Doutor É Quem Faz Doutorado

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Doutor é quem faz Doutorado

No momento em que nós do Ministério Público da União nos preparamos para atuar contra
diversas instituições de ensino superior por conta do número mínimo de mestres e doutores, eis que
surge (das cinzas) a velha arenga de que o formado em Direito é Doutor.
A história, que, como boa mentira, muda a todo instante seus elementos, volta à moda. Agora
não como resultado de ato de Dona Maria, a Pia, mas como consequência do decreto de D. Pedro I.
Fui advogado durante muitos anos antes de ingressar no Ministério Público. Há quase vinte
anos sou Professor de Direito. E desde sempre vejo "docentes" e "profissionais" venderem essa balela
para os pobres coitados dos alunos.
Quando coordenador de Curso tive o desprazer de chamar a atenção de (in) docentes que
mentiam aos alunos dessa maneira. Eu lhes disse, inclusive, que, em vez de espalharem mentiras
ouvidas de outros, melhor seria ensinarem seus alunos a escreverem, mas que essa minha esperança
não se concretizaria porque nem mesmo eles sabiam escrever.
Pois bem!
Naquela época, a história que se contava era a seguinte: Dona Maria, a Pia, havia "baixado um
alvará" pelo qual os advogados portugueses teriam de ser tratados como doutores nas Cortes
Brasileiras. Então, por uma "lógica" das mais obtusas, todos os bacharéis do Brasil, magicamente,
passaram a ser Doutores. Não é necessária muita inteligência para perceber os erros desse raciocínio.
Mas como muita gente pode pensar como um ex-aluno meu, melhor desenvolver o pensamento (dizia
meu jovem aluno: "o senhor é Advogado; pra que fazer Doutorado de novo, professor?").
1) Desde já saibamos que Dona Maria, de Pia nada tinha. Era Louca mesmo! E assim era
chamada pelo Povo: Dona Maria, a Louca!

2) Em seguida, tenhamos claro que o tão falado alvará jamais existiu. Em 2000, o Senado Federal
presenteou-me com mídias digitais contendo a coleção completa dos atos normativos desde a Colônia
(mais de quinhentos anos de história normativa). Não se encontra nada sobre advogados, bacharéis,
dona Maria, etc. Para quem quiser, a consulta hoje pode ser feita pela Internet.
3) Mas digamos que o tal alvará existisse e que dona Maria não fosse tão louca assim e que o
povo fosse simplesmente maledicente. Prestem atenção no que era divulgado: os advogados
portugueses deveriam ser tratados como doutores perante as Cortes Brasileiras. Advogados e não
quaisquer bacharéis. Portugueses e não quaisquer nacionais. Nas Cortes Brasileiras e só! Se você,
portanto, fosse um advogado português em Portugal não seria tratado assim. Se fosse um bacharel
(advogado não inscrito no setor competente), ou fosse um juiz ou membro do Ministério Público você
não poderia ser tratado assim. E não seria mesmo. Pois os membros da Magistratura e do Ministério
Público tinham e têm o tratamento de Excelência (o que muita gente não consegue aprender de jeito
nenhum). Os delegados e advogados públicos e privados têm o tratamento de Senhoria. E bacharel, por
seu turno, é bacharel; e ponto final!
4) Continuemos. Leiam a Constituição de 1824 e verão que não há "alvará" como ato
normativo. E ainda que houvesse, não teria sentido que alguém, com suas capacidades mentais
reduzidas (a Pia Senhora), pudesse editar ato jurídico válido. Para piorar: ainda que existisse, com os
limites postos ou não, com o advento da República cairiam todos os modos de tratamento em
desacordo com o princípio republicano da vedação do privilégio de casta. Na República vale o mérito.
E assim ocorreu com muitos tratamentos de natureza nobiliárquica sem qualquer valor a não ser o
valor pessoal (como o brasão de nobreza de minha família italiana que guardo por mero capricho
porque nada vale além de um cafezinho e isto se somarmos mais dois reais).
A coisa foi tão longe à época que fiz questão de provocar meus adversários insistentemente até
que a Ordem dos Advogados do Brasil se pronunciou diversas vezes sobre o tema e encerrou o
assunto.
Agora retorna a historieta com ares de renovação, mas com as velhas mentiras de sempre.
Agora o ato é um "decreto". E o "culpado" é Dom Pedro I (IV em Portugal).
Mas o enredo é idêntico. E as palavras se aplicam a ele com perfeição.
Vamos enterrar tudo isso com um só golpe?!
A Lei de 11 de agosto de 1827, responsável pela criação dos cursos jurídicos no Brasil, em seu
nono artigo diz com todas as letras: "Os que frequentarem os cinco anos de qualquer dos Cursos, com
aprovação, conseguirão o grau de Bachareis formados. Haverá tambem o grau de Doutor, que será
conferido àqueles que se habilitarem com os requisitos que se especificarem nos Estatutos que devem
formar-se, e só os que o obtiverem poderão ser escolhidos para Lentes".
Traduzindo o óbvio. A) Conclusão do curso de cinco anos: Bacharel. B) Cumprimento dos
requisitos especificados nos Estatutos: Doutor. C) Obtenção do título de Doutor: candidatura a Lente
(hoje Livre-Docente, pré-requisito para ser Professor Titular). Entendamos de vez: os Estatutos são das
respectivas Faculdades de Direito existentes naqueles tempos (São Paulo, Olinda e Recife). A Ordem
dos Advogados do Brasil só veio a existir com seus Estatutos (que não são acadêmicos) nos anos
trinta.
Senhores.

Doutor é apenas quem faz Doutorado. E isso vale também para médicos dentistas, etc, etc.
A tradição faz com que nos chamemos de Doutores. Mas isso não torna Doutor nenhum
médico, dentista, veterinário e, mui especialmente, advogados.

Falo com sossego.


Afinal, após o meu mestrado, fui aprovado mais de quatro vezes em concursos no Brasil e na
Europa e defendi minha tese de Doutorado em Direito Internacional e Integração Econômica na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Aliás, disse eu: tese de Doutorado! Esse nome não se aplica aos trabalhos de graduação, de
especialização e de mestrado. E nenhuma peça judicial pode ser chamada de tese, com decência e
honestidade.
Escrevi mais de trezentos artigos, pareceres (não simples cotas), ensaios e livros. Uma
verificação no sítio eletrônico do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) pode compravar o que digo.
Tudo devidamente publicado no Brasil, na Dinamarca, na Alemanha, na Itália, na França, Suécia,
México. Não chamo nenhum destes trabalhos de tese, a não ser minha sofrida tese de Doutorado.
Após anos como Advogado, eleito para o Instituto dos Advogados Brasileiros (poucos são),
tendo ocupado comissões como a de Reforma do Poder Judiciário e de Direito Comunitário e após
presidir a Associação Americana de Juristas, resolvi ingressar no Ministério Público da União para
atuar especialmente junto à proteção dos Direitos Fundamentais dos Trabalhadores públicos e privados
e na defesa dos interesses de toda a Sociedade. E assim o fiz: passei em quarto lugar nacional, terceiro
lugar para a região Sul/Sudeste e em primeiro lugar no Estado de São Paulo. Após rápida passagem
por Campinas, insisti com o Procurador-Geral em Brasília e fiz questão de vir para Mogi das Cruzes.
Em nossa Procuradoria, Doutor é só quem tem título acadêmico. Lá está estampado na parede
para todos verem.
E não teve ninguém que reclamasse; porque, aliás, como disse linhas acima, foi a própria
Ordem dos Advogados do Brasil quem assim determinou, conforme as decisões seguintes do Tribunal
de Ética e Disciplina: Processos: E-3.652/2008; E-3.221/2005; E-2.573/02; E-2067/99; E-1.815/98.
Em resumo, dizem as decisões acima: não pode e não deve exigir o tratamento de Doutor ou
apresentar-se como tal aquele que não possua titulação acadêmica para tanto.
Como eu costumo matar a cobra e matar bem matada, segue endereço oficial na Internet para
consulta sobre a Lei Imperial:
www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_63/Lei_1827.htm

Os profissionais, sejam quais forem, têm de ser respeitados pelo que fazem de bom e não arrogar
para si tratamento ao qual não façam jus. Isso vale para todos. Mas para os profissionais do Direito é
mais séria a recomendação.
Afinal, cumprir a lei e concretizar o Direito é nossa função. Respeitemos a lei e o Direito,
portanto; estudemos e, aí assim, exijamos o tratamento que conquistarmos. Mas só então.
PROF. DR. MARCO ANTÔNIO RIBEIRO TURA , 41 anos, jurista. Membro vitalício do Ministério
Público da União. Doutor em Direito Internacional e Integração Econômica pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito Público e Ciência Política pela Universidade Federal de
Santa Catarina. Professor Visitante da Universidade de São Paulo. Ex-presidente da Associação
Americana de Juristas, ex-titular do Instituto dos Advogados Brasileiros e ex-titular da Comissão de
Reforma do Poder Judiciário da Ordem dos Advogados do Brasil.
http://cafehistoria.ning.com/group/historiadaadvocacianobrasil/forum/topics/por-que-advogado-e-
chamado-de

“O título de doutor foi concedido aos advogados por Dom Pedro I, em 1827. Título este que não se
confunde com o estabelecido pela Lei nº 9.394/96 (Diretrizes e Bases da Educação), aferido e
concedido pelas Universidades aos acadêmicos em geral.

A Lei de diretrizes e bases da educação traça as normas que regem a avaliação de teses acadêmicas.
Tese, proposições de idéias, que se expõe, que se sustenta oralmente, e ainda inédita, pessoal e
intransferível.
Assim, para uma pessoa com nível universitário ser considerada doutora, deverá elaborar e defender,
dentro das regras acadêmicas e monográficas, no mínimo uma tese, inédita. Provar, expondo, o que
pensa.

A Lei do Império de 11 de agosto de 1827: “ cria dois cursos de Ciências Jurídicas e Sociais; introduz
regulamento, estatuto para o curso jurídico; dispõe sobre o título (grau) de doutor para o advogado”. A
referida Lei possui origem legislativa no Alvará Régio editado por D. Maria I, a Pia (A Louca), de
Portugal, que outorgou o tratamento de doutor aos bacharéis em direito e exercício regular da
profissão, e nos Decreto Imperial (DIM), de 1º de agosto de 1825, pelo Chefe de Governo Dom Pedro
Primeiro, e o Decreto 17874A de 09 de agosto de 1827 que: “Declara feriado o dia 11 de agosto de
1827”. Data em que se comemora o centenário da criação dos cursos jurídicos no Brasil. Os referidos
documentos encontram-se microfilmados e disponíveis para pesquisa na encantadora Biblioteca
Nacional, localizada na Cinelândia (Av. Rio Branco) – Rio de Janeiro/RJ.

A Lei 8.906 de 04 de julho de 1994, no seu artigo 87 (EOAB – Estatuto da OAB), ao revogar as
disposições em contrário, não dispôs expressamente sobre a referida legislação. Revoga-la tacitamente
também não o fez, uma vez que a legislação Imperial constitui pedra fundamental que criou os cursos
jurídicos no país.

Ademais, a referida legislação Imperial estabelece que o título de Doutor é destinado aos bacharéis em
direito devidamente habilitados nos estatutos futuros. Sendo assim, basta tecnicamente para ostentar o
título de Doutor, possuir o título de bacharel em direito e portar a carteira da OAB, nos termos do
regulamento em vigor.

O título de doutor foi outorgado pela primeira vez no século XII aos filósofos – DOUTORES
SAPIENTIAE, como por exemplo, Santo Tomás de Aquino, e aos que promoviam conferências
públicas, advogados e juristas, estes últimos como JUS RESPONDENDI. Na Itália o advogado
recebeu pela primeira vez título como DOCTOR LEGUM, DOCTORES ÉS LOIX. Na França os
advogados eram chamados de DOCTORES CANONUM ET DECRETALIUM, mais tarde
DOCTORES UTRUISQUE JURIS, e assim por diante em inúmeros outros países. Pesquisa histórica
creditada ao digníssimo Doutor Júlio Cardella (tribuna do Advogado, 1986, pág.05), que considera
ainda que o advogado ostenta legitimamente o título antes mesmo que o médico, uma vez que este,
ressalvado o seu imenso valor, somente recebeu o título por popularidade.

E mais além, para àqueles que a Bíblia detém alguma relevância histórica, são os juristas, àqueles que
interpretavam a Lei de Móises, no Livro da Sabedoria, considerados doutores da lei.

Não obstante, o referido título não se reveste de mera benesse monárquica. O exercício da advocacia
consubstancia-se essencialmente na formação de teses, na articulação de argumentos possíveis
juridicamente, em concatenar idéias na defesa de interesses legítimos que sejam compatíveis com o
ordenamento jurídico pátrio. Não basta, portanto, possuir formação intelectual e elaborar apenas uma
tese. “Cada caso é um caso”. As teses dos advogados são levadas à público, aos tribunais, contestadas
nos limites de seus fundamentos, argumentos, convencimento, e por fim julgadas à exaustão. Se
confirmadas pela justiça passam do mundo das idéias, para o mundo real, por força judicial. Não resta
dúvida que a advocacia possui o teor da excelência intelectual, e por lei, os profissionais que a exercem
devem ostentar a condição de doutores. É o advogado, que enquanto profissional do direito, que deve a
si mesmo o questionamento interior de estar à altura de tão elevada honraria, por mérito, por
capacidade e competência, se distinto e justo na condução dos interesses por Ele defendido. Posto que
apreendemos no curso de direito que uma mentira muitas vezes dita aparenta verdade. Mas na sua
essência será sempre mentira.

Não é difícil encontrar quem menospreze a classe dos advogados, expurgando dos seus membros o
título legítimo de Doutor. Mas é inerente a capacidade intelectual compreender que o ignorante fala, e
só, nos domínios dos conhecimentos seus, e, portanto, não detém nenhum domínio.

Apenas energia desperdiçada inutilmente! A jóia encravada no seu crânio é estéril. As razões de direito
e argumentos jurídicos aduzidos, fincam convicção de que ostentar o título de doutor, para o advogado
é um direito, e não uma mera benevolência. Tal raciocínio nos conduz a conclusão de que o título
acadêmico e o título dado à classe advocatícia não se confundem, possuem natureza diversa. E
sustentar qualquer um dos dois é sem dúvida um ato de imensa coragem e determinação. Exige do ser
humano o mínimo de capacidade intelectual em concatenar idéias, assimilar conhecimentos, fatos e
atos, correlacionar, verbalizar, o todo, a parte… etc. Melhor ir além…e no caso do advogado, sem
dúvida, exige mais… independência de caráter, isenção, continuidade, credibilidade, responsabilidade.
Aos doutores advogados por tanto e tanto, deve-se, seguramente, elevada estima e grande
consideração, por entregarem suas vidas profissionais à resolução de conflitos de interesses, dando
muitas vezes a casos insolúveis, admirável solução.” [sic]

Carmen Leonardo do Vale Poubel


Advogada em Cachoeiro de Itapemirim – ES
http://cafehistoria.ning.com/group/historiadaadvocacianobrasil/forum/topics/por-que-advogado-e-
chamado-de

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