Psicanalise Saude Coletiva
Psicanalise Saude Coletiva
Psicanalise Saude Coletiva
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Desde o advento da psicanálise, o pensamento freudiano tem alimentado
reflexões sobre cultura, sociologia e sobre inúmeros outros campos. Por
que não aconteceria no campo da saúde coletiva?
▪ Rosana Onocko Campos aponta que apesar de, em anos recentes, autores
do campo da Saúde Coletiva reconhecerem a relevância de se considerar o
sujeito e não apenas as estruturas sociais, ainda há poucas referências à
constituição subjetiva do sujeito - “o sujeito pode ser histórico, social e até
coletivo, mas não há referência a alguma estruturação que não seja racional.
Nada de inconsciente!”
▪ Aponta ainda que algumas polarizações excludentes precisam ser
desconstruídas para permitir a exploração dessa interface entre saúde
coletiva e psicanálise: atribui-se a uma “certa” psicanálise um trabalho no
individual, interior, das profundezas da pura singularidade; e se atribui à
saúde coletiva intervenções no exterior, na sociedade, no que é de muitos.
Psicanálise de práticas privadas e lucrativas X saúde coletiva de
problematizações do espaço público.
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Rejeitamos essa dicotomia!
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Capítulo 1- Saúde Coletiva e Psicanálise: entrecruzando conceitos em
busca de políticas públicas potentes
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▪ Desse modo, o reconhecimento dessas novas formas de sofrer e de Brilhante
adoecer, e a forte suspeita de que precisamos inventar estratégias potentes
para as novas crises subjetivas, leva a autora a retomar algumas tradições
da psicanálise e da saúde pública (coletiva). Que potencialidades
poderíamos extrair colocando em contraste referencial estas duas áreas do
saber?
CASTORIADIS
Resgatando algumas tradições da psicanálise
identificação -> ▪ Castoriadis fala em crise das identificações, das significações imaginárias
formação do eu
primitivo
(SI) sociais, que são as que mantêm qualquer sociedade unida.
▪ Para Castoriadis tais significações imaginárias têm três funções principais:
→ Estruturam as representações de mundo (a mais importante é a que a
Significaçao sociedade tem de si mesma). como o sujeitos se veem
Imaginäria
→ Designam as finalidades da ação (o que se deve e não se deve fazer). As regras/ a lei
→ Estabelecem os tipos de afetos característicos de uma sociedade. Formas de Afeto
Através de instituições mediadoras e dessas significações imaginárias, institui-
se um tipo de sujeito particular
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Mote é o contrário da existência
▪ Essa identificação social tem uma função fundamental, posto que trata de
organizar uma defesa contra a morte. Mas essa defesa só opera se as
significações que ela instaura podem, por sua vez, ser consideradas
imperecíveis. Mas o que haveria hoje de imperecível nas sociedades
contemporâneas se a família não é o que era, nem as regras de
convivência, nem o espaço urbano?
[Vida na instituição]
-Segundo Kaës, a instituição funciona para o psiquismo como asseguradora de
funções da vida social e psíquica (como a mãe)
- Ser um trabalhador da saúde, do serviço público, acreditar no valor positivo
do próprio trabalho, constituem funções estruturantes da subjetividade e
ajudam a suportar o mal-estar que deriva das tarefas coletivas
- Kaës chama a isso aderência narcísica à tarefa primária. Ou seja, os sujeitos
“necessitam” identificar-se favoravelmente com a missão do estabelecimento
no qual trabalham, acreditar que seu trabalho tem um valor de uso.
- Quando o contexto de trabalho põe obstáculos à tarefa primária, seja por falta
de recursos humanos, de materiais ou por excesso de autoritarismo gerencial,
os sujeitos se valem de estratégias defensivas para atenuar o próprio
sofrimento psíquico: o chamado excessivo à ideologização, somatização,
burocratização, desenvolvimento de estados passionais (paixão descrevendo o
intenso sofrimento psíquico, próximo aos estados psicóticos, que se
experimenta ali [na instituição] 10
▪ Equipes com dificuldades para trabalhar conjuntamente, com falhas de
DEFESAS da comunicação, o conteúdo ideologizado de modo fundamentalista, não
EQUIPE de SAÚDE
dialetizado, maniqueísta = defesas das equipes
▪ Parece-nos importante entender que esses sintomas institucionais são parte
da produção da própria realidade de trabalho; pelo próprio contato
permanente com a dor, a morte e a dificuldade de simbolização que
situações como a pobreza extrema e a segregação nos provocam.
▪ Processos de identificação imaginária entre trabalhadores e usuários: se a ----> Lidar com
população da área de cobertura é vista como pobre, desvalida, degradada, o extremo
sem valor, depois de um tempo, a própria equipe se sentirá assim
barreiras que evitam pôr-se em contato com aquilo que tanto dói;
agressividade dos trabalhadores; função messiânica, colocando-se como
únicos salvadores dessa pobre gente; construção da passividade da
população. População passiva das políticas públicas
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Padecimento => Sofrimento
[Dimensões do padecimento subjetivo]
[Vulnerabilidade e risco]
lado negativo - Sofrer capturas: promove uma discriminação negativa dos grupos mais TUTELA
afetados, já não através do estigma, senão através de sua vitimização e =
controle
consequente tutela, o que nega o essencialmente positivo no interesse do uso
do conceito; é perder de vista novamente seu caráter eminentemente relacional
- Fazer sentido quando se analisa a “síntese singular” à qual se aplica.
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Entrecruzando conceitos: que políticas públicas produzimos e que
produzem nossas políticas públicas?
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▪ Considerar se aqui trata-se de valer-se da categoria de vulnerabilidade ou
do uso da categoria de risco em sua pior acepção: determinação da
condição de vulnerável exclusivamente por meio de valores e apreciações
Eu agente decido subjetivas dos agentes das políticas públicas; por exemplo, famílias
o que é melhor
para pct chamadas problemáticas nos territórios, em relação as quais se multiplicam
assistido esforços das equipes para vincula-las a programas sociais, subsídios
(bolsas) especiais, etc.; isso incide às vezes no cotidiano desses grupos
gerando algo identificável a uma espécie de entrega passiva, resignada, de
encarnação do lugar de objeto (objeto das políticas públicas); contribuímos,
assim, com a reprodução de figuras parentais destituídas, pais ineficazes
simbolicamente na hora de encarar a lei em seus lares, de mães
desqualificadas em sua ternura; famílias se estigmatizam e ficam fixadas
em sua impotência por causa de nossas intervenções, supostamente
responsáveis e bem intencionadas.
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Busca ativa sem reconhecimento dos lugares e de sua potência
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Ampliação da clínica sem responsabilização do sujeito
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▪ Muitas vezes, elimina-se o caráter processual desse apoio circunstancial: o
Ajudar => que era uma ajuda passageira, torna-se um modo de operar em relação a
OPRIMIR
determinado sujeito que fica omitido, assim, da responsabilidade que lhe
incumbe; espécie de cumplicidade da equipe com o usuário, contribuindo
para “fixá-lo” no lugar de pobre, necessitado, incapacitado, desvitalizado,
impotente; por outro lado, muitas vezes, para não cair nisso, não se ajuda, e
renegando essa contradição se produz desassistência
▪ Responsabilizar-se, de uma perspectiva psicanalítica, seria, aqui,
retomar a marca do desejo nas impossibilidades ou repetições das que
de tanto em tanto nos queixamos equipes e pacientes; certa direção até a
autonomia do sujeito se realiza mediante a responsabilização: busca de
saída da alienação, do gozo no sintoma, na construção de compromisso.
▪ Para além do princípio do prazer e dos ideais do bem comum, entender o
ser humano como movido por sua pulsão de vida mas também de morte é
fundamental. Em nossa experiência, só a aceitação dessa premissa teórica
já ajuda os profissionais a não se transformarem em juízes de seus
pacientes, a desistirem das abordagens meramente informativas
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Significações imaginárias e subjetividade da equipe: uma gestão
[Dimensão da gestão]
▪ A entendemos não como mera administração dos seres e das coisas, senão
mais bem como um dos modos de produzir as necessárias articulações
clínico-políticas na ingerência do cotidiano.
▪ Tentar produzir laços, redes, novas possíveis significações imaginárias nas
comunidades (com educação, com cooperativas, com grupos de discussão
em centros de saúde), parece imperioso.Torna-se necessário conseguir
que as equipes façam práxis em sua própria prática, mantendo ativas e
abertas as perguntas: para quê serve?, o que estamos produzindo?
▪ Como conseguir isso se as equipes não têm um espaço onde possam
analisar suas próprias dores de trabalhar, de ver, de ter de saber —todos os
dias — que existe toda essa injustiça e essa desigualdade e essa pobreza
de todas as ordens? As equipes que trabalham nessas regiões periféricas e
desfavorecidas necessitam ativamente de dispositivos desalienantes.
▪ Precisamos de uma gestão que, produzindo articulações político-
clínicas, assuma-se em seu caráter de gestão incluindo a subjetividade
da equipe e que assuma, assim, sua cota de responsabilidade na
produção do mundo. 23
Capítulo 3 Humano demasiado humano: uma abordagem do mal-estar
na instituição hospitalar
- Dizer que um hospital deve ser humanizado parece óbvio se pensamos que a
instituição hospitalar na realidade, existe para atender pessoas e é criado por
pessoas.
- Em geral associamos humano a um valor positivo em si. Mas a violência, a
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As vidas que se jogam dia a dia nos hospitais modernos não são unicamente
as dos pacientes; são também as deles. Nossa vida se ganha e se perde
muito mais do que na tênue divisória entre a vida e a morte; morremos e
vivemos em numerosas situações nas quais não estão em jogo nossas
batidas cardíacas, senão o pulso do nosso desejo. Preterido, esquecido,
escondido embaixo de muitas camadas impossíveis.
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O que temos feito, hegemonicamente, na gestão, com nossa humanidade?
Expulsá-la do foco de nosso objeto? Trabalhamos durante anos como se uma Nestor Wagner
organização pudesse ser pensada vazia de gente. Ou somente ocupada por
pessoas domesticadas pela racionalidade gerencial hegemônica
Se há um humano fragilizado, é o semelhante acometido por uma doença,
ou uma dor, ou qualquer sintoma que lhe produza um sofrimento que,
estando no corpo, ou além do corpo, sempre lhe evocará a fantasia da
própria morte.
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• Comportamento ideologizado: discursos prontos, cheios de palavras de ordem
que impedem sua problematização ou análise; uma coisa ou outra é boa ou má
em si, porque sim. Esse comportamento é um sintoma de sofrimento; como todo
sintoma, ele serve para alguma coisa e não pode ser retirado por decreto, nem
Possível sem consequências.
questão de prova: Kaës identifica ademais quatro formas de sofrimento institucional:
-------->
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[Espaço intermediário]
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Gestão hospitalar: produzindo valor de uso e sujeitos
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Eficácia x Eficiência
A ampliação da clínica: uma questão de eficácia
da instituição
-O valor de uso é permanente e socialmente produzido; muda o tempo todo
e sobre ele, como trabalhadores da saúde, também podemos influir; não é
natural, nem está dado a priori.
De um referencial marxista, o não reconhecimento da produção de valor
de uso e de mais-valia é o que caracteriza a alienação - os trabalhadores
não sabem para que trabalham, ignoram que, no mesmo momento e ato
que produzem valor de troca, estão produzindo valor de uso, mais-valia e
seu próprio desgaste.
No caso dos serviços assistenciais, como os hospitais, a autora defende
que o valor de uso estará sempre vinculado às modalidades clínicas
existentes de cada lugar e que isso é uma questão de eficácia.
[Eficácia e eficiência]
A lógica da produção de procedimentos substituiu a de produção de saúde
- planeja-se a saúde entendendo (hoje hegemonicamente) que os
serviços precisam ser eficientes.
Eficiência A eficiência é uma medida relacionada à produção no tempo, em relação a
=
Barato e Produtivo seu custo. Quanto mais produzo, em menos tempo e a menor preço, mais
eficiente sou. Produzo para quê? 34
Ensinaram-nos a produzir procedimentos, que são coisas fáceis de
contar, para mostrar produtividade, mas essas consultas produzem saúde?
Melhoram a vida das pessoas? Diminuem seu risco de morrer ou sua dor e
sofrimento?
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• Clínica ampliada X clínica tradicional; clínica ampliada X clínica
degradada (essa é a clínica predominante nos serviços de urgência e em
muitos outros, onde somente se trata de sintomas sem sentido: queixa-
conduta).
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Gerenciando no intermediário: alguns conceitos, arranjos e
dispositivos institucionais
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• Para esse autor, uma forma de trabalhar com essas duas categorias é
incorporar à gestão os conceitos de oferecimento e demanda.
Dispositivos e arranjos
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1. Arranjos
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- Chegam questões sobre as quais a própria Unidade não tem autonomia para
decidir, em forma de demandas que desencadeiam deliberações. Exemplo:
necessidade de ampliar a infraestrutura, contratação de pessoal, etc. Na
medida do possível, todas as outras decisões são tomadas pela equipe na
unidade de produção, ou em comunicação lateral com as outras Unidades, e
só chegam ao Colegiado se não conseguiram entender-se. I
Efeito SETTING
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→ Apoio Matricial:
2. Dispositivos
Diferentemente
•
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• Esse suporte, quando o pensamos em relação ao planejamento, tem
relação com o componente subjetivo dos grupos que planejam.
• Nesse novo papel, os planejadores de ontem precisam menos de técnicas
de planejamento, e mais de conhecimentos e formação para tratar com
pessoas, considerando o que está em jogo: identificações, ameaças
narcísicas, etc.
• O deslocamento do eu ao nós é paradigmático do mal-estar freudiano: todos
terão de pagar um preço para que a ilusão do trabalho comum possa ser
recriada.
• Como não se faz isso sem dor, é necessário criar espaços suficientemente
tróficos que alimentem o grupo - espaços protegidos, mediados inicialmente
por um terceiro, em que os temores possam ser explicitados e o não dito
possa ter um lugar em palavras; espaço no qual as questões de poder
possam ser formalmente suspendidas por alguns momentos.
• O que se propõe é que, durante esse espaço de tempo e encontro, a
qualidade de ser chefe possa ser experimentada de maneira diferente. Só
quando o lugar do chefe é destituído formalmente do poder por algumas
horas é que esse lugar pode aparecer em suas dimensões mítica e
simbólica. Sem análise sobre essas dimensões, nunca se operarão
mudanças na estrutura formal do poder institucional
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• O papel de manejo, da forma que o pensamos quando aplicado ao planejamento
de projetos, tem relação com os oferecimentos. E nunca se exercerá separado
do de suporte. Quem entra nesse tipo de proposta deverá ter o que oferecer.
No caso dos serviços assistenciais que nos ocupam, as questões derivadas dos
modelos clínicos, suas formas de operar, as formas de organizar o trabalho que
lhe dão sustentação, etc. serão centrais. Portanto, deveremos saber o que fazer,
ter caminhos para mostrar.
[Projeto e plano]
- Um plano corresponde ao momento técnico de uma atividade, quando os
recursos podem e devem ser operacionalizados; mas é necessário contar primeiro
e antes com um projeto.
- Atribuímos o caráter de fenômeno intermediário (transicional) ao projeto,
não ao plano. E defendemos que o projeto e sua possível existência sempre terá
relação com os sujeitos envolvidos em seu desenvolvimento e suas relações
intersubjetivas; o projeto é guiado por um sentido. É no momento do projeto que
posso desejar projetar(me) com os outros para transformar o mundo
- Proposta da autora é de sair dos formatos de métodos de planejamento
prescritivos, técnicos, com estímulo a fazer práxis na prática de apoiador
institucional. Tarefa complexa, diferente da que ensinaram na formação dos
especialistas, e que só pode ser possível diante da abertura a outros referenciais
disciplinários - defesa da interdisciplinariedade 45
.
Capítulo 5 Clínica: a palavra negada sobre as práticas clínicas nos
serviços substitutivos de saúde mental
def de Clínica ➢ Clínica para a autora são as práticas de todas as profissões que lidam no dia a
dia com diagnóstico, tratamento, reabilitação e prevenção secundária. Isto
reforça o argumento sobre a especificidade do Planejamento em Saúde: quem
quer contribuir para planejar mudanças em serviços de saúde deve dispor de um
certo leque de modelos clínicos, e isso é uma questão de eficácia; precisa,
necessariamente, de interlocução com a clínica
➢ Serviços de saúde com dupla finalidade (Campos): produzir valores de uso
(práticas produtoras de saúde, curadoras, cuidadoras e preventivas) e sujeitos
trabalhadores mais autônomos e prazerosos. A autora pensa o Planejamento
como dispositivo e, assim sendo, ele se constitui como uma práxis que visa à
produção e não somente à ação, e defendemos que essa produção pode, muito
bem, ser compromissada com essa dupla finalidade.
➢ É preciso resgatar para o Planejamento em Saúde uma preocupação
fundamental com os sujeitos que trabalham nos serviços de saúde, com a
finalidade de subsidiar um exercício profissional que estimule novas maneiras de
subjetivação, e também, nos preocupar com o desenvolvimento de uma reflexão
sobre as modelagens clínicas que possa se constituir em suporte para novas
práticas. 46
➢ A tradição dessa área tem tratado a clínica como uma prática que não interessa
ao campo dos nossos saberes efetivos prévios; por vezes aparece como oposta
e estruturalmente contraposta à prevenção e à promoção da saúde (visões
reducionistas predominantes no campo)
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O espaço da clínica na organização de serviços substitutivos de saúde
mental: um conjunto vazio?
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➢ Autora traz a experiência de que a doença não foi posta entre parêntesis,
PERIGO para recolocar o foco no doente, a doença foi negada, negligenciada, oculta
por trás dos véus de um discurso que, às vezes, e lamentavelmente,
transformou-se em ideológico. Nessa linha, é possível reconhecer no
discurso de alguns membros da comunidade antimanicomial certa
idealização da loucura, negação das dificuldades concretas e materiais do
que significa viver como portador de sofrimento psíquico e minimização do
verdadeiro sofrimento que se encarna nesses pacientes, por exemplo, no
surto psicótico
➢ Opera-se uma certa “neurotização” do psicótico (por parte de analistas):
nada se sabe, o sujeito tem de demandar, tomar decisões e advir. Ora, se
um psicótico pudesse fazer isso não precisaria de serviços especiais. Sem
dúvida, existem concepções clínicas embasando essas práticas. O que
desejamos ressaltar é a necessidade de ampliar o debate sobre a clínica
possível no serviço público de Saúde Mental. Particularmente sobre uma
clínica das psicoses.
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Alguns eixos para pensar a clínica na organização dos serviços substitutivos na rede
pública Eixos: (1) crise, (2) família, (3) grupo, (4) trabalho e a (5) equipe e o projeto
✓ A autora propõe eixos como núcleos temáticos, em volta dos quais agrupam-se inúmeras
práticas que acontecem em serviços dos mais variados. Ressaltá-los como eixos tem a
intenção de criticar a naturalização dessas práticas, resgatar seu valor de uso do ponto de
vista do que, de fato, pretende ser produzido. Destaque que fundamentamos na
necessidade de nos interrogarmos sobre o sentido de nosso trabalho, sobre o valor de
nossas práticas, sobre a eficácia.
→ A crise
➢ Na maioria dos casos os serviços de atenção à saúde mental vem se definindo com uma
vocação especial para o atendimento de psicóticos e neuróticos graves. Na maioria deles,
também, colocando-se com maior ou menor ênfase a necessidade de serem — de fato —
substitutivos à internação psiquiátrica integral.
➢ A autora constata que não há taxa zero de internações, mas a redução da frequência de
internações é muito importante depois que se vinculam a algum serviço substitutivo, e
considerados o montante de pacientes e a quantidade de encaminhamentos feitos para
unidades de internação a taxa é relativamente baixa
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➢ Autoriza-se a dizer que os serviços substitutivos são definitivamente eficazes em prevenir
internações
➢ Usuários que acabam sendo internados vivem, diante deste episódio, uma quebra de sua
Quando
há a vinculação com o serviço, que resulta, após ela, que ele volte a ficar fragilizado e exposto ao
internação risco de novas internações.
➢ Se assumirmos que o momento do surto é, para pacientes e técnicos, momento de
fundamental importância, poderemos escapar da simples reiteração do valor ideológico (“não
internarás”!) e propor outras saídas entendermos esse momento apontará para nós
a necessidade de qualificar os serviços substitutivos para intervir na crise.
➢ E deveremos reconhecer que em alguns usuários e em algumas situações a necessidade de
resguardo, proteção e contenção serão fortemente colocadas pelo aparecimento do surto.
Assim, quando o serviço não dispõe nem mesmo do espaço físico (às vezes também não do
psíquico, nem do técnico) para acolher a crise, a única saída que pode ser enxergada pela
equipe é encaminhar para internação
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➢ No seu momento de maior sofrimento e fragilidade, o paciente é exposto a uma quebra extra
de seus referenciais e vínculos; irá parar em um espaço que, de fato, ele não conhece, entre
pessoas que ele nunca viu, e ser “tratado” por uma equipe que não conhece sua história;
possibilidade de produzir da crise uma passagem para alguma outra coisa fica prejudicada.
➢ No melhor dos casos, se o usuário consegue no episódio da internação ligar-se de alguma
maneira a alguém da equipe de internação, logo ele será submetido a uma nova perda. O
sistema coloca o imperativo (antimanicomial) de essas Unidades de Internação trabalharem
na lógica de uma porta giratória: entrou, melhorou, saiu experiência se transforma em
mais um episódio banalizado
➢ A possibilidade de acompanhar a crise dos usuários está colocada para grande parte dos
serviços. Um compromisso com essa questão exigirá da equipe a possibilidade de sustentar
sua própria crise. Transformar o surto em passagem, em algo que pode ser tratado e
acompanhado e não somente abafado por grande quantidade de remédios. Para isso ser
suportável a própria equipe precisará de cuidados. Sabemos que tal não é sempre fácil no
setor público.
➢ Sustentada nessa posição clínica, pensamos ser possível uma primeira diretriz para a
organização de um sistema de saúde mental: a da necessidade de trabalhar com
equipamentos não intermediários, mas verdadeiramente substitutivos
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➢ Fugindo da lógica do entra-e-sai e substituindo-a pela da responsabilização. Para isso
acontecer deveria ser possível contar com um apoio institucional para a própria equipe.
→ A família
➢ Muitas das famílias de psicóticos têm uma relação culposa com a institucionalização do
parente - entre querê-los de volta (para mitigar a culpa) e o medo e o incômodo concreto e
terrível de ter um louco em casa
➢ Assim, no caso dos serviços substitutivos, o objetivo declarado de evitar as perdas de
laços sociais e familiares aponta o imperativo de tratar também as famílias.
Na maioria dos serviços que conhecemos existe algum espaço destinado a trabalhar com
famílias, porém, muitas vezes, é um espaço esvaziado de sentido: informação da evolução do
paciente, como uma degradação eficiente do direito à informação; usuário visto como objeto do
qual há de se ter informação ou sentindo-se ameaçado; a história não é mais do sujeito
Não ser esvaziado de sentidos
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➢ A autora atribui a uma parte dessa dificuldade à falta de formação; é difícil trabalhar com
famílias, e há na rede pública poucas pessoas com essa capacitação específica; também está
relacionada à perda de sentido das nossas práticas, com o véu produzido nas equipes, que
imprime sua marca acrítica no dia a dia dos trabalhadores de saúde. Esquecemos o valor da
pergunta “para quê ” assumirmos essa posição nos permite aceder a um para quê tratar
essas famílias
➢ Podemos assim sugerir uma outra diretriz para o sistema público: ao se pensar na população-
sugestão alvo de um dado serviço, talvez seja necessário redimensionar a oferta de atendimento
da autora incrementando aos usuários potenciais, reservando uma percentagem para as famílias.
Sabendo disso, avaliar também a necessidade de aprimorar a formação dos profissionais que
trabalham na rede pública de maneira específica.
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→ O grupo
➢ O grupo pode ser um espaço privilegiado para vivenciar-se de uma nova maneira as
transferências maciças dos psicóticos; um espaço que possa constituir-se em passagem:
um lugar no qual algumas coisas possam ser reparadas, as invasões à própria subjetividade
não sejam vividas como mortíferas, e a dificuldade de viver possa ser acompanhada.
➢ Contudo, gostaríamos de salientar o peso da estruturação do serviço público sobre esse
dispositivo de tratamento: espaço é banalizado sem a clareza clareza de para quê o fazem;
os usuários são “encaminhados” para o grupo e “devem” ir, nunca ninguém se perguntando
sobre o quê esse espaço significa para esse usuário em particular.
➢ O grupo transforma-se assim, às vezes, em um véu sobre o mandato de fazer eficiente o
serviço: atende-se oito ou dez pessoas em uma hora (garantindo produtividade), mas se
degrada a singularidade dos casos
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→ O trabalho
➢ Outra questão que mereceria ser resgatada na clínica e explorada com psicóticos é o uso de
outros mediadores que não a palavra. Desenhos, tintas, argila. . . Há coisas de que os loucos
não falam
➢ Diferença básica entre fazer alguma coisa (ou qualquer coisa), e fazer coisas que possam vir a
ter sentido para cada usuário: oficinas que — chamando-se de terapêuticas — se estruturam
Crítica somente em base do produzido (em produto para a cooperativa vender, por exemplo) e não do
que produzem concretamente sobre a singularidade de cada usuário que se encontra inserido
na “linha” de produção
➢ Claro que, na direção de pôr a doença entre parênteses, o fato de estar inserido em uma
produção que lhe traz algum pagamento produz efeitos: o usuário pode vir a desempenhar
outros papéis, que não somente o de enlouquecido da casa. Essa é a parte da intervenção
psicossocial que pode e deve ser preservada; o que gostaríamos de ressaltar é que o espaço da
produção, com tudo o que ele tem potencialidade de produzir no usuário, é frequente e
lamentavelmente banalizado; quais as consequências para um psicótico de trabalhar numa linha
de produção na qual ele só enxerga um pedaço do produto?; risco, de a ação social prevalecer
sobre a interlocução precisa fazer sentido
para o pct
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➢ Mais uma consideração sobre as consequências que poderíamos extrair disso para a
estruturação dos serviços públicos: pensarmos espaços nos quais possam se “fazer” coisas
além de se dizer coisas.
➢ E pensarmos no trabalho também como produção do sujeito em si, não somente como
reprodução material. Procurando sempre que possível a construção de sentido dessa
reprodução social, para ela não vir a ser simples adaptação social.
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➢ Para Kaës, a instauração do espaço psíquico do ser-conjunto se sustenta na possibilidade de
recriar a ilusão institucional, oferecendo referencias para a aderência narcísica de seus
membros, pois a falha de ilusão institucional priva os sujeitos de uma satisfação importante e
debilita o espaço psíquico comum dos investimentos imaginários que vão sustentar a realização
do projeto da instituição
➢ E essa não é uma tarefa fácil nos serviços públicos, muitos dos quais se encontram
burocratizados ou submetidos ao gerenciamento autoritário. A compreensão dos aspectos
subjetivos envolvidos pode contribuir para repensar nosso papel como apoiadores das equipes.
[Ideologia]
➢ Umas das saídas institucionais ao sofrimento é o apelo exagerado ao ideológico. Ideologia que
funciona aí como falsa consciência, véu, obturando a possibilidade de se interrogar sobre o
sentido das próprias práticas
➢ Deveríamos criar uma rede de sustentação, de suporte, na qual os pacientes possam
experimentar, de novo, suas transferências maciças, com resultados diferentes. Mas destacamos
que, para isso, a própria equipe deve ter suporte, holding - função faz parte do novo papel do
apoiador institucional.
➢ Nos serviços de saúde mental a análise da situação institucional estará sempre fortemente
entrelaçada com a discussão clínica. Não é possível discutir casos sem pôr em análise o
funcionamento da equipe. A natureza do que ali é tratado faz essa separação indesejável. 61
➢ Planejadores devem aprimorar o entendimento em relação às modelagens clínicas: tomar
posição, não ser mais “neutros”, em relação às propostas clínicas nisso consiste nosso
handing: manejo, e já não mais apenas no domínio de técnicas para preencher planilhas de um
plano, que talvez nunca venha a ser executado.
➢ Sustentamos que o Planejamento em Saúde estará sempre ligado às questões advindas das
modelagens clínicas e da subjetividade dos grupos que estão em ação
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Capítulo 6 Elas continuam loucas: de que serviria aos serviços públicos de saúde uma releitura
dos textos de Freud sobre a histeria?
➢ Freud propôs a escuta do sofrimento das histéricas, devolvendo-lhes a possibilidade da palavra ali
onde faltava
➢ Para ele, não é o trauma o agente provocador que desencadearia o sintoma, é sua lembrança;
interessava a ele detalhar como, mostrar como esses afetos poderiam estar em jogo na histeria e,
também, sua relação “simbólica” com os sintomas apresentados
Usuárias dos CAPS
➢ Aspectos que aparecem com bastante frequência em consultas de mulheres nos serviços públicos
de saúde - mulheres chefes de família da periferia, dotadas de inteligência, sensibilidade e
“chegadas em um exagero”; com uma capacidade de doar-se ao outro que faz parte da estratégia
de sobrevivência de muitas comunidades – expressos através de alguns casos atendidos e
associados a casos clínicos de Freud
[Transferência]
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ESTUDO DIRIGIDO PSI
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