NOVOS HORIZONTES PARA A MEDIAÇÃO. Arnoldo Wald

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Novos horizontes para a mediação

NOVOS HORIZONTES PARA A MEDIAÇÃO


New horizons for mediation
Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 57/2018 | p. 345 - 353 | Abr - Jun / 2018
DTR\2018\14498

Arnoldo Wald
Advogado. Professor Catedrático da Faculdade de Direito da UERJ. Doutor honoris causa
da Faculdade de Paris II.

Roberto Giannetti da Fonseca


Economista. Empresário. Presidente da Kaduna Consultoria. Presidente do Lide
Infraestrutura do Capítulo Brasileiro da América Latina.

Área do Direito: Civil; Processual


Resumo: O texto destaca a missão do Estado como catalisador e mediador nos conflitos
entre grupos, visando os interesses tanto públicos como individuais, colaborando para a
obtenção de soluções rápidas e eficazes, enumerando vários casos em que o Estado tem
atuado como mediador, colaborando com o crescimento da jurisprudência no assunto.

Palavras-chave: Mediação – Arbitragem – Administração Pública


Abstract: The text highlights the State’s mission as a catalyst and mediator in groups’
conflicts, aiming at both public and private interests, collaborating to obtain quick and
effective solutions, electing several cases in which the State has acted as mediator,
collaborating with the jurisprudence’s growth in the subject.

Keywords: Mediation – Arbitration – Public Administration

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Como já escrevemos, o século XXI é o da Parceria e da Mediação, justificando-se a
atribuição ao Estado de uma nova função, a de mediador. Conhecemos, no passado, o
Estado liberal da Constituição de 1946, e depois, o Estado intervencionista do Regime
Militar. Chegou a hora de uma nova missão para o Poder Público, a de mediar os
conflitos, para dar-lhes uma solução rápida e eficaz, que nem sempre o Judiciário
consegue resolver no tempo da economia, que, algumas vezes, é diferente do necessário
para obter decisões definitivas na área judiciária.

Depois da tese da liberdade econômica plena, que, quando excessiva, pode levar à
anarquia, e da antítese da disciplina rígida com a onipotência do Estado, chegamos à
síntese. Trata-se da elaboração de um direito que, sempre que possível, deve ser o
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resultado do consenso, em uma economia “concertada” com uma legislação flexível.
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Substitui-se o direito imposto pelo direito composto , decorrente da simbiose da vontade
das partes, com as concessões necessárias decorrentes de toda parceria.

Não é só na área tipicamente comercial das relações entre empresas que a mediação
pode ser útil e eficiente. O Estado pode ser um catalisador importante nos conflitos de
interesses entre os vários grupos, encontrando soluções que atendam simultaneamente
aos interesses individuais, sociais e públicos.

Recentemente, o Governo e seu órgão jurídico, a AGU, convenceram-se dessa


transformação, que lhes atribui um novo dever e uma nova função social e econômica
que consistem em mediar os grandes conflitos, com maior ou menor formalismo.

Surgiu, assim, uma nova forma de mediação informal, como ocorreu nos processos que
opõem, há cerca de três décadas, os poupadores, os bancos decorrentes da aplicação
dos chamados “Planos Monetários”, aos quais as instituições financeiras foram obrigadas
a obedecer. Uma solução consensual acaba de ser dada. Decorreu, em grande parte, do
esforço intenso e continuado da Ministra Advogada Geral da União, Grace Mendonça, que
conseguiu aproximar as partes, moderar as divergências e construir soluções com a
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homologação do Supremo Tribunal Federal .

O caso merece ser enfatizado, pois, em certo momento, os litígios chegaram a ser
avaliados em algumas centenas de bilhões de reais e mobilizaram a Justiça em todo o
País, com quase um milhão de feitos, que acabaram encontrando solução no recente
acordo, cuja razoabilidade decorre do próprio consenso das partes.

Trata-se também de questão que era polêmica quanto aos fundamentos jurídicos
invocados, pois as instituições financeiras e o Banco Central defendiam o princípio da
estabilidade monetária e do poder da União de modificar a unidade monetária e o índice
de sua correção. Entendem que as novas normas devem aplicar-se de imediato aos
contratos pendentes. Por outro lado, os poupadores, invocando o Código do Consumidor
e a eventual existência de um direito adquirido ao padrão monetário, consideraram que
a nova legislação e regulamentação não deviam alcançar as operações em cursos.

As discussões que abrangeram cinco Planos Monetários só encontraram soluções


parciais, com a maior sofisticação institucionalizada pelo Plano Real, mas os litígios
quanto aos demais continuaram criando, ao mesmo tempo, uma insegurança jurídica e
financeira e uma verdadeira avalanche processual. Coube ao Supremo Tribunal Federal
decidir a matéria em ADPF, o que só poderia fazer com um quórum específico, que os
seus integrantes não estavam alcançando, em virtude de divergências entre alguns
ministros e de impedimentos de outros.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu, assim, o novo papel que o Estado passou a ter,
deixando de ser tutelar, para transformar-se em um verdadeiro moderador, em um
indutor de soluções, usando não mais o poder, mas especialmente a negociação.

No caso dos Planos Econômicos, na ADPF 165, a Procuradoria Geral da República e os


eminentes relatores Ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski,
salientaram a inovação que representava um acordo construído pela AGU e pelo Banco
Central, com vários parceiros, em virtude do novo instrumento processual que é a ADPF
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que foi bem planejada e utilizada pelas partes e seus advogados .

A Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, teve o ensejo de salientar que:

Assim, necessário ressaltar a louvável iniciativa dos setores envolvidos, bem como da
Advocacia-Geral da União, facilitadora das tratativas, de propiciar o processo de
mediação entre as partes. Afinal, a busca pela solução conciliatória do feito pode,
repita-se, ensejar um desfecho mais célere e proveitoso para o próprio Sistema
Financeiro Nacional e, por conseguinte, para o interesse público.

Aliás, o processo civil contemporâneo tem na autocomposição um dos seus principais


pilares. O papel do juiz, como harmonizador natural dos interesses sociais, é o de atuar
na busca da conciliação das divergências. Para lograr a pacificação das controvérsias da
melhor maneira possível, deve o julgador construir espaços de diálogo entre as posições
conflitantes, visando à retomada da boa convivência e a solução consensual do conflito.

Reforça essa ideia a edição do atual Código de Processo Civil (LGL\2015\1656) que, em
seu art. 3º – §§ 2º 3º, positivou verdadeira valorização da solução consensual dos
conflitos por meio da inserção de diretrizes principiológicas que se irradiam por todo o
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regramento processual pátrio. (grifos nossos)

Por sua vez, o relator Min. Ricardo Lewandowski afirmou, no seu voto, o caráter pioneiro
da decisão tomada pelo Excelso Pretório, lembrando que:

Diante da disseminação das lides repetitivas no cenário jurídico nacional atual, e da


possibilidade de sua solução por meio de processos coletivos, a decisão a ser proferida
pelo Supremo Tribunal Federal assume o caráter de marco histórico na configuração do
processo coletivo brasileiro. Ao decidir este acordo, esta Casa estabelecerá parâmetros
importantes para os inúmeros casos análogos, passados, presentes e futuros, que se
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apresentam e se apresentarão perante juízes que tomarão esta decisão como referência
ao homologar acordos coletivos, bem assim ao deixar de fazê-lo.

[...]

O acordo sub judice representa uma oportunidade de oferecermos nossa contribuição


para firmar incentivos reais visando estimular as associações a assumir papel mais ativo
na atuação processual coletiva, já que elas dispõem de vantagens institucionais
relevantes para agir em nome do particular lesado. Seu trabalho tem que ser prestigiado
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pelo Poder Judiciário. (grifos nossos)

A questão teórica não é nova e já tinha surgido, na década de 1930, no Brasil, no caso
de vedação do uso das cláusulas de pagamento em moeda estrangeira ou em ouro ou de
acordo com o seu valor. Mais recentemente, ressurgiu por ocasião das variações do
salário mínimo e da discussão da admissibilidade do mesmo como índice de correção.

Na Europa, os juristas e magistrados se defrontaram com o problema depois da Primeira


Guerra Mundial de 1914-1918 e com a inflação galopante que destruiu a moeda na
Alemanha e em outros países. Nos Estados Unidos, a aplicação imediata da proibição das
gold clauses, proibidas pela legislação do New Deal, levou a intenso debate na Suprema
Corte, que só conseguiu ser resolvido por uma votação de 5 x 4 (a maioria a favor da
constitucionalidade). É significativo lembrar que, na América do Norte, se a Suprema
Corte tivesse que decidir a matéria por maioria qualificada, não teria conseguido uma
solução, levando eventualmente o presidente Roosevelt a cumprir a sua ameaça de
aumentar o número dos ministros da Suprema Corte, a fim de garantir a sobrevivência
da sua reforma política, econômica e social.
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Do mesmo modo, no caso da recuperação da Oi , o juiz titular da 7ª Vara Empresarial do
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Rio de Janeiro, Fernando Viana, aprovou várias mediações , tendo sido inclusive
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homenageado por este motivo pelo Conselho Nacional de Justiça .

Também houve mediação em um conflito entre a Eletrobras e a Eletropaulo, oriundo das


decisões tomadas por ocasião da privatização, tendo as partes chegado a um acordo
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razoável que facilitará a eventual privatização da estatal .

Houve várias outras mediações, embora, no momento, ainda não seja possível saber se
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obtiveram o sucesso desejado, como o que ocorreu entre a Petrobras e a Sete , ou as
tentativas que os tribunais superiores encorajaram, em alguns casos, suspendendo
provisoriamente os processos para que as partes pudessem alcançar uma solução. Foi o
que aconteceu em relação aos conflitos entre a Cemig e a União decorrente da não
prorrogação de contrato de concessão, embora constando cláusula que a previa nos
contratos, quando o processo estava em curso no STF. No caso, a mediação não
permitiu uma solução aceitável para ambas as partes.

Recentemente a própria União aceitou, pela primeira vez, ser parte em arbitragem
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interna entre a Codesp e a Libra .

Por outro lado, também se instituiu a colaboração entre o Conselho Nacional de Justiça,
o Banco Central do Brasil e a Federação Brasileira dos Bancos, para estabelecer medidas
que possibilitassem a defesa dos direitos do consumidor de produtos e serviços
financeiros, o estímulo à resolução de conflitos de forma amigável nas causas
pré-processuais e judiciais, e a redução das demandas judiciais relacionadas à relação
entre o consumidor de serviços financeiros e as IFs do SFN, contribuindo, ainda, para o
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aprimoramento da atividade regulatória do BCB .

Também, após longos anos de divergência, o BC e o CADE estabeleceram um modus


vivendi para apreciação de operações de fusões, incorporações e aquisições às
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instituições financeiras .

Finalmente, vários Estados e Municípios aprovaram, em 2018, normas para a utilização


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eventual da arbitragem nos seus conflitos, como se verifica no Decreto Estadual 46.245,
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de 19.02.2018, do Estado do Rio de Janeiro e na Lei Municipal 16.873, de 22.02.2018,
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do Município de São Paulo .

Os resultados da composição dos litígios mediante soluções extrajudiciais dos conflitos


foram importantes e se fizeram sentir, permitindo a justa comemoração, em 2017, dos
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20 anos da Lei de Arbitragem , enquanto a mediação se desenvolvia sob todos os
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aspectos .

O Poder Judiciário garantiu o sucesso de ambos os institutos (arbitragem e mediação),


tornando o nosso país um dos mais importantes nos dois setores, em pouco tempo, com
uma sensibilidade construtiva, que nos afastou do formalismo, que ainda inspirava
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alguns dos juristas no passado .

Em conclusão, vemos que o Estado Mediador seguiu o conselho de John Kennedy,


quando o presidente norte-americano afirmou, no seu discurso pronunciado por ocasião
da greve das estradas de ferro nos Estados Unidos que:

Havendo divergência, a melhor solução é o acordo, não havendo acordo, cabe a


conciliação. Se a conciliação não for possível, vamos para arbitragem. Se nem mesmo a
arbitragem puder ser utilizada eficazmente, então caberá o recurso à decisão judicial ou
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administrativa.

A evolução do direito público e da sociedade brasileira na matéria foi rápida e decorreu,


em grande parte, da pressão das circunstâncias, mas também do trabalho da doutrina,
do bom senso e do relativo pragmatismo tanto do cidadão como da administração.

Efetivamente, até 1970, poucos eram os litígios entre o cidadão e administração que iam
ao Judiciário. Findo o Regime Militar, tivemos uma judicialização de quase todas as
questões que estavam ligadas aos direitos da cidadania, quer no plano tributário, quer
no plano social ou regulamentar.
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Em seguida, aos poucos, instituiu-se a “era da litigiosidade” e chegamos à conclusão
que essa judicialização de toda a vida nacional não era oportuna, nem eficiente. Não
convinha nem ao cidadão, nem à sociedade, nem ao Poder Público. Era preciso reduzir
ou mitigar essa excessiva litigiosidade que trazia aos tribunais quase uma centena de
milhões de feitos, ou seja, em tese, de acordo com as estatísticas, cada dois habitantes
teria um processo em curso.

De um lado, o Poder Público entendeu que era preciso temperar o exercício do poder,
conciliando a regulação com a liberdade, e o cidadão passou a aceitar um regime que lhe
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desse liberdade, mas não consagrava o abuso .

Tanto a Constituição de 1988 como o Código Civil de 2002 passaram a punir o abuso de
direito e a exigir do cidadão um comportamento de boa-fé, em todas as suas atividades,
quer no plano comercial, administrativo, fiscal e até nos procedimentos litigiosos.

Por outro lado, em duas décadas, a arbitragem, a conciliação e a mediação, que eram
pouco usadas na prática, passaram a ser consideradas como formas adequadas e
eficientes de resolução dos litígios. De fato, a prática, inspirada em parte nas praxes
internacionais, e aplicando e adotando, por outro lado, as análises e as conclusões de
advogados, economistas, acadêmicos e, em seguida, o próprio legislador, fizeram uma
verdadeira revolução, introduzido e adaptando à nossa época, a arbitragem e a
mediação, com leis modernas e compatíveis com as condições e a situação do nosso país
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.

O Poder Judiciário garantiu o sucesso de ambos os institutos, tornando o País um dos


mais importantes em ambos os setores, em pouco tempo, com uma sensibilidade
construtiva, que nos afastou do formalismo que inspirava alguns dos juristas no
passado.
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O Estado brasileiro, está inovando e progredindo, dando, ao nosso país, maior segurança
jurídica e permitindo inclusive melhor clima de negócios e consequentemente de
investimentos.

Um próximo passo, já inspirado em alguns dos exemplos citados, seria uma


regulamentação pelas Câmaras arbitrais ou, eventualmente, pelo próprio Estado de
formas de arbitragens de classe, que seriam, no plano do consensualismo, o paralelo da
ação civil pública e das class actions americanas, com relevância não só no mercado de
capitais, mas também em outros setores em que há eventuais litígios entre grupos
sociais com soluções que dependem ou só das partes ou também de terceiros, que
poderiam aderir ou colaborar na solução por mediação ou arbitragem.

A arbitragem de classe, que já existe no exterior, está tentando ser implantada no Brasil
em alguns casos concretos, mas uma padronização na matéria poderia ser útil e
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construtiva .

Em conclusão, podemos afirmar que o Brasil, nos últimos dez anos, progrediu em
relação à segurança jurídica, situando-se, no ranking internacional, no lugar que merece
pela sua economia, pela estabilidade das suas instituições, enquanto no passado estava
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ao lado de países que não tinham o nosso nível de civilização e de desenvolvimento .

É um progresso importante que tem sido reconhecido internacionalmente e que devemos


enfatizar, no início de um ano e de uma reconstrução da sociedade civil, nos quais
queremos criar um clima de confiança e de diálogo entre o Estado, o cidadão e a
sociedade civil.

Sumário:

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