Ensino de História - Livros Didáticos e Autoritarismo
Ensino de História - Livros Didáticos e Autoritarismo
Ensino de História - Livros Didáticos e Autoritarismo
Abstract: The Authoritarian practices effected in the period known as the New State
influenced all the "faces" of society - political, cultural, economic and so on. It was from the
effect of educational discussions that occurred in this period that was developed the first
evaluation process of textbooks in Brazil. In order to build a structure capable of centralizing
the stages of production, distribution, use and import of teaching manuals were imposed
standards that reached not only authors and publishers as well as the public in which this
material was circulated. The maintenance of the power devices implemented by Vargas
entered the educational environment strongly, making the textbooks contribute to the
perpetuation of his nationalistic ideal.
Keywords: New State, Textbook, Commission National Textbook.
*
Mestranda do programa de Pós-Graduação em História, pesquisa e vivências de ensino-aprendizagem –FURG.
Email: [email protected].
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Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial
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A construção de nossas análises terá como principal referencial teórico para a leitura
da fonte, o contextualismo linguístico de Quentin Skinner. O mesmo é o maior expoente
desta forma de leitura dos textos no que ficou conhecido como “Escola de Cambridge”, e em
suas obras o mesmo propõem um alargamento do que se entende como contexto histórico:
exatamente o que ele pode ter querido significar com o que disse – ou deixou
de dizer. Quando tentamos situar desse modo um texto em seu contexto
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objetivo analítico escolhido” (BARDIN, 1977: 105). Essa forma de tratamento dos dados
possibilita o desdobramento do texto em unidades de referencia e unidades de contexto, as
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quais serão agrupadas em categorias de análise que permitiram a construção de um quadro que
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nos revelará que assuntos são centrais no interior dos conteúdos que integram a legislação em
questão.
Como podemos perceber os pressupostos teóricos que vamos utilizar e a metodologia
dialogam, pois ambos buscam perceber as intencionalidades presentes nos textos. Assim, será
a partir da verificação das principais mensagens – as quais constituíram uma categoria –
presentes nos escritos, que compõem o decreto-lei, que as intenções de intervenção na
realidade serão percebidas e analisadas.
... um sistema caracterizado por uma estrutura vertical de poder, numa estrutura
social em que existe ampla margem de pluralismo tradicional e um setor marginal
(populações favelas, etc.) sem formas desenvolvidas de vida associativa, quer
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29%
Usuários
Elaboradores e Organizadores
71%
I
nformações obtidas a partir do Decreto-Lei 1006, de 30 de dezembro de 1938 – disponível no site da Câmara dos
Deputados.
por exemplo, confirma uma centralização das ações nos “setores” articuladores do processo
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que resulta na materialização do livro didático e aprendizado dos alunos no interior das
escolas. Os agentes essenciais do processo de ensino-aprendizagem objetivado pelos manuais
são em última instância os responsáveis pelos órgãos públicos – visto que das 55 inferências
categorizadas, 30 são sobre os mesmos –, deixando claro que os professores e alunos não
ocupam uma posição significativa na regulação de como os conteúdos devem estar
apresentados ou, até mesmo, na decisão de que requisitos esses manuais foram avaliados.
Entendemos que essa marginalização dos principais personagens da prática exercida
no âmbito da educação é um reflexo do viés centralizador e nacionalista. Nesse sentido,
Oliveira Vianna em sua obra intitulada “Instituições Políticas Brasileiras” mencionou que:
Como podemos perceber por meio do trecho citado, para o autor a centralização
política era o melhor caminho para a garantia das liberdades. O sociólogo também deixa claro
em seu texto que o liberalismo, o voto universal e democracia são propostas importadas, que
pertencem a uma condição social característica de outras nações – Inglaterra e Estados Unidos
da América, por exemplo – e que não foram adaptadas à realidade brasileira. Vianna entende
que a formação da nacionalidade do povo brasileiro necessita da centralização do poder
político. Característica essa que podemos observar como pratica visto que não só o Decreto –
Lei 1006 de 1938 limita as decisões sobre o livro didático em indivíduos responsáveis pelos
órgãos governamentais, como também influenciou a carta constitucional de 1937.
A mesma instaurou um Estado altamente centralizado, definiu as limitações do poder
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Legislativo pelo Executivo, buscou suprimir a autonomia dos estados, regulamentou o uso dos
símbolos nacionais e possibilitou o Presidente da República legislar por meio de decretos.
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Fernanda Xavier da Silva (2010), em seu texto “As Constituições da Era Vargas: uma
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abordagem à luz do pensamento autoritário dos anos 30”, deixa claro que a independência dos
estados brasileiros – federalismo – foi quase anulado, visto que o Presidente da República
poderia nomear um interventor o qual assumiria as funções que o Presidente lhe atribuísse.
Azevedo Amaral – ao encontro das ideias de Vianna – também mencionou que:
Como podemos observar, o autor define o Estado autoritário como o único capaz de
organizar o país. O autoritarismo deveria ser, portanto, inerente ao poder estatal e
consequentemente estar presente nos setores administrativo do governo. Assim, a verificada
centralização do discurso nos órgãos e indivíduos responsáveis pela elaboração dos livros
didáticos é entendida como reflexo do pensamento desses intelectuais. As decisões centradas
no Ministério da Educação e nos indivíduos que, em última instancia, também deveriam
adequar seu trabalho as ordens desse órgão público, eram imprescindíveis para manter o
desenvolvimento da educação a partir da ordem estabelecida.
Além dessas características, o Decreto-Lei 1006, de dezembro de 1938 também nos
possibilitou verificar outros aspectos:
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Causa Ideológica
17%
Causa Técnica
12%
Condição
71%
Informações obtidas a partir do Decreto-Lei 1006, de 30 de dezembro de 1938 – disponível no site da Câmara
dos Deputados.
Segundo Amaral o Estado autoritário “tem uma doutrina em torno da qual podemos postular a
existência de um consenso de opinião nacional...” (2002: 204), a identificação do Estado e
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Sociedade foi construída de tal forma que havia certa aceitação de que toda a ação cívica
possuísse espaço delimitado. Ainda de acordo com Amaral “no Estado autoritário, o eixo da
sua organização estrutural e o foco de irradiação do seu dinamismo é o próprio chefe da
Nação” (2002: 205), características essas que foram construídas a partir de ações cerceadoras
como a que estamos abordando. A constante ideia de prévia permissão para a comercialização
dos livros didáticos reafirma a preocupação de como não só a imagem de Getúlio Vargas
estava sendo retratada nos mesmos, mas também de tornar os manuais pedagógicos um
veiculo de transmissor de um sistema de valores que eram condizentes com o projeto nacional
de Vargas.
Ainda, foi possível notar que das causas mencionadas, as quais poderiam levar ao veto
da autorização do livro, a porcentagem de fatores ideológicos que causam o veto é mais
elevada do que os fatores técnicos. Informação essa que nos conduz a compreensão de que o
Decreto-Lei aqui analisado se apresenta como um reflexo do próprio processo de maturação
política, visto que as próprias causas ideológicas citadas se referem a preocupação com a
transmissão de ideias que justifiquem – ou que pelo menos não levem ao questionamento – do
antiliberalismo, nacionalismo, elitismo, corporativismo e autoritarismo.
Portanto, assim como os demais âmbitos da República Brasileira a educação também
devia estar alicerçada nos pilares do pensamento autoritário. Entendimento esse que podemos
verificar nos escritos de Oliveira Vianna, visto que para o mesmo “a educação deve ser um
monopólio do governo federal; [...] visto que é necessário ‘imprimir diretrizes nacionais ao
problema da cultura e da educação do povo’” (ODALIA, 1997: 159).
É claro que em nossa reflexão citamos apenas alguns dos intelectuais que escreveram
sobre o autoritarismo durante a década de 1930. Mas a partir desses foi possível refletir sobre
como esse pensamento embasou as ações efetivadas durantes o estado-Novo. Especificamente
no que se refere ao Decreto-Lei 1006, de 30 de dezembro de 1938, notamos que o
aprendizado proposto pelos livros didáticos não poderiam denegrir a imagem da nação,
consequentemente se inicia um ensino que possuía como seu objetivo o desenvolvimento do
civismo. O cuidado com a formação moral dos discentes derivava da preocupação com a
segurança do Estado autoritário, a ausência do interesse em desenvolver a criticidade dos
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Por fim, foi possível verificar que a legislação – a qual é o foco de nossas explanações
– foi elaborada a partir dos principais pilares do pensamento autoritário do período, visto que
proporciona a centralização das decisões a cerca da elaboração, utilização e distribuição do
livro didático nas mãos dos indivíduos responsáveis pelos órgãos ligados ao poder público.
Além disso, possibilita um ensino embasado na figura positiva do Estado Nacional e na
tranquilidade de convivência entre os grupos que compõem a sociedade. E visa uma educação
que condizente com a ideia desenvolvimentista e tecnicista do Estado-Novo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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Vargas. Rev. Bras. Hist. [onine]. 1998, Vol. 18, n. 36, pp. 103-114.
AMARAL, Azevedo. O Estado Autoritário e a Realidade Nacional. Versão para ebook,
2002.
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http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-1006-30-dezembro-1938-
350741-publicacaooriginal-1-pe.html. Acessado em: 25/06/2012.
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Disponível em: www.periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/download/.../14206.
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ODALIA, Nilo. As Formas do Mesmo: ensaios sobre o pensamento historiográfico de
Varnhagen e Oliveira Vianna. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 19997.
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www.periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/download/.../14206. Acessado em:
01/02/2013.
VIANNA, Oliveira. Instituições Políticas Brasileiras. Brasília: Conselho Editorial do
Senado Federal, 1999.