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LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 1

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO

1. ÂMBITO DA TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

Antes de mergulharmos no intróito da Teoria Geral do Direito Civil e


esmiuçarmos os aspectos ulteriores inerentes à disciplina que sobre a qual nos
ocupamos de forma pioneira escalpelizar, em forma de sumários e práticas,
suscita em regra geral por parte da comunidade académica, e dos eruditos da
ciência do Direito, questões preliminares sobre as grandes teses que encerram a
presente disciplina jurídica, designadamente:

1- O que é o Direito Civil?


2- O que a doutrina dominante advoga?

Responderemos as questões retro parafraseando o exímio Professor João


Castro Mendes1ipsisverbis.“   É   fácil   definir   o   Direito   Civil:   é   o   direito   privado  
comum”. É consabido, que o Sistema Jurídico Angolano é essencialmente de
base romanística, esta herança histórica, faz com que a ossatura cultural, técnica
e científica do nosso Sistema Jurídico, seja sustentada, rigorosamente, pelo
Direito Civil e assim o é, em todos os demais sistemas de caris Romanística.

Não se pode descorar o impacto que teve a intervenção germânica ao Direito


Civil, por meio de inúmeras intervenções a nível histórico, científico e académico.
Ora, não obstante o impacto causado pela intervenção supra aludida, esta, fora
maioritariamente no âmbito formal e fisionómico, mantendo-se no entanto, o seu
conteúdo e substância legados pelo Direito Romano, tal como vislumbramos nos
dizeres do Professor Carlos Alberto Burity “sobre esse núcleo incidiram séculos
de estudos e de aperfeiçoamento mas o essencial fora feito, já no ius romanum”2.

Após uma série de aperfeiçoamento do Direito Civil, este é hodiernamente, um


Direito codificado ou seja, materializa-se a partir de um complexo ou compilação
de normas jurídicas sistematizadas e elaboradas de acordo com coordenadas
jurídico-científicas – é o que vulgarmente intitulamos de Código Civil. Este código,
com um espírito maioritariamente germânico – tal como o é o angolano –
1
Vide CASTRO MENDES, João in Teoria Geral do Direito Civil, Vol I; Pág. 13
2
BURITY, CARLOS ALBERTO, In Teoria Geral do Direito Civil, pág 16.
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apresenta, logo no início do diploma, a parte geral3 – que versa os aspectos


genéricos e globais das relações intersubjectivas. A posteriori, o mesmo diploma
dispõe de uma parte especial– que retrata os aspectos específicos do tráfego
intersubjectivo, nomeadamente, Direito das Obrigações4, Direitos Reais5 e Direito
das Sucessões6 eo Direito da Família7. Em Teoria Geral do Direito Civil, a
abordagem não será incisivamente concreta a uma matéria específica (Direito das
Obrigações, Direitos Reais, Direito das Sucessões ou Direito da Família), mas
reportando-se genericamente as relações jurídico-civís que reentrem às três (mais
uma) partes especiais do Direito Civil.

2. DIREITO OBJECTIVO E DIREITO SUBJECTIVO.

Tal como é abordado e difundido no primeiro ano do curso de Direito, o Direito


pode ser entendido em dois sentidos, nomeadamente: Objectivo e Subjectivo.

Ao sistema de normas ou regras jurídicas que regulam os diferentes aspectos


da vida em sociedade, denominá-los-emos de Direito em sentido objectivo.
Portanto, em sentido objectivo, o Direito aparecer-nos-á como as normas que
vigoram na nossa sociedade, logo, quando referimo-nos este, estamos a falar do
Direito propriamente dito e a sua grafia será Direito com D. É desse Direito que
nos referimos, quando falamos em Direito Comercial, Direito Penal, Direito Civil e
outras matérias do Direito que conhecemos.

Já ao poder ou a faculdade que uma pessoa tem de exigir um comportamento


positivo ou negativo de uma pessoa, denomina-se por Direito em sentido
subjectivo, id est, é o poder que goza determinada pessoa jurídica de exigir o
cumprimento do Direito objectivo. Portanto o Direito subjectivo é sinónimo de
poder ou faculdade e escreve-se direito com d. É nesse direito que nos referimos,
quando usamos nas frases como, o consumidor tem direito a informação ou o
António tem direito de ser indemnizado pelos danos causados ao seu automóvel.
Cfr. Artigos 483 e 562 do C.c.

33
Vide Código Civil angolano dos artigos 1º a 396º.
4
Vide Códígo Civil angolano dos artigos 397º a 1250º.
5
Código Civil angolano dos artigos 1251º a 1570º
6
Ibdem, dos artigos 2024º a 2334º.
7
De acordo com a Codificação Civil do Ordenamento Jurídico Angolano, o Direito da Família é uma matéria
autónoma. Este livro foi desagregado Consticionalmente do Código Civil, através do Decreto-Lei nº 1/88 de
20 de Fevereiro.
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A partir da matriz ora exposta, podemos traçar as coordenadas do estudo da


cadeira da Teoria Geral do Direito Civil. Ora, neste prisma, segundo CARLOS
ALBERTO BURITY DA SILVA, citando MOTA PINTO8, a divisão do estudo da
Teoria Geral do Direito Civil verifica-se em duas partes: Teoria Geral da Norma
Jurídica (ou Teoria Geral do Ordenamento Jurídico) e a Teoria da Relação
Jurídica. Ou seja, a parte da Teoria Geral do Direito Civil que estuda o Direito
Objectivo, é a Teoria Geral da Norma Jurídica ou do Ordenamento Jurídico; já a
parte da Teoria Geral que estuda o direito Subjectivo, é a Teoria Geral da Relação
Jurídica.

3. DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO.

O Direito é integrado por dois grandes grupos ou ramos: o Direito Público e o


Direito Privado – neste, é que encontramos confinado o Direito Civil, que será
objecto de estudo em momento posterior. Mas, o conceito de cada um dos ramos
do Direito, nem sempre reuniu consenso quanto a sua distinção. Para o
entendimento e a devida distinção entre ambos os ramos, a doutrina concebeu
alguns critérios que em contrapartida foram severamente criticados. Nesta obra,
debruçar-nos-emos também, sobre as respectivas críticas levantadas, em
contestação dos critérios.

Os critérios de distinção são:

 Critério da natureza dos interesses;


 Critério da qualidade dos sujeitos;
 Critério da posição dos sujeitos na relação jurídica.

Critério da natureza dos interesses: segundo este critério, estaremos


perante o Direito público, quando as normas visarem exclusivamente e
concretamente, a prossecução de interesses públicos, e o Direito privado, quando
as normas visaremm prosseguir interesses privados ou particulares. Ou seja, para
este critério, estaríamos perante o Direito Público, quando a norma visasse em
exclusivo, a tutela do interesse da colectividade; sendo Direito Privado, se a
norma visar a satisfação de interesses individuais ou particulares.

Este critério não colheu consenso, tendo sido submetido às seguintes críticas:

8
BURITY, CARLOS ALBERTO, In Teoria Geral do Direito Civil, pág 18.
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 Todo o Direito, seja ele Público ou privado, visa a prossecução e tutela de


interesses, simultaneamente públicos e particulares. Ou seja, as normas do
Direito Privado, nem sempres visam a prossecução de interesses
puramente particulares, tendendo também a prossecução de interesses
públicos. A título de exemplo, temos as normas exigem a celebração de
contratos entre particulares a Escritura pública – vide artigo 875º C.C – e
as normas do direito da família, reguladoras e disciplinadoras do
casamento, relativamente a sua constituição, efeitos, dissolução e outros,
que pez embora sejam do Direito Privado, visam proteger interesses
públicos. Em contrapartida, as normas do Direito Público, nalguns casos
pretendem apenas dar protecção à interesses particulares, além dos
interesses públicos por ele visado. Como exemplo, teremos as normas
regulam a admissão à função pública, que, para além de regularem as
situações objectivas que visam, têm in caso, o objectivo de regular e
proteger os interesses das pessoas que visa proteger. A Universidade
Independente de Angola, é uma Instituição Privada de Ensino Superior,
mas, o seu escopo é publico, na medida em que o Ensino é uma função
primária do Estado.

Portanto, a incidência das normas jurídicas é tendencialmente dialéctica, id


est, além dos interesses específicos que visam prosseguir, também visam
interesses genéricos da comunidade.

 Por outra, este critério talvez teria maior acolhimento, se na abordagem


distintiva entre o Direito Público e Direito Privado, adoptasse a ideia de que
o Direito Público visa a prossecução de interesses maioritariamente
colectivos, ao invés de considerar que a tutela dos interesses colectivos,
seja um fim exclusivo do Direito Público. Já no que toca ao Direito Privado,
que este visa maioritariamente interesses particulares, ao invés de
apregoar a tese de que este visa prosseguir interesses exclusivamente
particulares. Pois entende-se que existem normas do Direito Público que
incidem também sobre interesses particulares, assim como há normas do
Direito Privado que tendem a incidir sobre interesses da colectividade. Por
estas e outras críticas, este critério não mereceu acolhimento.

Critério da posição dos sujeitos na relação jurídica: segundo este critério,


o Direito Público regula as relações entre entidades ou sujeitos que na relação
jurídica, estejam em posição de infra e ou supra ordenação hierárquica, ou seja
este critério advoga que se deve estabelecer uma relação de supra – ordenação e
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de infra - subordinação e o Direito Privado, regula as relações entre sujeitos que


estejam em posição de igualdade ou paridade. Este critério também mereceu
fortes críticas, uma vez que:

 O Direito Público nalgumas vezes, regula relações entre sujeitos em


posição de igualdade. A título exemplificativo, podemos invocar as relações
estabelecidas entre administrações municipais ou autárquicas, pois
afiguram uma posição de equivalência ou igualdade.

 O Direito Privado, regula também, as relações estabelecidas entre sujeitos


em posição de supra e infra ordenação. Podemos vislumbrar a relação
entre o empregador e o funcionário, ou quando as Instituições públicas
adquirem materiais indispensáveis para o seu exercício como papéis,
esferográficas, tinteiros e outros fá-lo em posição de igualdade.

Critério da qualidade do sujeito: segundo este critério, estaremos perante


ao Direito Público, quando as normas jurídicas regulem a relação entre entidade
públicas e outras entidades particulares, mas estas, investidas do seu poder de
autoridade (ius imperii), e o Direito Privado, será integrado por normas que
regulam as relações entre os particulares e estes com as entidades públicas, mas
estas últimas, aparecem nas vestes de particular, ou seja, desprovidas do seu
poder de autoridade (ius imperii).

A partir do exposto, é menos complexo aferir a abrangência e âmbito de uma


determinada norma, se é do Direito Público ou do Direito Privado, porém, importa
relevar o facto de que para o critério da qualidade dos sujeitos, no tráfego das
relações estabelecidas pelos sujeitos, surge, além dos sujeitos cuja posição seja
equivalente, aparece nalguns casos, um outro sujeito detentor do ius imperii, ou
poder de autoridade, intervindo provido ou não, desta qualidade. Este critério foi
adoptado por um grande sector da doutrina.
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4. QUARDO ESTRUTURAL DO DIREITO PRIVADO.

ESTRUTURA DO DIREITO PRIVADO

DIREITO PRIVADO COMUM DIREITO PRIVADO ESPECIAL

(DIREITO CIVIL)

 Direito das Obrigações;  Direito Comercial;

 Direitos Reais;  Direito do Trabalho;

 Direito das Sucessões.  Direito da Família.

4.1. Direito Privado Comum (Direito Civil).

O Direito Civil, representa o núcleo do Direito Privado, integrando no entanto,


as normas destinadas a regular as situações mais genéricas e globais das
relações entre os particulares. Ou seja, todas as situações da vida prática dos
particulares, que não sejam ou que não mereceram regulamentação especial, no
panorama das normas civis, são automaticamente pertencentes à alçada do
Direito Privado Comum ou Direito Civil.

Relativamente as matérias disciplinadas pelo Direito Civil, constatamos em


primeira instância, o Direito das Obrigações que consiste no sistema normativo
que regula as relações de crédito; Direitos Reais, circunscreve-se nas normas que
regulam o poder directo sobre uma coisa corpórea, concreta e determinada;
Direito da Sucessões, será o sistema de normas que regulam a vocação das
relações jurídico-patrimoniais de uma pessoa já falecida. Em bom rigor, diríamos
que todas as matérias reguladas pelo Direito Civil, são inevitavelmente inerentes
à vida de toda pessoa, pois não é possível existir quem nunca tenha celebrado
um negócio jurídico ou nunca se tenha inserido numa relação jurídico-
obrigacional, quem não seja titular de um bem físico, ou que nunca tenha ou terá
intervindo em um fenómeno sucessório. Portanto, a Teoria Geral do Direito Civil é
uma Cadeira que se ocupa no estudo do Direito Privado Comum.
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Na perspectiva do Ilustre Professor Carlos Alberto Burity citando o exímio


Professor Mota Pinto, o Direito Civil tem uma localização nuclear ou central no
ordenamento jurídico, ou seja, foi originalmente o centro do Ordenamento jurídico
e provavelmente (nosso grifo)9, continua sê-lo, pois é factual a tendência de os
demais ramos do Direito, não só se remeterem com frequência ao Direito Civil,
como também podemos constatar que matéria inerentes ao Ordenamento
Jurídico, aparecem regulamentadas, com primazia, no Código Civil
nomeadamente: a matéria de começo e cessação da vigência das leis (artigos 5º
e 7º); Dos efeitos de desconhecimento da Lei (artigo 6º); Dos deveres do julgador
perante a Lei (artigo 8º); Da interpretação da Lei (artigo 9º); Da integração das
lacunas da Lei (artigo 10º); da aplicação da Lei no tempo (artigos 12º e 13º);
começo e termo da personalidade jurídica (artigos 66º e 68º).

4.2. Direito Privado Especial

Ao Direito Privado Especial, faz parte todas as matérias autónomas do Direito


Privado. Ou seja, todos os aspectos da vida dos particulares que merece ou
mereceu uma regulamentação específica no panorama das normas civis,
reentram no âmbito do Direito Privado especial. Interallia, podemos mencionar o
Direito Comercial, o Direito do Trabalho e o Direito da Família10.

9
Usamos  o  termo  “provavelmente,  porque  toda  sentença  terminologicamente  conclusiva,  no  Direito,  
entendemos que seja uma tentativa pouco aconselhável pela ambiguidade com que se nos deparamos
frequentemente.
10
No Sistema Jurídico o Direito da Família é corolário do Direito Privado especial, por sorte da
aprovação do Código da família, a partir da Lei 1/88 de 20 de Fevereiro, em substituição do Livro
IV do Código Civil de 1966.
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5. QUADRO ESTRUTURAL DO DIREITO PÚBLICO

ESTRUTURA DO DIREITO PÚBLICO

DIREITO SUBSTANTIVO DIREITO ADJECTIVO OU


PROCESSUAL

 Direito Administrativo;  Direito do Processo Civil;

 Direitos Constitucional;  Direito do Processo Penal.

 Direito Penal;

 Direito Fiscal;

 Direito Financeiro.

6. IMPORTÂNCIA PRÁTICA DA DISTINÇÃO ENTRE DIREITO PÚBLICO E


PRIVADO.

Quando nos defrontamos com uma situação da vida social que suscita a
intervenção do Direito, em regra, nos questionamos que ente nos podemos
socorrer, se é público ou privado, somente mediante a esta precisão, se
poderá determinar o Tribunal ou órgão competente para a resolução do nosso
dissídio.

Segundo o sistema jurisdicional vigente em Angola11, existem vários Tribunais


que estão organizados da seguinte forma:

11
Vide Art. 174º da C.R.A.
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 TRIBUNAIS SUPERIORES:

 Tribunal Constitucional;12

 Tribunal Supremo;13

 Tribunal de Contas;14

 Supremo Tribunal Militar;15


O sistema de Organização e funcionamento dos Tribunais compreende:
a) Uma jurisdição comum encabeçada pelo Tribunal Supremo e integrada
igualmente por Tribunais da Relação e outros Tribunais;
b) Uma jurisdição militar encabeçada pelo Supremo Tribunal Militar e
integrada igualmente por Tribunais Militares de Região;
c) Pode ser criada uma jurisdição administrativa, fiscal e aduaneira autónoma,
encabeçada por um Tribunal Superior;
d) Podem igualmente ser criados Tribunais Marítimos16.
Portanto, somente percebendo a natureza da realidade fáctica do litígio
circunstancialmente pelejado, é que poderemos determinar se é ramificável ao
direito público ou privado e que Tribunal eventualmente teria competências para
aplicar   a   “Tutela jurisdicional efectiva do Estado” mediante aplicação e o
exercício da justiça.

QUESTIONÁRIO

1- Qual é a matriz histórica do Direito Civil angolano?

2- O Que é o Direito Civil?

3- Quantas partes estão divididas o Código Civil angolano?

4- Estabeleça a diferença de Direito versus direito.

12
Vide Art. 180º da C.R.A.
13
Vide Art. 181º da C.R.A.
14
Vide Art. 182º da C.R.A.
15
Vide Art. 183º da C.R.A.
16
Vide Art. 176º da C.R.A.
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5- Quais os traços diferenciadores entre o direito objectivo e o subjectivo?

6- Quais são as teorias que sustentam as diferenças entre o Direito público /


privado?

7- Que importância prática tem a distinção do direito público e privado?

8- Como está definido o sistema judiciário angolano? Base legal?

9- O que é a tutela jurisdicional efectiva do Estado?

10-Discrimine as áreas do direito substantivo versus adjectivo.


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CAPÍTULO II

FONTES DO DIREITO CIVIL NO ORDENAMENTO JURÍDICO ANGOLANO.

1. DAS FONTES DE DIREITO EM GERAL

Por fonte17 de   direito   “fons juris”,   entendemos, literalmente, como tudo


aquilo que se pode abrir com facilidade para correr a linha jurídica. Mas,
relativamente aos vários sentidos que é entendida, adoptaremos o conceito de
fontes de Direito, de acordo com o sentido técnico-jurídico que, a mesma constitui
aos modos de formação e de revelação das normas jurídicas. Ora, como é
característico as ambiguidades em Direito, vislumbramos também que as fontes
do Direito Civil comportam vários sentidos e acepções, relativamente ao seu
entendimento18.

As fontes do Direito dividem-se em:

a) Sentido histórico: neste sentido, a fonte de direito serão as origens ou as


influências de carácter histórico de interferem no modo de ser, ou a
estrutura de um dado sistema jurídico. É neste sentido que se alude,
sempre que dissemos que algumas particularidades do Direito Angolano,
radica do Direito Português ou do Direito Romano. Corolário da herança
colonial.

b) Sentido instrumental: as fontes serão os documentos ou textos, em que


constam as normas jurídicas. As fontes instrumentais são aquelas que por
intermédios das quais, se dá a conhecer as normas jurídicas, efectivando
no entanto a positivação do direito, in concreto. Podemos mencionar, como
fontes instrumentais de Direito, no Ordenamento Jurídico Angolano, A
Constituição da República, o Código Civil, Código Penal, Diário da
República e tantos outros. Outrossim, o conceito de fontes, remonta-nos às

12
Vide YaNdemufayo, Joaquim Trindade Kalumbondja-Mbondja, in DisputationesLatinae – A
palavra   fonte   (fons),   deriva,   em   última   análise,   provavelmente   do   grego   “φέvω”   (feno   - abrir),
donde  se  originou  “φóvos”  (fonos),  e  depois  por  síncope,  fons.  
18
Ex vi, Art. 1º do C.C.
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fontes  “cognoscendi” do jus romanum – Corpus Juris Civilis, Lex Duodecim


Tabularum, etc);

c) Sentido orgânico ou político: as fontes de Direito, serão os órgãos


criadores das normas jurídicas, ou seja, os órgãos detentores do poder que
dos quais emanam normas jurídicas de cumprimento obrigatório. Os
termos da Constituição da República de Angola, as principais fontes de
Direito em sentido orgânico são, a Presidência da República19 e a
Assembleia Nacional20. Mas, importa realçar que existem também outras
entidades do Estado, com especiais poderes de criarem normas ou
comandos normativos de cumprimento obrigatório, nomeadamente, os
Governos Provinciais e Departamentos Ministeriais (tratando-se de
regulamentos, despachos ou portarias), Banco Nacional de Angola
(tratando-se dos avisos) e outras. Este conceito, remonta-nos às fontes do
jus  romanum,  concretamente  às  fontes  “existendi”- o Senado, as comitias,
praetores etc.

d) Sentido material, sociológico ou causal: neste prisma, serão fontes de


Direito, as circunstanciais ou os eventos sociais e concretos que
influenciam ou que venham influenciar ou motivar a criação de uma norma
que regule ou discipline tais situações. Como paradigma exemplificativo,
podemos aludir que o aumento de agressões e ofensas no seio familiar, é
o facto que motivara a criação da Lei Contra Violência Doméstica em
Angola, o novo Código de estrada, e outros.

e) Sentido técnico-jurídico ou dogmático: neste sentido, entende-se por


fonte de Direito, os modos e as formas convencionais, de criação e
revelação do Direito. Ora, em sentido técnico-jurídico, as fontes de Direito
podem ser imediata e mediatas. As fontes imediata do Direito Civil
angolano, são a lei e o costume, tal como descreve, ipsis verbis o nº 1 do
artigo 1º do Código Civil21 “são fontes imediatas do direito civil angolano as
leis e as normas corporativas”. Serão fontes mediatas, a jurisprudência22,
os usos23, a doutrina.

19
Vide artigo 125º da CRA
20
Ex vi Artigos 141º, 161º163º ambos da CRA
21
O nº 1 do artigo 1º do Código Civil, foi derrogado pela Lei Constitucional Angolana de 1975, que retirou a
validade das normas corporativas.
22
Vide o nº 3 do Art. 8º do CC.
23
Vide Art. 3º do CC.
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Com a entrada em vigor em 2010 da Constituição da República de Angola,


e por força do artigo 7º, o costume passou a ser fonte imediata do direito,
mas, desde que não se configure contra legem e atente contra a dignidade
da pessoa humana.

2. A LEI COMO FONTE IMEDIATA DO DIREITO NA REPÚBLICA DE


ANGOLA.

A Lei configura – se junto da pirâmide das fontes do Direito no topo, ex vi o nº


1 do artigo 1º do Código Civil, ao consagrar a lei como a única fonte de direito
juntamente as normas corporativas24. Pese embora esta qualificação esteja
codificada civilmente, ela ramifica-se em outras áreas do Direito.

Em sentido amplo a lei é sinónimo de acto normativo estatal25 que se traduz


em toda disposição normativa genérica , que seja emanada de um órgão
constitucionalmente competente. Ex: As leis, Os Decretos Presidenciais, Os
Decretos Executivos, os Depachos executivos as resoluções da Assembleia
Nacional e tantos outros.

A lei é entendida como a norma jurídica imposta na sociedade por um órgão


competente para tal, ou seja, um órgão com poder legislativo. A lei pode ser
entendida em vários sentidos:

 Sentido Amplo;
 Sentido Restrito;
 Sentido Material;
 Sentido Formal;

Lei em sentido amplo: refere-se à todos diplomas legais, de carácter geral


e imperativo, proveniente dos órgãos estaduais competentes para a sua criação.

24
As normas corporativas, foram revogas pela Lei Constitucional de 1992 que vigorou até a entrada da
Constituição de 2010.
25
A Lei pode ser entendida quer em sentido material bem como em sentido formal, que consiste no
sistema e conjunto de actos normativos que têm a forma e designação formal de lei.
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Ex: Assembleia Nacional (artigo 141º, CRA), o Presidente da República (artigo


125º, nº 1 CRA), regulamentos, estatutos, portarias, etc.

Lei em sentido restrito: é a lei propriamente dita – a norma jurídica em sí -


, que é o resultado do exercício do poder legislativo, pelos órgãos competentes.
Refere-se à órgãos como a Assembleia Nacional (lei), o Presidente da República
(decretos legislativos, decretos legislativos presidências, decretos legislativos
presidenciais provisório e despacho – artigo 125º nº 1 CRA).

Lei em sentido material: é todo acto normativo proveniente de um órgão


estadual competente, ainda que não esteja no exercício da sua função legislativa.
Serão leis em sentido material, os decretos-leis, regulamentos, portarias,
despachos normativos, isto é, é a matéria contida no diploma legal.

Lei em sentido formal: é aquela que se reveste das formas destinadas,


por excelência, ao exercício da função do Estado (a Constituição, lei
constitucional,   leis   ordinárias…),   no   entanto,   neste   sentido,   a   lei   é   revelada  
através do elemento formal do documento, ou seja, o modo como esta surge no
ordenamento jurídico.

3. O COSTUME

O costume é entendida como a prática social constante e reiterada


acompanhada de convicção de obrigatoriedade26. Nessa perspectiva,
vislumbramos dois elementos, o primeiro elemento é o externo que se manifesta
através da repetição constante de certos actos, (usos). O segundo elemento é o
interno, que radica do convencimento de que a prática seguida corresponde a um
imperativo jurídico (Convicção de obrigatoriedade). Se a prática não é reiterada e
constante, teremos, simples atitudes ou comportamentos sociais, se a prática é
reiterada e constante, mas não acompanhada da convicção da sua
obrigatoriedade, estaremos perante a simples usos sociais.

Nas sociedades primitivas, até meados do Século XVIII o costume foi a


principal fonte de direito. Mas é claro que comportamentos ou práticas que surjam
ex nihil, sem qualquer correspondência com a lei ou com a moral, não podem ser
consideradas como costume ou consequentemente como fons júris, logo, existem

26
Vide, Oliveira Ascensão, O Direito. Introdução e Teoria Geral, págs 218 e segs.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 15

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alguns pressupostos adoptados para considerar as práticas da sociedade como


sendo ou não um costume27:

a) Que a prática seja contínua – factos esporádicos, que se verificam vez por
outra não são considerados costumes;

b) Que a prática seja constante – a repetição dos factos deve ser efectiva,
sem dúvidas, sem alteração;

c) Que a prática seja moral – o costume não pode contrariar a moral ou os


bons hábitos, nem pode ser imoral;

d) Que a prática seja obrigatória – que não seja facultativo, sujeito a


vontade das partes interessadas.

3.1. A Relação entre o Costume e a lei.

Estabelecendo uma relação entre o costume e alei, podemos desencadear


três modalidades de costume28:

a) Costume secundum legem – quer dizer que existe uma coincidência


entre o conteúdo do costume e o da lei. Ocorre, sempre que uma nova
lei, venha regular uma matéria a qual, já vigore um costume e o faça tal
qual o sentido e alcance do costume. Nestes moldes, o costume é
sempre acolhido pela lei29. Ex: Fila no banco; O alembamento; a festa
de natal, etc;

b) Costume contra legem – nesta modalidade, o costume estará em


contradição com a lei, por esse facto, é sempre improvável que mereça
alçada legal, no Ordenamento Jurídico Angolano. Nas palavras do
Ilustre Professor, CARLOS ALBERTO BURITY “   é que a admitir-se
validade a esta forma do costume como fonte de direito, isso significaria
que a lei pudesse ser revogada por um costume que lhe fosse contrario.
Ora tal seria inaceitável pois que representaria a possibilidade de a

27
Um exemplo simples e vivencial de costume que não precisou ser tipificado ou formalizado numa lei
escrita, é a fila que geralmente é feita no banco, no supermercado ou na padaria, pois é uma prática reiterada
à qual todos nós temos a convicção de é obrigatória, quer esteja ou não legislada – VARELA, Bartolomeu,
in Manual de Introdução ao Direito, 2ª edição (2011); Pág. 39 e 40.
28
BURITY DA SILVA, Carlos, Op. Cit. Pág. 43 e 44
29
Vide artigo 7.º da CRA
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 16

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vontade expressa através da lei, poder ser legitimamente contrariada


por uma prática social contrária30”   o   que   entendemos   que       seria   uma  
aberratio;

c) Costume praeter legem – nestes termos, o costume vai para além da


lei vigorando num domínio, extra legem – fora da lei.

CAPÍTULO III

A CODIFICAÇÃO CIVIL

1. ORIGEM HISTÓRICA DA CODIFICAÇÃO CIVIL

1.1. INTRODUÇÃO

Em bom rigor, denominamos de Código, a compilação de diplomas legais ou


normativos, elaborados de acordo com critérios de organização e sistematização
científica, que incidem à um determinado ramo do Direito, com o objectivo de o
regular por um período duradouro, a partir da sua publicação. Ora, o vocábulo
código, radica da expressão codex, que no Direito Romano, designava o conjunto
de tábuas ou folhas escritas e unidas uma às outras. Daí os famosos Codex
Gregorianus, Codex Theodosianus, Codex Justinianus.

1.2. O CÓDIGO DE NAPOLEÃO

30
Ibidem.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 17

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

Fragmentos do Código Napoleónico31

Tal como reza a história, a revolução francesa, como outras, culminou com
reformas sociais, políticas, culturais e jurídicas, como não podia deixar de ser. No
panorama jurídico, a consequência digna da nossa abordagem, é o Código de
Napoleão, que começou a ser elaborado em 1791, tendo sido promulgado em
1804. A sua elaboração foi encabeçada pelo próprio Napoleão, e a regação
esteve a cargo dos magistrados TRONCHET, PORTALIS, BIGOT-PREAMENEU
e MALEVILLE. A elaboração do Código Civil de Naopoleão, é resultante da
necessidade e promoção quer do conhecimento como da alteração do paradigma
de sistematização do Direito Civil, pois, o Código Napoleónico, além de ser o
primeiro código civil francês, também afigura a primeira codificação moderna de
que se tem conhecimento.

O código de Napolião, continha três livros:

a) LIVRO I – Das Pessoas: esta parte do Código, tratava da posição jurídica


do indivíduo e de situações jurídicas familiares;

b) LIVRO II – Dos bens e das diversas modificações da propriedade: aqui,


eram regulados os aspectos referentes as coisas, a propriedade e os
demais direitos reais;
c) LIVRO II – Das diferentes formas por que se adquire a propriedade:
encontramos a matéria das sucessões, doações, contratos, casamento e
regimes matrimoniais, contratos em especial, hipotecas e prescrição.

O Código de Napoleão, foi alvo de algumas críticas, pois na sua


sistematização normativa, a ideia assente era a de que a pessoa enquanto
indivíduo, necessita de deter bens para sobre viver, ora caracterizando-se como
essencialmente individualista, elevando até certa medida, o Direito Privado nas
suas relações com o Direito Público. Não obstante a crítica, o Código de
Napoleão, foi adoptado como modelo de codificação civil, em outros
ordenamentos jurídicos a nível do mundo.

31
Extraído do www.google.co.ao/images.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 18

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

1.3. O CÓDIGO CIVIL ALEMÃO (BURGERLICHES GESETZBUCH).

Imagem ilustrada do Código Civil Alemão de 190032

O BGB surgiu nos finais do século XIX, sobrepondo-se ao domínio do Código


de Napoleão, pois contemplava uma sistematização científico-técnico-jurídica
melhor apurado e mais avançado, tendo entrado em vigor a 01 de Janeiro de
1900, após a sua promulgação em 1896. A elaboração do
BurgerlichesGesetzbuch, esteva a cargo dos Pandectistas, cuja base foi as
normas do Direito Romano, pois na sua perspectiva, constitui um património
insubstituível. Ora, este instrumento, mostrou-se tão avançado, que suprimiu a
hegemonia do Código de Napoleão, porém nós acreditamos que dado o árduo e
longo trabalho que precedeu a publicação dele, contribuíram para o nível
científico que o mesmo apresentava, já que enquanto a comissão de elaboração
do BGB, percorreu sucessivos 13 (treze) anos de labor intenso, a comissão de
Napoleão, precisou apenas de 4 (quatro) anos.

O BGB estava composto por cinco principais livros:

LIVRO I – Parte Geral;

32
Extraído do www.google.co.ao/images.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 19

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

LIVRO II – Direito das Relações Obrigacionais;

LIVRO III – Direito das Coisas;

LIVRO IV – Direito da Família;

LIVRO V – Direito das Sucessões.

É incontornável a afirmação ora adoptada, que consistiu em entender que o


BGB, representou e até nos dias de hoje representa um avanço significativo da
ciência jurídico-civil, no que tange a codificação, em detrimento do Código
Napoleónico. Mas, importa-nos aqui referir, que quer um quanto o outro,
representam umas das maiores conquistas do Direito Civil, a nível mundial, pois,
após a publicação do BGB, vários países adoptavam um ou outro (BGB ou
Código de Napoleão), de acordo com a sua realidade sistemático-jurídico-cultural.

O BGB serviu e ainda tem servido de modelo para muitos Ordenamentos


Jurídico, a julgar pela organização dos Códigos Civís. O Código Civil Angola,
herdado da era colonial, desde 1966, cuja sistematização e organização, foi
rigorosamente influenciada pelo Código Civil Alemão. Daí surge a razão de
arrogarmos a tese de que o nosso Ordenamento Jurídico seja de matriz Romano-
Germânica: Romano – pelas fortes influências de o Jus Romanum tem no Direito,
em geral; Germânica – pela influência sistemática e estrutural33 do Direito Civil, in
concreto o próprio Código Civil.

Entendemos que apresentar uma resenha histórica da nossa codificação


civil, apenas no âmbito do impacto do Código Napoleónico e do Código Civil
Alemão, seja uma opção, que apresenta dados histórico indirectos, do nossa
codificação, pois, além do nosso Código Civil, ser originariamente Português, teve
as suas influências, a nível do ordenamento jurídico interno ao qual fazia parte.

Agora, ocupamo-nos nas raízes mais concretas e directas do Código Civil


de 1966, que como já foi dito em outras núpcias, é um legado do colonialista
Português, que acreditamos que tenha os seu dias contados por algumas
disposições normativas se constituírem aboletas para a realidade angolana e por
exigir de nós, uma revisão e alteração.

33
Entendemos que a influência germânica seja e seu teor, meramente estrutural e sistemática, por que a
substância do BGB, radica maioritariamente do Direito Romano.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 20

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

1.4. As Ordenações do Reino

De acordo com o Professor Castro Mendes, no século XV, o Império


Português, fez surgir as suas primeiras ordenações do Reino, que eram
denominadas de OrdenaçõesAfonsinas, que a partir de 1512, foram substituídas
pelas OrdenaçõesManuelinas, tendo conquistado um redacção definitiva em
1521.

Imagem ilustrada das Ordenações Afonsinas34

Em 1603, no Reinado de Filipe II, as Ordenações Manuelinas foram


substituídas pelas ordenações Filipinas, que vigorou em Portugal até 1868, tendo
sido substituídas pelo primeiro Código Civil português de autoria do Visconde de
SEABRA, embora o Brasil – já na altura da entrada em vigor do Código de
SEABRA, ex-colónia – as Ordenações Filipinas, vigoraram até 1917. Durante o
período que vigorou, as Ordenações Filipinas foram sendo actualizadas e
alteradas com a publicação de uma numerosa legislação avulsa, dentre as quais,
podemos mencionar a Lei da Boa Razão, que permitia a aplicação das leis
políticas, económicas, mercantís e marítimas, das Nações Cristãs, iluminadas e
polidas da Europa,, sempre que um determinado caso não encontrasse
regulamentação nas Ordenações.

34
Vide sabodomessias.com.br/livro/direito-civil-colecção-ordenações afonsinas-manuelinas-
filipinasauxiliaresjurídicos-15-tomos
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 21

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

Fragmentos das ordenações Filipinas35

Imagem ilustrativa das Ordenações Manuelinas36

1.5. Código de SEABRA

Em Agosto de 1850, o Juiz desembargador da Relação do Porto António Luís


de Seabra, foi encarregado para elaborar um novo Código, em colaboração com
quatro Professores de Direito. Mas, no mesmo ano, António de Seabra,
35
Cfr. Slideshare.net/nelirene/sculo
36
Cfr. www.custojuso
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 22

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

apresentou sozinho, o projecto de Código Civil, à comissão revisora que não


efectuou alterações tão significantes no mesmo texto, tendo o trabalho de
elaboração, terminado em 1867 e em 22 de Março de 1868, entrou
definitivamente em vigor, o Código Civil de SEABRA.

O Código Civil de Seabra, tinha quatro livros, nomeadamente:

a) LIVRO I – Da capacidade Civil;


b) LIVRO II – Da aquisição de direitos;
c) LIVRO III – Do Direito de Propriedade;
d) LIVRO IV – Da ofensa dos direitos e da sua reparação.

Como é óbvio, pela posição cronológica da elaboração do Código de Seabra, este


seguiu o paradigma do Código Civil francês.

1.6. O Código Civil de 1966

Ao andar do tempo, o Código de Seabra, embora tenha sido revisto e alterado


inúmeras vezes, não estava a altura das circunstâncias sociais na altura. Para tal,
foi lançado um o repto para elaboração de um novo Código Civil, sendo o Ministro
da Justiça na altura, o Professor Adriano Vaz Serra. Foi constituído uma comissão
de Professores de Direito que era presidida pelo próprio Ministro da Justiça que
na sequência, saiu do Ministério da Justiça, tendo sido substituído pelo Professor
Antunes Varela.

Em Maio de 1966, foi apresentado ao país o projecto do Código Civil, pelo


Professor Antunes Varela, tendo sido o mesmo, convertido em lei, pelo Decreto-
Lei 47 344 de 25 de Novembro de 1966, que passou a vigorar em Portugal e nas
suas colónias. Desde 1966, foi vislumbrado uma alteração que incidiu no livro da
família que foi desentranhado do Código Civil de 1966, já que era flagrante e
visível, as incongruências que esta parte do Código comportava, face a realidade
angolana, porém, no seu conteúdo ele mantém até os dias de hoje.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 23

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

CAPÍTULO IV

OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO CIVIL

1. Conceito

Todo o Ordenamento Jurídico, congrega uma série de princípios que


representam, nos dizeres do Professor Carlos Burity, as linhas dominantes de
todas a normas. O Professor Mota Pinto, acresce postulando que os princípios
afiguram a ossatura do Direito Civil, dando sustentabilidade as normas que as
emanam bem como um sentido e uma função. Assim, diríamos que os princípios
são ferramentas que influenciam a fixação do sentido e alcance, modelando o
conteúdo e substância da norma.

Neste capítulo, abordaremos os diferentes princípios jurídicos que


caracterizam o Direito Civil, adoptando uma perspectiva tendencialmente
característica a realidade do sistema angolano. Mas, de salientar que tais
princípios, não surgem exnihilo, ou seja, é precisamente, resultado de
circunstâncias históricas, sociais, culturais, filosóficas, jurídicas e outras que
directa ou indirectamente, concorreram para o seu surgimento. Tal como já fora
abordado anteriormente, poderemos vislumbrar alguns princípios caracterizadores
a priori, do Direito Civil, cuja aplicação seja abrangente ao Ordenamento Jurídico
no geral37, encontrando até, dignidade constitucional, mas também
encontraremos alguns princípios do Direito Civil, com uma estrita aplicação e
abrangência no Direito Civil.

Em torno desta abordagem, ocupar-nos-emos de ora avante, elencar os


princípios estruturantes do Direito Civil e abordaremos sobre cada um deles de
uma forma mais clara possível.

2. Classificação

O Direito Civil comporta, tradicionalmente, os seguintes princípios


estruturantes:

a) O reconhecimento da pessoa humana, da personalidade colectiva e dos


direitos de personalidade;

37
Faremos constar este facto, sempre que se nos depararmos.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 24

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

b) Autonomia privada;
c) A igualdade dos homens perante a lei;
d) A paridade jurídica;
e) A responsabilidade civil;
f) A boa fé;
g) O abuso de direito;
h) O respeito pela propriedade;
i) A família como instituição fundamental;
j) O fenómeno sucessório.

3. O RECONHECIMENTO DA PESSOA HUMANA, DA


PERSONALIDADE COLECTIVA E DOS DIREITOS DE
PERSONALIDADE

A Constituição angolana, dispõe no seu artigo 1º que a República de Angola


tem com base, a dignidade da pessoa humana. Ora, é ainda flagrante,
constatarmos   uma   redundância   “necessária”,   em   torno   do   texto   constitucional,  
quando nos termos do   artigo   31.º   nº   2,   com   a   redacção   “O Estado respeita e
protege a pessoa e a dignidade humana”.   O   Direito   Civil,   reconhece   a  
personalidade humana, porque a pessoa é ou passa a ser o centro de toda as
implicações e incidências criadas pelo Direito, não podendo ser encarada como
uma coisa ou meio para atingir um fim, assim, o direito é concebido para ser
aplicado às pessoas, porém, desde que estas estejam em convivência 38 pois
dessa convivência, surgem inúmeras relações jurídicas entre as pessoas, que
atribuem, de um lado direitos e poderes e do outro, deveres e sujeições. Em
sentido jurídico, ser pessoa é rigorosamente ter aptidão para ser sujeito de
direitos e obrigações, mas este conceito não tem de ser necessariamente
sinónimo ao ser humano, ou seja, em sentido linguístico-técnico-jurídico, a
expressão pessoa, não tem estritamente ligação directa com o ser humano, pois
além das pessoas humanas (pessoas singulares), encontramos as fundações,
associações e sociedades (pessoas colectivas).

A partir do exposto, surgem as seguintes indagações, apontadas pelo


Professor Mota Pinto e que nós também trazemos para discussão:

38
Ubi homo ibisocietas, ubi societasibi jus, ergo ubi homo ibi jus.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 25

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

São pessoas para o Direito, todos os homens ou só alguns? E quais?

Segundo o Professor Cabral de Moncada, a expressão pessoa, radica do latim


“persona”  que  significa  a  máscara  que  os  actores  da  antiga  Roma  colocavam  no  
rosto, nas suas actuações teatrais. Eis a lógica do termo personagem, quando
nos   referimos   a   “pessoa”   interpretada   por   um   actor   de   teatro,   cinema   ou  
telenovela. Para o direito Romano, nem todos podiam ser pessoas, já que a
qualidade de pessoa, estava vedada aos escravos, que eram vistos como res.O
Código Civil Angolano, reconhece a personalidade jurídica, ao ser humano, a
partir do nascimento completo e com vida, nos termos do artigo 66.º nº1 do
Código Civil.

A narração do artigo 66.º nº 1, veio implicitamente abolir concomitantemente a


escravatura e a limitação da atribuição da personalidade jurídica em conformidade
com os tratados ratificados por Angola, nomeadamente a Declaração Universal
dos Direito Humanos e a Carta Africana dos Direitos dos Homens e dos Povos,
mas ainda assim, o artigo 66.º do Código Civil, apresenta uma abordagem
totalmente ultrapassada, relativamente ao facto de só serem pessoas para o
Direito, aqueles que tenham um nascimento completo e com vida pois, se o
Direito regula a vida do homem em sociedade, entendemos também que não
podemos nos esquecer que o nascimento é apenas uma das etapas da vida do
homem e que o espírito desta narração, remota à uma realidade em que a vida
intra-uterina ainda configurava um ministério, por que a ciência e a tecnologia não
estava tão avançada tal como nos dias de hoje.

3.1. OS DIREITO DE PERSONALIDADE

3.1.1. Noção

Já foi dito anteriormente que a base da República de Angola,é a dignidade da


pessoa humana, mas também surge a grande questão. O que é afinal a dignidade
humana? Perfilhamos o entendimento do Professor Carlos Burity, que entende
que a mesma implica que a cada homem seja sejam atribuídos direitos, ou seja,
podemos ir mais a fundo dizendo que a dignidade humana corresponde a
protecção da pessoa humana, acima de todas as espectativas. A maioria dos
Ordenamentos jurídicos, a dignidade humana, afigura-se transcendentalmente
macro-sacro-santo, face a qualquer norma, por esse turno, diríamos que o Direito
ao andar do tempo, foi adaptado com fito a protecção da dignidade da pessoa
humana.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 26

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

Já que não é possível adoptarmos um conceito acabado de direito de


personalidade, usaremos o conceito apresentado pelo Professor Carvalho
Fernandes como sendo os direitos que constituem atributo da própria pessoa,
tendo por objecto, bens da sua personalidade física e moral. No código civil
angolano, os direitos especiais de personalidade encontram enquadramento
jurídico, nos termos do artigo 70.º, sob epígrafe  “  Tutela  Geral  da  personalidade”.

3.1.2. Características

Ainda em torno dos direitos especiais de personalidade, podemos destacar os


seguintes aspectos que as caracterizam:

Os direitos especiais de personalidade são:

a) Absolutos;
b) Não patrimoniais;
c) Indisponíveise ilimitáveis;
d) Intransmissíveis;
e) Objecto de protecção penal;
f) Irrenunciáveis;
g) Inalienáveis;

Diz-se que eles são absolutos, porque eles integram o leque de direitos erga
omnes ou seja, o seu titularpode invoca-los contra todos ou pelo facto de serem
oponíveis contra todos.

Os direitos são não patrimoniais ou pessoais, se prescindirmos da linguagem


jurídica, por não serem avaliáveis em dinheiro, ou seja, os direitos de
personalidade, não têm preço. A inavaliação patrimonial dos direitos de
personalidade é litada, pois em caso de violação destes, é possível haver uma
compensação pecuniária ou patrimonial, por isso, devemos ter muito cuidado,
quanto a esta característica dos direitos de personalidade.

Constatamos ainda, que os direitos de personalidade, são indisponíveis e


ilimitados, por o seu titular não pode livremente dispor deles ou limitar o seu
exercício, em contraste com a lei ou com os bons costumes. Esta característica,
mereceu abrigo no artigo 81.º nº1 do Código Civil. A título exemplificativo, não
pode um indivíduo, doar o seu coração, preferindo a morte, para salvar um amigo
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 27

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

ou   familiar…   é   muito   frequente   vermos   situação   em   que   durante   um   serviço   de  


parto, a mão e a criança estejam a correr perigo de vida, obrigando os médicos e
familiares optarem por uma vida, preterindo outra. A pergunta que surge é a
seguinte: qual é a vida que terá maior peso, perante a outra?

Como consequência da sua inerência ao titular, os direitos de personalidade


não podem ser livremente transmitidos por serem intransmissíveis, quer em vida
titular, quer após a sua morte. Nesta perspectiva, estamos a falar dos direitos
pessoalíssimos.

A outra característica, cuja abordagem é imprescindível é o facto de os direitos


de personalidade serem objecto de protecção penal, como é sabido, o Direito
penal pune como crime, toda ofensa visível aos direitos de personalidade, como
podemos constatar os crimes de homicídio, ofensas corporais, calúnia,
difamação, violação, etc.

3.1.3. Causas de limitativas dos direitos de personalidade

Já foi anteriormente abordado, que os direitos de personalidade são


indisponíveis e ilimitados, quanto ao âmbito do seu exercício, mas, importa realçar
que não obstante a existência dessa característica, que por sinal representa a
regra, existem casos que,dadas as circunstâncias e natureza do direito em causa,
é admissível que o titula disponha ou que terceiros belisquem-no, mediante
consentimento dos titulares dos direitos de personalidade. Na esteira do Professor
Orlando de Carvalho, podemos elencar algumas causaslimitativas dos direitos de
personalidade:

a) A própria natureza do bem da personalidade;


b) As exigência da vida em comum;
c) A ponderação dos interesses em jogo;
d) O consentimento do ofendido.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 28

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

3.1.4. A natureza do bem da personalidade e a exigência da vida em


comum.39

Tal como Ulpianus já fez questão de referir, ubi homoibisocietas, ubi


societasibi jus, ergo, ubi homo ibi jus, pelo facto de o homem ser um ser social,
existem algumas especificidades inerentes a própria vida em sociedade, que
exigem o sacrifício de alguns bens e até direitos, objectos de resguardo por parte
do direito, porém sob pena de comprometer a convivência social. Mas, a lesão
desses direitos, com fundamento na natureza do bem da personalidade e a
exigência da vidaem comum, só poderá ser atendível para atingir a famosa
adequação social40.À título de exemplo, podemos elucidar algumas limitações do
exercício de direitos de personalidade: o corte das unhas; o corte do cabelo, e
outras situações.

3.1.5. A ponderação dos interesses em jogo.

Esta causa limitativa do exercício do direito de personalidade,é corolário de


uma das causas de exclusão da ilicitude, in casu, estado de necessidade, previsto
nos termos do artigo 335.º do Código Civil. Há necessidade de se ponderar o
exercício do direito, sempre que no mesmo instante, surja a necessidade de
exercício de dois ou mais direitos. A doutrina entende que se os direitos forem da
mesma natureza, devem os seus titulares cederem a medida do necessário, a fim
de os mesmos produzirem efeitos ponderadamente equivalentes, ora, se se tratar
de direitos de natureza diversa, deverá prevalecer o direito que na hierarquia dos
direitos, for considerado efectivamente superior em detrimento do outro. Para tal,
a determinação da ponderação dos interesses em jogo, deverão obedecer alguns
critérios, embora não taxativos, porém aproximados que se consubstanciarão na
urgência concreta que um direito tem sobre o outro, na circunstância ponderativa.
Podemos enunciar exemplos paradigmáticos como: 1 – A, passou a noite com
muita tosse e febre alta, decidiu então, dirigir-se à uma clínica para ser consultado
por um médico. Já que foi o primeiro a chegar à clínica, foi indicado a se dirigir ao
consultório do médico, no mesmo instante, entrava também B, gestante cuja
bolsa de água já tinha estoirado, precisando assim da intervenção do médico que
estava prestes a atender A. A pergunta que surge é: entre a vida de A e a do
39
Agrupamos as duas causas limitativas, por entendermos que ambas, confluem no que toca ao seu sentido
e alcance.
40
Nos dizeres do Professor Carlos Burity, in Teoria Geral do Direito Civil, pág. 102 – não são relevantes as
limitações dos direitos de personalidade que se mantenham no quadro da famosa adequação social. Quer
isso significar que a lesão só se torna relevante se exceder os limites da adequação social.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 29

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

nascituro de B, qual delas prevalecerá? 2 – A, esqueceu-se de retirar o seu filho


menos de 1 ano de idade, que estava a dormir dentro do Jaguar, cujos vidros e as
portas estavam trancados. Uma hora depois, a criança acordou e sufocada e no
limiar de uma asfixia, chorava desesperadamente ao ponto de despertar a
atenção de B, que passava próximo a carro. B, notou que as portas estavam
trancadas e o dono da viatura não estava por perto. A pergunta que surge é: é
preferível B, deixar a criança perecer no interior da viatura, salvaguardando a
integridade da viatura, ou danificar um dos vidros para salvar a criança?

3.1.6. Consentimento do lesado

Assim como diziam os latinos, volenti non fit injuria – não há violência, se o
lesado consentiu com a lesão – ou qui tacet consentire videtur – quem cala
consente – ou seja, sempre que o lesdo consente com a lesão, não haverá
ilicitude na violação do direito, mas esse consentimento não deverá ser contra lei,
os usos ou os bons costumes, aos arautos do nº 2 do artigo 340º do Código Civil.

O consentimento do lesado, incorporado por 3 (três) nunces:

a) Consentimento vinculante direito.


b) Consentimento autorizante;
c) Consentimento tolerante;

3.1.7. Tipologia dos direitos especiais de personalidade

Os direitos especiais de personalidade, distribuem-se em todo ordenamento


jurídico, tendo merecido resguardo à nível constitucional e eles são:

a) Direito à vida;
b) Direito à integridade física;
c) Direito à liberdade;
d) Direito à inviolabilidade pessoal;
e) Direito à identidade pessoal;
f) Direito à criação pessoal;
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 30

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

QUESTIONÁRIO

1. Numa abordagem sintética, conceptualize, sem descurar do


enquadramento doutrinário:

a) Dignidade humana.

b) Personalidade jurídica.

2. Quem são as pessoas, para o direito, n esteira do Professor Mota Pinto?

3. Identifique os eventuais equívocos da redacção do nº 1 do artigo 66.º do


actual Código Civil, para os desafios sócio-jurídicos atuais.

4. Elenque os aspectos caracterizadores dos direitos especiais de


personalidade, referindo-se exaustivamente do seu âmbito.

5. Quais as excepções que se aplica no âmbito dos direitos especiais de


personalidade.

6. Faça uma incursão exaustiva, dos Direitos especiais de personalidade


contemplados pela Ordem Jurídica angolana.

7. Esquematize a presente unidade.


LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 31

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

4. AUTONOMIA PRIVADA

4.1. NOÇÃO

Desde os primórdios do curso de Direito, aprendemos que o direito é


configurado pelo sistema de normas jurídicas, que regula as relações
intersubjectivas da vida social, subentendendo-se a ideia de que este, regula a
mais larga ordem de acontecimentos da vida do homem. Mas, não obstante a
incontornável veracidade desta perspectiva, o Direito fez questão de abrir uma
brecha para os particulares, permitindo que estes regulassem uma parte das suas
vidas, daí surge a autonomia privada ou autonomia da vontade que afigura um
dos princípios básicos e orientadores do Direito Civil, sendo uma das ferramentas
de que os particulares se servem para auto-regulamentação dos seus interesses
e anseios e concomitantemente, das relações jurídicas por si estabelecidas.
Diríamos que aqui, o direito preferiu não colocar a colher.

A expressão autonomia, provém do grego, autos (a sí próprio) – nomos


(norma, regra), sendo num entendimento literal, significará regular-se a si próprio
ou a si mesmo. Mas rigorosamente, conceitualiza-se a autonomia privada, como o
poder reconhecido aos particulares, de auto-regulamentarem ou livremente
governarem os seus interesses e a sua esfera jurídica41. Este, é um dos princípios
que sustenta o Direito Civil, na sua essência, por isso, ser necessário ser
abordado com maior clareza possível facilitando um entendimento
aproximadamente imediato. Em tese, a autonomia privada materializa-se por meio
da celebração de contratos e negócios jurídicos, pois são as partes negociais ou
contratuais, que prescrevem,a priori, de acordo com os seus anseios, os efeitos
dos mesmos, sem que haja a intervenção de uma vontade alienígena à das
partes envolvidas nos contrato.

4.2. Autonomia privada e a liberdade contratual

Tal como já foi dito supra, a autonomia privada encontra maior expressão, na
celebração dos contratos. Ora, a forma mais flagrante de ver materializar este

41
No entender o Professor Carlos Burity, a esfera jurídica será o conjunto de situações jurídicas (diríamos,
direitos e deveres) de que a pessoa seja titular.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 32

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princípio, é sem sombras de dúvidas, a partir da liberdade contratual, e por que


aliás, ambos os conceitos encontram uma cumplicidade interessante. Portanto, o
campo de actuação da autonomia privada é fixada através da liberdade
contratual, ao abrigo do artigo 405.º do Código Civil, constituindo, não só um dos
princípios nucleares do Direito Civil, como também o é, para os contratos.

Do nº 1 do artigo 405.º, cuja epígrafe é liberdade contratual “Dentro dos limites


da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos,
celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as
cláusulas que lhes aprouver.”   Podemos vislumbrar, inerentes aspectos como a
liberdade de modelação; liberdade de fixação ou de estipulação do conteúdo
contratual e o reconhecimento da liberdade de celebração ou conclusão dos
contratos.

4.3. Princípio da liberdade contratual

O princípio da liberdade contratual, comporta dois corolários:

a) A liberdade de celebração ou de conclusão dos contratos;


b) A liberdade de modelação do conteúdo contratual;

4.3.1. A liberdade de celebração ou conclusão dos contratos.

Consiste na liberdade que as pessoas têm de aceitar a celebração de um


contrato, ratifica-los e subscrevê-los ou recusar a sua celebração e os termos dos
mesmos. Ou seja, neste caso, as pessoas são livres de celebrar ou não um
contrato, não podendo ninguém ser obrigado contra a sua vontade, a celebrar
qualquer tipo de contrato. É claro que essa liberdade tem como limite, a lei, os
bons costumes e a ordem pública. Portanto, o cerne desse princípio é: a pessoa é
livre de contratar ou não, isto é, se quiser, contrata, se não quiser, não contrata.

Mas, a ordem jurídica estabelece algumas limitações, no âmbito da liberdade


de celebração, apresentando algumas imposições algumas categoria de pessoas,
em obrigatoriamente celebrarem ou não um contrato, ainda que contra a sua
vontade. A título de exemplo, temos 1 – O contrato de seguro
automóvelobrigatório de responsabilidade civil – neste contrato a favor de
terceiros, vimos que há obrigatoriedade imposta por lei, aos automobilistas em o
celebrar; 2 – Proibição de venda de pais aos filhos (vide artigo 877.º Código Civil).
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 33

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

4.4. Liberdade de modelação do conteúdo contratual

É a faculdade conferida às partes contratuais, de fixarem ou determinarem


livremente, as cláusulas do contrato, celebrarem os contratos tipificados no
Código Civil ou contratos com conteúdo diverso aos previstos na lei.

A liberdade de modelação, além dos limites da lei, encontra algumas


restrições, dignas de referências:

a) A determinação dos requisitos do objecto negocial, estabelecido no nº 1 do


artigo 280.º do Código Civil;
b) A proibição da celebração de negócios usurários, nos termos do artigo
282.º;
c) A necessidade da observância do princípio da boa fé, consagrado no artigo
227.º e 762.º nº2, ambos do Código Civil;

Imagem ilustrativa da liberdade contratual.

4.5. CONTRATOS DE ADESÃO

Os contratos de adesão, afiguram uma real restrição da liberdade de


modelação do conteúdo contratual, pois nesses tipos de contratos, só uma das
partes intervenientes no contrato, estabelece e fixa o conteúdo contratual,
devendo apenas a contraparte, aceitar e subscreve-los ou não. Nestes tipos de
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 34

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

contrato, há liberdade de celebração ou de conclusão, já que a conclusão ou


celebração do contrato, depende da aceitação ou não da outra parte. Mas,
mesmo assim, há restrição da liberdade de modelação. A título exemplificativo,
temos o contrato celebrado com a ENDE, com a EPAL, com a ENSA, ou os
contratos de compra e venda de electrodomésticos, etc. Os contratos de adesão,
são maioritariamente frequentes na zona de comércio, onde a entidade que vende
é até certo ponto detentora do monopólio, colocando um entrave na possibilidade
de a outra parte negociar as cláusulas ou as condições de negociação.

Podemos vislumbrar na figura supra, que uma das partes estabeleceu os


termos do contrato e a outra só deverá, ou assinar ou não, não havendo hipótese
de negociação das cláusulas.

QUESTIONÁRIO

1. Discorra-se da proveniência etimológica do termo autonomia privada sem


descorar do devido conceito.
2. A autonomia privada, encontra maior expressão nos contratos. Comente.
3. Sobre a liberdade contratual, diga:

a) Conceito.
b) Corolários.
c) Limitações.

4. Qual é a ratio que encerra o princípio do pacta sunt servanda?


5. Recorrendo ao seu dia a dia, apresente alguns exemplos paradigmáticos
que reportem aos contratos de adesão.

6. IGUALDADE DOS HOMENS PERANTE A LEI E PARIDADE JURÍDICA


OU EQUIDADE
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 35

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

Numa abordagem mais conclusiva, entende-se e alude-se que o princípio da


igualdade dos homens perante a lei, reconhece a dignidade da pessoa humana
como comum, igual e única para todos, ou seja, este princípio encerra a ratio de
que as pessoas são iguais, merecem o mesmo tratamento, as mesmas
oportunidades e a mesma perspectiva perante a lei, a sociedade e em qualquer
situação concreta, tal como nos narra o legislador constituinte nos termos do
artigo 23.º da C.R.A:

“1.  Todos são iguais perante a Constituição e a lei. 2. Ninguém pode ser
prejudicado, privilegiado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer
dever em razão da sua ascendência, sexo(género), raça, etnia, cor (tom de
pele), deficiência, língua, local de nascimento, religião, convicções políticas,
ideológicas ou filosóficas, grau de instrução, condição económica ou social
ou profissão.”

A igualdade tratada nestes moldes, consiste em tratar o que é desigual,


com desigualdade e o que é igual, com igualdade, id est, uma igualdade vertical,
mas não se excedendo ao ponto de ultrapassar aspectos e circunstâncias que se
tratadasde forma distinta, privilegiem ou prejudiquem uma pessoa,
nomeadamente, em função do local de nascimento, tom de pele. Ademais,
embora a própria C.R.A. tenha enfatizado, ipsisverbis que ninguém tenha que ser
prejudicado ou privilegiado em razão das suas convicções políticas, ideológicas,
grau de instrução e profissão, a pergunta que surge é a seguinte:

É possível não privilegiar ou prejudicar alguém em razão das suas


convicções ideológicas, sexo (género), grau de instrução e profissão?
Entendemos que nenhuma entidade empregadora contrataria um técnico médio
quando estivesse a precisar de um técnico superior licenciado em engenharia
informática ou gestão dos recursos humanos; qual indústria contrataria uma
mulher para trabalhar na área de carregamento e descarregamento de cargas?
Será que e salutar conviver ou estabelecer comunhão com quem tenha
tendências nazistas, racistas ou sexistas? Mais uma vez, reiteramos que a
igualdade dos homens perante a lei, é uma igualdade virtual e abstracta.

Um outro princípio que a par do supra abordado que tem merecido, a


montante, uma atenção especial, é o princípio da paridade jurídica. Antes de
entrarmos no âmago deste princípio, importa que recorramos à noção etimológica
do termo paridade, que provém do latim, parĭtas,   pari, que significa similitude,
semelhança ou equivalência entre duas ou mais coisas, fenómeno, situação.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 36

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

Logo, sempre que nos ocupamos em abordar sobre este princípio, depreendemos
a igualdade de facto, ou seja, no seu sentido literal mais rigoroso, implicando a
ideia de horizontalidade de tratamento.É da paridade jurídica que o legislador
serefere, quando se debruça sobre a igualdade entre o homem e a mulhernos
termos do artigo 3.º do Código da Família, co a seguinte redacção: 1. O homem e
a mulher são iguais no seio da família, gozando dos mesmos direitos e
cabendo-lhes os mesmos deveres. 2. O estado e a família asseguram a
igualdade e reciprocidade a que se refere o número anterior,
designadamente promovendo o direito à instrução e o direito ao trabalho,
repouso e seguros sociais. Encontramos ainda subjacente o princípio da
paridade jurídica, ao alvor na alínea b) nº 2, do artigo 19 º; 33.º; 43.º da Lei Geral
de Trabalho. Portanto, sempre que vislumbramos um tendente harmonização de
interesse e expectativas ao nível de uma determinada relação jurídica pré-
estabelecida, subjaz o princípio em abordagem.

Para o Ilustre professor Carlos Burityo princípio da paridade jurídica, sem


prejuízo da sua noção etimológica, nem sempre representa uma igualdade
absoluta, porque aliás, não é muito consensual apregoar o contrárioque se
denota, pois deste modo, estaríamos a ratificar a teoria da posição dos sujeitos na
relação jurídica42.

Na imagem infra,podemos claramente distinguir a igualdade jurídica da


paridade jurídica ou equidade.

42
Vide pág. 5
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 37

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7. RESPONSABILIDADE CIVIL

a. Noção

A vida em sociedade é comportada por conflitos de interesse


intersubjectivos, que resultam violação de direitos causando danos a bens de
outrem. Sempre que se nos deparamos com danos ou violação de direitos
alheios surge a Responsabilidade Civil.

Nos dizeres do Ilustre Professor DE FIGUEIREDO DIAS, O conceito de


responsabilidade significa uma obrigação de responder pelas acções
próprias43. Já o Professor Carlos Burity44perfilhando o pensamento do
Catedrático Mota Pinto45, definindo a responsabilidade civil, comonecessidade
imposta por lei a quem causa prejuízos a outrem de colocar o ofendido na
situação em que estaria sem a lesão. Ora, nós não discordamos com este
postulado, mas entendemos que não afigura-se relativamente obsoleto,
quanto a adopção de alguns termos como, a necessidade imposta por lei (…)
e conjugar o verbo causar no presente do indicativo (…)  a  quem  causa  (…).

Entendemos que a responsabilidade civil, é a obrigação46 imposta por lei, a


quem tenha causado47 danos ao direito ou bem de outrem, de o colocar na
situação em que estaria, sem a lesão. Esta ferramenta do Direito, visa reparar
os danos, por meio de quem os tenha causado.

b. Cálculo da Indemnização

Nos dizeres do Ilustre Professor Pereira Coelho, a existência de um


prejuízo, constitui a revelação mais clara da função em princípio tão

43
Direito Penal. Parte Geral, cit., pág. 560 e ss. e pág. 594 e ss.
44
In Teoria Geral do Direito Civil, pág 147.
45
In Teoria Geral do Direito Civil
46
Adoptamos o termo obrigação, propositadamente, pelo facto de a responsabilidade civil vincular o
lesante perante o lesado, a reparação dos respectivos danos.
47
Usamos a redacção, tenha causado, porque a lesão é sempre anterior a obrigação de indemnizar, por
isso prescindimos da redacção usada pelo Professor Carlos Burity e Mota Pinto.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 38

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reparadora que o direito assinala à responsabilidade civil48, logo, para a


reparação efectiva, importa que se escalpelize os diferentes tipos de danos:

 Dano emergente – compreende os danos ou lesões atuais e concretas


causadas pela acção do agente lesante, ou seja, o efeito que emerge
da actuação de quem tenha causado danos À outrem. Ex: A, embate
contra a viatura de B. Os danos resultantes desse embate, configurará
o dano emergente – partir o pára-brisas, amolgar a chaparia, etc.

 Lucro cessante – corresponderá à todos os benefícios de ordem


patrimonial, que o lesado deixou de auferir, por causa da lesão ou do
dano causado pelo agente, ou seja, refere-se as perdas e prejuízos
emergente, por causa do dano sofrido. Ex: Por um acidente de viação
causado por A, B não conseguiu celebrar um contrato de prestação de
serviço que o renderia 500.000 kz. Assim, é legítimo que B exija que A,
não só responda pelos danos causados, mas também pelos 500.000
kz, perdidos, ou seja, o lucro que cessou em virtude do dano.

A respeito do cálculo imputado, para aferir os danos causas, o artigo 564.º


do Código Civil, apresenta-nos uma clara elucidação.

Artigo 564º

(Cálculo da Indemnização)

1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os


benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde


que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização
correspondente será remetida para decisão ulterior.

48
Vide PEREIRA COELHO, Francisco in O nexo de causalidade na responsabilidade civil, pag. 43.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 39

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Assim, para a imputação da Responsabilidade Civil, é importante que se


determine as modalidades a adoptar, para a reparação do dano. Assim,
descrevemos duas modalidades, nomeadamente:

 REPARAÇÃO IN NATURA (REPARAÇÃO NATURAL) / RESTITUTIO IN


INTEGRUM49 (RESTITUIÇÃO INTEGRAL) - é a reparação natural ou
específica do bem lesado ou danificado ou a sua restituição. Ex: se A
danificou o Iphone 5S de B, terá a obrigação de restituir um bem da mesma
espécie, um outro Iphone 5S, portanto. Aconselha-se que este tipo de
reparação de dano, seja a priorizada, sempre que possível, é claro.

 REPARAÇÃO POR MERO EQUIVALENTE – reintegração por


equivalência, caracterizada na maioria das vezes por indemnização por
dinheiro, sempre que não seja possível recorrer a reintegração natural. Ex:
A, danifica uma peça rara pertencente a B. Não seja possível devolver uma
outra idêntica ou da mesma espécie, pode A, indemnizá-lo em dinheiro.

c. Tipos de Responsabilidade Civil

Importa realçar que no panorama da responsabilidade propriamente dita,


podemos vislumbrar diversos tipos e subtipos de responsabilidade, podendo,
interallia, decompor-se em: responsabilidade moral, responsabilidade política e
responsabilidade jurídica. E a responsabilidade jurídica por sua vez, está
divididaem: responsabilidade civil, responsabilidade penal ou criminal e
responsabilidade disciplinar50. Por agora, interessa-nos apenas abordar os
subtipos da responsabilidade civil que passamos a citar:

a) Responsabilidade Civil Contratual;


b) Responsabilidade Civil Extra contratual;

i. Responsabilidade Civil Contratual

Esta modalidade de responsabilidade, surge pelo incumprimento de


obrigações contratuais, ou seja, pela não observância das cláusulas
contratuais pré-estabelecidas e assumidas.

49
GOMES DA SILVA, Manuel in O dever de prestar e o dever de indemnizar; Pág. 154 a 155
50
DANIEL DIAS, Nélia in A Responsabilidade Civil Subjectiva, pag. 21.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 40

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Tal como já o afirmamos e reiteramos, a responsabilidade civil, consiste na


obrigação legal de repor os danos causados àoutrem, na sequência da
violação de um direito. A Expressão Responsabilidade Contratual, encerra
uma ratio, ao nosso entender, simplista e limitada, pois das obrigações em
geral, também emergem factos geradores de efeitos jurídicos – lesão de um
direito – não se consubstanciando num negócio jurídico bilateral – contrato –
logo, perfilhamos a doutrina que entende que a terminologia mais justa a
adoptar, seja responsabilidade obrigacional ou ao bom rigor, responsabilidade
negocial51.

ii. Responsabilidade Extra Contratual ou por factos lícitos

Esta modalidade de responsabilidade, surge pela violação de uma regra geral


relativa a conduta52 e pela infracção de deveres gerais ou vínculos jurídicos
impostos a todas as pessoas individualmente consideradas e que se manifestam
em direitos absolutos, ou seja, a conduta que ainda que lícitas, possa ocasionar
lesões a outrem. A presente modalidade de responsabilidade, por radicar na culpa
do agente, entenda-se como sendo a responsabilidade civil propriamente dita, o
que certo sector da doutrina, denomina como responsabilidade aquiliana ou
delitual.

iii. Responsabilidade Pré-Contratual

Esta modalidade de responsabilidade civil, tem como fundamento, a culpa in


contrahendo, ou seja, sempre que os danos causados, emerjam da culpa na
formação de um contrato inválido. Na responsabilidade pré-contratual, subjaz a
imposição do cumprimento da boa, no âmbito da formação de um contrato,
portanto, sempre que o agente lesante, inobserve os ditames da boa fé, na
formação do contrato, recai sobre ele, a responsabilidade pré-contratual, tendo
em atenção o que nos descreve o artigo 227.º do Código Civil. Ex: A, sabendo
que a sua viatura, está com erros e danos graves no motor, vende-o à B,
alegando que esta está em bom estado de conservação não tendo nenhum dano.
Ora, depois de celebrado o contrato, e B ter comprado a viatura, este constata
que   a   viatura   comporta   graves   danos   no   motor…   podemos   vislumbrar   na  

51
DANIEL DIAS, Nélia. Op. Cit. Pag. 30
52
VAZ SERRA, Adriano
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 41

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actuação de A, uma atitude passível de se lhe imputar, uma responsabilidade civil


pré-contratual.

d. PRINCÍPIO GERAL EM MATÉRIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL

i. Responsabilidade Civil Objectiva ou Responsabilidade


pelo Risco

É imputada ao agente, independentemente da culpa. Desta modalidade de


responsabilidade,   surge   a   velha   máxima   latina   “cuius comoda, eius incomoda”  
vimos esta matéria regulada a partir do artigo 499º C.C.

Até determinado momento da história a responsabilidade civil subjectiva foi


suficiente para a resolução do litígio. Contudo, com o passar do tempo, tanto a
doutrina quanto a jurisprudência entendeu que este modelo de responsabilidade,
fundada na culpa concreta o lesante, não era suficiente para solucionar todos os
casos existentes,dada evolução da sociedade industrial e o consequente aumento
dos riscos de acidentes de trabalho, em alusão as palavras do Ilustre Professor
Rui   Stoco   “a necessidade de maior protecção a vitima fez nascer a culpa
presumida, de sorte a inverter o ónus da prova e solucionar a grande dificuldade
daquele que sofreu um dano demonstrar a culpa do responsável pela acção ou
omissão. O próximo passo foi desconsiderar a culpa como elemento
indispensável, nos casos expressos em lei, surgindo a responsabilidade objectiva,
quando então não se indaga se o ato é culpável.”

Nesse contexto surge a responsabilidade civil objectiva, prescinde da culpa. A


teoria do risco é o fundamente dessa espécie de responsabilidade, sendo
resumida pelo Exímio Professor brasileiroSergioCavalieri nas seguintes palavras:
“Todo   prejuízo   deve   ser   atribuído   ao   seu   autor   e   reparado   por   quem   o   causou  
independente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação
de nexo de causalidade, dispensável qualquer  juízo  de  valor  sobre  a  culpa”.

Imputa-se a responsabilidade Objectiva ao proprietário do táxi, que der causa


a um eventual dano, em homenagem ao princípio cuius comoda eis incomoda
(quem aproveita os benefícios, deve arcar com os prejuízos), ou seja, se
diariamente  o  “patrão”  recebe  os  proventos  da  actividade  de  táxi,  haverá  um  outro  
dia que o motorista trará despesas.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 42

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ii. Responsabilidade Civil Subjectiva

Esta nuance de responsabilidade civil, é fundada na culpa do agente. Mas,


para que se verifique a responsabilidade subjectiva, é importante que se verifique
cumulativamente alguns elementos tais como:

a) Facto Jurídico Voluntário ou Involuntário

O elemento básico da responsabilidade do agente – um facto dominável ou


controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana –
pois só quanto a factos dessa índole têm cabimento a ideia de ilicitude, o requisito
da culpa e a obrigação de reparar o dano nos termos em que a lei a impõe. Este
facto consiste, em regra, num acto, numa acção, ou seja, num facto positivo, que
importa a violação de um dever geral de abstenção, do dever de não ingerência
na esfera de acção do titular do direito absoluto. Mas pode traduzir-se também
num facto negativo, numa abstenção ou numa omissão (vide artigo 486.º Código
Civil). Quando se alude a facto voluntário do agente, não se pretende restringir os
factos humanos relevantes em matéria de responsabilidade dos actos queridos,
ou seja, àqueles casos em que o agente tenha prefigurado mentalmente os
efeitos do acto e tenha agido em vista deles.
O que está geralmente em causa, no domínio da responsabilidade civil, são
puras acções de facto, praticadas sem nenhum intuito declarativo.

b) Ilicitude

O nosso Código Civil procurou fixar em termos mais precisos o conceito de


ilicitude, descrevendo duas variantes, através das quais se pode relevar o
carácter anti-jurídico ou ilícito e passaremos decompô-lo:

a) Violação de um direito de outrem (art. 483º CC): os direitos subjectivos


aqui abrangidos, são, principalmente, os direitos absolutos,
nomeadamente os direitos sobre as coisas ou direitos reais, os direitos de
personalidade, os direitos familiares e a propriedade intelectual.
b) Violação da lei que protege interesses alheios: trata-se da infracção das
leis que, embora protejam um direito subjectivo a essa tutela; e de leis
que, tendo também ou até principalmente em vista a protecção dos
interesses colectivos, não deixam de atender aos interesses particulares
subjacentes.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 43

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

Além disso, a previsão da lei abrange ainda a violação das normas que visam
prevenir, não a produção do dano em concreto, mas o simples perigo de dano em
abstracto.

Para que o lesado tenha direito à indemnização, três requisitos se mostram


indispensáveis:

a) Que a lesão dos interesses do particular corresponda a violação de uma


norma legal;

b) Que a tutela dos interesses dos particulares figure, de facto, entre os fins
da norma violada;

c) Que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei


visa tutelar.

Um assalto, afigura um acto reprovável pela ordem jurídica, logo, constitui uma
Ilicitude.

c) Culpa

Para que o facto ilícito gere responsabilidade, é necessário que o autor tenha
agido com culpa. Não basta reconhecer que o agente procedeu objectivamente
mal. É preciso, nos termos do artigo 483º CC, que a violação ilícita atenha sido
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 44

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praticada com dolo ou mera culpa. Agir com culpa, significa actuar em termos de
conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do
lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias
concretas da situação, se concluir que ele podia e devia agir de outro modo.

A culpa em sentido amplo abrange duas modalidades:

1. Culpa em stritosensu – também designada por mera culpa ou negligência que


consiste na omissão da diligência exigível do agente.

a) Culpa consciente – quando o agente representou a possibilidade da


consequência ilícita danosa e só actuou porque se convenceu de infundada e
excessivamente que conseguiria evitar a produção dessa consequência.

b) Culpa inconsciente –o agente não previu o resultado, não pensou nisso e ele
ocorreu.

A mera culpa (consciente ou inconsciente) exprime, uma ligação da pessoa com o


facto menos incisiva do que o dolo, mas ainda assim reprovável ou censurável. O
grau de reprovação ou de censura será tanto maior quanto mais ampla for a
possibilidade de a pessoa ter agido de outro modo, e mais forte ou intenso o
dever de o ter feito.

2. Dolo – Há casos em que as pessoas não têm os requisitos para actuar


culposamente. Para que uma pessoa seja susceptível do juízo de culpabilidade, é
preciso que ela seja imputável; para lhe serem imputados actos é preciso que ela
seja susceptível de imputação, que seja imputável ou tenha imputabilidade.O dolo
aparece como modalidade mais grave da culpa, aquela em que a conduta do
agente, pela mais estreita identificação estabelecida entre a vontade deste e o
facto, se torna mais fortemente censurável. As modalidades de dolo são:

 Dolo directo, quando o agente actuou para obter a consequência ilícita


danosa e a obteve; o agente actuou intencionalmente para o resultado
ilícito;

 Dolo necessário, quando o agente não tinha como objectivo do seu


comportamento o resultado ilícito, mas sabia que o seu comportamento ia
ter como resultado necessário, inevitável, o ilícito;
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 45

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 Dolo eventual, quando o agente prefigura a consequência ilícita e danosa


como uma consequência possível do seu comportamento e não faz nada
para a evitar.
Além do nexo, entre facto ilícito e a vontade do lesante, nexo que constitui o
elemento volitivo ou emocional do dolo, este compreende ainda um outro
elemento, de natureza intelectual. Para que haja dolo essencial o conhecimento
das circunstâncias de facto que integram a violação do direito ou da norma
tuteladora de interesses alheios e a consciência da ilicitude do facto.

d) Dano

Para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja dano, que o
facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém.
O dano é, o prejuízo que um sujeito jurídico sofre ou na sua pessoa, ou nos seus
bens, ou na sua pessoa e nos seus bens.
Classificação de danos:

 Danos pessoais:aqueles que se repercutem nos direitos da pessoa;

 Danos materiais:aqueles que incidem sobre as coisas;

 Danos patrimoniais:são aqueles, materiais ou pessoais, que


consubstanciam a lesão de interesses avaliáveis em dinheiro, dentro
destes à que distinguir:

a) Danos emergentes:é a diminuição verificada no património de alguém em


consequência de um acto ilícito e culposo de outrem, ou de um acto na
ilícito e culposo mas constitutivo de responsabilidade civil para outrem;
b) Lucro cessante:quando em consequência do acto gerador de
responsabilidade civil, deixa de auferir qualquer coisa que normalmente
teria obtido se não fosse o acto que constitui o agente em
responsabilidade.
c) Danos patrimoniais (ou morais):são os danos que se traduzem na lesão
de direitos ou interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária. O princípio
da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais é limitado à
responsabilidade civil extra-contratual. E não deve ser ampliado à
responsabilidade contratual, por não haver analogia entre os dois tipos de
situações.

d) Dano real:é o prejuízo efectivamente verificado; é o dano avaliado em si


mesmo;
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 46

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e) Dano de cálculo:é a transposição pecuniária deste dano, é a avaliação


deste dano em dinheiro.

e) Nexo de causalidade entre o facto e dano

Para que o dano seja indemnizável é forçoso que ele seja consequência do
facto, ilícito e culposo no domínio da responsabilidade subjectiva extra-
obrigacional, facto não culposo no domínio da responsabilidade objectiva, onde o
facto gerador do dano pode mesmo ser um facto lícito. Em qualquer caso, e
portanto em qualquer das modalidades da responsabilidade civil, tem sempre que
haver uma ligação causal entre o facto e o dano para que o actor do facto seja
obrigado a indemnizar o prejuízo causado.

ARTIGO 483º

(Princípio geral)

1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de


outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica
obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos


casos especificados na lei.

Responsabilidade civil Responsabilidade civil


objectiva subjectiva

Tem de haver um Facto que


seja ilícito, culposo, danoso,
Não exige a culpa por parte
porém que haja nexo de causa
do lesante, mas mesmo
e efeito/nexo causal/nexo de
assim. Basta, haver ligação
causalidade entre o facto e o
entre o facto ou a pessoa
dano.
causadora do dano e
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 47

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QUESTIONÁRIO

1. Faça uma análise comparativa do conceito de Responsabilidade Civil,


recorrendo à diferentes autores.
2. Faça um quadro comparativo entre a responsabilidade civil objectiva e
responsabilidade civil subjectiva.
3. Fale sobre o cálculo da indemnização.
4. Distinga e contra distinga o âmbito da compensação e da indemnização.
5. Relativamente aos modos de reparação, qual deles merece prioridade?
porquê?
6. Quais os corolários da responsabilidade civil objetiva?
7. Quais as corolários da responsabilidade civil subjectiva
8. Distinga o dolo da culpa.
9. É possível falarmos em nexo de causalidade, na responsabilidade civil
objectiva? Justifique a sua afirmação.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 48

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8. A BOA FÉ

a. Noção

Este princípio encerra um conteúdo valorativo relativamente à conduta que


devem as partes contratuais adoptar, aquando da constituição da relação
negocial. Portanto, a boa fé trouxe ao Direito, alguns valores éticos e morais. Este
é um dos princípios do Direito Civil que mereceu maior enquadramento na lei civil,
estando espalhado em 70 artigos do Código Civil.

A boa fé é entendida em dois distintos sentidos, que passaremos a


aborda-los seguidamente.

b. Boa fé subjectiva

Refere-se ao estado de consciência do indivíduo que consistirá na


ignorância de estar a lesar direito de outrem. No entanto, esta perspectiva de boa
fé, reporta-se ao estado de espírito do agente, caracterizado pelo
desconhecimento de alguns actos e factos, ou praticando alguns, supondo ser ou
estar conforme a lei, porém estando desconforme.Ex: A, compra um automóvel
roubado, porém desconhecendo que seja. B , vende a C um aparelho doméstico
com erros de fabrico, desconhecendo tal facto…
Quanto ao enquadramento legal desta vertente da boa fé, temos ilustrado
em muitos artigos da lei civil tais interallia, temos os artigos: 119º nº3; 1.648º nº1;
612º nº2 todos do Código Civil.

c. Boa fé objectiva

Corresponde ao critério normativo de valoração de condutas, ou seja, é a


nuance da boa fé, que exige que as parte tenham em conta alguns valores ético-
jurídicos como a honestidade, lealdade, a fidelidade a fim de evitar que se lese
legítimas espectativas da outra parte. É nalgumas vezes entendida como a boa fé
normativa, já que descreve e padroniza os actos, comportamentos e ou
procedimentos que pressuponham a boa fé. Ex: A, pretende vender um
automóvel à B. Se porventura esse bem tiver algum dano, mas A assumir que
está em boas condições no momento da negociação, este viola o princípio da boa
fé,  pois  está  sendo  desonesto  com  B…  O  comerciante  Z,  mesmo  sabendo  que  as  
latas de leite que vende estão expiradas, porém, adultera o rótulo com o objectivo
de continuar com o negócio.
Este sentido de boa fé encontra-se legislado e integrado nos artigos: 3º nº 1;
227º nº 1; 239º; 272º; 334º; 437º nº 1; 762º nº 2 todos do Código Civi.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 49

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QUESTIONÁRIO

1. Faça uma incursão histórica, sobre o surgimento do princípio da boa fé.


2. A boa fé trouxe ao Direito, alguns valores éticos e morais. Comente essa
afirmação.
3. Distinga a boa fé objectiva da boa fé subjectiva.
4. A boa fé subjectiva é determinável? Porquê?
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 50

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9. ABUSO DE DIREITO

a. Noção

Consiste no exercício excessivo/abusivo de um direito subjectivo, exvi


artigo 334º C.C. Ex: arts. 269º e 1482º C.C. Diz-se excesso no exercício do
direito subjectivo, sempre que este exercício ultrapasse os limites impostos pela
boa   fé   “objectiva”   os   bons   costumes   ou   o   fim   social   e   económico   do   direito
exercido.

Prima facie, esta figura jurídica surgiu no século XX, na França, para se referir às
em que alguém tenha sido condenado por anomalias, no exercício do direito
subjectivo de era titular.

Sempre qua haja o exercício excessivo de um direito subjectivo, vislumbra-se abuso


do direito.

b. Efeitos do abuso de direito.

O abuso do direito, pode implicar:

a) Obrigação de indemnizar;
b) Nulidade dos actos reflectidos pelo exercício do direito;
c) Legitimidade de oposição e outros.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 51

AUTORIA: MsC. EDMUNDO MIGUEL

TRABALHO PRÁTICO EM GRUPO

REÚNA UM GRUPO DE ATÉ 10 INTEGRANTES E ELABOREM UM


TRABALHO SOBRE O ABUSO DO DIREITO E AS SUAS IMPLICAÇÕES NA
REALIDADE PRÁTICO-SÓCIO-JURÍDICA.
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10. O RESPEITO PELA PROPRIEDADE

a. Noção do direito de propriedade

A priori, importa realçar que o nosso Código Civil não nos apresenta uma
noção concreta de direito de propriedade, limitando-se apenas, nos termos do
artigo   1305º,   enunciar   os   poderes   inerentes   ao   exercício   do   mesmo   direito   :   “   o
proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e
disposição das   coisas   que   lhe   pertencem…”.   Porém, na visão de Menezes
Cordeiro, podemos conceptualizar o direito de propriedade em dois sentidos:
a) Sentido amplo – o conjunto de direitos patrimoniais privados.
b) Sentido restrito – permissão normativa plena e exclusiva , de
aproveitamento de uma coisa corpórea.

b. Características do direito de propriedade

a) Indeterminação dos poderes do titular (uso, fruição e disposição):


neste sentido, entende-se que o tituar do direito de propriedade, tem o
poder e a prerrogativa de praticar todos os actos que incidam sobre o bem,
salvo se haver limitação legal. Ora, diríamos que o proprietário, diferente
do usufrutuário ou outro titular de um titular de um outro direito real
limitado, tem todos poderes incidentes ao objecto do direito de
propriedade, nomeadamente o iusutendi, iusfruendi e iusabutendi53.
Exemplo: O titular Direito de propriedade, pode vender, ceder, doar, e ou
dispor do seu bem, sempre que pretender;

b) Elasticidade: esta característica do direito de propriedade, permita que


sobre o mesmo bem, recaiam mais de um direito direito real e sendo
extinto um direito real que limite a propriedade da coisa, é reconstituída a
plenitude   da   propriedade   sobre   ela.   Ex:   O   Senhorio   “perde”   a   posse, a
partir do momento que arrenda o imóvel, porém, findo o contrato ora
celebrado e estabelecido, a mesma reentra na sua esfera.

c) Natureza perpétua: o direito de propriedade não extingue pelo não uso, ou


seja, não usar a propriedade é uma forma de a usar.

d) Ius in re: o direito de propriedade é um direito real por excelência que


diferentemente dos, o seu exercícioindepende da cooperação de outrem.

c. Modos de aquisição

53
Vide Mota Pinto in Teoria Geral do Direito Civil, Pág. 153.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 53

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O direito de propriedade pode ser adquirido, pelas seguintes formas:

a) Contrato (artigo 405.º ss C.C);


b) Ocupação (artigo 1318.ºss C.C);
c) Sucessão – mortis causas (artigo 2024.º C.C);
d) Usucapião (artigo 1287.ºss C.C);
e) Acessão (artigo 1325.º ss C.C).

A Propriedade, da a importância que tem, ocupa um lugar destacado. Ora, os


demais direitos reais de gozo, são geralmente considerados como sendo direitos
reais menores e há autores, como o Professor Castro Mendes que ousam em
chamar o usufruto, o direito de superfície e a servidão, como sendo propriedades
menores54.

d. Objecto do direito de propriedade

Embora haja muitas controvérsias quanto ao objecto específico, sobre o


qual, o Direito de Propriedade incide, o Código Civil de 1966, é conclusivo ao
apregoar que, só as coisas corpóreas podem ser objecto do direito de
Propriedade.
Além do objecto, identificamos as modalidades do Direito de Propriedade
que se decompõem em propriedade singular – quando é titular, uma pessoa – e
propriedade colectiva - quando há titularidade de mais de uma pessoa

e. Os Direitos Reais Limitados

Estes, estão desprovidos dos poderes que contém o direito de propriedade,


por isso a denominação de Direitos reais limitados:

a) Direitos reais de gozo: conferem poderes de utilização parcial ou total de


um bem ou dos frutos que este produza. Ex: Usufruto (art. 1439º C.C); Uso
e Habitação (art. 1484º C.C); Direito de superfície (art. 1524º C.C);
Servidões Prediais (art. 1543º C.C);

b) Direitos reais de garantia: conferem o poder de, pelo valor de um bem ou


pelo seu rendimento, um credor obter a preferência perante os demais
credores, ao pagamento da dívida. Ex: Hipoteca (art. 686º C.C); Penhor (
art. 666º C.C); Privilégios Creditórios (art. 733º C.C); Consignação de
rendimentos (art. 656º C.C);

54
CASTRO MENDES, João, Op. Cit. Pág. 40
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 54

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c) Direitos reais de aquisição: conferem ao indivíduo, a possibilidade de


adquirir ou se apropriar de um bem. Ex: os direitos reais de preferência
representam claramente, direitos reais de aquisição.

ARTIGO 1305º

Conteúdo do direito de propriedade

O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e


disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com
observância das restrições por ela impostas.

Algumas restrições legais à propriedade: (art. 334° CC)

SUBTÍTULO IV

DO EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS

CAPÍTULO I

Disposições gerais

ARTIGO 334º

(Abuso do direito)
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 55

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É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda


manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim
social ou económico desse direito.

QUESTIONÁRIO

1. Qual é o conceito de propriedade, dada pelo Professor Menezes Cordeiro.


Qual é a crítica que endereçarias ao mesmo?
2. É legítimo que o Código Civil não defina a propriedade, pois não é a
missão do legislador, apresentar definições mas sim, apanágio da doutrina.
Concorda com a presente afirmação? Porquê?
3. Artigo 1302.º C.C. - Só as coisas corpóreas podem ser objecto do direito de
Propriedade (…). Para a realidade actual, qual é a sua posição face a esta
redacção? Porquê?
4. Elabore um quadro distinguindo o direito de propriedade, com os demais
direitos reais limitados
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 56

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11. A FAMÍLIA COMO INSTITUIÇÃO FUNDAMENTAL

a. RAZÃO DE SER

A família em sentido jurídico é integrada pelas pessoas que se encontram


ligadas pelo casamento, pelo parentesco, pela afinidade e pela adopção. A este
âmbito jurídico corresponde um idêntico âmbito social. Embora as relações
jurídicas familiares tenham um âmbito mais restrito do que as relações familiares,
que se podem estender a primos afastados e a outros parentes. Queremos deixar
desde já claro que a família não é em si uma pessoa jurídica, colectiva, portadora
de interesses diferentes da comunidadedos seus membros. A família é uma
comunidade particularmente propícia à realização pessoal das pessoas, mas não
uma identidade diferente destas e muito menos superior ou soberana. A família
enquanto comunidade visa o bem de todos e cada um dos indivíduos que a
integram. Se bem que a atribuição de personalidade jurídica à família seja
defendida por alguns autores, admitir que a comunidade familiar é uma entidade
distinta dos membros que a compõem, sobrepondo-se a eles, que é sujeito de
direitos, seria negar a sua existência. Mas não se pense que o interesse da
comunidade familiar levará a que sejam sacrificados os interesses de um ou mais
dos seus membros. Não há sacrifício quando a pessoa perspectiva-se no grupo e
quando se atende aos interesses de cada um e de todos. Se a família servisse os
interesses individuais de cada um dos seus membros, então a atribuição de
personalidade jurídica seria uma pura ficção para mascarar uma realidade não-
familiar. O individualismo é, pois, incompatível com a noção de comunidade
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 57

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familiar, e nem pelo artefacto da personalidade jurídica da família se estabeleceria


uma família.

b. A família como entidade social

O ser humano, sendo ser em si mas também com os outros e para os outros
é ser familiar. A família não é uma criação da sociedade e muito menos do direito,
mas é ela que segrega, no seu campo específico, um certo tipo de sociedade e
um certo tipo de direito. É a família que humaniza o ser humano, que permite a
sua sobrevivência, fazendo a ponte para o ser com os outros atravésda
demonstração do Amor. O modo de ser específico da família, a sua génese e a
sua justificação, estão na capacidade de amor de todos os seus membros, amor
que determina uma comunidade de vida. Comunidade bem mais estreita do que a
mera comunidade social, também assente em grande parte no Amor mas com
este menos presente e muitas vezes menos visível. A vida em conjunto é
reconhecida como boa, amada e sobre este amor forma-se uma comunidade de
vida. Em que as pessoas são vistas muito para além da sua utilidade, dos
serviços que podem prestar aos outros, como valores em si mesmos. Para além
do Direito, sempre necessário, a família assenta na primazia do amor e da
solidariedade como seu fruto, da misericórdia como a sua última consequência,
como fundamento da experiência conjugal e familiar. A família, como grupo global
de indivíduos, comunidade ética substancial, é contemporânea da norma jurídica,
segregando estas através do amor e solidariedade que constituem a sua razão de
ser. O Amor na família é um constante estar presente, ver, dar-se. Cada um,
sendo completamente ele, vê em cada um dos outros o que precisa para ser
completamente humano. Tenta ser um com os outros de tal modo os outros se
tornam elementos constitutivos do seu ser sem deixarem de ser outros. No início
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 58

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do ser da família está a relação. A relação interpessoal exprime mais


completamente na família a estrutura originária do ser. Em que o ser só se realiza
no acolhimento do outro. É por isso que na família é particularmente fácil, mas
necessário, conjugar todos os verbos em nós. Sendo estranho à família oeu e
incompleto o eu-tu. Isto é uma realidade superior à realidade das funções da
família. As funções da família derivam do amor solidariedade entre os seus
membros. E são animadas por este amor e solidariedade que não permitem que
as funções da família possam ser substituídas por outras, dado que em qualidade
são, ou são vocacionadas para ser, superiores às funções sociais que nada mais
serão um seu complemento, se necessário. Passemos à maneira como esta
comunidade segrega um Direito que a reconhece e apoia.

A disciplina legislativa da instituição familiar impõe-se pelas seguintes


razões:

1. Necessidade de uma formulação certa, precisa e completa do regime jurídico


da instituição familiar;
2. Vinculação superior do sentimento dos deveres e direitos dos membros da
família, através da consagração legislativa da instituição familiar.

Possibilidade para o Estado proceder a uma modificação da disciplina da família,


para um sentido diverso daquele vivido espontaneamente na realidade social.

c. Princípio constitucional de Direito da Família - (artigo 35° CRA)

1. Direito à celebração de casamento (art. 35° nº 1 CRA);


2. Direito a constituir família (art. 35º nº 2 CRA);
3. Admissibilidade da dissolução do casamento ou da união de facto (art. 35°
nº4 CRA)
4. Igualdade dos cônjuges (art. 35 n°3 CRA)
5. Não descriminação entre filhos (art. 35° nº5 CRA)
6. Atribuição aos pais do poder-dever de educação dos filhos (art.35 n°6 CRA)
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 59

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d. Direito Da Família Angolano

O Código de família angolano, aprovado pela lei nº 1/88, de 20 de


Fevereiro entrou em vigor em 1998. Foi a primeira e continua a ser até agora a
única grande codificação de todo um ramo de direito empreendida em Angola
após a independência. Todos os livros do Código Civil português de 1966 foram
recebidos e persistem ainda hoje em vigor no ordenamento jurídico angolano, a
excepção do livro IV, precisamente que foi substituído pelo novo código da
família.

Não está ainda suficientemente estudado o impacto do código na sua


aplicação concreta à sociedade angolana, nestes seus cerca de 16 anos de
existência.

Por esta razão ainda será pertinente estudarmos as matérias consideradas


no Código Civil do Livro IV sobre este princípio. Pese embora tal livro já tenha
sido apartado do Código Civil.

DIREITO DA FAMÍLIA

TÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

ARTIGO 1576º

(Fontes das relações jurídicas familiares)

São fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a


afinidade e a adopção.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 60

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e. Noção

Conjunto das pessoas unidas por vínculos emergentes do casamento, do


parentesco, da afinidade e da adopção. (art. 1° CF).

f. Casamento

União voluntária entre um homem e uma mulher, formalizada nos termos


da lei, com objectivo de estabelecer uma plena comunhão (cama e mesa) de
vida.55 Mas a noção de casamento, não tem merecido unanimidade na doutrina.

Para o Ilustre Professor Antunes Varela56 o casamento é um contrato solene em


que intervêm duas declarações da vontade que são contraposta mas são
55
Vide artigo 20 do Código da Família
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 61

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harmonizadas, caracterizado pela diversidade de sexo que tem como conteúdo e


como fim a plena comunhão de vida.

Para Kant, o casamento é a formalização e legalização da união sexual57.

Para o Professor Castro Mendes58 O casamento é um contrato. É, pois,


fundamentalmente, para a lei, um negócio jurídico bilateral, um acordo entre duas
partes

i. Natureza jurídica59

Tratando-se de casamento num modo geral, por meio do estudo da história, pode-
se chegar a identificação de três concepções do casamento:

a) A Concepção contratualista;
b) A Concepção religiosa;
c) A concepção social.

ii. A Concepção contratualista

Nos dizeres do Professor Eduardo dos Santos a concepção contratualista


seculariza o casamento retirando-lhe todo o carácter religioso ou sagrado. O
casamento é um simples contrato entre os nubentes, uma comunhão de
interesses e de sentimento, cujo fim primário é a procriação dos filhos. Cessando
essa comunhão, o casamento pode ser dissolvido por repúdio ou por mútuo
consentimento entra os cônjuges60.

56
Vide VARELA, Antunes in Direito de Família, Direito matrimonial, p. 120 ss
57
Vide KANT – Die  Metaphysik  der  Sitten,  in  Kant’s  Desammelt  Schriften,  vol.  6,  p.  277
58
MENDES, João de Castro in Direito da Família. Edição revista por Miguel Teixeira de Souza. Lisboa:
Associação Académica da faculdade de Direito de Lisboa, 1991; Pág. 39
59
Cfr. Carla Giselle Neves de Souza in Casamento como Contrato (Brasil - Portugal) – Dissertação para a
obtenção do grau de Mestre em Direito (Especialidade em Ciências Jurídicas), Sob Orientação do Professor
Doutor Diogo Leite Campos; UNIVERSIDADE AUTÓNOMA DE LISBOA; Pág. 20
60
SANTOS, Eduardo dos in Direito de Família. Coimbra: Almedina, 1999; Pág. 130
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 62

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iii. A Concepção Religiosa

Em relação a concepção religiosa, o casamento é a instituição divina, um


laço religioso que une os cônjuges, um vínculo indissolúvel. O Cristianismo,
considera-o um sacramento. Mais do que um simples vínculo religioso61.

iv. Concepção Social

Referindo ainda o Professor Eduardo dos Santos, a concepção surgiu


como uma reacção contra o excessivo individualismo da concepção
contratualista. O casamento já não é um simples contrato de direito privado, mas
uma instituição social. Uma das mais importantes instituições sociais. O Estado
tem legitimidade para intervir na sua regulamentação. A liberdade individual não é
suprimida, mas tem de se subordinar ao interesse da sociedade pois o Estado
pode autorizar a dissolução do casamento por divórcio, embora sendo um acto
liberal seu ou seja, o casamento não é, iminentemente, dissolúvel. É o Estado
que, tendo em conta o interesse colectivo, permite que se dissolva o casamento
por um número mais ou menos restrito de causas62.

g. Capacidade Núbil

Podem contrair o casamento nos termos do artigo 24.º do Código da


Família:

a) Os maiores de 18 anos;
b) Excepcionalmente o rapaz que tenha completado 16 anos e a rapariga que
tenha completado 15 anos, desde que haja consentimento dos pais.

61
Ibidem; Pág. 129
62
Ibidem, Pág. 130
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 63

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h. Formas de dissolução do Casamento

O Código da Família, contempla três modalidades de dissolução do


63
casamento nomeadamente : morte de um dos cônjuge, declaração judicial de
presunção de morte de um dos cônjuges e divórcio.

i. Morte de um dos Cônjuges64;

Com a morte de um dos cônjuges, o cônjuge sobrevivo mantém os benefícios


que haja recebido por sorte do casamento, desencadeando-se o fenómeno
sucessório que implica consequentemente a partilha do património comum, entre
este e os herdeiros do falecido, integrando o cônjuge sobrevivo a sua meação,
dos bens comuns adquiridos durante a constância do casamento65

ii. Declaração judicial de presunção de morte de um dos cônjuges66.

Decorrido s 3 (três) anos das últimas notícias do outro cônjuge e quando haja
indícios de que tenha ocorrido uma morte, pode qualquer um dos cônjuges,
requerer ao Tribunal, a declaração judicial da presunção de morte do cônjuge
desaparecido. A declaração judicial de presunção de morte, tem os mesmos
efeitos com a dissolução do casamento por morte.

iii. Divórcio67

Os cônjuges podem requerer o divórcio, sempre que as relações familiares


se deteriorem de forma completa e irremediável e o casamento tenha perdido o
sentido para os cônjuges, para os filhos e para a sociedade. O divórcio pode ser:

a) Por mútuo acordo;

63
Vide artigo 74.ºss do Código Da Família.
64
Vide artigo 75.º do Código da Família.
65
No caso de ter sido adoptado o regime económico da Comunhão de Bens Adquiridos.
66
Vide artigo 76.º e 77.º do Código da Família.
67
Vide artigo 78.ºss do Código da Família.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 64

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b) Litigioso.

TRABALHO PRÁTICO EM GRUPO

1. O que é para sí, a Família?


2. Qual é a visão que tem, sobre a aplicabilidade das normas do Código da
Família, na realidade angolana?
3. Concorda com Emanuel Kant, que o casamento seja a legalização da
relação sexual? Justifique.
4. Qual é a posição que adoptaria, quanto à natureza jurídica do casamento?
Justifique.
5. Forme um grupo de até 10 integrantes e elaborem um trabalho sobre:

O DIREITO DA FAMÍLIA E A REALIDADE SOCIAL ANGOLANA.

“AVANÇOS  E  RETROCESSOS    DO  ACTUAL  CÓDIGO  DA  FAMÍLIA”


LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 65

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12. O FENÓMENO SUCESSÓRIO

a. Razão de Ser

É muito comum, a indagação sobre o destino dos bens ou das relações


jurídicos às quais uma pessoa singular já falecida, tenha estado adstrita durante a
sua vida. Em regra, as relações jurídicas transmitem-se (transmissão mortis
causa) à outras pessoas, quem em regra, ou são legalmente designadas ou
indicadas pela vontade do falecido68. Ora, desde muito cedo, o Direito Romano
apresenta-nos um mecanismo através do qual, é possível haver a transmissão
das relações jurídico-patrimoniais, ao qual chamou de fenómeno sucessório ou
sucessão, que nos dizeres do Professor Mota Pinto, será o chamamento de uma
ou mais pessoas à titularidade das relações patrimoniais de uma pessoa falecida
e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam69.
Ora,   o   Exímio   Professor,   adoptou   a   redacção   “relações   patrimoniais”   que
ao nosso ver, parece incompleta, pois, as relações antes de serem patrimoniais, o
são jurídicas, por isso, preferimos adoptar o conceito esgrimido nos termos do

68
CASTRO MENDES, João in Op. Cit. Pág. 47
69
Ibidem, Pág. 168.
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 66

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artigo   2024.º   C.C.   “o   chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das


relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente
devolução   dos   bens   que   a   esta   pertenciam.”   Ainda   na   esteira   daquele   Eximio  
professor, ficam excluídas da sucessão, a priori, apenas as relações jurídico-
pessoais, ou seja, as ligadas incindivelmente à pessoa do titular, pela sua
natureza intransmissível (ex: direito a alimentos), ou por legalmente serem intuitu
personae (ex: direito ao nome, direito a imagem, usufruto, et cetera)

b. O Fenómeno sucessório na realidade angolano

O nível do Sistema Jurídico angolano, encontra tutela no 5º livro do Código


Civil, a partir do artigo 2024.ºss. A sucessão afigura-se como legal e voluntária70.

i. Sucessão Legal

A sucessão é legal, quando radica da própria lei, podendo ser legítima ou


legitimária, conforme possa ou não ser afastada pela vontade do seu autor71.

a) Sucessão Legítima

Na esteira do Professor Castro Mendes, a sucessão legítima caracteriza-se


por intervir, quando o de cujus (o falecido) não deixou testamento 72. O Professor
Mota Pinto acrescenta, apregoando que a sucessão legítima consiste no
chamamento dos herdeiros legítimos à sucessão, quando o autor da sucessão
não tenha disposto válida e eficazmente, no todo ou em parte dos seus bens 73.
Nesta perspectiva, a vocação sucessória é feita por ordem de classe de
sucessíveis, preferindo dentro de cada classe os parentes de grau mais próximos
aos de grau mais afastado. Contudo, ao abrigo do artigo 2.133.º C.C., a ordem
porque são chamados os herdeiros legítimos é:

70
CASTRO MENDES, João in Op. Cit. Pág. 50
71
Vide artigo 2027.º C.C
72
Ibidem; Pág. 51
73
Ibidem; Pág. 172
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 67

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a) Descendente;
b) Ascendente;
c) Irmãos e seus descendentes;
d) Cônjuge;
e) Outros colaterais até o sétimo grau;
f) O Estado.

O Professor Carlos Burity entende que a ordem a qual são dispostos os


sucessíveis, encontra-se em desarmonia com o valor específico que é dado a
família, mormente o lugar reservado ao cônjuge. Ou seja, este Ilustre Professor,
entende que a preterição do cônjuge sobrevivo para o quarto lugar na hierarquia
dos sucessores, reclama por uma decisão legislativa urgente a fim de o conferir
um valor relativamente mais privilegiado do que o actual74. Este Exímio Professor,
faz uma incursão comparativa com o Código Civil Português que com a reforma
de 1977, o artigo 2.133.º passou a ter a seguinte redacção:

“1   – A ordem por que são chamados os herdeiros, sem prejuízos do


disposto no título da redacção, é a seguinte:

a) Cônjuge e descendentes;
b) Cônjuge e ascendentes;
c) Irmãos e seus descendentes;
d) Outros colaterais até ao quarto grau;
e) Estado.”

b) Sucessão legitimária

Na visão do Professor Castro Mendes, esta modalidade de sucessão,


caracteriza-se por constar de normas imperativas para o titular do património:
74
Op. Cit. Pág. 180
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 68

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havendo sucessíveis legitimários. Portanto, o autor da sucessão não tem o direito


de dispor paraa depois da sua morte de todo o seu património, visto que uma
parte dele – a chamada legítima75 – é reservada, por lei, para os sucessíveis76.
Ora, a parte do património de que se pode dispor livremente, é denominada quota
disponível. Nos termos do artigo 2.157.º C.C., são herdeiros legitimários, o
cônjuge, os descendentes e os ascendentes.

A legítima varia em função do herdeiro legitimário de que se trata. Logo, se


sobreviver apenas o cônjuge, a legítima é a metade do acervo patrimonial e assim
o é também caso sobreviva apenas um filho, sendo a quota disponível, a outra
porção do património. Mas se sobreviver o cônjuge e um ou mais filhos, a legítima
é de 2/3 e a quota disponível será de 1/377.

ii. Sucessão Voluntária

A sucessão voluntária, radica da vontade do autor da herança, podendo


esta, ser testamentária ou contratual.

a) Sucessão testamentária

Esta modalidade de sucessão é a que resulta do testamento. Nos termos


do artigo 2.179.º C.C., testamento é o acto unilateral e revogável pelo qual um
indivíduo dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles.
O testamento pode revestir as formas comuns (testamento público e cerrado78) e

75
Vide artigo 2.156.º C.C.
76
Na visão do Professor Castro Mendes, em regra, sucessível é o que pode suceder – seria o termo a usar
antes da morte do de cujus e da aceitação da herança (os filhos são sucessíveis do pai vivo); sucessor o que
sucedeu – sria o termos a usar depois da morte do de cujus e da aceitação da herança (os filhos são
sucessores do pai morto), embora a lei, a doutrina e a linguagem vulgar não levem a rigor cerrado, esta
distinção. Op. Cit. Pág. 50
77
Vide artigos 2.158.º e 2.159º C.C
78
Vide artigos 2.205.º e 2.206.º C.C
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 69

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especiais (testamento militar, testamento a bordo do navio ou de aeronave e


testamento em caso de calamidade pública79

b) Sucessão Contratual

É também considerada, nalguns casos, como sucessão pactícia, resultando de


um contrato ou pacto sucessório. Mas, esta modalidade de sucessão é
rigorosamente proibida por lei, nos termos do número 2 do artigo 2028.º.

c. Espécies de sucessores

Nos termos do artigo 2030.º C.C., os sucessores classificam-se em:

a) Herdeiros – que sucede na totalidade ou numa quota do património do


falecido, não havendo especificações;
b) Legatário – que sucede bens em valores determinados.

79
Vide artigo 2.210.º, 2.210.º, 2.214.º, 2.219.º C.C
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 70

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QUESTIONÁRIO

1. Nos termos do artigo 2024.º do Código Civil, diz-se  sucessão  “chamamento  


de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais
de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta
pertenciam”.  Qual  é  a  ratio  que  esse  conceito  encerra?
2. Distinga sucessão legítima da legitimária.
3. Qual é a semelhança existente entre herdeiro e legatário?
4. Quem é o sucessor e que é o sucessível?
5. Fale da proibição da sucessão contratual.
6. Concorda com a posição sucessória, ocupada pelo cônjuge, nos termos do
artigo 2133.º do Código Civil angolano? Porquê?
LICÇÕES E PRÁTICAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL 71

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