.27).
Você sabe o que aconteceue a seguir? O impensável. Jesus entrou no barco e o texto diz
— não estou inventando isso — que os discípulos o “adoraram” e confessaram que ele era o
“Filho de Deus” (14.33). Eles o adoraram.
Mas espere! Jesus não deveria tê-los parado e dito: “Não, não, não. O louvor e a glória
finais não são meus. Eu sou uma autoridade menor que o Pai. Adore-o. Dê seu louvor a ele”. Ele
deveria dizê-lo, se a SFE estiver correta. Mas ele não o fez. Em vez disso, ficou ali e recebeu a
adoração deles integralmente. Na íntegra. Sem restrição. Nenhuma correção. Sem hesitação.
Quando o arianismo varreu a Igreja no século IV, Atanásio sabia que o ponto principal
seria a adoração. Se Ário estivesse certo, então nas manhãs de domingo os fiéis não poderiam
adorar o Filho, pelo menos não como adoravam o Pai. Apesar de suas nuances, a SFE se
encontra em um barco semelhante: será que eles podem cair ao chão com os discípulos no barco
e adorar Jesus? Afinal, ele é uma glória menor.
Não sei quanto a você, mas o Jesus sobre o qual li na Bíblia é um Jesus que declara, sem
qualificação ou reserva, que é um com o Pai (Jo 10.30). Ele nunca — nem mesmo uma vez —
disse a seus discípulos para pararem de adorá-lo como eles adoravam o próprio Javé. Outros
ainda o fazem, pois se recusam a acreditar que ele é igual ao Pai. Mas Jesus nunca o fez. Ele
reivindica esse direito (Jo 5.17-18; 8.58-59) e a adoração que o acompanha (Mt 28.9, 17; Jo
9.38). Ele até afirma que deveria receber a mesma honra que seu Pai: “o Pai a ninguém julga,
mas ao Filho confiou todo julgamento, a fim de que todos honrem o Filho do modo porque
honram o Pai. Quem não honra o Filho não honra o Pai que o enviou” (Jo 5.22-23).
Aqui está o ponto principal: se Jesus não é igual ao Pai em todos os sentidos, o próprio
cristianismo não é mais válido. Seria melhor ficarmos em casa no domingo de manhã, pois não
poderemos cantar com os anjos no último dia:
Digno é o Cordeiro que foi morto,
de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força,
e honra, e glória, e louvor (Ap 5.12)

Não podemos juntar-nos a esse coral que se espalha por toda a terra e dizer:
Àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro,
seja o louvor, e a honra, e a glória, e o domínio
pelos séculos dos séculos (5.13)
Glória ao Pai, e ao Filho, e ao Espírito Santo! Como era no começo, é agora e sempre será,
eternamente.[446]
9
O Espírito é espirado?
Espiração

Nem mesmo ouvimos que existe o Espírito Santo.


OS EFÉSIOS, ATOS 19.2

Porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus.


1 CORÍNTIOS 2.10

[O Espírito Santo] é Dom de Deus, enquanto é dado aos que é concedido. Contudo, em si mesmo, o Espírito Santo é
Deus, embora não tenha sido dado a ninguém porque já era Deus coeterno ao Pai e ao Filho antes mesmo de ser
dado a alguém. Não é inferior ao Pai e ao Filho pelo fato de eles o outorgarem e de ele ser outorgado. Pois é dado,
como Dom de Deus, de modo a ser também, ele mesmo Deus.
AGOSTINHO, A TRINDADE

Para o DeLorean!
Destino: O Espírito Santo

Ponto principal: O Espírito é espirado do Pai e do Filho, por isso tem em comum com eles a essência única e simples. A Bíblia
destaca a espiração de diversas maneiras: o nome, a origem e os títulos aplicados ao Espírito, como Sopro, Dom e Amor.
Conclusão: se o Espírito não viesse do Pai e do Filho, então não haveria Espírito para habitar em nós, santificar-nos e levar-nos à
comunhão com a Trindade.

Em Roma: A amiga genial


Há alguns verões, proferi palestras para um grupo de protestantes situados no coração de Roma.
Após a palestra de cada dia, cabia-me encontrar o caminho de volta para meu apartamento. Certa
tarde, a caminhada de volta foi feita sob um sol escaldante, então, na metade do caminho,
abriguei-me sob uma ponte que fazia um arco sobre o rio Tibre. Nesse momento, duas dúzias de
tendas abriram suas abas brancas. Eu não conseguia ver o interior das tendas, mas não era
necessário; o aroma de rocambole e manicotti flutuava pelo Tibre, inebriando turistas famintos
como eu. Convidado dessa maneira, quem era eu para resistir? Portanto, comecei minha jornada,
enfiando a cabeça em uma barraca após outra para descobrir de onde se originava aquele aroma
irresistível.
Algumas barracas entretinham seus convidados com uma chitarra battente, um violão
sendo dedilhado. Mas um restaurante chamou minha atenção pela forma como aninhava
romances ao lado de cada mesa. Não falo italiano, mas reconheci os livros imediatamente pelas
lombadas azul-bebê e pelas capas brancas. Eram os quatro livros da série napolitana, de Elena
Ferrante, popular não só na Itália, mas também nos Estados Unidos.[447] Estes quatro livros são
uma saga sobre a amizade competitiva, mas duradoura, de duas meninas, Lenu e Lila, que
cresceram na década de 1950. No entanto, ao contrário dos Estados Unidos dos anos 50, a Itália
sofria na pobreza devido às consequências da Segunda Guerra Mundial.
No primeiro livro, A amiga genial, a amizade de Lenu e Lila transforma-se numa situação
decepcionante quando Lila apaixona-se por Stefano e a amizade inquebrável que as duas
meninas antes compartilhavam começa a se desintegrar. Cortejada por meio de joias e atraída por
seu noivo encantador, os interesses de Lila mudam. Anteriormente, Lila e Lenu conversavam
sobre assuntos intelectuais, assuntos da mente. Mas agora, com Stefano na jogada, tudo o que
importa a Lila são os presentes de seu amante e a imagem que esses presentes projetam para seus
amigos.
Lenu se convence de que seu sucesso acadêmico é tão valioso quanto os dons de Lila. A
Bíblia de capa preta que ela ganhou é toda a prova de que ela precisa, um troféu que confirma o
seu brilhantismo na sala de aula — sem mencionar os seus boletins escolares recentes, que
apresentam notas altas, incluindo uma em teologia. Quando Lenu fala com Lila naquele verão,
conta-lhe a respeito da escola e apresenta um enigma teológico, esperando que a conversa seja
como o era nos velhos tempos e a amizade reavivada. Mas Lenu é recebida com uma resposta
fria.
“Uma vez, só para dar um exemplo, falei a ela sobre meu curso de teologia e mencionei,
para impressioná-la com questões que me obcecavam, que não sabia o que pensar do Espírito
Santo, sua função não estava clara para mim. ‘O que é’, especulei em voz alta, ‘uma entidade
subordinada, a serviço tanto de Deus quanto de Jesus, tipo um mensageiro? Ou uma emanação
das duas primeiras pessoas, como um fluido miraculoso?” Sem resposta de Lila, Lenu responde
às próprias perguntas:
Mas, no primeiro caso, como é possível que uma entidade que serve de mensageiro depois se torne uma coisa
só com Deus e seu filho? Não seria dizer que meu pai, contínuo na prefeitura, é uma coisa só com o
prefeito...? Já se analisarmos o segundo caso, bem, um fluido, o suor, a voz são parte da pessoa da qual
emanam: então qual o sentido de considerar o Espírito Santo separado de Deus e de Jesus? Ou é o Espírito
Santo a pessoa mais importante e as outras duas são um modo de ser dele, ou não entendo qual é sua função.
Por fim, Lila responde, revelando o quanto a amizade das duas meninas mudara: “Você ainda
perde tempo com essas coisas, Lenu?... E você faz o quê? Um curso de teologia em que se
esforça para entender o que é o Espírito Santo? Deixa pra lá, foi o Diabo que inventou o mundo,
não o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Quer ver o fio de pérolas que Stefano me deu?”[448]
Desnorteada, Lenu sai da conversa desanimada. Ela não mencionara a “Santíssima
Trindade” porque a teologia estava em sua mente — de fato, não. A Trindade era uma desculpa
para de alguma forma salvar uma amizade que agora lhe escapava pelos dedos. No entanto, a
confusão de Lenu acerca do Espírito Santo é partilhada por muitos hoje, tanto cristãos como não
cristãos. E a atitude de Lila é ainda mais difundida: pare de perder tempo!

A Trindade de Lenu
Não posso consertar a amizade de Lenu e Lila — deixemos Elena Ferrante fazê-lo. Mas e quanto
a esta confusão acerca do Espírito e da Trindade? Nisso posso ajudar-lhe, se você confiar em
mim, e é tudo menos uma perda de tempo. A razão pela qual Lenu está perplexa é porque ela
oscila entre subordinacionismo e (uma forma estranha de) sabelianismo. Você os identificou?
Primeiro, Lenu se pergunta se o Espírito está subordinado ao Pai e ao Filho. Se o Espírito
é um mensageiro, então deve ser inferior. O pai dela, um mero porteiro, não é igual ao prefeito;
Lenu sabe disso. Nem pode esse Espírito mensageiro ser “um com Deus e seu filho”. Lenu está
flertando com o subordinacionismo. Já no século IV, alguns partilhavam a avaliação de Lenu.
Eles eram chamados de adversários do Espírito; não acreditavam que o Espírito fosse coigual ao
Pai e ao Filho, porque não acreditavam que o Espírito procedesse da mesma essência (veja o
capítulo 2).
Segundo, se o Espírito é uma emanação do Pai e do Filho e de sua “essência miraculosa”,
diz Lenu, então existe alguma diferença real entre o Espírito e o Pai e o Filho? Parece que não.
Este, como sabemos, é o erro do sabelianismo. Lenu funde as pessoas — que são meras
emanações — até que Deus seja uma pessoa que apenas usa nomes diferentes, sendo Espírito um
deles. Ou, no mundo conceitual de Lenu, essência, suor e voz seriam apenas partes ou fases de
uma pessoa divina.
Terceiro, Lenu está curiosa para saber se o Espírito é o superior na Trindade. Talvez o Pai
e o Filho sejam o modo de ser do Espírito. Confesso que ninguém nunca me disse: “Acho que o
Espírito é o que existe, de fato. O Espírito é o maior, não o Pai e o Filho”. Mas em alguns
círculos — sendo o pentecostalismo radical um deles —, o Espírito às vezes é tratado desta
forma.
Se você está tão perplexo quanto Lenu ou tão desencantado quanto Lila, este capítulo o
ajudará. Com a ajuda das Escrituras e de intérpretes bíblicos da Grande Tradição, esclareceremos
quem é e quem não é o Espírito, evitando algumas das armadilhas nas quais Lenu caiu.[449]

Cremos no Espírito Santo... certo?


“Cremos no Espírito Santo.” Pelo menos é o que diz o Credo Niceno. Mas ele tem boas razões
para dizê-lo. Nas Escrituras, o Espírito não é apresentado como subordinado ao Pai e ao Filho,
uma divindade menor, nem deve ser confundido com o Pai e o Filho, indistinguível como pessoa.
O Espírito é, antes de tudo, coeterno e coigual ao Pai e ao Filho. “Cremos no Espírito
Santo”, diz o credo, porque o Espírito é “Senhor e vivificador”. Observe que o credo se volta
para as obras do Espírito — salientando que estas nada mais são do que obras divinas —
identificando o Espírito como o próprio Senhor. Esse é um movimento que a própria Escritura
faz, atribuindo ao Espírito a obra não apenas da criação, mas da salvação. Da regeneração (Jo
3.5-8) à conversão (1Co 12.3), à adoção (Gl 4.6), à santificação (1Ts 5.23) e à glorificação (Rm
8.9-11), é o Espírito que opera em nós do início ao fim. Nem devemos esquecer a obra de
revelação e inspiração do Espírito. Foi ele quem “falou por meio dos profetas”, diz o credo. Isso
é o que Pedro diz também: “porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade
humana; entretanto, homens [santos] falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo”
(2Pe 1.21).
Poderíamos continuar — as obras do Espírito são inúmeras. E essas obras atribuídas a ele
são aquelas que somente Deus pode realizar. O credo conclui que o Espírito deve ser “coadorado
e coglorificado” juntamente “com o Pai e o Filho”. Pois o Espírito é tão divino quanto o Pai e o
Filho, compartilhando totalmente a única essência, vontade, poder, autoridade e glória divinas.
Caso contrário, Paulo não poderia dizer: “Ora, o Senhor é o Espírito; e, onde está o Espírito do
Senhor, aí há liberdade” (2Co 3.17). Mas Paulo só pode dizer isso porque o Espírito procede na
eternidade da mesma essência do Pai e do Filho. O Espírito também é “verdadeiro Deus com o
Pai e o Filho, a terceira pessoa da santa Trindade, consubstancial e coeterno com o Pai e o Filho,
onipotente e criador de todas as coisas”, diz aquele teólogo do Santo Espírito, João Calvino.[450]
Mas não só o Espírito é coigual ao Pai e ao Filho, como não deve ser confundido com o
Pai e o Filho, como Lenu é tão tentada a fazer. O Espírito não é mera força ou emanação
impessoal, nem é um atributo divino.[451] Não, o Espírito é uma pessoa distinta da Divindade, a
Terceira Pessoa para ser mais preciso: um com o Pai e o Filho em essência, mas distinto deles
em subsistência. Ou, para ser ainda mais preciso, o Espírito é uma subsistência pessoal da
essência una e simples.
Como então a essência divina subsiste na Terceira Pessoa da Divindade, aquela mesma
que chamamos de Espírito?

O que distingue o Espírito do Pai e do Filho?


Vimos com Lenu que confundir as pessoas da Trindade é um problema real e possui um longo
histórico graças ao sabelianismo. Mas se quisermos distinguir o Espírito como pessoa, o que
significa exatamente fazer essa distinção? Como nos ensinou o capítulo 2, as três pessoas são
distintas de acordo com suas relações eternas de origem (propriedades pessoais). Isso significa
que o Espírito também tem uma relação única (incomunicável).
P: O que distingue o Espírito Santo como pessoa?
R: O Espírito Santo procede eternamente (ou é espirado) do Pai e do Filho.

Essa resposta também é encontrada no Credo Niceno.


A palavra portuguesa “processão” é a tradução da palavra grega ekporeusis. Vemos esta
expressão em João 15. No contexto, Jesus está explicando aos seus discípulos que o mundo o
odeia tal como os profetas predisseram. Se odeiam Jesus, então odiarão seus discípulos também.
Mas não tema, Jesus promete que não deixará seus discípulos órfãos, desamparados e impotentes
no mundo. O próprio Consolador virá, o Espírito Santo. Mas quem enviará este Consolador, de
quem ele se origina? “Quando, porém, vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o
Espírito da verdade, que dele procede [ekporeuetai], esse dará testemunho de mim” (Jo 15.26).
Essa não é a primeira vez que Jesus promete que ele e o Pai enviarão o Espírito. Em João
14, Jesus anuncia que retornará ao Pai. Mas, novamente, não tema, pois ele não deixará seus
discípulos destroçados, como destroços inúteis de um navio desmembrado, à deriva, cada vez
mais longe no mar. Em vez disso, a sua presença continuará com os seus discípulos. Como isso é
possível? Cristo ascenderá ao seu Pai, mas o Espírito de Cristo viajará com os seus discípulos e
os instruirá no caminho que devem seguir. “O Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai
enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos
tenho dito” (Jo 14.26).
Vá para João 16. Até agora Jesus já mencionou diversas vezes que está deixando seus
discípulos. Sua partida está começando a ser percebida, e os discípulos ficam cheios de tristeza
ao pensar que Jesus os deixará. Mas, novamente, ele diz para não temerem. Por mais
contraintuitivo que possa parecer, é melhor para eles que Jesus vá embora. Como ele pode dizer
isso? O que poderia ser melhor do que o próprio Jesus? Ele pode dizê-lo, sinceramente, porque
quando for, o Espírito virá. “Convém-vos que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá
para vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei” (Jo 16.7).

Santa Toledo!
O Espírito procede do Pai e do Filho? A última frase em grego é filioque. No Ocidente, a Igreja inseriu a palavra filioque no
Credo Niceno no Concílio de Toledo (589 d.C.), mas o Oriente se opôs. Numa discussão política confusa que durou séculos, o
Oriente e o Ocidente acabaram por se dividir durante o Grande Cisma (1054 d.C.).
Devemos afirmar o filioque? O Oriente disse que não porque acreditava que isso criava duas fontes ou princípios na Trindade
(Pai/Filho) em vez de apenas uma (Pai). Mas a resposta do Ocidente é mais convincente. Anselmo escreveu Sobre a processão do
Espírito Santo e deu vários motivos:
1. O filioque preserva a unidade e a igualdade entre as três pessoas.
2. Sem o filioque o Espírito não seria dado pelo Filho, mas o Filho seria dado pelo Espírito.
3. Sempre que as Escrituras falam do Espírito como o Espírito de Cristo, presume-se que o Espírito procede tanto do Filho como
do Pai (Jo 14.25; 15.26; 16.6-7).
O Espírito procede do Pai e do Filho como de uma única fonte ou princípio (não duas), uma vez que o Pai e o Filho são ambas
subsistências da mesma essência simples. Outros salientaram que o filioque não só garante que o Espírito procede com a mesma
natureza divina do Pai e do Filho, mas também garante que possamos estar unidos a Cristo, uma união impossível se o Espírito
não proceder do Filho.

Naquele momento, foi difícil para os discípulos compreender o que Jesus dizia; sua
tristeza obscureceu sua visão trinitária. Mas depois que Jesus ascendeu e o Espírito desceu, eles
experimentaram em primeira mão a habitação do Espírito. Eles poderiam dizer aos seus ouvintes,
como fez o apóstolo Paulo, que se cressem em Jesus crucificado e ressuscitado, então também
seriam adotados como filhos. “E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o
Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!” (Gl 4.6). É porque o Espírito procede do Pai e do
Filho que o Espírito do Filho pode nos conduzir ao Pai.

O que a espiração tem a ver com a geração?


A espiração do Espírito é distinta da geração do Filho. Mas não se deve presumir que a espiração do Espírito nada tenha a ver
com paternidade e filiação. A razão pela qual o Espírito é espirado do Pai e do Filho é porque na geração eterna o Filho é
capacitado para espirar o Espírito. Gilles Emery diz: “[O] Pai, ao gerar seu Filho, dá a ele o poder de ‘exalar’ ou ‘espirar’ o
Espírito Santo”. Como é isso para cada pessoa da Trindade? “O Pai como Pai dá ao Filho o poder de espirar com ele o Espírito
Santo, e o Filho como Filho recebe do Pai o poder (o poder ativo) de espirar com ele o Espírito Santo.” Ou pense desta forma: “O
poder de espirar o Espírito Santo está incluído na geração do Filho: por sua geração, o Filho recebe do Pai para estar com ele o
princípio do Espírito Santo”. O que isso implica para o Espírito? A “processão do Espírito Santo está inscrita na relação mútua do
Pai e do Filho. Isso significa que o processo do Espírito Santo está ligado em si à geração do Filho pelo Pai” (The Trinity, 116).

Todas essas menções ao Espírito no Evangelho de João deveriam alertar-nos contra a


segregação do Espírito do Pai e do Filho. O Espírito é tanto o Espírito do Filho quanto o Espírito
do Pai; juntos, os três mantêm a essência divina única em comum, cada um deles uma
subsistência da mesma natureza divina. Isso significa que o Espírito procede não apenas do Pai
na eternidade, mas também do Filho. Ele procede do Pai e do Filho, mas não o faz
separadamente, mas procede de ambos como de uma única fonte. Desde toda a eternidade, o Pai
e o Filho comunicam ao Espírito a única essência divina, simples e indivisa. Da mesma forma,
quando o Espírito desce no Pentecostes e habita no povo de Deus, ele não é enviado apenas pelo
Pai, mas, como ouvimos Jesus dizer, pelo Pai e pelo Filho. Mas, novamente, ele não é enviado
de duas fontes distintas, mas de uma fonte. Anselmo parafraseia Jesus dizendo: “Enviarei como
se o Pai enviasse, de modo que o meu envio do Espírito e o envio do Espírito pelo Pai sejam um
e o mesmo”.[452] Em resumo, o dom do Espírito na história reflete e revela (mas de forma alguma
constitui) a processão do Espírito na eternidade, e em ambos os casos o Espírito é enviado de
uma fonte: o Pai e o Filho.

Objeção!
Alguns objetarão que Jesus não se refere à eternidade, mas ao Pai e ao Filho enviando o Espírito
no Pentecostes; não está falando de processões dentro da Trindade, mas da descida do Espírito na
criação com o propósito de salvação. Mas, como aprendemos, esta objeção é míope, um tipo de
biblicismo estreito e grosseiro que não consegue ler as palavras de Jesus à luz de toda a Bíblia —
isto é, do plano redentivo de Deus ao longo de toda a história — ou à luz de quem é o Deus
triúno na eternidade. Tal desconexão entre missões temporais e relações eternas é estranha a
Jesus, como visto em João 15.26, quando ele fundamenta o envio do Espírito na processão do
Espírito vindo do Pai. Sim, há uma diferença entre as relações eternas dentro da Trindade e as
missões temporais na criação; não ousemos confundi-las. Mas é um passo largo demais impedir
que as missões temporais revelem as relações eternas. Embora não devamos projetar tudo na
missão do Filho ou do Espírito na Trindade eterna (veja o capítulo 8), no entanto, seria extremo
concluir que tais missões não refletem as relações eternas de uma maneira específica: a única
razão pela qual o Espírito pode ser enviado pelo Pai e pelo Filho para salvar uma humanidade
perdida é porque procede do Pai e do Filho desde toda a eternidade.
Vimos que isso é verdade para o Filho (veja os capítulos 6 e 7), mas não é menos verdade
para o Espírito. O Espírito “é derramado pelo Pai e pelo Filho”, que é “a expressão do que o
Espírito Santo é desde toda a eternidade”. “Assim como o Espírito Santo procede do Pai e do
Filho na eternidade, vem do Pai e do Filho na economia.” Quer nos refiramos ao Filho ou ao
Espírito, a “economia das pessoas divinas no tempo está conformada à ordem eterna de origem
dessas pessoas”.[453] Não é arbitrário, então, que o Pai e o Filho enviem o Espírito. Essa ordem
decorre de sua relação eterna: o Espírito procede do Pai e do Filho na eternidade e, portanto, é
chamado de Terceira Pessoa da Trindade (não a terceira no tempo, não a terceira categoria, mas a
terceira em ordem).
Sei que “processão” pode parecer estranho. Por que não dizer que o Espírito é gerado,
como fizemos com o Filho? Mas lembre-se, essas relações eternas de origem são o que distingue
as pessoas umas das outras. Se dissermos que o Espírito é gerado, então não distinguimos o
Espírito do Filho em relação ao Pai. Se dissermos que o Espírito é gerado, então o Espírito pode
substituir o Filho e perder completamente a sua personalidade distinta. Se dissermos que o
Espírito é gerado, também poderíamos transformá-lo num segundo Filho, o que tornaria o
Espírito um irmão do Filho.
Mas o Espírito não vem do Pai da mesma forma que o Filho vem do Pai. O Espírito não é
irmão gêmeo do Filho.[454] “Pois o Filho vem de seu Pai, isto é, de Deus que é seu Pai, enquanto
o Espírito Santo não vem de Deus como seu Pai, mas somente de Deus que é Pai”, diz Anselmo.
[455]
O Filho é gerado do Pai, por isso é chamado Filho, mas o Espírito não é chamado Filho,
porque não é gerado, mas espirado, procedendo do Pai e do Filho como Espírito.[456]
Espiração é outra maneira de falar acerca de processão. Ela deriva do próprio nome
bíblico. Enquanto os nomes Pai e Filho transmitem a ideia de geração, o nome Espírito transmite
a ideia de espiração. A palavra “Espírito” nas Escrituras também pode ser traduzida como
“sopro”. Aplicado teologicamente, o Espírito é aquele soprado pelo Pai e pelo Filho na
eternidade, o que explica por que o Espírito é aquele enviado pelo Pai e pelo Filho na história.[457]
A missão do Espírito reflete então sua relação eterna de origem.[458]

Pegue uma onda e você estará no topo do mundo


Na década de 1960, o rock and roll ganhou vida própria. A década de 1950 foi sua juventude,
com a ascensão de Buddy Holly, Ritchie Valens e do Big Bopper. Mas os anos 50 terminaram
com o trágico acidente de avião que matou os três músicos. No entanto, o caminho que trilharam
não foi em vão. Em 1960, John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr
formaram uma banda em Liverpool chamada Beatles e levaram o rock and roll para um mundo
totalmente novo com seu som psicodélico. Um ano depois, do outro lado do mundo, nasceu outra
banda: os Beach Boys. Dois irmãos e seus amigos na Califórnia iniciaram a banda em uma
garagem. Mas, diferentemente dos Beatles, os Beach Boys cantavam a respeito da cultura
californiana: surfistas, boas vibrações e viagens pela costa em seu pequeno cupê. Uma das
minhas músicas favoritas dos Beach Boys é “Catch a Wave”. “Pegue uma onda e você estará
sentado no topo do mundo”, assim começa este sucesso no qual os Beach Boys defendem o
surfe.
Se você já surfou, sabe como é difícil pegar a onda certa. Sabe-se que os surfistas
acordam em uma hora terrível da manhã, tudo isso para pegar aquela onda e surfá-la até a costa.
Por mais difícil que seja se equilibrar naquela prancha encerada, quando você o consegue, fica
em êxtase com os manos gritando: “Cara!”, enquanto você executa aquela manobra que vale um
dez. Se você conseguir quebrar uma onda, ficará feliz, especialmente se conseguir deslizar pelo
tubo antes que ele bata na sua cabeça, e você desapareça. Puro êxtase.
Duvido que ele tenha surfado, mas o teólogo medieval Ricardo de São Vitor tinha algo a
dizer acerca das ondas e da Trindade. Procurando palavras para descrever a “plenitude do amor
supremo” entre as três pessoas da Trindade, Ricardo diz que ela é como uma “onda de
divindade”.[459] Ele pode não ser um rato de praia, mas devo admitir, quando Ricardo sobe na
prancha, o cara está em forma.[460] Esta é a maneira dele descrever a simplicidade que as três
pessoas têm em comum: “Um ser... uma vontade única!” “Na Trindade, todos têm uma só
verdade, uma só caridade e uma só bondade, sem diferenças.” O mesmo pode ser dito do amor
que eles têm em comum: “Haverá um único, e o mesmo, amor em todas as pessoas”.[461]
No entanto, à medida que Ricardo surfa nesta onda, não deixa de distinguir entre as três
pessoas de acordo com as suas propriedades pessoais. Sim, existe “um único, e o mesmo, amor
em todas as pessoas”, mas este amor “será distinto de maneira maravilhosa em cada uma delas,
com base nas diferentes propriedades”. Os três têm em comum uma essência, mas distinguem-se
pelas suas relações eternas de origem, que se manifestam a nós nas Escrituras de diversas
maneiras — ou deveríamos dizer ondas? Dito isto, tomemos algumas dessas ondas relacionadas
ao Espírito em particular. Talvez, no final, compreendamos melhor a propriedade pessoal do
Espírito — a espiração — e possamos ficar tranquilos como os ratos de praia, contando histórias
de como pegamos aquela onda de divindade daquela vez.

Onda 1: sopro
Um título que transmite o conceito de espiração está oculto no próprio nome que as Escrituras
usam para o Espírito: pneuma. A palavra é traduzida como “espírito” ou “vento” ou “sopro”.[462]
Mas no contexto, um ou mais destes significados podem se sobrepor para referir-se à pessoa e
obra do Espírito Santo. Por exemplo, quando Jesus diz a Nicodemos que ele deve nascer de novo
pelo Espírito (pneumatos) para entrar no reino de Deus (Jo 3.6), não é nada acidental que ele
então diga: “O vento [pneuma] sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem
para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito [pneumatos]” (3.8). Jesus usa a mesma
palavra para vento e Espírito, e depois compara o Espírito ao vento para transmitir a ideia de
soberania do Espírito no provocar do nosso novo nascimento. Quão apropriado, já que o Antigo
Testamento fala alternadamente de Espírito, sopro e vento (por exemplo, Gn 1.2; Jó 33.4; Sl
33.6).
Em outros casos, o Espírito pode não ter sido mencionado, mas está pressuposto num
conceito. Por exemplo, considere como Paulo diz a Timóteo que “toda a Escritura é inspirada por
Deus” (2Tm 3.16). Mas como Deus inspira as Escrituras? Pedro nos dá a resposta: “homens
[santos] falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo” (2Pe 1.21). Embora Paulo não
cite o Espírito em sua afirmação da inspiração das Escrituras, sabemos (e sem dúvida Paulo
também o sabia) que o sopro de Deus que produz estas Escrituras não é outro senão a Terceira
Pessoa da Trindade. O Pai inspira a sua Palavra por meio do seu Espírito.
A conexão entre o Espírito e a espiração muda do preto e branco para cores vivas quando
Jesus aparece aos seus discípulos em seu corpo ressuscitado. Era um momento perigoso para os
discípulos; eles estavam escondidos atrás de portas trancadas, temendo que os judeus pudessem
encontrá-los e matá-los como haviam matado seu rabi. De repente, Jesus surge no meio deles,
ignorando completamente as leis da física, e anuncia paz às suas almas temerosas. Então mostra-
lhes as mãos e o lado, provando-lhes que os rumores eram verdadeiros: ele realmente
ressuscitara. Agora que ressuscitou, porém, os discípulos têm uma tarefa a cumprir: devem ir por
todo o mundo e anunciar essa boa nova. “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio”
(Jo 20.21). Mas como exatamente Jesus os enviará? “E, havendo dito isto, soprou sobre eles e
disse-lhes: Recebei o Espírito Santo” (20.22).
Soprou sobre os discípulos? Isso parece estranho para nós hoje, talvez até esquisito. Mas
o sopro de Jesus não é outro senão o Espírito. Não literalmente, como se o Espírito agora fosse
material. O sopro é simbólico, exalado por Jesus para assegurar aos discípulos que seu Salvador
estará com eles até o fim dos tempos (Mt 28.20).[463] “Aquele sopro natural, originário do corpo
com a intenção de atuar sobre o corpo, não foi a essência do Espírito Santo”, explica Agostinho,
“mas um símbolo para demonstrar a procedência do Espírito Santo tanto do Pai como do Filho”.
[464]
Não só existe uma processão do Espírito na história da redenção — o Pai e o Filho enviando
o Espírito para habitar e guiar os discípulos — mas tal processão na história reflete a processão
na eternidade: o Espírito procede do Pai e do Filho desde antes de todas as eras; ele é o Espírito
espirado.

Anselmo
Anselmo de Cantuária (1033/34-1109) é um dos meus favoritos. Seu retrato de Deus como o ser perfeito atinge a própria essência
de uma doutrina clássica de Deus, demonstrando que certos atributos de aperfeiçoamento devem seguir-se, da simplicidade à
imutabilidade (ver seu Monologion e Proslogion). Mas também vemos a sua doutrina da Trindade brilhar em seus livros Sobre a
encarnação do verbo, Cur Deus homo e Sobre a processão do Espírito Santo. Os leitores de hoje surpreendem-se com o quanto
gostam de Anselmo quando descobrem que ele escreve em forma de diálogo e com profundo fervor devocional. Mais importante
ainda, Anselmo acredita numa fé que busca a compreensão (e não vice-versa), que é a postura humilde que se deve ter ao lidar
com o mistério da Trindade.

Jesus pode soprar o Espírito sobre os seus discípulos — inaugurando a missão do Espírito
agora que ressuscitou — porque este mesmo Espírito procede do Pai e do Filho desde toda a
eternidade. Em tempo real, os discípulos recebem o Espírito, e a sua missão torna-se tão palpável
para eles como o sopro de Jesus em seus rostos.[465] Mas essa missão revela a origem eterna do
Espírito: a espiração. Como o Espírito que procede do Pai e do Filho na eternidade, é apropriado
que o Pai e o Filho enviem o Espírito na história. O Pai exala o seu Espírito através do seu Filho.
Como resultado, o Espírito nos dá novos corações para ouvir e abraçar o evangelho do Filho
unigênito de Deus, para que sejamos adotados como filhos pelo Pai na família de Deus. “Ora,
nós não temos recebido o espírito do mundo, e sim o Espírito que vem de Deus, para que
conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente” (1Co 2.12).

Onda 2: dom
O Espírito não é apenas descrito como sopro, mas também é considerado o dom que o Pai e o
Filho concedem. Novamente, é o próprio Jesus quem o diz: “Pois o enviado de Deus fala as
palavras dele, porque Deus não dá o Espírito por medida” (Jo 3.34).
Em João 7, o ódio por Jesus está aumentando. Mas isso não impede que ele compareça à
Festa dos Tabernáculos. Por fim, Jesus chama a atenção de todos, levantando-se e clamando: “Se
alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior
fluirão rios de água viva” (Jo 7.37-38). A que Jesus se refere quando fala sobre água? Uma
pergunta melhor: a quem Jesus está se referindo quando fala sobre água? João nos diz: “Isto ele
disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito até
aquele momento não fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado” (7.39).
No Antigo Testamento, a água era um sinal de vida, e não apenas de vida física, mas
também espiritual, razão pela qual profetas como Ezequiel usaram a imagem da água para se
referir à nova vida do Espírito, uma vida que jorra e afasta o pecado (Ez 36.25). Jesus usa essa
mesma imagem da água, aplicando-a ao Espírito que enviará. Mas observe, para nossos
propósitos, que João diz que o Espírito é dado por Jesus para ser recebido. Ele é, em outras
palavras, um dom. E que presente ele é para nós, pecadores necessitados. Enviado pelo Pai e pelo
Filho, o Espírito é um dom de vida para todos aqueles que morrem de sede. Não foi isso que
Jesus disse à mulher samaritana junto ao poço de Jacó? “Se conheceras o dom de Deus e quem é
o que te pede: dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva” (Jo 4.10). O dom que
Jesus oferece é nada menos que a vida eterna (cf. 3.14-16; 1Jo 3.23-24), mas a vida eterna só
vem por meio do Espírito. Quão apropriado é então intitulá-lo de Dom.
Jesus não é o único que se refere ao Espírito como um dom. No livro de Atos, logo após
Jesus ascender aos céus, essa expressão aparece mais uma vez. Lembre-se, Jesus prometeu
enviar o Espírito, uma promessa cumprida no Pentecostes, quando o Espírito desceu sobre os
discípulos como línguas de fogo. Um mistério tão milagroso invoca um discurso de Pedro, que
explica que o advento de Jesus e a descida do Espírito foram ambos prometidos por Deus por
meio dos profetas, promessas agora cumpridas no meio deles. Quando a multidão ouve essas
boas novas, seu coração “compungiu-se”, e eles perguntam o que fazer a seguir, ao que Pedro
responde: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para
remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2.38). O dom do
Espírito Santo — esse é o rótulo escolhido por Pedro para o Espírito quando essa comunidade da
nova aliança se reúne pela primeira vez. E ele voltará a ele quando os gentios receberem esse
mesmo dom (10.45).
Mais tarde, Pedro dirá algo semelhante, chamando o Espírito não apenas de dom, mas de
testemunha. Quando pressionado a não falar sobre Jesus, Pedro diz que não consegue ficar
quieto. Eles podem ter crucificado o Cristo, mas o “Deus de nossos pais ressuscitou a Jesus” e
“com a sua destra, o exaltou a Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e
a remissão de pecados” (5.30-31). Mas Pedro não para por aí. Assim como em Atos 2, ele faz a
transição de Cristo para o Espírito: “nós somos testemunhas destes fatos, e bem assim o Espírito
Santo, que Deus outorgou aos que lhe obedecem”. (5.32). De certa forma, Atos 5 elabora Atos 2.
Daquilo que Jesus realizou, o Espírito deu testemunho, porém não apenas em um sentido
externo. A Testemunha deu testemunho do evangelho ao unir o crente a Cristo, e todos aqueles
que o Espírito uniu a Cristo receberam o Espírito de Cristo. Quão generoso é esse dom? Tão
generoso que quando Lucas descreve como o Espírito “caiu” sobre os gentios, ele diz: “também
sobre os gentios foi derramado o dom do Espírito Santo” (At 10.45). Lucas retorna à imagem da
água (derramada) para descrever como deve ter sido para esses gentios receberem esse dom.
Ou talvez você se lembre daquela história no livro de Atos, onde Simão, o Mago, tenta
comprar os direitos de usar o Espírito Santo para poder impressionar as pessoas, dando esse
Espírito a outros? Fazendo uso de sua magia, Simão diz ao apóstolo Pedro: “Concedei-me
também a mim este poder, para que aquele sobre quem eu impuser as mãos receba o Espírito
Santo” (At 8.19). Mas Pedro responde com uma dura e merecida repreensão: “O teu dinheiro
seja contigo para perdição, pois julgaste adquirir, por meio dele, o dom de Deus” (8.20). O que
Simão fez de errado? Ele não conseguiu entender que o Espírito é um dom. Não está à venda.
A razão pela qual nós, como Jesus e os apóstolos, podemos chamar o Espírito de dom é
porque o Pai e o Filho (os doadores) não apenas dão a nós, pecadores, o Espírito para o bem da
nossa salvação, mas tal doação é consistente com, e reflete, a natureza doadora do Pai e do Filho
na eternidade.[466] É porque o Espírito é dado na eternidade — inspirado pelo Pai e pelo Filho —
que ele pode então ser dado a nós na história da redenção. Como Dom, ele pode dar presentes ao
povo de Deus.[467] Mas ele só o faz porque procede desde a eternidade. O que significa o Espírito
ser dado pelo Pai e pelo Filho na eternidade (espiração)? Significa, diz Agostinho, que “o
Espírito Santo é como uma comunhão inefável do Pai e do Filho”.[468]
É necessária uma qualificação antes de prosseguirmos. Chamar o Espírito de dom não é a
mesma coisa que chamar o Espírito de doação.[469] O Espírito, diz Agostinho, “é Dom [donum] na
eternidade, mas como doação [donatum] ele o é no tempo”.[470] O que Agostinho está tentando
dizer é o seguinte: o Espírito é um dom na eternidade, quer ele nos tenha sido doado ou não na
história.[471] Assim como o envio do Filho na história não constitui a geração do Filho na
eternidade, também o envio ou doação do Espírito na história não constitui a espiração ou
processão do Espírito na eternidade. Dá-se o contrário. Como aprendemos no capítulo 4, as
relações constituem as missões; as missões não constituem as relações. Neste último caso, Deus
não se tornaria uma Trindade até que agisse na história. Neste último caso, Deus não seria triúno
até que agisse para nos salvar.
Quanto ao Espírito, a distinção entre dom e doação é importante, para que não
assumamos que ser doado é ser inferior àquele que dá — como se o Espírito só se tornasse um
dom se nos fosse doado pelo Pai e pelo Filho. Mas o Espírito é Espírito desde toda a eternidade,
procedendo do Pai e do Filho, independentemente de ele ter sido doado ou enviado a nós na
história. Por isso, é consubstancial ao Pai e ao Filho; ser doado apenas reflete essa ordem, mas de
forma alguma torna o Espírito inferior.

Onda 3: amor
Em nossa declaração da simplicidade (cap. 5) aprendemos que nenhum atributo de Deus pode ser
omitido de qualquer pessoa da Trindade. Afinal, ele é simplesmente Trindade. Enquanto cada
pessoa for uma subsistência da mesma natureza divina, todas as três pessoas mantendo a
natureza divina em comum, e enquanto a natureza ou essência de Deus for idêntica a tudo o que
está dentro dele (atributos), então qualquer atributo que tenhamos em mente deve ser verdadeiro
para cada pessoa da Trindade. Esse é o caso do amor. Confessar que Deus é amor é confessar
que o Deus triúno é amor.
Contudo, não podemos esquecer que as pessoas da Trindade são distinguidas segundo
suas propriedades pessoais: paternidade, filiação e espiração. Há um sentido em que certas obras
e atributos podem ser apropriados por pessoas específicas da Divindade de uma forma especial
que é consistente com a relação eterna de origem de cada uma. (As nuances das “apropriações”
devem ser articuladas cuidadosamente para evitar confusão e heresia, e tais nuances ocuparão
nossa atenção no capítulo 10.) Uma certa pessoa da Divindade pode apropriar-se de uma obra ou
atributo específico de forma que sirva somente para destacar a relação de origem dessa pessoa.
Por exemplo, embora o amor seja atribuído a todas as três pessoas — pois Deus é amor
— há também um sentido em que a Terceira Pessoa é chamada de amor de uma forma que
captura a sua propriedade pessoal: a espiração. Agostinho diz isso de maneira melhor: “Ressalve-
se, porém, que nessa sua natureza simples e suprema, a substância não é uma coisa e a caridade
outra. A substância mesma é a caridade. E a própria caridade é substância. Identificam-se, seja
no Pai, seja no Filho, seja no Espírito Santo. Contudo, a denominação de Caridade aplica-se com
maior propriedade ao Espírito Santo”.[472] Ou, como ele diz em outro lugar: “Se alguma das três
Pessoas deve receber a denominação de Caridade, quem com mais propriedade senão o Espírito
Santo? Ressalve-se, porém, que nessa sua natureza simples e suprema, a substância não é uma
coisa e a caridade outra. A substância mesma é a caridade. E a própria caridade é substância.
Identificam-se, seja no Pai, seja no Filho, seja no Espírito Santo. Contudo, a denominação de
Caridade aplica-se com maior propriedade ao Espírito Santo”.[473] E se o Espírito Santo é
chamado de caridade, então o Espírito deve ser “a doçura do genitor e do gerado e derrama-se
com imensa liberalidade e abundância de graça”.[474]
Identificar o amor com o Espírito é um procedimento bíblico comum. Por exemplo,
considere a carta de Paulo aos Romanos. Paulo se alegra por termos sido justificados pela fé e
termos “paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 5.1). Mas então ele diz algo
louco e aparentemente absurdo: “Não somente isto, mas também nos gloriamos nas próprias
tribulações” (5.3). Alegrar-se com nossos sofrimentos? O sofrimento é difícil, agonizante e
tortuoso, então por que alguém se alegraria com sua dor? Porque, diz Paulo, a nossa “tribulação
produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança. Ora, a esperança
não confunde, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que
nos foi outorgado” (5.4-5). O derramamento de amor dentro de nós é obra do Espírito Santo. Ao
derramar o amor de Deus, o próprio Espírito também é derramado em nossos corações,
habitando em nós para nos tornar santos.
O Espírito está tão intimamente associado ao amor que em outras partes das Escrituras
somos ensinados que aqueles que possuem o Espírito, aqueles habitados pelo Espírito, aqueles
que andam pelo Espírito, são aqueles caracterizados pelo amor. Como Paulo diz, o fruto do
Espírito é o amor (Gl 5.22). O Espírito se manifesta sempre que amamos a Deus e ao próximo.
Paulo não parece tão diferente de Lucas. Como acabamos de ver, quando Lucas descreve o
Espírito caindo sobre os gentios, ele diz que o “dom” do Espírito foi “derramado” sobre eles (At
10.45). Paulo também ama a expressão aquática do derramamento: “o amor de Deus é
derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado” (Rm 5.5).
Aparentemente, o Espírito como Dom e o Espírito como Amor não estão de forma alguma
desconectados, mas são duas maneiras de descrever a Terceira Pessoa da Divindade. Afinal, o
amor é uma dádiva e, em espírito de doação, essa dádiva deve ser recebida (1Co 2.12-16; 5.5;
1Ts 4.8).

Tudo de que você precisa é amor?


Muitos trinitaristas sociais apelam ao amor para impulsionar a sua redefinição da Trindade como uma sociedade de
relacionamentos, cada pessoa com o seu próprio centro de consciência e vontade. O amor torna-se uma distinção adicional, e já
não são apenas as relações eternas que distinguem as pessoas. Na Grande Tradição, entretanto, o amor é citado como uma entre
outras metáforas bíblicas para descrever as relações eternas de origem. Os Pais não falam do amor como outra distinção social,
mas como mais uma prova de relações subsistentes.

Mas ninguém tem mais a dizer acerca do amor do que o apóstolo João; é um tema que
permeia não apenas o seu Evangelho, mas também a sua primeira epístola. João emite uma
ordem à Igreja, que está no cerne do cristianismo: “Amados, amemo-nos uns aos outros, porque
o amor procede de Deus; e todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus”. Depois
vem a advertência: “Aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor” (1Jo 4.7-8).
Então João nos conta a história do evangelho: o amor de Deus foi manifestado quando ele enviou
seu Filho amado para morrer e absorver a ira que era devida a nós (4.9-12). Como então
podemos não amar uns aos outros se nos foi demonstrado tal amor sacrificial (4.11)? Embora não
possamos ver a Deus, de certa forma o vemos sempre que alguém ama como Deus ama. Pois “se
amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor é, em nós, aperfeiçoado... Deus é
amor, e aquele que permanece no amor permanece em Deus, e Deus, nele” (4.12, 16).
Mas como sabemos, João, que permanecemos nele? O discípulo amado de Jesus conhece
a resposta por experiência pessoal: “Nisto conhecemos que permanecemos nele, e ele, em nós:
em que nos deu do seu Espírito” (4.13). Assim como Paulo, João é rápido em unir amor e
dádiva. Observe a lógica de João:
1. Deus é amor.
2. Quem permanece no amor permanece em Deus.
3. Sabemos que permanecemos nele (em seu amor) porque o Espírito habita em nós e
nos foi dado.
Nos termos joaninos, como então não chamar o Espírito de amor? Permanecer no amor de Deus
é permanecer no Espírito, e permanecer no Espírito é permanecer no amor de Deus. Como
observa Agostinho: “O Espírito Santo, que procede de Deus, quando é outorgado ao homem,
inflamando-o de amor por Deus e pelo próximo, sendo ele mesmo o Amor”.[475]
O envio do Espírito pelo Pai e pelo Filho é um dom de amor para nós, mesmo quando
ainda éramos bastante faltos de amor. No entanto, tal amor na economia da salvação reflete o
amor infinito dentro da Divindade. O Filho é o Unigênito, aquele a quem o Pai ama, o que
significa que o Pai é o Amante e o Filho é o seu Amado. O próprio título é assumido quando o
Pai fala no batismo de Jesus, dirigindo-se ao seu Filho como seu Amado (Mt 3.17; cf. 17.5). Mas
como a única pessoa espirada na Divindade, o Espírito procede do Pai e do Filho, assim como o
próprio Amor procede do Amante e do Amado. Agostinho explica a analogia: “Pois não amo o
amor, se não amo, eu que amo: não há amor onde nada é amado. São portanto três os elementos:
o que ama, o que é amado e o amor”.[476] A analogia serve para acentuar a eterna processão do
Espírito desde o Pai e o Filho.
Alguns poderiam objetar que falar do Espírito ou de toda a Trindade em termos de amor
sucumbe ao sabelianismo, mas essa objeção esquece aquilo que o sabelianismo ensina. Este não
pode descrever o Deus triúno em termos de amor, porque não existe uma pluralidade de pessoas
para amar. Para o sabeliano, o Amor não tem Amado, não tem Amante. A redução das pessoas a
papéis impossibilita ao sabeliano falar de amor de forma pessoal, isto é, a título de subsistência.
Somente o trinitarismo ortodoxo pode fazer justiça ao amor como analogia, porque opera dentro
de um contexto ortodoxo que se recusa a redefinir a Trindade como uma sociedade ou
comunidade, mas em vez disso insiste que o Amado, o Amante e o Amor são subsistências da
mesma essência divina, cada uma possuindo uma propriedade pessoal única. O que temos, então,
não é sabelianismo, que despoja as pessoas da sua personalidade, mas uma essência que subsiste
em três modos pessoais de existência, ou de ser. Uma metáfora bíblica, entre outras, para
capturar esses modos de existência é o amor.
O perigo de se referir ao Espírito como Amor é correr o risco de mal-entendidos, como se
o Amor entre o Amante e o Amado fosse uma mera qualidade, não uma pessoa (hypostasis). O
próprio Agostinho reconheceu esse erro, um ponto muitas vezes esquecido pelos seus críticos.[477]
Correndo o risco de afirmar o óbvio, falamos por analogia quando chamamos o Espírito de
Amor, assim como fizemos com Sopro e Dom. Não derivamos a nossa doutrina da Trindade do
amor, mas a analogia do amor é útil na medida em que o próprio Deus triúno revela a sua
triunidade na caridade.[478] Até onde a analogia pretende chegar, ela transmite a processão eterna
e, por essa razão, o Espírito foi chamado de vínculo de amor entre o Amante e o Amado.[479] “O
Espírito Santo”, diz Agostinho, “conforme as Escrituras, não é somente o Espírito do Pai, nem
somente o Espírito do Filho, mas de ambos. E essa certeza insinua-se a nós acerca dessa caridade
mútua com que o Pai e o Filho se amam mutuamente”.[480]

Colecionando figurinhas enquanto a cidade queima no fogo do inferno?


Ao contrário de nossa amiga Zípora, cuja fé na Trindade buscava compreensão à medida que
encontrava Jesus, Lenu é uma mulher cujas objeções ao Espírito Santo e à Trindade como um
todo não são pacificadas quando Elena Ferrante termina seu romance A amiga genial. Quando o
seu professor de religião critica os comunistas pela sua visão não religiosa da história e da vida,
Lenu não aceita essa crítica. Com toda a confiança de quem concluiu um curso de teologia por
correspondência, ela levanta a mão e protesta: “a condição humana era tão evidentemente
exposta à fúria cega do acaso que confiar em um Deus, em Jesus, no Espírito Santo — este
último uma entidade de todo supérflua, estava ali somente para compor uma trindade,
notoriamente mais nobre que o simples binômio pai-filho — era o mesmo que colecionar
figurinhas enquanto a cidade queima no fogo do inferno”.[481]
Colecionar figurinhas enquanto a cidade queima no fogo do inferno — é isso o que se
tornaram as discussões teológicas sobre o Espírito? Talvez para alguns. Mas para outros elas são
a própria fonte da vida. Sem elas, e sem a eterna processão do Espírito, a própria Trindade se
dissolve e poderíamos muito bem nos juntar a Lenu. Como Anselmo uma vez lamentou, se a
espiração do Espírito “não for verdadeira, a fé cristã é destruída”.[482]
Anselmo está sendo extremo? Não na opinião de Lenu. E não na nossa. Pois se o Espírito
não procede, se não é espirado do Pai e da natureza divina do Filho, então como pode ele dar-
nos, pobres, necessitados e pecadores indefesos, todos os benefícios da salvação que o Pai tem
reservado para nós, todos as riquezas da redenção que o Filho nos comprou? Como diz Herman
Bavinck: “Se ele é uma criatura, ele não pode de fato e de verdade, nos comunicar o Pai e o Filho
com todos os seus benefícios, não pode ser o princípio da nova vida nem no cristão individual
nem na Igreja como um todo”. A consequência desta triste realidade é demasiado pesada para
suportar, demasiado devastadora para a vida cristã: “Nesse caso, não há comunhão genuína entre
Deus e os seres humanos; Deus permanece acima e fora de nós e não habita na humanidade
como no seu templo... Aquele que nos dá o próprio Deus deve ser, ele mesmo, verdadeiro Deus”.
[483]

O que Bavinck está tentando dizer é o seguinte: se o Espírito não espira do Pai e da
essência divina do Filho desde toda a eternidade, se ele não é Sopro, Dom e Amor, então o Pai e
o Filho não têm Espírito para nos dar, não há nenhum Espírito para habitar em nós, nenhum
Espírito para nos santificar e nenhum Espírito para nos levar à comunhão com aquele que é
simplesmente Trindade.
10
O Pai, o Filho e o Espírito trabalham
inseparavelmente?
A comunhão com a Trindade indivisível

O Pai faz todas as coisas por meio da Palavra no Espírito Santo.


ATANÁSIO, CARTA A SERAPIÃO

Assim como dizemos que a operação do Pai, do Filho e do Espírito Santo é uma, também dizemos que a Divindade
é uma.
GREGÓRIO DE NISSA, SOBRE A SANTÍSSIMA TRINDADE

O Pai e o Filho e o Espírito Santo, como são inseparáveis em si, são também inseparáveis em suas operações.
AGOSTINHO, A TRINDADE

Para o DeLorean!
Destino: Operações inseparáveis.

Ponto principal: A Trindade realiza uma operação única porque as pessoas subsistem de uma única essência e vontade. As obras
externas da Trindade são indivisíveis. No entanto, uma obra específica pode ser apropriada por uma pessoa da Trindade de uma
forma que corresponda à relação eterna de origem dessa pessoa. Conclusão: os cristãos podem, portanto, ter comunhão com todas
as três pessoas da Trindade.

O que a graça tem a ver com a Trindade?


Você se lembra da primeira vez em que ouviu acerca das doutrinas da graça (também conhecidas
como os cinco pontos do calvinismo)? Muitos enfrentam as doutrinas da graça como Jacó
enfrentou Deus em Gênesis 32, lutando contra cada um dos pontos até o sol nascer. Compreendo
o porquê: esses pontos são um choque para o nosso instinto teológico comum, que é manter a
autonomia humana na salvação da vida. Além disso, fomos informados de que esses pontos são
os inimigos; quando os encontramos, estamos prontos para a luta. Para alguns, as doutrinas da
graça vencem no final, mas eles têm dificuldade de prová-las.
Minha introdução às doutrinas da graça foi diferente. Enquanto crescia, nunca ouvi uma
palavra a respeito delas. Ou não estavam no radar do meu pastor, ou ele foi excepcional em
mantê-las fora de seu radar. Independentemente disso, ele fez uma coisa boa: pregou a Bíblia
inteira. Ano após ano, domingo após domingo, fui ensinado a lutar com o texto até que ele desse
sua bênção. O resultado foi irônico: quando conheci as doutrinas da graça pela primeira vez,
abracei essas velhas doutrinas como um irmão há muito perdido, assim como Esaú abraçou Jacó
depois de anos de separação. A razão é realmente simples: ao levar meu pastor a sério, lendo a
Bíblia de capa a capa, conheci as doutrinas da graça muito antes de me serem apresentadas
formalmente. Conhecê-las pessoalmente somente me deu um rótulo para o que já vinha
aprendendo nas Escrituras por tantos anos.
Uma passagem das Escrituras que se revelou instrumental foi Efésios 1. Paulo tem muito
a dizer acerca da pura gratuidade da predestinação, mas algo que me influenciou igualmente foi a
sua visão abrangente sobre toda a vida cristã. Deus não planeja a salvação e deixa-a em nosso
encargo, esperando que creiamos e perseveremos até o fim. Não, a graça de Deus nos dá toda a
garantia de que o que ele planejou realizará em nós. Ele é soberano dessa maneira.
Mas ao ler e reler Efésios 1, percebi outra coisa, algo que nunca esqueci desde então: a
soberania da graça de Deus em nossa salvação é trinitária do início ao fim. Pensando melhor,
para início de conversa, a Trindade é a razão pela qual a graça é soberana. Tão inseparáveis são a
Trindade e a graça que Paulo não consegue descrever a nossa salvação sem se referir às três
pessoas da Trindade. Quando li Efésios 1 no passado, foi a soberania do plano salvador de Deus
que se destacou. Mas quando reli as palavras de Paulo, Pai, Filho e Espírito Santo surgiram em
repetições proeminentes.

A vida cristã: incuravelmente trinitária


Paulo era incuravelmente trinitarista sempre que escrevia a respeito da nossa salvação ou da vida cristã. Por exemplo, ele diz aos
Tessalonicenses: “Entretanto, devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu
desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade, para o que também vos chamou mediante o nosso
evangelho, para alcançardes a glória de nosso Senhor Jesus Cristo” (2Ts 2.13-14).

Por exemplo, Paulo diz que é “Deus Pai” que “nos tem abençoado em Cristo” e “nos
escolheu, nele [Cristo]” antes da criação do mundo (1.3-4). Somos eleitos pelo Pai e escolhidos
em seu Filho. A seguir, Paulo fundamenta a nossa adoção no tempo e no espaço em nossa
predestinação eterna. Mas ele não o faz à parte da Trindade: Deus Pai “nos predestinou para ele,
para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo” (1.5). No entanto, Deus, o Pai, não apenas nos
elege em seu Filho desde toda a eternidade, mas também envia seu Filho para morrer pelos seus
eleitos na história. É por isso que Paulo diz nos versículos seguintes que é “nele” [Cristo] que
“temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça”
(1.7). Longe de ser ad hoc, a Trindade planejou a morte de Cristo desde o início.
E quanto ao Espírito? A Terceira Pessoa da Trindade foi deixada de lado? Não sob a
vigilância de Paulo. O que o Pai planejou e o Filho realizou, o Espírito aplicou. Pense no
momento em que você ouviu falar de Cristo pela primeira vez. Não foi o Espírito quem selou
você? “Em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa
salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o
penhor da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória” (1.13-14).
O Espírito é a nossa garantia, o pagamento inicial até que asseguremos plenamente aquela
herança predestinada para nós desde a eternidade.
Quando meus olhos foram abertos para o DNA trinitário das doutrinas da graça,
perguntei-me: será que a obra da salvação diz algo importante acerca da unidade e da pluralidade
dentro da Trindade? Ou talvez possamos fazer a pergunta desta forma:
P: A natureza da redenção reflete aquele que é simplesmente Trindade?
A resposta fecha o círculo do nosso estudo.
Deus age como um ou como três? Operações inseparáveis
A correlação entre quem Deus é e o que ele faz suscita uma questão difícil: Deus age como um
ou como três? À primeira vista, pode parecer que o Pai, o Filho e o Espírito agem como três
pessoas separadas e independentes. Alguns disseram isso, assumindo que cada pessoa na
Trindade deve ter a sua própria vontade, totalizando três vontades separadas na Divindade. Mas,
como vimos nos capítulos 3 e 8, essa é uma proposta com consequências catastróficas. Não
haveria mais um Deus que é três pessoas, sendo cada pessoa uma subsistência da essência una e
indivisa. Agora existiriam três centros separados de consciência e três vontades separadas, e,
como resultado, a essência simples de Deus seria dividida. Estas são as consequências do
trinitarismo social, e temos testemunhado os seus danos colaterais há mais de um século.
Em contraste, o capítulo 5 argumentou que a vontade não está ligada à pessoa, mas à
essência (natureza). Visto que Deus tem uma essência, ele tem uma vontade. Ele deve ter se
houver alguma esperança de permanecer indiviso e unificado em seu próprio ser. Sua essência e
vontade subsistem em três pessoas; essas três pessoas permanecem indivisas devido à essência e
vontade única que têm em comum. É por isso que chamamos nosso Deus de simplesmente
Trindade, protegendo tanto a simplicidade em substância quanto a Trindade em subsistência.
Triunidade é o que procuramos.
A unidade que acabamos de destacar tem implicações reais na forma como Deus age.
Porque nosso Deus triúno age como um. Ou melhor, sua ação é uma só. Sua simplicidade interna
é exibida em todas as ações externas do Deus triúno em relação ao mundo. Há uma famosa frase
em latim que capta esse ponto trinitário inestimável: opera Trinitatis ad extra indivisa sunt. O
que significa? Significa que as obras externas da Trindade são indivisas. Ora, por que isso?
As três pessoas são indivisas em suas obras externas porque são indivisas em sua
natureza interna. Como disse Agostinho: “O Pai, o Filho e o Espírito Santo estão
inseparavelmente unidos entre Si”, pois “esta Trindade é um só Deus” e, portanto, “todas as
obras do único Deus são as obras do Pai, as obras do Filho, e obras do Espírito Santo”.[484]
Assim, sempre que nos referimos à ação do Deus triúno em relação ao mundo, devemos
reconhecer que esta é uma ação indivisível e singular, tão indivisível quanto a essência única que
as pessoas partilham em comum. Da mesma forma, sempre que nos referimos à essência do Deus
triúno, reconhecemos que esta é uma essência indivisível, tão indivisível quanto a ação una e
singular que as três pessoas realizam.[485]
Elucidando, a unidade entre Pai, Filho e Espírito não é meramente uma cooperação entre
três pessoas separadas. Novamente, isso pressupõe que cada pessoa tem a sua própria vontade
individual (um Deus com três vontades). Esse tipo de cooperação pode dar uma aparência de
unidade, mas não é a unidade de um Deus triúno que é um em essência; a mera cooperação não
resulta num Deus que é simplesmente Trindade. Em vez disso, ficamos com três deuses que se
dão bem, cada um decidindo que irá cooperar com os outros dois. Nesta visão, existem três
ações, todas diferentes, mas ainda assim sincronizadas entre si. A Trindade seria como uma
sociedade ou comunidade. Poderia haver uma unidade de vontades, mas não uma unidade de ser
(o que exigiria uma vontade). Mas definir a Trindade em categorias sociais não tem como evitar
o triteísmo, e é certamente vulnerável ao subordinacionismo, sendo a vontade de uma pessoa a
vontade superior na Divindade. Tudo isso para dizer que a mera conformidade não é suficiente.
Nem é esta unidade realizada por uma divisão de trabalho, como se houvesse um trabalho
a realizar e esse trabalho fosse dividido entre as três pessoas. Neste esquema, a distribuição e a
alocação resultariam em unidade quando o trabalho fosse concluído com sucesso. O Deus triúno
nunca age como um só porque o Pai, o Filho e o Espírito realizam um único ato. Em vez disso,
as obras são divididas entre a Divindade ou uma única obra é repartida entre as pessoas.
Agostinho diz, “caso as operações não fossem inseparáveis, mas o Pai fizesse uma coisa, o Filho
outra, e o Espírito Santo outra; ou se operassem algumas vezes em conjunto, outras vezes em
particular cada uma; não se poderia afirmar a inseparabilidade da Trindade”.[486]
Ambas as opções — a mera cooperação ou a divisão do trabalho — são insuficientes e
tendem à heresia. Quando falamos a respeito da unidade ou simplicidade de Deus — aquele que
é simples ou simplesmente Trindade — pretendemos algo muito mais intrínseco ao próprio ser do
nosso Deus triúno. Quando dizemos que Deus age como um, assumimos que ele é um. Visto que
sua própria natureza ou essência é una, ele age como um só, não apenas cooperando, mas
realizando um ato único que está de acordo com a vontade única do Deus triúno. Sim, existem
três pessoas, mas como a mesma essência divina subsiste em cada uma, essas três pessoas
sempre realizam o mesmo ato. “As três pessoas agem juntas não pela justaposição ou
sobreposição de três ações diferentes, mas numa mesma ação, porque as três pessoas agem pelo
mesmo poder e em virtude da sua natureza divina única.”[487]
Não posso deixar de enfatizar isto: uma e a mesma ação, uma e a mesma natureza divina.
Os três agem como um só porque são um; agem “em virtude” da natureza que têm em comum.
Em teologia, essa unidade em ato é chamada de operações inseparáveis. As três pessoas não têm
separação ou divisão em suas operações externas em relação ao mundo, sejam criação,
providência ou redenção. Toda operação vem do Pai, por meio do Filho, no Espírito.[488]
Poucos capturaram melhor essa triunidade do que o Pai Capadócio, Gregório de Nissa.
“Não devemos pensar no Pai como algo separado do Filho, nem procurar o Filho como separado
do Espírito Santo. Assim como é impossível subir ao Pai, a menos que nossos pensamentos
sejam exaltados até lá por meio do Filho, também é impossível dizer que Jesus é Senhor, exceto
pelo Espírito Santo.” Ele conclui: “Portanto, Pai, Filho e Espírito Santo devem ser conhecidos
apenas em uma Trindade perfeita, em estreita consequência e união um com o outro, antes de
toda a criação, antes de todas as eras, antes de qualquer coisa da qual possamos formar uma
ideia. O Pai é sempre Pai, e nele o Filho, e com o Filho o Espírito Santo”. Em suma, “essas
Pessoas... são inseparáveis uma da outra”.[489] Se as pessoas são inseparáveis, uma Trindade
perfeita, cada pessoa em união uma com a outra e desde toda a eternidade, então não é de se
admirar que não possamos pensar nas três sem contemplar sua unidade, nem contemplar sua
unidade sem pensar nas três. Como disse outro Capadócio, Gregório de Nazianzo: “Assim que
concebo o Um, sou iluminado pelo Esplendor dos Três; assim que os distingo, sou levado de
volta ao Um”.[490]
Consideremos dois exemplos desta triunidade em ação: a encarnação e o Pentecostes.

Não há Trindade do Lobo Solitário


Nosso Deus triúno é indivisível na encarnação do Filho. Isso pode parecer contraintuitivo.
Afinal, é o Filho quem encarna, não o Pai ou o Espírito. Certamente. Mas observe, a encarnação
não é uma ação solitária do Filho. A encarnação pode ser do Filho, mas o milagre da encarnação
é realizado igualmente pelo Pai, pelo Filho e pelo Espírito. Como explica Agostinho: “Se,
portanto, concordam que a encarnação e o nascimento no seio da Virgem, em que está
compreendida a missão do Filho, foram realizados de modo inseparável, através de uma e mesma
operação do Pai e do Filho, não se pode tampouco excluir dessa operação o Espírito Santo, pois
está escrito com toda clareza: achou-se grávida pelo Espírito Santo (Mt 1.18)”.[491]
Não foi isso que testemunhamos em João 5? Como vimos no capítulo 7, a nossa boa
amiga Zípora testemunhou os líderes religiosos questionarem Jesus depois de ele ter curado um
homem no sábado. A resposta de Jesus gerou tanta fúria que eles quiseram matá-lo: “Mas ele
lhes disse: “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (5.17). Somente Deus tem a
prerrogativa de continuar trabalhando no sábado. Como Criador do cosmos, somente ele pode
“trabalhar” ou sustentar o cosmos no sétimo dia. Mas aqui Jesus reivindica o mesmo direito. Ele
só pode fazer isso se for um com o Pai. Inseparáveis e indivisíveis, ele e o Pai trabalham juntos
para sustentar e renovar a ordem criada no sábado, que é exatamente o que Jesus faz ao curar um
homem coxo.
Consciente de que os judeus querem matá-lo por dizer “que Deus era seu próprio Pai,
fazendo-se igual a Deus” (5.18), Jesus então acrescenta:
Então, lhes falou Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que o Filho nada pode fazer de si mesmo, senão
somente aquilo que vir fazer o Pai; porque tudo o que este fizer, o Filho também semelhantemente o faz.
Porque o Pai ama ao Filho, e lhe mostra tudo o que faz, e maiores obras do que estas lhe mostrará, para que
vos maravilheis. Pois assim como o Pai ressuscita e vivifica os mortos, assim também o Filho vivifica aqueles
a quem quer. E o Pai a ninguém julga, mas ao Filho confiou todo julgamento, a fim de que todos honrem o
Filho do modo por que honram o Pai. Quem não honra o Filho não honra o Pai que o enviou. (5.19-23)

Tudo o que este fizer... o Filho também semelhantemente o faz. Tudo o que o Pai cria, o Filho
cria; tudo o que o Pai sustenta, o Filho sustenta; tudo o que o Pai cura, o Filho cura; quem o Pai
ressuscita à vida, o Filho ressuscita à vida. Mesmo quando respondemos ao Pai e ao Filho, tal
inseparabilidade é vista. Honrar o Pai é honrar o Filho, e honrar o Filho é honrar o Pai. Jesus até
diz que deve ser honrado “do modo por que honram o Pai” (5.23). É por isso que o Pai confiou a
ele todo o julgamento (5.22).
Somente se Jesus for inseparável do Pai, indivisível em essência com o ele, pode fazer tal
afirmação. Essa inseparabilidade não é prejudicada pela geração eterna, mas é ainda mais
reforçada por ela. Pois somente se o Filho for gerado eternamente a partir da essência do Pai, este
concedendo ao Filho a vida em si mesmo (Jo 5.26), Jesus pode afirmar que é um com Deus, que
as ações que seu Pai faz, ele também faz, e que a honra que seu Pai recebe, ele também recebe.
Não só o nosso Deus triúno é indivisível na obra de encarnação, mas também o é na
descida do Espírito Santo. Sempre que testemunhamos o Espírito nas Escrituras, quer desça
sobre os discípulos no Pentecostes ou habite na assembleia dos crentes no livro de Atos, não é
como se ele agisse sozinho, nem como se apenas cooperasse com o Pai e com o Filho. Tudo o
que o Espírito faz ou realiza, o Deus triúno faz ou realiza.
Considere, por exemplo, a nossa santificação. Paulo pode dizer que o próprio Cristo é a
nossa santificação (1Co 1.2, 30) e orar para que “o mesmo Deus da paz vos santifique em tudo”
(1Ts 5.23), e Pedro pode regozijar-se porque os eleitos de Deus estão seguros “em santificação
do Espírito” (1Pe 1.2).[492] “O Espírito Santo”, diz Basílio de Cesaréia, “em tudo é certamente
inseparável do Pai e do Filho... em todas as ações o Espírito Santo está inseparavelmente unido
ao Pai e ao Filho”.[493] Unido. Inseparável. Esta é a linguagem que procuramos, pois frases como
essas protegem a simplicidade do nosso Deus triúno, protegendo-nos tanto do triteísmo como do
subordinacionismo. Elas garantem que nosso Deus triúno atue como um só porque é, por
natureza, um. Ele é simplesmente Trindade.
Além disso, para além das operações inseparáveis, corremos o risco de cair na heresia da
desigualdade, e esse é um risco demasiado grande para ser assumido. Por exemplo, operações
inseparáveis pressupõem não apenas que o Deus triúno é um em natureza e vontade, mas que
cada pessoa da Divindade é igual a todas as outras pessoas na Divindade. Para que haja uma
operação inseparável, não pode haver inferioridade em divindade, poder ou honra.
Mas não se deve evitar apenas o subordinacionismo; o triteísmo também é outro
obstáculo que o trinitarismo social se esforça para superar. Pois se a Trindade trabalha
inseparavelmente, só pode então haver uma vontade em Deus. Se existem três vontades em
Deus, então as três pessoas, cada uma delas uma subsistência da mesma natureza divina, não
mais possuem a mesma essência em comum. Em vez disso, a vontade de cada pessoa é separada
das outras, criando três centros de consciência. Como resultado, não existe mais uma essência
simples, indivisa e na qual subsistem as três pessoas. Mas se a Trindade age inseparavelmente
porque as pessoas são inseparáveis por natureza, então não temos três deuses meramente
cooperando uns com os outros, mas um Deus que realiza uma e a mesma ação como Pai, Filho e
Espírito.
Mas e quanto ao sabelianismo? Alguns assumem que uma operação inseparável sucumbe
a essa heresia: se as três pessoas agem como uma só em virtude da sua natureza e vontade
comuns, então já não podem ser três pessoas distintas. No entanto, tal acusação não considera
que uma operação inseparável pode ser apropriada distintamente pelo Pai, pelo Filho e pelo
Espírito, mas de uma forma que seja consistente com as suas propriedades pessoais, ou relações
eternas de origem. “Por um lado, a obra do Pai, do Filho e do Espírito Santo é inseparavelmente
a obra dos três ad extra. Por outro lado, neste único ato, as pessoas divinas trabalham de acordo
com as suas propriedades pessoais ad intra.”[494]
Consideremos como funciona a apropriação divina de acordo com as propriedades
pessoais de cada pessoa.

Apropriações divinas
A palavra “apropriação” remonta ao latim: ad e proprium, que significa “atrair para si” e
“colocar mais perto de si”.[495] A palavra “apropriação” tem sido usada por teólogos para explicar
como as Escrituras podem falar de uma pessoa específica da Trindade sempre que um ato do
Deus triúno está em foco. A apropriação “atribui uma ação ou efeito a uma pessoa divina de
maneira especial, sem excluir as outras duas”.[496] Essa qualificação — “sem excluir as outras
duas” — é importante para que não dividamos a Trindade e comprometamos sua singularidade,
sua unidade, sua simplicidade. Pois, como aprendemos, as obras externas da Trindade são
sempre indivisas. A apropriação não prejudica a inseparabilidade, mas a reforça em todos os
sentidos.
O propósito da apropriação é imitar as Escrituras, que podem iluminar uma pessoa de
uma forma “especial”, embora nunca exclua as outras duas.[497] Pense desta forma: embora cada
ato de Deus na criação, na providência e na redenção seja o ato único do Deus triúno, no entanto,
certos atos podem terminar com certas pessoas, ou ser “apropriados” por uma pessoa específica
da Trindade de uma maneira especial. Embora seja sempre o Deus único e indiviso agindo de
acordo com sua vontade única e indivisa, a atenção pode ser dada a uma determinada pessoa da
Divindade, mas sempre de acordo com a relação eterna de dela: o Pai ingênito, o Filho gerado e
o Espírito espirado. “Todas as coisas”, diz Herman Bavinck, “procedem do Pai, são realizadas
pelo Filho e completadas no Espírito Santo”.[498]
Para reiterar, nenhuma pessoa da Divindade age por si só. Afirmar isso é flertar com o
triteísmo, como se cada pessoa estivesse fazendo suas próprias coisas enquanto é seu próprio
agente. Também não estamos dizendo que uma pessoa age mais que as outras, como se os outros
fossem mais passivos enquanto uma pessoa é mais ativa; a Trindade não é matemática, adicionar
e subtrair uma pessoa para obter mais de outra pessoa.[499] Dizer isso é flertar com o
sabelianismo: como se apenas uma pessoa pudesse agir de cada vez, ou com o
subordinacionismo: como se uma pessoa devesse tornar-se menor para que outra pessoa pudesse
ser maior (por exemplo, a SFE). Em vez disso, estamos apenas reconhecendo que em qualquer
ato único do Deus triúno em relação à sua criação, cada pessoa recebe atenção de uma forma que
corresponde à relação de origem distinta, incomunicável e eterna de cada uma: Pai ingênito,
Filho gerado, Espírito espirado.[500] O que é apropriado a cada pessoa é coerente com as
propriedades pessoais: paternidade, filiação e espiração.
O que estamos dizendo é qualquer coisa menos novidade. Tanto um Pai da Igreja, como
Gregório de Nissa, quanto um reformador, como João Calvino, exemplificam tal nuance bíblica,
como mostra o gráfico a seguir:

Apropriações: Gregório de Nissa e João Calvino


Pessoa Apropriação Relação eterna correspondente
Pai “Início de atividade”; “fonte e manancial de todas as coisas” Porque o Pai é ingênito na eternidade
(Calvino)

Toda obra tem seu “princípio do Pai” (Gregório)

Filho A “sabedoria, o conselho e a disposição ordenada de todas as Porque o Filho é gerado pelo Pai na eternidade
coisas” do Pai (Calvino)

Cada obra está “avançando por meio do Filho” (Gregório)

Espírito O “poder e eficácia” do Pai e do Filho (Calvino) Porque o Espírito é espirado pelo Pai e pelo
Santo Filho na eternidade
Toda obra é “concluída no Espírito Santo” (Gregório)

Por exemplo, de acordo com Gregório de Nissa, quando olhamos para a criação devemos
reconhecer que ela tem o seu “princípio do Pai, está avançando por meio do Filho” e é
“concluída no Espírito Santo”.[501] Então vem uma de suas declarações mais valiosas: “Toda
operação que se estende de Deus à Criação... tem sua origem no Pai, procede por meio do Filho e
é aperfeiçoada no Espírito Santo”.[502]
Como o não gerado, o princípio sem princípio na Divindade, o Pai é o “princípio” e a
“fonte” de todas as operações. Como unigênito, o Filho é a “sabedoria” do Pai, aquele por meio
de quem todas as coisas são ordenadas. Como aquele que é espirado, o Espírito é o poder do Pai
e do Filho para realizar todas as coisas, a própria eficácia do Pai e do Filho para concretizar o
que foi planejado. Espirado — ou soprado — pelo Pai e pelo Filho, fica evidente que é o Espírito
quem é o “agente imediato das obras divinas” e aquele “por meio de quem o Pai e o Filho
influenciam imediatamente o coração dos eleitos”.[503]
Sempre que o Deus triúno age, ele age como um só, pois é um em essência, cada pessoa é
uma subsistência da mesma essência divina. Pois “assim como existe uma única essência divina,
existe uma única obra divina ad extra”.[504] Ou, como diz Gregório de Nissa com tanta
eloquência, se “a operação do Pai, do Filho e do Espírito Santo é uma”, então a “unidade da sua
natureza” deve ser “inferida a partir da identidade da sua operação”.[505] Ao mesmo tempo,
podemos fazer distinções nas obras de Deus que correspondem às pessoas na Divindade, porque
podemos distinguir entre propriedades pessoais em Deus. “Assim como existem três pessoas ou
modos de subsistência na Divindade, cada uma distinguida por propriedades pessoais e uma
operação específica, também existem três modos de trabalho na obra divina única ad extra.”[506]
A maneira como Deus age em relação ao mundo (ad extra) reflete quem ele é em si mesmo (ad
intra), e essa regra prática se aplica não apenas à sua essência una, mas também à sua ordenação
distinta na personalidade.[507] A ordem das operações na história reflete a ordem das relações na
eternidade. Ou, como diz Turretini: “À ordem de operar segue a ordem de subsistir”.[508]
Esta ordem (por exemplo, o Pai começa, o Filho executa, o Espírito aperfeiçoa) não
introduz o tempo na essência de Deus, como se houvesse um antes e um depois para ele. Se
assim o fosse, uma pessoa seria superior a outra. Por esse motivo, é melhor evitar o termo
“grau”, que pode passar a ideia de que uma pessoa é inferior a outra. Em contraste, a palavra
“ordem” comunica a maneira como as pessoas se distinguem por suas relações eternas de
origem, sendo ao mesmo tempo coiguais e coeternas.[509] E esta ordem é então estendida às
operações do Deus triúno em relação ao mundo. “O Pai é tido como primeiro, então se diz que o
Filho procede dele; finalmente, o Espírito procede de ambos”, diz Calvino. Essa ordem está
longe de ser “vã ou supérflua”, mas reflete quem é o Deus triúno em si mesmo.[510]
Para ver essa ordem com lentes melhores, precisamos considerar como são as
apropriações divinas a três mil pés de altura, como um helicóptero sobrevoando a Amazônia, e
também do ponto de vista do peregrino no solo, tirando fotos de uma árvore exótica por vez.

As apropriações triúnas vistas a partir de dez mil pés de altura: a floresta


Criação
A criação é um ato do Deus triúno. Não é como se apenas o Pai criasse enquanto o Filho e o
Espírito estão ausentes. Pai, Filho e Espírito juntos criam o cosmos, e o fazem como o Deus
único e indiviso desse cosmos. Por exemplo, as Escrituras dizem que Deus criou os céus e a terra
(Gn 1.1), e o Espírito de Deus pairava sobre as águas (1.2). O Espírito Criador também aparece
nos lábios do salmista: “Os céus por sua palavra se fizeram, e, pelo sopro de sua boca, o exército
deles” (Sl 33.6). Mas observe, o salmista também menciona a palavra do Senhor. Acontece que
essa palavra não é apenas letras, mas o próprio Filho de Deus. Descrevendo esta Palavra, João
diz: “Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem
ele, nada do que foi feito se fez” (Jo 1.2-3; cf. Cl 1.15-16).

Criação: Basílio de Cesaréia


Causa original Pai
Causa criativa Filho
Causa aperfeiçoadora Espírito Santo

No entanto, de acordo com as suas propriedades pessoais, podemos também fazer


distinção entre as três pessoas ao observarmos a causa da criação. Como diz Basílio, é o Pai
quem é a “causa principiadora”, o Filho, a “causa demiúrgica” e o Espírito, a “causa perfectiva”.
A criação é trazida à existência “por vontade do Pai” e “por ação do Filho” e é “alcançam a
perfeição pela presença do Espírito”.[511]
O Deus triúno cria o mundo, mas a criação ocorre de acordo com a qualidade de cada
pessoa. Refletindo acerca do salmo 33.6, Basílio esclarece que o Palavra não é uma mera
“vibração no ar”, “emitida pelo órgão da voz”. João 1.1 nos ensina que ela era “o Verbo, que ‘no
princípio estava com Deus e o Verbo era Deus’”. Nem é o Espírito “proveniente das vias
respiratórias e espirado pela boca”. João 15.26 nos instrui que o Espírito de sua boca é “o
Espírito da verdade que vem do Pai”.[512]
Mas Basílio especifica ainda que cada obra da Divindade é apropriada de maneiras
distintas. Pois não apenas os leitores da Bíblia pensam “nos três”, mas o fazem reconhecendo
que é “o Senhor que ordena, o Verbo que cria, o Sopro que confirma”.[513] Ordena, cria, confirma
— aqui está a maneira de Basílio apropriar a criação a cada pessoa da Trindade e, ao mesmo
tempo, a forma como reconhece que a criação é o ato único do Deus triúno.[514]
Essa ordem significa que as pessoas não são iguais entre si? Isso me traz a memória um
culto religioso no século IV.
A oração ofensiva de Basílio na igreja. Certo domingo, Basílio foi encarregado de orar. E
assim o fez, dando graças “ao Pai em comum com [meta] o Filho, juntamente com [syn] o
Espírito”. No domingo seguinte ele voltou à igreja e recebeu a tarefa de orar novamente. E assim
o fez, desta vez dando glória “ao Pai por meio [dia] do Filho e no [en] Espírito Santo”.[515]
“A-ha!”, os arianos protestaram quando ouviram Basílio orar naquele segundo domingo.
“Nós sabíamos disso. Afinal, você é um dos nossos. Você assume a desigualdade em suas
orações quando ordena as três pessoas, começando pelo Pai, depois o Filho e então o Espírito.”
Como Basílio respondeu?
Ele sorriu confiante (ou, pelo menos, gosto de pensar que o fez) e disse: “Seus arianos
tolos. Vocês esqueceram as aulas de gramática do ensino fundamental? “A ‘desigualdade’ entre
as preposições não prova a desigualdade das pessoas, mas aponta para uma ordem específica em
sua existência e atividade. O Pai é ‘a causa iniciadora’; o Filho, ‘a causa operadora’; o Espírito,
‘a causa aperfeiçoadora’”.[516] Os arianos presumiram que as apropriações — o Pai inicia, o Filho
opera, o Espírito aperfeiçoa — pressupunham a inferioridade do Filho e do Espírito em relação
ao Pai. Mas, na realidade, essas apropriações apenas sublinhavam o que distinguia as pessoas na
eternidade: relações eternas de origem, o Pai ingênito, o Filho gerado, o Espírito espirado.
As duas mãos do Pai. Basílio não foi o único com tal perspicácia. O Pai da Igreja do
século II, Irineu de Lião, em seu livro Contra as heresias, diz que o Filho e o Espírito são as
duas mãos do Pai na criação. Contrariando a afirmação de que Deus precisava de anjos para
ajudá-lo a criar o mundo, Irineu diz: “Nem Deus precisava deles... como se ele não tivesse suas
próprias mãos. Desde sempre, de fato, ele tem junto de si o Verbo e a Sabedoria, o Filho e o
Espírito. É por meio deles e neles que fez todas as coisas”.[517] Irineu acredita que essas “mãos”
são insinuadas quando o plural é usado no relato da criação, pois Deus diz: “Façamos o homem à
nossa imagem e semelhança” (Gn 1.26).[518]
Irineu não pretende de forma alguma sacrificar a unidade ou a igualdade das três pessoas,
como se ser uma das mãos do Pai resultasse em inferioridade. Essa suposição ignora o
argumento dele. Irineu não pretende diminuir, mas salientar a unidade da Trindade na obra da
criação. Certifiquemo-nos de não perder de vista o contexto: “Irineu rejeita a ideia gnóstica
segundo a qual o mundo corpóreo surgiu de uma realidade inferior a Deus”.[519] Na opinião dele,
Deus não depende de anjos ou divindades inferiores, porque todas as três pessoas da Trindade
são indivisíveis na obra da criação. Caso contrário, Irineu não poderia referir-se ao Filho e ao
Espírito como as mãos do Pai. Tal como a causa criadora (Filho) e a causa aperfeiçoadora
(Espírito) de Basílio, as “duas mãos” de Irineu confirmam a unidade e a igualdade na Trindade,
bem como as distinções pessoais que se revelam numa obra como a criação.[520] Pode-se dizer
algo semelhante acerca da salvação?

Recriação: Credo Niceno à Reforma


Criação Pai
Redenção (criação redimida) Filho
Santificação (recriação)[521] Espírito Santo

Polinização cruzada e a nova criação. Muitos dentre os pensadores da patrística e da


Reforma fazem uma polinização cruzada entre criação e salvação, apropriando a criação ao Pai, a
redenção ao Filho e a santificação ao Espírito. A disposição que o Credo Niceno apresenta é um
exemplo disso, começando com a sua afirmação de Deus Pai, o “artífice de todas as coisas
visíveis e invisíveis”. Depois transitando para o Filho unigênito que “por causa de nós homens e
da nossa salvação, desceu e se encarnou, se humanou”. O Filho incriado, mas unigênito e eterno,
nasceu em uma manjedoura para redimir a criação, para que o Espírito, aquele que eternamente
“procede do Pai [e do Filho]”, pudesse descer como o “Senhor e vivificador”, respirando nova
vida para aqueles que ainda estão nas agonias da morte. Pelo Espírito nos tornamos uma nova
criação, refeita e renascida à imagem do Filho.
Essa polinização cruzada entre criação e salvação pode parecer estranha à primeira vista.
No entanto, se entendermos a salvação, em seu sentido mais amplo, como recriação, então o
nosso foco não estará tanto em dois domínios diferentes (criação e salvação), mas num único
domínio: criação e recriação. Como diz Bavinck: “Embora seja verdade que todas as obras
externas de Deus [opera Dei ad extra] são indivisíveis e inseparáveis, na criação e na recriação
pode-se observar uma economia que nos dá o direito de falar do Pai e nossa criação, do Filho e
nossa redenção, do Espírito e nossa santificação”.[522] Caso contrário, o evangelho e a nossa união
com Cristo — até mesmo o próprio cristianismo — ficarão inacabados. “A essência da religião
cristã consiste na realidade de que a criação do Pai, arruinada pelo pecado, é restaurada na morte
do Filho de Deus e recriada pela graça do Espírito Santo no reino de Deus.”[523] Por um lado, a
criação, a redenção e a santificação são a obra única de toda a Trindade. Por outro lado, cada
uma dessas obras pode ser apropriada por pessoas distintas, correspondendo às suas relações
eternas de origem.[524]
Para ver essas apropriações em cores, não apenas em preto e branco, não nos manteremos
oscilando entre a criação e a recriação, mas nos concentraremos na salvação em particular.

Salvação
Se Basílio (e não esqueçamos Irineu) nos fez entender a criação, Agostinho será nosso professor
de salvação. Afinal, ele era chamado de Doutor da Graça. Olhando para as Escrituras, Agostinho
diz que o Pai é o autor da salvação (predestinação), o Filho é o redentor (expiação) e o Espírito é
o santificador (santificação).[525]
Ou poderíamos dizer que o Pai é a Fonte da nossa salvação, o Filho, o Redentor da nossa
salvação e o Espírito, o Consolador da nossa salvação. Vimos isso em Efésios 1, em que Paulo
diz que a redenção é realizada pelo Filho e aplicada pelo Espírito, sendo que ambos
correspondem às relações eternas de origem do Filho e do Espírito. Este é um hábito de Paulo
que continua ressurgindo ao longo de suas epístolas. Por exemplo, considere como ele entrelaça
todas as três pessoas da Divindade em sua segunda carta aos Tessalonicenses: “Entretanto,
devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus [Autor]
vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito [Santificador] e fé
na verdade, para o que também vos chamou mediante o nosso evangelho, para alcançardes a
glória de nosso Senhor Jesus Cristo [Redentor]” (2Ts 2.13-14). Seríamos sábios em imitar este
hábito paulino ao passarmos das relações para as apropriações.[526]

Salvação: Agostinho
Autor/Arquiteto da nossa salvação Pai
Redentor da nossa salvação Filho
Santificador da nossa salvação Espírito Santo

Quando Paulo, em Efésios 1 e 2 Tessalonicenses 2, nos remete novamente à eternidade


para tranquilizar os crentes de que a sua salvação foi predestinada na eternidade por ninguém
menos que o próprio Deus triúno, ele assume o que os teólogos chamam de aliança da redenção
ou pactum salutis. Ao contrário de muitas outras alianças na Bíblia que são entre Deus e seu
povo (Abraão, Moisés, etc.), a aliança da redenção é entre as pessoas da Trindade. Em outras
palavras, é intratrinitária, e visto que nosso Deus triúno é eternamente eterno, o mesmo deve
acontecer com a aliança da redenção.
O que ocorre nesta aliança intratrinitária? O Filho faz uma aliança com o Pai para ser
Mediador do povo de Deus. O Filho concretiza a aliança por meio de sua encarnação. Portanto,
esta é a aliança da redenção, o Filho, a nossa garantia da aliança, cumprindo a aliança ao redimir
os pecadores com seu próprio sangue (Ef 1.7). Longe de ser um contrato frio, o Filho aceita
voluntariamente as estipulações da aliança por amor ao Pai. John Owen diz que a aliança da
redenção é aquele “pacto, aliança, convenção ou acordo que houve entre o Pai e o Filho, para o
cumprimento da obra de nossa redenção pela mediação de Cristo, para o louvor da gloriosa graça
de Deus”. O Filho é designado para ser o “cabeça, marido, libertador e redentor dos seus eleitos,
da sua igreja, do seu povo, a quem ele de antemão conheceu”, o Filho “empreendendo livremente
aquela obra e tudo o que era necessário para ela”.[527]

Qual é a aliança da redenção?


A aliança da redenção é um pilar fundamental da ortodoxia reformada. Como explica Richard Muller, é um “acordo intratrinitário
pré-temporal do Pai e do Filho relativo à aliança da graça e à sua ratificação na e por meio da obra do Filho encarnado. Na
unidade da Divindade, o Filho faz um pacto com o Pai para ser o patrocinador temporal do testamentum do Pai na e por meio da
obra do Mediador” (Muller, Dictionary, 252, s.v. “pactum salutis”). Para uma explicação robusta, leia um dos jogadores do nosso
Time dos Sonhos, como François Turretini, especialmente o volume 1 de seu Compêndio de teologia apologética.

Os teólogos encontraram apoio para essa aliança em ambos os testamentos (Sl 2.7; 110.1;
Zc 6.13), e ela é insinuada sempre que o Novo Testamento se refere à nossa eleição em Cristo
desde toda a eternidade (Ef 1; 2Tm 1.9-10).[528] Mas ela está mais visível nas palavras de Jesus
sempre que ele diz que deixou a glória que tinha com o Pai no céu e foi enviado pelo Pai para
cumprir a missão que ele lhe deu antes da criação do cosmos (Mc 12.1-12; Lc 22.29; Jo 4.34;
5.30, 43; 6.38-40; 17.4-23).[529] Outros autores do Novo Testamento também assumem essa
aliança de redenção quando retornam à eternidade para dizer que o Pai enviou seu Filho para se
encarnar por causa de nossa redenção (Gl 4.4; Hb 10.5-10; 1Pe 1.20). Embora nunca tenha
havido um tempo em que o Filho não fosse Filho, ele se tornou nosso Salvador na história
porque foi designado para ser nosso Redentor desde a eternidade. Tal nomeação não se originou
no berço nem foi prolongada até a cruz, mas foi estabelecida na coroa do céu quando o Pai
comissionou seu Filho por meio de uma aliança. Designado para ser nosso Messias, ele se tornou
nosso profeta (At 3.22-26), sacerdote (Hb 5.5-6) e rei (At 2.34-36), exatamente como o Pai
pretendeu desde o início.[530] Como nosso Mediador, é o seu sangue que sela a nova aliança,
cumprindo o acordo que ele fez com o Pai desde toda a eternidade (Mt 26.28). No entanto,
aquele que derrama o seu sangue para ratificar a aliança não é qualquer um, mas o nosso sumo
sacerdote eterno, cujo sacerdócio foi selado com um juramento. Por meio de seu caráter
imutável, o próprio Deus jura ao seu Filho unigênito: “Tu és sacerdote para sempre” (Hb 7.21;
cf. Sl 110.4).
A aliança da redenção é espetacular porque coloca a nossa redenção em seu contexto
orgânico, trinitário. Mas também é informativa pois acentua as apropriações divinas: o Pai é a
Fonte da nossa salvação, o Filho, o Redentor da nossa salvação e o Espírito, o Consolador da
nossa salvação. Isso mesmo, o Espírito também participa. Pois não apenas o Filho faz aliança
com o Pai para ser nosso Mediador, nosso fiador, mas também o Espírito faz aliança na
eternidade para aplicar aquilo que o Filho conquista (nossa salvação eterna) àqueles a quem o Pai
predestinou (novamente, veja Ef 1.4-5, 11). Por essa razão, o Espírito é chamado de selo da
nossa redenção (Ef 1.13), pois ele é enviado pelo Pai e pelo Filho para aperfeiçoar a nossa
redenção, a garantia aqui e agora de que um dia receberemos essa grande herança que nosso
Deus triúno garantiu e guardou para nós (Ef 1.14; cf. Jo 14.25; 15.26; 16.7).
Alguns, no entanto, opõem-se à aliança da redenção: uma aliança intratrinitária deve
envolver múltiplas vontades na Divindade, o que violaria a simplicidade divina.[531] O engraçado
é que sempre que a tradição reformada, apoiando-se na Grande Tradição, apresentou a aliança da
redenção, nunca acreditou estar violando a vontade ou essência única do nosso Deus triúno.[532]
Por quê? Por conta das apropriações.
Já no século XVII, o puritano John Owen antecipou essa objeção. Por um lado, há
somente uma ação da Divindade consistente com a vontade única e indivisa do Deus triúno.
Afinal, ele é simplesmente Trindade; cada ato ocorre de acordo com sua essência simples. Não
importa a qual pessoa nos referimos, todas têm uma vontade em comum, assim como uma
essência em comum. Afinal, a vontade é, como diz Owen, “uma propriedade essencial de sua
natureza”.[533] Owen está seguindo os Pais Nicenos. Como disse Basílio de Cesaréia, a vontade é
“idêntica a essência” e não apenas “semelhante e igual, ou antes a mesma” em todas as três
pessoas.[534]

O Príncipe dos Puritanos


O teólogo do século XVII, John Owen, a quem muitos chamam de Príncipe dos Puritanos, é lembrado hoje por seu intelecto
colossal. E por uma boa razão. Poucos teólogos, mesmo durante a era dos puritanos (século XVII), poderiam comparar-se à
perspicácia teológica de Owen. Mas você sabia que esse teólogo grandioso foi, em primeiro lugar, um pastor? Quando jovem,
Owen começou a trabalhar, esforçando-se para preparar sermões para as ovelhas que Deus havia confiado aos seus cuidados. Mas
então ele percebeu algo preocupante: poucos em sua congregação conheciam o evangelho. Como solução, Owen escreveu um
catecismo para adultos e outro para crianças, ambos ensinando ao seu povo a respeito da pessoa e obra de Cristo. Ele escreveu
alguns dos livros mais importantes da história cristã. Comunhão com o Deus trino é um deles. Owen não apenas recupera uma
doutrina bíblica e ortodoxa da Trindade, mas também incentiva o cristão a desfrutar da comunhão com cada pessoa Divindade.
Em vez de manipular a Trindade para de alguma forma torná-la relevante, ele diz que a vida cristã é projetada para contemplar a
Trindade em todo o seu mistério.

Por outro lado, a essência e a vontade unidas e inseparáveis, tem três modos de
subsistência: o Pai ingênito, o Filho gerado e o Espírito espirado. Como vimos no capítulo 5, a
essência divina tem três modos de subsistência, sendo cada pessoa uma subsistência da essência
una e simples. E cada pessoa subsiste de uma forma distinta e incomunicável: só o Pai é ingênito,
só o Filho é gerado e só o Espírito é espirado.
Correspondendo a esses três modos de subsistência ou relações eternas de origem, cada
obra de redenção é simultaneamente a obra única e singular da Trindade e, ainda assim, pode ser
apropriada de uma forma que seja consistente com a relação eterna de cada pessoa. Isso não
significa criar três vontades onde só existe uma. Em vez disso, tomando emprestado o
vocabulário de Owen, existem “aplicações distintas da mesma vontade”, e essas aplicações
distintas correspondem aos “atos distintos nas pessoas”. Gilles Emery, um dos melhores teólogos
trinitaristas da atualidade, diz desta forma: “Assim como cada pessoa divina é caracterizada por
um modo distinto de existência, cada pessoa possui igualmente um modo distinto de ação”.[535]
Para criar a aliança da redenção, as pessoas não precisam de vontades separadas — isso
minaria não só a simplicidade divina, mas também a unidade intrínseca à própria aliança. Para
entrar nesta aliança eterna, as pessoas apropriam-se da aplicação distinta da mesma vontade de
uma forma consistente com o seu modo pessoal de subsistência. Ao fazê-lo, elas apenas fazem
alianças de uma forma que corresponda às suas relações eternas. O Pai é ingênito, por isso é
apropriado que seja ele quem nomeie o Filho como nosso fiador da aliança. O Filho é gerado
pelo Pai, por isso é apropriado que ele seja o Mediador, o Redentor da nossa salvação. O Espírito
é espirado pelo Pai e pelo Filho, por isso é apropriado que ele faça aliança de aperfeiçoar aquilo
que o Pai predestinou e o Filho realizou. Mas, novamente, eles não precisam de três alianças para
fazê-lo, mas de uma mesma aliança com dotações distintas correspondentes as propriedades
pessoais de cada um.
Owen aconselha, então, que quando nos concentrarmos em uma pessoa específica na
aliança de redenção, não presumamos que haja outra aliança. Em vez disso, estamos
testemunhando apropriações distintas da vontade única, ou como diz Owen, um “novo hábito”
que a pessoa “assumiu livremente” em prol da nossa redenção.[536] Em suma, existe uma vontade
na Trindade e, no entanto, quando viajamos pela terra da economia tendo as apropriações divinas
como nosso guia, há uma “execução tripla” dessa vontade que corresponde à relação eterna de
origem de cada pessoa.[537]
É verdade que o mistério permanece. Como deveria. Mas observe, esse mistério deve ser
cercado pela ortodoxia. A aliança da redenção não é um intruso no campo da ortodoxia, mas um
cidadão histórico, até mesmo bíblico. Bem compreendida, a aliança da redenção não viola a
vontade única e simples de nosso Deus triúno, mas nos mostra como as relações eternas de
origem, as únicas que distinguem as pessoas, se estendem, correspondendo à apropriação que
cada pessoa faz daquela vontade única nas muitas camadas de redenção. Pois cada pessoa age
não apenas “em virtude da natureza comum”, mas “de acordo com o modo de sua propriedade
pessoal”.[538] A aliança da redenção é apenas um exemplo entre muitos que mostra como as
propriedades pessoais se manifestam no mistério do evangelho.

As apropriações triúnas vistas a partir ao nível do solo: as árvores


Não apenas as grandes noções de criação e salvação, mas também atos específicos de Deus, atos
que são atribuídos a toda a Divindade, podem ser apropriados por pessoas específicas. Mas para
ver isso, precisaremos pedir ao nosso piloto de helicóptero que voe rente ao solo e baixe uma
escada para que possamos caminhar entre as árvores da floresta.
Por exemplo, considere um aspecto específico da nossa salvação, como a nossa adoção
espiritual na família de Deus. Por um lado, a adoção é creditada às três pessoas da Trindade. Não
é como se o Pai adotasse, mas o Filho e o Espírito não o fizessem. Não, a adoção é um ato divino
(singular) de nosso Deus triúno. Somos adotados pelo Pai, por meio do Filho, pelo Espírito
Santo. A adoção é “comum a toda a Trindade”, diz Tomás de Aquino.[539]

Adoção: Tomás de Aquino


Autor da adoção Pai
Modelo da adoção Filho
Selo da adoção Espírito Santo

Ao mesmo tempo, a adoção pode ser apropriada por pessoas específicas. A adoção, diz
Tomás de Aquino, é (1) “apropriada pelo Pai como seu Autor”, (2) “pelo Filho, como seu
Modelo” e (3) “pelo Espírito Santo selando em nós a semelhança deste Modelo”.[540]
Este último ponto é um pouco prolixo — afinal, é Tomás de Aquino que estamos citando.
Talvez pudéssemos colocar desta forma: embora o Pai seja o autor da nossa adoção e o Filho o
seu modelo, é o Espírito Santo quem é o seu selo.
No entanto, cada apropriação também é consistente com a relação eterna de origem de
cada pessoa. Quer seja o Pai, o Filho ou o Espírito Santo, cada um corresponde às suas
propriedades pessoais distintas.[541] Portanto, considere novamente a adoção. Como a pessoa não
gerada da Divindade, o Pai é o autor e arquiteto, aquele que nos predestinou para adoção como
filhos (Ef 1.5) e que nos declara seus filhos pela fé em seu Filho. Como João diz: “a todos
quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no
seu nome” (Jo 1.12).
Sendo a adoção filial, uma metáfora familiar, o próprio Filho unigênito, para usar as
palavras de Tomás de Aquino, torna-se o modelo de como é a nossa filiação.[542] Afinal, é o
Filho, e não o Pai ou o Espírito, que é gerado, embora a sua geração seja eterna e a nossa seja
temporal (uma diferença que nos protege da heresia do adocionismo).[543] Unidos a Cristo,
desfrutamos de todos os benefícios que advêm de sermos filhos de Deus, incluindo a filiação, e é
por isso que Calvino diz: “Seria uma tola e demente presunção chamar Deus de ‘nosso pai’,
exceto sobre a base de que, por meio de nossa união com o corpo de Cristo, somos reconhecidos
como seus filhos”.[544] As confissões e catecismos reformados reiteram o ponto de vista de
Calvino. Por exemplo, o Catecismo de Heidelberg pergunta:
Por que é ele chamado de “Filho unigênito” de Deus, se nós também somos filhos de Deus?
Porque somente Cristo é o eterno e natural Filho de Deus (Jo 1.14, 18). Nós, contudo, somos filhos de Deus
por adoção, pela graça, por causa de Cristo (Rm 8.15-17; Ef 1.5-6).[545]

A nossa filiação não é idêntica à filiação do Filho de Deus; ele é Filho por natureza e nós somos
filhos pela graça (veja o capítulo 7). Embora nos tenha sido dado o direito de nos tornarmos
filhos de Deus (Jo 1.12), não houve um momento em que o próprio Filho de Deus tenha se
tornado o Filho (Jo 1.1).[546]
Apesar desta descontinuidade, existe alguma continuidade entre a nossa e a sua filiação.
Embora a geração do Filho seja natural e eterna, a própria imagem da geração torna-se a
metáfora e o modelo da nossa própria geração espiritual e temporal (por mais analógica que
seja). O “Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”, diz Paulo, “nos predestinou para ele, para
adoção de filhos por meio de Jesus Cristo” (Ef 1.3, 5). Como filhos, somos então conformados
cada vez mais à imagem do Filho (Rm 8.29), que é ele mesmo a verdadeira imagem do Deus
invisível (Cl 1.15). Só podemos ser conformados à imagem do Filho se ele, o próprio Filho, for a
verdadeira imagem de Deus, o “resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser” (Hb 1.3).
Este Filho humilhou-se até a morte, sofrendo a maldição da lei num madeiro para “resgatar os
que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4.5). Em virtude da sua
humilhação, a nossa predestinação para a adoção na eternidade tornou-se uma realidade na
história, selada pelo sangue do Filho. É por isso que Paulo pode dizer aos romanos que somos
“herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo” (Rm 8.17).
Com toda essa ênfase no Pai e no Filho na nossa adoção, o Espírito é esquecido? De jeito
nenhum. Se o Pai é o autor e o Filho é o modelo da nossa adoção, então o Espírito é o selo,
aguardando ansiosamente a sua consumação final (Rm 8.23). Graças ao Espírito, podemos
aproximar-nos de Deus como nosso Pai. Como diz Paulo, “recebestes o espírito de adoção,
baseados no qual clamamos: Aba, Pai” (Rm 8,15).
Além disso, como dom do Pai e do Filho, o Espírito habita em nós para que possa nos
conformar à imagem do Filho. O Espírito é enviado pelo Pai e pelo Filho para aperfeiçoar a obra
do Pai e do Filho em nós.[547] Como Paulo diz aos Gálatas, Deus não apenas enviou seu Filho
para nos redimir “a fim de que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4.4-5), mas porque somos
filhos, “enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!” (4.6).
Podemos orar ao Pai graças ao Espírito de seu Filho, um Espírito que não está perdido em algum
lugar, mas que habita em nossos corações.
Em suma, existe apenas uma ação única do Deus triúno que chamamos de adoção, e
ainda assim cada pessoa nos torna filhos de Deus de uma forma que corresponde à relação eterna
de origem dessa pessoa na eternidade.[548] Como diz Agostinho: “ainda que seja atribuindo
separadamente certas coisas a uma das Pessoas divinas e certas outras à outra Pessoa, não se
deve entender como se as Pessoas estivessem separadas entre si, visto que o Pai, o Filho e o
Espírito Santo não possuem na Trindade senão uma só e mesma unidade, uma só e mesma
substância e uma só e mesma deidade”.[549]

A comunhão com a Trindade e a vida cristã


Se as apropriações divinas nos dão licença para falar das pessoas de maneiras que correspondam
às suas relações eternas de origem, é apropriado acreditar que nós, como filhos adotivos de nosso
Deus triúno, podemos ter comunhão (amizade) com cada uma dessas pessoas? Não só a resposta
é sim, mas John Owen acredita que o cristão que não tem comunhão com as três pessoas está
perdendo algo. A comunhão com cada pessoa, diz Owen, é o que torna a vida cristã tão... cristã.
Fora da comunhão, todas as riquezas que temos em Cristo são negligenciadas, como presentes
não abertos na manhã de Natal.
Por um lado, temos comunhão com toda a Trindade sempre que desfrutamos da
comunhão. “Qualquer que seja o ato pelo qual mantemos comunhão com qualquer pessoa, há
uma influência de cada pessoa para a realização desse ato.”[550] Indivisível em essência,
inseparável em operação. Desfrutar da comunhão com uma pessoa é estar sob a influência de
todas as três. Owen sem dúvida concorda com Gregório de Nazianzo, que disse: “Assim que
concebo o Um, sou iluminado pelo Resplendor dos Três; assim que os distingo, sou levado de
volta ao Um”.[551]
Por outro lado, Owen acredita que podemos conhecer cada pessoa de uma forma distinta
que corresponde à relação eterna de origem dela. Como o Pai ingênito, de quem o Filho é gerado
e o Espírito espirado, o Pai é a fonte e o princípio da Divindade. Assim também ele é a fonte da
nossa comunhão. Dele flui uma fonte eterna de amor, como o néctar doce de uma flor. O que
distingue a nossa comunhão com o Pai é o seu “amor gratuito, imerecido e eterno”.[552] Por seu
amor eterno por nós, ele enviou seu Filho unigênito para morrer em nosso lugar. Unidos ao seu
Filho, somos os destinatários da benevolência do Pai para conosco, pois ele redimiu os seus
eleitos por meio do seu Filho pelo seu Espírito.
Se o amor do Pai é o néctar, a nossa comunhão com o Filho pela graça é o fruto da flor.
Comprados com seu sangue, desfrutamos de sua justiça. Depois de provarmos o fruto da sua
justiça, a nossa alma “derrete-se de saudade dele”.[553] O pecado perde todo o seu apelo; não
queremos nada mais do que Cristo, que se torna a única paixão da nossa alma, o nosso deleite
eterno. “Ao descobrir a excelência e doçura de Cristo na casa do banquete, a alma é
instantaneamente dominada e clama para ser participante de sua plenitude.” Cristo, porém, não é
apenas o reservatório do nosso deleite eterno, mas a base da nossa fortaleza eterna; possuímos
“grande segurança espiritual” por meio da nossa “comunhão com ele”.[554]
No entanto, o cultivo diário da comunhão com Cristo é impossível sem a consolação do
Espírito Santo. Como Espírito que procede do Pai e do Filho, ele é quem pode nos levar à
comunhão com ambos. O amor que o Pai nos mostra por meio da graça de seu Filho é
comunicado pelo Espírito de seu Filho.[555] O Espírito promete-nos o amor do Pai, confortando-
nos, consolando-nos com todas as promessas que são nossas em Cristo Jesus. Por isso ele é
chamado de Consolador ou Ajudador nas Escrituras. Ele é nosso consolo sempre presente.
Mesmo nos nossos piores momentos de sofrimento, o Espírito está presente para nos dispensar o
amor do Pai em Cristo. Como diz Atanásio: “Quando participamos no Espírito, temos a graça da
Palavra e, na Palavra, o amor do Pai”.[556] É claro que Atanásio está apenas ecoando a bênção de
Paulo aos coríntios: “A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do
Espírito Santo sejam com todos vós” (2Co 13.13).
Se a nossa comunhão com o Pai é pelo seu amor, se a nossa comunhão com o Filho é pela
sua graça, e se a nossa comunhão com o Espírito é pela sua consolação e conforto, como então
responderemos? Com alegria e satisfação em nossos corações, clamando “Abba! Pai!”, sabendo
com plena segurança do Espírito que nosso Pai nos abraçará como a seus próprios filhos,
redimidos pelo sangue de seu Filho unigênito.
Conclusão
Sempre quis viajar ao Líbano e tocar num dos seus antigos cedros. Esses cedros são tão
antigos que os monges costumavam chamá-los de Cedros de Deus. Quando Salomão construiu
seu templo, ele disse ao seu arquiteto para derrubar os cedros do Líbano (1Rs 5.6). Salomão
queria um templo com um alicerce que ele tinha certeza de que duraria. O pintor Vincent van
Gogh sentia o mesmo em relação à oliveira. Enquanto se preparava para pintar suas obras-
primas, Van Gogh gostava de passear pelos olivais e apenas ouvir. O que ouvia? “O murmúrio
de um olival tem algo muito íntimo, imensamente antigo”, disse ele.
Algo muito íntimo, imensamente antigo — infelizmente, o homem moderno prometeu,
em vez disso, algo imensamente novo. Uma Trindade liberta dos pesados grilhões de antigos
credos e textos inspirados, uma Trindade que é relevante para as mudanças nos ventos e
caprichos da sociedade. Uma Trindade que pode ser moldada, até mesmo manipulada, até
finalmente aquiescer à agenda social do nosso agrado.
Posso dizer por experiência própria que nós, evangélicos, precisamos de muita pouca
persuasão ou convencimento. Quando eu era um jovem estudante, fui ensinado repetidamente a
suspeitar da doutrina ortodoxa da Trindade. Em nome da Bíblia, os credos da fé cristã — credos
nos quais a Igreja confiou durante quase dois mil anos — foram postos em xeque. Em nome do
biblicismo, doutrinas testadas pelo tempo, como a simplicidade e a geração eterna, foram
castigadas. “Especulação!” era o desprezo habitual que elas recebiam.
Mas quando comecei a dar palestras acerca das Escrituras, quando comecei a exigir que
meus alunos lessem os credos, quando comecei a revisitar as percepções bíblicas dos Pais da
Igreja, alcancei um ponto de vista diferente. A Trindade que me fora ensinada, a Trindade que
me disseram ser pura Bíblia, a Trindade que todos os outros estavam absorvendo, era tão nova
quanto moderna. Mas não era ortodoxia bíblica. Apenas parecia ser.
C. S. Lewis lamentou certa vez: “pois uma grande quantidade de ideias sobre Deus,
disseminadas hoje como se fossem novidades, não são nada além daquelas que os verdadeiros
teólogos testaram séculos atrás e rejeitaram”.[557] Hoje, essa tentativa continua. Cabe agora a você
decidir se a Igreja daqui para frente continuará assim ou recuperará a doutrina bíblica e ortodoxa
da Trindade. Se quisermos que o nosso futuro seja diferente do nosso passado recente, devemos
ouvir as vozes vivas dos mortos. Se o fizermos, poderemos redescobrir algo íntimo, imensamente
antigo: um Deus que é simplesmente Trindade. Não adulterado. Não corrompido. Não
manipulado.
Glória ao Pai, e ao Filho e ao Espírito Santo! Como era no começo, é agora e sempre
será, eternamente.
Glossário
ad extra As operações externas de Deus, direcionadas à ordem criada. Compare com AD
INTRA.
ad intra As operações internas de Deus em si mesmo, independentes da ordem criada; são
eternas e imutáveis. Veja também AD EXTRA.
analógico Semelhança entre uma coisa e outra. Deus é infinito e incompreensível; portanto, a
linguagem criatural finita para Deus diz algo verdadeiro sobre ele, mas não deve ser tomada de
forma exaustiva ou literal. Compare com UNÍVOCO e EQUÍVOCO.
antropomórfico Quando uma característica humana (por exemplo, mãos, arrependimento) é
utilizada para referir-se a Deus. Esta linguagem não deve ser interpretada de forma literal, mas
sim figurativa. Veja ANALÓGICO.
apropriação(ões) Visto que Deus é um em essência (simples), cada operação é obra una,
singular e indivisível da Trindade. No entanto, uma obra específica na criação ou na salvação
pode ser apropriada por uma pessoa da Trindade de uma forma especial que seja consistente com
a relação eterna de origem dessa pessoa. As dotações chamam a nossa atenção para a
especificidade de cada pessoa. Por exemplo, o Pai é Criador, o que indica que ele é a origem da
Trindade.
asseidade (a se) Deus é vida em si mesmo. Ele é independente da ordem criada, autossuficiente
e autoexistente.
ato puro (actus purus) / atualidade pura (purus actua) Não há nada no Deus simples, eterno e
infinito que possa ser ativado como se ele devesse atingir seu potencial. Como ser perfeito, ele
está maximamente vivo, totalmente atualizado, vida absoluta em si mesmo, incapaz de
mudança/melhoria. Embora Deus seja capaz de afetar e mudar os outros, ele não tem potência
passiva, como se pudesse ser afetado e mudado pelos outros.
composto Feito de partes; constituído. Ao contrário da criatura finita, Deus é simples, não
composto, e sem partes. Compare com SIMPLICIDADE.
consubstancial, consubstancialidade Da mesma substância. A essência divina subsiste em
cada pessoa; portanto, elas são consubstanciais. Na geração eterna, o Pai comunica a essência
única e simples ao seu Filho; na espiração eterna, o Pai e o Filho comunicam ao Espírito a
essência única e simples. Veja ESSÊNCIA.
economia As operações de Deus em direção à ordem criada (criação, providência ou redenção).
Deus revela a sua identidade triúna por meio da economia, mas não é constituído por ela. Outros
termos relacionados: Trindade econômica; oikonomia (Deus por nós); ad extra. Compare com
TRINDADE IMANENTE; THEOLOGIA.
equívoco Nenhuma semelhança. Se aplicado ao conhecimento de Deus, não saberíamos nada
verdadeiro acerca dele. Compare com ANALÓGICO; UNÍVOCO.
escolasticismo Pode referir-se à escolástica medieval (por exemplo, Tomás de Aquino) ou à
escolástica reformada (por exemplo, John Owen). Os escolásticos recuperaram a ortodoxia
nicena e a Grande Tradição dentro de uma apresentação sistemática da doutrina. Infelizmente,
hoje a palavra “escolástica” é mal utilizada num sentido pejorativo por biblistas rasos para se
referir a qualquer coisa que considerem especulativa.
espiração Reflete o nome “Espírito”. O Espírito é espirado, soprado, eternamente pelo Pai e
pelo Filho. Visto que o Espírito não é outro Filho, não é gerado, mas espirado. Para ser técnico, a
espiração ativa refere-se ao Pai e ao Filho como aqueles que espiram o Espírito, enquanto a
espiração passiva (uma propriedade pessoal) refere-se ao Espírito como aquele que procede ou é
espirado pelo Pai e pelo Filho. Veja RELAÇÕES ETERNAS DE ORIGEM.
essência O ser de Deus; sua quididade. Na linguagem bíblica: a “bondade” de Deus, uma
palavra que resume seus atributos. A essência de Deus é incompreensível e simples. A essência
de Deus não é uma coisa e sua existência e atributos outra; são um e o mesmo. Deus é uma
essência, três pessoas. Cada pessoa é uma subsistência (ou relação subsistente) da essência una,
simples e divina. Se as pessoas são uma em essência, elas também o são em vontade, glória,
poder e autoridade. Outros termos para essência: substância, ser, natureza.
eterno Infinito. A Trindade não tem sucessão de momentos. As relações de origem (geração,
espiração) são infinitamente eternas.
filiação Propriedade pessoal do Filho. Ele é eternamente gerado do Pai. Veja GERADO;
RELAÇÕES ETERNAS DE ORIGEM.
filioque A crença (ocidental, não oriental) de que o Espírito procede (é espirado) do Pai e do
Filho como de uma única fonte.
geração eterna Veja GERADO; RELAÇÕES ETERNAS DE ORIGEM.
gerado Surgir, proceder. O Filho é eternamente gerado da essência do Pai. Somente o Filho é
gerado. Outros termos: geração eterna; filiação. Veja RELAÇÕES ETERNAS DE ORIGEM.
heteroousios De uma essência diferente.
homoiousios De uma essência semelhante.
homoousios Da mesma essência.
hypostasis Palavra grega usada para distinguir Pai, Filho e Espírito como pessoas. Veja
SUBSISTÊNCIA.
imutabilidade Deus não muda de forma alguma.
impassibilidade Deus não tem paixões; não é vítima de nenhuma mudança emocional; não
sofre. A geração do Filho e a espiração do Espírito são impassíveis. Veja IMUTABILIDADE.
inascível Veja INGÊNITO.
infinitude Deus não tem medida; seu ser é ilimitado.
ingênito Não gerado. O Pai gera seu Filho desde toda a eternidade, mas somente o Pai é
ingênito desde a eternidade, o princípio sem princípio. Outras palavras: inascível, inascibilidade.
Ingênito não deve ser confundido com incriado: todas as três pessoas são incriadas, mas somente
o Pai é não-gerado. Como Pai ingênito, a paternidade é sua propriedade pessoal. Para ser mais
preciso, visto que o Pai é ingênito, ele não tem nenhuma relação eterna de origem com outra
pessoa divina.
metafísica A natureza da realidade. Com referência a Deus, a natureza de Deus. Este livro usa
metafísica e ontologia como sinônimos.
missão Refere-se ao Filho e ao Espírito sendo enviados ao mundo. A missão de cada pessoa
reflete sua relação eterna de origem, embora as missões não constituam relações eternas, nem
tudo nas missões (por exemplo, sofrimento encarnado ou submissão) é projetado de volta na
Trindade imanente. Veja ECONOMIA.
modalismo / monarquianismo modalista Veja SABELIANISMO.
modo de subsistência (existência) Refere-se à maneira única (incomunicável) pela qual a
essência divina subsiste (existe) em cada pessoa. Por exemplo, a geração eterna é o modo de
subsistência do Filho. “Modo” não deve ser confundido com modalismo (isto é, sabelianismo),
uma heresia que nega a existência de três pessoas distintas na Trindade. Veja RELAÇÕES
ETERNAS DE ORIGEM.
mutável Mudar. Deus não é mutável. Compare com IMUTABILIDADE.
natureza Veja ESSÊNCIA.
Nicéia, Concílio de Um concílio ecumênico oficial da Igreja que se reuniu em 325 d.C. e
condenou o arianismo. O Credo Niceno ensina que o Filho é eternamente gerado (não feito) pelo
Pai e, portanto, consubstancial ao Pai, da mesma essência. Em 381 d.C., o credo foi ampliado e
afirmou a espiração/processão do Espírito.
ontologia Veja METAFÍSICA.
operações inseparáveis Visto que as pessoas da Trindade são indivisíveis em essência,
também o são em suas operações externas. Tendo em comum a vontade simples, realizam um ato
singular em qualquer operação externa. Compare com APROPRIAÇÃO(S).
ordem A forma como a essência única subsiste em três pessoas. A ordem não envolve
hierarquia ou subordinação de qualquer tipo na Trindade imanente, nem temporalidade. Veja
RELAÇÕES ETERNAS DE ORIGEM.
passível Mudança emocional; suscetível ao sofrimento. Deus não é passível. Compare com
IMPASSÍVEL.
potência passiva Deve ser ativado e realizado para atingir seu potencial e perfeição. Deus não
tem potência passiva. Compare com ATO PURO.
paternidade Propriedade pessoal do Pai. Ele não tem origem eterna (não gerado); ele é a
origem eterna de seu Filho, que ele gera desde a eternidade. Veja RELAÇÕES ETERNAS DE
ORIGEM.
pericorese Pai, Filho e Espírito habitam ou se interpenetram mutuamente. O Ocidente usou a
palavra latina circumincessio. Ao contrário do trinitarismo social, a pericorese não substitui a
simplicidade. Só podemos afirmar a vida mútua entre as pessoas porque cada pessoa é uma
subsistência da essência simples.
pessoa Uma pessoa é uma relação subsistente, que se distingue de outra apenas por suas
relações eternas de origem (paternidade, filiação, espiração). Uma pessoa divina “nada mais é do
que a essência divina... subsistindo de uma maneira especial” (John Owen). Veja HIPÓSTASE;
MODO DE SUBSISTÊNCIA.
propriedade pessoal Aquela propriedade que distingue cada pessoa. Paternidade: O Pai é não
gerado; ele é o princípio/origem do Filho. Filiação: O Filho é gerado de seu Pai. Espiração: O
Espírito é espirado do Pai e do Filho. As pessoas têm tudo em comum, exceto as propriedades
pessoais, que são expressões das relações eternas de origem. Veja RELAÇÕES ETERNAS DE
ORIGEM.
princípio A fonte/origem de onde uma pessoa procede. Exemplo: o Pai é o princípio do Filho
porque gera seu Filho, mas só o Pai é o princípio que é sem princípio; ele é ingênito.
processão Dois usos: (1) o termo refere-se amplamente a relações eternas de origem; (2) o
termo refere-se estritamente à origem do Espírito (grego: exporeusis; latim: processio). Veja
ESPIRAÇÃO; RELAÇÕES ETERNAS DE ORIGEM.
prosopológico Quando um autor das Escrituras ajuda os leitores a identificar e distinguir entre
um orador/pessoa divino (prosōpon) e outro orador/pessoa divino (por exemplo, Sl 2.7 e Hb 1.5;
Sl 110.1 e Lc 20.41–43). A Grande Tradição imitou os métodos prosopológicos de Jesus e dos
autores bíblicos.
relação Veja RELAÇÕES ETERNAS DE ORIGEM.
relações eternas de origem Distingue a forma como cada pessoa se relaciona com outra,
identificando a proveniência eterna (princípio/origem/fonte) de onde provém cada pessoa.
Paternidade: o Pai é ingênito (sem origem) e, portanto, a origem eterna do Filho. Filiação: a
origem do Filho é o Pai, gerado da essência do Pai desde toda a eternidade. Espiração: o Pai e o
Filho são a origem do Espírito, espirando o Espírito desde toda a eternidade. Somente estas
relações distinguem as pessoas, identificando as propriedades pessoais de cada uma. Outra frase,
modos de subsistência, refere-se à maneira distinta como a essência única e simples de Deus
subsiste eternamente em cada pessoa. Portanto, as pessoas são relações subsistentes. Veja
PESSOA.
sabelianismo Uma heresia que nega que exista mais de uma pessoa na Divindade. As pessoas
são meras funções, como se o que torna Deus Pai, Filho e Espírito fossem as formas que ele
assume quando cria ou salva. Ponto de vista equivalente: monarquianismo modalista,
monarquianismo unitário ou modalismo (não confundir com modos de subsistência).
ser perfeito Deus é alguém além do qual ninguém maior pode ser concebido (Anselmo). Veja
TEÍSMO CLÁSSICO.
simplicidade Deus não é feito de partes; não é composto ou um ser constituído. Ele é seus
atributos. Sua essência são seus atributos e seus atributos são sua essência; tudo o que há em
Deus é simplesmente Deus. Cada pessoa da Trindade é uma subsistência da única e simples
essência divina. As pessoas, portanto, não são partes em/de Deus.
subsistência Outra forma de se referir a uma pessoa divina. A única essência divina simples
subsiste ou existe em três pessoas. Cada pessoa é uma relação subsistente da essência divina. A
essência divina tem três modos de subsistência (latim: subsistentia; grego: hypostasis):
paternidade, filiação, espiração. Veja RELAÇÕES ETERNAS DE ORDEM.
substância Veja ESSÊNCIA.
teísmo clássico A posição majoritária da Igreja, do século I ao XVII. O teísmo clássico
incorpora a ortodoxia trinitária representada pelo Credo Niceno e pela Grande Tradição, mas foi
descartado pelos pensadores modernos.
theologia Grego para teologia; a vida interior da Trindade separada do mundo. Veja
TRINDADE IMANENTE.
Trindade imanente A Trindade em si, separada da criação e da salvação. Outro termo:
theologia (grego: “teologia”). Compare com TRINDADE ECONÔMICA.
trinitarismo social O trinitarismo social é um movimento diverso, o que o torna difícil de
definir. Mas na sua forma totalmente desenvolvida, o seu ponto de partida (ou pelo menos a
ênfase) não é a simplicidade — alguns rejeitam a simplicidade — mas as três pessoas. A
Trindade não é definida principalmente pelas relações eternas de origem. O TS redefine a
Trindade como uma sociedade e comunidade análoga a uma sociedade humana, redefine as
pessoas como três centros de consciência/vontade, redefine as pessoas de acordo com suas
relações (foco na mutualidade, interação social) e redefine a unidade como relações interpessoais
de amor entre pessoas (redefinição de pericorese). A TS destrói a Trindade imanente e
econômica, coloca o Oriente contra o Ocidente e trata a Trindade social como um paradigma
para a teoria social (eclesiologia, política, gênero). A TS foi adotada por teólogos modernos, mas
é um abandono/revisão da ortodoxia nicena.
triteísmo Crença em três deuses. Ninguém afirma ser triteísta, mas alguém pode ser culpado do
triteísmo em virtude de uma ênfase exagerada nas pessoas ou de uma redefinição de pessoa em
categorias modernas. O trinitarismo social foi acusado de triteísmo porque afirma que existem
três centros de consciência e vontade em Deus (os ingredientes do triteísmo). Os trinitaristas
sociais negam que a sua posição conduza ao triteísmo.
unívoco O mesmo significado, idêntico a outra coisa. Se aplicado ao conhecimento de Deus,
podemos conhecer Deus como ele é em si mesmo, em sua essência. O teísmo clássico rejeita o
conhecimento unívoco de um Deus infinito e incompreensível. Compare com ANALÓGICO;
EQUÍVOCO.
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Webster, John e George P. Schner, org. Theology After Liberalism: Classical and Contemporary Readings. Oxford:
Blackwell, 2000.
Wellum, Stephen J. God the Son Incarnate: The Doctrine of Christ. Foundations of Evangelical Theology. Wheaton:
Crossway, 2016.
White, Thomas Joseph. “Divine Simplicity and the Holy Trinity”. Emternational Journal of Systematic Theology 18, no. 1
(2016): 66-93.
________. “Intra-Trinitarian Obedience and Nicene-Chalcedonian Christology.” Nova et Vetera 6, no. 2 (2008): 377–402.
Whitfield, Keith S., org. Trinitarian Theology: Theological Models and Doctrinal Application. Nashville: B&H Academic,
2019.
Williams, Rowan. Arius: Heresy and Tradition. Rev. org. Grand Rapids: Eerdmans, 2002.
Yeago, David S. “The New Testament and the Nicene Dogma: A Contribution to the Recovery of Theological Exegesis”. Em
The Theological Interpretation of Scripture: Classic and Contemporary Readings, Organizado por Stephen E. Fowl. Malden,
MA: Wiley-Blackwell, 1997.
Zizioulas, John D. Being as Communion. Crestwood, NY: St Vladimir’s Seminary Press, 1985.

[1]
Huey Lewis and the News é uma banda estadunidense que esteve em atividade principalmente entre os anos 1980 e 1990. O
texto refere-se a música Back in Time, lançada em 1985. [N. do T.]
[2]
Consulte o capítulo 8 e veja também Grudem, Systematic Theology (1994), 245, 251; (2000) apêndice 6 (cf. capítulo 14);
Erickson, Systematic Theology, 308 (na segunda edição, a geração eterna está totalmente ausente!); Erickson, Who’s Tampering
with the Trinity?, 179-84, 251; Erickson, God in Three Persons, 309-10; Feinberg, No One Like Him, 112-14; 490-91, 498;
Reymond, New Systematic Theology, 325-26, 335; Craig e Moreland, Philosophical Foundations, 593. Veja também tratamentos
populares como os de Mark Driscoll e Gerry Breshears, Doctrine: What Christians Should Believe (Wheaton: Crossway, 2010),
27-28. Outros, tais como John Frame, aceitam a doutrina, mas não acriticamente, desconfiando que estamos apenas brincando
com as palavras. Veja Frame, Doctrine of God, 707-14.
[3]
Depois de analisar minha coleção, li Rethinking the Trinity and Religious Pluralism, de Keith Johnson, apenas para descobrir
que ele havia narrado o que eu estava vivenciando. Não sou o único nesta jornada! Consulte Johnson para uma pesquisa de
fontes.
[4]
O termo faz referência ao jogador que alcança sucesso em um momento crítico do jogo. [N. do T.]
[5]
O Hail Mary seria o nosso equivalente do Tudo ou Nada. Refere-se a uma jogada com baixa probabilidade de sucesso em um
momento decisivo. [N. do T.]
[6]
Holmes, Listening to the Past, 13.
[7]
Esta frase “crerá simplesmente” é de Boaventura, The Tree of Life, em Bonaventure, 126 (1); conforme citado em Swain,
Retrieving Eternal Generation, 42.
[8]
Para o que segue, consulte Ário, “Arius’s Letter to Eusebius of Nicomedia”, em William G. Rusch, org., The Trinitarian
Controversy, 29-30; Ário, “Arius’s Letter to Alexander of Alexandria”, 31-32; Ário, “Arius’s Letter to the Emperor Constantine”,
61; Ário, Thalia, em John Behr, Formation of Christian Theology, 2.1:140-41. Cf. Atanásio, Defence of the Nicene Definition 3.6
(NPNF2 4:154). Acerca de como o debate evoluiu, veja Hanson, The Search for the Christian Doctrine of God, 134-35;
Williams, Arius, 48-61; Ayres, Nicaea, 15-20, 55.
[9]
Dünz, Trinity in the Early Church, 42.
[10]
É comum atribuir as conclusões de Ário a Orígenes. Mas Ayres dá razões teológicas e históricas pelas quais isso é
“implausível” (Nicaea and Its Legacy, 21).
[11]
Dünz, Trinity in the Early Church, 43.
[12]
Veja Anatolios, Retrieving Nicaea, 17. Para os Pais Nicenos, afirmar a unidade da natureza não quer dizer que a geração seja
contra a vontade de Deus, como se o Pai gerasse o seu Filho sem querer. Em vez disso, afirmar a geração como um ato da
natureza divina exclui a crença ariana de que ela é um produto da mera vontade, como se o Filho fosse uma criatura, externa à
vontade do Pai e apenas um efeito. “O ato de geração do Pai é uma obra de sua natureza, e somente num sentido cuidadosamente
específico pode ser chamado de obra de sua vontade. A criação é uma obra da vontade de Deus, na medida em que não é
intrínseco à essência de Deus ser criador. A geração, por outro lado, é intrínseca às propriedades e relações pessoais que
constituem a essência de Deus... Uma forma de o dizer isto é que a geração ocorre “necessariamente”; mas ‘necessariamente’ não
contradiz ‘voluntariamente’, mas especifica a operação da vontade divina não como ‘liberdade de indiferença’, mas como
‘espontaneidade’, ação de acordo com a natureza, mas não desprovida de liberdade” (Webster, God Without Measure, 34; cf. 89).
[13]
Os apoiadores incluíam Eusébio de Nicomédia, Eusébio de Cesareia e Astério; ficaram conhecidos como os Eusébios.
[14]
“O Símbolo Niceno (325)”, em Henrich Denzinger e Peter Hünermann. org., Compêndio dos símbolos, definições e
declarações de fé e moral, 50-51.
[15]
Veja Ayres, Nicaea and Its Legacy, 90; Anatolios, Retrieving Nicaea, 15-31.
[16]
Basílio de Cesareia, Contra Eunômio 2.25.
[17]
Barnes, “The Fourth Century as Trinitarian Canon”, 51-62, explica que Ário não foi o foco principal depois de Nicéia.
[18]
Para uma visão geral de todas as quatro linhas, veja Fairbairn e Reeves, The Story of Creeds, 67; Dünz, Trinity in the Early
Church, 87-115; Smith, “The Trinity in the Fourth-Century Fathers”, 109-22.
[19]
Eles disseram que o Filho era totalmente “diferente” (anhomoios) em essência, e é por isso que esse grupo era às vezes
chamado de anomeus; também eram chamados de heterossianos. Representantes: Aécio e Eunômio; foram às vezes chamados de
eunômios. Dünz, Trinity in the Early Church, 89; Ayres, Nicaea and Its Legacy, 144-49, 198.
[20]
Grego: Homoios kat’ energeian
[21]
Dünz, Trinity in the Early Church, 90–91; Ayres, Nicaea and Its Legacy, 149-53
[22]
Grego: Homoios kat’ ousian. Representantes: Basílio de Ancira; Jorge de Laodicea.
[23]
Leituras contra revisionistas da simplicidade; e.g., Frame, The Doctrine of God, 229.
[24]
Holmes, The Quest for the Trinity, 95.
[25]
Atanásio, Defence of the Nicene Definition 5.11 (NPNF2 4:157). Para a definição de simplicidade de Atanásio, veja 5.22
(NPNF2 4:165).
[26]
Ibid., 5.11 (NPNF2 4:157).
[27]
Ibid., 5.19 (NPNF2 4:163).
[28]
Ibid., 5.23 (NPNF2 4:166). Atanásio também apela à simplicidade em seu Letters to Serapion on the Holy Spirit 1.2.4;
1.16.4-7; 1.17.4; 1.20.4; 1.28.2; 1.30.3; 1.32.1-6.
[29]
Basílio de Cesareia, Contra Eunômio 2.30.
[30]
E.g., Plantinga, Does God Have a Nature?; Feinberg, No One Like Him, 326-27; Moreland e Craig, Philosophical
Foundations for a Christian Worldview, 524. Para uma crítica, veja Dolezal, All That Is in God.
[31]
Gregório de Nazianzo, Theological Orations 4.12 (NPNF2 7:314).
[32]
Ibid., 4.12 (NPNF2 7:314).
[33]
Ibid., 5.14; 5.16 (NPNF2 7:322-33). E Basílio de Cesareia: as pessoas são iguais porque existe uma “identidade de poder”
entre elas; “poder e substância são a mesma coisa” (Contra Eunômio 2.32; 2.23).
[34]
Ayres, Nicaea and Its Legacy, 296-97, 358.
[35]
Gregório de Nissa, On the Holy Trinity; Gregório de Nazianzo, Theological Orations; Basílio de Cesareia, Contra Eunômio
2.34; cf. Ayres, Nicaea and Its Legacy, 245, 280.
[36]
Ayres, Nicaea and Its Legacy, 245, 280.
[37]
Veja o relato de Sozomen logo após Nicéia em Ayres, Nicaea and Its Legacy, 101. Depois de Nicéia, muita controvérsia
girou em torno de Marcelo de Ancira e das acusações de sabelianismo; Constantinopla escolheu uma linguagem que se
diferenciava da de Marcelo. Veja Barnes, “The Fourth Century as Trinitarian Canon”, 50-53.
[38]
Alguns decidiram escrever seus próprios credos. Exemplos incluem o Dedication Creed (341), o credo de Sárdica (343) e o
Credo de Macrostich/Fórmula Longa (344). Veja Fairbairn e Reeves, The Story of Creeds, 64, que dizem que o credo de Sárdica
não foi um substituto para Nicéia, apenas uma exposição.
[39]
Turretini diz: “Assim é possível dizer que a pessoa difere da essência, não realmente (realiter), isto é, essencialmente
(essentialiter) como coisa e coisa, mas modalmente (modaliter) — como um modo procedente da coisa (modus a re)”
(Compêndio de teologia apologética, 1:366). “Um ‘modo de subsistência’ ou ‘modo de existência’... ‘é uma relação inerente à
existência de Deus’” (Muller, PRRD, 4:184). Por esta razão, as distinções entre pessoas são “distinções modais” (4:190-91). Não
pode haver “nenhuma distinção real entre as três pessoas e a essência divina, como se a essência fosse uma coisa (res) e as três
pessoas fossem uma outra coisa, pois Deus é um ser simples ou não composto. Em vez disso, as pessoas são racional ou
conceitualmente (ratione) distintas, não apenas na mente do conhecedor finito, mas in ipsa re, isto é, na Divindade ou na própria
essência divina” (4:191). Uma ressalva: por “modal” não queremos dizer o mesmo que a heresia do sabelianismo. Com a
ortodoxia, “modal” refere-se a Deus ad intra, enquanto com o sabelianismo refere-se a Deus ad extra, o que Muller chama de
“modos de autoapresentação”. “Como observam os ortodoxos reformados, os sabelianos não defendiam uma distinção modal
entre as pessoas na Divindade, mas sim uma distinção puramente racional de pessoas em sua manifestação externa ou papel,
juntamente com uma insistência de que as pessoas não eram distintas ad intra” (Muller, PRRD, 4:194). Veja também Webster,
God Without Measure, 87-88; Dolezal, “Trinity, Simplicity and the Status of God’s Personal Relations”, 79-98.
[40]
Às vezes, a Grande Tradição também se refere a “relações de oposição”.
[41]
Para sermos técnicos, as propriedades pessoais são uma expressão de relações eternas de origem; veja Tomás de Aquino,
Summa 1a.40.2.
[42]
Gregório de Nissa, On “Not Three Gods” (NPNF2 5:336).
[43]
Gregório de Nissa, On the Faith to Simplicius (NPNF2 5:339). Cf. Gregório de Nissa, Contra Eunômio 1.22 (NPNF2 5:94).
[44]
Atanásio, Against the Arians 1.9.29 (NPNF2 4:324), ênfase adicionada. Cf. Atanásio, Defence of the Nicene Definition 5.19
(NPNF2 4:162–63); Letters to Serapion on the Holy Spirit 2.5.2; 2.6.1.
[45]
Ibid., 3.62 (NPNF2 4:427).
[46]
Gregório de Nissa, Contra Eunômio 1.39 (NPNF2 5:94).
[47]
Agostinho, A Trindade 15.47. Veja também Hilário de Poitiers, Tratado sobre a Santíssima Trindade 11.25 (NPNF2 9:224);
cf. 9:27 (NPNF2 9:164). Hilário chama o Pai de a “fonte do ser de seu [do Filho]”.
[48]
Anselmo, Monologion 45, em Works, 58; Tomás de Aquino, Summa Theologiae 1a.41.5; Turretini, Institutes 1:272 (cf.
1:292-93).
[49]
Para deixar claro, não é a essência que gera, como se ela fosse uma quarta pessoa. Em vez disso, o Pai gera seu Filho, mas o
faz a partir de sua essência divina, garantindo que o Filho seja uma subsistência da mesma essência divina que ele. Tomás de
Aquino, Summa 1a.41.3-5; Hilário de Poitiers, Tratado sobre a Santíssima Trindade 7.28, 7.31 (NPNF2 9:131); van Mastricht,
Theoretical-Practical Theology, 2:503, 533-34
[50]
Dünz, Trinity in the Early Church, 107.
[51]
Gregório de Nazianzo, On God and Christ 4.31.28 (p. 139).
[52]
Frases como “da ousia do Pai” e “Deus de Deus” estão ausentes. Os Pais mudaram de ideia a respeito dessas frases? Não. Os
mesmos conceitos ainda estão presentes no credo de 381 quando diz que o Filho é Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, Luz de
Luz, e homoousios com o Pai devido à sua geração eterna do Pai. Então, por que abandoná-las? Sem a ata da reunião é difícil
identificar o motivo exato, mas alguns historiadores acham que os Pais queriam encurtar o credo para que fosse mais amigável
para a liturgia e o culto. A pragmática, e não a teologia, foi provavelmente o motivo. Outros acreditam que a frase foi abandonada
porque homoousios comunicava a mesma ideia de qualquer maneira. Veja Fairbairn e Reeves, The Story of Creeds, 63, 75.
Independente disso, os Pais Nicenos reiteraram o conceito de inúmeras maneiras, desde a ousia do Pai, ao longo de suas obras,
assim como a Grande Tradição que se seguiu. Veja Hanson, The Search, 817; Ayres, Nicaea and Its Legacy, 256-57.
[53]
Charles Dickens, Uma canção de Natal, p. 45, 46.
[54]
Ayres, Nicaea and Its Legacy, 7, ênfase adicionada.
[55]
G. E. Lessing, “On the Proof of the Spirit and Power”, em Lessing’s Theological Writings, 55.
[56]
E.g., Søren Kierkegaard (1813-1855). Veja seu Pós-escritos às migalhas filosóficas, 2 vols. (São Paulo: Vozes, 2013).
[57]
Schleiermacher, The Christian Faith, 745. Cf. On Religion: Speeches to Its Cultured Despisers.
[58]
Ibid., 738.
[59]
Ibid.
[60]
Ibid., 739.
[61]
Ibid., 741.
[62]
Ibid.
[63]
Ibid., 743.
[64]
Ibid., 750.
[65]
Ibid., 749.
[66]
Albrecht Ritschl, The Christian Doctrine of Justification and Reconciliation. Para uma visão mais extensa a respeito de
Ritschl e Rauschenbusch, consulte Olson e Hall, The Trinity, 93-96.
[67]
Walter Rauschenbusch, A Theology for the Social Gospel.
[68]
Rahner, The Trinity, 17.
[69]
Ibid., 18.
[70]
Ibid., 69.
[71]
Ibid., 22. Ênfase removida.
[72]
Os que propõem uma identidade estrita entre imanente e econômico incluem Catherine LaCugna, Jürgen Moltmann, Robert
Jenson, Eberhard Jüngel e Wolfhart Pannenberg. Outros, que apenas estão dispostos a dizer que a economia é imanente (e não
vice-versa), incluem Paul Molnar, Walter Kasper, Thomas Weinandy, Thomas Torrance, David Coffey e Hans Urs von
Balthasar. Veja Johnson, Rethinking the Trinity and Religious Pluralism, 66 n.3; Sanders, The Image of the Immanent Trinity;
Sanders, The Triune God, 152; Jowers, Karl Rahner’s Trinitarian Axiom.
[73]
Rahner, The Trinity, 24 (cf. 120).
[74]
LaCugna, God for Us, 6.
[75]
Ibid., 354. Veja a resposta em Webster, God Without Measure, 40.
[76]
Moltmann, The Trinity and the Kingdom, 21-60, 160; Moltmann, The Crucified God. Respondi a Moltmann em None
Greater.
[77]
Moltmann, The Trinity and the Kingdom, 139.
[78]
Ibid., viii.
[79]
Ibid., 144; para sua crítica a Rahner, veja 144-48.
[80]
Ibid., 149.
[81]
Ibid., 16; cf. 77-79. Moltmann apela ao Oriente; outros seguem seu exemplo: Jenson, Gunton, Pannenberg, LaCugna,
McClendon, Brown, Placher, Coffey. Mas veja a crítica de Ayres, Nicaea and Its Legacy, cap. 16.
[82]
Ibid., 18.
[83]
Ibid., viii, ênfase original.
[84]
Ibid., 197.
[85]
Ibid., viii. Acerca da Igreja, veja 202.
[86]
Ibid., viii e 193 (cf. 164). Veja também Leonardo Boff, A Trindade e a sociedade, 6.ª ed. (Rio de Janeiro: Vozes, 2014), 262
ss.
[87]
Ibid., 108.
[88]
Ibid., 198 (cf. 217). Moltmann então apela ao zimzum, um conceito panenteísta, para dizer que sua Trindade social está
“aberta” ao mundo, um conceito finalmente cumprido na encarnação. (19, 64, 90, 99, 106-21).
[89]
Veja Volf, “The Trinity Is Our Social Program”, 403-23. Consulte também Volf, Exclusão e abraço: uma reflexão teológica
sobre identidade, alteridade e reconciliação (São Paulo: Mundo Cristão, 2021), 52; Volf, “Being as God Is: Trinity and
Generosity”, em Volf e Welker, org., God’s Life in Trinity, 3-12.
[90]
Volf, After Our Likeness, 191.
[91]
Zizioulas, Being as Communion.
[92]
Boff, A Trindade e a sociedade, 347.
[93]
Ibid., 181, ênfase adicionada. Para ser preciso, Boff está descrevendo a noção de pessoa “para os modernos”. Mais tarde, ele
diz que está propondo “um novo ponto de partida”. No entanto, ele ainda opera dentro desta revisão moderna de “pessoa”, por
mais “nova” que seja a sua própria visão.
[94]
Ibid., 181.
[95]
Ibid., 184.
[96]
Ibid., 187.
[97]
Ibid.
[98]
Ibid., 188, 189 (em acordo com Moltmann).
[99]
Ibid., 189 (cf. 204).
[100]
Ibid., 209 (cf. sua pericorese social, 210 ss.).
[101]
Ibid., 217.
[102]
Ibid., 227.
[103]
Ibid., 233.
[104]
Ibid., 234.
[105]
Ibid.
[106]
Ibid., 235.
[107]
Ibid., 244.
[108]
Ibid., 252.
[109]
Ibid. Boff também combina a geração eterna com a libertação do mundo da opressão (p. 341).
[110]
Boff, Holy Trinity, Perfect Communion, xv.
[111]
Também conhecida como teologia pós-liberal. Representada por Frei, The Identity of Jesus Christ; Frei, The Eclipse of
Biblical Narrative.
[112]
Estou pintando com traços muito amplos. Para mais informações, consulte John Webster e George P. Schner, orgs.,
Theology After Liberalism. Consulte também representantes diferentes, como George A. Lindbeck e William C. Placher.
[113]
Jenson, The Triune Identity, 22.
[114]
Jenson, ST, 1:212.
[115]
Ibid., 1:64.
[116]
Jenson, The Triune Identity, 126.
[117]
Jenson, ST, 2:99.
[118]
Swain, The God of the Gospel, 85.
[119]
Veja Jenson, The Triune Identity, 125. Além de Jenson, Bruce L. McCormack nega que exista uma “lacuna metafísica” entre
o imanente e o econômico. (“Graça e ser”, em John Webster, org. (Campinas: Aldersgate, 2023), 155-182. Para uma resposta,
consulte Duby, God in Himself, 48-57.
[120]
E.g., Richard Swinburne, Stephen Davis, Edward Wierenga e Peter van Inwagen. Outros filósofos se opõem ao trinitarismo
social: Sarah Coakley, Michael Rae, Brian Leftow, Jeffrey Brower, Daniel Howard-Snyder, Keith Yandell.
[121]
Plantinga, “Social Trinity and Tritheism”, 22. Cf. Thompson e Plantinga, “Trinity and Kenosis”, em Stephen Evans, ed.,
Exploring Kenotic Christology, 179.
[122]
Plantinga, “Social Trinity and Tritheism”, 27.
[123]
Ibid., 43.
[124]
Qualquer afirmação modesta deve ser uma “subteoria”. Ibid., 22.
[125]
Moreland e Craig, Filosofia e cosmovisão cristã (São Paulo: Vida Nova, 2005), 705.
[126]
Craig, “Trinity Monotheism Once More”, 101. Cf. Craig, “Toward a Tenable Social Trinitarianism”, 89-99.
[127]
Moreland e Craig, Filosofia e cosmovisão cristã, 716.
[128]
Para o que segue, veja Grenz, Theology for the Community of God, caps. 2, 3 e 13. Veja também Grenz, The Named God
and the Question of Being; Grenz, The Social God and the Relational Self.
[129]
Antes da morte inesperada de Grenz, ele suavizou o seu trinitarismo social, até mesmo afastou-se de outros trinitaristas
sociais, mesmo assim manteve uma visão relacional da Trindade. Grenz parecia desencantado com Colin Gunton e criticou John
Zizioulas. Sexton acredita que é melhor categorizar Grenz como um “inovador trinitário” do que um trinitarista social por essa
razão. Veja Sexton, “Beyond Social Trinitarianism”, 473-86.
[130]
E.g., Johnson, She Who Is; Wilson-Kastner, Faith, Feminism and the Christ; LaCugna, God for Us. Para uma crítica, veja
Coakley, “‘Persons’ in the ‘Social’ Doctrine of the Trinity”, 123-44; Tanner, “Social Trinitarianism and Its Critics”, 368-86.
[131]
Levering, Scripture and Metaphysics, 236.
[132]
Kilby, “Perichoresis and Projection”, 444. Levering, no entanto, questiona se a solução de Kilby escapa às suas próprias
críticas.
[133]
Holmes, The Quest for the Trinity, xv, xvi.
[134]
Ibid., 2.
[135]
Isaías 40.3.
[136]
João 1.29-30, 34.
[137]
Mateus 3.14.
[138]
Mateus 3.15.
[139]
Mateus 3.16-17.
[140]
Deuteronômio 6.4.
[141]
Lucas 20.41-43.
[142]
Salmo 109.3 LXX; Bates, The Birth of the Trinity, 53 (cf. 62).
[143]
2 Samuel 7.
[144]
Isaías 53.
[145]
João 19.30.
[146]
João 16.7-13.
[147]
Atos 2:14-36.
[148]
Atos 2.34-35; cf. Salmo 110.1.
[149]
Atos 2.38.
[150]
Mateus 28.19-20.
[151]
Warfield, “The Biblical Doctrine of the Trinity”, em Biblical and Theological Studies, 33.
[152]
Kevin Vanhoozer, O drama da doutrina (São Paulo: Vida Nova, 2016), 59-60. Outros dizem o mesmo: Johnson, Rethinking
Trinity, 216; Sanders, The Deep Things of God, 9-10; Emery, The Trinity, ix.
[153]
Sanders, The Deep Things of God, 14. Contra uma abordagem de compilação de texto prova, consulte 33-36, 43. Veja
também 38 para tratamentos pietistas e racionalistas.
[154]
Basílio de Cesareia, Letter 26.3, citado em Emery, 11. Veja também Irineu de Lião, On the Apostolic Preaching 7, trad. John
Behr (Crestwood, NY: St. Vladimir’s Seminary Press, 1997), 44.
[155]
“[O] modo de operar imita a maneira de subsistir” (Peter van Mastricht, Theoretical-Practical Theology, 2:505).
[156]
Warfield, A doutrina bíblica da Trindade (Brasília, DF: Monergismo, 2024).
[157]
Bavinck, Reformed Dogmatics, 2:261.
[158]
João 15.26; 2 Co 13.14; 1 João 5.1-12. Bavinck, Reformed Dogmatics, 2:269.
[159]
Barrett, Canon, Covenant, and Christology.
[160]
Barrett, God’s Word Alone; Barrett, Canon, Covenant, and Christology.
[161]
Warfield, A doutrina bíblica da Trindade, 142.
[162]
Os escolásticos reformados defenderam este ponto, especialmente John Owen. Veja Muller, PRRD, 4:216.
[163]
Acerca da Trindade e da revelação geral, veja Tomás de Aquino, Suma 1a.32.1; 1a.39.7; Turretini, Compêndio de teologia
apologética,1:266; Muller, PRRD, 4:165; Swain, “Divine Trinity”, 82.
[164]
Rahner, The Trinity, 24.
[165]
Rahner, Theological Investigations, 4:98.
[166]
A crítica seguinte deve-se a Emery, The Trinity, 177, embora meus pontos não sejam exatamente paralelos aos dele e às
vezes se concentrem mais na Revelação.
[167]
Giles, The Eternal Generation of the Son, 224, apresenta esse ponto contra Feinberg, No One Like Him, 448-98; Erickson,
God in Three Persons, 309-10; Erickson, Who’s Tampering with the Trinity?, 179-84. Uma observação semelhante é feita por
Marshall, “The Unity of the Triune God: Reviving an Ancient Question”, 14-15.
[168]
Emery, The Trinity, 177.
[169]
Os teólogos mais antigos usavam os termos teologia e economia, processões e missões.
[170]
Gill, Body of Divinity, 141.
[171]
Ibid., 142.
[172]
Agostinho, A Trindade 4.29, 174. Cf. Johnson, Rethinking the Trinity, 75.
[173]
Ibid.
[174]
Johnson, Rethinking the Trinity, 75-76.
[175]
Basílio de Cesareia, Contra Eunômio, 2.14-15.
[176]
As citações seguintes são de João 10.22-42.
[177]
Agostinho, A Trindade 1.18b.
[178]
Para uma visão clássica da pericorese, consulte Hilário de Poitiers, Tratado sobre a Santíssima Trindade 3.4; Tomás de
Aquino (citando Hilário), Summa 1a.42.6; João de Damasco, The Orthodox Faith 8 (NPNF2 9:10).
[179]
Tomás de Aquino, Suma teológica 1a.30.4.
[180]
Tertuliano, Against Praxeas 25 (ANF 3:621).
[181]
Emery, The Trinity, 7.
[182]
Gregório de Nissa, Contra Eunômio 1.26 (NPNF2 5:71). Cf. Gregório de Nissa, On the Holy Spirit, 5:324.
[183]
R. Kendall Soulen, “Generatio, Processio Verbi, Donum Nominis”, 135.
[184]
Veja também João 20.28.
[185]
Hilário de Poiters, Tratado sobre a Santíssima Trindade 9.61.
[186]
Ricardo de São Vitor, Tratados sobre a Santíssima Trindade 1.25.
[187]
Os Pais patrísticos e medievais o chamavam de ato puro por esse motivo.
[188]
Gregório de Nazianzo, Sobre Deus e Cristo 3.29.2 (p. 70).
[189]
Mian ousian, treis hypostaseis (Turretini, Compêndio de teologia apologética, 338).
[190]
Santo Agostinho, A Trindade 7.11.
[191]
Ibid. (cf. 7.12).
[192]
Este programa é classificado como adulto, então use discrição.
[193]
João de Damasco, Exposition of the Orthodox Faith 8 (NPNF2 9:10).
[194]
Owen, Brief Vindication, in Works 2:407. Também Dolezal, “Trinity, Simplicity and the Status of God’s Personal
Relations”, 94.
[195]
Agostinho, A Trindade 8.2.
[196]
Ibid.
[197]
Tomás de Aquino, Suma 1a.42.4. Também Dolezal: “O Pai é totalmente divino, mas a divindade não é totalmente o Pai, e
assim por diante para o Filho e o Espírito” (“Trinity, Simplicity and the Status of God’s Personal Relations”, 95).
[198]
Anselmo, Sobre a processão do Espírito Santo, 396.
[199]
Gregório de Nissa, Sobre “Não três Deuses” (NPNF2 5:331-32).
[200]
Muller, PRRD, 4:211.
[201]
Ibid.
[202]
Leigh, Treatise 2.16 (p. 128); citado em Muller, PRRD, 4:212.
[203]
Ursino, Commentary, 130; Muller, PRRD, 4:326.
[204]
Emery, The Trinity, 126.
[205]
João de Damasco, Exposição da fé ortodoxa 8 (NPNF2 9:10).
[206]
Duby, Divine Simplicity, 214-15.
[207]
Tomás de Aquino, Suma 1a.39.3.
[208]
Ibid., 1a.31.1; Turretini, Compêndio de teologia apologética, 264.
[209]
Anselmo, Sobre a Encarnação da Palavra 4 (The Major Works).
[210]
Gill, Body of Divinity, 128.
[211]
Ibid.
[212]
Turretini, Compêndio de teologia apologética, 392.
[213]
Owen, Works 19:87 (cf. 9:87-88; 12:497). Também Swain, The God of the Gospel, 159.
[214]
Witsius, Exercitationes, 6.2; citado em Muller, PRRD, 4:258.
[215]
E.g., Basílio de Cesareia, Contra Eunômio, 2.14.
[216]
João de Damasco, Exposição da fé ortodoxa 8 (NPNF2 9:10).
[217]
Tomás de Aquino, Suma 1a.42.1.
[218]
Gill, Body of Divinity, 129.
[219]
“Símbolo pseudo-atanasiano”, em Henrich Denzinger e Peter Hünermann, org., Compêndio dos símbolos, definições e
declarações de fé e moral, 40-41. Ênfase acrescentada.
[220]
“Nem dividindo o ser divino”, na versão do autor. [N. do R.]
[221]
Mateus 16.13-23.
[222]
Zípora está relatando Mateus 17.1-8.
[223]
2 Pedro 1.16-21.
[224]
Basílio de Cesareia, Contra Eunômio 1.15-16.
[225]
Tomás de Aquino, Suma 1a.29.4 (cf. 1a.40.1-3). Cf. Gregório de Nissa, Contra Eunômio 2.9 (NPNF2 5:114); 10.3 (NPNF2
5:224); Anselmo, Sobre a processão do Espírito Santo, 434: João de Damasco, Exposição da fé ortodoxa 2 (NPNF2 9:2); 8
(NPNF2 9:8); Turretini, Compêndio de teologia apologética, 1:266 (cf. 270-71).
[226]
Por que Tomás não usa “causa”? “Os Gregos aplicam a Deus, indiferentemente os nomes de causa e de princípio, mas os
Doutores latinos são usam do nome de causa, mas só do de princípio. E a razão é que princípio é mais que causa, como causa o é
mais que elemento” (Tomás de Aquino, Suma 1a.33.1). Emery afirma que “causa”, ou aitia, era usada no Oriente, mas “os
teólogos latinos preferem usar o termo ‘Princípio’ (principium) porque... a palavra ‘causa’ conota uma dependência e uma
inferioridade do efeito em relação à sua causa, enquanto a palavra ‘princípio’ é mais clara” (The Trinity, 112). Entretanto, Emery
dá razões para manter a palavra. “No entanto, dado o uso dos Pais Gregos, a Igreja Católica acolhe ambas as palavras: causa ou
princípio. A paternidade não implica a prioridade do Pai ou uma hierarquia na Trindade, mas apenas a relação segundo a qual ele
é o princípio do Filho” (The Trinity, 114). Para ver como “causa” pode ser usada de uma forma que não implique inferioridade,
veja Hilário de Poitiers, Tratado sobre a Santíssima Trindade 4.21 (NPNF2 9:77). Mas Hilário tem limitações: ele descreve a
causalidade como uma impossibilidade se por causalidade se inferir um tipo de criação. Por essa razão, o nascimento eterno do
Filho não pode ser associado à criação; veja 12.42 (NPNF2 9:229).
[227]
Tomás de Aquino, Commentary on the Sentences, Bk. IV, dist. 15, q. 4, a. 5, questiúncula 3; citado em Emery, The Trinity,
118 n.9. Cf. Tomás de Aquino, Suma 1a.39.5.
[228]
Tomás de Aquino, Suma 1a.40.4. Em outro lugar, Tomás define geração como “a processão da Pessoa divina para a natureza
divina” (1a.43.2).
[229]
Benedict Pictet, Theologia Christiana 2.17.2; citado em Muller, PRRD, 4:287.
[230]
A geração eterna é o “ato pessoal e eterno de Deus Pai, pelo qual ele é a origem da subsistência pessoal do Deus Filho,
comunicando assim ao Filho a única essência divina indivisa” (Webster, God Without Measure, 30). Mark Makin descreve três
tipos de geração: causal, basilar e dependência essencial; veja Makin, “Philosophical Models of Eternal Generation”, em Sanders
e Swain, org., Retrieving Eternal Generation, 243-59.
[231]
Webster, God Without Measure, 31.
[232]
Ibid,. 67.
[233]
Gill, Body of Divinity, 144.
[234]
Gregório de Nissa, Contra Eunômio 1.39 (NPNF2 5:94).
[235]
Ibid., 1.26 (NPNF2 5:71).
[236]
Atanásio, Contra os arianos 1.6.17 (NPNF2 4:316).
[237]
Agostinho, Contra Maximino 2.14, como citado em Tomás de Aquino, Suma 1a.42.3, ênfase adicionada. Também Ricardo
de São Vitor, Tratado da Santíssima Trindade 5.7.
[238]
Webster, God Without Measure, 36.
[239]
Atanásio, Contra os arianos 1.6.20 (NPNF2 4:318).
[240]
Ibid., 1.6.21 (NPNF2 4:319).
[241]
Gregório de Nissa, Sobre o Espírito Santo (NPNF2 5:317). Também Turretini, Compêndio de teologia apologética, 1:293.
[242]
Gill, Body of Divinity, 146.
[243]
Basílio de Cesareia, Contra Eunômio 1.11.
[244]
Leigh, Treatise, 2.16 (pp. 128-29); citado em Muller, PRRD, 4:186.
[245]
Forbes, Instructiones hist. 1.33.1, 3; citado em Muller, PRRD, 4:170.
[246]
Emery, The Trinity, 120.
[247]
Atanásio, Contra os arianos 1.5.15 (NPNF2 4:315).
[248]
Turretini, Compêndio de teologia apologética, 1:340-41.
[249]
Ibid., 1:382-384.
[250]
Atanásio, Contra os arianos 1.5.15 (NPNF2 4:315); Tomás de Aquino, Suma 1a.41.3.
[251]
Tomás de Aquino, Suma 1a.41.3. Cf. Hilário, Tratado sobre a Santíssima Trindade 6.13 (NPNF2 9:102).
[252]
Ibid., 1a.41.3, ênfase adicionada. Para um ponto semelhante, veja Hilário de Poitiers, Tratado sobre a Santíssima Trindade
6.12 (NPNF2 9:103).
[253]
Hilário de Poitiers, Tratado sobre a Santíssima Trindade 3.23 (NPNF2 9:69); cf. 4.4 (NPNF2 9:72).
[254]
Ibid., 11.12 (NPNF2 9:207), ênfase adicionada.
[255]
Tomás de Aquino, Suma 1a.41.3.
[256]
Hilário de Poitiers, Tratado sobre a Santíssima Trindade 6.35 (NPNF2 9:111).
[257]
Ibid.
[258]
Ibid., 6.35 (NPNF2 9:111).
[259]
Ibid., 7.2 (NPNF2 9:118); cf. 9.30 (NPNF2 9:165). Veja também Tomás de Aquino, Suma 1a.41.3.
[260]
Turretini, Compêndio de teologia apologética, 1:393.
[261]
Hilário de Poitiers, Tratado sobre a Santíssima Trindade 5.37 (NPNF2 9:96).
[262]
Gregório de Nazianzo, Sobre Deus e Cristo 3.29.3 (p. 71). Mais tarde, Gregório dirá que a ilustração falha se for pressionada
demais, porque com um raio de sol há movimento, e com movimento há mudança. Veja 4.31.32-33 (p. 142). Também Gregório
de Nissa, Contra Eunômio 8.1 (NPNF2 5:202); Tomás de Aquino, Suma 1a.27.1.
[263]
Swain, “Divine Trinity”, 99, ênfase adicionada na primeira citação.
[264]
Ibid., 100. Cf. Emmanuel Durand, “A Theology of God the Father”, em Emery e Levering, org., Oxford Handbook of the
Trinity, 382.
[265]
Se a tradição usa a palavra “prioridade”, é apenas em termos de ordem, não de tempo ou superioridade. Veja Gill, Body of
Divinity, 145.
[266]
Gregório de Nazianzo, Sobre Deus e Cristo 4.31.14 (p. 127). François Turretini complementa: “As propriedades pelas quais
são mutuamente distinguidas não constituem graus desiguais (embora possam designar sua ordem como modos diversos de
subsistir). Por isso nem a essência é dividida nas pessoas, nem são as pessoas separadas da essência, porém são tão distintas que
uma não pode ser a outra”. Turretini, Compêndio de teologia apologética, 1:351–52.
[267]
Agostinho, Comentário a São João, Homilias 1-49, 1.12. Cf. Basílio de Cesareia, Contra Eunômio, 1.8.
[268]
Atanásio, Contra os arianos 1.10.36 (NPNF2 4:327). Cf. Atanásio, Defesa da definição nicena 3.13 (NPNF2 158).
[269]
Gregório de Nazianzo, Sobre Deus e Cristo 3.29.4 (p. 72).
[270]
As implicações para o Pai também seriam desastrosas: veja João de Damasco, Exposição sobre a fé ordotoxa 8 (NPNF2
9:7).
[271]
João de Damasco, Exposição sobre a fé ordotoxa 8 (NPNF2 9:7).
[272]
Ibid.
[273]
A “geração do Verbo não é um ato que atualiza uma potência, mas é um ato perfeito gerador de perfeição” (Levering,
Scripture and Metaphysics, 156).
[274]
Acerca da natureza impassível da geração, veja Atanásio, Contra os arianos 1.8.28 (NPNF2 4:322); Atanásio, Defesa da
definição nicena 3.11 (NPNF2 4:157); Basílio de Cesareia, Contra Eunômio, 2.5, 2.22-24; Gregório de Nazianzo, Discurso sobre
o santo batismo 42 (NPNF2 7:375); João de Damasco, Exposição da fé ortodoxa 8 (NPNF2 9:7); Turretini, Compêndio de
teologia apologética, 1:293; Ambrósio, Sobre a fé cristã I.x.67.
[275]
Tomás de Aquino, Suma 1a.42.2.
[276]
No entanto, o “Pai não gera o Filho pela vontade, mas pela natureza”. Ibid., 1a.42.2.
[277]
Ibid., 1a.27.1; 1a.34.2; Gregório de Nazianzo, Sobre Deus e Cristo 4.30.2 (p. 94).
[278]
Atanásio, Contra os arianos 4.5 (NPNF2 4:435).
[279]
Ibid., 1.5.15 (NPNF2 4:315).
[280]
Ibid.
[281]
Hilário de Poitiers, Tratado sobre a Santíssima Trindade 5.37 (NPNF2 9:96). Cf. João de Damasco, Exposição da fé
ortodoxa 7 (NPNF2 9:5).
[282]
Anselmo, Sobre a encarnação do Verbo 15, em Works, 258. Cf. Sobre a processão do Espírito Santo, em Works, 433.
[283]
Anselmo, Sobre a processão do Espírito Santo, in Works, 433 (cf. 429).
[284]
Ele não se torna nosso Pai para de alguma forma levar a sua paternidade eterna ao seu pleno potencial. Ele é o Pai do seu
Filho unigênito desde a eternidade, e tal paternidade é tão perfeita quanto imutável, tão impecável quanto natural. É porque ele é
um Pai separado de nós que pode voluntariamente tornar-se um Pai para nós.
[285]
João 5.17.
[286]
João 5.18.
[287]
João 5.24.
[288]
João 5.26.
[289]
João 5.27-29.
[290]
Agostinho, A Trindade 1.26.
[291]
Ibid., 5.7. Veja também Samuel Miller, Letters on the Eternal Sonship of Christ, 38. Alguns contemporâneos usam a
expressão “corolário” em vez de “consequência”: veja Giles, The Eternal Generation of the Son, 77; Macleod, The Person of
Christ, 131.
[292]
Fesko, The Trinity and the Covenant of Redemption, 170. Cf. Tomás de Aquino, Catena Aurea: exposição continua sobre os
Evangelhos, vol. 4: Evangelho de João, 335-339; Calvino, O Evangelho segundo João, volume 1, 454.
[293]
Eles argumentam que monogenēs está associado a genos, que se refere a uma classe especial, e não a gennaō, que significa
gerar. Westcott, The Epistle of St. John, 169-72; Westcott, The Gospel According to St. John, 1:23, 28; Moody, “The Translation
of John 3:16 in the Revised Standard Version”, 213-19; Longenecker, “The One and Only Son”, 119-26; Grudem, “Appendix 6”,
em Systematic Theology, 1233-34; Reymond, New Systematic Theology, 325. Para um resumo da literatura acerca deste tema,
veja Giles, The Eternal Generation of the Son, 64.
[294]
Na reunião de 2016 da Sociedade Teológica Evangélica, Grudem disse que mudara de ideia acerca de monogenēs.
[295]
Irons, “Lexical Defense”, 105.
[296]
Ibid.
[297]
Ibid., 112.
[298]
Quanto a João 1.14, veja a crítica de Irons à NVI e à ESV em “Lexical Defense”, 114-15.
[299]
Irons, “Lexical Defense”, 113. Cf. Lindars, John, 96.
[300]
Irons, “Lexical Defense”, 115.
[301]
Hilário de Poitiers, Tratado sobre a Santíssima Trindade 2.8 (NPNF2 9:54).
[302]
Swain, Retrieving Eternal Generation, 41, citando Webster, “One Who Is Son”, em The Epistle to the Hebrews and
Christian Theology, 85.
[303]
Gregório de Nissa, Contra Eunômio 2.9 (NPNF2 5:114). Cf. Basílio de Cesareia, Contra Eunômio 2.17, 32.
[304]
Webster, God Without Measure, 73.
[305] Ibid.
[306]
Gregório de Nissa, Contra Eunômio 1.39 (NPNF2 5:94).
[307]
Webster, God Without Measure, 75.
[308]
O restante do versículo diz: “E outra vez: Eu lhe serei Pai, e ele me será Filho?” (cf. 2Sm 7.14).
[309]
Salmos 2.7 também é retomado por outros autores do NT: cf. Atos 13.33.
[310]
Fesko crê que “decreto é sinônimo de aliança” (The Trinity and the Covenant of Redemption, 173).
[311]
Pedro atribui o salmo 2 à autoria de Davi (Atos 4.25).
[312]
Bates, The Birth of the Trinity, 70.
[313]
Baseando-se no Antigo Testamento, o autor de Hebreus usa a palavra “hoje” de uma forma que abrange vastos períodos ou
mesmo a própria eternidade: Hb 3.7, 13, 15; 4.7.
[314]
Agostinho, como é citado em Pierce, “Hebrews 1 and the Son Begotten ‘Today’”, em Sanders e Swain, org., Retrieving
Eternal Generation, 129.
[315]
Ibid., 130.
[316]
Ibid.
[317]
Ibid., 131.
[318]
A gramática revela a conexão: “A declaração de Javé sobre a filiação do Messias, ‘Tu és meu filho’, é uma cláusula nominal
que expressa uma condição ou estado. Em contraste, a frase: ‘Eu, hoje, te gerei’, é uma cláusula verbal que expressa uma ação”.
Fesko, The Trinity and the Covenant of Redemption, 172, ênfase adicionada.
[319]
“O salmo 2.7 é citado como evidência de que a promessa feita aos pais a respeito do fornecimento de uma descendência
davídica foi verdadeiramente cumprida, e não em apoio à adoção de Jesus como messias no momento da ressurreição ou da
entronização”. Bates, The Birth of the Trinity, 73-74.
[320]
Atanásio, Sobre a encarnação do Verbo 3.13.7 (NPNF2 4:43); cf. Emery, The Trinity, 133.
[321]
Ayres, Nicaea and Its Legacy, 42.
[322]
Gregório de Nissa, Contra Eunômio 1.39 (NPNF2 5:94).
[323]
Paulo usará a linguagem do contexto de primogenitura no v. 18 (desta vez em relação à ressurreição) de uma forma
consistente com a interpretação que demos do v. 15, isto é, Cristo em relação à criação (como preeminente), não Cristo em
relação a Deus Pai. Ele também usará a linguagem desse contexto em Romanos 8.29, mas desta vez para fins soteriológicos.
Observe que esta é uma daquelas poucas passagens nas quais Paulo usa tanto “imagem” quanto “primogênito” no mesmo
contexto.
[324]
Bavinck, Dogmática reformada, 2:276. Veja também Webster, God Without Measure, 33.
[325]
Veja Atanásio, Defesa da definição nicena 7.30 (NPNF2 4:171), que liga Palavra com Imagem.
[326]
Tomás de Aquino, Suma 1a.35.1. Veja também Hilário de Poitiers, Tratado sobre a Santíssima Trindade 10.6 (NPNF2
9:183).
[327]
Gregório de Nazianzo faz esta afirmação em seu Discursos teológicos 3.1-4.21 (NPNF2 7:301-17).
[328]
Veja Atanásio, Defesa da definição nicena 3.6-14 (NPNF2 4:153-59); Contra os arianos 2.16-22 (NPNF2 4:357-93);
Gregório de Nissa, Contra Eunômio 2.10 (NPNF2 5:117-18). Minha exegese seguirá a de Gregório.
[329]
Giles, The Eternal Generation of the Son, 80 (cf. 83). Cf. Raymond E. Brown, The Epistoles of John (Nova York:
Doubleday, 1982), 620; Leon Morris, Gospel According to John (Grand Rapids: Eerdmans, 1971), 771. Veja também João 5.18;
18.37.
[330]
Veja também João 7.42.
[331]
Gignilliat, “Eternal Generation and the Old Testament”, 74.
[332]
John Owen, Defense of the Gospel, em Works, 12:236-47.
[333]
Agostinho, Comentários a São João, Homílias 1-49, 19.13 (cf. 1.12).
[334]
Ouvi e documentei esses ensinos em primeira mão; as citações seguintes também estão registradas em Ware, Father, Son,
and Holy Spirit, 46, 49, 50, 51, 154.
[335]
O crédito vai para Fred Sanders por formular meus pensamentos em um tom musical!
[336]
A Crossway não publica mais o livro de Ware.
[337]
Não era incomum na época assistir a conferências ou reuniões em instituições evangélicas nas quais as categorias nicenas
eram negligenciadas ou criticadas.
[338]
A visão também é chamada de ESS: eternal submission/subordination of the Son [submissão/subordinação eterna do Filho
(SSF)].
[339]
Consulte o capítulo 2 de Ware, Father, Son, and Holy Spirit. A visão de Ware também é clara em outros lugares: “Does
Affirming an Eternal Authority-Submission Relationship in the Trinity Entail a Denial of Homoousios?”, 237-48; “Equal in
Essence, Distinct in Role”, 13-38.
[340]
Ware dedicou um capítulo inteiro à história em Father, Son, and Holy Spirit, e as relações eternas de origem não foram
tratadas em parte alguma. A apresentação do Espírito feita por ele não é melhor. Ele falou sobre Constantinopla e os capadócios,
mas sem qualquer menção à espiração ou processão eterna. Veja o capítulo 2 de Father, Son, and Holy Spirit.
[341]
Ware, Father, Son, and Holy Spirit, 41.
[342]
Ibid., 43, 45.
[343]
Ênfase adicionada. Esta frase é usada ao longo do capítulo 6 de Ware, Father, Son, and Holy Spirit.
[344]
Ibid., 133; cf. 134.
[345]
Ibid., 134.
[346]
Ibid., 46-51.
[347]
Ibid., 65.
[348]
Ibid., 49, 143, ênfase adicionada.
[349]
Ibid., 51.
[350]
Grudem, Systematic Theology, 251. Cf. Grudem, Evangelical Feminism, 47, 433; Grudem, Recovering Biblical Manhood
and Womanhood, 457, 540.
[351]
Ware, Father, Son, and Holy Spirit, 51.
[352]
Ibid., 67.
[353]
Ibid., 49.
[354]
Ibid., 21; Cf. capítulo 4 para um tratamento completo. Quanto ao método de Ware, o seu argumento baseou-se em textos
específicos que, segundo ele, apoiavam a submissão na eternidade passada e futura (por exemplo, 1 Coríntios 11.3; 15.24-28).
Ele argumentou que seu caso era apoiado ainda por qualquer texto dos Evangelhos que insinuasse submissão na encarnação,
como se a encarnação fosse uma continuação da subordinação do Filho na eternidade. Ware também argumentou que autoridade
e submissão são o que os próprios nomes divinos significam. Eles não se referem a relações eternas de origem (isto é, geração),
mas a “papéis” sociais de hierarquia. O Filho é chamado Filho porque é seu papel “submeter-se”. O Pai é chamado Pai porque
“está acima do Filho” e é “supremo dentro da divindade” (49, 51; cf. 82). Até a ordem transmite supremacia e subordinação: o
Pai primeiro, depois o Filho. Ware pensa que era isso que os “teólogos da Igreja” queriam dizer com “ordem” ou “taxis” na
Trindade (72).
[355]
Ibid., 75.
[356]
Ibid., 56.
[357]
Grudem, “Doctrinal Deviations”, 39.
[358]
Ware, Father, Son, and Holy Spirit, 57.
[359]
Ibid., 55, ênfase adicionada.
[360]
Ibid., ênfase adicionada.
[361]
Ibid., 58.
[362]
Ibid., 20.
[363]
Ibid.
[364]
Ibid., 20. Cf. 157 no qual Ware menciona “sem competição” ou “amargura” ou “arrogância” ou “opressão” também.
[365]
Para ser claro, Ware não estava dizendo isso como um liberal, mas por um espírito de biblicismo.
[366]
Ware, Father, Son, and Holy Spirit, 49, 51.
[367]
Ibid., 55.
[368]
Ibid.
[369]
Ibid., 20.
[370]
Ware adotou este tratamento não apenas com a Trindade, mas também com os atributos de Deus e com a cristologia. Ele
modificou a imutabilidade divina de uma maneira não muito diferente de seu tratamento da Trindade: Deus é imutável em
essência, mas mutável nas suas relações com o mundo. Ele adotou esse tratamento para uma série de atributos: onipresença,
onisciência, impassibilidade, etc. Quanto à pessoa de Cristo, Ware ensinou o monotelismo (havia uma só vontade no Cristo
encarnado) e rejeitou a posição ortodoxa, confessional, estabelecida pelo Terceiro Concílio de Constantinopla, em 680-81. Este
concílio foi o sexto concílio ecumênico e confessou haver duas vontades (diotelismo) em Cristo, correspondendo às suas duas
naturezas, uma divina e outra humana; caso contrário, ele não poderia ser um verdadeiro homem e realmente capaz de agir como
nosso redentor. O concílio condenou o monotelismo como herético porque não só levava ao triteísmo (se há três vontades na
Trindade, como não haveria três deuses?), mas não podia fazer justiça a ambas as naturezas (divina e humana) na pessoa de
Cristo (veja o Credo de Calcedônia). Na época, Ware ensinou que uma vontade em Cristo seria consistente com sua crença de
que existem três vontades na Trindade (um princípio fundamental do trinitarismo social). Ware conecta as vontades às pessoas
em Father, Son, and Holy Spirit, 18; The Man Christ Jesus, 20, 75-76, 84, 88; “Equal in Essence, Distinct in Roles”, 36.
[371]
Ware, Father, Son, and Holy Spirit, 21.
[372]
Ibid., 58.
[373]
Ibid., 59-67.
[374]
Grudem, Systematic Theology, 459-60.
[375]
Ware, Father, Son, and Holy Spirit, 139.
[376]
Ibid., 137.
[377]
Ibid., 150. Grudem é o mais agressivo: veja Evangelical Feminism, 207-14; Evangelical Feminism and Biblical Truth, 45-
48, 403-42; Systematic Theology, 459.
[378]
Ibid., 139.
[379]
A controvérsia eclodiu em 2016. Bruce Ware e John Starke publicaram um livro chamado One God in Three Persons, com
contribuições de proponentes da SFE, como Wayne Grudem. Tomei conhecimento do livro depois de chegar ao outro lado do
lago, apenas para descobrir que Mike Ovey, meu novo colega e diretor, havia contribuído com um capítulo e usado palavras
como “subordinação” para descrever a submissão do Filho ao Pai dentro da Trindade imanente. Quando a controvérsia sobre a
Trindade surgiu, Mike ficou surpreso ao saber que, no passado, Grudem e Ware haviam questionado a geração eterna, entre
outros princípios do cristianismo clássico. Descobriu que havia mais na versão da SFE que Grudem e Ware mantinham do que
ele estava disposto a afirmar. No entanto, Mike permaneceu comprometido com a palavra “subordinação”, apesar da bagagem
ariana e semiariana que carregava (ou apesar da forma como seus oponentes, que já o acusavam de arianismo, a entendiam). Um
dia, talvez, escreverei uma resenha do livro de Mike, Your Will Be Done: Exploring Eternal Subordination, Divine Monarchy
and Divine Humility. Por enquanto, aqui estão algumas críticas que precisam ser mais aprofundadas: (1) Em vez de dar um
tratamento extenso de Nicéia, Mike concentra-se em credos que são atípicos e que hoje possuem pouca ou nenhuma autoridade
confessional; algumas de suas interpretações também são discutíveis. (2) Influenciado por Colin Gunton, Mike simpatiza com
uma visão relacional da Trindade, uma versão do trinitarismo social. Ele, tal como Gunton, é cético em relação a Agostinho. (3)
Ele interpreta mal as fontes históricas, assumindo (como Grudem e Ware) que sempre que a subordinação/submissão é
referenciada, a Trindade ad intra está em vista, enquanto uma leitura contextual demonstra que Hilário, por exemplo, referia-se à
economia da salvação. (4) Mike dá muito mais atenção ao Evangelho de João do que Grudem e Ware, mas assume novamente
que a subordinação se refere à Trindade ad intra, quando o contexto mostra que João tem a economia em vista; em outras
passagens joaninas, Mike lê seu subordinacionismo no texto quando ele simplesmente não está lá. (5) Embora tente afirmar uma
vontade na Trindade, ele é inconsistente e às vezes usa uma linguagem que ensina direta e indiretamente múltiplas vontades na
Trindade; ao fazê-lo, Mike não apenas sucumbe a uma definição social da Trindade, mas também compromete a simplicidade da
essência divina que subsiste em cada pessoa. Em suma, a forma como Mike utiliza o termo “vontade(s)” não preserva uma
distinção clara entre essência e pessoa, especialmente quando discute a encarnação. (6) Em pontos estratégicos do livro, ele
revela o quão motivado está pelos debates acerca das questões de gênero, o que deixa o leitor curioso acerca de até que ponto sua
defesa da subordinação é influenciada por uma agenda social.
[380]
Goligher, “Is It Okay to Teach a Complementarianism Based on Eternal Subordination?”.
[381]
Ibid.
[382]
Goligher, “Reinventing God”.
[383]
Sua publicação e resposta oficial: Ware, “Unity and Distinction of the Trinitarian Persons”, 17-62.
[384]
Ware aplica o mesmo método, listando literalmente texto após texto com pouco contexto. Ware, “Unity and Distinction of
the Trinitarian Persons”, 26-34. Para seu método de listagem, consulte 32-33.
[385]
Embora Ware diga que essa é uma “mudança em minha posição”, ele depois afirma: “Nunca no passado disse que a doutrina
da geração eterna estava errada, mas questionei se as Escrituras a ensinam e, francamente, tentei entender o que ela significava”.
No entanto, Ware não apenas a questionou e tentou entender, mas também a criticou e negou abertamente, e encorajou outros a
fazerem o mesmo. Fê-lo acreditando que as Escrituras não ensinavam a geração eterna, ainda assim ele era muito mais contra
essa doutrina do que sugeria (Ware, “Unity and Distinction of the Trinitarian Persons”, 50 e n.24).
[386]
Ware, “Unity and Distinction of the Trinitarian Persons”, 23, 25-26.
[387]
Ibid., 51.
[388]
Ibid., 20, 21.
[389]
Ibid., 34-36, esp. 36.
[390]
Ibid., 24-25.
[391]
Ibid., 27, ênfase adicionada.
[392]
Outros que se opuseram à SFE incluem Holmes, Jowers, Butner, Swain, Bird, Emerson e Stamps e Bray e Johnson (veja a
bibliografia).
[393]
Ware, Father, Son, and Holy Spirit, 21.
[394]
Ibid., 21.
[395]
Boff, A Trindade e a sociedade, 181.
[396]
Ware, Father, Son, and Holy Spirit, 21, 51.
[397]
Grudem está incorreto ao presumir que operações inseparáveis significam operações indistinguíveis. Veja Grudem, “Biblical
Evidence”, 258.
[398]
Ware, “Unity and Distinction of the Trinitarian Persons”, 34-36 (esp. 36), ênfase adicionada. Cf. Grudem, “Doctrinal
Deviations”, 39.
[399]
Ibid., 37.
[400]
Ibid., 38.
[401]
Webster, God Without Measure, 94.
[402]
John Owen, Pneumatologia, or a Discourse Concerning the Holy Spirit, em Works 3:93, ênfase adicionada. Cf. Webster,
God Without Measure, 95.
[403]
Giles, The Eternal Generation of the Son, 232.
[404]
Holmes, “Classical Trinitarianism and Eternal Functional Subordination”, 104.
[405]
Treier, Introducing Evangelical Theology, 84.
[406]
Ibid., 84.
[407]
Brown, Heresies, 101.
[408]
Ware, Father, Son, and Holy Spirit, 21, 51.
[409]
Sem mencionar que tal divisão cria uma quaternidade em Deus.
[410]
Ware, “Unity and Distinction of the Trinitarian Persons”, 19.
[411]
Atanásio, Contra os arianos 1.9.29 (NPNF2 4:324), ênfase adicionada. Cf. Atanásio, Defesa da definição nicena 5.19
(NPNF2 4:162-63).
[412]
Gregório de Nissa, Contra Eunômio 1.39 (NPNF2 5:94), ênfase adicionada.
[413]
Agostinho, A Trindade 15.47.
[414]
Anselmo, Monologion, 45, em Works, 58.
[415]
Tomás de Aquino, Suma 1a.41.5.
[416]
Turretini, Compêndio de teologia apologética 1:359. Cf. 1:382.
[417]
John Owen, A Brief Declaration and Vindication of the Doctrine of the Holy Trinity, in Works, 2:407. Webster, God Without
Measure, 87, discorre sobre esta inseparabilidade entre essência e pessoas.
[418]
Ayres, Nicaea and Its Legacy, 93-96, 140; Hanson, Christian Doctrine of God, 673, 693.
[419]
Grudem, Systematic Theology, 251. Cf. Grudem, Evangelical Feminism, 47, 433.
[420]
Ware, “Unity and Distinction of the Trinitarian Persons”, 23, 25-26.
[421]
A declaração de fé da Evangelical Theological Society diz que todas as três pessoas são “uma em essência, iguais em poder
e glória”. Não está claro como Ware e Grudem podem fazer essa afirmação sem qualificação.
[422]
Ware, Father, Son, and Holy Spirit, 51. Os proponentes da SFE também apelam à ascensão de Jesus à “mão direita” do Pai
(Hb 1.3). Ware, “Unity and Distinction of the Trinitarian Persons”, 44; Grudem, Recovering Biblical Manhood and Womanhood,
457. Isso, novamente, é uma falha em prestar atenção ao contexto. O contexto de Hb 1.3 é a “purificação dos pecados”. O que
está em vista é a economia da salvação. “Mão direita” refere-se ao Filho como Mediador e intercessor em prol dos pecadores,
não alguma hierarquia intrínseca dentro da Trindade ad intra, separada da economia. E no Evangelho de Mateus, a ascensão
assinala a coroação de Jesus como o rei ressuscitado, e não a subordinação dentro da divindade imanente. Além disso, o que
Ware e Grudem tem a dizer acerca do livro do Apocalipse (3.21; 7.17; 12.5; 22.3), no qual Jesus está sentado no centro do trono
por toda a eternidade? Ou com Atos 2.25, em que Davi (Sl 16.8) fala na persona do Filho, que diz que o Senhor (o Pai) está
sentado à sua mão direita? Os proponentes da SFE também afirmam que a “glória” nas Escrituras é atribuída ao Pai porque o
Filho é uma autoridade subordinada. Há vários problemas aqui: (1) Quando textos como Filipenses 2.11 dizem “para a glória de
Deus Pai”, o contexto é a economia da salvação. Os versículos anteriores são todos a respeito da humildade que Cristo escolheu
por causa da salvação. (2) Na economia da salvação, o Pai envia o Filho, e o Pai e o Filho enviam o Espírito, ordem que
corresponde às relações eternas de origem de cada pessoa. Quando o Filho encarnado termina a sua obra de redenção, é claro que
a glória se move na direção inversa. Mas faz isso para corresponder à ordem das missões (do Pai por meio do Filho pelo
Espírito), não para comunicar primazia e hierarquia dentro da própria divindade imanente. (3) Muitas passagens, como Filipenses
2, presumem também ou até afirmam a igualdade total do Filho com o Pai, impedindo a subordinação dentro da Trindade
imanente. É engraçado que Paulo nunca diz: “Ah, quero dizer iguais em essência, mas não em autoridade hipostática”. Essa
bifurcação é estranha para Paulo. (4) Os proponentes da SFE ignoram textos em que há glorificação mútua. Eles adoram citar
João 5.19, mas esquecem de continuar lendo: “E o Pai a ninguém julga, mas ao Filho confiou todo julgamento, a fim de que todos
honrem o Filho do modo por que honram o Pai” (5.22-23). Como eu disse, a SFE tem o mau hábito de ignorar o contexto, um
produto do seu biblicismo raso.
[423]
Hilário de Poitiers, Tratado sobre a Santíssima Trindade 3:12 (NPNF2 9:65).
[424]
Ware tenta evitar a acusação de semiarianismo dizendo que a autoridade não é uma propriedade da natureza, então não é
como se a essência de Deus envolvesse hierarquia. Em vez disso, é uma propriedade pessoal. Mas o ônus da prova recai sobre ele
para provar esta afirmação. Pois a autoridade tem tudo a ver com o poder divino, e a onipotência é um atributo divino, sinônimo
da essência de Deus (simplicidade). Além disso, Ware redefine a autoridade na categoria de um relacionamento; assim como os
humanos podem ter relacionamentos de autoridade diferentes e ser iguais enquanto pessoas, Deus também pode. Mas este é um
raciocínio unívoco, que aplica características humanas e sociais ao divino, onde as pessoas são iguais em todas as coisas
(simplicidade), exceto em seus modos de subsistência.
[425]
Desvendaremos a aliança da redenção no capítulo 10. Mas, por enquanto, uma questão deve ser tratada: alguns membros da
SFE tentam injetar hierarquia e subordinação na aliança da redenção como forma de estabelecer hierarquia dentro da Trindade
imanente, as pessoas a se. Isto é um uso indevido — até mesmo um abuso — da aliança da redenção por muitas razões.
Considere quatro:
(1) Mesmo que (para fins de argumentação) a subordinação estivesse localizada no pacto da redenção, ainda estaríamos falando
da economia. “O pactum salutis é eterno no sentido de que é pré-temporal, mas não é eterno no sentido de que pertence à vida
perfeita de Deus” (Holmes, “Classical Trinitarianism and Eternal Functional Subordination”, p. 87). Os propoentes da SFE
pensam que se puderem provar que a subordinação existe na eternidade, e não apenas na encarnação, então deve haver uma
hierarquia funcional intrínseca à Trindade imanente. Essa suposição confunde “eternidade” com Trindade “imanente”; mas a
primeira é uma categoria muito mais ampla, incluindo também a economia. A economia refere-se aos atos exteriores e externos
do Deus triúno em relação ao mundo, que começam na eternidade, como pode ser visto com a aliança da redenção. A Trindade
imanente, porém, é interna, referindo-se a Deus em si mesmo (a se), à sua unidade ontológica (simplicidade) e às suas
propriedades pessoais (relações). Não devemos presumir que se algo é eterno, então define a Trindade imanente. Fazer isso é
arriscar o panteísmo ou o panenteísmo, como se o que ocorre no econômico (mesmo na eternidade) devesse ser verdadeiro e
necessário para o imanente. Depois de definir a aliança da redenção, Turretini descreve a obediência do Filho, mas observe como
ele enquadra tal obediência dentro da economia: “Pois assim as Escrituras nos representam o Pai na economia da salvação com a
estipular a obediência de seu Filho até a morte, e por meio dela prometendo-lhe em troca um nome que está acima de todo nome
para que ele fosse a cabeça dos eleitos em glória; o Filho, oferecendo-se para fazer a vontade do Pai, prometendo uma realização
fiel e constante do dever requerido dele e reestipulando o reino e a glória a ele prometidos” (Turretini, Compêndio de teologia
apologética 12.2.13).
(2) É ilegítimo ler a subordinação no pacto da redenção. Os proponentes da SFE gostam de introduzir a sua definição de
subordinação na linguagem reformada do pactum. Isso não só é terrivelmente anacrônico e uma manipulação de categorias
reformadas para uma nova agenda como a da SFE, como também não consegue ver o que acontece na própria aliança. Os
reformados são inflexíveis em que quando o Filho faz um pacto com o Pai para ser Mediador, ele o faz voluntária e
temporariamente, encarnando no tempo determinado para ser o Redentor de Israel. Em outras palavras, a concordância do Filho
com a aliança não decorre de alguma subordinação intrínseca entre o Pai e o Filho, mas o Filho aceita a aliança com o propósito
específico de realizar a redenção. O pacto é econômico e, portanto, opcional. Se o Pai e o Filho nunca fizessem uma aliança, nada
dentro da Trindade mudaria.
(3) A SFE projeta a cristologia, a economia em particular, em sua doutrina de Deus. Ao apelar para a aliança da redenção para
fundamentar a subordinação, a SFE permite que a submissão do Filho ao Pai na economia defina e determine a Trindade
imanente. Isto é totalmente retrógrado. A avaliação de Fesko sobre Barth poderia facilmente aplicar-se à SFE: “A missão de
Cristo acaba definindo a Trindade em vez de revelá-la” (Fesko, The Trinity and the Covenant of Redemption, 190). Além disso, o
método da SFE coloca a cristologia como o ponto de partida que revela todas as coisas no tratamento da Trindade. Contrariando
os socinianos de sua época, John Owen alertou contra esta tendência quando disse: “Cristo é o objeto imediato da fé, mas Deus,
em sua total suficiência, é o objeto supremo da fé”. (Owen, “God the Saints’ Rock,” em Works 9:250; cf. Duby, God In Himself).
Em contrapartida, distinguimos entre a forma de servo e a forma de Deus (Agostinho). Assumir a forma de servo e, nesse estado,
tornar-se subserviente à missão que o Pai lhe confiou, é algo que o Filho faz por causa da nossa salvação, não porque ele seja,
enquanto o Filho eterno, subordinado ao Pai. Sua obediência leva ao cumprimento a aliança da redenção, mas não ousamos
concluir que esta realização econômica (obediência) é o que define a propriedade pessoal do Filho (geração eterna) dentro da
Trindade imanente, uma propriedade pessoal que não apenas o distingue como Filho mas garante que ele é igual em essência,
poder e autoridade ao Pai, gerado como é da ousia do Pai. Projetar a obediência de volta à Trindade imanente como aquilo que
define o Filho como Filho é criar um Filho inferior, minando a ortodoxia bíblica nicena.
(4) Os proponentes da SFE argumentarão que se o Filho pode fazer um pacto com o Pai sem violar a vontade única de Deus,
então o Filho pode submeter-se eternamente ao Pai sem violar a vontade única de Deus. Afinal, essa acusação é frequentemente
lançada contra a SFE: a hierarquia, mesmo em função, mina a unidade da vontade divina. Em resposta, os adeptos da SFE não
refletiram sobre a sua própria visão. Pois não afirmam apenas que há obediência as pactum; não, eles estão reivindicando muito
mais. Submissão é o que define o Filho como Filho. Isso fica aparente em Grudem e Ware. Mesmo quando Ware, mais
recentemente, parou de rejeitar a geração eterna, ele continuou a usar a geração eterna para importar a submissão para dentro da
Trindade imanente. Para a SFE, a submissão é uma qualidade definidora do Filho, ainda mais quando se torna intrínseca à
propriedade pessoal do Filho (filiação), ao seu modo de subsistência (geração eterna). Como tal, ameaça agora a unidade e a
coigualdade das pessoas. A submissão não é apenas uma dotação econômica para a SFE; é intrínseca à identidade imanente do
Filho. Para os Reformados, a obediência do Filho na aliança da redenção é opcional, uma deliberação econômica que não é
necessária para que Deus seja triúno. Para a SFE, a obediência do Filho na aliança da redenção é necessária, uma extensão da
submissão que o define como pessoa dentro da Trindade imanente, necessária para que o Filho seja Filho e, portanto, necessária
para que a Trindade seja triúna.
Tratamentos que merecem reconhecimento acerca da “obediência” em referência à Trindade, cada um evitando as armadilhas da
SFE, incluem Fesko, The Trinity and the Covenant of Redemption, 181-93; White, “Intra-Trinitarian Obedience”, 377-402; Swain
e Allen, “The Obedience of the Eternal Son”, 114-34; Swain, “The Covenant of Redemption,” 107-25.
[426]
Agostinho, A Trindade 2.3 (cf. 1.14). Este método de interpretação, que não tem origem em Agostinho, chama-se exegese
partitiva. Cf. Hilário de Poitiers, Tratado sobre a Santíssima Trindade 8.45 (NPNF2 9:150); 10.21-22 (NPNF2 9:187).
[427]
Cristo humilhou-se tanto que, segundo a Regra 2 (Forma de Servo), Agostinho pode até dizer que há um sentido em que o
Filho é “menor” (servo) do que ele. Veja Agostinho, A Trindade 1.14.
[428]
A encarnação não envolveu uma mudança ou mistura das duas naturezas de Cristo: Agostinho aconselha-nos a usar a
expressão “resvetir” em vez de “assumir”. A Trindade 1.14 (cf. 2.9; 4.30).
[429]
Agostinho, A Trindade 1.21. Cf. Gregório de Nazianzo, Sobre Deus e Cristo 3.29.20 (p. 87); 4.30.6 (p. 97).
[430]
Ibid., 2.3.
[431]
Ibid.
[432]
Ibid., 1.14.
[433]
Veja Ayres, Nicaea and Its Legacy, 133-66.
[434]
Ainda que a Trindade imanente estivesse em foco, o Filho na forma de Deus deveria estar na extremidade receptora do
reino: veja Agostinho, A Trindade 1.3.15.
[435]
Crowe, Death in Adam, Life in Christ.
[436]
Agostinho, A Trindade 1.17.
[437]
“Torna-se” não significa que o Filho deixe de ser imutável. Ele não esvazia sua natureza e seus atributos divinos. Sua
divindade não é circunscrita por sua humanidade (extra Calvinisticum). Veja Weinandy, Does God Change?
[438]
Máximo, Opusculum 6.4, em Máximo, Mistério cósmico, 176.
[439]
Bilezikian, “Hermeneutical Bungee-Jumping”, 66.
[440]
Karen Kilby, “Perichoresis and Projection”.
[441]
Veja D. A. Carson, Exegetical Fallacies. Publicado no Brasil como Os perigos da interpretação bíblica pela Vida Nova.
[442]
Schreiner, 1 Corinthians, 219.
[443]
Ibid., 219.
[444]
Bird, “Preface: Theologians of a Lesser Son”, em Bird e Harrower, org., Trinity Without Hierarchy, 10. Para comparar a
SFE e os homoianos, consulte Smith, “The Trinity in the Fourth-Century Fathers”, 113, 115.
[445]
Ware, Father, Son, and Holy Spirit, 46 ss., 50-51, 57-58, 154.
[446]
Glorificado seja.
[447]
Série constituída por A amiga genial, História do novo nome, História de quem foge e de quem fica e História da menina
perdida, publicados no Brasil entre 2015 e 2017 pela Biblioteca Azul. [N. do T.]
[448]
Elena Ferrante, A amiga genial (Rio de Janeiro: Biblioteca Azul, 2015), 258-59.
[449]
“Espírito” pode ser usado de três maneiras nas Escrituras: essencial, pessoal e metonímico. Witsius, Exercitationes 23.3; cf.
Muller, PRRD, 4:341.
[450]
Calvino, Institutas (1536), ii (p. 135), como citado em Muller, PRRD, 4:333. Veja também Gregório de Nissa, Sobre o
Espírito Santo (NPNF2 5:315).
[451]
E.g., socinianismo.
[452]
Anselmo, Sobre a processão do Espírito Santo, em Works, 406.
[453]
Emery, The Trinity, 143.
[454]
Acerca deste ponto, veja Agostinho, A Trindade 15, epílogo.
[455]
Anselmo, Sobre a processão do Espírito Santo, in Works, 391. Cf. João de Damasco, Exposição da fé ortodoxa 1.8 (NPNF2
9:9); Turretini, Compêndio de teologia apologética, 1:309.
[456]
Anselmo, Sobre a processão do Espírito Santo, em Works, 393.
[457]
A respeito da espiração, veja a Oration 5 em Gregório de Nazianzo, Discursos teológicos 5.1-33 (NPNF2 7:318–28);
Agostinho, A Trindade 1.5.8; 2.3.5; 5.14.15; 15.25.45; 15.26.47; 15.27.48; 15.27.50. Outros definem a espiração como “a
processão do Amor subsistente”. Veja, por exemplo, Tomás de Aquino, Suma 1a.43.2.
[458]
Bavinck, Dogmática reformada, 2:311, explica porque a espiração não é tão evidente quanto a geração.
[459]
Ricardo de São Vitor, Tratado sobre a Santíssima Trindade 5.23.
[460]
Ele nem sempre sobe na prancha. Às vezes desaparece com sua persistência lógica, e às vezes parece um pouco como um
trinitarista social. Mas esta pode ser uma crítica prematura, uma vez que Ricardo viveu muito antes da era moderna.
[461]
Ricardo de São Vitor, Tratado sobre a Santíssima Trindade 5.23.
[462]
Bavinck, Dogmática reformada, 2:277.
[463]
Ao soprar sobre eles, Jesus lhes dá o Espírito que prometera antes de sua morte (Jo 14.26; 15.26; 16.7).
[464]
Agostinho, A Trindade 4.29.
[465]
Pedro parece entender isso pelo Pentecostes (At 2.33).

[466]
Outro texto em que o Espírito está associado ao “dom” é Hebreus 6.4.
[467]
Basílio de Cesareia, Sobre a Trindade 16.37 (NPNF2 8:23).
[468]
Agostinho, A Trindade 5.12.
[469]
Ele é “dado por ambos [Pai e Filho], não como gerado por ambos (ut datus, non ut natus)” (Bavinck, Dogmática reformada,
2:321).
[470]
Agostinho, A Trindade 5.17.
[471]
“O Espírito Santo era um dom antes de ter sido dado a qualquer pessoa… Uma coisa pode ser um dom antes mesmo de ser
dada, mas não pode, de nenhuma maneira, ser chamado de doação a menos que tenha sido dada” (Bavinck, Dogmática
reformada, 2:328, 329).
[472]
Agostinho, A Trindade 15.29. Tomás de Aquino segue uma linha semelhante, chamando o Espírito não apenas de amor, mas
de alegria (Gl 5.22). Veja Tomás de Aquino, Suma 1a.39.8.
[473]
Agostinho, A Trindade 15.5.29.
[474]
Ibid., 6.10; PL 42, 931, como citado em Tomás, Suma 1a.39.8.
[475]
Ibid., 15.5.31.
[476]
Ibid.,9.1.2.
[477]
Seguindo Agostinho, os reformadores fizeram o mesmo: Calvino, Institutas 1.13.4; Bullinger, Decades 4.3 (3:156). Cf.
Muller, PRRD, 4:202.
[478]
Bavinck, Dogmática reformada, 2:331.
[479]
Assim como a pessoa do Espírito se apropria de atributos como “santo” sem perder a sua distinção pessoal (veja o Credo
Niceno), também a pessoa do Espírito pode apropriar-se do “amor” sem perder a sua distinção pessoal. Veja Agostinho, A
Trindade 15.5.37.
[480]
Agostinho, A Trindade, 15.27. Tomás de Aquino também diz que o Espírito “procede do Pai e do Filho enquanto são vários,
pois ele procede com o amor unitivo de dois” (Suma 1a.36.4; cf. 1a.38.2).
[481]
Ferrante, A amiga genial, 295.
[482]
Anselmo, Sobre a processão do Espírito Santo, in Works, 429.
[483]
Bavinck, Dogmática reformada, 2:319.
[484]
Agostinho, Comentários a São João, Homílias 1-49 (Homília 20.13). Cf. Beeke e Smalley, Teologia sistemática reformada,
1:815.
[485]
Johnson, Rethinking the Trinity and Religious Pluralism, 119.
[486]
Agostinho, A Trindade 1.8.
[487]
Emery, The Trinity, 162, ênfase adicionada.
[488]
João 1.1-3; Romanos 11.36; 1 Coríntios 8.6; Efésios 1.3-14.
[489]
Gregório de Nissa, Sobre a Santíssima Trindade (NPNF2 5:319).
[490]
Gregório de Nazianzo, Discurso sobre o santo batismo 41 (NPNF2 7:375).
[491]
Agostinho, A Trindade 2.9.
[492]
Paulo pode não estar usando “santificar” ou “santificação” da mesma forma em todos os casos. Na maior parte do tempo ele
tem em mente um passado definitivo, mas às vezes tem em vista um processo contínuo. O contexto é fundamental.
[493]
Basílio de Cesareia, Tratado sobre a Santíssima Trindade 16.37 (NPNF2 8:23).
[494]
Johnson, Rethinking the Trinity and Religious Pluralism, 119.
[495]
Emery, The Trinity, 165. Estas traduções são de Emery, e ele atribui a linguagem aos séculos XII e XIII.
[496]
Emery, The Trinity, 165. Cf. Ayres, Nicaea and Its Legacy, 297-98.
[497]
Bavinck fala de uma “missão especial” (Dogmática reformada, 2:327).
[498]
Bavinck, Dogmática reformada, 2:327.
[499]
Acerca desses perigos, veja Emery, The Trinity, 164.
[500]
Swain, “Divine Trinity”, 104.
[501]
Gregório de Nissa, Sobre a Santíssima Trindade (NPNF2 8:320). Cf. Calvino, Institutas 3.13.18; Muller, PRRD, 4:200.
[502]
Gregório de Nissa, Sobre “Não há três Deuses” (NPNF2 5:334). Da mesma forma, o reformado: Venema, Inst. Theol., x (p.
222); Owen, Pneumatologia 3.1, em Works, 3:209; Mastricht, Theoretical-Practical Theology 2.27.11; Muller, PRRD, 4:265 (cf.
269); 4:380.
[503]
Ursinus, Commentary, 271; cf. Muller, PRRD, 4:341.
[504]
Muller, PRRD, 4:268 (cf. 4:378).
[505]
Gregório de Nissa, Sobre a Santíssima Trindade (NPNF2 5:328).
[506]
Muller, PRRD, 4:268 (cf. 4:378).
[507]
“[A] ordem das pessoas ad intra na opera personalia é espelhada na ad extra na opera appropriate” (Muller, PRRD, 4:200).
[508]
Turretin, Compêndio de teologia apologética, 1:370.
[509]
William Perkins é especialmente útil; veja Muller, PRRD, 4:208.
[510]
Calvino, Institutas 1.13.18; cf. Muller, PRRD, 4:200.
[511]
Basílio de Cesareia, Tratado sobre o Espírito Santo 16.38.
[512]
Ibid. Veja também John Owen, Pneumatologia, em Works, 3:94.
[513]
Ibid.
[514]
Leigh até mesmo apropriará a criação e a salvação a diferentes pessoas: Treatise, II.xvi (p. 139); cf. Muller, PRRD, 4:189.
[515]
Basílio de Cesareia, Tratado sobre o Espírito Santo 1.3 (NPNF2 8:3); Bavinck, Dogmática reformada, 2:326.
[516]
Bavinck, Dogmática reformada, 326; citando Basílio de Cesareia, Tratado sobre o Espírito Santo, 21, 22, 38 (NPNF2 8:14,
15, 23).
[517]
Irineu, Contra as heresias 4.20.1; cf. Emery, The Trinity, 169.
[518]
Tradução de Irineu; ênfase adicionada.
[519]
Emery, The Trinity, 169.
[520]
“A ação divina é una e sua modalidade é essencialmente trinitária” (Emery, The Trinity, 169).
[521]
Não apenas no sentido estrito (renovação interna do crente), mas no sentido amplo (toda a ordem da salvação).
[522]
Bavinck, Dogmática reformada, 3:577.
[523]
Ibid., 1:61.
[524]
Muller, PRRD, 4:259, descrevendo o Wollebius, Compenndium 1.4, cânones A.1.
[525]
Bavinck é ainda mais ousado ao dizer que às pessoas podem ser atribuídas a eras da história da redenção, o Pai ao AT, o
Filho à encarnação e o Espírito ao Pentecostes. Em outro lugar, Bavinck adverte contra transformar as pessoas em modos de
revelação, como faz o sabelianismo. Bavinck se contradisse? Não, há uma diferença entre as apropriações divinas e a dissolução
total das pessoas sob o disfarce de épocas de revelação. Sabemos que Bavinck evita este último: Bavinck, Dogmática reformada,
2:320. Veja também van Mastricht, Theoretical-Practical Theology, 2:505.
[526]
Agostinho destaca as apropriações divinas via encarnação e Pentecostes. Veja A Trindade 1.2.7. Também Muller, PRRD,
4:274.
[527]
John Owen, The Mystery of the Gospel, em Works, 12:497. Owen apela para Hebreus 10.7 e salmos 40.7-8. Cf. An
Exposition of the Epistle to the Hebrews, em Works, 18:87-88. Em A morte da morte (Works, 10:170) ele também apela para
Isaías 49.6-12.
[528]
Para ser técnico, eleição e aliança da redenção não são sinônimos, embora sem dúvida estejam relacionados. Berkhof,
Teologia sistemática, 268; Swain, “The Covenant of Redemption”, 110-16.
[529]
Berkhof, Teologia sistemática, 270.
[530]
Veja Swain, “The Covenant of Redemption”, 119; Bavinck, Our Reasonable Faith, 333-34.
[531]
Os críticos são diversos: Barth, Church Dogmatics IV.1, 65, 177, 192-93, 199; J. B. Torrance, “Covenant or Contract?”,
Scottish Journal of Theology 23 (1970): 51-76; T. F. Torrance, Scottish Theology (Londres: T&T Clark, 2000), 1-4, 107; O.
Palmer Robertson, O Cristo dos pactos, 2.ª ed. (São Paulo: Cultura Cristã, 2019), 54; Robert Letham, The Westminster Assembly
(Phillipsburg, NJ: P&R, 2009), 235-37; Letham, The Work of Christ (Downers Grove, IL: InterVarsity, 1993), 52-53, 254.
Embora Letham tenha melhorado suas críticas mais recentemente em Systematic Theology (Wheaton: Crossway, 2019), 431-39.
[532]
Anselmo, Sobre a processão do Espírito Santo, em Works, 393; Tomás de Aquino, Suma, 1a.34.1; Tomás de Aquino,
Catena Aurea: exposição contínua sobre os Evangelhos, vol. 4: Evangelho de São João, 279-281.
[533]
Owen, Hebrews, em Works, 18:87.
[534]
Basílio de Cesareia, Sobre o Espírito Santo, 8.21 (NPNF2 8:14).
[535]
Emery, The Trinity, 163.
[536]
Owen, Hebrews, em Works, 18:87-88.
[537]
Fesko, The Trinity and the Covenant of Redemption, 173-90. Fesko também usa o termo “pluriforme”. Dolezal, “Trinity,
Simplicity and the Status of God’s Personal Relations”, 94, usa a frase “maneira tríplice”.
[538]
Emery, The Trinity, 164 (cf. 122-23).
[539]
Tomás de Aquino, Suma 3.23.2.3.
[540]
Ibid., como apresentado em Emery, The Trinity, 167. Swain diz algo semelhante: The God of the Gospel, 160.
[541]
Emery, The Trinity, 167.
[542]
Aqui estou seguindo o exemplo de Emery, The Trinity, 167, mas estou dando minha própria opinião acerca disso (que soa
mais protestante do que católica romana).
[543]
O adocionismo era uma heresia antiga que afirmava que Jesus não era o Filho eterno, mas foi adotado como Filho de Deus
num ponto específico no início do seu ministério (por exemplo, o batismo). Tomás de Aquino não está ensinando o adocionismo.
[544]
Calvino, comentário sobre Mt. 6.9, in Harmonia dos evangelhos: Mateus, Marcos e Lucas, vol. 1, trad. Valter Graciano
Martins (São José dos Campos, SP: Fiel, 2022), p. 358.
[545]
Pergunta e resposta 33 em “O catecismo de Heidelberg”, As três formas de unidade das Igrejas Reformadas, trad. Marcos
Vasconcelos (Recife: Clire, 2006).
[546]
Agostinho, A Trindade 5.4.17.
[547]
Swain, “Divine Trinity”, 104.
[548]
Emery, The Trinity, 168.
[549]
Agostinho, A Trindade 1.3.19 (cf. 5.3.14).
[550]
Owen, Of Communion with God, in Works, 2:18.
[551]
Gregório de Nazianzo, Discurso sobre o santo batismo 41 (NPNF2 7:375).
[552]
Owen, Of Communion with God, in Works, 2:19.
[553]
Ibid., 2:44.
[554]
Ibid., 2:45.
[555]
Ibid., 2:262.
[556]
Atanásio, Carta a Serapião acerca do Espírito Santo 2.15.1.
[557]
C. S. Lewis, Cristianismo puro e simples (Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017), 206.

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