Ensino de História - Livros Didáticos e Autoritarismo

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Revista Latino-Americana de História

Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial


© by PPGH-UNISINOS

Ensino de história: os livros didáticos e o pensamento autoritário no Brasil

Michele Borges Martins*

Resumo: As práticas autoritárias efetivadas no período conhecido como Estado Novo


atingiram todas as “faces” da sociedade – política, cultural, econômica e etc.
Foi a partir das discussões educacionais efetivadas neste período que se desenvolveu o
primeiro processo de avaliação dos livros didáticos no Brasil. Com o intuito de construir uma
estrutura capaz de centralizar as etapas de produção, distribuição, utilização e importação dos
manuais pedagógicos foram impostas normas que atingiram não só autores e editores como
também o público no qual esse material circulava. Os artifícios de manutenção do poder
implementados por Vargas adentraram o meio educacional com veemência, fazendo com que
os livros didáticos contribuíssem para a perpetuação de seu ideal nacionalista.
Palavras-chave: Estado Novo, livro didático, Comissão Nacional do Livro Didático.

Abstract: The Authoritarian practices effected in the period known as the New State
influenced all the "faces" of society - political, cultural, economic and so on. It was from the
effect of educational discussions that occurred in this period that was developed the first
evaluation process of textbooks in Brazil. In order to build a structure capable of centralizing
the stages of production, distribution, use and import of teaching manuals were imposed
standards that reached not only authors and publishers as well as the public in which this
material was circulated. The maintenance of the power devices implemented by Vargas
entered the educational environment strongly, making the textbooks contribute to the
perpetuation of his nationalistic ideal.
Keywords: New State, Textbook, Commission National Textbook.

Segundo Boris Fausto podemos verificar “duas fases na constituição e influência de


um pensamento autoritário no Brasil...” (FAUSTO, 2001:20). O autor explica que em um
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primeiro momento – década de 1920 – houve a consolidação do entendimento ideológico dos


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*
Mestranda do programa de Pós-Graduação em História, pesquisa e vivências de ensino-aprendizagem –FURG.
Email: [email protected].
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teóricos e, em seguida, ocorreu à valorização do pensamento autoritário e de seus


“sistematizadores”, os quais influenciaram a política brasileira do período.
Dentre esses teóricos podemos citar Oliveira Vianna, pois para o mesmo o liberalismo
seria um mal para a nação – somente o Estado forte poderia manter a unidade nacional, a
modernização do país e a harmonia entre as os grupos sociais (MATOS, 2000). No mesmo
sentido Alberto Torres – mais um ideólogo do pensamento autoritário – deixa claro que a
articulação do nacionalismo deveria ser realizada pelas “grandes mentes”, as quais guiariam a
população. Ainda, para Azevedo Amaral o Estado autoritário também é imprescindível, visto
que a ordem e a hierarquia eram as bases necessárias para haver liberdades individuais
(FREITAS, sd).
Para alguns desses intelectuais, Getúlio Vargas representava o líder capaz de conduzir
a nação no desenvolvimento de um Estado forte – o que resultou no apoio desses pensadores
ao prolongamento do governo provisório de Vargas. O Estado-Novo, então, significou a
decadência dos ideais liberais, visto que se instaurou um regime que buscava realizar a
identificação da população com o chefe do Estado, intencionava suprimir os partidos políticos
e controlar as mobilizações sociais, por exemplo.
Na educação o pensamento autoritário foi transmitido a partir dos escritos e ações
políticas de Francisco Campos. O mesmo foi nomeado Ministro da Educação e Saúde no ano
de 1931 e por meio de decretos efetivou reformas educacionais que objetivaram a organização
do ensino superior, do ensino secundário e a criação do Conselho Nacional da Educação.
A organização política brasileira que foi implantada entre os anos de 1937 a 1945 e
que ficou conhecida como Estado-Novo teve como base as ideias e as ações desses
intelectuais, os quais viabilizaram uma nova forma de legitimar o poder atribuído ao
governante – a personificação do Estado na figura de Getúlio Vargas e a aceitação de políticas
foram possíveis devido a diversos mecanismos de caráter autoritário.
O que foi entendido posteriormente como a ditadura varguista, devido ao cerceamento de
liberdades por meios de um aparato repressivo que possuía como um de seus instrumentos o
DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda –, por exemplo, também modificou as
diretrizes da educação brasileira. Por meio de reformas, discussões e alterações na legislação
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vigente, os articuladores do governo Vargas objetivavam construir um arcabouço legal que


sustentasse práticas educacionais condizentes com o projeto político-ideológico estado-
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novista. Um exemplo claro foi a promulgação do Decreto-Lei 1006, de 30 de dezembro de


1938.
O mesmo estabeleceu as condições de utilização, produção e importação do livro didático,
a partir da criação da Comissão Nacional do Livro didático. Nesse sentido, a pesquisa aqui
desenvolvida se insere no campo do Ensino de história, o que objetivamos é justamente
analisar se o decreto-lei 1006 serviu como um desses mecanismos de perpetuação do Estado
autoritário. No entanto, para alcançarmos um melhor entendimento sobre essa legislação o
texto será orientado pelas seguintes questões: a lei 1006 de 1938 apresenta características do
pensamento autoritário? Se há a presença do pensamento em questão, que caraterísticas são
essas e como elas dialogam com o contexto histórico?
Assim, para que nossa pesquisa seja compreendida, primeiramente será necessário
explicitar qual marco teórico e metodológico norteou nossas análises, aspectos que
explicaremos a seguir.

A teoria e metodologia aplicada

A construção de nossas análises terá como principal referencial teórico para a leitura
da fonte, o contextualismo linguístico de Quentin Skinner. O mesmo é o maior expoente
desta forma de leitura dos textos no que ficou conhecido como “Escola de Cambridge”, e em
suas obras o mesmo propõem um alargamento do que se entende como contexto histórico:

… os próprios textos. A fim de percebê-los como respostas a questões


específicas, precisamos saber algo da sociedade na qual foram escritos. E, a
fim de reconhecer a direção e forças exatas de seus argumentos,
necessitamos ter alguma apreciação do vocabulário político mais amplo de
sua época. Mas, de qualquer modo, é necessário te acesso a esse nível de
compreensão se pretendemos interpretar os clássicos de maneira
convincente. Pois compreender as questões que um pensador formula, e o
que ele faz com os conceitos a seu dispor, equivale a compreender algumas
de suas intenções básicas ao escrever, e portanto implica esclarecer
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exatamente o que ele pode ter querido significar com o que disse – ou deixou
de dizer. Quando tentamos situar desse modo um texto em seu contexto
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adequado, não nos limitamos a fornecer um ‘quadro’ histórico para nossa


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interpretação: ingressamos já no próprio ato de interpretar (SKINNER, 1996:


13).

Como podemos perceber no trecho acima, para Skinner a intencionalidade do autor é


de extrema importância. Para além da hermenêutica na qual intencionamos cercar o texto – o
qual é nosso objeto de análise – das informações, diálogos e características do momento
histórico em que foi produzido, a proposta do autor é compreender o ato linguístico, a escrita
ou elocução como ação. No texto de Thiago Rodrigo Nappi – “Como interpretar os textos do
passado: aspectos da visada teórica de Quentin Skinner” –, o mesmo menciona que Skinner
exemplifica essa proposta “com a ideia da reação que viria causar a um grupo de patinadores
a frase ‘os gelo está fino’, já que tal frase além de possuir um significado, seria também um
ato de advertência ao grupo” (NAPPI, 2011: 160).
No entanto, para compreender essa intencionalidade autoral é necessário que o
historiador recupere o vocabulário específico do momento histórico, os significados que os
termos possuíam no próprio passado. Escrever deve ser entendido como uma intervenção na
realidade. Não se trata, então, de saber como a distribuição, elaboração e importação dos
livros didáticos eram reguladas legalmente. Assim como Skinner, iremos analisar o texto
“tentando descobrir que atos linguísticos estão presentes neles, tentando perceber sua
coerência interna, sua relação com outros textos e com as condições sociais que o geraram”
(BURKE, 2000: 332). Somente com essa compreensão é conseguiremos verificar se o
Decreto-lei 1006 de 30 de novembro de 1938 se configurou como uma ferramenta de
efetivação do pensamento autoritário característico do Estado-Novo.
Entretanto, além dos passos mencionados na proposta de Skinner como meio de
apreender os significados das ideias presentes nos textos do passado a partir da recuperação
das convenções linguísticas presentes no período histórico do autor, nossa análise também
necessitará de um método. O que especificamente iremos aplicar será uma análise temática de
conteúdo a qual “... consiste em descobrir os <<núcleos de sentido>> que compõem a
comunicação e cuja presença, ou frequência de aparição podem significar alguma coisa para o
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objetivo analítico escolhido” (BARDIN, 1977: 105). Essa forma de tratamento dos dados
possibilita o desdobramento do texto em unidades de referencia e unidades de contexto, as
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quais serão agrupadas em categorias de análise que permitiram a construção de um quadro que
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nos revelará que assuntos são centrais no interior dos conteúdos que integram a legislação em
questão.
Como podemos perceber os pressupostos teóricos que vamos utilizar e a metodologia
dialogam, pois ambos buscam perceber as intencionalidades presentes nos textos. Assim, será
a partir da verificação das principais mensagens – as quais constituíram uma categoria –
presentes nos escritos, que compõem o decreto-lei, que as intenções de intervenção na
realidade serão percebidas e analisadas.

O Decreto-Lei e seus contornos


O Decreto-Lei 1006, de 30 de dezembro de 1938 significou o principio da
preocupação com os livros didáticos em nível nacional. A partir do momento de sua
promulgação, o as escolhas dos manuais pedagógicos deveriam ser realizadas com base na
lista dos livros autorizados pelo Ministério da Educação e Saúde.
Essa legislação que objetivava, então, estabelecer a normatização do processo de
elaboração dos livros didáticos foi publicada no Diário Oficial da União no dia cinco de
janeiro de 1939, mas o inicio de suas determinações foi previsto para o ano de 1940. Se
configurou, então, como um produto de um regime que busco normatizar inclusive os
materiais pedagógicos utilizados nos ambientes escolares do período. No entanto como o
pensamento autoritário aparece no seu conteúdo?
Para compreendermos a influencia do pensamento autoritário primeiramente será
necessário discutir o conceito. Para Assis Chateaubriand e Sérgio Buarque de Holanda o
autoritarismo “... era apropria dinâmica da intervenção estatal nos mais diversos assuntos
politico-administrativos do país” (MATOS, 2011). Essa intervenção apontada por ambos os
intelectuais também se faz presente no entendimento de Lamounier, visto que o mesmo
entende como autoritário:

... um sistema caracterizado por uma estrutura vertical de poder, numa estrutura
social em que existe ampla margem de pluralismo tradicional e um setor marginal
(populações favelas, etc.) sem formas desenvolvidas de vida associativa, quer
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classista, quer étnica...” (LAMOUNIER, sd: 79)


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Como podemos perceber, o autoritarismo permite a multiplicidade de pensamento.


Embora o caráter interventor tenha resultado no uso da força para controlar a sociedade e na
tentativa de eliminação das divergências políticas, o autoritarismo brasileiro não possuía uma
única ideologia que buscasse mobilizar todos os grupos. Além, disso o regime autoritário no
Brasil buscou o desenvolvimento do nacionalismo e ao contrario do totalitarismo – no qual há
um partido único que representa toda a sociedade -, a participação da população na política foi
“organizada” de forma a viabilizar a legitimação do poder do chefe do Estado.
Assim, o termo autoritarismo surgiu como uma necessidade de nomear a nova forma
de organização político-social efetivada no século XX. O Estado autoritário foi subsidiado
pelo pensamento de intelectuais que não só participaram ativamente das modificações
políticas, como também ofereceram as bases teóricas para essa forma de governo que se
caracterizava pela figura carismática do chefe de Estado – artifício que buscava a
identificação da população com a figura do presidente –, pelo conservadorismo e certa
independência das instituições religiosas.
Com base nessa reflexão, um dos primeiros aspectos que tentamos identificar na
leitura do Decreto-Lei foi que “personagens” são citados. Após o tratamento dos dados a
partir da análise do conteúdo construímos duas categorias de análise denominadas: “Censura”
e “Agentes”. A primeira categoria engloba as unidades de registros intituladas “Causa
técnica”, “causa Ideológica” e “Condição”. Enquanto que na segunda categoria podemos
verificar as unidades de registro intituladas “Usuários” e “Elaboradores e organizadores”, as
quais nos possibilitaram observar a seguintes características:

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Média das Porcentagens Referentes aos


Agentes mencionados na legislação

29%

Usuários
Elaboradores e Organizadores

71%

I
nformações obtidas a partir do Decreto-Lei 1006, de 30 de dezembro de 1938 – disponível no site da Câmara dos
Deputados.

Para compreendermos melhor as porcentagens explicitadas é necessário evidenciarmos


que a categoria “Agentes” representa todos os indivíduos e instituições e órgãos
governamentais que exercem a ação no interior da legislação e que são alvo da regulação
estabelecida. Além disso, na unidade de registro “usuários” foram inseridas as palavras,
expressões e ideias que se referissem aos indivíduos, instituições que utilizam os livros
didáticos – escola, professores e alunos, por exemplo –, enquanto que a unidade de registro
“Elaboradores e Organizadores” foram englobadas todas as palavras e expressões que
aludissem os indivíduos, instituições e órgãos governamentais que foram responsáveis pela
fabricação, distribuição e regulação dos livros didáticos – Ministério da Educação, Comissão
Nacional do livro Didático e etc.
Como podemos perceber a partir das porcentagens evidenciadas, dentre a totalidade de
agentes citados no Decreto a média de inferências pertencentes à unidade “Elaboradores e
organizadores” é muito mais alta do que na unidade “usuários”. Mas o que essas informações
significam? Como uma primeira resposta podemos inferir que o processo de regulação esta
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muito mais centrado dos agentes pertencentes ao poder público.


A constante menção ao Ministério da Educação, ao Ministro, aos autores e ao editor,
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por exemplo, confirma uma centralização das ações nos “setores” articuladores do processo
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que resulta na materialização do livro didático e aprendizado dos alunos no interior das
escolas. Os agentes essenciais do processo de ensino-aprendizagem objetivado pelos manuais
são em última instância os responsáveis pelos órgãos públicos – visto que das 55 inferências
categorizadas, 30 são sobre os mesmos –, deixando claro que os professores e alunos não
ocupam uma posição significativa na regulação de como os conteúdos devem estar
apresentados ou, até mesmo, na decisão de que requisitos esses manuais foram avaliados.
Entendemos que essa marginalização dos principais personagens da prática exercida
no âmbito da educação é um reflexo do viés centralizador e nacionalista. Nesse sentido,
Oliveira Vianna em sua obra intitulada “Instituições Políticas Brasileiras” mencionou que:

Contendo um postulado inteiramente sem fundamento histórico, esta crença – de que


a descentralização política é, em nosso meio, condição de liberdade (quando a
verdade é justamente oposta) – não passou despercebida aos espíritos realistas.
Outrora não foi a razão da apostasia de Bernardo Vasconcelos, desapontado pelos
feitos maléficos que iam surgindo do Ato Adicional. Este expediente
descentralizador em vez de assegurar as liberdades, como se esperava, sacrificou-as
todas – não só a liberdade privada como a própria liberdade politica, a que se
designava garantir. (VIANNA, 1999: 480)

Como podemos perceber por meio do trecho citado, para o autor a centralização
política era o melhor caminho para a garantia das liberdades. O sociólogo também deixa claro
em seu texto que o liberalismo, o voto universal e democracia são propostas importadas, que
pertencem a uma condição social característica de outras nações – Inglaterra e Estados Unidos
da América, por exemplo – e que não foram adaptadas à realidade brasileira. Vianna entende
que a formação da nacionalidade do povo brasileiro necessita da centralização do poder
político. Característica essa que podemos observar como pratica visto que não só o Decreto –
Lei 1006 de 1938 limita as decisões sobre o livro didático em indivíduos responsáveis pelos
órgãos governamentais, como também influenciou a carta constitucional de 1937.
A mesma instaurou um Estado altamente centralizado, definiu as limitações do poder
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Legislativo pelo Executivo, buscou suprimir a autonomia dos estados, regulamentou o uso dos
símbolos nacionais e possibilitou o Presidente da República legislar por meio de decretos.
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Fernanda Xavier da Silva (2010), em seu texto “As Constituições da Era Vargas: uma
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abordagem à luz do pensamento autoritário dos anos 30”, deixa claro que a independência dos
estados brasileiros – federalismo – foi quase anulado, visto que o Presidente da República
poderia nomear um interventor o qual assumiria as funções que o Presidente lhe atribuísse.
Azevedo Amaral – ao encontro das ideias de Vianna – também mencionou que:

O autoritarismo, que mais de uma vez insistiremos em afirmá-lo – é da


própria essência da organização estatal e não pode ser divorciado do
exercício do governo, aparece em todas as formas de organização política
normais como condição imprescindível à ação eficiente do Estado no
desempenho das funções que são a razão de ser da sua própria existência
(AMARAL, 2002: 160-161).

Como podemos observar, o autor define o Estado autoritário como o único capaz de
organizar o país. O autoritarismo deveria ser, portanto, inerente ao poder estatal e
consequentemente estar presente nos setores administrativo do governo. Assim, a verificada
centralização do discurso nos órgãos e indivíduos responsáveis pela elaboração dos livros
didáticos é entendida como reflexo do pensamento desses intelectuais. As decisões centradas
no Ministério da Educação e nos indivíduos que, em última instancia, também deveriam
adequar seu trabalho as ordens desse órgão público, eram imprescindíveis para manter o
desenvolvimento da educação a partir da ordem estabelecida.
Além dessas características, o Decreto-Lei 1006, de dezembro de 1938 também nos
possibilitou verificar outros aspectos:

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Média das Porcentegens Referentes as


Unidades de Registro Pertencentes a
Categoria de Análise "Censura"

Causa Ideológica
17%

Causa Técnica
12%
Condição
71%

Informações obtidas a partir do Decreto-Lei 1006, de 30 de dezembro de 1938 – disponível no site da Câmara
dos Deputados.

Em nossa análise sobre o Decreto-Lei a categoria de análise denominada “Censura”


engloba três unidades de registro. Na unidade intitulada “Condição” foram inseridas todas as
palavras e expressões que expressassem a exigência para a prática de algo – autorização,
sujeito à determinações e julgamento, por exemplo. Na unidade intitulada “Causa Técnica”
foram inseridas todas as frases e expressões que transmitissem a ideia de veto da autorização
do Livro didático devido a divergências quanto a redação, formatação e ortografia. E na
unidade “Causa Ideológica” foram reunidas todas as frases e expressões que transmitem o
entendimento de negação a autorização do Livro didático devido ao seu conteúdo.
Um dos primeiro aspectos notados é que das 69 frases, expressões e palavras
categorizadas, 49 pertencem a unidade “Condição”. Essa porcentagem elevada colabora para
a compreensão de que o pensamento autoritário presente no Estado-Novo gerou uma estrutura
burocrática que objetivava manter a supervisão e controle da elaboração do livro didático e os
seus reflexos no processo de ensino aprendizagem.
Como já mencionamos, a construção de um sentimento nacional e a busca pela
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unidade do Estado eram necessidades evidenciadas pelo pensamento autoritário do período.


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Segundo Amaral o Estado autoritário “tem uma doutrina em torno da qual podemos postular a
existência de um consenso de opinião nacional...” (2002: 204), a identificação do Estado e
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Sociedade foi construída de tal forma que havia certa aceitação de que toda a ação cívica
possuísse espaço delimitado. Ainda de acordo com Amaral “no Estado autoritário, o eixo da
sua organização estrutural e o foco de irradiação do seu dinamismo é o próprio chefe da
Nação” (2002: 205), características essas que foram construídas a partir de ações cerceadoras
como a que estamos abordando. A constante ideia de prévia permissão para a comercialização
dos livros didáticos reafirma a preocupação de como não só a imagem de Getúlio Vargas
estava sendo retratada nos mesmos, mas também de tornar os manuais pedagógicos um
veiculo de transmissor de um sistema de valores que eram condizentes com o projeto nacional
de Vargas.
Ainda, foi possível notar que das causas mencionadas, as quais poderiam levar ao veto
da autorização do livro, a porcentagem de fatores ideológicos que causam o veto é mais
elevada do que os fatores técnicos. Informação essa que nos conduz a compreensão de que o
Decreto-Lei aqui analisado se apresenta como um reflexo do próprio processo de maturação
política, visto que as próprias causas ideológicas citadas se referem a preocupação com a
transmissão de ideias que justifiquem – ou que pelo menos não levem ao questionamento – do
antiliberalismo, nacionalismo, elitismo, corporativismo e autoritarismo.
Portanto, assim como os demais âmbitos da República Brasileira a educação também
devia estar alicerçada nos pilares do pensamento autoritário. Entendimento esse que podemos
verificar nos escritos de Oliveira Vianna, visto que para o mesmo “a educação deve ser um
monopólio do governo federal; [...] visto que é necessário ‘imprimir diretrizes nacionais ao
problema da cultura e da educação do povo’” (ODALIA, 1997: 159).
É claro que em nossa reflexão citamos apenas alguns dos intelectuais que escreveram
sobre o autoritarismo durante a década de 1930. Mas a partir desses foi possível refletir sobre
como esse pensamento embasou as ações efetivadas durantes o estado-Novo. Especificamente
no que se refere ao Decreto-Lei 1006, de 30 de dezembro de 1938, notamos que o
aprendizado proposto pelos livros didáticos não poderiam denegrir a imagem da nação,
consequentemente se inicia um ensino que possuía como seu objetivo o desenvolvimento do
civismo. O cuidado com a formação moral dos discentes derivava da preocupação com a
segurança do Estado autoritário, a ausência do interesse em desenvolver a criticidade dos
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alunos advém do entendimento de que o ensino deviria estar voltado a capacitação de


trabalhadores.
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Por fim, foi possível verificar que a legislação – a qual é o foco de nossas explanações
– foi elaborada a partir dos principais pilares do pensamento autoritário do período, visto que
proporciona a centralização das decisões a cerca da elaboração, utilização e distribuição do
livro didático nas mãos dos indivíduos responsáveis pelos órgãos ligados ao poder público.
Além disso, possibilita um ensino embasado na figura positiva do Estado Nacional e na
tranquilidade de convivência entre os grupos que compõem a sociedade. E visa uma educação
que condizente com a ideia desenvolvimentista e tecnicista do Estado-Novo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ABUD, Katia Maria. Formação da Alma e do Caráter Nacional: Ensino de História na Era
Vargas. Rev. Bras. Hist. [onine]. 1998, Vol. 18, n. 36, pp. 103-114.
AMARAL, Azevedo. O Estado Autoritário e a Realidade Nacional. Versão para ebook,
2002.
Decreto-Lei 1006, de 30 de dezembro de 1938 – disponível em:
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-1006-30-dezembro-1938-
350741-publicacaooriginal-1-pe.html. Acessado em: 25/06/2012.
FREITAS, Marcos Cezar de. A educação como tema do pensamento autoritário no Brasil.
Disponível em: www.periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/download/.../14206.
Acessado em: 12/02/2013
MELLO, Wallace da Silva Melo. O pensamento político de Oliveira Vianna. Disponível
em: http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/PPOV.pdf. Acessado em 01/02/2013.
ODALIA, Nilo. As Formas do Mesmo: ensaios sobre o pensamento historiográfico de
Varnhagen e Oliveira Vianna. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 19997.
SILVA, Fernando Xavier da. As Constituições da Era Vargas: uma abordagem à luz do
pensamento autoritário doa anos 30. Disponível em:
www.periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/download/.../14206. Acessado em:
01/02/2013.
VIANNA, Oliveira. Instituições Políticas Brasileiras. Brasília: Conselho Editorial do
Senado Federal, 1999.

Recebido em Julho de 2013


Aprovado em Agosto de 2013
778
Página

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