Apostila 2023 - Criminologia - Professor Francisco Menezes
Apostila 2023 - Criminologia - Professor Francisco Menezes
Apostila 2023 - Criminologia - Professor Francisco Menezes
Direito penal e criminologia são ciências que estudam o crime, mas a primeira se
ocupa do delito enquanto norma, e a segunda, enquanto fato social. A criminologia
investiga o ser, enquanto o direito penal estuda o dever-ser.
1
ANITUA, 2015, p. 17.
2
MOLINA, 2012, p. 30.
3
BITENCOURT, 2020, p. 44.
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Ainda comparando os dois saberes, no que diz respeito ao método, o direito
penal possui um proceder lógico-dedutivo sistemático 4 , enquanto a criminologia
5
apresenta um método empírico-indutivo interdisciplinar , trabalhando com a
observação do fenômeno do crime (ou da criminalização) para deduzir quais são suas
determinações, seja na psicologia do homem, na desorganização social das cidades ou
nas cerimônias degradantes do próprio sistema punitivo. Enfim, observa-se a realidade
para extrair dela a etiologia do fato criminoso, sua estrutura interna e dinâmica e ainda,
se possível, inferir suas formas de prevenção e controle.
Por sua vez, a política criminal é conceituada por Salomão Shecaira6 como “a
disciplina que oferece aos poderes públicos as opções concretas adequadas para o
controle do crime, atuando como ponte eficaz entre o direito penal e a criminologia”.
Nesta ordem de ideias, a política criminal pode ser definida como o conjunto de
estratégias, empregadas por cada um dos entes públicos do Estado, para prevenir e
reprimir o crime, bem como para mitigar suas consequências.
4
O operador do direito observa a conduta humana para saber se esta está subsumida a um
modelo analítico ou dogmático de crime, isto é, se o comportamento humano é típico, ilícito e
culpável. Em caso positivo, deduz qual é a sanção cabível segundo as regras de individualização
e dosimetria da pena, bem como da delimitação do poder punitivo do Estado.
5
Nos sentimos obrigados a alertar o leitor que, embora seja seguro afirmar que a criminologia
possui método empírico em provas de concursos, como são muitos os pensamentos
criminológicos, também são variados os métodos de análise e abordagem da realidade criminal.
Criminólogos críticos, de viés marxista, utilizam o materialismo histórico-dialético para
compreender o crime enquanto subproduto da infraestrutura econômica que alicerça as relações
de produção e o direito penal como superestrutura ideológica que mantém as relações de poder.
Assim, a empiria é bem menos importante para os críticos do que era, por exemplo, para os
positivistas.
6
SHECAIRA, 2018, p. 46.
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2 OBJETOS DA CRIMINOLOGIA
2.1 O CRIME
O conceito criminológico de crime, por óbvio, não pode ser idêntico ao conceito
jurídico. Desde o início do século XX, com o aperfeiçoamento do sistema causal
naturalista, a dogmática jurídico-penal conceitua o crime como sendo um fato típico,
ilícito e culpável, o que normalmente é chamado de conceito analítico de delito. Tal
definição é razoavelmente precisa para conceder ao jurista um conhecimento sistêmico
dos substratos que permitem a incidência da norma incriminadora, dando, assim,
previsibilidade às decisões judiciais.
Contudo, embora o conceito jurídico-penal seja útil como ponto de partida para
compreender os processos de criminalização e seus efeitos na produção e reprodução
do desvio criminal, não se trata de um conceito empírico-científico que satisfaz as
necessidades da criminologia enquanto ciência causal-explicativa. Ademais, o direito
enxerga o crime como conduta do indivíduo, enquanto as investigações criminológicas
o têm como fenômeno social.
7
GONZAGA, 2018, p. 19.
8
MOLINA, 2012, p. 64-66.
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(piedade e probidade) segundo o padrão médio das raças superiores, cuja medida é
necessária para adaptação do indivíduo na sociedade”9.
9
Fácil perceber, no entanto, o caráter problemático do conceito ao presumir uma moralidade
universal de “raças superiores”.
10
GONZAGA, 2018, p. 19.
11
Que será estudado no capítulo dedicado às escolas sociológicas da criminologia.
12
SHECAIRA, 2018, p. 49.
13
Shecaira lembra a lamentável criminalização, pela Lei 7.643/87, da conduta de molestamento
de cetáceos por conta da morte de um filhote de baleia em uma praia carioca devido à introdução
de um palito de picolé em seu orifício de respiração. A conduta jamais se adequaria às condições
para o reconhecimento criminológico do fenômeno enquanto delito. Aliás, o legislador brasileiro
é pródigo quanto à produção de normas motivadas tão somente pelo último escândalo do
momento.
2023 | CRIMINOLOGIA | 5
determinado seguimento de regras não poderiam ser criminalizadas sem que
apresentem alguma aflitividade.14
(III) Persistência espaço-temporal do fato. Além de massivo e aflitivo, a
incidência do fato deve se estender por todo o território nacional e persistir por algum
tempo. Modas fugazes que já não se adequam a um desvio criminal formalmente
tipificado não devem ser considerados criminosas, ou, se já forem, não devem ter a pena
majorada.15
2.2 O CRIMINOSO
14
Mais uma vez, Shecaira exemplifica com a legislação brasileira, citando a Lei 4.888/65 que
criminaliza o uso inadequado da expressão “couro sintético”, um claro desrespeito às
convenções criminológicas sobre os elementos básicos do fato criminoso.
15
Cita-se o furto de uma peça de para-brisas dos antigos “fusquinhas” para fazer “anéis de
brucutu”, uma febre dos anos 60, uma vez que tais peças eram usadas por um dos integrantes
da jovem guarda. Seria inadequado majorar a pena de tal conduta, claramente motivada por uma
moda passageira.
16
MOLINA, 2012, p. 69.
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clássicos, era, como lembra Shecaira 17 , “um pecador que optou pelo mal, embora
pudesse e devesse respeitar a lei”. O contrato social, aos moldes da filosofia de
Rousseau, embasava a ideia de que o criminoso que optou por delinquir abriu mão de
sua parcela de liberdade ao desobedecer a uma convenção socialmente pactuada e, por
isso, a punição deveria ser proporcional ao mal causado.
17
SHECAIRA, 2018, p. 51.
18
FERRI, 1900, p. 223-224.
19
MOLINA, 2012, p. 69.
20
PRADO, 2019, p. 79.
2023 | CRIMINOLOGIA | 7
correção do criminoso. A responsabilidade penal é entendida como um dever coletivo,
solidário e difuso.
2.3 A VÍTIMA
21
MOLINA, 2012, p. 69.
22
SHECAIRA, 2018, p. 52.
23
SHECAIRA, 2018, p. 53.
2023 | CRIMINOLOGIA | 8
é o indivíduo que sofre as consequências da violação da norma incriminadora ou o titular
do bem jurídico protegido por esta.
24
ANITUA, 2015, p. 24.
25
MOLINA, 2012, p. 73.
2023 | CRIMINOLOGIA | 9
vitimológico persegue uma redefinição global do status da vítima e de suas relações com
o delinquente, com o sistema legal, com a sociedade, com os poderes públicos, com a
ação política (econômica, social, assistencial etc)”.
26
SHECAIRA, 2018, p. 56.
27
MOLINA, 2012, p. 81.
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redefinição do papel da vítima no processo penal continua a ser polêmica, uma vez que
a persecução não pode se tornar um instrumento de vingança privada.
Shecaira28 afirma que o controle social do delito pode ser conceituado como “o
conjunto de mecanismos e sanções sociais que pretendem submeter o indivíduo aos
modelos e normas comunitários. Tais mecanismos passam a se tornar objeto da
criminologia somente a partir do século XX, no âmbito da sociologia estadunidense.
O controle social pode ser exercido através de duas básicas instâncias que
conformam o indivíduo às pautas de conduta socialmente aceitáveis. O controle social
informal se refere aos mecanismos tangentes às diversas instâncias da sociedade civil:
a família (núcleo primário de controle social), a escola, o costume, a religião, a profissão,
a opinião pública etc. As sanções impostas pelos sistemas de controle informal são mais
sutis e culturais e visam à internalização das regras de conduta apreciáveis pela
expectativa social, isto é, tratam-se de um processo de socialização. Seguro dizer que
tais sistemas de controle são mais eficazes do que os sistemas formais e burocratizados,
mas este fato só é claro nas sociedades menos complexas, nas quais os vínculos
horizontais de comunidade são sentidos de maneira mais intensa pelo indivíduo.
28
SHECAIRA, 2018, p. 57.
29
MOLINA, 2012, p. 127.
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Quanto à eficácia do controle social, importante notar que os estudos
criminológicos sempre tiveram dificuldade em relacionar o endurecimento da
criminalização com a possível redução do número de delitos. A eficácia da prevenção
realizada pelo sistema de controle formal é relativa e limitada, pois o crime é
multifatorial e sua existência dialoga com as cerimônias degradantes inerentes ao
sistema.
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3 OS PRECURSORES DA HISTÓRIA DOS PENSAMENTOS
CRIMINOLÓGICOS: DO ILUMINISMO PENAL AO POSITIVISMO
CRIMINOLÓGICO
Como expõe Shecaira32, também seria possível dizer que a criminologia nasce
com o surgimento do iluminismo e os filósofos e juristas da escola clássica, tais como
Beccaria e Carrara. Porém, apesar de essenciais para a criação da principiologia e da
dogmática jurídico-penal, bem como do pensamento da questão criminal para além da
ótica religiosa-absolutista, os trabalhos da chamada “escola clássica” não apresentam o
rigor científico e metodológico necessários para a investigação das determinações do
crime.
Para as provas de concurso, é mais seguro dizer que Cesare Lombroso33 foi o
fundador da criminologia moderna, que nasce, portanto, a partir da obra O Homem
delinquente, de 1876. Assim, pode-se dizer que o positivismo criminológico italiano
deu início à fase científica da criminologia.
30
ANITUA, 2015, p. 25.
31
ZAFFARONI, 2011, p. 25-26.
32
SHECAIRA, 2018, p. 77.
33
LOMBROSO, 1896.
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3.1 A FASE PRÉ-CIENTÍFICA DA CRIMINOLOGIA: A ESCOLA CLÁSSICA
Conforme explica Shecaira34, não existiu uma “escola clássica”, pelo menos não
enquanto escola organizada e única. Aliás, este termo foi criado muito depois pelos
positivistas (estes, sim, organizados em uma escola que seguia as mesmas linhas gerais)
como uma espécie de rótulo deslegitimador. Porém, tanto clássicos quanto positivistas
foram crias do iluminismo europeu.
34
SHECAIRA, 2018, p. 78
35
ANITUA, 2015, p. 126.
36
BUSATO, 2018, p. 200.
2023 | CRIMINOLOGIA | 14
cientificismo permitiu a passagem do direito natural religioso ao direito natural
antropocêntrico, de caráter racionalista, de forma que, no direito penal, formaram-se
críticas contundentes ao sistema punitivo vigente até então: um sistema de caráter
inquisitorial, absolutista, que mantinha como pena os suplícios e execuções, enquanto
a tortura era mecanismo regular de obtenção de prova de presos comuns.
O livro que, neste período, deu início ao chamado “direito penal da ilustração”,
que inaugurou a fase humanista e racional do direito penal, foi Dos Delitos e das Penas,
de Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria. De forma eloquente e eficaz, Beccaria 37
criticou a crueldade dos suplícios, a desproporcionalidade das penas e à tortura como
meio de prova. Ainda escreveu críticas aos direitos de propriedade aristocráticos, e
pregou a tolerância, o pluralismo religioso e a igualdade formal perante a lei. A punição
deveria ser organizada para se tornar inevitável, consistente e rápida. Defendia uma
perspectiva retributiva e preventiva geral negativa da pena, isto é, a punição deveria ser
proporcional ao mal causado pelo crime e servir para prevenir crimes futuros,
dissuadindo futuros criminosos no seio social. Beccaria 38 também menciona que a
origem do direito de punir está no contrato social e o fundamento da pena, está no livre-
arbítrio do homem que escolheu romper tal pacto.
Apesar de sua imensa influência, é necessário perceber que Beccaria não foi de
todo original, publicando em sua obra um resumo das ideias que circulavam pelas
páginas e bocas de muitos dos filósofos iluministas da sua época.39
37
BECARIA, 2015, p. 52-76.
38
BECARIA, 2015, p. 22-24.
39
SHECAIRA, 2018, p. 93.
40
BITENCOURT, 2020, p. 115.
2023 | CRIMINOLOGIA | 15
utilidade, em especial, aquela voltada à organização social conveniente à nova forma de
produção da sociedade industrial.
41
BARATTA, 2016, p. 36
42
BITENCOURT, 2020, p. 117.
2023 | CRIMINOLOGIA | 16
empirismo que a escola clássica merece mais críticas, pois, conforme afirma Christiano
43
Gonzaga , os clássicos não se preocupavam com os estudos empíricos das
determinações do crime ou do criminoso. Assim, a escola positivista italiana abordará
exatamente esta deficiência no desenvolvimento de seus estudos.
A fisionomia gerou a cranioscopia, criada por Franz Gall na virada do século XVIII
para o XIX, tratava-se de pseudociência que apregoava que era possível deduzir as
faculdades mentais e morais da pessoa a partir da análise da forma externa de seus
crânios. Tais estudos se desdobraram na criação da frenologia, precursora da moderna
neurofisiologia e da neuropsiquiatria. Shecaira45 resume as propostas da frenologia: (I)
toda faculdade mental possui um território no cérebro; (II) forma do crânio possui a
impressão fiel da composição cerebral; (III) qualquer alteração da constituição orgânica
do cérebro, perceptível pela análise da morfologia craniada, corresponde a uma
alteração da função psíquica. O crime, segundo Gall, seria resultado de um
43
GONZAGA, 2018, p. 43.
44
SHECAIRA, 2018, p. 79-85.
45
SHECAIRA, 2018, p. 81.
2023 | CRIMINOLOGIA | 17
desenvolvimento parcial e não compensado do cérebro, o que ocasionaria hiperfunção
de determinado sentimento, como agressividade ou cobiça. A teoria de Gall não foi bem
recebida na igreja ou mesmo no cenário político de Viena, mas fincou raízes na França
e na Inglaterra conquistando diversos seguidores e vários outros frenologistas
realizaram trabalhos semelhantes no século XIX.
46
BATISTA, 2011, P. 43.
47
Cabe, aqui, uma referência cinematográfica. No filme “Django livre”, de 2012, dirigido por
Quentin Tarantino, há uma cena na qual Calvin Candie, um senhor de escravos interpretado por
Leonardo DiCaprio, tenta demonstrar a cientificidade da escravidão afroamericana, cortando e
exibindo os sulcos do interior do crânio de um escravo falecido que provariam a hipertrofia da
região cerebral ligada à subserviência. Por óbvio, as pseudociências oitocentistas foram
provadas falaciosas e só tinham tanta capilaridade entre o público em geral porque justificavam
desumanidades. Como já dizia Foucault, o poder gera seu próprio saber.
48
ANITUA, 2015, p. 298.
2023 | CRIMINOLOGIA | 18
comuns aos infratores. A fisionomia da face, estrutura do tronco, mãos e pernas,
detalhes como rugas frontais, formato da testa e dos dentes eram observados e
reunidos criteriosamente. Emprestou ideias dos frenologistas e criou dezenas de
parâmetros frenológicos, cuja pesquisa envolvia capacidade craniana, circunferência,
formato, diâmetro, feições, dentre outros 49 . Analisava comparativamente (entre
homens “honestos” e “criminosos”) as características dos cabelos, dentes, íris, orelhas,
nariz, dentes e genitálias.50
49
LOMBROSO, 2001, p. 247-248.
50
LOMBROSO, 2001, p. 249-263.
51
LOMBROSO, 2001, p. 265.
52
LOMBROSO, 2001, p. 266.
53
LOMBROSO, 2017, p. 124.
2023 | CRIMINOLOGIA | 19
passagens afirmam a inferioridade intelectual da mulher, principalmente nas atividades
criativas, mas admitem, ao final, que a mulher delinquente possuiria, em comparação à
mulher normal, menos anomalias perceptíveis em comparação ao que ocorreria com o
homem. A suposta razão estaria no fato de que, para a mulher, a beleza e graça seriam
necessidades evolutivas supremas, de forma que as anomalias causaria degeneração
menos perceptível.54
54
LOMBROSO, 2017, p. 154.
55
BARATTA, 2016, p. 43.
2023 | CRIMINOLOGIA | 20
isto é, aqueles que eram capturados pelos filtros de seletividade do sistema punitivo
para sua época. Ademais, o fascínio pelas ciências naturais, típico do século XIX,
proporcionou a crença (que se mostrou falaciosa) de que o método empírico-indutivo,
aplicado à natureza do homem, poderia explicar até os mais complexos fenômenos
sociais. É justo lembrar que o próprio Lombroso afirmou, ao final de sua carreira
acadêmica, que o crime poderia ser multifatorial e que as anomalias fisiológicas típicas
do “homem delinquente” poderiam estar presente em “homens normais”. Ademais, é
inegável a influência e a importância deste autor para a ciência criminológica de forma
geral.
56
BITENCOURT, 2020, p. 121.
57
GAROFALO, 1997, p. 4.
2023 | CRIMINOLOGIA | 21
O conceito de temebilidade também foi apresentado por Garofalo. Consiste na
perversidade constante e ativa do delinquente e a quantidade do mal previsto que se
deve temer por parte dele. Esta definição foi fundamental para as formulações
posteriores tangentes à medida de segurança, principal intervenção penal proposta
pelos positivistas.
Enrico Ferri, por sua vez, foi o sucessor da criminologia lombrosiana e teve o
mérito de perceber as limitações das conclusões de seu mestre (e sogro). Conforme
esclarece Shecaira59, a partir das contribuições de Ferri, a criminologia positivista amplia
sua perspectiva, fugindo da limitação inerente à antropologia criminal de Lombroso.
Para Ferri, a criminalidade é multifatorial, decorrendo de determinações
antropológicas/individuais (constituição orgânica e psíquica do indivíduo, além de seus
caracteres pessoais como raça, idade, gênero dentre outros), físicas/telúricas (clima,
geografia, temperaturas etc) e sociais (densidade populacional, opinião pública, moral,
religião etc). Nesta ordem de ideias, propõe uma “lei da saturação criminal”, pela qual
o crime seria a confluência dos fatores supracitados, de forma que caso o cientista
pudesse quantificar a incidência de cada um deles em uma dada sociedade, poderia
prever o exato número de delitos.
58
MOLINA, 2012, p. 190.
59
SHECAIRA, 2018, p. 98.
60
GONZAGA, 2018, p. 47.
2023 | CRIMINOLOGIA | 22
subdesenvolvimento atávico; (II) o criminoso louco é aquele que possui algum
sofrimento mental combinado com atrofia do senso moral; (III) o delinquente habitual
é aquele normalmente nascido em cenários urbanos e, por possuir baixa adaptabilidade
e ser determinado por uma situação de miséria e dessocialização, acaba por se iniciar
no crime a partir de pequenos furtos até chegar a grandes delitos; (IV) o delinquente
ocasional seria aquele de alta adaptabilidade e fraco senso moral, condicionado por
uma forte influência de circunstâncias ambientais, tais como a provocação,
oportunidades de fácil execução e alto lucro ou comoção pública que o compele à
pratica de atos criminosos. Finalmente, (V) o criminoso passional é aquele compelido
por paixões pessoais.
Cumpre salientar que, seja qual for a espécie de criminoso, o delito era causado
por determinações que escapavam ao livre-arbítrio do agente, que era, para Ferri, uma
mera ficção criada pelos filósofos clássicos.
Ferri defendida que o sistema punitivo deve se voltar à defesa social, conceito
este que ganhou sua plenitude no positivismo deste autor que, ao fim da sua vida, aliou-
se aos ideais fascistas de Mussolini.
Bitencourt 61 lista de forma muito eficaz tais contribuições que poderiam ser
resumidas em 5 pontos. (I) Iniciou-se a fase científica e causal-explicativa da criminologia
a partir da aplicação do método experimental; (II) ampliou-se o conteúdo do direito
penal a partir da descoberta experimental de novos fatos sobre o comportamento
humano; (III) a vítima foi reinserida na questão criminal; (IV) desenvolveu-se institutos
61
BITENCOURT, 2020, p. 123.
2023 | CRIMINOLOGIA | 23
como a medida de segurança, que possui alguma aplicação contemporânea; (V) O crime
passa a ser reconhecido como um fenômeno natural e social.
62
SHECAIRA, 2018, p. 106.
2023 | CRIMINOLOGIA | 24
ano mais tarde, o primeiro manicômio judiciário do Brasil (e da América Latina) foi
inaugurado. O Código Penal de 1940 tentou, declaradamente, conciliar pensamentos da
escola clássica e positivista, como mencionado em sua exposição de motivos, a
responsabilidade penal continuou a ter por fundamento a responsabilidade moral (o
que pressupõe o livre arbítrio do agente), mas adotava o sistema do duplo binário,
permitindo-se a aplicação de pena e de medida de segurança (que tem óbvio
fundamento nas ideias positivistas). Em que pese o fato de que a reforma da parte geral,
operada pela Lei 7.209/84, ter acabado com o sistema duplo binário, diversas ideias
ventiladas no embate de escolas ainda permanece, como é possível visualizar no estudo
de nosso amplamente problemático art. 59 do Código Penal, que mantém elementos
como “personalidade” e “conduta social” juntamente com outros que permitem uma
culpabilidade do fato, acendendo “uma vela para Ferri e outra para Carrara” como
lembra a famosa frase de Magalhães Noronha.
Não obstante, é inegável que as duas escolas inspiraram muitos dos sistemas
penais (tanto no que diz respeito à legislação quanto à dogmática). Como diz Shecaira63,
na Europa, “ou se era clássico ou positivista”. Pode-se dizer, com o mesmo autor que
ambos foram subprodutos da mesma era, pois:
63
SHECAIRA, 2018, p. 125.
2023 | CRIMINOLOGIA | 25
a Escola Clássica enraíza suas ideias exclusivamente
na razão iluminista e a Escola Positivista, na
exacerbação da razão confirmada por meio da
experimentação. Clássicos focaram seus olhares no
fenômeno e encontraram o crime; positivistas
fincaram suas reflexões nos autores desse fenômeno,
encontrando o criminoso. Clássicos e positivistas, na
realidade, são distintas faces da moeda iluminista,
tese e antítese que não podem superar essa relação
dialética de oposição senão quando produzem a
síntese; e esta é muito diferente dos fatores que lhe
deram origem.64
64
Ibidem, p. 77.
2023 | CRIMINOLOGIA | 26
4 ESCOLAS SOCIOLÓGICAS DAS TEORIAS DO CONSENSO
65
ANITUA, 2015, p. 405.
66
SHECAIRA, 2018, p. 132.
2023 | CRIMINOLOGIA | 27
agrupamentos culturais). Nesta ordem de ideias, o sistema punitivo (e não o crime) fica
em destaque como instrumento de dominação social ou (na visão marxista) como
superestrutura ideológica que esconde ou naturaliza as desumanidades da
infraestrutura conflitiva da sociedade.
Gabriel Anitua 67 nos conta que a cidade de Chicago, foi o palco de uma rara
combinação de circunstâncias que proporcionou o terreno fértil para a mudança de foco
das investigações criminológicas, o que pode ser resumido em três itens: (I) devido à
fatores geopolíticos externos (guerras e migrações tangentes às condições econômicas
endêmicas) a posição geográfica Chicago foi favorável a migrações que proporcionaram
um estupendo crescimento. De 1880 a 1910 a população quase dobrou de tamanho a
cada década, mantendo um crescimento acima de 20% ao ano nas décadas
subsequentes. (II) A explosão demográfica formada por pessoas de diferentes etnias e
culturas proporcionou uma miríade de problemas sociais, culturais, familiares, além
67
ANITUA, 2015, p. 421-429.
2023 | CRIMINOLOGIA | 28
daqueles tangentes à mobilidade e à criação de personalidades conflitivas relacionados
à mendicância, alcoolismo e prostituição. (III) A Universidade de Chicago, fundação
batista que recebeu apoio de John Rockefeller, foi criada por William Harper em 1890 e
combinava trabalho acadêmico original e prestação de serviços à comunidade, dando
total liberdade de pesquisa aos seus professores.
Mais tarde, os dois maiores nomes da Escola de Chicago, Clifford Shaw e Henry
McKay, escreveram o livro Delinquência juvenil em áreas urbanas que criou a teoria
tangentes às áreas de delinquência perceptíveis nas grandes cidades e que parecem
contribuir objetivamente para o surgimento da criminalidade urbana, principalmente
patrimonial.
68
ANITUA, 2015, p. 428-429.
2023 | CRIMINOLOGIA | 29
reincidência; (VI) a criminalidade nessas zonas é um comportamento grupal; (VIII) a
integração em grupos criminosos faz parte da realidade diária dos jovens que crescem
nestas zonas urbanas.
No que diz respeito aos métodos, a Escola de Chicago fez uso dos inquéritos
sociais (social surveys) que consistem em um interrogatório direto realizado por uma
equipe junto a um determinado universo de pessoas sobre aspectos relevantes à
estatística que o pesquisador quer calcular. Também utilizou estudos biográficos de
casos individuais.
69
SHECAIRA, 2018, p.141-145.
70
Ibidem, p. 154-156.
2023 | CRIMINOLOGIA | 30
As áreas de delinquência, segundo conceito trabalhado pela teoria ecológica,
dizem respeito à organização do desenvolvimento das cidades e seus efeitos na criação
de vetores criminógenos. A cidade de Chicago cresceu segundo círculos concêntricos
que, a partir de uma área central, formaram um conjunto de zonas ou anéis. No centro
ficava a zona comercial, com as lojas, escritórios administrativos e indústrias. A segunda
zona era de transição, que conecta o centro com a zona residencial e estava sujeita à
degradação constante, bem como à incessante mobilidade da população, o que levava
à formação de moradias de menor poder aquisitivo, além de guetos, bordéis, cortiços e
dependências destinadas aos recém chegados à cidade, concentrando a maior parte dos
imigrantes. A terceira zona era de moradia de trabalhadores pobres e de segunda
geração de imigrantes. A quarta zona era de grandes blocos habitacionais de classe
média e a quinta pertencia à fatia mais rica da população. A maior desorganização social
e, consequentemente, o maior número de delitos violentos e de atos infracionais, vinha
das áreas centrais próximas ao loop.
2023 | CRIMINOLOGIA | 31
condições econômica até o envelhecimento médio da população, mesmo nos Estados
que não adotaram medidas beligerantes de combate ao crime.
71
SUTHERLAND, 2016, p. 29-33.
2023 | CRIMINOLOGIA | 32
pelos poderosos era muito mais vasta e as benécias burocráticas a eles concedidas eram
eficazes em esconder ou neutralizar as punições às violações normativas.
Para Sutherland, que se baseou nos escritos do sociólogo francês Gabriel Tarde,
o indivíduo aprende a conduta desviada e se associa com referência nela. A versão
completa da obra de Sutherland73 analisa uma série de casos nos quais o desvio criminal
é não só comum, mas a regra do comportamento bem sucedido do referente mercado.
Como exemplos, o autor observa estatísticas sobre os cartéis, as restrições de comércio
e suas violações, as patentes e os delitos envolvendo a quebra de direitos autorais, a
violação de direitos trabalhistas, as manipulações financeiras, propaganda enganosa,
dentre outros.
A partir da análise dos casos acima, Sutherland faz diversas reflexões instigantes
sobre os crimes do colarinho branco74:
(I) estes delitos não costumam ser violações discretas ou culposas de regulamentos
técnicos, mas sim infrações deliberadas e consistentes;
72
SUTHERLAND, 2016, p. 34.
73
Ibidem, p. 109-235.
74
Ibidem, p. 335-350.
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em outras palavras, o comportamento criminoso é aprendido a partir das práticas e
papéis culturalmente afixados aos dois contextos;
(III) a criminalidade empresarial é persistente e grande parte dos infratores são
reincidentes;
(IV) a criminalidade empresarial é muito mais extensa do que o número de processos
indica e os poucos criminalizados costumam se indignar afirmando que só fazem o que
todos os empresários de sucesso costumam fazer;
(V) o empresário que viola as leis que regulam seus negócios não perde o status entre
parceiros comerciais, isto é, o crime não possui impacto estigmatizante, embora a
criminalização possa ter, pois a violação ao código penal não é necessariamente uma
violação ao código de negócios de cada área empresarial;
(VI) os empresários de sucesso costumam sentir desprezo pela lei, pelo governo
(incluindo policiais, promotores e juízes) e por seus funcionários;
(VII) crimes do colarinho branco não são apenas deliberados, mas organizados. Tal
organização pode se dar de maneira informal, como no acordo de cavalheiros para
fraude em licitação, ou formal como em acordo de patentes ou restrição de
investimentos para determinar a produção de legislação que pode afetar seus planos;
(VIII) enquanto o ladrão profissional concebe a si mesmo como um criminoso e assim é
considerado pelo público em geral, o homem de negócios se enxerga como um cidadão
respeitável e, normalmente, também é assim considerado pelo público em geral;
(IX) o sigilo sobre o cometimento do crime de colarinho branco é facilitado pela
complexidade dos processos e pela dispersão dos seus efeitos no tempo e no espaço;
(X) as vítimas de crimes empresariais raramente estão em posição de lutar contra a
política da empresa e a racionalidade empresarial faz com que a produção de prova seja
bastante difícil.
A partir desta reflexão, Sutherland realiza algumas conclusões sobre os crimes
de colarinho branco que são muito bem resumidas por Shecaira75:
75
SHECAIRA, 2018, p. 181-185.
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(III) a parte mais importante do processo de aprendizagem ocorre no seio das relações
sociais mais íntimas do indivíduo com seus familiares ou pessoa de seu meio
profissional;
(V) a direção dos motivos ou dos impulsos são aprendidos a partir das definições
favoráveis ou desfavoráveis dos códigos de conduta de cada área na qual se desenvolve
as ações empresariais;
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ou mesmo Luhmann) também contribuíram para o pensamento criminológico a partir
da visão da anomia.
76
SHECAIRA, 2018, p. 194-195.
77
MOLINA, 2012, p. 303.
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nas sociedades arcaicas quanto nas contemporâneas, mas quanto maior a intensidade
do castigo, mais primitiva é a sociedade.
Merton descreve, entretanto, que a reação a esta pressão anômica nem sempre
será voltada à delinquência, pois existem cinco formas de adaptação individual que uma
pessoa pode demonstrar: (I) o conformista, tipo mais comum que garante a estabilidade
78
Palavra de etimologia grega, anomia significa literalmente a ausência de normas ou leis,
anarquia ou desordem.
79
SHECAIRA, 2018, p. 202-203.
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da sociedade, é aquele que abraça os objetivos culturais ao mesmo tempo que se
resigna quanto à ausência de meios institucionalizados. Continua buscando os fins
sociais respeitando as normas, mesmo que a estrutura social não lhe dê capacidade para
alcançá-los. (II) O ritualista é aquele que segue as normas institucionais, mas abandona
80
os objetivos sociais, desistindo de buscar ascensão socioeconômica. (III) O
retraimento é a adaptação daquele que renuncia tanto aos objetivos culturais quanto
às normas sociais. Marcado pelo escapismo e derrotismo, o estereótipo do retraído é o
mendigo, alcoólatra ou viciado em narcóticos. (IV) O inovador é aquele que abraça os
objetivos culturais demonstrando, porém, desprezo pelas normas institucionais. Pode
ser exemplificado pelo ladrão de bancos ou pelo empresário corrupto que pratica crimes
do colarinho branco. (V) Finalmente, o rebelde, marcado pelo inconformismo e a
revolta, abre mão das normas institucionais ao mesmo tempo que condena as ambições
culturalmente estabelecidas, acabando por propor a quebra da ordem vigente. O
exemplo típico está no líder guerrilheiro que deseja a revolução violenta para a
redistribuição dos meios de produção.
80
Shecaira (p. 204) exemplifica o ritualista na cultura brasileira como o pacato funcionário público
que se contenta com um cargo burocrático que lhe dá estabilidade.
81
BARATTA, 2016, p. 65-67.
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5 ESCOLAS SOCIOLÓGICAS DAS TEORIAS DO CONFLITO
A primeira das teorias criminológicas que explorou esta perspectiva foi a teoria
da rotulação. Mais tarde, a criminologia crítica, com todas as suas subdivisões, nos
trouxe o que hoje temos no mosaico de pensamentos acerca da questão criminal.
82
CARVALHO, 2022, p. 64-65.
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5.1 LABELLING APROACH
Nesta ordem de ideias, para Becker, a conduta desviante é criada por meio do
estabelecimento das regras cuja infração constitui um desvio e também por meio de
uma consequente rotulação, por parte do grupo social, ao indivíduo desviante. A
transformação em transgressor é um processo gradual de fixação de etiquetas por meio
de interações entre o desviante e a parte da sociedade responsável pelo controle social
(órgãos encarregados da persecução penal). Processo no qual se adquire nomes,
83
SHECAIRA, 2018, p. 255.
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motivos, significados e perspectivas. A pergunta fundamental da criminologia começa a
mudar: não mais se pergunta por que as pessoas cometem crimes, mas sim o por que o
comportamento de algumas pessoas são tratados como desviantes pelos órgãos formais
de controle e qual é a legitimidade de tal tratamento.
84
ZAFFARONI, 2015, p. 38.
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rotulação realizada pelas agências encarregadas da persecução penal, atividade esta
que obedece a diversos filtros e seletividade por razões político-econômicas.
Com estas reflexões, os teóricos do labelling não querem afirmar que a violência
não existe, mas não é a ofensividade ou mesmo a tipificação legal de uma conduta que
a torna criminosa. O desvio criminal é o produto de uma série de reações sociais e
institucionais à determinadas condutas humanas. O desviante é alguém a quem este
rótulo foi aplicado com sucesso.
85
Força Expedicionária Brasileira.
86
SHECAIRA, 2018, p. 262.
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cerimônias degradantes que são decisivos para a formação da nova identidade
desviante.
87
BECKER, 2008, p. 206-207.
2023 | CRIMINOLOGIA | 43
questionam o monopólio da verdade e ‘toda a história’ sustentada pelos que ocupam
posições de poder e autoridade”.
89
O próprio Howard Becker faz uma compilação das principais críticas
colecionadas por sua teoria. Pensadores de esquerda afirmaram que a teoria apregoa
uma postura moralmente ambígua, uma ideologia “isenta de valores”, que pretende
uma falsa neutralidade e que não tem a coragem de afirmar que as instituições que
compõem o sistema de persecução penal são moralmente corrompidas, o que resulta
em um mero “isomorfismo reformista”, que não modifica efetivamente o sistema e não
ataca a raiz do problema. A esquerda radical chegou a afirmar que a teoria da rotulação
somente parece ser contrária ao establishment, de fato o apoiam, ao atacar funcionários
de nível inferior de instituições opressivas, deixando ilesos os superiores hierárquicos
responsáveis pela opressão.
A direita “lei e ordem”, por óbvio, também tem críticas ao labelling, seja
afirmando que a teoria sugere uma postura branda demais contra o crime, seja
acusando-a de ser subversiva por atacar a moralidade convencional sendo, por isso,
mais crítica social do que ciência.
88
BARATTA, 2016, p. 98-99.
89
BECKER, 2008, p. 195-205.
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5.2 CRIMINOLOGIA CRÍTICA
90
ANITUA, 2015, p. 657-663.
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humanidade. Para Marx, a sociedade capitalista é marcada por uma infraestrutura
econômica que esconde uma luta entre duas classes sociais: os proprietários dos meios
de produção e os trabalhadores que vendiam seu trabalho para a classe proprietária.
Esta, chamada burguesia, acumula capital a partir da expropriação da mais-valia
consubstanciada na diferença entre o valor-trabalho contido na mercadoria produzida
pelos trabalhadores e o salário pago a estes. A classe trabalhadora, incapaz de enxergar
a si própria na mercadoria que produziu (por conta da natureza especializada e alienada
do trabalho fabril), só é capaz de acumular sua própria prole. Por isso se chamam
proletários.
91
São “marxianos” os textos escritos pelo próprio Karl Marx. São “marxistas” as obras dos
autores posteriores que se baseiam em textos marxianos.
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Após quase uma década, a criminologia crítica enfrentou sua primeira crise. O
esgotamento era relativamente previsível, uma vez que a visão marxista é relativamente
antitética à posição do criminólogo enquanto investigador das determinações do desvio
criminal: ao tratar o direito penal como mera superestrutura ideológica erigida sobre a
infraestrutura econômica da luta de classes, é difícil não condenar toda e qualquer
manifestação de poder punitivo como mero mecanismo de opressão e considerar o
próprio desvio como uma simples rotulação de atividade indesejada conforme os
interesses da classe dominante, enquanto a atitude do criminoso muitas vezes vista
como rebelde ou até mesmo revolucionária, ignorando-se o fato de que a maior parte
das vítimas dos desvios criminais também estão nas classes menos favorecidas
economicamente
92
ANITUA, 2015, p. 688.
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5.2.1 ABOLICIONISMO PENAL
93
HULSMAN, 2021, p. 79.
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Hulsman se opunha à ideia de que a opinião do “cidadão comum” era favorável
a punições rigorosas contra os criminosos a afirmava94 que o sistema de punição formal
sequestrava o conflito da vítima, dando a este uma solução ensaiada, burocrática,
violenta, insatisfatória para o ofendido e contraproducente para a sociedade. Para o
autor, cada órgão ou serviço encarregado da persecução penal trabalha de forma
atomizada e isolada. Desde a atuação policial até a execução penal, os policiais,
promotores e juízes, além de psicologicamente distantes do homem que prendem e
condenam, trabalham de forma muito pouco harmônica entre si e estão mais
preocupados com suas próprias prerrogativas político-institucionais do que com a
coesão social. Ademais, a cifra oculta do sistema de justiça penal, isto é, a diferença
entre o número de crimes realmente praticados e aqueles desvendados e processados
pelo sistema oficial é tão alta que chega a ser incalculável.
94
Ibidem, p. 100.
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Propunha uma maior participação na resolução dos conflitos e na criação de soluções
especificamente voltadas para cada situação problemática. Era, todavia, um
abolicionista moderado, uma vez que não se opunha a um outro tipo de leis ou normas
consensuadas, e de julgamentos ou rituais participativos, caso isso reconduzisse para a
redução ou eliminação da dor e da violência.
95
ANITUA, 2015, p. 730- 732.
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jurídico positivo, dariam a este sistema a qualidade de garantista que afastaria os
indesejados abusos dos quais se queixam a maior parte dos abolicionistas.
(II) Nullum crimen sine lege - princípio da legalidade – seu desrespeito leva a um
sistema com normas incriminadoras vagas ou com retroatividade em desfavor do
acusado.
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(XI) Nullum accusatio sine probatione - princípio do ônus da prova ou da
verificação – exige verificação probatória em sentido forte repudiando provas ilícitas
contrárias ao acusado.
96
ANITUA, 2015, p. 735.
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