NOVOS HORIZONTES PARA A MEDIAÇÃO. Arnoldo Wald
NOVOS HORIZONTES PARA A MEDIAÇÃO. Arnoldo Wald
NOVOS HORIZONTES PARA A MEDIAÇÃO. Arnoldo Wald
Arnoldo Wald
Advogado. Professor Catedrático da Faculdade de Direito da UERJ. Doutor honoris causa
da Faculdade de Paris II.
1
Como já escrevemos, o século XXI é o da Parceria e da Mediação, justificando-se a
atribuição ao Estado de uma nova função, a de mediador. Conhecemos, no passado, o
Estado liberal da Constituição de 1946, e depois, o Estado intervencionista do Regime
Militar. Chegou a hora de uma nova missão para o Poder Público, a de mediar os
conflitos, para dar-lhes uma solução rápida e eficaz, que nem sempre o Judiciário
consegue resolver no tempo da economia, que, algumas vezes, é diferente do necessário
para obter decisões definitivas na área judiciária.
Depois da tese da liberdade econômica plena, que, quando excessiva, pode levar à
anarquia, e da antítese da disciplina rígida com a onipotência do Estado, chegamos à
síntese. Trata-se da elaboração de um direito que, sempre que possível, deve ser o
2
resultado do consenso, em uma economia “concertada” com uma legislação flexível.
3
Substitui-se o direito imposto pelo direito composto , decorrente da simbiose da vontade
das partes, com as concessões necessárias decorrentes de toda parceria.
Não é só na área tipicamente comercial das relações entre empresas que a mediação
pode ser útil e eficiente. O Estado pode ser um catalisador importante nos conflitos de
interesses entre os vários grupos, encontrando soluções que atendam simultaneamente
aos interesses individuais, sociais e públicos.
Surgiu, assim, uma nova forma de mediação informal, como ocorreu nos processos que
opõem, há cerca de três décadas, os poupadores, os bancos decorrentes da aplicação
dos chamados “Planos Monetários”, aos quais as instituições financeiras foram obrigadas
a obedecer. Uma solução consensual acaba de ser dada. Decorreu, em grande parte, do
esforço intenso e continuado da Ministra Advogada Geral da União, Grace Mendonça, que
conseguiu aproximar as partes, moderar as divergências e construir soluções com a
Página 1
Novos horizontes para a mediação
4
homologação do Supremo Tribunal Federal .
O caso merece ser enfatizado, pois, em certo momento, os litígios chegaram a ser
avaliados em algumas centenas de bilhões de reais e mobilizaram a Justiça em todo o
País, com quase um milhão de feitos, que acabaram encontrando solução no recente
acordo, cuja razoabilidade decorre do próprio consenso das partes.
Trata-se também de questão que era polêmica quanto aos fundamentos jurídicos
invocados, pois as instituições financeiras e o Banco Central defendiam o princípio da
estabilidade monetária e do poder da União de modificar a unidade monetária e o índice
de sua correção. Entendem que as novas normas devem aplicar-se de imediato aos
contratos pendentes. Por outro lado, os poupadores, invocando o Código do Consumidor
e a eventual existência de um direito adquirido ao padrão monetário, consideraram que
a nova legislação e regulamentação não deviam alcançar as operações em cursos.
O Supremo Tribunal Federal reconheceu, assim, o novo papel que o Estado passou a ter,
deixando de ser tutelar, para transformar-se em um verdadeiro moderador, em um
indutor de soluções, usando não mais o poder, mas especialmente a negociação.
Assim, necessário ressaltar a louvável iniciativa dos setores envolvidos, bem como da
Advocacia-Geral da União, facilitadora das tratativas, de propiciar o processo de
mediação entre as partes. Afinal, a busca pela solução conciliatória do feito pode,
repita-se, ensejar um desfecho mais célere e proveitoso para o próprio Sistema
Financeiro Nacional e, por conseguinte, para o interesse público.
Reforça essa ideia a edição do atual Código de Processo Civil (LGL\2015\1656) que, em
seu art. 3º – §§ 2º 3º, positivou verdadeira valorização da solução consensual dos
conflitos por meio da inserção de diretrizes principiológicas que se irradiam por todo o
6
regramento processual pátrio. (grifos nossos)
Por sua vez, o relator Min. Ricardo Lewandowski afirmou, no seu voto, o caráter pioneiro
da decisão tomada pelo Excelso Pretório, lembrando que:
apresentam e se apresentarão perante juízes que tomarão esta decisão como referência
ao homologar acordos coletivos, bem assim ao deixar de fazê-lo.
[...]
A questão teórica não é nova e já tinha surgido, na década de 1930, no Brasil, no caso
de vedação do uso das cláusulas de pagamento em moeda estrangeira ou em ouro ou de
acordo com o seu valor. Mais recentemente, ressurgiu por ocasião das variações do
salário mínimo e da discussão da admissibilidade do mesmo como índice de correção.
Houve várias outras mediações, embora, no momento, ainda não seja possível saber se
12
obtiveram o sucesso desejado, como o que ocorreu entre a Petrobras e a Sete , ou as
tentativas que os tribunais superiores encorajaram, em alguns casos, suspendendo
provisoriamente os processos para que as partes pudessem alcançar uma solução. Foi o
que aconteceu em relação aos conflitos entre a Cemig e a União decorrente da não
prorrogação de contrato de concessão, embora constando cláusula que a previa nos
contratos, quando o processo estava em curso no STF. No caso, a mediação não
permitiu uma solução aceitável para ambas as partes.
Recentemente a própria União aceitou, pela primeira vez, ser parte em arbitragem
13
interna entre a Codesp e a Libra .
Por outro lado, também se instituiu a colaboração entre o Conselho Nacional de Justiça,
o Banco Central do Brasil e a Federação Brasileira dos Bancos, para estabelecer medidas
que possibilitassem a defesa dos direitos do consumidor de produtos e serviços
financeiros, o estímulo à resolução de conflitos de forma amigável nas causas
pré-processuais e judiciais, e a redução das demandas judiciais relacionadas à relação
entre o consumidor de serviços financeiros e as IFs do SFN, contribuindo, ainda, para o
14
aprimoramento da atividade regulatória do BCB .
eventual da arbitragem nos seus conflitos, como se verifica no Decreto Estadual 46.245,
16
de 19.02.2018, do Estado do Rio de Janeiro e na Lei Municipal 16.873, de 22.02.2018,
17
do Município de São Paulo .
Efetivamente, até 1970, poucos eram os litígios entre o cidadão e administração que iam
ao Judiciário. Findo o Regime Militar, tivemos uma judicialização de quase todas as
questões que estavam ligadas aos direitos da cidadania, quer no plano tributário, quer
no plano social ou regulamentar.
22
Em seguida, aos poucos, instituiu-se a “era da litigiosidade” e chegamos à conclusão
que essa judicialização de toda a vida nacional não era oportuna, nem eficiente. Não
convinha nem ao cidadão, nem à sociedade, nem ao Poder Público. Era preciso reduzir
ou mitigar essa excessiva litigiosidade que trazia aos tribunais quase uma centena de
milhões de feitos, ou seja, em tese, de acordo com as estatísticas, cada dois habitantes
teria um processo em curso.
De um lado, o Poder Público entendeu que era preciso temperar o exercício do poder,
conciliando a regulação com a liberdade, e o cidadão passou a aceitar um regime que lhe
23
desse liberdade, mas não consagrava o abuso .
Tanto a Constituição de 1988 como o Código Civil de 2002 passaram a punir o abuso de
direito e a exigir do cidadão um comportamento de boa-fé, em todas as suas atividades,
quer no plano comercial, administrativo, fiscal e até nos procedimentos litigiosos.
Por outro lado, em duas décadas, a arbitragem, a conciliação e a mediação, que eram
pouco usadas na prática, passaram a ser consideradas como formas adequadas e
eficientes de resolução dos litígios. De fato, a prática, inspirada em parte nas praxes
internacionais, e aplicando e adotando, por outro lado, as análises e as conclusões de
advogados, economistas, acadêmicos e, em seguida, o próprio legislador, fizeram uma
verdadeira revolução, introduzido e adaptando à nossa época, a arbitragem e a
mediação, com leis modernas e compatíveis com as condições e a situação do nosso país
24
.
O Estado brasileiro, está inovando e progredindo, dando, ao nosso país, maior segurança
jurídica e permitindo inclusive melhor clima de negócios e consequentemente de
investimentos.
A arbitragem de classe, que já existe no exterior, está tentando ser implantada no Brasil
em alguns casos concretos, mas uma padronização na matéria poderia ser útil e
25
construtiva .
Em conclusão, podemos afirmar que o Brasil, nos últimos dez anos, progrediu em
relação à segurança jurídica, situando-se, no ranking internacional, no lugar que merece
pela sua economia, pela estabilidade das suas instituições, enquanto no passado estava
26
ao lado de países que não tinham o nosso nível de civilização e de desenvolvimento .
Sumário:
Página 5