Crianças Adolescentes e Crack - Assis
Crianças Adolescentes e Crack - Assis
Crianças Adolescentes e Crack - Assis
ASSIS, S. G., comp. Crianças, adolescentes e crack: desafios para o cuidado [online]. Rio de Janeiro:
Editora FIOCRUZ, 2015, 403 p. ISBN: 978-85-7541-554-2. https://doi.org/10.7476/9788575415542.
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Simone Gonçalves de Assis
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Crianças,
Adolescentes e
Crack
desafios para o cuidado
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Informação e Comunicação
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desafios para o cuidado
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Capa, projeto gráfico e editoração
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(Título: Meninos de Rua, Recife. Técnica: pin-hole, feita com lata de leite em pó.
Projeto Lata Mágica Recife – fotografia artesanal, latamagica.blogspot.com.br). Reprodução autorizada.
Catalogação na fonte
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde
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Autores
Patricia Constantino
Psicóloga, doutora em saúde pública pela
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio
Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/
Fiocruz); pesquisadora do Departamento
de Estudos de Violência e Saúde Jorge
Careli da Ensp/Fiocruz.
Sumário
Prefácio 9
Apresentação 13
Anexo 393
Apresentação
Prefácio
1
Disponível em: <www.cbdd.org.br/documentos>. Acesso em: 9 abr. 2015.
9
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10
Apresentação
2
COMISSÃO GLOBAL DE POLÍTICA SOBRE DROGAS . Sob controle: caminhos para políticas
de drogas que funcionam, set. 2014. Disponível em: <www.gcdpsummary2014.com/bem-
vindo/#foreword-from-the-chair-pt>. Acesso em: 9 jun. 2015.
11
Crianças, Adolescentes e Crack
12
Apresentação
Apresentação
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Crianças, Adolescentes e Crack
14
Apresentação
uso pessoal do crack torna-se mais comum, especialmente para a população de rua
e em comunidades em que o tráfico de drogas impera ou efetua a distribuição da
droga. Levantamento nacional a respeito do uso de drogas do Centro Brasileiro de
Informações sobre Drogas Psicotrópicas – Cebrid (Galduróz et al., 2005) indica
a prevalência do uso de drogas na adolescência. A dependência pode favorecer
desequilíbrios de ordem familiar e social (Muraki, 2009).
A adolescência é uma fase caracterizada por extrema curiosidade,
movimentos de individuação, especial valorização do grupo de amigos e
comportamento rebelde, muitas vezes necessário para iniciar o corte do
cordão umbilical familiar pelo jovem (Schenker, Mauricio & Cavalcante,
2011). O prazer invade o adolescente na descoberta da sexualidade, da
afetividade, das amizades e também no compartilhamento do uso de drogas.
Essa é uma experiência que geralmente se dá em grupo, ou com um amigo.
Os adolescentes estão em busca de novas sensações e não têm, muitas vezes,
noção dos perigos que rondam a busca dos resultados almejados. Fato é que,
ao consumirem drogas, eles buscam prazer, extroversão, compartilhamento
grupal, diferenciação, autonomia e independência de sua família.
O lado negativo do desejo juvenil de obter prazer com o uso de drogas
lícitas e ilícitas é o risco de desenvolver dependência e de comprometer a
realização de tarefas normais do desenvolvimento dos papéis sociais esperados,
a aquisição de habilidades essenciais, a realização de um sentido de adequação
e de competência e a preparação adequada para a transição ao próximo estágio
na trajetória da vida – a juventude (Schenker & Minayo, 2005).
Tais especificidades chamam atenção para os desafios de cuidar de crianças
e adolescentes vítimas diretas ou indiretas do crack. Nesse sentido, assumimos
aqui as tarefas de identificar quantos e quem são esses jovens indivíduos, bem
como de refletir sobre as formas de atenção existentes em algumas cidades
brasileiras. Para cumprir tais ações, definimos três objetivos.
O primeiro objetivo é dimensionar o envolvimento de crianças e adolescentes
com o crack nessas faixas etárias, seja como usuários da substância, seja pelo
uso por parte de seus responsáveis. Como se verá especialmente no capítulo 2
e no Anexo, são inúmeros os obstáculos metodológicos para se conhecer
a magnitude do problema. A investigação de crianças e adolescentes nesta
condição foi realizada por meio de pesquisa domiciliar e da presença nas
cenas de uso de drogas e nos Serviços de Acolhimento Institucional ligados à
assistência social. Esses serviços lidam com o caráter extremo do uso do crack:
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Crianças, Adolescentes e Crack
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Apresentação
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4
Caracterizam-se pela oferta de atendimento diuturno para crianças e adolescentes que estejam
sem familiar/responsável e sob medida protetiva (art. 101, ECA). A legislação vigente prioriza
o direito à convivência familiar e comunitária e a excepcionalidade e provisoriedade do afasta-
mento do convívio familiar (Conanda, 2009).
18
Apresentação
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Crianças, Adolescentes e Crack
Referências
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Alicerces para o Estudo do Crack na Infância e Adolescência
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No capítulo 2 apresentam-se dados da Pesquisa Nacional do Crack, realizada em 2012, primeiro
estudo de âmbito nacional que apresenta estimativas de consumo para crianças e adolescentes
das capitais brasileiras e Distrito Federal.
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ocorrer síndrome de abstinência fetal; tal fato é mais provável quando a mãe
utiliza cocaína no período imediato ao parto. Ainda pouco se sabe sobre os
efeitos sobre o recém-nascido. Pequenas alterações neurocomportamentais
de difícil identificação clínica pelos métodos usuais podem ser observadas.
Dificuldades intelectuais e cognitivas são sinalizadas em alguns estudos, ainda
com incertezas a respeito (Moreira, Mitsuhiro & Ribeiro, 2012).
Estudo realizado por Mitsuhiro e colaboradores (2009), por meio de teste
de fios de cabelo de mil adolescentes entrevistadas em maternidade, observou
que 2% usaram cocaína no último trimestre de gravidez; estima-se que 0,4%
o fez na forma de crack. Os autores registraram que o uso de cocaína/crack
pelas jovens está relacionado à idade inferior a 14 anos.
O diretor do National Institute on Drug Abuse, nos Estados Unidos,
perante o Comitê sobre Crimes e Drogas, no Senado norte-americano, em
abril de 2009,6 afirmou que, entre mulheres daquele país na faixa dos 15 aos
44 anos, 3,9% – 156 mil mulheres – usaram drogas ilícitas no mês anterior à
investigação nacional realizada nos anos de 2004 e 2005. Logo, estima-se que
156 mil crianças estiveram expostas a substâncias psicoativas antes de nascerem.
Em outra estatística apontada pelo diretor, referente ao ano 2002, 22% das
mulheres grávidas que buscaram tratamento para uso de drogas utilizaram
cocaína ou crack; entre as mulheres que procuraram ajuda mas que não estavam
grávidas, 17% consumiram a substância.
Os bebês de mães usuárias de crack podem ter várias dificuldades quanto à
saúde e ao processo de desenvolvimento. Vários fatores confluem com o uso
de crack na gravidez: consumo de outras substâncias psicoativas, baixo estrato
socioeconômico, má nutrição, precário pré-natal e estilo de vida desorganizado.
Todavia, hoje sabe-se que os efeitos intraútero da exposição a cocaína/crack
não são tão devastadores como anteriormente se pensava, embora haja maior
tendência a nascimentos prematuros no caso de mães usuárias dessa substância.
Alguns estudos longitudinais com crianças expostas intraútero ao crack mostram
problemas com a atenção e com o controle dos impulsos aos 10 anos de idade,
aumentando o risco de problemas comportamentais à medida que crescem as
demandas cognitivas (National Treatment Agency for Substance Misuse, 2006).
Como se pode perceber nos autores mencionados, há mais incertezas do
que certezas sobre os efeitos do uso do crack na gravidez para o bebê e seu
6
Disponível em: <www.drugabuse.gov/about-nida/legislative-activities/testimony-to-congress/2009/04/
restoring-fairness-to-federal-sentencing-addressing-crack-pow>. Acesso em: 28 ago. 2015.
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Crianças, Adolescentes e Crack
determinados locais, seja pela falta de expertise sobre o tema nesses serviços
ou pela ausência de interlocução entre as instituições.
A construção da rede é uma tarefa constante e dinâmica. O suporte no
âmbito da saúde mental às crianças e adolescentes usuários de drogas e suas
famílias é um fator essencial de cuidado e proteção, no que diz respeito tanto
ao fortalecimento dos indivíduos e do núcleo familiar para interromper o
consumo, quanto ao acompanhamento de possíveis problemas psíquicos e
emocionais resultantes da exposição às drogas, especialmente ao crack. O apoio
à família, que precisa ser acolhida e cuidada para cuidar de seu membro que
manifesta o problema, deve fazer parte da dinâmica de tratamento da criança
e do adolescente que faz uso de drogas.
Ribeiro e Laranjeira (2012) concebem uma rede de atendimento que inclui
como ambientes de tratamento: 1) no nível mais básico da atenção à saúde:
ambulatórios gerais e de especialidades, escolas, empresas, albergues, cadeias
e prisões, unidades socioeducativas; 2) no nível intermediário: hospital geral,
de especialidades, e psiquiátrico (pronto-socorro e enfermarias), hospital-dia
(saúde mental e álcool e outras drogas), ambulatórios especializados (álcool
e outras drogas) e de saúde mental, unidade comunitária de saúde mental,
serviços de reabilitação (profissional de referência), grupos de mútua ajuda,
moradia assistida, enfermarias de desintoxicação, internação prolongada
(clínicas de tratamento, Comunidades Terapêuticas; 3) centros de excelência
como topo na rede de atendimento, em que pesquisa, ensino e tratamento
sejam apoiados e tratados integradamente. Estes autores propõem que cada
serviço avalie sua inserção na rede e que saiba recorrer às demais instituições
quando o caso exigir.
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e tímido faz com que sejam imensos os desafios para a saúde mental pública
dessa população.
Neste contexto de fragilidade da rede de saúde, o Poder Judiciário, tem,
muitas vezes, determinado tratamento compulsório recorrendo à internação
como recurso imediato de cuidado. Esta judicialização do tratamento é
reveladora da inexistência ou da ineficácia da rede local de atenção à saúde
mental para tratamento de transtornos decorrentes do abuso de drogas, assim
como da desconfiança e descrença em relação aos serviços comunitários
(Amstalden, Hoffmann & Monteiro, 2010). Um exemplo é o município do
Rio de Janeiro que implementou o recolhimento compulsório dos usuários
que dão entrada em abrigos especializados e em Comunidades Terapêuticas.
Essa política foi legitimada pela resolução n. 20/2011 da Secretaria Municipal
de Assistência Social, que institui o Protocolo do Serviço Especializado em
Abordagem Social. Tal iniciativa vem também sendo implementada também
em outros municípios.
O profissional que realiza atenção psicossocial necessita conhecer o território
em que atua e onde vive quem demanda atendimento, identificando os recursos
disponíveis que podem fazer parte do processo terapêutico a ser construído.
A política de saúde mental infantojuvenil preconiza que os serviços que compõem
a rede precisam ser atravessados pelo princípio da intersetorialidade e pela
noção de território. A ação intersetorial implica acionar todos os dispositivos
que fazem parte da vida de crianças e adolescentes (saúde, escola, esporte, lazer,
cultura, instâncias jurídico-legais, entre outros). O território, por sua vez, é o
lugar psicossocial do sujeito que aglutina experiências pessoais e institucionais
nas quais ele está inserido (Amstalden, Hoffmann & Monteiro, 2010).
Alguns setores e serviços são essenciais para o cuidado de crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade provocada pelo crack. Na
saúde, destacam-se os Caps, em especial aqueles específicos para a população
infantojuvenil (Caps i) e para usuários de álcool e outras drogas (Caps ad).
A rede de atendimento também conta com leitos psiquiátricos em hospitais
gerais, pediátricos e serviços de urgência e emergência que possam dar suporte
às situações de crise e garantir a presença de familiares e responsáveis para
acompanhar o tratamento (Amstalden, Hoffmann & Monteiro, 2010).
O trabalho integrado com a atenção básica potencializa o cuidado e facilita
uma abordagem integral, aumentando a qualidade de vida dos indivíduos e
das comunidades. Os Núcleos de Apoio a Saúde da Família (Nasf ) podem
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Crianças, Adolescentes e Crack
Considerações Finais
As informações sobre a magnitude do problema do uso de crack entre
crianças e adolescentes no país ainda são pontuais e dispersas ao longo dos anos,
e raros são os trabalhos que focam no comprometimento familiar decorrente
do uso do crack. Também são frágeis as informações disseminadas sobre a
rede responsável pelo atendimento das crianças e adolescentes que fazem
uso pessoal da droga ou de seus familiares. A importância do investimento
na formação dos profissionais da saúde que atuam nos diferentes setores e
níveis de atenção é mister para incrementar o cuidado oferecido aos usuários
de drogas. Capacitações e ações de educação permanente dos atores da rede
precisam enfrentar a falta de conhecimento sobre o crack, as dificuldades para
o manejo clínico, a cultura do medo relacionada ao consumo das drogas ilícitas,
a visão higienista do cuidado e o estigma em relação às pessoas que consomem
drogas (Amstalden, Hoffmann & Monteiro, 2010).
A constituição da rede no território exige construção de estratégias de
cuidados partilhadas entre as instituições, os usuários e as famílias. Reforça-se o
papel destas como fator de proteção ao uso de drogas e a relevância do trabalho
preventivo com elas. A família é o alicerce que sustenta afetiva, emocional e
materialmente o desenvolvimento do ser humano e precisa ser prioritariamente
apoiada pelas políticas públicas, assim como estimulada sua integração na
comunidade e na sociedade em geral, para que se almeje o enfrentamento do
crack entre crianças e adolescentes.
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Referências
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Ensino nas 27 Capitais Brasileiras – 2004. São Paulo: Secretaria Nacional Antidrogas,
Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, 2005.
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2
Quantas Crianças e Adolescentes
Fazem Uso Regular de Crack e
Similares nas Capitais Brasileiras?
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1
Disponível em: <http://nersp.osg.ufl.edu/~ufruss/scale-up.htm>. Acesso em: 24 ago. 2015.
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2
A biografia de Killworth e um breve sumário dos seus trabalhos estão disponíveis em: <http://
en.wikipedia.org/wiki/Peter_Killworth>. Acesso em: 24 ago. 2015.
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Quantas Crianças e Adolescentes Fazem Uso Regular de Crack e Similares nas Capitais Brasileiras?
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Esses cálculos podem ser vistos de forma bastante sucinta pelo leitor não especializado em
matemática em: <http://nersp.osg.ufl.edu/~ufruss/index.html>, acesso em: 24 ago. 2015;
bastando clicar na apresentação em powerpoint denominada Honoring Peter Killworth.
4
Disponível em: <www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/biblioteca/documentos/Publicaco-
es/329797.pdf>. Acesso em: set. 2015.
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de correção neste trabalho, ela se limitará a tentativas que não guardam relação
direta com o Jogo dos Contatos.
Os possíveis ajustes do erro de transmissão no contexto da metodologia
Network Scale-up são invariavelmente dependentes das populações específicas
e dos contextos em que estão inseridas. Alternativas bastante inovadoras vêm
sendo aplicadas em pesquisas recentes, como no estudo japonês anteriormente
citado, em que uma taxa de correção denominada coming out rate (que poderia
ser traduzida como “taxa de assunção pública de uma dada identidade” – no
caso, gay) foi utilizada para corrigir achados referentes a um contexto em
que a homossexualidade masculina está, frequentemente, limitada à esfera
estritamente privada (Ezoe et al., 2012).
A aplicação do NSUM para determinação de diferentes populações
de difícil acesso, em especial a de usuários de crack e/ou similares nas 27
capitais brasileiras, compreendeu um inquérito domiciliar com uma amostra
representativa de pessoas com 18 anos ou mais residentes nas referidas capitais
e Distrito Federal.
Cabe ressaltar que, apesar do inquérito ter sido feito com maiores de 18
anos, em se tratando de um método de estimação indireto (ou seja, em que o
entrevistado fala do comportamento de terceiros), foi possível gerar resultados
referentes à população menor de 18 anos, sem que houvesse qualquer infração
dos preceitos éticos (ou seja, esta população não foi entrevistada, mas sim
referida, de forma não nominal, pelos entrevistados adultos).
A amostra foi selecionada em três estágios em cada uma das 27 capitais:
1) setores censitários com probabilidade proporcional ao tamanho;
2) domicílios por meio de uma amostra aleatória sem reposição; 3) morador
do domicílio selecionado, maior de 18 anos, com a data de aniversário mais
próxima (posterior) à da entrevista.
A base de setores censitários empregada foi a do Censo de 2010, realizado
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e, para o segundo
estágio da amostra, utilizou-se o Cadastro Nacional de Endereços para Fins
Estatísticos (CNEFE), disponibilizado pelo IBGE em seu website (www.
censo2010.ibge.gov.br/cnefe). Por isso, não se fizeram necessárias a contagem
e a identificação dos domicílios particulares permanentes por parte dos
entrevistadores, uma vez que estes recebiam de antemão o endereço exato
dos locais em que deveria ser realizada a pesquisa, reduzindo, assim, o viés de
informação do entrevistador nesta etapa.
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Quantas Crianças e Adolescentes Fazem Uso Regular de Crack e Similares nas Capitais Brasileiras?
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A título de exemplo, o próprio leitor pode repetir a busca simples, no YouTube, que, em segun-
dos, gera centenas de links, em: <www.youtube.com/results?search_query=crack>.
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Crianças, Adolescentes e Crack
6
Distorções dessa natureza foram cuidadosamente analisadas em Salganik e colaboradores
(2011a). Ver discussão disponível na página 1.194 do referido artigo (em especial, o conceito
de “inflação de estimativas”, com base na referência de número 32).
7
O leitor interessado poderá obter, gratuitamente, todos esses materiais em: <www.paho.org/hq/
index.php?option=com_content&view=article&id=853%3Aencuestas-de-comportamiento-
en-consumidores-de-drogas-con-alto-riesgo-codar&catid=745%3A----fch-surveillance%2C-
monitoring%2C-and-evaluation&lang=en>. Acesso em: 24 ago. 2015.
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Crianças, Adolescentes e Crack
Gráfico 1 – Estimativas (em percentual) do uso regular nos últimos seis meses
de “crack e/ou similares”, nas capitais do Brasil, por grupo etário – 2012
1,0
0,8
Estimativa NSUM – % da população
0,6
0,4
0,2
0,0
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Gráfico 2 – Estimativas (em números absolutos) do uso regular nos últimos seis
meses de “crack e/ou similares”, nas capitais do Brasil, por grupo etário – 2012
100.000 150.000 200.000 250.000 300.000 350.000
Estimativa NSUM – número de pessoas
50.000
0
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Gráfico 3 – Estimativas (em percentual) do uso regular nos últimos seis meses
de “crack e/ou similares”, nas capitais do Brasil, por grupo etário, segundo
macrorregião – 2012
1,4
Maiores de 18 anos
Menores de 18 anos
1,2
1,0
Estimativa NSUM – % da população
0,8
0,6
0,4
0,2
0,0
Capitais
60
Quantas Crianças e Adolescentes Fazem Uso Regular de Crack e Similares nas Capitais Brasileiras?
Maiores de 18 anos
180.000
Menores de 18 anos
140.000
Estimativa NSUM – número de pessoas
60.000 100.00020.000
0
61
Crianças, Adolescentes e Crack
Informações Adicionais
A Pesquisa Nacional do Crack não entrevistou diretamente crianças e
adolescentes nos seus dois componentes, referentes ao inquérito domiciliar
por meio da metodologia Network Scale-up, e no inquérito epidemiológico
realizado com mais de 7.300 indivíduos maiores de 18 anos nas cenas de
uso. A autorização para realizar essas entrevistas não nos foi concedida pelos
diferentes Comitês de Ética a que ela foi submetida, em função do eventual
constrangimento e caráter extremamente sensível das diversas perguntas feitas
aos entrevistados.
Entretanto, as entrevistas foram precedidas por um trabalho longo e
minucioso de verificação e descrição de cada uma das cenas onde as entrevistas
foram realizadas em todo o país. Esse trabalho foi coligido em milhares de
arquivos referentes a Cadernos de Campo, que estão sendo escaneados e
analisados, com auxílio do software de gerência de dados qualitativos Atlas.ti®.
Estes Cadernos de Campo sistematizam informações relativas às cenas
(variáveis contextuais), embora não contemplem entrevistas de quaisquer
indivíduos específicos. Entre as informações de natureza ecológica (não
individual) coletadas, os observadores procederam à contagem das pessoas
presentes em cada uma das cenas visitadas, discriminadas por turnos/dia de
visita (ou seja, levando em conta não apenas o local, mas o momento específico
do registro de cada local visitado).
62
Quantas Crianças e Adolescentes Fazem Uso Regular de Crack e Similares nas Capitais Brasileiras?
Por ora, apenas a análise referente à cidade do Rio de Janeiro foi inteiramente
concluída, e gerou resultados em tudo similares às estimativas obtidas pela
metodologia Network Scale-up. Trata-se de uma análise por triangulação das
informações, uma vez que os Cadernos de Campo lidam com cenas de pequeno,
médio e grande porte, mas mesmo cenas de grande porte congregam algo como
uma, no máximo, duas centenas de indivíduos, que, por essa razão, podem
ser contados, num dado local e momento. Já o NSUM gera estimativas (e não
contagens), referentes a populações de grande magnitude e não passíveis de
enumeração, e se vale de informações obtidas de modo indireto, que dizem
respeito não aos entrevistados, mas sim a membros das suas redes sociais.
A despeito de todas essas óbvias diferenças, os achados convergem no
sentido de que crianças e adolescentes enumerados (mas não entrevistados)
nas cenas de uso se distribuem nas cenas-turno (locais específicos em diferentes
períodos da semana e de cada dia) de forma extremamente diversa, que
compreende desde a sua simples ausência, em cenas marcadamente violentas
e impermeáveis à observação do público, até sua presença em cenas abertas,
em locais mais urbanizados, permeáveis, onde a presença do tráfico armado
não é tão ostensiva. Nos primeiros locais, em que a violência é intensa e
estrutural, e o acesso bastante limitado, crianças e adolescentes têm presença
incidental, basicamente como olheiros e encarregados de tarefas pontuais
(como buscar e levar objetos e informações), mas lá não permanecem. No
dizer dos próprios líderes do tráfico: “isso não é lugar para criança”. Nas
demais cenas, abertas e menos violentas (aquelas visualizadas pela sociedade
em geral e pelos meios de comunicação), a presença de crianças e adolescentes
é quase sempre registrada nos Cadernos de Campo. A despeito das marcantes
variações, em função de local e período, a proporção média de crianças e
adolescentes no conjunto de cenas/turno observado se situa em patamar
similar, de cerca de 14% do total de indivíduos enumerados no conjunto de
cenas-turno da cidade do Rio de Janeiro.
Discussão
Cabem aqui algumas observações empíricas e metodológicas. Em primeiro
lugar, documentamos neste capítulo a aplicação bem-sucedida de uma
metodologia inovadora, de utilização ainda muito pouco frequente no país,
especialmente em saúde pública.
63
Crianças, Adolescentes e Crack
8
O conjunto de publicações, banco de dados e rotinas de análise referente à pesquisa anterior,
realizada em Curitiba, está disponível para download, a custo zero em: <http://opr.princeton.edu/
archive/NSUM>. Recentemente, tivemos a grata surpresa de termos nossos dados exaustivamente
examinados por um segundo grupo, independente, de pesquisadores norte-americanos, que,
valendo-se de estratégias de análise distintas das que havíamos adotado, chegaram a resultados
em tudo similares. (Disponível em: <http://nersp.osg.ufl.edu/~ufruss/scale-up/maltiel%202013.
pdf>. Acesso em: 24 ago 2015).
64
Quantas Crianças e Adolescentes Fazem Uso Regular de Crack e Similares nas Capitais Brasileiras?
entre si), de que dispõem os países mais avançados em pesquisa, como nas longas
séries históricas de pesquisas domiciliares norte-americanas9 e europeias.10
Entretanto, é fundamental observar que diferentes questões exigem o
desenvolvimento de inquéritos que guardam especificidades importantes.
Há décadas os inquéritos domiciliares norte-americanos sobrerrepresentam,
propositalmente, populações específicas que os pesquisadores e os formuladores
de políticas públicas desejam conhecer em maior detalhe, como, por exemplo,
diferentes subgrupos da população hispânica. Portanto, caso a pergunta central
de um dado estudo se refira ao consumo de álcool e outras drogas por parte de
uma dada minoria, seja ela de gênero ou identidade sexual, racial/étnica, cultural
ou religiosa, tal especificidade deve ser plenamente incorporada ao desenho
amostral do estudo, pois, por definição, dados referentes a quaisquer minorias
habitualmente geram observações esparsas, que não possuem o adequado poder
estatístico quando o foco primário é exclusivamente a população geral.
Da mesma forma, o consumo de cada substância requer um desenho amostral
que possibilite estimar com segurança padrões de uso eventualmente esparsos
na população geral. Por exemplo, toda e qualquer pesquisa já realizada no
Brasil com quaisquer populações, sejam elas domiciliadas ou “cativas” (na
sua acepção técnica, e não do senso comum, ou seja, escolares, população
carcerária e pacientes de serviços de saúde não especializados, entre outras),
documenta que o álcool é o produto de uso mais prevalente entre todas as
substâncias psicoativas consumidas no país. Portanto, amostras de inquéritos
referentes ao álcool podem lançar mão de quantitativos substancialmente
diminutos, se comparados a estudos que focalizem quaisquer substâncias de
uso menos prevalente, especialmente se este uso ocorre majoritariamente em
contexto não domiciliar.
Ainda nesta mesma linha de raciocínio, cabe também ressaltar que diferentes
substâncias estão associadas a diferentes taxas de não-resposta e a diferenciais
expressivos de mensuração em função das estratégias de pesquisa utilizadas.
Assim, inquéritos domiciliares clássicos devem sempre levar em conta estas
especificidades.
9
Consultar, entre outras fontes, o site oficial do NSDUH. Disponível em: <https://nsduhweb.
rti.org>. Acesso em: 24 ago. 2015.
10
Disponíveis, entre outras fontes, em: <www.emcdda.europa.eu>. Acesso em: 24 ago. 2015.
65
Crianças, Adolescentes e Crack
Notas Finais
Ainda que os resultados obtidos com o NSUM sejam mais elevados do que
aqueles gerados pela metodologia tradicional, não podemos afirmar se há ou
não no país uma epidemia do uso de crack e/ou similares, uma vez que uma
epidemia só pode ser caracterizada tecnicamente com base em resultados obtidos
de uma série histórica de registros de estimativas/contagens do fenômeno sob
análise, série esta estabelecida com base em critérios e métodos comparáveis entre si.
Contudo, este estudo nos traz uma dimensão do atual problema do consumo
de crack e/ou similares nas capitais do país e pode ser visto como uma linha de
base (baseline) para estudos futuros com a utilização de mesma metodologia,
com o propósito de gerar séries históricas consistentes e confiáveis.
Além disso, a partir dele é possível pensar em políticas públicas que levem em
consideração, por exemplo, as diferenças quantitativas em cada macrorregião
para fins de elaboração e implementação de estratégias de tratamento e afins.
Ressaltamos também a importância de estratégias voltadas para a população
de crianças e adolescentes.
Embora essa população não constitua a maior parte de consumidores
regulares de crack e/ou similares nas capitais do Brasil, tem ela particular
relevância em função de incidir, no caso de crianças e adolescentes, em
uma população cujo processo de desenvolvimento e maturação biológica e
psicológica está em curso e em função das vulnerabilidades acrescidas que tal
consumo abusivo e/ou dependente pode determinar, com marcantes diferenciais
por estrato social, gênero e faixa etária.
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66
Quantas Crianças e Adolescentes Fazem Uso Regular de Crack e Similares nas Capitais Brasileiras?
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67
A (Des)Atenção às Crianças e Adolescentes Usuários de Crack de Manaus
3
A (Des)Atenção às Crianças e
Adolescentes Usuários de Crack
de Manaus
Patricia Constantino
Luciana Alencar Peixoto
A Cidade de Manaus
Manaus, capital do estado do Amazonas, é uma cidade portuária, localizada
no centro da maior floresta tropical do mundo. Situa-se na confluência dos rios
Negro e Solimões. É uma das cidades brasileiras mais conhecidas mundialmente,
principalmente pelo seu potencial turístico, o que faz do município o décimo
maior destino de turistas no Brasil. Destaca-se pelo seu patrimônio arquitetônico
e cultural, com numerosos templos, palácios, museus, teatros, bibliotecas e
universidades.
69
Crianças, Adolescentes e Crack
70
A (Des)Atenção às Crianças e Adolescentes Usuários de Crack de Manaus
Educação
Em Manaus, assim como no Amazonas e no Brasil, a dimensão com o
subíndice mais alto é educação. Um dos indicadores levados em conta no IDHM
Educação é a taxa de analfabetismo das pessoas acima de 15 anos, entendendo-
se por analfabeto aquele que se declara incapaz de ler e escrever um bilhete
simples, conforme a definição para a pesquisa do Censo.
Observando inicialmente o percentual das pessoas de 15 anos e mais, com
menos de quatro anos completos de estudo, chamados analfabetos funcionais,
nota-se que, enquanto o total de analfabetos do município de Manaus é de
6%, a taxa de analfabetismo funcional é quase três vezes maior, 17%, o que
representa um contingente de 161 mil pessoas.
Em 63% das UDHs, as taxas são melhores ou iguais à taxa de Manaus
(17%), que, por sua vez, é o município do Amazonas com a taxa mais baixa.
Contudo, em 14 UDHs, a taxa de analfabetismo funcional está acima de um
quarto da população de 15 anos e mais.
Se o IDHM fosse calculado com as taxas de alfabetização funcional, o
índice de Manaus, como o de todas as suas UDHs, cairia de modo expressivo,
principalmente naquelas em que o IDHM já era mais baixo. O número de
UDHs na categoria médio-médio aumentaria (de 14 para 23 UDHs), diminuindo
a participação das categorias médio-alto (de 44 para 41 UDHs) e alto (de 24
para 17 UDHs).
Quanto à taxa de analfabetismo fundamental da população adulta (pessoas
de 25 anos e mais que têm menos de oito anos de estudo), Manaus é o
município com a melhor taxa do estado, que, porém, chega quase à metade
de sua população adulta (49%). Em 53% das UDHs, o índice é ainda mais
alto. Portanto, na maioria das UDHs, a taxa de analfabetismo fundamental
corresponde a mais de 50% das respectivas populações adultas. Constituem
um contingente de 303 mil pessoas, ou seja, superior ao triplo da população
total do município de Parintins. Entretanto, constata-se uma queda do número
de pessoas com mais de 15 anos analfabetas: em 1991, 8,5% da população
com essa faixa etária não era alfabetizada. Esse número caiu para 5,6% em
2000 e 3,9% em 2010.
71
Crianças, Adolescentes e Crack
Mortalidade infantil
A taxa de mortalidade infantil em Manaus no ano de 2010 foi de 14,2
para cada 1.000 nascidos-vivos, menor que a do estado do Amazonas (17,1) e
menor que a taxa nacional (16,7).
Renda
Em 2000, a renda familiar per capita de Manaus era de R$ 262,40, o que
o classificava na 864a posição entre todos os municípios brasileiros. Esse valor
estava bem acima do verificado para o estado do Amazonas (R$ 173,92)
e mais próximo à média encontrada para o país (R$ 297,23). A desigualdade
social manifesta-se claramente: em 2000, as UDHs Nossa Senhora das Graças -
Vieiralves, Adrianópolis e Flores - Parque das Laranjeiras tinham as maiores
rendas per capita do município, R$ 1.356,87. Esse valor era 16 vezes maior que
a menor renda per capita das UDHs Jorge Teixeira - Val Paraíso e Chico Mendes
(R$ 86,00). Nesse ano, verificou-se também que 40% das UDHs apresentavam
renda per capita menor que a média do estado do Amazonas, 62% menor que
a média de Manaus e 70% menor que a média do Brasil.
Para o município de Manaus, a desigualdade aumentou, como mostra
a observação de qualquer um dos indicadores de desigualdade de renda
considerados (Gini, Theil e relação 20/40). Considerando que o Brasil apresenta
uma das piores desigualdades de renda do mundo, os indicadores de Manaus
são praticamente iguais aos do país pelo Gini e pela relação 20/40. Em 2000,
enquanto para o Brasil o Gini era de 0,65, e a relação 20/40 (quanto, em média,
os 20% mais ricos ganham em relação aos 40% mais pobres) era de 21 vezes,
em Manaus esses indicadores eram respectivamente de 0,64 e de 20 vezes.
Outra forma de abordar a questão da desigualdade na distribuição de renda
do município como um todo é por meio da apropriação da renda por estratos da
população. Em 2000, 20% mais pobres da população apropriam-se de apenas
1,6% da renda gerada no município, os 20% mais ricos ficavam com 68%.
Subdividindo esse grupo, observa-se que apenas os 10% mais ricos detinham
mais da metade, ou 52%.
Tomando-se então a proporção de pobres, consideradas assim as pessoas que
vivem com menos de meio salário mínimo no ano 2000 (R$ 75,50), constata-
se que eles representam uma proporção de mais de um terço da população
de Manaus, um contingente de 445 mil pessoas; desse total, 209 mil podem
ser consideradas indigentes (viviam com menos de um quarto do salário,
72
A (Des)Atenção às Crianças e Adolescentes Usuários de Crack de Manaus
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Crianças, Adolescentes e Crack
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A (Des)Atenção às Crianças e Adolescentes Usuários de Crack de Manaus
Como parte das ações que estão sendo executadas pela Prefeitura
de Manaus para estruturar a rede de atendimento aos dependentes
químicos (de crack, álcool e outras drogas), a Secretaria Municipal de
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Crianças, Adolescentes e Crack
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A (Des)Atenção às Crianças e Adolescentes Usuários de Crack de Manaus
Ainda mais surpreendente foi a afirmação de que o uso de drogas por crianças
e adolescentes é pouco expressivo e por esse motivo não é uma prioridade das
instâncias públicas. Alguns informantes identificaram um pequeno grupo de
crianças/adolescentes que fazia uso de drogas embaixo de uma ponte da cidade,
reconhecidos como “os meninos da ponte”. Eventualmente esses jovens dão
entrada no SAIE e são encaminhadas ao Projeto Criança Cidadã. Por ser um
grupo pequeno, as instituições os conheçem nominalmente e também suas
histórias. É interessante como a questão do consumo de drogas por crianças e
adolescentes no município, na fala dos profissionais da rede, se restringe a essa
parcela da população. Em consonância com essa informação, percebe-se a visão
de que em Manaus não há um número significativo de crianças e adolescentes
em situação de rua.
83
Crianças, Adolescentes e Crack
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A (Des)Atenção às Crianças e Adolescentes Usuários de Crack de Manaus
Eles chegam agressivos, acham que nós estamos aqui para trabalhar
para eles, eles lidam dessa forma. Aí começam a quebrar tudo. Tanto
é que temos essas barras na janela. É a única forma de contê-los e aí
chamamos a polícia para nos ajudar, mas muitas vezes ela não vem.
(psicóloga – SAI)
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Crianças, Adolescentes e Crack
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A (Des)Atenção às Crianças e Adolescentes Usuários de Crack de Manaus
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Crianças, Adolescentes e Crack
gostar da sensação. Para consumir drogas praticava furtos e assaltos com uso
de gilete. A jovem tinha um porte franzino e parecia frágil. Havia uma ruptura
do vínculo familiar e relatou que a instituição estava buscando a aproximação
e o restabelecimento desse vínculo.
Fernando
Com 16 anos, Fernando também foi entrevistado no programa dirigido para
população em situação de rua, onde morava desde os 9 anos de idade. Disse que
“escolheu” a rua devido a brigas constantes na família, que é bastante numerosa.
Até a sua saída definitiva de casa foram 12 tentativas de fuga: “Eu ficava igual
passarinho solto. Gostava do vento na cara, de passear por Manaus”. Parou de
estudar no 6º ano. Iniciou-se nas drogas aos 10 anos com uso de tabaco e logo
depois passou a consumir outras drogas na seguinte ordem: cola, maconha, mel
e cocaína. Não usava crack. Considerava o crack como o “fundo do poço”. Disse
ter um irmão usuário de drogas. Apesar de sua trajetória de rua, alegou que
nunca tinha roubado e que trabalhava diariamente para manter o seu uso, indo
de encontro ao imaginário social do jovem nessa situação como um criminoso
em potencial: “Eu sou um homem trabalhador”. Nesse sentido, buscou se
diferenciar dos demais: “O usuário é aquele que trabalha para consumir a sua
droga, para ter o dinheiro para consumir a sua droga. O viciado é aquele que
faz de tudo: rouba, mata, faz o possível para ter a droga dele”.
Afirmou ter responsabilidade como usuário e essa, segundo ele, talvez
seja a explicação para nunca ter se envolvido com o crack. Fernando relatou
que a população de Manaus fazia justiça com as próprias mãos e, se pegasse
um jovem roubando, linchava até matar.
Esse jovem se orgulhava de manter valores familiares apesar de morar há
tanto tempo nas ruas. Nunca tinha usado drogas em espaços onde pudesse ser
visto por moradores, pois achava desrespeitoso; preferia fazer uso sozinho em
espaços privativos; criticava a postura dos demais moradores de rua que sujavam
a cidade, tomavam banho em chafariz público etc. Sentia-se envergonhado
em pedir dinheiro e sempre oferecia algum serviço em troca. Em relação aos
cuidados com a saúde, afirmou que todo mês ia ao posto de saúde próximo onde
dormia para pegar preservativos. Demonstrou preocupação com a aparência
física e a saúde.
Em relação aos efeitos das drogas, Fernando fez um relato comovente,
destacando a perda da alegria:
88
A (Des)Atenção às Crianças e Adolescentes Usuários de Crack de Manaus
Tadeu
Tadeu tinha 17 anos, é natural do Paraná e residia há dois anos com o pai
na divisa entre o Amazonas e a Bolívia. A mãe e os irmãos moravam no Paraná.
A entrevista aconteceu em uma Comunidade Terapêutica. O adolescente
afirmou que a transição do Paraná para o Amazonas foi a “sua desgraça”. Em
uma cidade do interior do Amazonas, onde morava na fazenda do pai, conheceu
todos os tipos de droga, incluindo o crack, de que fazia uso havia um ano.
No Paraná estava no 2º ano do ensino médio e disse que “era outra pessoa”.
Ninguém da família era usuário de drogas. Já trabalhou em uma eletrônica no
Paraná e na fazenda ajudava o pai com o gado.
Ao chegar ao Amazonas foi apresentado a todas as drogas. Iniciou pelo uso
da maconha e logo depois passou a consumir cocaína e por último o crack.
Disse que a mudança em sua vida, depois do “primeiro trago” do crack foi
devastadora. Após a experimentação, já se sentia dependente: “Tinha que
consumir no mínimo cinco gramas. Isso significa fumar dia e noite”. Tadeu foi
bastante didático ao apresentar os efeitos da droga e a sua compulsão pelo uso:
Você fuma e bate aquela onda por no máximo dez minutos e você
quer de novo. Você fuma até passar mal. De dez em dez minutos
89
Crianças, Adolescentes e Crack
Tadeu não tinha histórico de rua, mas comentou que muitas vezes não voltou
para casa por vergonha de seu estado: sujo, machucado, fora de si. Percebia
com muita clareza as mudanças em sua vida, tanto no comportamento quanto
na saúde física e mental: “Eu fiquei muito agressivo e não queria saber de
mais nada. Não queria saber de mais nada: de trabalhar, de arrumar a minha
própria cama, estudar. Nada! Só consumir, consumir, consumir, consumir.
A vida se resume ao uso”.
No relato do jovem, a compulsão pelo uso não deixava espaço para nenhuma
rotina, e todas as coisas corriqueiras da vida passavam para um segundo plano.
Avaliou que aos poucos foi se descaracterizando, até mesmo moralmente.
Em relação à saúde comentou que já teve início de overdose, mas que não
buscou um médico com medo de relacionarem os sintomas ao uso do crack.
Procurou ajuda em uma farmácia.
Afirmou que antes de ser internado não gostava mais de se olhar no
espelho, pois não se reconhecia na imagem refletida: “Perdi totalmente a
vaidade, podia colocar qualquer roupa, não tinha mais roupa boa porque eu
vendia. Me achava feio, mas e daí? Estava magro, pálido, aos poucos eu fui
90
A (Des)Atenção às Crianças e Adolescentes Usuários de Crack de Manaus
diminuindo”. Suas forças foram esvaecendo e a sua percepção era de que estava
cada vez mais franzino e que em algum momento iria desaparecer de fato.
Todo esse sentimento culminou no dia em que se ajoelhou aos pés do pai e
pediu ajuda. Disse ter clareza que a única saída era a internação, caso contrário
iria morrer. O pai, com a ajuda de um vereador, conseguiu a internação na
Comunidade Terapêutica. No momento da entrevista o jovem estava há 23
dias na comunidade e se sentia surpreso com o resultado.
91
Crianças, Adolescentes e Crack
média, com boa escolaridade e bom convívio familiar. Nesse sentido, estratégias
diferenciadas de atenção parecem ser o caminho mais coerente.
As Mães Entrevistadas
Verônica
Mãe de um adolescente de 15 anos, usuário de todas as drogas incluindo o
crack, Verônica, 36 anos, foi entrevistada na Secretaria Municipal de Assistência
Social no momento em que fazia mais um, entre os muitos, pedidos de socorro
para resolver a situação do filho. Durante toda a entrevista, a mãe chorou muito.
Verônica morava com o companheiro e com outros três filhos em um único
cômodo. O filho usuário de crack não residia com ela, mas sempre aparecia
em casa para exigir dinheiro e “tumultuar” a vida já complicada da família.
O pai do adolescente era usuário de drogas e foi ele quem as apresentou ao
filho, quando moravam juntos. O filho começou a roubar tudo da casa do pai, e
este o “devolveu” para a mãe. Verônica narrou episódios de extrema violência:
Ele [o filho adolescente] não é nada bom. Ele usa muita droga e me
agride sempre. Essa semana ele puxou a faca, colocou o revólver
na minha cabeça e disse que ia me matar. Faz três meses que todo
mundo da minha casa foi embora com medo dele. Tudo de casa ele
leva, rouba de vizinho, assalta. Ele é muito violento. Quebra tudo,
agride todo mundo. Eu estou andando só com uma calça e uma
blusa para eu trabalhar, porque ele já acabou com tudo.
92
A (Des)Atenção às Crianças e Adolescentes Usuários de Crack de Manaus
Roberta
Mãe de seis filhos, Roberta tinha 49 anos. O filho de 16 anos fazia uso
de várias drogas, mas ela não sabia sobre uso de crack. O adolescente estava
acolhido no projeto destinado à população em situação de rua. Só depois da
institucionalização do adolescente é que Roberta retomou o contato com ele.
Morava no interior do município e trabalhava em um restaurante como ajudante
de cozinha. Disse que o filho vivia desde os 9 anos na rua, apesar das inúmeras
tentativas para que ele voltasse a conviver com a família. O jovem era bastante
obediente e trabalhador, mas gostava de “viver pela rua”. Dos nove filhos,
apenas ele e o irmão eram usuários de drogas, embora o mais velho só usasse
maconha. Nenhum dos outros filhos tem história de rua ou institucionalização.
O adolescente em foco, o caçula, não era “filho de sangue”. A mãe fez uma
análise surpreendente da condição do filho:
93
Crianças, Adolescentes e Crack
94
A (Des)Atenção às Crianças e Adolescentes Usuários de Crack de Manaus
droga “ainda não é muito expressivo e nós sabemos quem é. A maioria fica lá
embaixo da ponte – são os conhecidos meninos da ponte”.
O coordenador do Departamento de Dependência Química da Secretaria
Estadual de Assistência Social alega que as mazelas sociais acabam por motivar
o uso/abuso de drogas pelos grupos mais vulneráveis. Pontua, assim como
os demais colegas da rede, que ainda é pequeno o número de crianças e
adolescentes em situação de rua no município, o que os torna até certo ponto
“invisíveis”. Acerca da motivação para o uso de drogas pelos pais das crianças
e adolescentes, o desemprego aparece como tema central.
De acordo com a representante do Creas, entretanto, os conflitos familiares
são o motivador para o uso de drogas e, na maioria das vezes, é o que os leva para
a vivência de rua. Relata que, na sua experiência com crianças e adolescentes
abusadas sexualmente, o uso de drogas passou a fazer parte da vida desse
grupo como uma manifestação de “revolta”. O “modelo familiar” em que a
droga é aceita também foi mencionado pela profissional. O coordenador de
uma das Comunidades Terapêuticas reforça a fala da coordenadora do Creas,
identificando a educação familiar (ou a falta dela) como um dos motivadores
para o uso abusivo de drogas: “Os pais perderam a noção de autoridade,
perderam a noção de disciplina, perderam a noção de carinho, de amor.
É uma questão de educação familiar. A família precisa ser reeducada para dar
bom exemplo”.
A coordenadora da saúde mental afirma que as crianças e adolescentes não
vão para a rua por serem usuárias de drogas, mas são apresentadas às substâncias
no momento que estão nas ruas. Alguns estudos vão nessa direção, identificando
que o uso de crack faz parte de uma cultura da vida nas ruas. Assim, as questões
sociais se configuram como um grande desafio para o município.
Em síntese, podemos dizer que a visão em relação à motivação para o uso
se diferencia nos três blocos de sujeitos investigados: adolescentes, mães e
atores da rede. No primeiro grupo, os jovens apontam, para a influência dos
colegas, a vivência de rua, e um adolescente fala sobre conflitos familiares.
Já as mães atribuem a características pessoais dos filhos – “ser influenciável”
e “ter coração ruim” – as causas da dependência. Questões sobre relações
familiares só aparecem no depoimento de uma das mães, que afirma que
o filho experimentou drogas com o pai. No discurso dos atores da rede,
prepondera a visão dos problemas sociais e da “desestrutura” familiar (e
não de conflitos familiares) como motivadores para o uso. A agressividade é
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A (Des)Atenção às Crianças e Adolescentes Usuários de Crack de Manaus
agressividade e criminalidade deve ser evitada. Vale ressaltar que essa associação,
com base no senso comum, pode favorecer a estigmatização desses usuários e
enviesar as estratégias de prevenção/intervenção.
Outro aspecto que merece uma análise cuidadosa é a visão fatalista de que
o sujeito que consome crack está condenado à morte devido aos efeitos da
droga no organismo. Apesar do índice de mortalidade entre usuários de crack
ser grande, os estudos mostram que os óbitos são mais comumente associados
a elementos de tráfico, disputa entre pontos de venda/uso ou enfrentamentos
com a polícia, do que aos danos causados diretamente pela droga. Ribeiro e
colaboradores (2006), em um estudo de coorte realizado em São Paulo por
cinco anos, com 131 usuários, demonstraram que as maiores causas de morte
eram homicídio e Aids.
A coordenadora do Creas, por sua vez, alude às consequências físicas do
uso: “Chegam aqui magros, doentes, com febre, sujos, famintos, precisando de
acolhimento e cuidados médicos. Leva para a emergência e alguns precisam até
ficar internados”. Nessa mesma linha, a psicóloga de um programa que trabalha
com crianças e adolescentes em situação de rua faz referência aos prejuízos
físicos: “Eu vejo e falo para eles que está afetando a parte psicomotora e os
órgãos: coração, pulmão. Eu digo que o organismo deles vai entrar em colapso.
(...) Chegam com escabiose, tuberculose e até hanseníase”.
O coordenador de uma das Comunidades Terapêuticas discorre sobre as
consequências do uso de crack a partir da sua experiência como dependente
químico:
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Crianças, Adolescentes e Crack
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A (Des)Atenção às Crianças e Adolescentes Usuários de Crack de Manaus
mesmo. É porque tem muita gente que vai para a cadeia e passa anos e aí acaba
parando. Aqui, que pode sair, não ajuda muito”.
Fernando, por sua vez, tem posição distinta. Comentou as características
positivas dessa mesma instituição. Disse que frequentava o programa há quatro
meses e que percebeu mudanças significativas em sua vida:
Mudança é de não estar na rua, não estar jogado por aí, não levar
uma bala, uma facada. Não estou usando drogas. Não estão me
humilhando, não estou tendo que pedir dinheiro a ninguém para
comprar droga. Eu estou muito bem aqui na casa.
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A (Des)Atenção às Crianças e Adolescentes Usuários de Crack de Manaus
não temos e pronto! Como se não fosse obrigação deles fazer isso.
Então diante dessa situação, a partir da iniciativa do Ministério
Público, de reunir esses órgãos, necessitamos de uma solução urgente
para esse problema.
Esse serviço era para ser realizado pela saúde mental e como nós
não temos Caps implantados para o atendimento da criança e do
adolescente, a gente recebe essa demanda e faz o encaminhamento
para algumas instituições que acolhem [adultos]. Infelizmente aqui
em Manaus eu não conheço nenhuma [instituição] que acolhe
crianças e adolescentes. O que nós fazemos aqui é trabalhar a família
desse usuário e buscar, depois que ele fizer o tratamento, inseri-lo
em algum programa social e ficar atendendo a família dele. Com
o usuário específico a gente não tem. Nós encaminhamos para a
Secretaria Estadual de Assistência Social.
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Parece não haver uma fiscalização das instituições que atendem crianças e
adolescentes: o Conselho Tutelar confirmou que faz parte de suas atribuições
fiscalizar as Comunidades Terapêuticas, mas que tal ação não é realizada por
falta de efetivo. A promotoria reconheceu também que é responsável pela
visitação às unidades destinadas a esse público, mas que não tinha informações
se as duas comunidades em foco tinham sido fiscalizadas. O Conselho Estadual
de Entorpecentes do Amazonas foi mencionado como órgão fiscalizador das
comunidades que atendem o público jovem, mas, em visita informal ao órgão,
a resposta foi evasiva e o conselho não confirmou se a fiscalização é feita de
maneira periódica.
O papel do município em relação ao atendimento em rede ao usuário de
crack foi muito mal avaliado. Segundo um dos entrevistados da assistência
social: “simplesmente não está enfrentando”. A negligência do Poder
Público, principalmente da Secretaria de Saúde, foi mencionada por vários
entrevistados.
O desafio apresentado à cidade de Manaus parece ser a estruturação de
fato da rede de atenção, com a criação de equipamentos, principalmente da
saúde, para lidar com a especificidade das crianças e adolescentes usuários
de substâncias. A coordenadora de saúde mental considerou que o grande
desafio é fazer valer a intersetorialidade na rede e preparar recursos humanos
qualificados para a temática, haja vista a existência de um único psiquiatra no
município de Manaus.
Em relação às potencialidades, foi mencionada a atuação efetiva do
Ministério Público na cobrança de ações do município. A disponibilidade para o
diálogo também foi colocada como um ponto favorável à estruturação da rede.
Na Figura 1 encontra-se o fluxograma do atendimento a crianças e adolescentes
na cidade de Manaus, de acordo com a percepção dos integrantes da pesquisa.
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Crianças, Adolescentes e Crack
VARA DA INFÂNCIA
E JUVENTUDE
CONSELHO
TUTELAR
SECRETARIA ESTADUAL DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL
INSTITUIÇÕES DE
SAÚDE
USUÁRIOS
FAMÍLIAS
INSTITUIÇÕES DE
ASSISTÊNCIA
CRAS/CREAS
COMUNIDADES
TERAPÊUTICAS
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A (Des)Atenção às Crianças e Adolescentes Usuários de Crack de Manaus
Considerações Finais
Os dados socioeconômicos do município evidenciam uma disparidade
intraestadual e intramunicipal surpreendente e preocupante, o que demonstra a
necessidade de ações diferenciadas com base nas demandas específicas de cada
localidade. A trajetória do crack no Amazonas parece se iniciar nos municípios
fronteiriços e aos poucos avançar para a capital, atingindo principalmente os
grupos mais vulneráveis – residentes nas áreas mais pobres e população de rua.
A invisibilidade é a categoria que mais se evidencia em diversos contextos
para todos os adolescentes, principalmente aqueles usuários de crack. A
institucionalização cria um espaço para a construção de uma categoria
de adolescente ignorado, duramente castigado pelas dificuldades, de uma
situação econômica, familiar e psíquica desprivilegiada. Embora os poucos
usuários relacionados no levantamento de dados fossem conhecidos, inclusive
nominalmente, não recebiam qualquer tipo de atendimento nas instituições
elencadas na pesquisa.
Sabe-se que, devido à morosidade do sistema judiciário e à burocracia das
instituições, dificilmente um adolescente “da ponte” terá acesso a um tratamento
eficiente para atender as suas necessidades, de acordo com a idade, raça, cultura,
orientação sexual, condição de moradia, situação financeira, gravidez etc.
Com isso, o espaço institucional, que deveria ser apenas temporário, torna-se,
para a grande maioria deles, permanente, devido às diversas reincidências nos
órgãos da assistência social, visto que o sistema de saúde nada tem a oferecer.
Constatou-se também na pesquisa a invisibilidade dessas meninas e meninos
usuários de crack em todo o sistema de garantia de direitos, principalmente
pela falta de fiscalização dos organismos gestores. Faltam também políticas
sociais, além da precariedade do próprio sistema de atendimento e atenção aos
usuários de drogas, cujos profissionais, em geral, se pautam por uma ênfase nos
problemas e fracassos, em vez de se comprometerem a estimular o potencial
dos adolescentes, oferecendo-lhes os devidos recursos materiais e humanos
para que suas competências se concretizem.
A insuficiência de condições estruturais, a dificuldade de acesso às propostas
educativas, a inoperância dos técnicos, o descaso dos dirigentes em estimular
e orientar a equipe para uma ação mais efetiva são os principais fatores que
impedem a construção de renovadas e importantes estratégias a partir das
necessidades identificadas pelos próprios adolescentes. Cabe ao Estado, à
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Crianças, Adolescentes e Crack
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A (Des)Atenção às Crianças e Adolescentes Usuários de Crack de Manaus
Referências
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senad.gov.br>. Acesso em: fev. 2013.
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de Direitos Humanos: locais de internação para usuários de drogas. Brasília: CFP, 2011.
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LARANJEIRA, R. (Orgs.). O Tratamento do Usuário de Crack. Porto Alegre: Artmed,
2012.
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Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública de
Ensino nas 27 Capitais Brasileiras – 2004. São Paulo: Secretaria Nacional Antidrogas,
Cebrid, 2005.
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atualidade. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, 30(2): 96-98, 2008.
111
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4
O Atendimento a Crianças e
Adolescentes Usuários de Crack em
Região de Fronteira: a cidade gêmea
de Ponta Porã
Liana Wernersbach Pinto
Angélica Dalla Vechia Biolchi
Edmara Honório Santos
Simone Gonçalves de Assis
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Crianças, Adolescentes e Crack
Fonte: <http://maps.google.com.br>.
1
Cidades gêmeas são pares de centros urbanos, frente a frente em um limite internacional,
conurbados ou não, que apresentam diferentes níveis de interação: fronteira seca ou fluvial,
diferentes atividades econômicas no entorno, variável grau de atração para migrantes e distintos
processos históricos (Silva & Oliveira, 2008).
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2
A CPI, destinada a “apurar a violência urbana”, objeto do requerimento de CPI n. 10, de 15
abr. 2008, criada pelo ato da Presidência de 8 dez. 2008, constituída pelo ato da Presidência de
13 ago. 2009, teve seus trabalhos encerrados em 10 dez. 2010, sem a aprovação do relatório final.
Disponível em: <www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/
parlamentar-de-inquerito/53a-legislatura-encerradas/cpiviol/notas>. Acesso em: jan. 2013.
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Crianças, Adolescentes e Crack
(inclusive álcool e tabaco), ao passo que apenas 14% daquelas que moravam
com a família faziam uso diário. Quando analisado o uso mensal de drogas
psicotrópicas, observou-se respectivamente 54,1% e 94,1% entre os que
moravam com os pais e os que não moravam. Em relação ao uso no mês, no
grupo que relatou ter consumido alguma substância psicoativa, verificou-se
uso de tabaco por 44,4%, de álcool por 57,5%, de solventes por 20,9%, de
maconha por 29,1% e de cocaína e derivados por 16,2%. Entre os fatores de
risco associados ao uso de drogas na vida entre as 358 crianças/adolescentes
entrevistados na região Centro-Oeste, observou-se “ficar bravo, solto e irritado
com outras pessoas” (37,7%), “transar sem camisinha” (28,5%), “andar pelas
ruas sem cuidado” (27,7%) e “roubo” (26,0%). Alegaram já ter tentado parar
com o uso de drogas 55,3% dos entrevistados (Noto et al., 2003).
Dados do V Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas
Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio da Rede
Pública de Ensino nas 27 Capitais Brasileiras – 2004, realizado pelo Cebrid,
mostram que o uso na vida de drogas entre os estudantes da região Centro-
Oeste foi de 23,3%. Nesse estudo foram entrevistados 7.829 alunos do
ensino fundamental e médio da rede pública nas 27 capitais brasileiras
(Galduróz et al., 2005).
O II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no
Brasil, realizado pelo Cebrid em 2005 em municípios com mais de 200 mil
habitantes, mostrou que em Campo Grande (MS), o uso na vida de qualquer
droga (exceto álcool e tabaco) foi observado em 17,0% dos entrevistados;
o uso na vida de álcool (73,6%), tabaco (41,9%), maconha (7,8%) e
solventes (7,0 %) foram os mais frequentes; a prevalência de dependência
de álcool entre os entrevistados da região Centro-Oeste foi de 12,7%.
Observou-se também a prevalência de dependência de maconha (0,6%),
solventes (0,2%), benzodiazepínicos (0,2%) e estimulantes (0,2%). O
precoce envolvimento dos entrevistados de 12-17 anos com as drogas ficou
evidenciado, havendo até mesmo relatos de dependência e tratamentos por
uso de drogas (Carlini et al., 2005).
Em estudo realizado por Muraki (2009), com estudantes do ensino
fundamental e médio de escolas públicas de Dourados (MS), 75,2% dos
alunos relataram já ter consumido álcool na vida (12,7% uso pesado),
21,2% informaram ter usado solventes e 6,7%, maconha. O uso de crack foi
mencionado por 1,9% dos estudantes e de cocaína por 3,2%.
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Crianças, Adolescentes e Crack
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O Atendimento a Crianças e Adolescentes Usuários de Crack...
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Crianças, Adolescentes e Crack
Regional Dr. José de Simone Netto de Ponta Porã, Hospital Regional de Campo
Grande e Hospital Universitário de Dourados. Quando o paciente precisa de
internação psiquiátrica, é direcionado para o Hospital Regional do Paraguai em
Pedro Juan Caballero, o Hospital Nosso Lar em Campo Grande e o Hospital
Psiquiátrico de Paranaíba. Para reabilitação, os usuários são enviados para as
Comunidades Terapêuticas:3 Manain e Restauração de Vida, ambas em Ponta
Porã; Pró-Vida em Amambai; Jovem Peniel em Dourados; ou para Comunidade
Terapêutica localizada no Paraguai.
Na área da assistência social e do trabalho, foi relatado o seguinte cenário:
um Creas, dois Cras, duas Comunidades Terapêuticas (organizações não
governamentais) – sendo que para a comunidade Restauração de Vida há
dez vagas para a assistência social do município (os usuários são enviados
após estarem registrados no Creas e passarem por avaliação de profissionais
do Caps ad). No momento da pesquisa estava sendo construída uma clínica
de reabilitação municipal com o objetivo de atender as famílias. Todos os
estabelecimentos mencionados atendem os usuários de drogas. Há um Conselho
Tutelar em Ponta Porã para a proteção dos direitos das crianças e adolescentes.
Segundo informações colhidas na SMAS, os adolescentes usuários de crack
encaminhados pelo Conselho Tutelar do município são enviados para o Juizado
e, após parecer da juíza, são direcionados para os abrigos ou para o Creas.
Nos horários em que o fórum está fechado, o Conselho Tutelar os encaminha
para os abrigos.
O Creas conta com uma equipe composta de psicólogo, assistente social,
educadores, coordenadora, pessoal administrativo e vigia. Todos recebem
formação continuada e capacitação. Este serviço realiza busca ativa de usuários
nas ruas todos os dias: de manhã, por volta de meio-dia, na parte da tarde e
à noite/madrugada. A equipe procura fortalecer os vínculos e a reintegração
familiar. Adolescentes e adultos que queiram tratamento são encaminhados
para internação. Usuárias do sexo feminino são enviadas para uma Comunidade
Terapêutica específica. Não há local para atender (internar) crianças usuárias
no município.
A SMAS lidera o enfrentamento à problemática do crack na cidade de
Ponta Porã, tendo firmado parcerias com Comunidades Terapêuticas de forma
a possibilitar o tratamento de usuários.
3
Comunidades Terapêuticas são centros que recebem pessoas para tratamento de desintoxicação
no modelo residencial/internação, baseados em programa de recuperação terapêutico-educativo,
por vezes com orientação religiosa.
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N % N % N %
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Crianças, Adolescentes e Crack
Vitor
Vítor é um adolescente de 16 anos que estava cursando no momento a
educação para jovens e adultos. Sua família não reside no município de Ponta
Porã, mas há manutenção de vínculo com a família por meio de visitas dos
irmãos ao SAI em que Vitor se encontra. Os irmãos permanecem convivendo
com a família de origem.
Foram citados como motivos para o seu acolhimento no SAI: ausência dos
pais/responsáveis por prisão, negligência, exploração no trabalho e mendicância,
situação de rua e uso de crack e outras drogas pelo adolescente.
Segundo informações da equipe técnica, o adolescente já esteve na unidade
anteriormente. Na atual internação, foi encaminhado ao SAI pelo Poder
Judiciário e tem procedimento administrativo na Vara da Infância e Juventude,
em que o uso do crack pelo adolescente é destacado. No momento da pesquisa
encontrava-se em fase de avaliação/preparação para reintegração ao convívio
com familiares.
Quanto ao uso de drogas, Vitor tem longo histórico, tendo consumido em
sua vida e nos últimos 30 dias um vasto leque de substâncias: álcool, tabaco,
maconha, derivados da cocaína (pasta de coca, merla e crack), produtos
para “sentir barato” e drogas que provocam alucinações (LSD ou êxtase, por
exemplo). Relatou ainda uso na vida de remédios para emagrecer ou ficar
acordado e de tranquilizantes sem receita médica. Também consumiu cola
de sapateiro. Utilizou crack por dois anos (no momento, comentou não estar
fazendo uso). Mencionou já ter compartilhado cachimbo, lata ou copo com
outros usuários e também que tinha consumido crack com cocaína. Utilizava
a droga na rua que conseguia por meio de roubos. Relatou que seus irmãos e
responsáveis não utilizavam drogas no momento.
Embora afirmasse não ter nenhum problema de saúde na ocasião, tinha
sido encaminhado pelo SAI para tratamento de saúde por uso de crack. Vitor
relatou ter tido overdoses em função de mistura de drogas (crack e merla), mas
não soube precisar o número de vezes em que isso ocorreu. Tinha sido detido
pela polícia em virtude de roubo e uso de drogas.
Antes do acolhimento o adolescente permaneceu durante um período em
uma Comunidade Terapêutica para recuperação. Também relatou ter recebido
atendimento no Caps ad.
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Relatou algumas reações físicas após o início do uso do crack, mas nunca
recorreu a nenhum serviço de saúde por conta da droga.
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procurar algum remédio, alguma coisa [em sua busca no Cras, sem
sucesso], pra conversar com ele, só que tinha que conversar com ele
(...). “Você precisa dessa ajuda, não pode ficar, se entregar tanto.
Você tem que ser mais forte do que ele [crack]”. Tanto foi que pedi a
Deus, que era pra ele se levantar, se curar, que ele está aí [Caps ad].
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Crianças, Adolescentes e Crack
social e econômico e que as crianças, muitas vezes, achavam melhor ficar na rua
por causa das violências que sofriam dentro de casa. Outro disse que o álcool
era a fonte e início de todos os problemas e, em decorrência dele, ocorriam
problemas na família com consequente uso de drogas por outros membros.
Em relação às consequências para a saúde, as mães entrevistadas relataram
a perda de peso acentuada e o abandono dos estudos. Já os profissionais da
rede ampliaram as consequências do uso de crack: emagrecimento, agitação,
confusão mental, perda da voz, problemas de pulmão, manchas e fissuras na
pele, doenças sexualmente transmissíveis e abandono da família.
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O Conselho sempre está com o carro quebrado; sempre não dá, que
não sei o quê. Assim começa e eles só me apertam, eles falam: “a
senhora tem que conversar com ela, a senhora é mãe, ela é de menor”.
Eu falei: “mas o conselho está pra isso”. Mas lá eles não têm tempo.
Com certeza, às vezes têm muita coisa pra fazer, mas quando é uma
coisa urgente, eu acho que não custa, que nem o Creas vai lá. Nem que
não faz nada. Mas vai me dar atenção pra mim. Já é um grande alívio.
A mãe de Davi informou que havia ido a um serviço de saúde da cidade para
pedir ajuda (remédio ou alguém para conversar com o filho). Lá lhe disseram
que o adolescente era quem deveria procurar por eles. Também questionou
o horário de funcionamento do serviço: “Eu fui na hora que não era hora de
atender, eu fiquei de voltar lá, mas eu não fui mais”.
Em relação às características do serviço, uma das mães citou a necessidade de uma
unidade para internação. A outra mãe disse que seria bom ter um horário mais flexível
e locais onde o usuário pudesse encontrar trabalho, medicamentos e internação.
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Crianças, Adolescentes e Crack
SOLICITAÇÃO DA FAMÍLIA/
DO PRÓPRIO ADOLESCENTE
OU DENÚNCIAS
BUSCA ATIVA
DIÁRIA
CREAS
CONSULTÓRIO
DE RUA
CAPS AD VARA DA
CONSELHO
INFÂNCIA
TUTELAR
E JUVENTUDE
SAI
COMUNIDADES
TERAPÊUTICAS
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O papel institucional
Segundo a juíza da Vara da Infância e Juventude, seu papel é proteger
as crianças e os adolescentes. Quando o caso é de uso de drogas (lícitas ou
ilícitas) por parte dos pais/responsáveis, há encaminhamento dos indivíduos
para o Creas e o Cras, que então os enviam ao Caps ad para tratamento. Se
for verificado risco para a criança/adolescente, o Juizado, juntamente com o
Conselho Tutelar, é acionado. É colhido um parecer do Ministério Público
e então se decide sobre a necessidade de fazer o acolhimento em um SAI.
Nessas situações, o Juizado passa a atuar de forma mais intensiva, verificando
o empenho dos pais no tratamento. Caso se verifique que há pelo menos
disposição, vontade e realmente compromisso dele em se tratar, realiza-se uma
reaproximação com a família. Ressaltou-se, no entanto, que o limite para a
permanência de uma criança/adolescente no acolhimento é dois anos. Depois
desse período, caso o responsável não queira se tratar, a criança/adolescente é
encaminhada para adoção.
No caso de crianças/adolescentes usuários, a juíza afirmou que há duas
situações: quando há apoio familiar e quando não há. No primeiro caso, a
situação às vezes nem chega à justiça, o caso é resolvido na própria rede, a qual
é buscada pelos pais. Quando não há apoio da família, situações em que os
usuários são abandonados ou estão em situação de rua, estes são encaminhados
aos serviços de acolhimento, que ficam responsáveis por encontrar seus pais/
responsáveis. A juíza considerou que o apoio familiar é fundamental para o
êxito no tratamento. Enfatizou, contudo, que há casos em que não se pôde
contar com a família e que estes foram resolvidos via rede e SAI. Informou
ainda que na semana anterior tinha concedido a guarda do último adolescente
acolhido em decorrência do uso de crack. No momento achava que não havia
mais nenhuma criança/adolescente nessa situação.
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Crianças, Adolescentes e Crack
Nós acabamos fazendo um papel que não é nosso, fomos buscar uma
rede de atendimento. Primeiro o município não quis identificar, o
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Crianças, Adolescentes e Crack
A articulação da rede
No que tange à articulação para atender as crianças e adolescentes usuárias
de crack, a juíza acredita que atualmente a rede esteja bem mais integrada.
Informou que costuma participar e convocar reuniões para discutir os
problemas, mas que há muita rotatividade entre os integrantes da rede. Citou
o Conselho Tutelar como exemplo. A saída possível, para ela, seria por meio
da desburocratização do sistema e dos encontros entre vários atores/serviços.
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Crianças, Adolescentes e Crack
Por sua vez, a conselheira tutelar afirmou que o grande desafio consiste no
reconhecimento do órgão como porta de entrada de denúncias e de atendimento
dessa população. Reforçou que é preciso cumprir o Estatuto da Criança e do
Adolescente, mas que este estava em segundo plano, não era prioridade.
Para a equipe do SAI, o foco era a necessidade de capacitação do pessoal
e ampliação da estrutura para atender os usuários de crack. Os técnicos
enfatizaram que não têm capacitação para o atendimento e que a casa não tem
segurança, ou seja, que seria um risco para o serviço e para os demais acolhidos
ter o adolescente usuário junto aos demais.
Para a coordenadora do Caps ad, o desafio consiste em transformar o centro
em Caps 24 horas, embora os recursos fossem escassos. Havia quantidade
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Agora deu uma esfriada. Nós do Caps, a gente continua com o Con-
sultório de Rua em parceria com o Creas, mas eu sinto assim um
distanciamento muito grande. Por mais que você faça capacitação,
por mais que você... A gente várias vezes foi na Câmara [municipal]
fazer uma audiência pública, falando a respeito disso. Mas eu ainda
sinto muito distanciamento das pessoas, do município, da rede em si
e do município em geral, até da própria sociedade.
Considerações Finais
A fronteira brasileira tem aproximadamente 17 mil km de extensão e faz a
divisa de 11 estados com dez países. A BR-163 liga o estado do Paraná ao Mato
Grosso do Sul, passando próximo à fronteira Brasil-Paraguai. É em torno dessa
rodovia e de outras rodovias próximas à fronteira que a rota internacional de
tráfico de drogas se materializa.
Historicamente, devido ao distanciamento dos centros econômicos e
políticos, a faixa de fronteira foi marginalizada do debate e das decisões políticas
nacionais e caracteriza-se, atualmente, pela baixa densidade demográfica e baixo
IDH, além de problemas relacionados à violência, ao crime organizado, ao
tráfico de armas e drogas, à exploração sexual, ao trabalho infantil, ao comércio
ilegal, à falta de infraestrutura social e produtiva (Brasil, 2005).
A situação de fronteira seca traz inúmeros desafios à rede de proteção no
enfrentamento ao crack. Todos os entrevistados colocaram questões como
o baixo custo da droga e a facilidade de obtenção das mesmas como pontos
importantes. Todos falaram da necessidade de trabalhar de forma articulada
com as autoridades e serviços paraguaios.
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O Atendimento a Crianças e Adolescentes Usuários de Crack...
Referências
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O Paradoxo na Atenção ao Crack em
Salvador: entre a referência técnica e
a fragilidade da articulação na rede
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A estratégia de abordagem é inspirada na organização não governamental francesa (ONG)
francesa Médicos do Mundo, que atende moradores em situação de rua e profissionais do sexo
em um ônibus equipado como se fosse uma clínica.
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Disponível em: <http://twiki.ufba.br/twiki/bin/view/CetadObserva/Noticia20091119_3>.
Acesso em: 16 jan. 2013.
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Caps ad II: serviço de atenção psicossocial para atendimento de pacientes com transtornos
decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas, com capacidade operacional
para atendimento em municípios com população superior a 70 mil. É um serviço ambulatorial
de atenção diária, que funciona de 8h às 18h, em dois turnos, durante os cinco dias úteis da
semana, podendo comportar um terceiro turno funcionando até às 21h. Já o Caps ad III é um
serviço que funciona 24 horas, e é específico para o cuidado, atenção integral e continuada às
pessoas com necessidades em decorrência do uso de álcool, crack e outras drogas.
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ocorreu. Apesar de oficialmente ter sido planejado e criado com Caps ad III,
a unidade de Pirajá nunca havia funcionado como tal, em decorrência da falta
de estrutura e de recursos humanos necessários para realizar as atividades
propostas, principalmente o atendimento 24 horas. Dessa forma, foi proposta
a readequação da unidade para Caps ad II.
Em relação aos serviços da área de assistência social, identificaram-se:
19 Centros de Referência de Assistência Social (Cras), cinco Centros de
Referência Especializados de Assistência Social (Creas), nove Centros Sociais
Urbanos, ligados à Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza
(Sedes). Nessas unidades, as comunidades participam de ações socioeducativas
e projetos de fortalecimento da cidadania e desenvolvimento social. São ações
contínuas na área de esporte, cultura, inclusão digital, capacitação e geração
de renda, entre outras.
Segundo a gestora entrevistada da Sedes, praticamente não há serviços no
órgão destinados ao atendimento de uso de drogas por crianças e adolescentes.
Há apenas uma pequena entidade conveniada, com capacidade para atender 16
adolescentes e que aceita os que têm entre 10 e 13 anos com comprometimento
leve relacionado ao uso de drogas. No mais, relata que existem somente
atendimentos ambulatoriais e Comunidades Terapêuticas, mais voltados para o
público adulto. Ressalta, contudo, a incipiência das Comunidades Terapêuticas
e a sua orientação religiosa.
Além dos órgãos citados, há ainda em Salvador 18 Conselhos Tutelares, que
podem apoiar o cuidado para crianças, adolescentes e familiares em situação
de uso de crack.
O que se observa em Salvador é a existência de certa fragilidade das políticas
públicas para o tratamento de usuários de substâncias psicoativas, em especial
das crianças e adolescentes. Segundo estimativas da Secretaria Municipal de
Promoção Social, Esporte e Combate à Pobreza, há cerca de 2.400 usuários
de crack morando nas ruas, entre crianças, adolescentes e adultos. Contudo,
encontram-se na cidade apenas três Caps ad – um deles inaugurado em 2012 –,
embora o número ideal de Caps ad seja 12, considerando-se que Salvador tem
quase três milhões de habitantes.
No âmbito estadual, acrescenta-se que, na ocasião da pesquisa, não havia
leitos para tratamento de dependentes químicos nos hospitais gerais; os usuários
que davam entrada para processo de desintoxicação eram atendidos de forma
improvisada em centros de internação psiquiátricos. Depois de tratados,
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retornavam às drogas nas ruas. Percebe-se uma forte demanda dos especialistas
para a criação de unidades de acolhimento temporário, onde os pacientes
pudessem ser acompanhados por profissionais no processo de recuperação.
Com base nos dados levantados, especialmente das entrevistas qualitativas,
propomos a seguir um fluxograma simplificado de serviços de Salvador que
prestam assistência à população infantojuvenil usuária de substâncias psicoativas
(Figura 1). Como se observa, ao lado do Caps ad III, o Cetad e o Projeto Capitães
de Areia são as principais unidades que oferecem esse tipo de atendimento,
sendo o primeiro a principal referência na cidade. Ressaltamos que o serviço
denominado Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcanti agregou em 2012
o projeto do Caps ad II. Contudo, na ocasião do estudo, essa unidade não foi
pesquisada nem apontada como referência para a atenção aos usuários de crack
na cidade. Por essa razão, não apresentamos informações mais precisas sobre
esse serviço, tampouco o incluímos na Figura 1.
Conselho Tutelar
Secretaria
Municipal de Serviço de
Promoção Social, Acolhimento
Esporte e Combate Instucional
à Pobreza
Caps ad
Varas da Infância e
Juventude/
Projeto Capitães Ministério Público
de Areia/SMS
Creas/Cras
Cetad/U a
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Ver detalhes sobre a amostra no Anexo.
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enfrentadas por essas famílias. São histórias de pais usuários que faleceram
em decorrência de Aids, tuberculose ou da proximidade ou envolvimento em
crimes. Há também alguns casos de mães envolvidas no tráfico ou que estão
presas, moradoras de rua ou que abandonaram o(a) filho(a) por causa da droga.
Entre os principais motivos para o acolhimento dessas crianças/adolescentes
estão: abandono pelos pais ou responsáveis (46,3%), situação de rua (31,5%),
dependência química dos pais/responsáveis (22,2%), ameaça de morte (18,5%)
e violência doméstica física (16,7%). Com percentuais menores tem-se: ausência
dos pais/responsáveis por prisão (13%), entrega voluntária dos pais/responsáveis
(9,3%), violência doméstica sexual (7,4%), carência de recursos materiais da
família (5,6%), violência extrafamiliar (3,7%), negligência (1,9%), violência
doméstica psicológica (1,9%), transtorno mental dos pais/responsáveis (1,9%),
uso/abuso de crack por parte da criança/adolescente (1,9%). Estes dados, que
não diferem significativamente dos números no restante do país, revelam a
expressiva vulnerabilidade da amostra pesquisada (Assis & Farias, 2013).
Na investigação do tempo de institucionalização do atual acolhimento,
verifica-se que entre as 54 crianças/adolescentes identificados, 52% estavam
há menos de um ano no SAI visitado no momento da pesquisa. Outros 18%
estavam há um ano, 14% há dois anos e 16%, entre três e oito anos na mesma
unidade. Cerca da metade das crianças/adolescentes já haviam sido acolhidos
anteriormente na mesma instituição ou em outro SAI, indicando as vastas
trajetórias institucionais de muitos deles, mesmo em idade tão jovem.
Quanto à situação na justiça, apenas 25,9% dos acolhidos têm procedimento
administrativo na Vara da Infância e Juventude, como, por exemplo, pasta
especial ou processo. Ressalta-se que o número encontrado é muito baixo, já que
a totalidade das crianças e dos adolescentes em situação de institucionalização
deveria ter tal procedimento na justiça. Além disso, em apenas 18% dos casos
com tais procedimentos/processos, é abordada a questão do consumo de crack
por parte da criança/adolescente ou seus responsáveis (descrição do fato,
encaminhamentos realizados devido ao problema).
Essa falta de dados nos documentos oficiais se reflete na situação legal da
criança e do adolescente usuário de drogas ou de seus responsáveis, já que
diminui a possibilidade de adoção. O percentual de ausência de informação
nos prontuários é de 37%, o que dificulta a análise dessa questão e indica
a fragilidade dos documentos oficiais sobre os acolhidos. Sete crianças/
adolescentes acolhidos nessa situação estão legalmente encaminhadas para
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Eu não quero que minha mãe use droga nenhuma. Não use droga,
nem cachaça nenhuma (...). Porque minha mãe, eu amo. Se eu ver
minha mãe nesse lugar, eu parto com o cara no chão, (...). Porque eu
sei que acaba, que mata! Ver minha mãe se matar, não, você é doido!
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A mulher que, a cada um, dois anos, tem um parceiro diferente e que
tem filhos com parceiros diferentes. Essa mulher que também é a
provedora da casa (...) e que tem que sair, e esses filhos têm que ficar
sendo cuidados pelos outros, e que vai ter acesso à rua mesmo. A
falta de uma escola que seja interessante, para esse adolescente, para
essa criança. Você não tem uma atividade no contraturno da escola,
na própria escola ou na comunidade. Então assim, falta isso, e o que
sobra? O que sobra é a droga muito fácil que está dentro dos bairros.
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(...). Ele atrai esse jovem com coisas que nós não conseguimos atrair,
porque ele chega para um jovem de 14 anos e oferece um salário
só para ficar na esquina avisar se vem alguém. E ele passa fome
dentro de casa. Ele não tem acesso a um sapato que ele quer e aquilo
dá acesso a um mundo que ele não tem. (gestora da Secretaria de
Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza)
No começo eu usava muita droga mesmo por ver aquela coisa [mãe
usando álcool]. Assim, se ela morrer... Eu tenho que morrer antes
dela. Porque eu não vou aguentar ver minha mãe morta. Eu acho
assim que, se a minha mãe morrer, o mundo acabou. Então eu tenho
que morrer primeiro que ela. Por isso estou nas drogas, no crack
mesmo. Por isso eu uso crack. (adolescente em SAI)
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A vivência na rua é como você está vendo, você não tem dinheiro
para comer, mas você acha crack, você acha cachaça, você acha
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cocaína, maconha, você acha isso a todo instante. Por mais que você
tenta se liberar, se livrar, aí que mais tem. Parece que é uma coisa
satânica. Quanto mais você tenta se afastar, aí que você é possuído
mesmo e, quando você vai ver, você já está entregue; e se vacilar você
se adapta a morar na rua. Você faz da rua já um hotel cinco estrelas.
(adolescente em SAI)
Foi estuprada. Quando ela apareceu [em casa], foi botando sangue
por tudo quanto foi canto, e disse que tinha sido estuprada por três, por
três moleques. Bateram muito nela, deram de fio, cortaram a perna
dela de fio, fizeram vazar os olhos dela. Quando ela chegou, o olho
direito era uma bola de sangue. Eu saí às pressas, levei para a clínica
pública. Chegou lá, a médica passou um colírio para ir limpando. E
depois ela se sentiu mal, vomitando muito, com diarreia. Eu levei
ela para um PAM, para o Hospital São Jorge, onde eu passei a noite
toda com ela. E por conta do estupro, que ela está com problema de
estômago, ela está com problema de fígado, com problema de tudo.
Porque bateram muito, deram muito chute nela, queriam matar.
(familiar de adolescente em SAI)
Creio que foi o afeto que minha mãe tem por mim, a preocupação
em saber que tinha um filho morando embaixo das marquises e que
minha criação nunca foi essa. Tem pessoas que já são acostumadas
a morar na rua, já eu nunca tive essa experiência. (adolescente em
serviço de saúde)
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Vejo também esse sentimento nas mães quando veem um, dois
filhos. Eu atendi um senhor ontem me pedindo para ir morar num
abrigo porque os filhos dele estavam envolvidos com drogas, e que
já tinham ameaçado ele, que já tinham batido nele. E que vizinhos,
amigos, diziam: “vai receber teu dinheiro, vai embora, larga eles aí,
antes que eles te matem”. A tristeza com que esse homem falava que
o filho dele tinha envolvimento e que estava lesando ele, que era o
pai, que era o provedor. Estas famílias também adoecem. (gestora da
Secretaria da Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social)
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A visão distorcida de que o usuário é o único responsável pela sua saída das
drogas permeia a atuação relatada pelo conselheiro, depositando na criança
ou no adolescente o sucesso ou o fracasso do tratamento:
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A gente até hoje não tem um local para lavar roupa de cama, o
serviço não dispõe de telefone fixo para fazer ligação, o serviço tem
um carro, o carro só fica disponível de oito da manhã até quatro
e meia da tarde, de segunda a sexta. É um serviço que tem que
funcionar 24 horas, todos os dias da semana, sábados, domingos e
feriados. A gente passou por situações aqui do usuário impregnar no
sábado, não ter como socorrer e a gente ter que levar o usuário em
carro próprio. Uma série de situações que não favorecem esse pleno
funcionamento. (gestor de Caps ad III)
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saúde de cada usuário, sem excluir suas opiniões, seus sonhos, seu projeto de
vida. É singular e caracteriza-se por uma interação democrática e horizontal
entre profissional, usuário e família. Tem como único propósito o bem-estar
dos usuários mediante a reabilitação psicossocial (Benevides et al., 2010).
No Caps ad III o gestor exige que o acolhimento seja feito por um
profissional de nível superior, especificamente, psicólogo, assistente social ou
terapeuta ocupacional, considerados mais habilitados no manejo da situação.
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A gente não tem esse objetivo de cura e nem entende que cura é
abstinência. O trabalho da gente é potencializar o que chamamos
de qualidade de vida, aumentar qualidade de vida para as pessoas
que frequentam o serviço. Para isso a gente não foca no crack, nem
no crack nem em qualquer substância, e sim no sujeito. A gente quer
trabalhar o sujeito nas relações dele com o mundo e com a droga
também. (gestor de Caps ad III)
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Aqui é coação, é agonia; dá agonia ficar preso. Sai de noite, eu sei que
tem várias atividades boas, mas dá agonia, porque faz abstinência.
Não estou com o remédio, estou sem o remédio. Dá agonia. Dá
vontade de ir embora. No Caps não, o Caps é alívio, dá para fumar
um cigarro, dá para fumar um pacaia [tipo de cigarro]. Eu não
queria usar a droga lá dentro. Mas no Caps eu fico mais à vontade.
(adolescente em SAI)
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você vai estar aberto à possessão duas vezes mais, porque é na noite
que acontecem as coisas, pra você conseguir lidar com esse frio da
noite, o medo da violência; ou está chapadão de cachaça, ou doidão
de crack, ou doidão de maconha. (adolescente em serviço de saúde)
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O que a gente vê quando está diante desses meninos é que existe uma
lacuna. A chegada do menino no serviço de acolhimento e a ida do
menino para o atendimento na área de saúde. As dificuldades nossas
da assistência em conseguir articular, em conseguir ter carro, em
conseguir ter o técnico para fazer o diagnóstico, até você conseguir
acordar para isso também. O cara é atendido no nosso serviço de
emergência. E aí, esse vácuo, muitas vezes, o menino evade (...). Se
você não tem todo um serviço completo, todo um círculo fechado,
você vai estar falando de uma coisa que não vai funcionar (...). Se
não tiver definida a questão de como vai ficar o acolhimento, não
adianta você ficar falando de abordagem. Porque você vai ficar
falando de abordagem; você leva e o menino fala: “tá tia, eu vou”.
Vai para onde? (gestora da Secretaria de Desenvolvimento Social e
Combate à Pobreza)
Cada estado deve fazer isso de uma forma muito planejada. Aqui no
estado da Bahia a gente não consegue no âmbito da Secretaria da
Saúde ter uma equipe pensante para executar uma política estadual.
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Quem trabalha com saúde mental, na maioria das vezes, não gosta
de lidar com usuário de drogas. O mesmo profissional que é capaz
de prestar um super atendimento aos portadores de esquizofrenia
é capaz de maltratar um usuário de drogas, porque muitas vezes
por um viés moral, moralista, não compreende aquilo como
adoecimento psíquico, como um sofrimento. Então assim, eles são
muito maltratados. (...) Muitas vezes a gente pede uma internação
num hospital ou num serviço especializado de psiquiatria e eles não
internam, não prestam sequer o atendimento de forma adequada na
emergência porque se trata de drogadicto.
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Por mais que a saúde reclame que o recurso é pouco, a gente não
tem nenhum. A gente entende que não dá para ter os abrigos que
já existem na rede. A gente está falando de pessoas que precisam
de um cuidado diferenciado. Não é que a gente vá fazer exclusão,
separar, “olha os meninos do crack!”. Mas os meninos, se a gente
colocar dentro das estruturas que a gente tem, pode ser que a
gente perca muito mais os meninos do que ganhe. (gestora da
assistência social)
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usuário que faz uma escolha por uma conduta desviante, mas
aquele usuário que, por um engano, por um encontro mal-sucedido
estabelece uma forte vinculação com a substância psicoativa. E que
aí evolui para um estado de muito sofrimento. (gestor de serviço de
saúde especializado)
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O Município do Rio de Janeiro e o Crack
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e o Crack
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Crianças, Adolescentes e Crack
No que tange à cocaína, até o início do século XX no Brasil não havia relato
sobre abuso e dependência dessa droga. A substância era vendida em farmácias
com indicação para laringite e tosse. Entretanto, entre 1910 e 1920, o alvo
da preocupação passou a ser o uso não prescrito em cidades como São Paulo
e Rio de Janeiro. O país não é um produtor de cocaína, mas faz parte da rota
colombiana do tráfico para os Estados Unidos e Europa (Carlini et al., 1995).
O crack entrou no Rio de Janeiro apenas nos anos 2000, mais tardiamente
se comparado ao município de São Paulo, pois as facções responsáveis pelo
tráfico de drogas na cidade recusavam-se a produzi-lo e vendê-lo, optando pela
cocaína para ser cheirada ou fumada (Dowdney, 2002).
Com a entrada da cocaína no início dos anos 1980 na cidade, a
comercialização de drogas se intensificou sob o poder de traficantes, que se
organizavam em facções fortemente armadas que disputavam entre si, com
repercussões negativas nas comunidades. Eles passaram a ser figuras constantes
nessas localidades, sem respeito aos moradores, atraíam um contingente grande
de jovens e criavam um ambiente de elevada vulnerabilidade, especialmente
para as crianças (Dowdney, 2002). Tal quadro ainda persiste, acentuado pelo
amplo acesso a armas de fogo e a variadas drogas, que chegam à cidade pelas
rodovias, portos, aeroportos, e pela falta de rígido controle das forças públicas
de segurança (Zaluar, 2007).
A violência na cidade do Rio de Janeiro, caracterizada pela presença de
grupos criminosos armados controlando territórios por mais de duas décadas,
justificaram a intervenção policial a partir de dezembro de 2007, com a criação das
Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). De acordo com documento da Secretaria
de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, as UPPs objetivam: retomar o
controle do Estado sobre as comunidades sob forte influência da criminalidade,
devolver à população dessas localidades a paz e o exercício da cidadania e
contribuir para desmantelar a guerra. O documento informa ainda que, com a
instalação das UPPs, não se obterá o fim do tráfico de drogas e da criminalidade
nem se solucionarão todas as mazelas sociais e econômicas das comunidades.
Nota-se, portanto, que as UPPs não correspondem a um programa de prevenção
policial para dar conta da criminalidade, mas um processo de devolver à
população os territórios controlados por criminosos. Elas são consideradas uma
estratégia de “pacificação” e um desafio do Estado de legitimar sua força.
Nessa linha de atuação, foi criado o programa de ações sociais batizado de
UPP Social, cujo mote é trabalhar em integração com a polícia. A UPP Social
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O Município do Rio de Janeiro e o Crack
tem uma coordenação à parte do comando da polícia e foi estruturada para dar
suporte à pacificação, fomentar a cidadania e o crescimento socioeconômico e
promover a inclusão das comunidades às demais áreas da cidade. As UPPs, em
tese, ofereceriam mais segurança à população do Rio de Janeiro, localizando-se
estrategicamente em áreas pobres com elevada concentração de traficantes de
drogas (Henriques & Ramos, 2012).
Tal cenário de violência e desigualdades facilitou a disseminação do crack no
Rio de Janeiro, provocando incômodo na sociedade, especialmente em razão
da impactante fragilização física, emocional e social de muitos usuários da
substância. Políticas públicas de diversas áreas começaram a surgir no município.
Em abril de 2012 houve adesão municipal e estadual ao programa Crack, É
Possível Vencer do governo federal. Esse programa tem como objetivo aumentar
a oferta de tratamento de saúde e atenção aos usuários de drogas, enfrentar
o tráfico e as organizações criminosas e ampliar as atividades de prevenção,
com a criação de seis novos Centros de Atenção Psicossocial (Caps)1 para
atendimento 24 horas no estado. Outras oito unidades, já em funcionamento,
também passariam a atender casos de uso/abuso de álcool e outras drogas
(Caps ad) (Instituto Pereira Passos, 2012).
Havia a previsão de criar mais Centros de Referência Especializados em
Assistência Social (Creas) e novos SAIs para crianças/adolescentes. Ainda no
escopo do programa, o município do Rio deveria contar com novos leitos
em enfermarias especializadas e Consultórios na Rua para o atendimento aos
dependentes do crack.
Uma estratégia adotada no município em 2011 foi o recolhimento
compulsório de crianças e adolescentes em situação de risco (Cf. resolução n.
20/2011 da Secretaria Municipal do Desenvolvimento Social – SMDS – do Rio
de Janeiro), entre os quais se destacavam os usuários de crack e outras drogas.
Tal medida vem alcançando outras cidades brasileiras, entre as quais se inclui
São Paulo, que também adotou posteriormente o regime compulsório para a
população usuária de crack.
De acordo com a resolução, os usuários de crack são retirados das ruas da
cidade à revelia e levados para um SAI para desintoxicação. Esse recolhimento é
fruto de um acordo entre o Ministério Público, justiça e a SMDS. É considerada
1
Caps – serviço de saúde aberto e comunitário do SUS. Pode ser considerado I, II e III, segundo
o tamanho do município. O Caps III funciona 24 horas diariamente. Caps ad atende usuários
de álcool e outras drogas, e Caps i, a população infantojuvenil.
195
Crianças, Adolescentes e Crack
como uma medida protetiva para as crianças e adolescentes que estão nas ruas
perambulando por motivos pessoais e/ou sociais, entre eles o uso do crack. A
SMDS/RJ defende a ideia de que o recolhimento compulsório vai ao encontro
do “direito à vida e à saúde”, de acordo com o artigo 7º do Estatuto da Criança
e do Adolescente – ECA (lei n. 8.069/90),2 que prevê políticas públicas que
possibilitem o desenvolvimento sadio e harmonioso das crianças e adolescentes
em condições dignas de existência. Para enfrentar a perspectiva do aumento
da população recolhida, a SMDS tem aberto vagas em SAIs para pessoas em
situação de vulnerabilidade social, como uso de drogas e vivência na rua.
O recolhimento compulsório de usuários de crack tem suscitado reações
de entidades dos direitos humanos, tais como: Ordem dos Advogados do
Brasil, Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselhos
Regionais da Assistência Social, da Psicologia e da Enfermagem, que alegam
ser essa prática uma ação higienista e contraprodutiva. Alegam que os SAIs não
estão preparados para atender com eficácia as demandas dos usuários do crack,
que carecem de estrutura adequada e profissionais capacitados para prestar
um serviço de qualidade, e que os serviços de saúde são insuficientes para
atender a demanda. Ponderam também que policiais militares, civis e guardas
municipais retiram de maneira truculenta a população infantojuvenil das ruas
e a levam para SAIs sem infraestrutura para o tratamento de crack, localizados
em Guaratiba (Zona Oeste – duas unidades) e Laranjeiras (Zona Sul – uma
unidade) (Entidades..., 2011). Desses três serviços, os da Zona Oeste, que eram
organizações não governamentais (ONGs), tiveram seu convênio interrompido
em decorrência de irregularidades no atendimento prestado, reduzindo ainda
mais a oferta de serviços no município.
Segundo o Portal dos Direitos da Criança (2011),3 das mais de mil pessoas
recolhidas até 29 de julho de 2011, 249 são crianças e adolescentes. O referido
portal acrescenta que várias manifestações contrárias à medida foram divulgadas
por diversos segmentos da sociedade. O mote da crítica é a forma violenta com
que os usuários são abordados nas ruas. Outro manifesto contrário à medida
foi o ato público “Recolher não é acolher”. Durante o evento, foi divulgado
um abaixo-assinado, que denunciava a arbitrariedade com que o recolhimento
é feito. Ainda de acordo com o portal, a Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República (SDH/PR) também se manifestou em 26 de julho.
2
Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 14 fev. 2013.
3
Disponível em: <www.direitosdacrianca.org.br/em-pauta/2011/08/recolhimento-compulsorio-
de-usuarios-de-crack-gera-polemica/?searchterm>. Acesso em: 14 fev. 2013.
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O órgão não defende a suspensão da medida adotada no Rio, mas faz diversas
recomendações, entre elas: o atendimento deve ser feito pela saúde por
intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS), e o acolhimento institucional
deve seguir os trâmites estabelecidos pela Lei da Adoção (n. 12.010/09), que
determina o plano de atendimento individual e de apoio à família.
Vale distinguir a diferença entre o “recolhimento compulsório” realizado
nas ruas e cracolândias da cidade (com encaminhamento para as Centrais
de Recepção – CR – e SAIs do município) e a “internação compulsória ou
involuntária” de pessoas na rede de saúde, em hospital geral e/ou psiquiátrico.
O recolhimento compulsório precisa ser pensado à luz da política de saúde
mental infantojuvenil no Brasil, que busca superar a prática de institucionalização
calcada na ideia de reclusão em abrigos, educandários e hospitais psiquiátricos.
As diretrizes e os princípios que norteiam as ações voltadas para a atenção
à saúde mental desse segmento da população também estão inseridos nos
movimentos da Reforma Sanitária e da Reforma Psiquiátrica, que levaram a um
modelo de tratamento aberto e comunitário, privilegiando a inserção social e o
atendimento a necessidades clínicas, comunitárias, familiares e de reabilitação.
No Brasil, a política pública de saúde mental voltada especificamente para
crianças e adolescentes, com abrangência nacional, começou a ser estabelecida
entre 2002 e 2004, quando foram formalizados os Caps, Caps ad e os específicos
para infância (Caps i), e implementado o Fórum Nacional de Saúde Mental
Infantojuvenil (Lauridsen-Ribeiro & Tanaka, 2010).
Quanto aos recursos públicos para enfrentar o problema do crack no
município do Rio de Janeiro, o Fórum Popular do Orçamento, baseando-se em
dados oficiais (prestações de contas de 2002 a 2010), relata que o município
investiu em média apenas 3% de seu orçamento em assistência social e direitos
da cidadania. O baixo percentual é refletido no Plano Plurianual, que destina
ao Programa Enfrentamento ao Uso e Abuso do Crack e Outras Substâncias
Psicoativas um total de 76 vagas no ano de 2010 e prevê tratamento de 12
crianças e adolescentes nas Casas Vivas, especializadas no acolhimento de
crianças e adolescentes que fazem uso abusivo de drogas, especialmente crack,
em 2011 e 2012.4
4
Secretário de Assistência Social, Rodrigo Bethlem, em audiência pública na Câmara Municipal
do Rio de Janeiro. Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro, 30 maio 2011.
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39,5% usam drogas em geral e 10,8%, crack; entre seus responsáveis, tem-se
31,2% e 2,5%, respectivamente.
Tabela 2 – Uso de drogas em geral e de crack por crianças e adolescentes
em Serviços de Acolhimento Institucional e por seus responsáveis. Rio de
Janeiro – março a setembro de 2012*
Crianças Adolescentes Total
Consumo de drogas N=292 N=157 N=449
N % N % N %
Uso de drogas em geral pela 0 - 62 39,5 62 13,8
criança ou adolescente
Uso de crack pela criança ou 0 - 17 10,8 17 3,8
adolescente
Responsáveis com história de uso 68 23,3 49 31,2 117 26,1
de drogas em geral
Responsáveis com história de uso 40 13,7 4 2,5 44 9,8
de crack
* Informação dada pelo gestor do serviço.
A maior parte dos SAIs já funciona há muitos anos. Seis têm entre dois e
oito anos de atividades; sete, entre dez e 18 anos; dois, entre 23 e 25 anos;
cinco, entre 60 e 84 anos, e um, com 274 anos de existência, é um serviço
filantrópico. Excluindo esse serviço centenário, observa-se que os demais têm
em média 27,4 anos de existência (DP=28,9), com muitos serviços atuando
antes do ECA, quando ainda não vigorava a doutrina da proteção integral.
Dezessete SAIs (81%) têm a natureza de abrigo tradicional. Alguns
apresentam especificidades: uma unidade abriga crianças pequenas apenas
durante a semana; uma está voltada para crianças com problemas motores
que também retornam aos lares; uma é só para meninas; e uma atende
vítimas de maus-tratos. Há ainda uma Casa Lar em aldeia5 e uma Casa de
Passagem.6 Outros dois SAIs visitados foram uma Central de Recepção 24 horas
e um abrigo que também funciona como creche para filhos de policiais militares.
5
É um conjunto de casas lares que ficam dispostas em um mesmo terreno, ao redor de um núcleo
central, e compartilham uma mesma estrutura técnico-administrativa. A modalidade de acolhi-
mento institucional em Casa Lar agrega no máximo dez crianças e adolescentes por unidade
residencial, na qual pelo menos uma pessoa, ou um casal, trabalha como educador/cuidador
residente em cada unidade. A unidade residencial não é a casa do educador/cuidador.
6
Acolhimento institucional de curtíssima duração, emergencial, para crianças e adolescentes com
perfis diversos, em situação de abandono ou afastados do convívio familiar. Equipe técnica
realiza o diagnóstico e encaminha para os demais serviços de acolhimento ou providencia a
reintegração na família de origem.
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7
Etapas de ensino no Brasil: educação infantil – creche, até 3 anos de idade; pré-escola, 4 e
5 anos. Ensino fundamental de nove anos – anos iniciais (faixa etária de 6 a 10 anos, com cinco
anos de duração) e finais (faixa etária de 11 a 14 anos, com quatro anos de duração).
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Sabe, pra mim é uma coisa ruim, porque eu aprendi a usar droga
[cocaína] com a minha mãe. (Geraldo – SAI)
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Outro entrevistado não sabe falar porque experimentou, mas afirma: “Provei
e gostei e todo dia eu comecei a usar, diariamente” (Diógenes – CR). Para um
jovem, a vida na rua foi o motivo que o levou ao vício no crack.
Os principais motivos do envolvimento com as drogas na fase da adoles-
cência são: busca do prazer, curiosidade, vontade de experimentar; influência
do grupo em que está inserido e pressão social (Tiba, 2003). Cabe lembrar que o
consumo de drogas é uma prática cultural, encontrada em todas as civilizações,
embora as finalidades do uso sejam variadas, da curiosidade à busca do prazer
(Spricigo & Alencastre, 2004).
Perguntados sobre os efeitos do crack em suas vidas, há uma gama de
informações relatadas pelos dez adolescentes entrevistados: evasão nos estudos,
rompimento dos vínculos familiares, mudanças físicas – “fiquei assim magra, feia
de corpo” (Ildes – CR) –, mendicância, roubos, furtos, tráfico, violência e detenção
pela polícia, perda dos amigos, expulsão de casa e distanciamento de todos.
O efeito é que a minha mãe já não me quer mais dentro de casa. Ela
quer que eu esteja em casa bem, não quer eu roubando. Não quer eu
ficar morando dentro de casa com ela. Aí eu estou morando na rua,
porque eu estava roubando, estava usando crack. (Diógenes – CR)
A gente não quer saber da família, nem do pai, nem da mãe, nem dos
irmãos. Esquece sobrinho, esquece tudo, cara, o crack faz você esquecer
escola, trabalho, esquece os amigos, esquece tudo. (Lauro – CR)
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Tem muitas. A saúde, eles põem a vida deles em risco. Esse meu filho,
eu descobri que está com sífilis. (mãe – Caps i)
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Eu vejo muita conexão [do uso do crack] com a ida para as ruas.
(...) A população infantojuvenil e adulta que está nas ruas hoje na
cidade do Rio de Janeiro, ela é diferente por regiões. Na minha área,
as meninas iam com uma caixinha de bala no sinal. Quando existe
uma menina se oferecendo é porque tem explorador. (...) Eu tenho
inúmeros casos de destituição onde a família não via na criança
uma fonte de responsabilidade, de carinho, mas via fonte de renda
mesmo. Tem as questões de abuso, meninos que vão para a rua porque
sofrem alguma coisa dentro de casa, mas não necessariamente são
abusados ou são agredidos, porque cada caso é um caso. Mas eu
associo muito à questão da banalização da ida pra rua, porque ele
começa complementando a renda. Ele não começa usando droga.
Ele começa ali com a mãe no sinal e vai crescendo, e daqui a pouco
ele coloca o braço pra trás e finge que é deficiente e daqui a pouco
ele, enfim, ato infracional. Não associo isso à pobreza. Acho que a
pobreza também agrava e é um fator de risco, mas você tem uma
grande massa de pessoas aí vulneráveis socialmente e que não levam
seus filhos. (promotor público)
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oscilaram entre pouco tempo, cinco ou seis meses, com várias interrupções
nesse período e dois ou três anos. Dois entrevistados comentam que não
realizam nenhum tratamento de saúde, embora, curiosamente, estejam
acolhidos justamente em um SAI especializado.
Um adolescente detalha sua saga para conseguir um acolhimento
especializado com a esperança de se tratar do uso abusivo da droga, sem
sucesso, mantendo um ciclo de entrada na central de triagem, evasão, retorno
ao crack e atos infracionais.
A gente pede clínica a eles e eles não arrumam pra nós. Pula e volta
pro crack de novo, pro roubo. – Pesquisadora: Quantas vezes você
já veio parar aqui? – Quatro vezes com essa. E essas quatro vezes eu
pedi, e eles nunca arrumaram nada pra mim (...). Tento tratamento,
mas até agora nada. (Luís – CR)
Uma adolescente relata que seu único contato com serviço de saúde foi com
um hospital de emergência, onde permaneceu por pouco tempo. Foi socorrida
por pessoas da cracolândia.
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Eu não quero voltar pra lá. Lá é muito ruim, lá, os educadores batem.
Lá se faz alguma coisa, eles botam num quarto, num banheiro escuro,
fica dois dias sem comer, quase um castigo. Mas, se me encaminhasse
para um abrigo aberto, que não tenha muro alto eu fico (...). Muro
assim muito alto, lugar fechado, eu não quero ficar, eu quero ficar
num normal! (Ildes – CR)
Ah! Pra mim é bom, porque eu converso, eles querem me ajudar, pra
mim é bom. (Ildes – CR)
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Acho ruim [Caps ad]. Lá as pessoas não sabem tratar com os outros,
só sabem gritar com os outros. (Marcelo – SAI especializado)
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Muitas vezes você não tem o retorno. Acredita que fazendo aquele
encaminhamento (...) que aquela unidade vai acolher o usuário, vai
acolher essas famílias. E às vezes a gente esbarra em uma série de
questões burocráticas. Muitas vezes eu tenho casos aqui de famílias
que estão com sérios problemas de habitação. Você encaminha
pra Prefeitura, para os órgãos, programas habitacionais, e você
não tem esse retorno. Você esbarra com “hoje não dá”, você volta
daí a um mês. Você imagina, eu hoje, enquanto profissional, eu
esbarro nessas barreiras. Você imagina eles, que não têm nível de
escolaridade, que têm dificuldade muitas vezes de se expressar, de
chegar nos lugares, dificuldade financeira pra pegar uma condução
e, quando chegam nos lugares, não encontram essas portas abertas.
(assistente social – SAI)
A gente precisaria ampliar essa rede de serviços. (...) A gente tem cinco
unidades de referência. A demanda que a gente tem é muito maior do
que isso, sem contar os casos que vêm encaminhados via determinação
judicial de outros municípios, então assim, eu acho que a gente ainda
falta avançar na ampliação dos serviços. (coordenador – CR)
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A falta de atenção especial para as crianças acolhidas nos SAIs por conta
de uso de crack pelos pais/responsáveis e para aquelas que começam a usar
tal substância em fase tão precoce merece cuidado prioritário no município.
O destaque dado ao adolescente usuário de crack é importante, mas não pode
obscurecer fases anteriores da vida em que a droga está presente e acarreta
consequências graves à saúde e à vida em sociedade de crianças, adolescentes
e famílias.
Vários adolescentes mencionaram, como aspecto necessário ao atendimento
recebido nos serviços, a presença de diálogo, facilitando o bem-estar e o
acolhimento efetivo. Essa demanda precisa ser trabalhada nos momentos
de capacitação profissional, problematizando o respeito às necessidades e
desejos da criança, adolescente ou família em situação de dependência química
e a compreensão da capacidade de decisão sob o efeito da droga. Outros
aspectos sinalizados pelos adolescentes usuários foram o receio de serem
agredidos fisicamente em serviço especializado e a falta de atividades laborais
ou profissionalizantes que os ajudem a preencher o tempo e a vencer o vício.
Tais problemas são inadmissíveis, necessitando fiscalização dos órgãos públicos
competentes e compromisso do governo na transformação dessa realidade.
A recorrente institucionalização dos mesmos adolescentes em SAIs, até
mesmo em SAIs especializados, demonstra a fragilidade dos serviços prestados
e a falta de acompanhamento do acolhido após a saída da unidade, bem como
das suas famílias (inclui-se a rede socioassistencial e de saúde como um todo).
A desarticulação da rede tem papel fundamental neste sério problema.
Considerando o quadro apresentado, as principais recomendações para
a melhoria dos cuidados oferecidos no município do Rio de Janeiro são:
incremento na parceria entre as áreas socioassistencial e saúde, com especial
ênfase à saúde mental; referência e contrarreferência do atendimento ágil
e mais eficaz; capacitação da equipe que lida com a temática crack/drogas;
olhar personalizado para cada caso; otimização nas ações profissionais, de
maneira a desburocratizar os atendimentos; disponibilidade de médico nas
centrais de recepção e triagem, bem como em SAIs especializados; aumento
de equipamentos de saúde mental (Caps ad, Caps ad III e Caps i) e leitos em
hospitais públicos (emergência e psiquiátricos); avaliação clínica abrangente da
saúde de crianças e adolescentes recolhidos compulsoriamente e encaminhados
para os SAIs, especializados ou não; e fiscalização dos SAIs e equipamentos de
saúde pelos órgãos competentes, incluindo o Conselho Tutelar.
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da Prefeitura de São Paulo. Está relacionado ao Projeto Nova Luz por estar
localizado no centro de São Paulo e por ser umas das ações desenvolvidas no
projeto, com uma equipe multidisciplinar para atendimento, acolhimento,
tratamento e encaminhamento biopsicológico, social e jurídico a essa população.
No momento da pesquisa, o Complexo Prates dispunha de um abrigo
para crianças e adolescentes usuários de drogas com 20 vagas. No complexo
há um espaço de convivência-dia para adultos, uma unidade de assistência
médica ambulatorial (AMA), um Centro de Apoio Psicossocial Álcool
e Drogas (Caps ad) e um centro de acolhida 24 horas. A abordagem ocorre
por meio de uma ação conjunta entre a Secretaria Municipal de Assistência e
Desenvolvimento Social (SMADS), a Secretaria Municipal de Saúde (SMS),
e a Coordenadoria da Atenção às Drogas, em parceria com organizações sociais
vinculadas à Prefeitura.
O Complexo Prates é um serviço aberto 24 horas, sete dias na semana,
com políticas de portas abertas e uma equipe multidisciplinar para atender as
demandas de acolhimento (alimentação, higiene pessoal, atendimento social
individualizado). Também presta serviços especializados de saúde como:
intervenção em crise, desintoxicação, avaliação psiquiátrica, enfermagem e
clínica geral. A abordagem aos usuários tem sido executada pela ação conjunta
da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e da Polícia Militar. A GCM, como
integrante da rede de proteção social, articulada com a SMADS e a SMS, na
região da Nova Luz e adjacências, promove encaminhamentos de pessoas em
situação de risco aos equipamentos de saúde e ao atendimento social, assim
como abordagens a munícipes e transeuntes daquela região para orientação e
esclarecimentos.
A GCM participa da ação integrada com pelo menos 30 guardas e dez
viaturas e bases comunitárias móveis. A GCM integra a operação na região
da Nova Luz, desenvolvida pela Prefeitura e pelo governo do estado, também
fazendo a proteção aos agentes públicos que ali atuam a serviço da SMADS, SMS
e Secretaria do Trabalho e Participação e Parceria, do Departamento de Limpeza
Urbana (Limpurb) e da Subprefeitura. As ações da corporação são realizadas
com base nas normas programáticas e nos procedimentos operacionais padrões.
A GCM pode ser acionada por telefone e funciona 24 horas.
Após a implementação do Complexo Prates, uma vez realizado o plano
de tratamento e identificadas as necessidades de cada um dos indivíduos, eles
são encaminhados para os seguintes parceiros da rede de saúde e assistencial:
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fazendo com que novos serviços sejam incorporados a essa rede, embora os
profissionais que neles atuam nem sempre estejam adequadamente capacitados
e qualificados para lidar com as novas demandas. Portanto, há necessidade
de investir em formação continuada do quadro profissional, processos de
parcerias, crescimento e amadurecimento da rede no campo da saúde e da
assistência social.
A fala de uma promotora de justiça entrevistada para a pesquisa, que atua
especificamente buscando promover os direitos da criança e do adolescente e
fiscalizando as entidades que os acolhem no município de São Paulo, reflete
sobre o quadro naquele momento:
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1
Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES)/Datasus/MS, 2011. Disponível em:
<cnes.datasus.gov.br>. Acesso em: 24 ago. 2015.
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Casa Lar é uma modalidade de acolhimento institucional com número menor de acolhidos, em
que uma pessoa ou casal trabalha como educador, cuidador e residente.
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Crianças, Adolescentes e Crack
O uso específico de crack pela criança ou adolescente não foi apontado como
motivo de acolhimento.
No que se refere aos dados sobre a institucionalização em SAIs, entre as
21 crianças e adolescentes identificadas pelo uso pessoal ou familiar de crack,
57,1% estavam na instituição há menos de um ano, 19% há um ano, 19% há
dois anos e 4,8% há três anos. Em todos os prontuários consta procedimento
administrativo na Vara da Infância e Juventude, como, por exemplo, pasta
especial ou processo. Boa parte dos prontuários aborda a questão do consumo
de crack por parte da criança/adolescente ou seus responsáveis, descrevendo o
fato e/ou os encaminhamentos realizados em decorrência do problema (66,7%).
Quanto ao encaminhamento das crianças e adolescentes para os serviços
nos últimos 12 meses, destacam-se o Poder Judiciário e o Conselho Tutelar
(38,1% cada). Outros SAIs respondem por 19% e a SMADS, por 4,8% dos
encaminhamentos.
No que se refere à situação legal das 21 crianças e adolescentes investigados,
constata-se que: não há nenhum legalmente encaminhado para adoção,
aguardando colocação em família adotiva; nenhum está com a destituição
do poder familiar concluída, mas ainda sem encaminhamentos efetivos para
adoção; e quatro estão em processo de colocação para adoção, ou seja, iniciando
a aproximação com adotantes (19%).
Esses resultados a princípio significariam que há 19% de crianças e
adolescentes usuários de crack ou cujos responsáveis consomem essa substância
que preencheriam critérios para a condição legal de adoção. Entretanto,
segundo os seus prontuários e informações dos técnicos, todas essas quatro
crianças ainda estão com a destituição do poder familiar em tramitação. Logo,
a possibilidade de adoção é precária. As demais crianças e adolescentes estão
nas seguintes condições: seis em fase de avaliação/preparação para reintegração/
retorno ao convívio com os responsáveis (28,6%); dois com suspensão do poder
familiar (9,5%); 11 estão com a destituição do poder familiar em tramitação
(53,3%); e nenhum tem processo tramitando de guarda/tutela ou com sentença
pendente de recurso. Para dois acolhidos há ausência de informação sobre a
situação legal nos prontuários.
Nenhum adolescente envolvido com o uso de crack e outras drogas está
em cumprimento de medida socioeducativa de liberdade assistida nos SAIs
investigados.
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Crianças, Adolescentes e Crack
Outro fato que ocorria com os serviços de acolhimento de uma forma geral
é que vários deles eram descadastrados e outros, cadastrados, indicando uma
grande labilidade na atenção oferecida. É comum que instituições mais antigas
ou vinculadas à Igreja (e talvez com maior distanciamento da política pública
atual) estejam sendo descadastradas; ao passo que serviços mais recentes vêm
tornando-se conveniados à prefeitura.
Abrigo especial A
Este serviço tinha apenas cinco meses de funcionamento no momento
da pesquisa. Trata-se de uma organização não governamental (ONG) sem
orientação religiosa. É dedicado a usuários de drogas e em situação de rua.
Tem equipe técnica própria, com assistente social, psicólogo e pedagogo, que
informa ter passado por capacitação sobre o tema do crack. O abrigo realiza
reuniões periódicas com o Conselho Tutelar, Poder Judiciário, Ministério
Público, SMADS, bem como com serviços de saúde (física e mental).
Não havia nenhuma criança com história de uso de drogas na visita da
pesquisa. Naquele momento, estava com dez adolescentes acolhidos: todos
com uso de drogas em geral (seis deles incluindo o crack). Todos os jovens
tinham pais usuários de drogas e dois deles usavam crack.
Segundo informações do gestor, são oferecidas atividades de forma regular:
ensino, atendimento médico, psiquiátrico e psicológico, tratamento para
dependência química, orientação sexual, curso de capacitação, encaminhamento
para trabalho, inserção em programas de trabalho protegido, grupos de ajuda
mútua e atividades religiosas, esportivas, culturais e comunitárias. Para as
famílias das crianças e adolescentes que usam crack, são oferecidos de forma
regular o acompanhamento social e o encaminhamento para tratamento de
dependência química.
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Retratos de um Momento Especial na Abordagem ao Usuário de Crack na Cidade de São Paulo
Entre os dez adolescentes no abrigo, para sete deles foi possível coletar
informações individualizadas. São eles: cinco meninos e duas meninas na faixa
dos 14-18 anos de idade. Três deles têm a pele branca; dois, preta e um, parda.
Para cinco deles há informações mais detalhadas sobre suas vidas:
• convivem com a família de origem e não têm histórico de situação de
rua; dois já estiveram acolhidos em outros SAIs;
• obtêm dinheiro das seguintes formas: prostituição na rua, furtos,
roubos, violência sexual, tráfico de drogas, o que denota a situação
de vulnerabilidade em que se encontram. Apenas um comenta ter
trabalhado legalmente, em supermercado. Quatro já foram detidos, por
tráfico, furto, roubo, posse de drogas, desmonte de carros, formação
de quadrilhas;
• quanto ao elevado consumo de substâncias psicoativas, tem-se que:
três deles usam álcool (dois diariamente nos últimos 30 dias antes do
acolhimento); todos consomem tabaco diariamente; três usam maconha
diariamente; todos consomem cocaína (quase todos diariamente),
mesclado (quase todos diariamente), crack (todos usam diariamente),
oxi (três), produtos para sentir “barato” (todos); um adolescente
relata ainda heroína/ópio/morfina, remédios “para ficar ligado”,
tranquilizante/ansiolítico/calmante;
• o tempo de uso de crack oscila entre dois e cinco anos, e a quantidade
de pedras varia entre uma e cem pedras ao dia. Três utilizam crack em
forma de cigarro, dois como baseado, três em lata, quatro em cachimbo
e um em uma garrafa de yakult. Todos reutilizaram cachimbo, lata ou
copo de outras pessoas; todos já misturaram crack com outras drogas,
como maconha, cocaína e oxi em elevada frequência. Um jovem já
usou drogas injetáveis. Quatro tiveram overdose. O principal lugar do
consumo do crack é a rua. Quem mais fornece o crack para o uso são
amigos e traficantes. Dois têm irmãos que usam crack e outras drogas
e três têm pais com tal uso;
• quatro desses jovens consideram sua saúde boa e um, satisfatória. Porém
todos fazem sexo sem camisinha e um já transou com portador de
hepatite ou HIV. Contradizendo essa percepção, constata-se que, antes
do acolhimento, eles tinham passado por variados serviços públicos,
mesmo em idade tão precoce: posto ou centro de saúde/ambulatório/
UPA (quatro); emergência (três); Caps ad (três); serviços de assistência
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Crianças, Adolescentes e Crack
social para conseguir emprego (três); abrigos (todos); serviços que fornecem
alimentação gratuita (três); internação em hospital (dois); serviço de
internação para tratamento de dependência (um); hospital psiquiátrico
(um); clínica especializada (um); Comunidade Terapêutica (um).
Abrigo especial B
É uma Casa de Passagem que funcionava há dez meses no momento
da pesquisa. Trata-se de uma ONG sem orientação religiosa. Prevê o
atendimento a usuários de drogas, com transtorno mental, doenças
infectocontagiosas, em situação de rua e ameaçados de morte. Dispõe
de equipe técnica própria, com assistente social, psicólogo, assistente
técnico e gerente – todos sem capacitação específica para o tema do
crack e outras drogas. A unidade demonstra pouca articulação com
os órgãos da rede socioassistencial, segundo informações dadas pelo
gestor: dentre um amplo leque de instituições da rede socioassistencial,
a articulação existente é feita apenas com o Conselho Tutelar, Caps ad e
Caps i. Dessas instituições, o gestor informa saber a localização, sem que haja
troca de informações e reuniões periódicas com nenhum serviço dessa rede.
Nessa unidade estavam presentes no momento da pesquisa sete crianças e
sete adolescentes com histórico de uso de drogas (que não o crack).
Abrigo especial C
Este abrigo funciona há 16 anos e é uma Casa de Passagem não governa-
mental. Tem uma orientação religiosa ecumênica, com possibilidade de
acolher crianças e adolescentes com as seguintes especificidades: usuários de
drogas, com transtorno mental ou doenças infectocontagiosas, em situação
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Crianças, Adolescentes e Crack
Outro menino entrevistado parecia estar sob efeito do uso de drogas durante
a entrevista, apresentando uma fala muito confusa e truncada. Ainda assim
narra um episódio em que foi vítima de violência sexual. Relata o consumo
e tráfico de muitas drogas e afirma todo o tempo que pretende parar de usar
drogas, mostrando-se muito agitado e ansioso.
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Marta foi estuprada na rua após uma overdose. Foi encontrada sem
consciência e levada para o hospital. Chora ao contar sua história. Ficou
internada com graves ferimentos na região genital. Conta que já passou por
tudo quando usava drogas. Tem um irmão preso por homicídio e tráfico. É
uma menina travesti (menino que se transformou em menina), tem aparência
feminina e se veste com roupas femininas. Relata ter usado crack por cinco
anos, tendo iniciado o consumo da droga em decorrência da “revolta pela minha
opção sexual; e depois eu fugi de casa. Comecei pela maconha e depois foi a
cocaína e depois fui direto para o crack” (Marta, 16 anos, Caps i).
O múltiplo uso de drogas é relatado pelos profissionais da saúde e
da assistência social, que, todavia, reconhecem o crack como uma droga
diferenciada, que parece estar no topo de uma pirâmide que tem como base
o consumo de outros tipos de substâncias psicoativas. Essa combinação de
drogas, de acordo com Nappo, Galduróz e Noto (1996), é uma característica
marcante do atual padrão compulsivo de uso, substituindo gradativamente
o uso exclusivo, relatado na primeira descrição da cultura de crack na
cidade de São Paulo. Os profissionais entrevistados mostram suas visões
sobre essa questão, embora na literatura as motivações subjacentes ao uso
múltiplo de drogas sempre permaneceram pouco esclarecidas (Magura &
Rosenblum, 2000; Pennings, Leccese & Wolf, 2002).
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Crianças, Adolescentes e Crack
Eles tinham uma coisa assim: “não; o crack não; o crack a gente não
vai”. Tinha uma coisa de inclusive querer proteger o grupo. Se tivesse
algum menino que começava com um envolvimento de querer ir pra
lá... Agora, tinha uma hora que eles iam. (coordenador de Caps i)
Aqui dentro desse serviço, a gente percebe que tem muitos meninos
que, quando entra aqui um usuário de crack, ele é totalmente
isolado, porque o menino quando ele chega no crack é porque ele
está no fim. (...) Eles isolam aquele menino. (coordenador do
Complexo Prates)
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Aquela velha história, por exemplo, que o adolescente não vai para
rua porque ele usa droga. Ele acaba indo para a situação de rua pra
ficar muito mais tempo longe de casa por questões anteriores. Isso
a gente vê aqui completamente nos Caps, que a gente acompanha...
as questões estão de fato lá na estruturação familiar, nas relações
familiares, no contexto dessa família, que muitas vezes está
relacionado com as condições de vida. (coordenadora de Caps i)
O que nós temos aqui são crianças que sofreram muita violência
física, violência sexual e situações obviamente de negligência física
e emocional, e que elas acabam indo pra rua. Elas acabam indo pra
rua até como fuga desse ambiente hostil. O crack também é um tipo
de alívio pra dor emocional que eles sentem. Isso que a gente vê aqui.
(coordenadora do Projeto Equilíbrio)
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Crianças, Adolescentes e Crack
Porque eu não sei lidar com a perda da minha mãe. Eu não sei lidar
ainda até hoje com a morte da minha mãe, muitas vezes que eu
penso nela, que eu sinto saudade, eu tento me martirizar. (Júlia,
18 anos, Caps i)
Até hoje se eu falar pra você que eu sei o motivo, eu não sei. Claro
e lógico que eu tenho uma parcela de culpa nisso, mas eu estou
tentando encontrar qual foi o meu erro, pra poder eu reparar. Porque
um dia ele vai sair daqui. Eu tenho que saber o que fazer quando ele
sair daqui. (sra. Luísa, SAI)
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Retratos de um Momento Especial na Abordagem ao Usuário de Crack na Cidade de São Paulo
É engraçado que eles ficam aqui dois, três dias e você percebe a
mudança, mudança na pele, mudança no olhar, brilho, muda tudo.
Você consegue perceber nas mínimas coisas o quanto faz bem. Eles
chegam bem acabados. Eles ficam dormindo dois, três dias, a gente
percebe, levanta, come e dorme, levanta, come e dorme, toma banho
e dorme, dorme, dorme, dorme; no terceiro e quarto dia, ele é outra
criança. Você olha pra mão, não é a mesma, muda tudo, a pele,
muda o olhar, muda a maneira de se colocar, de falar, de sentar na
mesa e se alimentar. (coordenadora do Complexo Prates)
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Crianças, Adolescentes e Crack
Terminamos essa seção sobre a visão dos diferentes atores entrevistados com
uma impactante definição dessas crianças e adolescentes usuários da droga,
trazida por uma profissional da área da justiça:
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Pelo lado dos profissionais que atuam diretamente com esses jovens,
é precário o conhecimento sobre o que acontece nas instituições da rede.
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A gente liga para essas redes que fazem esse tratamento para saber se
tem vaga; tendo a vaga a gente encaminha a criança para fazer esse
tratamento de drogadição. A maior parte a gente encaminha para
os abrigos. Algumas a gente encaminha lá para o Complexo Prates.
Então os abrigos é que procuram esta rede. Essa rede que cuida mais
da drogadição. Suponhamos: a criança chega aqui e eu mando para o
abrigo porque, quando a gente pede a vaga no Caps, ele já pergunta:
“tem problema de drogadição?”. A gente fala que tem e o próprio
Caps encaminha para os abrigos que têm esse tratamento. Então
a gente não fica sabendo muito. Alguns, quando eu sei que têm
problemas com drogadição que já veio aqui, eu já peço a vaga no
Complexo Prates, porque eu sei que lá é realmente para crianças com
problemas de drogadição. Não é sempre que tem vaga, então a gente
passa para o Caps, o Caps passa para os abrigos, e os abrigos recebem
já sabendo que tem problemas com drogadição. De lá eu não sei para
onde eles são direcionados.
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estavam voltadas para o centro urbano, fato que dificultou uma visão mais ampla
do consumo do crack e da rede de atenção voltada para infância e adolescência
nesse amplo município.
Referências
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PENNINGS, E. J.; LECCESE, A. P. & WOLFF, F. A. Effects of concurrent use of alcohol
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SILVA, S. L. Mulheres da Luz: uma etnografia dos usos e preservação no uso do crack,
2000. Dissertação de Mestrado, São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade
de São Paulo.
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Curitiba: entre o trabalho em rede
ideal e o real
Este capítulo versa sobre o contexto que cerca a vida de crianças e adolescentes
usuários de crack em Curitiba, Paraná. Apresentam-se inicialmente alguns dados
sobre o crack e a cidade, destacando-se os serviços locais contatados na pesquisa
e a metodologia de trabalho adotada. A rede de assistência social e o atendimento
a crianças, adolescentes e famílias usuárias de crack são elencados, com destaque
para a caracterização e o funcionamento dos Serviços de Acolhimento Institucional
(SAIs). Em seguida, caracterizam-se o perfil das crianças e dos adolescentes usuários
de crack inseridos nos serviços da rede de assistência social e de saúde e de suas
famílias, bem como a visão dos adolescentes, familiares e gestores da saúde e
da assistência social sobre o atendimento oferecido. Ao final, descreve-se a rede de
assistência social e de saúde na atenção a este público, salientando-se os seguintes
aspectos: atores, papel, fiscalização, avaliação e fluxo de atendimento.
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Disponível em: <www.curitiba.pr.gov.br/secretarias/equipamentos/saude/10/33>. Acesso em:
24 mar. 2015.
3
No Anexo é possível saber em detalhes os procedimentos metodológicos da pesquisa em foco.
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entrevistados, esse era o único Caps municipal (os demais funcionavam com
gestão de organizações não governamentais – ONGs). Para atendimento nessa
unidade, a procura era direta, não era necessário o encaminhamento pelas
UBS, porém a unidade sempre fazia contato com a unidade da área de moradia
do usuário, para que as condições clínicas e sociais fossem acompanhadas em
conjunto. As crianças e adolescentes geralmente eram encaminhados pela 1a Vara
da Infância e Juventude, pelo Conselho Tutelar e pela FAS.
O quadro dos serviços de atenção à saúde mental no município era
composto de: cinco Caps ad para adultos; dois Caps i e um Caps II (para
adultos com transtornos mentais); o ambulatório Cara Limpa, que atende
crianças e adolescentes usuários de álcool e outras drogas; duas Comunidades
Terapêuticas para crianças e adolescentes de 7 a 18 anos que se encontram em
vulnerabilidade social e duas para adultos; o Centro de Especialidades Médicas
Matriz, que oferece atendimento de retaguarda; dois hospitais psiquiátricos
localizados em outros municípios, que atendem casos (também de Curitiba)
com comorbidades clínicas e risco de vida; e cinco ambulatórios de saúde
mental conveniados com a SMS que realizam matriciamento e atendimento.
O ambulatório Cara Limpa é uma parceria entre a SMS, a FAS e a ONG
Núcleo Terapêutico Menossimon. Os encaminhamentos para esse serviço são
realizados pelos programas da FAS, pelas UBS, pelo Conselho Tutelar e pela
Vara da Infância e Juventude.
Em relação às Comunidades Terapêuticas, havia a Casa de Recuperação
Nova Vida (Crenvi), para meninos, e a Casa de Recuperação Água da Vida
(Cravi), para meninas. Essas entidades dão retaguarda tanto para o ambulatório
Cara Limpa quanto para o Centro Vida. Os encaminhamentos eram realizados
pelo Conselho Tutelar e o Juizado.
O mapeamento da área de assistência social, realizado na FAS, indicou os
seguintes serviços como porta de entrada para o atendimento: 45 Centros
de Referência de Assistência Social (Cras), nove Centros de Referência
Especializados de Assistência Social (Creas) – um por regional –, um Creas
para vítimas de violência sexual, dois Creas para população de rua adulta,
o Centro de Convivência Criança Quer Futuro e ônibus itinerante voltado à
atender crianças e adolescentes em situação de rua.
No que tange aos serviços que servem de retaguarda ao atendimento,
existiam a Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco
para Violência; o Programa Família Acolhedora/Família Extensa; 42 SAIs
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filhos mais novos – uma moça e um rapaz – tinham histórico de uso de crack.
Ambos residiam com ela, mas já tinham vivência de rua. A filha frequentava
serviço de saúde, mas o filho não.
De acordo com essa mãe, foram as “más companhias” da escola que os
levaram ao uso. A filha chegou a ficar doente e foi internada por cerca de 15
dias, em duas instituições, sendo uma em outra cidade. Ela relata que seu filho
lhe dissera, na véspera do dia em que a entrevista foi realizada, que queria ser
também internado, não pelo uso de crack, mas pelo de maconha.
A respeito das consequências do uso do crack na vida dos filhos, a mãe
comentou que sua filha ficava por vezes uma semana na rua e que, “quando
chegava, não dava coragem nem de olhar, eu tinha até nojo”. Pediu ajuda ao
Conselho Tutelar e foi orientada a pegar a filha quando esta fosse em casa, e
levá-la “para o 24 horas” [hospital]. Foi em um desses momentos que a mãe
internou a filha. Na época da entrevista, a jovem fazia acompanhamento em
serviço de saúde e havia “melhorado muito; ela disse que tem nojo até do cheiro
de crack”. Também por causa do uso, da situação de rua e da internação, a
adolescente parou de estudar e a mãe programava seu retorno à escola para
o ano seguinte. Outra grave consequência percebida pela mãe é o baixo peso
da adolescente, o que pode estar associado ainda a seu atraso em começar a
menstruar, com 15 anos.
Segundo a própria adolescente, uma das consequências do uso de drogas foi
a saída da escola, em decorrência do consumo de maconha, anterior ao crack.
Quando começou a usá-lo, contudo, passou a andar na rua, o que causava muito
sofrimento à mãe. Após a internação afirma estar melhor, fazendo apenas o
acompanhamento no serviço de saúde, diariamente. Essa frequência a ajuda
muito, ocupando-a com atividades como oficinas, conversas com o psicólogo
e com o psiquiatra, entre outras. Ela planejava, para o ano seguinte, cursar
ensino supletivo e trabalhar, o que vinha sendo providenciado pelo Conselho
Tutelar. Seu desejo era ser advogada.
Quanto ao uso de crack, relatou que começou com pessoas perto de casa e
que se a mãe não a tivesse internado, iria morrer. Iniciou o uso com 14 anos
e o de maconha com 12, junto com o irmão. A adolescente acredita que a
curiosidade a levou a querer usar drogas. O namorado, que era traficante, lhe
dava o crack que fumava apenas à noite. Contudo, quando ele morreu, a jovem
“se acabou” e passou a fumar o dia inteiro; “daí que eu vi que estava drogada
mesmo. Eu tinha que fumar, tinha”.
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Quanto aos efeitos do uso em sua vida, além da questão do peso, contou
que queria apenas ficar na rua, permanecendo fora de casa por dias; “só queria
saber de usar droga”. A adolescente passou a vender seus pertences para poder
comprar a droga, chegando a ficar sem nada.
Outros dois adolescentes foram entrevistados sem suas famílias: uma
menina e um menino. A primeira tinha 13 anos e estava em tratamento em
serviço de saúde. Frequentava o 5o ano escolar e morava com a mãe. Segundo
ela própria, o começo do uso da droga deu-se na escola, por curiosidade. Não
tinha percebido ainda nenhum efeito do uso do crack: “Nada, tipo, parecia
que era a mesma coisa. Normal”. Sua inserção no serviço de saúde motivou-se
pela descoberta do uso por sua mãe; no momento da pesquisa, a adolescente
frequentava o local diariamente.
O adolescente estava inserido em SAI. Trabalhava com venda de produtos
de limpeza e fazia um curso. Havia parado de estudar antes do acolhimento
para trabalhar e planejava uma nova ocupação para o ano seguinte. Sua entrada
no serviço deu-se por procura própria: “estava feia a situação pro meu lado”,
pois estava fumando muita droga e bebendo muito. Procurando o Conselho
Tutelar, o órgão entrou em contato com a mãe, que “assinou um papel” e o
encaminhou para o serviço. O local em que morava anteriormente com a mãe
tinha “muita droga, muito roubo”. “Não estava dando certo para mim, eu vi que
eu estava morrendo de uma hora assim, quase todo mundo querendo me pegar,
por causa do tráfico. Aí eu parei, fugi, fui buscar ajuda e hoje eu estou aqui”.
Ele crê que brigas com parentes e a vivência na rua o levaram a usar o crack
e daí passou para outras drogas, como a bebida. O envolvimento com a droga,
em sua avaliação, “só leva você pra baixo, nunca tem dinheiro, perde amizade
de amigo, de parente, de familiar mesmo, por causa do crack”. Todos os seus
amigos “morreram por causa do crack”, o que o motivou a procurar ajuda,
além dos apelos da mãe.
Uma das consequências em sua saúde foi a perda de peso e a falta de
disposição: “Estou mais forte para correr, mais alegre, mais com ânimo. Não
tinha nem ânimo, vivia trancado dentro de casa. Até o meu peito tinha uma
tosse de tanta, tanta droga”.
Intercorrências no processo de desenvolvimento físico, mental e social de
crianças e adolescentes usuários de crack são descritas por Gund (2011), em
estudo sobre o atendimento prestado em Cascavel, Paraná, a esses sujeitos.
A autora destaca impactos fisiológicos, relacionados a atos ilícitos e à
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prostituição como formas de ter acesso à droga, além dos homicídios de usuários
em decorrência de conflitos.
A seguir são apresentadas as visões dos responsáveis por serviços que
atendem a população em foco: SAIs, RIA, Conselho Tutelar, FAS, ambulatório,
Caps ad i e Secretaria Municipal Antidrogas.
Em relação às causas relacionadas ao uso do crack, aparece sobremaneira o
tema da desagregação familiar. Para o gestor da Secretaria Municipal Antidrogas,
a “degradação social”, causada pela mudança de modelos e por dificuldades
em lidar com novas formas de organização, estaria ligada à “ansiedade, que
alguns descarregam nas drogas”.
Esse novo modelo de família que a gente criou, que o pai e a mãe saem
cedo para trabalhar, deixam o filho na creche, voltam à noite e pegam
o filho dormindo. No outro dia entregam o filho dormindo. Quebrou
um pouco o vínculo e a gente ainda não aprendeu a lidar com esse
modelo novo. Está todo mundo procurando uma saída. Os jovens e
adolescentes, eu acho que eles se ressentem um pouco disso também,
daquele elo familiar. Eu acho que ele se sente um pouco perdido. E às
vezes, acaba se apegando em outros exemplos que não são os ideais.
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O papel institucional
A atuação da Secretaria Municipal Antidrogas, de acordo com o seu
secretário, centra-se na prevenção, atuando com base em “três eixos: repressão,
recuperação e reinserção”. No momento da pesquisa, havia nove programas em
andamento, “voltados à prevenção ao uso de drogas e também ao esclarecimento
e à capacitação das famílias para enfrentar esse problema”, destinados a todas
as faixas etárias.
As atividades são desenvolvidas em parceria com outros órgãos, como
as polícias Civil, Militar e Federal, a SMS e a FAS. O objetivo de prevenção
é buscado por meio da informação, do conhecimento, da ocupação dos
jovens e da formação profissional, por isso o caráter multisecretarial.
Campanhas e atividades de formação de multiplicadores contam com o
apoio de universidades, escolas, movimento de escoteiros, igrejas, torcidas
organizadas de futebol, exército brasileiro e aeronáutica, entre outros serviços.
Com a torcida organizada do time de futebol local, havia uma parceria para
encaminhar para tratamento torcedores dependentes químicos, custeado
com verbas da torcida.
Quanto à rede municipal, foi destacada a parceria com a saúde e a assistência
social e a organização de uma rede de Comunidades Terapêuticas, em que a
Prefeitura subsidia vagas para a população mais carente. O ponto de partida
é o setor Saúde, por meio dos Caps, que avalia a indicação de internação em
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Crianças, Adolescentes e Crack
Avaliação da rede
Como mostrado anteriormente, para parte dos entrevistados um trabalho
efetivamente em rede não ocorre. Em especial a RIA e o Conselho Tutelar são
extremamente críticos, apontando falta de comunicação e de atuação conjunta.
Segundo esses dois órgãos, não há um entendimento sobre a avaliação dos casos,
o que gera desacordos em relação a seus encaminhamentos, e a contrarreferência
é inexistente.
A separação de serviços de acolhimento em duas categorias – públicos
e conveniados – influencia a forma como se relacionam com os órgãos da
rede, até mesmo no que diz respeito a acesso, financiamento e fiscalização.
A verba recebida pelos SAIs conveniados – instituições privadas – é inferior à
repassada aos serviços públicos (o valor, contudo, considera a contrapartida
da mantenedora da organização). Vale ressaltar que os SAIs privados são em
maior número, perfazendo – apenas os associados RIA – um total de mil vagas
de acolhimento.
Nos discursos dos participantes, depreende-se que os SAIs públicos estão
mais integrados à rede: as famílias das crianças/adolescentes são acompanhadas
pelos Cras/Creas; há a preocupação de manter o vínculo entre crianças/
adolescentes e suas famílias, e também de fortalecer a família para receber
seu filho; há um maior vínculo com os serviços de saúde (UBS, hospitais,
ambulatórios e CAPs).
Nos conveniados, entretanto, essa integração praticamente não ocorre. Em
nenhum dos 14 SAIs participantes da pesquisa foi observado qualquer tipo
de vínculo com os serviços de saúde. Do ponto de vista médico, as crianças/
adolescentes são acompanhados por profissionais voluntários e até por medicina
de grupo (planos de saúde). O vínculo da criança com a família não é incentivado
e inexiste acompanhamento da família, quer seja pelo serviço de acolhimento,
quer seja pelo município.
A diferenciação de tratamento e o pertencimento a uma “outra rede”
ficam explícitos na fala dos diversos gestores, quando, por exemplo, fazem
menção à fiscalização apenas nos serviços próprios do município. Em relação
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Destaca-se que houve a implementação de um Caps nessa modalidade em 2012, após o levan-
tamento de dados que deu origem a este capítulo.
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Até março desse ano [2011] o nosso psiquiatra dizia assim, precisa
de internamento psiquiátrico, fazia um documento, o pai levava
para o Conselho Tutelar. O Conselho Tutelar encaminhava para o
juiz. A gente só podia pedir a vaga na Central de Leitos quando
o juiz dissesse que autorizava esse internamento psiquiátrico. Hoje
em dia não, no dia que nosso médico solicita internamento, a gente
pega direto na Central de Leitos. Só vai para o Juizado quando é
para internamento involuntário, quando vai ter que agir com outras
instituições, junto à polícia, quando você vê que a parte clínica está
tão comprometida que tem que internar, mas se ele não aceita, a
saúde não pode obrigar a ele se internar, então a gente precisa de
uma deliberação do Juizado.
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Crianças, Adolescentes e Crack
SAI
MUNICIPAL SAÚDE I
CT CV UBS
SAI
CONVENIADO
SAÚDE II
BUSCA
ESPONTÂNEA
JUSTIÇA CREAS/
FAS CRAS
INTERNAÇÃO
SERVIÇOS
DE REDE
PRIVADA
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Curitiba: entre o trabalho em rede ideal e o real
CAPS II /
SAÚDE / UBS / AMBULATÓRIOS
CRAS / CREAS
CAPS (ADULTOS)
CT
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Crianças, Adolescentes e Crack
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Curitiba: entre o trabalho em rede ideal e o real
Referências
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Adolescentes em Acolhimento Institucional e Familiar. São Paulo: Hucitec, 2013.
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Nacional de Assistência Social. Resolução CNAS n. 109, de 11 nov. 2009. Aprova a
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assistenciasocial/secretaria-nacional-de-assistencia-social-snas/livros/tipificacao-nacional-
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CARLINI, E. A. et al. II Levantamento Domiciliar Nacional sobre Uso de Drogas
Psicotrópicas no Brasil (2005). Brasília: Secretaria Nacional Antidrogas, Centro Brasileiro
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CURITIBA. Prefeitura Municipal. Levantamento sobre Consumo de Drogas Psicotrópicas
entre Estudantes de Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino de Curitiba.
Curitiba: Prefeitura Municipal de Curitiba, 2009.
CURITIBA. Prefeitura Municipal. Plano de Desenvolvimento Humano e Enfrentamento
às Drogas. Curitiba: Instituto Municipal de Administração Pública, 2012.
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jul. 2012. Disponível em <www.parana-online.com.br/editoria/cidades/news/617884
/ ? n o t i c i a = C U R I T I B A + CO N V O C A + L I G A + D O + B E M + N A + LU TA + CO N T R A + A
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GUND, D. P. O Enfrentamento da Dependência de Crack em Crianças e Adolescentes
pelas Equipes Multiprofissionais da Rede de Saúde Mental do Município de Cascavel:
estratégias, desafios e possibilidades, 2011. Dissertação de Mestrado, Londrina:
Universidade Estadual de Londrina.
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alguma droga durante a vida, sendo as lícitas as mais comuns (álcool 78,7% e
tabaco 58,8%); maconha foi experimentada por 36,6% e solventes por 33,8%
dos pesquisados; entre os que usaram solventes proximamente à pesquisa,
78,2% o fizeram todos ou quase todos os dias, sendo essa a droga de maior
prevalência, seguida pelo cigarro e maconha (75,9% e 60,9%, respectivamente);
28,7% declararam ter experimentado crack. Esses dados foram coletados
durante o ano de 2003, época em que o crack estava começando a ser usado
pela população investigada.
Em uma segunda fase do estudo, com 68 das 216 crianças e adolescentes
em situação de rua de ambos os sexos, com coleta de dados entre 2004 e
2005, observou-se um aumento significativo do uso de crack. O solvente
foi a droga com maior aumento no percentual de usuários nos últimos 14
meses, seguido do tabaco e do crack. Entre as ilícitas, o maior percentual de
início de uso foi o de maconha, estando bem próximos, em segundo lugar,
os solventes e o crack.
Uma pesquisa com 30 usuários de crack, internados na unidade de
desintoxicação do Hospital Psiquiátrico São Pedro em Porto Alegre (Guimarães
et al., 2008), revelou uma população de adultos jovens, de cor/raça branca,
com idade média de 27,3 anos (de 18 a 41), em situação de subemprego ou
desemprego, e 40% com antecedentes criminais associados a sintomas de maior
depressão, ansiedade e fissura. Todos os crimes dos usuários que apresentaram
antecedentes foram cometidos após o início do uso de substâncias psicoativas
(cocaína ou crack). Antes da internação, 24 sujeitos informaram que já haviam
tentado pelo menos alguma vez parar de fumar crack (80% dos sujeitos
pesquisados); 43,3% mencionaram internação anterior por uso de crack.
Em outro estudo, pesquisou-se a mudança de padrões do uso de drogas
em Porto Alegre e as razões para esse acontecimento, com base em entre-
vistas semiestruturadas e grupos focais com usuários de drogas de diversas
cenas, profissionais do programa de prevenção ao HIV que eram ex-usuários,
profissionais do programa de redução de danos (troca de seringas) da cidade,
líderes comunitários e da área da saúde pública com conhecimento da cultura
de uso de droga na rua (Inciardi et al., 2006). Os sujeitos eram moradores de
favelas ou de bairros muito pobres nas redondezas. Os resultados mostraram
que as principais drogas de abuso em Porto Alegre são a maconha e a cocaína
em pó. Entretanto, os participantes do estudo enfatizaram que o uso de droga
havia se modificado da cocaína injetável para o crack, seja em decorrência
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Crianças, Adolescentes e Crack
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Conceituação dos termos: criança – Estatuto da Criança e do Adolescente – de 0 a 12 anos
incompletos; adolescência - Estatuto da Criança e do Adolescente – de 12 a 18 anos de idade
incompletos; jovem – Sistema Nações Unidas – de 15 a 24 anos de idade; jovem – Secretaria
Nacional de Juventude – de 15 a 29 anos de idade, pela incorporação da noção de adulto
jovem.
“Se o termo infância nos remete aos termos criança e adolescência, que se encontram refe-
renciados por fortes indicadores físicos e fisiológicos, o termo juventude é muito mais recente e
nos remete a definições socialmente delimitadas. Para a Organização Pan-Americana da Saúde e
a Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS), adolescência e juventude diferenciariam-se pelas
suas especificidades fisiológicas, psicológicas e sociológicas. (...) A adolescência constituiria um
processo fundamentalmente biológico durante o qual se acelera o desenvolvimento cognitivo e
a estruturação da personalidade. Abrangeria as idades de 10 a 19 anos, divididas nas etapas de
pré-adolescência (dos 10 aos 14 anos) e de adolescência propriamente dita (de 15 a 19 anos).
Já o conceito juventude resumiria uma categoria essencialmente sociológica, que indicaria o
processo de preparação para os indivíduos assumirem o papel de adultos na sociedade, tanto
no plano familiar quanto no profissional, estendendo-se dos 15 aos 24 anos, ou 15 a 29, no
entendimento das instituições brasileiras” (Waiselfisz, 2010: 12).
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Assimetria nas relações de poder existente do rico sobre o pobre, do branco sobre o negro, do
homem sobre a mulher, do adulto sobre a criança. Esse assunto tem sido tratado por Viviane
Guerra e Maria Amélia Azevedo. Disponível em: <www.ip.usp.br/laboratorios/lacri/livros.htm>.
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A lei 11.343/06 institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad); prescreve
medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes
de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de
drogas e define crimes.
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Os SAIs são subdivididos em duas modalidades, com base na Tipificação Nacional de Serviços
Socioassistenciais (Brasil, 2009a) e de acordo com as Orientações Técnicas para os Serviços de
Acolhimento de Crianças e Adolescentes (Brasil, 2009b). A primeira deverá ser realizada em
unidade residencial para, no máximo, dez crianças e/ou adolescentes, com a presença de uma
pessoa ou casal atuando como educador residente. Na segunda modalidade, o atendimento
se dará em uma unidade institucional com características residenciais, para grupos de até 20
crianças e/ou adolescentes.
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Crianças, Adolescentes e Crack
alguém com problema com o uso de crack/drogas, nos últimos 30 dias antes
do acolhimento. Nesse subgrupo, sobressai o uso do crack por algum familiar
em 43,9% dos acolhidos. Álcool e cocaína são outras drogas nomeadas;
4) 31,6% da população em foco têm algum problema de saúde, especialmente
HIV/Aids (4,4%). Doenças genéticas ou congênitas são relatadas em 3,5%
dos acolhidos, 9,6% deles apresentam comportamentos agressivos e igual
número, sinais ansiosos ou depressivos; 10,5%, hiperatividade ou inatenção;
4,4%, transtornos psicóticos; e 2,6%, deficiência mental. Outros problemas
de saúde presentes em 8,8% dos acolhidos são: hérnia abdominal, doenças
pulmonares (especialmente alérgicas) e gástricas; 5) 44,7% têm trajetória
de rua; f ) a maioria tem procedimento administrativo na Justiça Vara da
Infância e Juventude (96,5%); mais da metade (61,4%) dos procedimentos
administrativos/processos na justiça aborda a questão do consumo de crack
por parte da criança/adolescente ou seus responsáveis (descrição do fato,
encaminhamentos realizados devido à presença desse problema).
Os dois motivos mais frequentes para o acolhimento de crianças e
adolescentes foram negligência na família (84,2%) e pais ou responsáveis
dependentes do álcool e/ou outras drogas (79,8%). É digno de nota o
acolhimento dos usuários por viverem na rua (39,5%) e pelo abandono dos
pais ou responsáveis (30,7%). A violência doméstica, que predomina como
fator de acolhimento, é a psicológica (24,6%), em detrimento da física (16,7%)
e da sexual (9,6%). Outros motivos encontrados foram: carência de recursos
materiais da família/responsável (15,8%), ausência dos pais ou responsáveis
por prisão (10,5%), pais ou responsáveis com transtorno mental – problemas
psiquiátricos/psicológicos (10,5%), criança/adolescente órfão (10,5%),
exploração no trabalho ou mendicância (7,9%), entrega voluntária da criança/
adolescente pela família de origem (7,0%), ausência dos pais ou responsáveis
por doença (5,3%), ameaça de morte (3,5%), violência ou abuso extrafamiliar
(2,6%), pais ou responsáveis sem possibilidades para cuidar de criança/
adolescente com condições de saúde específicas (1,8%), uso e/ou abuso de
substâncias por parte da criança ou adolescente (1,8%), pais ou responsáveis sem
condições para cuidar de adolescente gestante (1,8%), uso de crack por parte
da criança ou adolescente (1,8%), pais ou responsáveis portadores de algum
tipo de defiência (0,9%) e exploração sexual, como prostituição e pornografia
(0,9%). Vários são motivos que podem justificar o acolhimento de uma criança
ou adolescente, configurando um quadro de elevada vulnerabilidade.
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família, mas não mantêm vínculos; 9,6% têm famílias desaparecidas; 1,8%
apresenta impedimento judicial de contato com a família; e 2,6% são órfãos.
O estudo de Neiva-Silva (2008) em Porto Alegre reitera que a maior parte das
crianças e adolescentes em situação de rua mora com suas famílias (71,3%) e
que, entre esses, 91,6% têm contato com a família todos ou quase todos os dias.
A proximidade de muitos acolhidos com suas famílias pode ser percebida
pelo fato de que 51,8% das crianças e adolescentes recebem visitas na instituição,
principalmente das mães (29,8%), avós (12,3%), pai (2,6%), irmãos e irmãs
(12,3%), outros parentes (18,4%) e outras pessoas (6,1%). Um percentual de
93,9% das famílias de origem mora no mesmo município no qual a criança/
adolescente está acolhido.
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Crianças, Adolescentes e Crack
forma que decidiu fazer alguma coisa para reconquistar a mãe – “amor de
mãe é só um”. Parou de usar o crack e sua mãe retomou o contato, fato que
o deixa muito feliz.
Os efeitos do uso das drogas são danosos para Felipe. Refere que seus
familiares e amigos se afastaram de tal forma que, ao final, “só está tu ali,
tu naquele mundo, tu e a droga”. Somente seu irmão mais novo continuou
relativamente próximo. Parou de estudar e também teve problemas com a
polícia, de quem muito apanhou. Nessa época, resolveu se internar, mas esse
movimento durou pouco. Na clínica, diz: “não é os médicos que vão me dopar
de remédios, me dar injeção, que eu vou largar [as drogas], eu tenho que largar
do coração para fora”. Hoje em dia, aconselha os outros a não se drogarem e
tem orgulho de dizer que está limpo.
Felipe não se reporta aos vínculos afetivos, sociais e/ou profissionais para o
auxiliar na descontinuação do uso da droga. Entretanto, Melotto (2009) refere
uma interdependência entre a noção de força de vontade, de sustentação do
querer com a importância do auxílio que o usuário precisará ter dos outros.
O jovem relata perda de memória (“comecei esquecendo as coisas”) e
emagrecimento acentuado (“antes eu era uma taquara, bem magrinho de tanto
crack”) como consequências do uso do crack.
Felipe conta sobre a época em que viveu na rua. Optou por morar na rua
porque passava por “um período familiar com muita confusão” e tensão, em
decorrência da união de sua mãe com o padrasto, com quem discutia muito.
Já fumava crack e maconha escondido, quando morava em casa. Mas, ao sair,
“já comecei a usar de tudo”. Sua mãe se preocupava e ia atrás dele, procurava
auxílio no Conselho Tutelar. Passou um Natal na rua com a irmã e decidiu
retornar para casa após o pedido da mãe. “Começou a ficar tudo bem”, mas
meteu-se em “encrencas” com o tráfico (“era bonde”) e não pôde mais voltar
para casa. Conseguiu sair dessa vida e afastar-se do local (“caí na real”) após
quase ser morto por traficantes.
A fala de Felipe e de Laura sobre aos motivos da saída deles às ruas remete
ao estudo de Neiva-Silva (2008) com crianças e adolescentes em situação
de rua. Nessa pesquisa, identificam-se “diversão e liberdade” (63%) como
os motivos mais frequentes de ida às ruas, seguido por violência doméstica
(34% – somatório de “discussões em casa”, “apanhava em casa” e “abuso
sexual”), busca de sustento para si e para a família (12,5%), morte dos pais
(7,4%) e uso de álcool e outras drogas pelos pais (3,7%).
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Uma Rede em Construção no Município de Porto Alegre
João fumou crack na lata por pouco tempo. A mãe adoeceu quando era
pequeno e sua irmã adolescente cuidou dele e do irmão. Com 7 anos, começou
a trabalhar para o traficante, seu “ex-patrão”, como olheiro, até os 15 anos:
“Criança, eu andava com um revólver na cintura”. Foi preso por traficar.
Conta que usava crack e cocaína inalada para se divertir em festas com
amigos, “ficava mais loucão”, mas que tem sequelas neurológicas devido
ao uso do crack e do cheirinho da loló. Morou durante uns meses na rua,
após fugir da clínica onde se encontrava internado por seu pai pelo uso
da maconha.
Durante a entrevista, João apresentava problemas sérios na fala e, às vezes,
no entendimento do conteúdo indagado. Segundo ele próprio, seu estado era
decorrente do uso abusivo do crack, também fumado junto com maconha e
misturado com soda cáustica.
P edro , irmão mais velho de João, refere que atualmente, a família é
composta pelos dois irmãos e o pai. A mãe faleceu quando eles eram crianças.
Pedro, narra a sua própria história de uso de drogas. Foi morar com o pai
com 13-14 anos e iniciou o uso de drogas por intermédio de João, que trouxe
maconha para casa e fumaram juntos. Com o tempo, buscou droga mais forte e
experimentou o crack. Por causa do uso, que ainda era ocasional, conheceu um
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Crianças, Adolescentes e Crack
traficante (“pessoas que fazem coisa errada”) e iniciou, juntamente com o irmão
e mais dois amigos “que já morreram por causa de drogas”, a assaltar pedestres
“com arma de brinquedo”. Aos poucos, conhecendo “traficantes poderosos,
comecei a fazer coisas mais pesadas”, traficar drogas e praticar assalto à mão
armada em ônibus. Por isso, precisou sair da vila onde o tráfico se dava. Não
retornou para casa, morou na rua e furtou mercadorias de supermercados
para sobreviver. Pedro saiu da vida das drogas quando seu pai, vindo de outro
município para Porto Alegre, o internou numa clínica. Considera que foram
as amizades que o levaram a usar drogas, mas comenta que na adolescência
muitos querem experimentar substâncias psicoativas.
Quanto às consequências e aos efeitos do uso do crack na sua própria vida,
Pedro esclarece que o “crack enlouquece a pessoa que perde o caráter, perde
tudo”. No seu caso, “começou com a droga e passou para o crime”. Referindo-
se a João, Pedro afirma que “o mental/psicológico dele se estragou”. Comenta
que o irmão sempre teve dificuldade para aprender. Pedro tentou ensiná-lo a
ler inúmeras vezes, “só que tem uma coisa nele que ele não consegue aprender
porque tem um problema mental e de fala”.
João foi acolhido no abrigo quando Pedro ainda ali se encontrava. Considera
estar sendo um tempo bom para João (está há dois anos no abrigo), porque não
usou drogas: “Aqui deu resultado”. Pedro considera que, no seu caso pessoal,
o abrigo e a clínica o auxiliaram a largar as drogas. Ficou abrigado dos 17 aos
18 anos e “eu aprendi bastante coisa”. Também esteve internado numa clínica
psiquiátrica onde era medicado. Não sabe quanto tempo permaneceu lá porque
foi internado mais de uma vez.
Camila, 18 anos, a quarta adolescente entrevistada, presa por tráfico de
drogas para manter o uso compulsivo de crack, não cumpriu o estipulado
na audiência com o juiz sobre a medida de liberdade assistida e, por isso, foi
internada em regime fechado na Fase. Fazia tratamento no Caps ad cumprindo
exigência daquela instituição. No momento da entrevista pretendia sair da
internação, que se daria no dia seguinte, e voltar para casa para recomeçar uma
vida sem o crack: “Só me fez mal isso aí”. Camila veio algemada da Fase para
a entrevista no Caps ad, atitude que não encontra precedente nas premissas
contidas no ECA.
Tem um tio que bebia pesado, mas foi obrigado a parar por questões de
saúde. Camila relata que sua mãe começou a usar o crack há um ano e mostra-se
angustiada com isto: “Eu pensei: ela vai passar por tudo que eu estou passando.
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Uma Rede em Construção no Município de Porto Alegre
Todo dinheiro que ela tiver, ela vai querer comprar aquilo ali. Ela não vai
pensar mais nos filhos, não vai pensar em comer, ela não vai estar nem aí com
nada”. Acha que a mãe precisa de ajuda para parar o uso. Pretende voltar
para casa e auxiliá-la nessa empreitada. Fazem um pacto de não se drogarem
quando Camila sair da Fase. Mas reconhece: “Eu sei que não é fácil; eu estou
há três meses porque eu estou presa, não tenho mesmo como usar. Eu não sei
se estou a fim”.
Relata violência intrafamiliar com abuso físico do pai em relação à mãe e a
ela própria. Denunciou-o para o Conselho Tutelar, com o intuito de mantê-lo
afastado. Nessa convivência permeada pela violência, Camila abusava do uso
de droga. Tem cinco irmãos, dos quais três estavam em abrigos há um ano,
pelo fato de a mãe usar droga e negligenciar os cuidados aos filhos.
Camila iniciou o consumo da droga com 13 anos, usando o crack fumado
com cachimbo (que logo se tornou compulsivo), por curiosidade, com uma
vizinha. O dinheiro acabou e ela começou a se empenhar para poder usar a
droga: “Eu acabei com a minha vida, parei de estudar”. Cursava a sexta série.
Não mais se cuidava, porém se internou por vontade própria, mas logo saiu.
Arranjou um namorado com quem roubava para conseguir dinheiro para o
uso do crack.
A jovem observa que se não tivesse entrado para o mundo das drogas poderia
estar estudando e trabalhando e talvez sua mãe não tivesse iniciado o uso da
droga: “Porque foi por eu me afastar dela assim que tudo aconteceu; quando
eu cheguei, meu pai já não estava mais em casa”. Para ela, é muito triste ver a
adicção da mãe, com quem já fez uso do crack. É triste porque ela conhece as
consequências deletérias de tal consumo:
Quanto aos efeitos do uso da droga em sua saúde física e mental, Camila
considera que o uso da substância a deixa irritada e o desejo de fumar crack
aparece em pesadelos noturnos. Percebe modificação na memória de curto e
médio prazos: “Se me perguntar uma coisa que eu fiz semana passada eu não
me lembro mais; de hoje só lembro de ontem.” Relata que não esquecerá as
suas experiências de uso do crack e não sabe se conseguirá parar de usá-lo.
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Crianças, Adolescentes e Crack
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Uma Rede em Construção no Município de Porto Alegre
também surge como figura fundamental para Camila. E a separação dos pais
foi traumática para Laura. De forma semelhante, a pesquisa de Melotto (2009)
mostra que o uso de crack foi percebido como um problema para os sujeitos,
quando passou a acarretar dificuldades ou perdas relacionadas principalmente
ao trabalho e aos vínculos afetivos.
Na fala dos adolescentes da pesquisa, a família é considerada instituição
importante, seja no início do uso da droga, seja como recurso a se buscar
quando há dificuldades, e também para compartilhar das alegrias. Vários
estudos apontam a família como um fator de risco e/ou de proteção ao uso de
drogas de seus membros (Schenker & Minayo, 2003; Schenker & Minayo,
2004; Schenker, 2011). Neiva-Silva (2008) ressalta que o vínculo familiar foi
a variável “preditora” de maior peso em relação ao uso de drogas ilícitas pelos
participantes de sua pesquisa, e também em relação aos motivos identificados
para que os adolescentes deixassem de frequentar as ruas.
A violência, aliada ao tráfico de drogas, roubo e prostituição (seja praticada
por crianças e adolescentes na rua ou da qual eles são alvos), fez parte
da trajetória de vida dos adolescentes da pesquisa em foco. Os sujeitos do
estudo de Melotto (2009) também tinham a noção de que a violência era um
fator de risco associado ao consumo do crack. Em nosso estudo, a fala dos
quatro adolescentes e também a de Pedro, irmão de João, revelam a velocidade
da deteriorização da vida mental, orgânica e social do indivíduo, pelo uso de
crack (Kessler & Pechansky, 2008).
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Crianças, Adolescentes e Crack
Quanto aos efeitos do uso do crack nas diversas áreas da vida do filho
(amizades, estudo, família, saúde), sr. Leonardo nota primeiramente que ele tem
facilidade para se relacionar com as pessoas, “para fazer boas e más amizades”,
o que torna mais fácil o envolvimento com a droga.
A ideia expressa anteriormente pelo adolescente Felipe e aqui, pelo
sr. Leonardo, de que o uso de drogas é influenciado pelo grupo de amigos,
nos faz lembrar que a identificação se dá ao revés: é o usuário de drogas
quem se aproxima do grupo por semelhança (Oetting & Donnermeyer, 1998;
Schenker & Minayo, 2003).
O filho do Sr. Leonardo estudou até o segundo ano do ensino médio. Saiu
da escola à época em que se mudou para a casa do pai (sempre morou com a
mãe). O pai o matriculou em escola próxima à sua casa. Nos fins de semana,
o filho ia visitar a mãe e retornava quase no meio da semana, de forma que
praticamente não estudava. Na época já usava o crack (iniciou aos 10 anos
com a maconha). Em decorrência do uso da droga, a mãe vendeu a casa onde
morava para se afastar das amizades do filho e também porque “ali ele tem
mais campo de ação, tem mais facilidade para tudo”.
A relação com a família ficou prejudicada pelo uso da droga, “com a mãe dele,
fazia horrores, vendia as coisas de dentro de casa, vendia as roupas dele, tudo
que tinha dentro de casa”. Quando a casa foi vendida, já não havia mais móveis.
O usuário foi internado aproximadamente 16 vezes em clínicas pela mãe,
pelo pai, pelo serviço social da comunidade em que vivia, pelo posto de saúde,
ele próprio também decidiu se internar. Não se nega a tratar, mas recai ao sair
da internação. Sr. Leonardo relata que o filho está acolhido devido à dívida
com traficantes no local onde morava, “e os caras queriam a cabeça dele”.
A mãe gostaria que voltasse a morar com ela, mas teme pela vida dele. Além
disso, ela “tem problemas de nervos, é nervosa”.
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Como fatores relevantes do contexto social mais amplo (estrato social e suas
características, vida em comunidade, tráfico, homicídio, entre outros), alguns
atores da rede referem o uso do crack por pessoas de baixo poder aquisitivo
oriundas de classes desfavorecidas, conforme estudos acerca do perfil do usuário
de crack (Duailibi, Ribeio & Laranjeira, 2008). Entre esses fatores, segundo
a assistente social do SAN, sobressaem: miserabilidade das comunidades,
empregos precários e falta de qualificação para entrar no mercado de trabalho,
fruto de questão social existente secularmente no país.
A gestora da Proteção Social de Alta Complexidade comenta a vida em
comunidade dessa população, ressaltando a falta de fronteiras entre o espaço
público e o privado:
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maior parte dos casos, crimes passionais, mas atualmente cerca de 80% dos
processos de júri são de “traficantes matando traficantes”, e o crack veio
reforçar essa situação.
Os últimos fatores mencionados pelos entrevistados incluem as falhas
decorrentes do processo educativo de cativar e cuidar das crianças e
adolescentes, de forma a mantê-los na escola, e a falta de informação da família
e da escola sobre o crack e seu uso (coordenadora do Caps ad B). O conselheiro
tutelar argumenta que o senso comum promove um “marketing negativo
com relação ao uso do crack”, principalmente para o sexo masculino, porque
“o homem pensa que pode fumar uma pedra de crack e não se viciar, já que
usou outras drogas e conseguiu parar”.
Várias foram as consequências mencionadas pelos profissionais da rede
para a vida dos usuários de crack, englobando o contexto individual, fami-
liar e social, bem como questões relativas à educação, saúde e trabalho.
No contexto individual destaca-se o isolamento: “O crack traz consigo o
isolamento, e o usuário se comporta como se fosse um rato, uma coisa no escuro,
do esgoto, da noite” (coordenadora de Caps ad B). Também foi mencionado,
por uma assistente social do SAN, que a família e a comunidade costumam
rotular o usuário, contribuindo para estigmatizá-lo.
No contexto familiar, surge a “desestrutura” familiar como elemento
relevante – causa e consequência do uso de crack, na visão dos profissio-
nais da rede. O juiz comenta que as mães que usam crack têm um filho a
cada ano, portanto, a família costuma ser numerosa (até oito crianças), e
cada criança é cuidada por um ou mais familiares, sem que haja contato
entre os irmãos. Em outros casos, a criança vai para um SAI, já que a mãe
não tem condições de cuidar de sua prole. Também ocorre de os avós serem
usuários de crack. O conselheiro tutelar observa que o relacionamento
familiar é rompido porque os usuários são colocados para fora de casa ou
decidem sair por não aceitarem o controle exercido pelos pais. Nas palavras
da coordenadora de Caps ad A:
Em algum momento a família vai cansar. Vai ver que ele está pegando
as coisas de casa, está mentindo, quebrando todas as combinações.
A família ajuda uma vez, outra vez, e daqui a pouco ela se cansa.
A mãe do usuário pensa: preciso garantir o espaço para os outros ou
para que eu possa também não perder esse emprego, porque daqui a
pouco, como é que eu vou dar conta de tudo isso.
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em dia, Laura “agradece a Deus” por ter tomado essa decisão, porque largou
as drogas e está com o filho. Para ela é uma “vitória ter parado com tudo”.
O tema crack babies, como é provavelmente o caso do bebê de Laura,
tem se mostrado controverso, conforme mostrado no capítulo 1. Kessler e
Pechansky (2008) referem que os bebês intoxicados pelo uso do crack de
suas mães durante a gravidez podem sofrer, prematuridade, diminuição no
crescimento do feto e outras alterações perinatais. E vão além, ao lembrar que
os que nascem vivos podem apresentar retardo mental ou outros transtornos
mentais e comportamentais.
Costa e colaboradores (2012) alegam que não é ainda bem conhecido o
impacto da exposição ao crack dentro do útero e o impacto pediátrico do uso
de crack pela mãe. Os autores relatam que, após aproximadamente 20 anos de
pesquisas, nenhuma causa ou distúrbio foi identificada que pudesse cunhar o
fenômeno dos crack babies. Isso porque as mulheres grávidas que usam crack
também consomem outras drogas psicoativas e, além disso, apresentam estilos
de vida caóticos (roubo, troca de sexo por dinheiro/drogas, abandono do
lar, soropositividade para HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis),
tornando difícil a identificação de anormalidades causadas pelo crack per se.
Não é fácil isolar os efeitos do crack dessas outras variáveis, evidenciando a
natureza multifatorial do problema. Alguns técnicos, que participaram da pesquisa
de Domanico (2006) sobre o atendimento a mulheres usuárias de crack e seus
filhos, observaram que os crack babies estavam mais diretamente relacionados
com as condições de exclusão social em que algumas dessas mães viviam do que
com o seu uso do crack. Outro estudo (Van Gelder et al., 2009) apontou muito
poucas sugestões de associações positivas entre o uso de droga ilícita na gravidez
e a ocorrência de 20 categorias de deficiências (defects) de nascença.
Laura não procurou nenhuma outra instituição de saúde em busca de ajuda.
Também não passou por Comunidade Terapêutica nem teve acesso a nenhum
serviço que fornecesse alimentação gratuita ou a unidades da previdência ou
assistência social ou abrigo, a não ser os SAIs, após o nascimento do filho.
Perguntada sobre o que deveria constar de um serviço de atendimento para
usuários de crack, Laura considera que, primeiramente, os usuários deveriam
ter o desejo de procurar internação para parar o uso da droga, se curar e,
então, era necessário que o serviço providenciasse um trabalho para que eles
se ocupassem e seguissem em frente. O serviço deveria dispor de educadoras
que cuidassem, conversassem e explicassem para que as pessoas não fizessem
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“coisas erradas”, como ela tem no abrigo: “Sempre tem uma pessoa mais velha,
que explica bem, fica querendo o teu bem, não querendo só o teu mal”.
Sobre o uso que faz de algum serviço para tratar da saúde, Felipe conta que
hoje em dia, busca espontaneamente auxílio, quando necessário, num posto
de saúde perto do abrigo. Já quando usava crack, “não quis procurar [auxílio
para a saúde], naquele tempo era só droga mesmo”.
Felipe relata nunca ter frequentado serviços específicos para tratamento
por dependência de crack nem ter sido abordado por profissional da saúde
quando morava na rua, com proposta de redução de danos. Mas refere ter
procurado o Projovem (Programa do Ministério do Desenvolvimento Social
e Combate à Fome gerido pela Secretaria Municipal de Juventude de Porto
Alegre), por indicação da equipe de um abrigo pelo qual passou, porque sentiu
necessidade de conversar sobre os seus problemas. Conta que lá participou de
consultas terapêuticas com uma agente de saúde a quem tudo relatava sem
mentir, “porque foi uma pessoa que eu confiei assim”. Abandonou o tratamento
quando essa agente saiu do programa.
Passou por três ou quatro abrigos, levado pelo Conselho Tutelar. Numa
dessas vezes, o pegaram em casa porque sua mãe passou um período internada
e deixou os filhos menores sozinhos com ele para cuidar. Também cuidou dos
irmãos no abrigo e não consumia drogas na frente deles: “Eu fugia do abrigo
para fazer [uso de droga]”.
Felipe considera que um serviço de atendimento para usuários de crack
deveria proporcionar terapia individual, “conversar em particular”. Muitos
usuários poderiam, a partir daí, refletir sobre a sua vida. O serviço deveria
oferecer emprego também. Considera que toda pessoa merece ter mais chance
na vida. Ele afirma: “Um bom trabalho, uma boa conversa com eles assim, de
repente, vários largariam [o uso do crack] para ter uma família decente, que
vários querem ter”.
João relata ter sido internado numa clínica pelo pai devido ao uso de drogas
e levado, pela equipe do atual abrigo, para a Cruz Vermelha, onde é bem
atendido por uma psicóloga e toma medicamento. O adolescente considera
importante que um serviço de saúde para quem faz uso de crack tenha cama
e chuveiro quente, como o que tem no abrigo, e remédios.
Camila frequenta desde a sua entrada na Fase há três meses, por iniciativa
própria, o Caps ad com consultas semanais para tratamento de uso de crack.
Não esteve em nenhum outro serviço de saúde. Considera que o atendimento
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Domanico (2006: 70) traz uma reflexão acerca dos objetivos de uma
abordagem centrada na redução de danos, contrapondo-a à da abstinência.
A primeira estratégia
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esse órgão é referido por 7,7% dos serviços. Podemos depreender que esses
SAIs têm uma boa articulação com o eixo de defesa dos direitos de crianças e
adolescentes, exceção feita à menor menção da Defensoria Pública.
Com os centros de assistência social esses SAIs também mostram boa
articulação: 92,3% sabem a localização do Cras e Creas e com estes trocam
informações. Em um total de 84,6% há reuniões periódicas e 92,3% realizam
encaminhamentos para ambos os órgãos. A falta de articulação com o Cras e
o Creas é mencionada por 7,7% dos serviços.
Já com os Caps – principalmente o Caps ad, serviço de saúde especializado
para o tratamento desses usuários –, a articulação dos SAIs é precária: 61,5%
sabem a localização do Caps ad, 46,2% trocam informação com o órgão, 30,8%
promovem reuniões periódicas e realizam encaminhamentos, e 30,8% não têm
nenhuma articulação com o Caps.
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funcione, “fazendo com que os outros [Estado e/ou família] façam valer o
direito da criança”. O órgão também procura solucionar o problema das famílias
usuárias (pai usuário de crack, mãe negligente, por exemplo), tentando que a
criança permaneça no turno inverso na escola em algum projeto ou oficina, de
tal forma que ela se afaste da rua e não seja um alvo fácil para o consumo da
droga. O conselheiro acha que a Prefeitura acompanha e fiscaliza os serviços
que atendem essa clientela por intermédio da secretaria da Saúde, evidenciando
pouco conhecimento acerca desse assunto.
Ao falar sobre o papel das unidades de acolhimento na rede, duas gestoras
da equipe de Proteção Social Especial de Alta Complexidade inicialmente
esclarecem que uma criança ou adolescente é acolhido num dos equipamentos
da Fasc por diversas questões, sendo o uso de drogas uma delas. A equipe do
abrigo faz todos os encaminhamentos necessários articulando com a saúde para
garantir o espaço de atendimento. Nos espaços de acolhimento há um técnico
de enfermagem e, no setor de Proteção na sede da Fasc, há um enfermeiro
responsável cuja função é fornecer suporte para a equipe que trabalha com
as crianças e adolescentes. O técnico de enfermagem administra a medicação
e marca as consultas; os educadores buscam e levam os usuários nas sessões.
Esta é a distribuição das atribuições nos abrigos, quando há uma criança ou
adolescentes com essa demanda.
Essas gestoras esclarecem que, internamente na Fasc, há um grupo de
supervisão que faz parte da coordenação de monitoramento e avaliação. Os
equipamentos têm as suas supervisoras (seis ao todo), o seu grupo de referência,
que acompanham os técnicos, dão suporte, trazem as dificuldades desses
equipamentos para a Proteção e para o monitoramento e avaliação: “seriam
os nossos olhos dentro dos equipamentos”, segundo a gestora. Além disso, no
papel de fiscalização, há o Ministério Público e o Judiciário que fazem as suas
visitas, bem como o Conselho Municipal de Assistência Social. A Comissão
de Políticas Públicas dos Conselhos Tutelares também fiscaliza os abrigos, fato
não citado pelo conselheiro tutelar.
Ao falar sobre o papel do SAI, a coordenadora técnica de uma das unidades
refere que ela, juntamente com as técnicas (cinco assistentes sociais e cinco
psicólogas), procura saber sobre a situação em que se encontram as instituições
que compõem a rede da assistência social e saúde (Cras, Creas, postos de saúde)
e sobre o atendimento prestado às famílias usuárias de crack e outras drogas
para que possa fazer o seu encaminhamento, quando necessário.
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tráfico entra nesse vazio como “um empreendimento que dá uma visão de
carreira”, em que os jovens, principalmente os usuários de drogas (mas não
só), são reconhecidos e empoderados.
O Caps ad A se define como um centro de atenção psicossocial especializado
em dependência química, que funciona das 8 às 18 horas e atende adolescentes
a partir de 15 anos, oferecendo planos de atendimento com uma equipe de
profissionais. Esse Caps ad é metade público e metade privado. Segundo sua
gestora, tem o papel de promover reuniões mensais com os parceiros da rede
para a discussão de casos em conjunto, visando ao melhor atendimento ao
usuário. Apresenta boa articulação com a rede composta por Cras, Creas,
Ministério Público, Brigada Militar, Conselho Tutelar, abrigos e albergues que
atendem a área de abrangência dessa unidade (compreende uma população
de 200 mil). Há um número grande de usuários de crack e outras drogas e
também de famílias sendo atendidos no Caps ad A. As famílias são inseridas
em grupos de apoio para lidar com o problema. Uma vez que o uso do crack
está comumente ligado a alguma forma de delinquência, o Caps ad A trabalha
em parceria com outras instituições, como a Fase e o Conselho Tutelar.
O Caps ad B foi criado em janeiro de 2008 na área de saúde mental da
Secretaria Municipal de Porto Alegre. Situa-se em atendimento especializado,
tendo um papel de articulador do atendimento ao uso ou abuso de substâncias
químicas em toda a região, que é composta de: 27 UBS e as unidades de
Estratégia Saúde da Família (ESF) próprias do município. O atendimento
é feito nas unidades básicas, ou nos postos de saúde da família e, havendo
necessidade de atendimento especializado, são encaminhados para o Caps ad.
Esse equipamento situa-se dentro do Centro de Saúde Vila dos Comerciários
e, no momento da pesquisa, estava para se mudar para uma casa aconchegante
com consultórios individuais, inserido dentro da comunidade em que moram
os usuários, conforme a portaria n. 336/GM/MS (2002), que cria os Caps ad.
O Caps ad B deveria atender crianças, adolescentes e adultos (Cf. portaria
n. 3.088/MS, 2011), mas a equipe que lá atua estipulou atendimento à clientela
de 11 anos em diante porque não têm especialistas em infância. Esse segmento
é para ser atendido no Caps i. No momento, o Caps ad tem usuários de 14
e 15 anos. Tem o papel de articulador e mediador da rede com: os serviços
ligados à equipe do Caps ad (UBS, clínicas, ONGs, Alcólicos Anônimos (AA),
Narcóticos Anônimos (NA), Grupos Familiares Nar-Anon, posto de saúde da
família), Fase e Comunidades Terapêuticas.
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Matriciamento ou apoio matricial é um novo modo de produzir saúde em que duas ou mais
equipes, num processo de coconstrução, criam uma proposta de intervenção pedagógico-
terapêutica. “No processo de integração da saúde mental à atenção primária na realidade
brasileira, esse novo modelo tem sido o norteador das experiências implementadas em diversos
municípios, ao longo dos últimos anos. Esse apoio matricial tem estruturado em nosso país
um tipo de cuidado colaborativo entre a saúde mental e a atenção primária. A nova proposta
integradora visa transformar a lógica tradicional dos sistemas de saúde: encaminhamentos,
referências e contrarreferências, protocolos e centros de regulação. Os efeitos burocráticos
e pouco dinâmicos dessa lógica tradicional podem vir a ser atenuados por ações horizontais
que integrem os componentes e seus saberes nos diferentes níveis assistenciais” (Chiaverini
et al., 2011: 13).
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O serviço Ação Rua, como ele é na rua, a equipe tem a sua sede,
mas ela não atende as famílias dentro da sua sede. Ela atende na
rua, na escola, no Conselho Tutelar, no acolhimento institucional.
Atende onde a criança e a família estiverem. Então acaba servindo
muito como as pernas da rede. É um serviço que faz muito a ligação
entre o serviço de saúde mental, que não consegue fazer com que o
menino se vincule, ou a escola, que não consegue lidar com aquele
comportamento alterado de uma criança que tem uma vivência de
rua. Isso tem um lado positivo para a criança, mas às vezes é um
pouco negativo para a rede porque daí a rede se acomoda.
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Crianças, Adolescentes e Crack
que não é o ideal porque não se configura como um espaço com segurança
específica. Em casos de adolescentes com risco de morte na comunidade por
causa do tráfico, o juiz determina acolhimento institucional, este “é um espaço
de proteção e não de segurança máxima para esse menino que deveria ter o viés
da questão da segurança pública; e isso a gente não tem” (gestoras da Proteção
Social – Média e Alta Complexidade); 2) serviços de segurança em parceria com
a Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos do Estado, que tentam alocar
esses jovens em alguma unidade fora do município; 3) Programa de Proteção
a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAM).
A gestora relata outras iniciativas que estão ocorrendo na rede, como um
projeto internacional denominado Protejo, que envolve ações socioeducativas
para jovens. Aqueles adolescentes que estão em medidas socioeducativas e, de
alguma forma, envolvidos com o tráfico também são acolhidos, são contem-
plados com ações no Creas e prestam medidas em meio aberto.
São duas as clínicas conveniadas com a Prefeitura: uma atende usuários de 12
até 15 anos, e a segunda atende a faixa etária de 15 até 18 anos. Geralmente, a
internação é curta, com vistas a suspender o uso da droga ou tirar o usuário de
circulação, devido ao risco de vida decorrente do tráfico. Dentro das clínicas é
muito difícil trabalhar a continuidade do tratamento porque atendem um número
muito grande de adolescentes, que, além disso, costumam ser muito medicados.
No SAN, o foco é no atendimento transitório ao adolescente, em parceria
com a rede: o Conselho Tutelar e os núcleos-ação de rua que trabalham na
comunidade (14). A interlocução com a família se dá por meio da equipe
do serviço Ação Rua. Em situações pontuais o atendimento é feito no SAN,
geralmente durante o dia porque à noite é mais difícil deslocar as famílias de
suas comunidades. A interlocução também é feita em diferentes espaços: Serviço
de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Crianças e Adolescentes,
escola, junto com os núcleos.
Segundo a coordenadora técnica, o fluxo de atendimento executado pelo
SAI conta com o trabalho conjunto da equipe técnica da instituição e a da
região específica para onde as crianças e adolescentes serão encaminhados
para programas de saúde relativos ao uso de crack. Ocorre que a internação
em serviço de saúde é por um curto período de tempo e, quando o usuário
sai, retorna para a sua comunidade de origem. Há atendimentos psicológicos
e psiquiátricos na saúde, mas como “o vício do crack é muito difícil, acaba que
muitas vezes os pais dessas crianças vão a óbito”.
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Referências
ASSIS, S. G. & FARIAS, L. O. P. (Orgs.). Levantamento Nacional das Crianças e
Adolescentes em Serviço de Acolhimento. São Paulo: Hucitec, 2013.
BRASIL. Ministério da Saúde. A Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral
a Usuários de Álcool e outras Drogas. 2. ed. rev. ampl. Brasília: Ministério da Saúde,
2004. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/A%20politica.
pdf>. Acesso em: 2 jan. 2013.
BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Conselho
Nacional de Assistência Social. Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento
de Crianças e Adolescentes. Brasília: CNAS, 2009a.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Conselho Nacional
de Assistência Social. Resolução CNAS n. 109, de 11 nov. 2009. Aprova a tipificação
nacional de serviços socioassistenciais. Diário Oficial da União, Brasília, 25 nov. 2009b.
BRASIL. Presidência da República. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas.
Legislação e Políticas Públicas sobre Drogas. Brasília: Secretaria Nacional de Políticas
sobre Drogas (Senad), 2010.
15
Disponível em: <http://portal.cfm.org.br/images/stories/pdf/cartilhacrack2.pdf>. Acesso em:
set. 2015.
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Crack na Infância e Adolescência:
uma ferida candente
Os resultados das duas pesquisas que deram origem a este livro, com
apresentação de dados gerais para o Brasil e dos sete estudos de caso em
cidades brasileiras das diferentes regiões do país, ratificam a relevância do
crack como um problema de saúde pública que atinge as famílias brasileiras –
com destaque para as cerca de 50 mil crianças e adolescentes que fazem uso
dessa substância nas capitais do país e no Distrito Federal – até mais pelos
impactantes efeitos provocados nos indivíduos e na sociedade, comentados aqui,
do que necessariamente pelos números alcançados. Nos estudos que aferem
prevalência existente no país, o uso do crack tende a atingir algo em torno de
1% da população infantojuvenil em geral, enquanto outros problemas como,
por exemplo, o uso de álcool, abrangem proporções muito maiores, aspecto
assinalado por profissionais entrevistados em todo o país.
Esse fato, na fala de alguns deles, indicaria que o crack estaria “em moda”
no Brasil. Tal visão coloca em perspectiva o uso das diversas drogas no país,
porém deve ser relativizada pelos prejuízos precoces e significativos que o
crack ocasiona na vida de seus usuários. Nesse sentido, ressalta-se que os planos
de enfrentamento ao crack e outras políticas públicas foram instituídos em
resposta ao pânico social, inicialmente nos grandes centros urbanos (como
Rio de Janeiro e São Paulo que foram investigados neste livro). Também a
elevada presença do consumo dessa substância entre populações de maior
vulnerabilidade, como a que está em situação de rua, comprova a necessidade
de se atuar sobre o problema e o estigma que os usuários de crack sofrem,
mesmo entre consumidores de outras substâncias.
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Nas falas captadas para este livro, percebem-se alguns aspectos presentes
nas vidas dos usuários de crack, resultantes menos do consumo da substância
em si e mais da política de “combate” à entrada, disseminação e distribuição
das drogas no país: homicídios de adolescentes e familiares; prisões por uso
de crack ou por tráfico de drogas de adolescentes e familiares; convivência
comunitária prejudicada e muitos adolescentes impedidos de voltar ao domicílio
dos pais; recolhimentos compulsórios de pessoas que usam a droga na rua, sem
atendimento médico e social nas unidades em que são alocadas; internação de
crianças em abrigos ou adoção precoce, já que muitas mães usuárias perdem
seus bebês já na maternidade.
Especialmente na área da saúde, a tensão do modelo vigente se reflete
na convivência entre a proposta de redução de danos iniciada em 2003 pelo
Ministério da Saúde (Brasil, 2003, 2005) e a mais recente incorporação
da noção de proibicionismo (total abstenção, apoiada especialmente pelas
entidades religiosas) às políticas públicas de saúde brasileiras, através da
utilização de recursos públicos às Comunidades Terapêuticas, propiciada pelo
Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, no ano de 2011.
Como resultado de tudo que foi apontado nos estudos de caso realizados
em sete cidades brasileiras, propõe-se que se priorizem os escassos recursos
públicos no fortalecimento e na expansão dos serviços públicos territoriais
de saúde mental, em especial os Caps ad. E que as políticas voltadas para
crianças e adolescentes, com destaque as de saúde mental, possam incorporar
a preocupação com um atendimento individualizado, eficiente e que inclua
com igual atenção o cuidado à família.
Os relatos das crianças, adolescentes e familiares apresentado neste livro,
bem como os de profissionais dos mais diferentes setores que convivem com este
público, convergem para a dor provocada pelo consumo do crack, refletida em
seus corpos, relacionamentos e na subjetividade e desespero de cada indivíduo,
instaurando uma ferida candente que precisa ser enfrentada de maneira firme
pelas políticas públicas brasileiras nas próximas décadas.
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Referências
ASSIS, S. G. & FARIAS, L. O. P. (Orgs.). Levantamento Nacional das Crianças e
Adolescentes em Acolhimento Institucional e Familiar. São Paulo: Hucitec, 2013.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Coordenação Nacional de DST e
Aids. A Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e
Outras Drogas. Brasília: Ministério da Saúde, 2003. (Série B. Textos Básicos de Saúde.).
BRASIL. Portaria n. 1.028, de 1 jul. 2005. Determina que as ações que visam à redução
de danos sociais e à saúde, decorrentes do uso de produtos, substâncias ou drogas
que causem dependência, sejam reguladas por esta Portaria. Diário Oficial da União,
Brasília, 2005.
BRASIL. Legislação e Políticas Públicas sobre Drogas. Brasília: Secretaria Nacional de
Políticas sobre Drogas, 2010.
BRASIL. Decreto 7.637, de 8 dez. 2011, que altera o Decreto n o 7.179, de 20 maio
2010, que institui o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas. Diário
Oficial da União, Brasília, 2011.
YUNES, M. A. M. & SZYMANSKI, H. Resiliência: noção, conceitos afins e considerações
críticas. In: TAVARES, J. (Org.). Resiliência e Educação. São Paulo: Cortez, 2001.
392
Anexo
Anexo
Aspectos Metodológicos
O Desafio da Rede no Atendimento de Crianças e Adolescentes Usuários
de Crack e/ou Acolhidas Institucionalmente pelo Uso do Crack dos Pais/
Responsáveis: um estudo em sete cidades brasileiras – esta pesquisa ocorreu em
2011 e 2012 e teve como foco principal crianças (0 a 11 anos) e adolescentes
(12 a 18 anos). As principais etapas são detalhadas a seguir.
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Anexo
Cidades/Região Rede N. de N. N. de N. de N. de
de SAIs acolhidos almejado SAIs acolhidos acolhidos
(2011)1 (2011)1 de SAIs obtido almejado obtido
Cidades com todos os serviços investigados
Ponta Porã/CO 3 25 3 3 - 16
Salvador/NE 2
19 386 19 14 - 364
Manaus/NO 8 240 8 8 - 282
Cidades em que foi feita amostragem por conglomerados
São Paulo/SE 226 3.786 16 16 289 463
Rio de Janeiro/SE 69 1.199 21 21 358 449
Porto Alegre/Sul 72 936 21 21 261 280
Curitiba/Sul3 60 1.003 16 14 263 297
Total 465 7.728 104 97 - 2.151
1
Assis & Farias, 2013.
2
Cinco SAIs foram fechados desde a listagem original e o trabalho de campo da pesquisa.
3
Em decorrência das dificuldades no campo, não foi possível realizar a substituição de dois serviços
da amostra original de Curitiba.
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396
Anexo
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Crianças, Adolescentes e Crack
398
Anexo
Crianças e Adolescentes
adolescentes acolhidos com
acolhidos com história de uso de
Cidades/Região SAIs1 Total
história pessoal de crack3
uso de crack ou
seus pais2
Ponta Porã/CO 3 2 2 7
Salvador/NE 14 54 6 74
Manaus/NO 8 7 - 15
São Paulo/SE 16 21 7 44
Rio de Janeiro/SE 21 50 7 78
Porto Alegre/Sul 21 114 2 139
Curitiba/Sul 14 160 - 174
Total 97 408 24 529
1
Questionários aplicados aos gestores dos serviços.
2
Questionários preenchidos com base na leitura dos prontuários.
3
Questionários aplicados aos adolescentes.
399
Crianças, Adolescentes e Crack
Gestor Adoles-
Gestor Gestor Juiz/ Conselho Família
Cidades/Região Assist. cente Outros Total
SAI Saúde Promotor Tutelar SAI/Saúde
social SAI/Saúde
Ponta Porã/CO 1 1 11 1 1 3 32 33 14
Salvador/NE 1 2 1 1 1 4 2 - 12
Manaus/NO - 1 3 1 1 3 2 44 15
São Paulo/SE 1 3 1 1 1 4 1 - 12
Rio de Janeiro/ 7 2 1 1 1 10 7 - 29
SE
Porto Alegre/ 1 2 1 1 1 4 2 25 14
Sul
Curitiba/Sul 1 2 1 1 1 5 2 26 15
Total 12 13 9 7 7 33 19 11 111
1
Uma entrevista realizada com dois gestores da Secretaria Municipal de Assistência Social em
Ponta Porã.
2
Uma entrevista com mãe tupiguarani, com dificuldades de expressão em língua portuguesa.
3
Três entrevistas realizadas em Ponta Porã, com registro no diário de campo do pesquisador (sem
gravação digital): dois responsáveis por duas Comunidades Terapêuticas e um coordenador de
Centro de Referência Especializados de Assistência Social (Creas).
4
Duas entrevistas realizadas com coordenadores de duas Comunidades Terapêuticas, que fun-
cionam em parceria com a Secretaria Estadual de Assistência Social (não foi encontrado SAI
com os requisitos da pesquisa). Uma entrevista com responsável pelo Conselho Nacional de
Entorpecentes (Conen) e outra com pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, em Manaus, que
tinha finalizado há pouco tempo uma pesquisa sobre o uso de crack na cidade.
5
Entrevistas com: a) dois gestores da equipe de Proteção Social Especial da Alta Complexidade
da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) em Porto Alegre; b) gestor da equipe de
Proteção Social da Média Complexidade responsável pelo atendimento à população de rua.
6
Entrevistas com: a) dois gestores da Rede de Instituições de Abrigo (RIA); b) responsável pela
Secretaria Municipal Antidrogas.
400
Anexo
Aspectos éticos
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz – Ensp/
Fiocruz (CAAE 0175.0.031.000-11). Os participantes do trabalho assinaram
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. São eles: o responsável pelo
401
Crianças, Adolescentes e Crack
Referências
ASSIS, S. G. & FARIAS, L. O. P. (Orgs.). Levantamento Nacional das Crianças e
Adolescentes em Acolhimento Institucional e Familiar. São Paulo: Hucitec, 2013.
GALDURÓZ, J. C. et al. V Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas
Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública de
Ensino nas 27 Capitais Brasileiras – 2004. São Paulo: Secretaria Nacional Antidrogas,
Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, 2005.
MINAYO, M. C. S. O Desafio do Conhecimento. 11. ed. São Paulo: Hucitec, 2008.
402
Anexo
Equipe da Pesquisa
403
Formato: 16 x 23 cm
Tipologia: ClassGaramond e Calibri
Papel: Pólen Bold 70g/m2 (miolo)
Cartão supremo 250g/m2 (capa)
CTP, impressão e acabamento: Imo’s Gráfica e Editora Ltda.
Rio de Janeiro, novembro de 2015.