1 - Buried Bumper Syndrome Um Relato de Caso

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Revista Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação- REASE

doi.org/10.51891/rease.v8i12.8091

BURIED BUMPER SYNDROME: UM RELATO DE CASO

Ygor Rocha Fernandes1


Amadeu Fernandes Filho2

INTRODUÇÃO

A buried bumper syndrome (BBS) é uma complicação decorrente da gastrostomia


endoscópica percutânea. Consiste no crescimento de mucosa gástrica sobre o anteparo
interno da gastrostomia com alojamento do mesmo em qualquer local no trajeto formado
pela sonda, desde as camadas da parede gástrica até as da parede abdominal. Com incidência
variando de 0,9% a 8,8%, é tipicamente tardia (após 3 a 6 meses), mas também foram
descritos casos precoces, como após 15 a 30 dias da gastrostomia. 840
Clinicamente, caracteriza-se pelo sepultamento progressivo do anteparo da
gastrostomia pela mucosa gástrica, com consequente dificuldade de passagem até cessação
total da infusão da dieta, dor abdominal durante a infusão, dificuldade de mobilização e
sinais flogísticos no orifício da pele, podendo ocorrer complicações locais como celulite. A
tração excessiva é o principal fator causador, mas outros fatores como ganho de peso em
resposta à alimentação enteral e tosse intensa também devem ser levados em consideração.
Na presença de sinais e sintomas sugestivos, a endoscopia deve ser realizada para
diagnóstico e planejamento terapêutico. Na maioria dos casos o septo interno soterrado é
removido por meio de uma incisão externa onde a sonda penetra na pele sob anestésico local
ou por laparotomia. Essa abordagem pode causar dor localizada, infecção da ferida ou fístula
gastrocutânea. Várias alternativas endoscópicas têm sido propostas para o tratamento
minimamente invasivo desses pacientes.

1
Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP, SJRP – SP.
2
Faculdade de Medicina de Marília, Marília – SP.

Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v.8.n.12. dez. 2022.
ISSN - 2675 – 3375
Revista Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação- REASE

O presente estudo foi relatado no Hospital de Base de São José do Rio Preto e tem
como objetivo discutir uma rara complicação da gastrostomia endoscópica, expondo os
principais fatores de risco, técnica, medidas de prevenção e conduta terapêutica.

RELATO DE CASO

Paciente de sexo feminino, 90 anos, hipertensa e acamada desde 2016 devido a fratura
de fêmur, comparece ao Hospital de Base no final de setembro de 2022 acompanhada pela
filha, cujo queixa na ocasião era de uma astenia e rebaixamento do estado clínico geral. Na
ocasião, a paciente realizou rastreio infeccioso, constatando se tratar de uma pneumonia
adquirida na comunidade associado a um quadro de infecção do trato urinário. Esteve
internada aos cuidados da clínica médica e durante internação prolongada foi proposto a
realização de gastrostomia endoscópica percutânea (GEP) a fim de garantir uma via
alimentar definitiva, visto que paciente se encontrava em uso de sonda nasoenteral por mais
de duas semanas e mantinha alteração de nível de consciência apesar do tratamento
proposto. O procedimento ocorreu em 20 de outubro, sem intercorrências, seguindo a
técnica de tração (Gauderer-Ponsky) e com posterior revisão endoscópica. 841

Figura 1: Visualização do anteparo em parede gástrica após GEP.

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Paciente apresentou boa resposta clínica e compensação do quadro inicial, recebendo


alta médica ao final do mês. Porém, retorna após 23 dias da confecção da gastrostomia
endoscópica apresentando extravasamento de secreção ao redor da gastrostomia e queixa de
obstrução, apresentando dificuldade em progredir dieta enteral. Em exame físico,
encontrava-se em regular estado geral, febril e foi evidenciado a presença de hiperemia em
parede abdominal em região de hipocôndrio esquerdo se estendendo até região dorsal, mal
definida, levemente endurecida. Foi diagnosticada com infecção de partes moles, sendo
iniciado antibioticoterapia de amplo espectro, solicitado tomografia de abdome e pelve, além
de avaliação da equipe da cirurgia geral quanto a necessidade de abordagem cirúrgica e
drenagem.
Em exame de imagem após internação, foi evidenciado coleção gasosa na tela
subcutânea profunda no hemiabdome à esquerda, adjacente à gastrostomia, de difícil
mensuração pelo método, sem alteração quanto órgãos e estruturas intracavitárias.

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Figura 2: Gastrostomia alocada em subcutâneo, com coleção gasosa em hemiabdome esquerdo.

Em discussão conjunta da equipe da cirurgia geral com equipe da endoscopia


digestiva foi optado por realização de nova endoscopia digestiva para avaliação gastrostomia
e retirada da mesma.

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Figuras 3 e 4: Não visualizado anteparo interno de sonda de gastrostomia no meio intragástrico, visualizado
em parede anterior do corpo distal, cicatriz branca de 5mm (pertuíto prévio da gastrostomia).

Em endoscopia digestiva não foi visualizado anteparo interno de sonda de


gastrostomia no meio intragástrico, o que pode corresponder a sepultamento do anteparo na
parede gástrica, sendo realizado o diagnóstico de Buried bumper syndrome. Optado por
passagem de sonda nasoenteral pós-pilórica para garantir via alimentar e retirada da
gastrostomia, observando celulite importante ao redor da mesma, com saída de secreção
purulenta após retirada. 843
Paciente evoluiu em leito de enfermaria, aos cuidados da equipe da clínica médica,
porém, apesar do tratamento proposto para celulite de parede abdominal com Tazocin e
Vancomicina a paciente persiste com parede abdominal dolorosa e endurecida à palpação e
elevação de provas inflamatórias, com presença de coleção de 460cm³ evidenciada em
ultrassom, sendo optado por drenagem à beira-leito da coleção pela Cirurgia Geral com
colocação de dreno de penrose e reintroduzido antibioticoterapia com Tazocin.

Figuras 5 e 6: Hemiabdome esquerdo apresentando ferida operatória com saída de secreção seropurulenta e
dreno de penrose em região prévia do abscesso de parede.

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A mesma apresentou boa evolução do quadro de celulite e abscesso, apresentando alta do


acompanhamento em conjunto com equipe da cirurgia geral, segue até o presente momento
com via alimentar garantida sonda nasoenteral guiada por endoscopia.

DISCUSSÃO

A Buried Bumper Syndrome (BBS), apesar de representar uma complicação pouco


frequente da gastrostomia endoscópica percutânea, cuja incidência varia na literatura de 0,9
a 8,8%, ainda trata-se de uma complicação importante e grave. Esta decorre do crescimento
da mucosa gástrica ao redor do orifício interno na cânula de gastrostomia, onde o mesmo
migra ao longo do estoma até para fora do estômago, podendo alocar o botton interno em
qualquer local entre a mucosa gástrica e a pele.
Originalmente descrita em 1986 por Ponsky, já era sabido a relação entre BBS e a
tração excessiva da gastrostomia, além dele, outros autores como Schwartz colaboraram
para os estudos desta afecção ao descrever sua tríade, composta por obstrução, vazamento e
incapacidade de progressão.
844
A fisiopatologia baseia-se na isquemia e consequente necrose da mucosa gástrica
secundária à pressão excessiva exercida pelos anteparos internos e externos que fixam a
sonda na mucosa. Entre os fatores envolvidos que favorecem esse fenômeno estão: ajuste
excessivo dos bottons internos e externos na colocação da sonda; recuperação do peso do
paciente e até obesidade que com o tempo fazem com que o comprimento que separa as duas
camadas comprima a mucosa; tração excessiva da sonda pelo paciente ou seus cuidadores
ou pelas características do material do botton interno.
O enfraquecimento da mucosa é progressivamente agravado pelo ácido clorídrico
e pepsina, facilitando e agravando a necrose inicial da mucosa que se iniciou por pressão
excessiva e que posteriormente se aprofunda, favorecendo a migração do orifício interno até
ficar finalmente "enterrado". O botton interno pode migrar por todo o trajeto fistuloso, o
que em conjunto com a lesão da mucosa favorece a presença de sintomas. A epitelização
anteparo interno e do estoma ocorre em alguns pacientes, produzindo obstrução completa
do orifício. No entanto, uma avaliação endoscópica precoce pode revelar uma fissura
irregular que permite a passagem de nutrição, não dando qualquer manifestação, como
aconteceu no nosso caso. O extravasamento da alimentação periestomal é a manifestação

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mais comum, seguida da dificuldade de fluxo e, às vezes, da presença de dor abdominal ao


manipular a sonda, podendo até evoluir para peritonite.
Independentemente da presença ou ausência de sintomas, a migração do orifício
interno requer a troca da gastrostomia, pois pode continuar migrando em direção à parede
gástrica e até mesmo causar perfuração gástrica, que pode ser fatal devido às condições
precárias desses pacientes.
Existem vários métodos para tratar está complicação e cada autor que a relata tem
seu próprio método de escolha. No entanto, as diferentes opções dependerão de dois fatores:
o tipo de sonda de gastrostomia e a profundidade de migração do botton interno. Se for
colapsável, a sonda de gastrostomia pode ser retirada por tração externa sem a necessidade
de incisões ou métodos endoscópicos. Em uma modificação dessa técnica, o tubo é cortado
3 centímetros acima da pele e um fio-guia é passado pelo tubo até a cavidade gástrica, onde
é retirado pela boca e conectado a um novo tubo. O fio-guia e a nova sonda são puxados
para dentro da cavidade gástrica através da parede abdominal, deslocando o batente interno
da sonda anterior para fora da cavidade gástrica. Quando o orifício interno é rígido e a sonda
não é removível por tração, são descritas várias formas de removê-lo, dependendo de cada 845

autor, mas em última instância todas se baseiam na profundidade de migração do batente


interno.

CONCLUSÃO

É primordial ter em mente que a principal maneira de evitar tal complicação está
associado a evitar o uso excessivo de tração, deixando o anteparo externo fixado justo à pele,
porém, mantendo uma distância suficiente para que seja possível o movimento de rotação
avaliando o botton interno por visão direta via endoscopia, após a confecção, o orifício
externo deve ser afastado aproximadamente 5 a 10 mm da pele a fim de evitar isquemia.
Sendo assim, é necessário a correta orientação e informação aos pacientes e cuidadores, para
que seja evitado o uso de tração excessiva, mantendo sempre uma distância de segurança,
além de orientá-los quanto aos sinais de alarme como a interrupção do fluxo de dieta,
vazamento e dor local, sendo imprescindível a avaliação de um profissional qualificado para
correta interpretação e condução do caso para evitar possíveis complicações.

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REFERÊNCIAS

1. Christiaens P, Bossuyt P, Cuyle P-J et al (2014) Buried bumper syndrome: single-step


endoscopic management and replacement. Gastrointest Endosc 2014;80:336.

2. Venu RP, Brown RD, Pastika BJ, Erikson LF: The buried bumper syndrome: a simple
management approach in two patients. Gastrointest Endosc 2002; 56: 582-4.

3. Vives LA, Alarcón T, Faúndez R, Miquel I, Tassara R: Migración recurrente del botón
de gastrostomía "Síndrome del Buried Bumper". Rev Chil Pediatr 2005; 76: 173-6.

4. Venu RP, Brown RD, Pastika BJ, Erikson LW (2002) The buried bumper syndrome: a
simple management approach in two patients. Gastrointest Endosc 56:582–584.

5. Gumaste VV, Krachman M, Pottipati A, Dave P. Removal of an embedded PEG bumper.


Gastrointest Endosc 1993;93:598-9.

6. Lee TH, Lin JT. Clinical manifestations and management of buried bumper syndrome
in patients with percutaneous endoscopic gastrostomy. Gastrointest Endosc. 2008;68:580–
584.

7. McClave S, Chang WK. Complications of enteral access. Gastrointest Endosc 2003; 58:
739-51.
846
8. Richter-Schrag H J, Fischer A. Buried bumper syndrome: a new classification and
therapy algorithm. Chirurg 2015;86(10):963-9

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