Apostila 2023 - Criminologia - Professor Francisco Menezes

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CRIMINOLOGIA

Prof. Francisco Menezes


SUMÁRIO
1 O QUE É CRIMINOLOGIA E COMO ELA SE RELACIONA COM AS OUTRAS CIÊNCIAS
CRIMINAIS....................................................................................................................... 2
2 OBJETOS DA CRIMINOLOGIA ................................................................................... 4
2.1 O CRIME .......................................................................................................... 4
2.2 O CRIMINOSO ................................................................................................. 6
2.3 A VÍTIMA ......................................................................................................... 8
2.4 CONTROLE SOCIAL DO CRIME ....................................................................... 11
3 OS PRECURSORES DA HISTÓRIA DOS PENSAMENTOS CRIMINOLÓGICOS: DO
ILUMINISMO PENAL AO POSITIVISMO CRIMINOLÓGICO .............................................. 13
3.1 A FASE PRÉ CIENTÍFICA DA CRIMINOLOGIA: A ESCOLA CLÁSSICA ................. 14
3.2 A ESCOLA POSITIVISTA E SEUS PRECUSORES ................................................. 17
3.3 A SOCIOLOGIA CRIMINAL DE ENRICO FERRI E O POSITIVISMO MODERADO DE
GAROFALO ................................................................................................................ 21
3.4 CRÍTICAS AO POSITIVISMO E CONCLUSÕES SOBRE O “CONFLITO ENTRE ESCOLAS” 23
4 ESCOLAS SOCIOLÓGICAS DAS TEORIAS DO CONSENSO ......................................... 27
4.1 ESCOLA DE CHICAGO E A TEORIA DA ECOLOGIA CRIMINAL .................................. 28
4.2 TEORIA DA ASSOCIAÇÃO DIFERENCIAL ......................................................... 32
4.3 TEORIA DA ANOMIA......................................................................................... 35
5 ESCOLA SOCIOLÓGICAS DAS TEORIAS DO CONFLITOo.......................................... 39
5.1 LABELLING APROACH .................................................................................... 40
5.2 CRIMINOLOGIA CRÍTICA ................................................................................... 45
5.2.1 ABOLICIONISMO PENAL ............................................................................ 48
5.2.2 MINIMALISMO E GARANTISMO PENAL .......................................................... 50
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 53

Apostila atualizada Abril/2023


1 O QUE É CRIMINOLOGIA E COMO ELA SE RELACIONA COM AS
OUTRAS CIÊNCIAS CRIMINAIS

Definir ou conceituar a criminologia é um trabalho mais difícil do que a maior


parte dos manuais sugerem, uma vez que, conforme explicita Gabriel Ignácio Anitua1,
são muitos os pensamentos criminológicos que, ao longo dos últimos séculos, se
dedicaram a estudar o fenômeno do “desvio criminal”, seja na biologia dos homens, na
ecologia das cidades, na associação diferencial do aprendizado humano, nas subculturas
delinquentes ou nos próprios mecanismos de rotulação dos sistemas penais.

Conforme afirma Antonio Garcia Pablos de Molina 2 , a criminologia pode ser


definida como a ciência interdisciplinar, de método empírico, que estuda o crime, o
delinquente, a vítima e o controle social do comportamento criminoso.

A criminologia, portanto, se diferencia do direito penal, uma vez que este,


conforme explica Bitencourt3, pode ser conceituado, por um lado, como o conjunto de
normas que regem as infrações de natureza penal (crimes e contravenções) e suas
respectivas sanções (penas e medidas de segurança) e, por outro, como a ciência jurídica
que estuda, valora, interpreta e sistematiza estas normas (ou seja, como ciência ou
dogmática jurídico-penal).

Assim, enquanto o operador do direito observa interessadamente a realidade


para saber se esta está subsumida a um modelo normativo, para que assim possa se
aplicar a sanção devida, o criminólogo investiga a realidade sem preconcepções, para,
através das contribuições de diversas ciências como a sociologia, psicologia ou
antropologia, desvendar as determinações do crime e dos processos de criminalização
primária e secundária na sociedade.

Direito penal e criminologia são ciências que estudam o crime, mas a primeira se
ocupa do delito enquanto norma, e a segunda, enquanto fato social. A criminologia
investiga o ser, enquanto o direito penal estuda o dever-ser.

1
ANITUA, 2015, p. 17.
2
MOLINA, 2012, p. 30.
3
BITENCOURT, 2020, p. 44.
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Ainda comparando os dois saberes, no que diz respeito ao método, o direito
penal possui um proceder lógico-dedutivo sistemático 4 , enquanto a criminologia
5
apresenta um método empírico-indutivo interdisciplinar , trabalhando com a
observação do fenômeno do crime (ou da criminalização) para deduzir quais são suas
determinações, seja na psicologia do homem, na desorganização social das cidades ou
nas cerimônias degradantes do próprio sistema punitivo. Enfim, observa-se a realidade
para extrair dela a etiologia do fato criminoso, sua estrutura interna e dinâmica e ainda,
se possível, inferir suas formas de prevenção e controle.

Por sua vez, a política criminal é conceituada por Salomão Shecaira6 como “a
disciplina que oferece aos poderes públicos as opções concretas adequadas para o
controle do crime, atuando como ponte eficaz entre o direito penal e a criminologia”.
Nesta ordem de ideias, a política criminal pode ser definida como o conjunto de
estratégias, empregadas por cada um dos entes públicos do Estado, para prevenir e
reprimir o crime, bem como para mitigar suas consequências.

A política criminal não possui autonomia científica, por carecer de um método


próprio, e por isso absorve os aportes do saber empírico da criminologia transformando-
os nas mais variadas práticas de enfrentamento e prevenção do crime: desde instalação
de iluminação pública ou revitalização de praças e locais de passagem nas grandes
cidades, até a organização de programas de capacitação profissional de jovens que
moram em locais de maior vulnerabilidade socioeconômica, bem como, é claro, a
criminalização de condutas. O direito penal como sistema normativo e institucional de
punição de comportamentos intoleráveis é nada mais que um dos braços da política
criminal, enquanto a criminologia é (ou deveria ser) seu substrato científico.

4
O operador do direito observa a conduta humana para saber se esta está subsumida a um
modelo analítico ou dogmático de crime, isto é, se o comportamento humano é típico, ilícito e
culpável. Em caso positivo, deduz qual é a sanção cabível segundo as regras de individualização
e dosimetria da pena, bem como da delimitação do poder punitivo do Estado.
5
Nos sentimos obrigados a alertar o leitor que, embora seja seguro afirmar que a criminologia
possui método empírico em provas de concursos, como são muitos os pensamentos
criminológicos, também são variados os métodos de análise e abordagem da realidade criminal.
Criminólogos críticos, de viés marxista, utilizam o materialismo histórico-dialético para
compreender o crime enquanto subproduto da infraestrutura econômica que alicerça as relações
de produção e o direito penal como superestrutura ideológica que mantém as relações de poder.
Assim, a empiria é bem menos importante para os críticos do que era, por exemplo, para os
positivistas.
6
SHECAIRA, 2018, p. 46.
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2 OBJETOS DA CRIMINOLOGIA

Conforme afirma Christiano Gonzaga7, objeto central da criminologia só poderia


ser o crime. Todavia, esta ciência se ocupa também do estudo do criminoso, da vítima,
dos controles sociais formais e informais, bem como dos métodos de prevenção do
desvio criminal. Analisemos cada um destes objetos.

2.1 O CRIME

O conceito criminológico de crime, por óbvio, não pode ser idêntico ao conceito
jurídico. Desde o início do século XX, com o aperfeiçoamento do sistema causal
naturalista, a dogmática jurídico-penal conceitua o crime como sendo um fato típico,
ilícito e culpável, o que normalmente é chamado de conceito analítico de delito. Tal
definição é razoavelmente precisa para conceder ao jurista um conhecimento sistêmico
dos substratos que permitem a incidência da norma incriminadora, dando, assim,
previsibilidade às decisões judiciais.

Contudo, embora o conceito jurídico-penal seja útil como ponto de partida para
compreender os processos de criminalização e seus efeitos na produção e reprodução
do desvio criminal, não se trata de um conceito empírico-científico que satisfaz as
necessidades da criminologia enquanto ciência causal-explicativa. Ademais, o direito
enxerga o crime como conduta do indivíduo, enquanto as investigações criminológicas
o têm como fenômeno social.

Conforme afirma Garcia-Pablos de Molina8, o conceito penal de delito é jurídico-


formal, normativo e estático, enquanto o criminológico é empírico, real e dinâmico.
Nesta perspectiva, o autor apresenta uma série de conceitos de crime ao longo da
história do pensamento criminológico, afirmando que Garófalo foi um dos primeiros a
formar um conceito material de crime que chamou de delito natural: “uma lesão
daquela parte do sentido moral, que consiste nos sentimentos altruístas fundamentais

7
GONZAGA, 2018, p. 19.
8
MOLINA, 2012, p. 64-66.
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(piedade e probidade) segundo o padrão médio das raças superiores, cuja medida é
necessária para adaptação do indivíduo na sociedade”9.

A sociologia, por sua vez, costuma utilizar o conceito de conduta desviada,


tomando por critério as expectativas de uma dada sociedade. Christiano Gonzaga 10 ,
lembrando as lições de Jakobs, inspiradas em Niklas Luhmann, assenta que,
sociologicamente, o crime também pode ser conceituado como a frustração das
expectativas normativas estabelecidas pelo sistema jurídico, expectativas estas que são
estabilizadas a partir da aplicação de sanções jurídicas que negam a conduta do
criminoso em reforço à estabilidade social.

Teóricos do interacionismo simbólico, também chamado e labelling approach11,


afirmam não existe um conceito ontológico de delito, pois o crime seria apenas o
resultado dos processos de reação social e institucional à determinadas condutas
etiquetadas pelos processos de criminalização.

Apesar da riqueza da historicidade do conceito criminológico de delito, Salomão


Shecaira12, com maestria, apresenta os quatro elementos necessários para se atribuir
a condição de crime a determinado fato conforme a razoável consenso da literatura
criminológica. Estudemos cada um deles.

(I) Incidência massiva na população. Um fato isolado, sem qualquer


representatividade estatística na população, jamais poderia ser considerado
criminoso.13
(II) Incidência aflitiva do fato praticado. Quando considerado fenômeno social,
é esperado que o crime cause dor, aflição, sofrimento, quer à vítima direta ou à
comunidade como um todo. Condutas meramente inadequadas à ética ou á

9
Fácil perceber, no entanto, o caráter problemático do conceito ao presumir uma moralidade
universal de “raças superiores”.
10
GONZAGA, 2018, p. 19.
11
Que será estudado no capítulo dedicado às escolas sociológicas da criminologia.
12
SHECAIRA, 2018, p. 49.
13
Shecaira lembra a lamentável criminalização, pela Lei 7.643/87, da conduta de molestamento
de cetáceos por conta da morte de um filhote de baleia em uma praia carioca devido à introdução
de um palito de picolé em seu orifício de respiração. A conduta jamais se adequaria às condições
para o reconhecimento criminológico do fenômeno enquanto delito. Aliás, o legislador brasileiro
é pródigo quanto à produção de normas motivadas tão somente pelo último escândalo do
momento.
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determinado seguimento de regras não poderiam ser criminalizadas sem que
apresentem alguma aflitividade.14
(III) Persistência espaço-temporal do fato. Além de massivo e aflitivo, a
incidência do fato deve se estender por todo o território nacional e persistir por algum
tempo. Modas fugazes que já não se adequam a um desvio criminal formalmente
tipificado não devem ser considerados criminosas, ou, se já forem, não devem ter a pena
majorada.15

(IV) Inequívoco consenso a respeito de sua etiologia e de quais técnicas de


intervenção seriam mais eficazes para seu combate. Embora o uso do álcool preencha
os três primeiros elementos, sabe-se, pela experiência norte americana, que a
criminalização não seria um meio eficaz para seu combate.

2.2 O CRIMINOSO

A pessoa do criminoso, como era de se esperar, também é objeto dos estudos


criminológicos, embora nem sempre esteja no centro gravitacional das investigações.

Qual é a imagem que os múltiplos pensamentos criminológicos pintam do


criminoso? Pablos de Molina 16 afirma que são quatro as respostas paradigmáticas
encontradas na literatura: a clássica, a positivista, a correcionalista e a marxista.

A visão clássica surge no iluminismo, movimento que se inicia na Europa do


século XVII e XVIII e possui ramificações que se estendem por campos como a filosofia,
economia, política, artes e pelo próprio direito. Se caracterizou pelo enaltecimento da
razão como única fonte do conhecimento verdadeiro e pelo combate à religião
institucionalizada. Os clássicos, como Beccaria e Carrara, acreditavam no livre-arbítrio
do homem, na igualdade qualitativa entre as pessoas e, consequentemente, no caráter
retributivo e intimidatório que deveria ser apregoado à pena. O criminoso, para os

14
Mais uma vez, Shecaira exemplifica com a legislação brasileira, citando a Lei 4.888/65 que
criminaliza o uso inadequado da expressão “couro sintético”, um claro desrespeito às
convenções criminológicas sobre os elementos básicos do fato criminoso.
15
Cita-se o furto de uma peça de para-brisas dos antigos “fusquinhas” para fazer “anéis de
brucutu”, uma febre dos anos 60, uma vez que tais peças eram usadas por um dos integrantes
da jovem guarda. Seria inadequado majorar a pena de tal conduta, claramente motivada por uma
moda passageira.
16
MOLINA, 2012, p. 69.
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clássicos, era, como lembra Shecaira 17 , “um pecador que optou pelo mal, embora
pudesse e devesse respeitar a lei”. O contrato social, aos moldes da filosofia de
Rousseau, embasava a ideia de que o criminoso que optou por delinquir abriu mão de
sua parcela de liberdade ao desobedecer a uma convenção socialmente pactuada e, por
isso, a punição deveria ser proporcional ao mal causado.

No século XIX, o positivismo criminológico oferece novo desdobramento das


ideias iluministas e transforma a própria pessoa do criminoso, especialmente seus
caracteres biopsicossociais (e não mais sua suposta liberdade de escolha) no centro de
gravidade dos estudos criminológicos. Para a escola positivista, que iniciou a fase
científica da criminologia com Lombroso, mas também teve em Ferri e Garofalo seus
principais expoentes (além de nomes como Nina Rodrigues no Brasil), o criminoso é um
prisioneiro de sua própria carga genética atávica, sendo identificado como homem
abaixo dos demais na escala evolutiva, portador de uma patologia biopsicológica ou
vítima das amarras da dessocialização. Positivistas defendiam, portanto, um
determinismo biológico ou social e a consequente inexistência do livre-arbítrio. As penas
deveriam ser voltadas para à “defesa social”18, verdadeira contenção ou inocuização da
periculosidade do criminoso para a proteção da sociedade.

No panorama correcionalista, por sua vez, a imagem do criminoso, conforme


aborda Pablos de Molina19, é a de um se inferior, deficiente, incapaz de dirigir por si
mesmo sua vida, sendo necessária a tutela pedagógica e pietista do Estado. O
delinquente seria visto como uma espécie de inválido que deve receber do ente estatal
o que lhe falta para corrigir sua dessocialização ou carência de vontade. Luiz Regis
Prado20 afirma que tal escola nasce na Alemanha em 1839, com a obra de Carlos David
Augusto Roder, fundamentada na filosofia krausista, porém foi na Espanha que a escola
realmente se desenvolveu. O fim dado à pena é a principal característica dos
correcionalistas: emenda e correção. Para este fim, a pena idônea seria a privação de
liberdade sem prévia fixação do tempo de duração (duraria o tempo necessário para a

17
SHECAIRA, 2018, p. 51.
18
FERRI, 1900, p. 223-224.
19
MOLINA, 2012, p. 69.
20
PRADO, 2019, p. 79.
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correção do criminoso. A responsabilidade penal é entendida como um dever coletivo,
solidário e difuso.

Por fim, a perspectiva Marxista é a de que o criminoso está condicionado às


relações materiais de produção. É necessário lembrar que Karl Marx jamais se debruçou
sobre o mundo jurídico, uma vez que apregoava que o direito não passava de mais uma
das superestruturas ideológicas erigidas sobre a infraestrutura econômica constituída,
por sua vez, pela luta de duas classes sociais: os detentores dos meios de produção que
acumulam capital (a burguesia) e os que não são proprietários dos meios de produção
e precisam vender seu trabalho para sobreviver e, assim, só conseguem acumular sua
própria prole (por isso, são proletários). Neste diapasão, o criminoso, normalmente
parte da classe trabalhadora, é mera vítima fungível e inocente (quando não
legitimamente rebelde) do sistema econômico e pena é mera manifestação ideológica
de manutenção das relações de exploração entre classes.

Conforme dito por Molina 21 , a criminologia “moderna”, realizada a partir do


século XX, deixou o estudo do criminoso em segundo plano, pois o giro sociológico,
obtido a partir dos trabalhos da escola de Chicago, substituiu o plano individualista pelo
enfoque político-criminal coletivo. Contudo, Shecaira22 nos alerta para o fato de que,
embora as concepções acima sejam um tanto anacrônicas, uma vez que as teorias do
conflito revelaram que o crime pode ser (e muitas vezes somente é) produto de
processos de rotulação de comportamentos pelos instrumentos de criminalização, não
devemos descartar cada uma das perspectivas sobre o criminoso tão rapidamente, pois,
antes de se excluir, elas se completam, compondo um grande mosaico que desenha a
figura do indivíduo considerado desviante.

2.3 A VÍTIMA

A semântica original da palavra vítima, conforme ensina Salomão Shecaira 23 ,


designa a pessoa ou animal que seria sacrificado à divindade. No conceito jurídico-penal,

21
MOLINA, 2012, p. 69.
22
SHECAIRA, 2018, p. 52.
23
SHECAIRA, 2018, p. 53.
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é o indivíduo que sofre as consequências da violação da norma incriminadora ou o titular
do bem jurídico protegido por esta.

A história do direito penal e processual penal apresenta três grandes momentos


quanto ao papel da vítima: a idade de ouro, a neutralização e, a mais recente,
revalorização.

Desde a formação das primeiras civilizações, a vítima possuía protagonismo na


operacionalização do próprio sistema punitivo: a vingança privada vigorou por longo
período na história e tal idade de ouro durou até o início da baixa idade média, com o
surgimento da estrutura do Estado no século XIII, e o consequente “sequestro” da
gestão de conflitos.

Conforme disserta Anitua 24 , com surgimento do procedimento inquisitório, o


Estado se apropriou dos conflitos e passou a monopolizar seus métodos de resolução,
neutralizando por completo o papel da vítima, tornando-a quase um objeto do próprio
sistema punitivo. As formas de autotutela foram limitadas e até mesmo a mais basilar
das causas de justificação (a legítima defesa) passou a ter seus meios e limites
absolutamente regrados.

A revalorização do papel da vítima começa já no iluminismo, com autores que


sugerem a destinação da multa penal para a remuneração da vítima. Foi apenas após a
Segunda Guerra Mundial que os estudos pioneiros de Von Henting (com a obra: o
criminoso e sua vítima, de 1948) e Mendelsohn (em uma prestigiada conferência
proferida em Bucareste, em 1947, de nome: Um horizonte novo na ciência
biopsicossocial) abriram caminho para a demonstração de que o estudo do papel da
vítima no desencadeamento do fato criminal (vitimologia) é complexo e demanda uma
série de mecanismos como assistência jurídica e psicológica, mas permitem o estudo
empírico dos efeitos da violência criminal e a investigação das cifras ocultas da
criminalidade. Molina 25 , porém, acertadamente assevera que o retorno da vítima à
posição de protagonismo nos interesses processuais penais não pode representar uma
regressão ao passado revanchista da vingança privada. Em suas palavras, “o movimento

24
ANITUA, 2015, p. 24.
25
MOLINA, 2012, p. 73.
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vitimológico persegue uma redefinição global do status da vítima e de suas relações com
o delinquente, com o sistema legal, com a sociedade, com os poderes públicos, com a
ação política (econômica, social, assistencial etc)”.

É necessário ainda, no que diz respeito aos estudos vitimológicos, explorar


alguns conceitos relacionados à vitimização. Embora tenha sido apropriados pelo
discurso político contemporâneo, o termo se refere a três fenômenos estudados pela
vitimologia tangentes aos sofrimentos que atingem direta e indiretamente as vítimas do
delito. Conforme ensina Shecaira26, a vitimização primária ocorre quando o ofendido
sofre diretamente a prática do crime. Refere-se, pois, à violação do bem jurídico
propriamente dito. A vitimização secundária diz respeito às aflições sentidas pela vítima
do crime quando se expõe aos órgãos de persecução do Estado. Desde a burocratização
da resposta estatal com o inquérito policial (e os correlatos exames médico-forenses
necessários à constituição da prova processual), à repetição constante da memória das
violências sofridas no contraditório judicial. A vitimização terciária se refere à
estigmatização da vítima na sociedade, no seu meio social e familiar. Podem haver
mudanças nos relacionamentos interpessoais quando família, amigos e colegas passam
a ver determinada pessoa como vítima de crime. As aflições podem ser maiores em
alguns delitos (como crimes contra a dignidade sexual). O termo também se refere ao
sofrimento de pessoas que, embora relacionados com o crime, recebem consequências
que vão além dos limites legais, tais como torturas por parte do aparelho policial. Pode
se referir ainda às imputações injustas, seja pelo sensacionalismo da mídia ou das redes
sociais, ou pelos processos movidos contra pessoa inocente.

Segundo Pablos de Molina27, em um sentido mais amplo, a expressão vitimização


também pode se referir aos processos de autoculpabilização ou heteroculpabilização da
vítima: sequelas psicopatológicas tangentes à autoculpabilização do sujeito passivo do
crime ou técnicas de justificação do criminoso para desviar a culpa para a conduta da
própria vítima. Atualmente, com a revalorização do papel da vítima, diversas tipologias
ou modelos teóricos explicativos da vitimização começaram a surgir, porém, a

26
SHECAIRA, 2018, p. 56.
27
MOLINA, 2012, p. 81.
2023 | CRIMINOLOGIA | 10
redefinição do papel da vítima no processo penal continua a ser polêmica, uma vez que
a persecução não pode se tornar um instrumento de vingança privada.

2.4 CONTROLE SOCIAL DO CRIME

Shecaira28 afirma que o controle social do delito pode ser conceituado como “o
conjunto de mecanismos e sanções sociais que pretendem submeter o indivíduo aos
modelos e normas comunitários. Tais mecanismos passam a se tornar objeto da
criminologia somente a partir do século XX, no âmbito da sociologia estadunidense.

O controle social pode ser exercido através de duas básicas instâncias que
conformam o indivíduo às pautas de conduta socialmente aceitáveis. O controle social
informal se refere aos mecanismos tangentes às diversas instâncias da sociedade civil:
a família (núcleo primário de controle social), a escola, o costume, a religião, a profissão,
a opinião pública etc. As sanções impostas pelos sistemas de controle informal são mais
sutis e culturais e visam à internalização das regras de conduta apreciáveis pela
expectativa social, isto é, tratam-se de um processo de socialização. Seguro dizer que
tais sistemas de controle são mais eficazes do que os sistemas formais e burocratizados,
mas este fato só é claro nas sociedades menos complexas, nas quais os vínculos
horizontais de comunidade são sentidos de maneira mais intensa pelo indivíduo.

O sistema de controle social formal, conforme explica Molina29, se identifica por


três componentes fundamentais: norma, processo e sanção. É claro que todo controle
social possui algum grau de formalização, ou seja, de previsibilidade, controlabilidade e
vinculação a princípios e critérios de conformidade, porém, o controle formal (que
possui no direito penal sua estrutura mais rígida, embora o direito administrativo
sancionador também esteja nesta categoria) se caracteriza pela institucionalização de
seus órgãos (polícia, Ministério Público e Poder Judiciário) e pela natureza coercitiva e
estigmatizante de suas sanções, sendo a pena privativa de liberdade o exemplo mais
extremo (pelo menos no Brasil).

28
SHECAIRA, 2018, p. 57.
29
MOLINA, 2012, p. 127.
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Quanto à eficácia do controle social, importante notar que os estudos
criminológicos sempre tiveram dificuldade em relacionar o endurecimento da
criminalização com a possível redução do número de delitos. A eficácia da prevenção
realizada pelo sistema de controle formal é relativa e limitada, pois o crime é
multifatorial e sua existência dialoga com as cerimônias degradantes inerentes ao
sistema.

Prevenção primária consiste em implementação de medidas indiretas de


prevenção que desestimulam as determinações do crime, como medidas sociais que
garantam o pleno emprego. Prevenção secundária é aquela que atua sobre
determinados grupos que estão, por diversas questões socioeconômicas e culturais,
mais propensos a delinquir. Finalmente, a prevenção terciária é aquela que atua depois
do trânsito em julgado da condenação, com medidas que asseguram a integração do
apenado e desestimulam sua reincidência.

2023 | CRIMINOLOGIA | 12
3 OS PRECURSORES DA HISTÓRIA DOS PENSAMENTOS
CRIMINOLÓGICOS: DO ILUMINISMO PENAL AO POSITIVISMO
CRIMINOLÓGICO

Gabriel Anitua 30 inicia sua abordagem sobre a história dos pensamentos


criminológicos a partir do século XIII, já que é na baixa idade média que ocorre o
sequestro do conflito pelo estado moderno com o consequente surgimento das
estruturas burocráticas que atuam na questão criminal: a pena, o delito, o juízo, enfim,
o germen de todas estas estruturas começa nesta época. Eugênio Raul Zaffaroni31 afirma
que o primeiro modelo integrado de criminologia se dá com o Malleus maleficarum (o
martelo das bruxas), obra de 1487 que estabelecia parâmetros para identificação de
inimigos “endemoniados” e critérios de combate destes “delinquentes”.

Como expõe Shecaira32, também seria possível dizer que a criminologia nasce
com o surgimento do iluminismo e os filósofos e juristas da escola clássica, tais como
Beccaria e Carrara. Porém, apesar de essenciais para a criação da principiologia e da
dogmática jurídico-penal, bem como do pensamento da questão criminal para além da
ótica religiosa-absolutista, os trabalhos da chamada “escola clássica” não apresentam o
rigor científico e metodológico necessários para a investigação das determinações do
crime.

Para as provas de concurso, é mais seguro dizer que Cesare Lombroso33 foi o
fundador da criminologia moderna, que nasce, portanto, a partir da obra O Homem
delinquente, de 1876. Assim, pode-se dizer que o positivismo criminológico italiano
deu início à fase científica da criminologia.

Entretanto, ainda é necessário estudar a contribuição dos “clássicos”, uma vez


que os positivistas se apresentam perante aqueles como espécie de antítese científica
contra a vertente metafísica do iluminismo.

30
ANITUA, 2015, p. 25.
31
ZAFFARONI, 2011, p. 25-26.
32
SHECAIRA, 2018, p. 77.
33
LOMBROSO, 1896.
2023 | CRIMINOLOGIA | 13
3.1 A FASE PRÉ-CIENTÍFICA DA CRIMINOLOGIA: A ESCOLA CLÁSSICA

Conforme explica Shecaira34, não existiu uma “escola clássica”, pelo menos não
enquanto escola organizada e única. Aliás, este termo foi criado muito depois pelos
positivistas (estes, sim, organizados em uma escola que seguia as mesmas linhas gerais)
como uma espécie de rótulo deslegitimador. Porém, tanto clássicos quanto positivistas
foram crias do iluminismo europeu.

O iluminismo é normalmente descrito como sendo um movimento cultural do


século XVIII, cujo epicentro se deu na França e cujas consequências se estenderam pela
política, filosofia e até pela economia e pelas ciências em geral. Os iluministas
propunham um novo relacionamento do homem com a sociedade e com a própria
realidade. As explicações teológicas ou metafísicas não mais bastavam para
compreensão das estruturas sociais. A razão humana foi elevada a única fonte
verdadeira de conhecimento, e o período se notabilizou pelo combate à religião
institucionalizada, o que levou à queda do absolutismo monárquico, e à laicização do
direito, com a secularização das leis. A sociedade passaria a se organizar não mais pelo
direito divino de um soberano, mas por um contrato social, aos moldes da filosofia
política de Rousseau (ou Hobbes).

Contudo, conforme bem ensina Anitua35, não podemos romantizar o iluminismo


sem fazer notar suas contradições. A própria ideia de contrato social pressupunha a
concordância e a igualdade formal entre todos os cidadãos. Porém, o status de cidadania
não era ofertado a todos: mulheres, estrangeiros e minorias marginalizadas
permaneceriam cidadãos de segunda categoria.

A própria ideia de contrato trazia consigo uma concepção individualista típica da


formação política do pensamento liberal e, como expõe Paulo César Busato 36 ,
possibilitou um modelo de sociedade e de desenvolvimento científico que transferiu o
poder político e econômico da aristocracia agrária para a burguesia urbana, nova
detentora dos meios de produção industrial. No entanto, a afirmação do novo

34
SHECAIRA, 2018, p. 78
35
ANITUA, 2015, p. 126.
36
BUSATO, 2018, p. 200.
2023 | CRIMINOLOGIA | 14
cientificismo permitiu a passagem do direito natural religioso ao direito natural
antropocêntrico, de caráter racionalista, de forma que, no direito penal, formaram-se
críticas contundentes ao sistema punitivo vigente até então: um sistema de caráter
inquisitorial, absolutista, que mantinha como pena os suplícios e execuções, enquanto
a tortura era mecanismo regular de obtenção de prova de presos comuns.

O livro que, neste período, deu início ao chamado “direito penal da ilustração”,
que inaugurou a fase humanista e racional do direito penal, foi Dos Delitos e das Penas,
de Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria. De forma eloquente e eficaz, Beccaria 37
criticou a crueldade dos suplícios, a desproporcionalidade das penas e à tortura como
meio de prova. Ainda escreveu críticas aos direitos de propriedade aristocráticos, e
pregou a tolerância, o pluralismo religioso e a igualdade formal perante a lei. A punição
deveria ser organizada para se tornar inevitável, consistente e rápida. Defendia uma
perspectiva retributiva e preventiva geral negativa da pena, isto é, a punição deveria ser
proporcional ao mal causado pelo crime e servir para prevenir crimes futuros,
dissuadindo futuros criminosos no seio social. Beccaria 38 também menciona que a
origem do direito de punir está no contrato social e o fundamento da pena, está no livre-
arbítrio do homem que escolheu romper tal pacto.

Apesar de sua imensa influência, é necessário perceber que Beccaria não foi de
todo original, publicando em sua obra um resumo das ideias que circulavam pelas
páginas e bocas de muitos dos filósofos iluministas da sua época.39

Bitencourt40 resume bem os pressupostos da teoria clássica do contrato social


em 3 pontos: (I) a teoria presume um consenso entre os seres humanos racionais
tangente à moralidade, o certo e o errado; (II) o comportamento ilícito produzido em
uma sociedade, com o consequente rompimento do pacto social, é irracional e
patológico (embora praticado por uma pessoa livre e sã); (III) os critérios para
determinar a racionalidade ou irracionalidade de um ato seriam definidos a partir de sua

37
BECARIA, 2015, p. 52-76.
38
BECARIA, 2015, p. 22-24.
39
SHECAIRA, 2018, p. 93.
40
BITENCOURT, 2020, p. 115.
2023 | CRIMINOLOGIA | 15
utilidade, em especial, aquela voltada à organização social conveniente à nova forma de
produção da sociedade industrial.

Se Beccaria foi o pai do direito penal ilustrado, Francesco Carrara, um dos


maiores nomes da escola clássica, foi o pai da dogmática jurídico-penal. Conforme
descreve Alessandro Baratta41, Carrara baseava sua doutrina no direito natural e a pena
correspondia aos sentimentos da consciência universal e foi um dos precursores do
conceito formal de crime, ao afirmar que o delito não é um ente de fato, mas sim um
ente jurídico.

Bitencourt 42 , com maestria, sintetiza os quatro princípios fundamentais da


escola de Carrara: (I) o crime é um ente jurídico, ou seja, não é uma ação de fato e sim
uma infração do direito; (II) o livre-arbítrio é fundamento da punibilidade; (III) a pena é
uma forma de tutela jurídica para retribuição da culpa moral, adotando-se a teoria
retributiva ou absoluta (IV) adota-se o princípio da reserva legal, embora o princípio da
legalidade conforme conhecemos só tenha sido plenamente composto por Feuerbach.

Outros foram os nomes que contribuíram para a formação e desenvolvimento


do período e dos trabalhos jurídicos e filosóficos que são atribuídos à escola clássica.
Podemos, entretanto, resumir suas contribuições para o pensamento criminal: a “escola
clássica” foi responsável pela laicização do direito, fundou a punição no livre-arbítrio do
homem e pena enquanto medida repressiva, aflitiva e pessoal. Preocupou-se com a
soberania da lei e o afastamento do arbítrio.

É possível, contudo, apresentar críticas ao legado dos autores do período. O


aspecto retributivo da pena é dificilmente compatível com a proteção de bens jurídicos
e outros corolários do direito penal democrático. A prevenção geral negativa, ou seja, a
intimidação coletiva de futuros criminosos como segundo fundamento da pena,
também é problemática, uma vez que presume o conhecimento da lei pelos
destinatários desta (o que é bastante irrealista, pois nem mesmo criminalistas
conhecem todos os tipos penais atuais), bem como a capacidade da punição de
condicionar comportamentos, o que é empiricamente falso. Ademais, é justamente no

41
BARATTA, 2016, p. 36
42
BITENCOURT, 2020, p. 117.
2023 | CRIMINOLOGIA | 16
empirismo que a escola clássica merece mais críticas, pois, conforme afirma Christiano
43
Gonzaga , os clássicos não se preocupavam com os estudos empíricos das
determinações do crime ou do criminoso. Assim, a escola positivista italiana abordará
exatamente esta deficiência no desenvolvimento de seus estudos.

3.2 A ESCOLA POSITIVISTA E SEUS PRECURSORES

Várias explicações pseudocientíficas que, ao longo da história, tentaram


esclarecer a origem do comportamento criminoso. Salomão Shecaira44 conta que desde
a idade média diversas manifestações e estudos mais ou menos rigorosos podem ser
catalogados, mas a mais importante das pseudociências que influenciaram a
criminologia positivista foi a fisionomia, para a qual, através dos dados fisionômicos de
uma pessoa, seria possível deduzir seus caracteres psíquicos e morais, associando-se
diretamente à aparência (e à beleza) estética e a qualidade ética. Dentre os
fisionomistas, destaca-se Johan Caspar Lavater que, em 1776, defendeu que o caráter e
o temperamento do ser humano poderiam ser percebidos a partir dos contornos de sua
face. O criminoso teria uma maldade natural perceptível pelo formato oblíquo do seu
nariz ou a ferocidade de seus olhos. Estas manifestações levaram a figuras como o
Marquês de Moscardi, juiz napolitano, que criou o Edito de Valério: “quando se tem
dúvida entre dois presumidos culpados, condena-se sempre o mais feio”.

A fisionomia gerou a cranioscopia, criada por Franz Gall na virada do século XVIII
para o XIX, tratava-se de pseudociência que apregoava que era possível deduzir as
faculdades mentais e morais da pessoa a partir da análise da forma externa de seus
crânios. Tais estudos se desdobraram na criação da frenologia, precursora da moderna
neurofisiologia e da neuropsiquiatria. Shecaira45 resume as propostas da frenologia: (I)
toda faculdade mental possui um território no cérebro; (II) forma do crânio possui a
impressão fiel da composição cerebral; (III) qualquer alteração da constituição orgânica
do cérebro, perceptível pela análise da morfologia craniada, corresponde a uma
alteração da função psíquica. O crime, segundo Gall, seria resultado de um

43
GONZAGA, 2018, p. 43.
44
SHECAIRA, 2018, p. 79-85.
45
SHECAIRA, 2018, p. 81.
2023 | CRIMINOLOGIA | 17
desenvolvimento parcial e não compensado do cérebro, o que ocasionaria hiperfunção
de determinado sentimento, como agressividade ou cobiça. A teoria de Gall não foi bem
recebida na igreja ou mesmo no cenário político de Viena, mas fincou raízes na França
e na Inglaterra conquistando diversos seguidores e vários outros frenologistas
realizaram trabalhos semelhantes no século XIX.

O sucesso relativo da frenologia na Inglaterra e, principalmente, nos Estados


Unidos é bem explicada por Vera Malaguti Batista 46 quando afirma que o ambiente
racista do pós-escravismo estadunidense era próprio para a aceitação de teorias que
legitimavam a suposta inferioridade de etnias inteiras47.

O cientificismo do século XIX, alavancado por todas as novas tecnologias da


revolução industrial e descobertas como a própria teoria da evolução de Charles Darwin,
estabeleceu o terreno fértil para o início da fase “científica” da criminologia a partir do
positivismo criminológico. Os supostos sinais fenotípicos de um “criminoso natural”
passaram a ser de conhecimento popular e estas ideias foram ventiladas nas mais
diversas publicações, mesmo fora do meio acadêmico. Nas palavras precisas de Gabriel
Anitua48, “Lombroso, antes de constituir uma criação original, é o resumo genial e a
conclusão das idéias frenológicas e psicofísicas de seu século, as quais recobre com o
título de uma nova ‘ciência’, cuja ajuda era solicitada pela crise do penalismo do final do
século”.

Independentemente de representar um produto do seu tempo, certo é que o


livro O homem delinquente, escrito por Cesare Lombroso, um médico alienista italiano,
foi o marco inicial da fase científica da criminologia. Lombroso identificava a si próprio
como o criador da antropologia criminal. Sua obra apresenta um exame sistemático e
anatômico de um grande número de criminosos de sua época, com uma vasta coleção
de ilustrações de faces e expressões, além de um estudo de costumes e interesses

46
BATISTA, 2011, P. 43.
47
Cabe, aqui, uma referência cinematográfica. No filme “Django livre”, de 2012, dirigido por
Quentin Tarantino, há uma cena na qual Calvin Candie, um senhor de escravos interpretado por
Leonardo DiCaprio, tenta demonstrar a cientificidade da escravidão afroamericana, cortando e
exibindo os sulcos do interior do crânio de um escravo falecido que provariam a hipertrofia da
região cerebral ligada à subserviência. Por óbvio, as pseudociências oitocentistas foram
provadas falaciosas e só tinham tanta capilaridade entre o público em geral porque justificavam
desumanidades. Como já dizia Foucault, o poder gera seu próprio saber.
48
ANITUA, 2015, p. 298.
2023 | CRIMINOLOGIA | 18
comuns aos infratores. A fisionomia da face, estrutura do tronco, mãos e pernas,
detalhes como rugas frontais, formato da testa e dos dentes eram observados e
reunidos criteriosamente. Emprestou ideias dos frenologistas e criou dezenas de
parâmetros frenológicos, cuja pesquisa envolvia capacidade craniana, circunferência,
formato, diâmetro, feições, dentre outros 49 . Analisava comparativamente (entre
homens “honestos” e “criminosos”) as características dos cabelos, dentes, íris, orelhas,
nariz, dentes e genitálias.50

Lombroso expõe que o acúmulo de anomalias fisionômicas está presente em


mais de 60% dos criminosos, estatística que sobe para 90% nos homicidas51. Em seguida,
conclui que tais anomalias são devido ao atavismo (ou seja, características hereditárias
remotas que permaneceram latentes) de pessoas pouco evoluídas em termos
biológicas. Remontam, nas palavras do autor, às “raças selvagens, mesmo os
antropoides. Um violador siciliano, um ladrão, três assassinos apresentam obliquidade
do orbital, arredondamento do crânio, saliência e distância dos zigomas, maxilar
quadrado e compacto e uma cor amarelada da pele, aparentando assim uma exata
reprodução do tipo mongol. (...) Nos criminosos, tal reunião de anomalias, sobretudo
atávicas nos dizem que eles tem o tipo criminal”52.

Anos mais tarde, Lombroso também escreveu, juntamente com Gugliermo


Ferrero, a obra A mulher delinquente na qual dissertou sobre as características
fisionômicas e comportamentais da mulher naturalmente criminosa. É sempre bom
lembrar que é inadequado olhar para o passado com os olhos do presente, porém, a
misoginia com a qual Lombroso e seu coautor analisavam as estatísticas do fenótipo das
mulheres de sua época é notoriamente lamentável. Primeiramente, a mulher é dividida
em três conjuntos possíveis: a normal, a delinquente (ou do tipo criminoso) e a
prostituta, sendo que a última apresentaria a menor capacidade cerebral (conforme
supostamente revelada pela média menos extensa de sua cavidade craniana) e a
delinquente apresentaria maior número de anormalidades fisionômicas. 53 Várias

49
LOMBROSO, 2001, p. 247-248.
50
LOMBROSO, 2001, p. 249-263.
51
LOMBROSO, 2001, p. 265.
52
LOMBROSO, 2001, p. 266.
53
LOMBROSO, 2017, p. 124.
2023 | CRIMINOLOGIA | 19
passagens afirmam a inferioridade intelectual da mulher, principalmente nas atividades
criativas, mas admitem, ao final, que a mulher delinquente possuiria, em comparação à
mulher normal, menos anomalias perceptíveis em comparação ao que ocorreria com o
homem. A suposta razão estaria no fato de que, para a mulher, a beleza e graça seriam
necessidades evolutivas supremas, de forma que as anomalias causaria degeneração
menos perceptível.54

O positivismo lombrosiano, portanto, abraça a noção de um determinismo


biológico do comportamento criminal, isto é, rechaçava a ideia de livre-arbítrio do
criminoso, uma vez que este seria determinado pela sua realidade biológica (seu
atavismo).

Nesta ordem de ideias, a punição não deveria se fundamentar em uma


culpabilidade centrada no livre-arbítrio (uma vez que este era mera ficção metafísica
dos filósofos da “escola clássica” e empiricamente indemonstrável). A pena deveria
servir à defesa social contra a periculosidade do delinquente natural e, neste sentido,
seria semelhante ao que hoje é a medida de segurança.

Cumpre salientar que estudiosos como Alessandro Baratta 55 afirmam que a


defesa social, enquanto ideologia punitiva, também esteve presente em muitos autores
da escola clássica, principalmente aqueles que defendiam um modelo integrado de
ciências criminais. Neste contexto, a distinção entre a escola positivista e a escola
clássica reside na metodologia geral tangente à explicação da criminalidade e,
principalmente, referente à atitude interior do agente que possui um dignificado moral-
normativo para os clássicos (a punição se baseia no desvalor moral da escolha do autor)
e sociopsicológico para os positivistas (a punição tem como finalidade a proteção da
sociedade da periculosidade do criminoso nato).

É fácil perceber que as conclusões de Lombroso estavam erradas, mas os motivos


nem sempre são evidentes. O famoso alienista apresentou um rigor científico notável
em seu trabalho e em sua metodologia. Contudo, o fundador da antropologia criminal,
ao contrário do que pensava, não analisava os criminosos, mas sim, os criminalizados,

54
LOMBROSO, 2017, p. 154.
55
BARATTA, 2016, p. 43.
2023 | CRIMINOLOGIA | 20
isto é, aqueles que eram capturados pelos filtros de seletividade do sistema punitivo
para sua época. Ademais, o fascínio pelas ciências naturais, típico do século XIX,
proporcionou a crença (que se mostrou falaciosa) de que o método empírico-indutivo,
aplicado à natureza do homem, poderia explicar até os mais complexos fenômenos
sociais. É justo lembrar que o próprio Lombroso afirmou, ao final de sua carreira
acadêmica, que o crime poderia ser multifatorial e que as anomalias fisiológicas típicas
do “homem delinquente” poderiam estar presente em “homens normais”. Ademais, é
inegável a influência e a importância deste autor para a ciência criminológica de forma
geral.

Deixaremos as críticas à etiologia positivista ao final, por ora, analisemos os


outros grandes nomes desta escola.

3.3 A SOCIOLOGIA CRIMINAL DE ENRICO FERRI E O POSITIVISMO MODERADO DE


RAFAELE GAROFALO

Rafael Garofalo foi um jurista da primeira fase da escola positiva. Conforme


explica Bitencourt56, a mais importante obra de Garofalo, intitulada criminologia, revela
influências que vão do evolucionismo de Charles Darwin ao darwinismo social de
Herbert Spencer, chegando a sugerir a pena de morte aos delinquentes natos que não
demonstrarem absoluta capacidade de adaptação.

Garolafo deu sistematização jurídica à escola positiva através dos seguintes


princípios: (I) a periculosidade é o fundamento da responsabilidade do delinquente; (II)
a prevenção especial negativa (neutralização da periculosidade do criminoso) é o fim da
pena; (III) A defesa social (e não argumentos ressocializadores) é o fundamento do
direito de punir e (IV) com objetivo de superar a definição jurídica, criou o conceito
sociológico do crime natural: “a violação daquela parte do sentido moral que consiste
nos sentimentos altruístas fundamentais de piedade e probidade, segundo o padrão
médio em que se encontram as raças humanas superiores, cuja medida é necessária
para a adaptação do indivíduo à sociedade.57

56
BITENCOURT, 2020, p. 121.
57
GAROFALO, 1997, p. 4.
2023 | CRIMINOLOGIA | 21
O conceito de temebilidade também foi apresentado por Garofalo. Consiste na
perversidade constante e ativa do delinquente e a quantidade do mal previsto que se
deve temer por parte dele. Esta definição foi fundamental para as formulações
posteriores tangentes à medida de segurança, principal intervenção penal proposta
pelos positivistas.

Pablos de Molina 58 afirma que a prudência de Garofalo é o fundamento da


difusão da escola positivista, uma vez que este foi jurista, magistrado e dedicou-se a
reformular os postulados da escola com vistas à melhor recepção destes pelas leis, sem
excessos doutrinários. Contudo, Molina também diz que o conceito Garofalo é, no
mínimo, uma decepção, por não ser útil a ponto de ser possível universalizá-lo para todo
e qualquer crime, além de ser problemático ao presumir a existência de raças
superiores.

Enrico Ferri, por sua vez, foi o sucessor da criminologia lombrosiana e teve o
mérito de perceber as limitações das conclusões de seu mestre (e sogro). Conforme
esclarece Shecaira59, a partir das contribuições de Ferri, a criminologia positivista amplia
sua perspectiva, fugindo da limitação inerente à antropologia criminal de Lombroso.
Para Ferri, a criminalidade é multifatorial, decorrendo de determinações
antropológicas/individuais (constituição orgânica e psíquica do indivíduo, além de seus
caracteres pessoais como raça, idade, gênero dentre outros), físicas/telúricas (clima,
geografia, temperaturas etc) e sociais (densidade populacional, opinião pública, moral,
religião etc). Nesta ordem de ideias, propõe uma “lei da saturação criminal”, pela qual
o crime seria a confluência dos fatores supracitados, de forma que caso o cientista
pudesse quantificar a incidência de cada um deles em uma dada sociedade, poderia
prever o exato número de delitos.

Conforme nota Christiano Gonzaga60, a contribuição mais marcante de Ferri foi


a tipologia acerca dos delinquentes, que dividiu em 5. (I) O criminoso nato era o
criminoso em conformidade à classificação lombrosiana. Possuía impulsividade
imanente, atuando movido por motivos desproporcionais próprios de seu

58
MOLINA, 2012, p. 190.
59
SHECAIRA, 2018, p. 98.
60
GONZAGA, 2018, p. 47.
2023 | CRIMINOLOGIA | 22
subdesenvolvimento atávico; (II) o criminoso louco é aquele que possui algum
sofrimento mental combinado com atrofia do senso moral; (III) o delinquente habitual
é aquele normalmente nascido em cenários urbanos e, por possuir baixa adaptabilidade
e ser determinado por uma situação de miséria e dessocialização, acaba por se iniciar
no crime a partir de pequenos furtos até chegar a grandes delitos; (IV) o delinquente
ocasional seria aquele de alta adaptabilidade e fraco senso moral, condicionado por
uma forte influência de circunstâncias ambientais, tais como a provocação,
oportunidades de fácil execução e alto lucro ou comoção pública que o compele à
pratica de atos criminosos. Finalmente, (V) o criminoso passional é aquele compelido
por paixões pessoais.

Cumpre salientar que, seja qual for a espécie de criminoso, o delito era causado
por determinações que escapavam ao livre-arbítrio do agente, que era, para Ferri, uma
mera ficção criada pelos filósofos clássicos.

Ferri defendida que o sistema punitivo deve se voltar à defesa social, conceito
este que ganhou sua plenitude no positivismo deste autor que, ao fim da sua vida, aliou-
se aos ideais fascistas de Mussolini.

3.4 CRÍTICAS AO POSITIVISMO E CONCLUSÕES SOBRE O “CONFLITO ENTRE


ESCOLAS”

Primeiramente, é necessário reconhecer os importantes impactos da escola


positivista, principalmente para a formação do pensamento e, mais importante, do
método criminológico.

Bitencourt 61 lista de forma muito eficaz tais contribuições que poderiam ser
resumidas em 5 pontos. (I) Iniciou-se a fase científica e causal-explicativa da criminologia
a partir da aplicação do método experimental; (II) ampliou-se o conteúdo do direito
penal a partir da descoberta experimental de novos fatos sobre o comportamento
humano; (III) a vítima foi reinserida na questão criminal; (IV) desenvolveu-se institutos

61
BITENCOURT, 2020, p. 123.
2023 | CRIMINOLOGIA | 23
como a medida de segurança, que possui alguma aplicação contemporânea; (V) O crime
passa a ser reconhecido como um fenômeno natural e social.

As ideias de Lombroso repercutiram incisivamente no Brasil. Nosso país teve


como principal obra lombrosiana o livro as raças humanas e a responsabilidade penal
no Brasil, escrito por Nina Rodrigues e publicado em 1894. O autor assume posição
bastante radical acerca das supostas diferenças das raças formadoras da demografia do
Brasil. Chega a defender a existência de ao menos 4 Códigos Penais para atender as
diferenças raciais e regionais, afirmando que o negro e o índio não poderiam ser
contidos sob ameaça de pena, uma vez que não teriam a capacidade de compreender o
dever jurídico e seu reforço através da sanção. O próprio Lombroso reconhece o autor
como um “apóstolo da antropologia criminal no novo mundo”. Shecaira62 expõe crítica
precisa ao texto de Nina Rodrigues, afirmando que o resultado de seu pensamento foi
“uma espécie de racismo condescendente e paternalista que serviu de base para
justificar diferenças de tratamento e de estatuto social para os diversos grupos étnicos
presentes na sociedade brasileira”. Talvez tal crítica poderia ser extrapolada, com as
devidas adaptações, para todo o positivismo criminológico.

Até mesmo o na literatura brasileira o pensamento positivista se fez presente,


ora sendo criticado a partir de uma narrativa dramática, como no livro O crime do
restaurante chinês: carnaval, futebol e justiça na São Paulo dos anos 30, de Boris Fausto,
que narra como uma investigação (e posterior acusação processual) pode ser enviesada
por preconceitos contra pessoas que possuiriam os traços fenotípicos de um “criminoso
nato”, acarretando prejuízo incalculável para inocentes. Em um tom mais irônico e
sagaz, Machado de Assis escreveu o clássico O alienista, em 1882, contando a história
ficcional de Simão Bacamarte, um médico alienista que se formou com os grandes
nomes europeus (talvez com o próprio Lombroso) e fundou, no Brasil, a “casa verde”,
um manicômio no qual, eventualmente, toda uma cidade é internada.

Na legislação brasileira, já no Código Penal do império, de 1890, havia


possibilidade de internação, nos hospícios públicos, dos penalmente irresponsáveis ao
arbítrio do juiz. No Rio de Janeiro, foi criada a Seção Lombroso do Hospício nacional. Um

62
SHECAIRA, 2018, p. 106.
2023 | CRIMINOLOGIA | 24
ano mais tarde, o primeiro manicômio judiciário do Brasil (e da América Latina) foi
inaugurado. O Código Penal de 1940 tentou, declaradamente, conciliar pensamentos da
escola clássica e positivista, como mencionado em sua exposição de motivos, a
responsabilidade penal continuou a ter por fundamento a responsabilidade moral (o
que pressupõe o livre arbítrio do agente), mas adotava o sistema do duplo binário,
permitindo-se a aplicação de pena e de medida de segurança (que tem óbvio
fundamento nas ideias positivistas). Em que pese o fato de que a reforma da parte geral,
operada pela Lei 7.209/84, ter acabado com o sistema duplo binário, diversas ideias
ventiladas no embate de escolas ainda permanece, como é possível visualizar no estudo
de nosso amplamente problemático art. 59 do Código Penal, que mantém elementos
como “personalidade” e “conduta social” juntamente com outros que permitem uma
culpabilidade do fato, acendendo “uma vela para Ferri e outra para Carrara” como
lembra a famosa frase de Magalhães Noronha.

Os positivistas, todavia, subvalorizavam as influências do entorno social e da


cultura e supervalorizavam as características biológicas fenotipicamente percebidas,
seja porque deixavam se levar pelo peso que o cientificismo oitocentista colocava sobre
o suposto atavismo de determinadas etnias (o que foi provado absolutamente falso com
a descoberta do genoma humano) seja porque tiraram conclusões precipitadas,
baseadas em premissas muito simplistas. Fato é, quase todas as suas conclusões acerca
do criminoso são consideradas, hoje, pseudocientíficas ou objetivamente falsas.

Não obstante, é inegável que as duas escolas inspiraram muitos dos sistemas
penais (tanto no que diz respeito à legislação quanto à dogmática). Como diz Shecaira63,
na Europa, “ou se era clássico ou positivista”. Pode-se dizer, com o mesmo autor que
ambos foram subprodutos da mesma era, pois:

63
SHECAIRA, 2018, p. 125.
2023 | CRIMINOLOGIA | 25
a Escola Clássica enraíza suas ideias exclusivamente
na razão iluminista e a Escola Positivista, na
exacerbação da razão confirmada por meio da
experimentação. Clássicos focaram seus olhares no
fenômeno e encontraram o crime; positivistas
fincaram suas reflexões nos autores desse fenômeno,
encontrando o criminoso. Clássicos e positivistas, na
realidade, são distintas faces da moeda iluminista,
tese e antítese que não podem superar essa relação
dialética de oposição senão quando produzem a
síntese; e esta é muito diferente dos fatores que lhe
deram origem.64

Durante o século XX, o giro sociológico, a evidente incorreção das conclusões


positivistas e o insuficiente lastro empírico dos clássicos, fez com que a criminologia
abraçasse outras investigações. A escola de Chicago foi fundamental para esta virada.

64
Ibidem, p. 77.
2023 | CRIMINOLOGIA | 26
4 ESCOLAS SOCIOLÓGICAS DAS TEORIAS DO CONSENSO

Durante a primeira metade do século XX, conforme ensina Gabriel Anitua65, a


sociologia passaria a dominar o saber criminológico e o sociólogo viria a substituir o
médico, o jurista e o filósofo na construção do pensamento criminológico, embora a
criminologia não tenha perdido por completo sua natureza interdisciplinar.

Das visões macrocriminológicas que surgiram, podemos evidenciar, para fins


didáticos, dois grupos teóricos bastante distintos, normalmente referidos como teorias
do consenso e teorias do conflito.

Conforme bem explica Salomão Shecaira 66 , as teorias do consenso, também


chamadas de teorias da integração, pressupõem que toda a sociedade é estruturada por
elementos orgânicos estáveis e perenes que atuam, cada qual com sua função, de
maneira harmônica para a manutenção do sistema social povoado por membros que
apresentam um consenso acerca de seus valores. Estabilidade, integração, coordenação
funcional e consenso são premissas de todas estas teorias. Assim, o crime é
normalmente interpretado como uma disfunção do sistema social que não integrar os
indivíduos aos valores e regras sociais dominantes.

A escola de Chicago, a teoria da associação diferencial, a teoria da anomia e a


teoria da subcultura delinquente são normalmente categorizadas como teorias do
consenso. Tais teorias são quase sempre relacionadas com visões conservadoras do
mundo, porém, isso nem sempre é verdade. O nazifascismo, apesar de
hiperconservador, bebia de uma visão conflitiva da sociedade (porém, acreditavam em
um conflito de raças e não de classes), e o garantismo penal (na visão Ferrajoliana) é
mais consonante com as teorias do consenso embora exerça um papel progressista
perante a mentalidade punitivista contemporânea.

As teorias do conflito, por sua vez, pressupõem um conflito social onipresente


como marca dos sistemas sociais complexos. A sociedade é baseada na coerção entre
grupos sociais dominantes e dominados (classes socioeconômicas, raças ou

65
ANITUA, 2015, p. 405.
66
SHECAIRA, 2018, p. 132.
2023 | CRIMINOLOGIA | 27
agrupamentos culturais). Nesta ordem de ideias, o sistema punitivo (e não o crime) fica
em destaque como instrumento de dominação social ou (na visão marxista) como
superestrutura ideológica que esconde ou naturaliza as desumanidades da
infraestrutura conflitiva da sociedade.

As teorias do conflito surgem a partir do giro copernicano estabelecido pela


teoria do interacionimo simbólico (ou labelling approach) nos anos 60, e também
incluem a criminologia crítica nos seus principais desdobramentos – neorrealismo de
esquerda, abolicionismo penal, criminologia queer e criminologia feminista.

Estudaremos, neste capítulo, as principais ideias das teorias sociológicas do


consenso, a começar pela escola de Chicago.

4.1 ESCOLA DE CHICAGO E A TEORIA DA ECOLOGIA CRIMINAL

O êxodo rural proporcionado pela revolução industrial proporcionou um


crescimento sem precedentes das grandes cidades do mundo. Esta expansão se
acelerou ainda mais durante a primeira metade do século XX, especialmente se
considerarmos a fuga de refugiados proporcionada pelas guerras mundiais. As imensas
urbes formadas a partir desta concentração demográfica começaram a apresentar os
problemas que hoje nós identificamos como a criminalidade patrimonial urbana, antes
inexistente na mesma escala e intensidade.

Gabriel Anitua 67 nos conta que a cidade de Chicago, foi o palco de uma rara
combinação de circunstâncias que proporcionou o terreno fértil para a mudança de foco
das investigações criminológicas, o que pode ser resumido em três itens: (I) devido à
fatores geopolíticos externos (guerras e migrações tangentes às condições econômicas
endêmicas) a posição geográfica Chicago foi favorável a migrações que proporcionaram
um estupendo crescimento. De 1880 a 1910 a população quase dobrou de tamanho a
cada década, mantendo um crescimento acima de 20% ao ano nas décadas
subsequentes. (II) A explosão demográfica formada por pessoas de diferentes etnias e
culturas proporcionou uma miríade de problemas sociais, culturais, familiares, além

67
ANITUA, 2015, p. 421-429.
2023 | CRIMINOLOGIA | 28
daqueles tangentes à mobilidade e à criação de personalidades conflitivas relacionados
à mendicância, alcoolismo e prostituição. (III) A Universidade de Chicago, fundação
batista que recebeu apoio de John Rockefeller, foi criada por William Harper em 1890 e
combinava trabalho acadêmico original e prestação de serviços à comunidade, dando
total liberdade de pesquisa aos seus professores.

A escola de Chicago inaugurou um novo objeto de estudo do pensamento


criminológico. Não mais o criminoso em seus aspectos biológicos, antropológicos e
psíquicos, mas a própria cidade e sua organização seria o foco da investigação
criminológica. A ecologia urbana e seus aspectos criminogênicos se tornam os
protagonistas nas pesquisas sobre o crime.

Os estudos criminológicos em sentido estrito começaram a ser desenvolvidos por


Robert Ezra Park em 1915 e, posteriormente, por Ernest Burgess em 1921, sendo que a
obra escrita pelos dois, e, 1925, intitulada A cidade foi a primeira a expor conceitos
chaves das determinações criminógenas das diversas áreas urbanas.

Mais tarde, os dois maiores nomes da Escola de Chicago, Clifford Shaw e Henry
McKay, escreveram o livro Delinquência juvenil em áreas urbanas que criou a teoria
tangentes às áreas de delinquência perceptíveis nas grandes cidades e que parecem
contribuir objetivamente para o surgimento da criminalidade urbana, principalmente
patrimonial.

Anitua68 resume as conclusões do trabalho de Shaw e McKay em 7 pontos. (I)


Bairros degradados, que se converteram de residenciais em zonas de trânsito,
concentram a maior parte da delinquência juvenil; (II) mesmo que os moradores mudem
e suas etnias, origens nacionais ou raciais também variem, a criminalidade continua a
residir no referido bairro, o que demonstra que os caracteres do fator geográfico isolado
podem ser determinantes; (III) nestas regiões operam também outras instâncias
delitivas, tais como a máfia, a corrupção policial, o tráfico de entorpecentes; (IV) quando
os habitantes destas áreas mudam para outras, seus filhos tem maior possibilidade
estatística de não se envolver com o mundo do crime (o que reforça a importância da
topografia); (V) os delinquentes destas zonas possuem maior possibilidade de

68
ANITUA, 2015, p. 428-429.
2023 | CRIMINOLOGIA | 29
reincidência; (VI) a criminalidade nessas zonas é um comportamento grupal; (VIII) a
integração em grupos criminosos faz parte da realidade diária dos jovens que crescem
nestas zonas urbanas.

Salomão Shecaira 69 , em interessante reflexão, expõe como a visão ecológica


pode ser utilizada para a compreensão da distribuição das estatísticas criminais no
Brasil, citando o “mapa da violência” primeiramente elaborado pelo Cedec (Centro de
Estudo de Cultura Contemporânea) que apresentou dados quantitativos relacionando à
violência urbana às condições sociais existentes na cidade de São Paulo.

No que diz respeito aos métodos, a Escola de Chicago fez uso dos inquéritos
sociais (social surveys) que consistem em um interrogatório direto realizado por uma
equipe junto a um determinado universo de pessoas sobre aspectos relevantes à
estatística que o pesquisador quer calcular. Também utilizou estudos biográficos de
casos individuais.

A etiologia da criminalidade urbana segundo a teoria ecológica da Escola de


Chicago é resumida por Shecaira 70 em dois importantes conceitos: a desorganização
social e as áreas de delinquência.

A desorganização social surge quando as estruturas sociais tradicionais eram


interrompidas ou enfraquecidas, levando à falta de coesão e controle social nas
comunidades, o que tende a produzir ou agravar comportamentos desviantes. Nas
grandes cidades, a impessoalidade rege as interações sociais e não há sentimento te
coesão ou pertencimento típico dos pequenos grupamentos. Ademais, o papel
desempenhado pela vizinhança, e dos laços horizontais de comunidade se perde quase
por completo, o que enfraquece os elementos de controle social informal. Percebe-se
que os índices mais violentos e preocupantes de criminalidade são encontrados
naquelas áreas em que o nível de desorganização social é maior: onde os serviços sociais
são inexistentes, os espaços públicos são vistos como hostis (sujos e esteticamente
desagradáveis), a coesão e os vínculos sociais são escassos.

69
SHECAIRA, 2018, p.141-145.
70
Ibidem, p. 154-156.
2023 | CRIMINOLOGIA | 30
As áreas de delinquência, segundo conceito trabalhado pela teoria ecológica,
dizem respeito à organização do desenvolvimento das cidades e seus efeitos na criação
de vetores criminógenos. A cidade de Chicago cresceu segundo círculos concêntricos
que, a partir de uma área central, formaram um conjunto de zonas ou anéis. No centro
ficava a zona comercial, com as lojas, escritórios administrativos e indústrias. A segunda
zona era de transição, que conecta o centro com a zona residencial e estava sujeita à
degradação constante, bem como à incessante mobilidade da população, o que levava
à formação de moradias de menor poder aquisitivo, além de guetos, bordéis, cortiços e
dependências destinadas aos recém chegados à cidade, concentrando a maior parte dos
imigrantes. A terceira zona era de moradia de trabalhadores pobres e de segunda
geração de imigrantes. A quarta zona era de grandes blocos habitacionais de classe
média e a quinta pertencia à fatia mais rica da população. A maior desorganização social
e, consequentemente, o maior número de delitos violentos e de atos infracionais, vinha
das áreas centrais próximas ao loop.

Diversas propostas são construídas a partir das conclusões da Escola de Chicago.


Primeiramente, propõe-se a priorização da ação preventiva, a partir da

macrointervenção na comunidade, com busca da comunhão de esforços dos diferentes


segmentos sociais e revitalização dos espaços públicos. Ademais, a política de
enfrentamento das determinações da criminalidade urbana deve focar na diminuição
do desemprego e em mudanças efetivas das condições econômicas e sociais das
crianças, principalmente aquelas oriundas de áreas com a maior desorganização social.
Finalmente, medidas de reconstituição da solidariedade social que aproximam as
pessoas no controle da criminalidade, focando na comunidade local. No final do século
XX, medidas fundamentadas neste corte ecológico-urbano foram aplicadas em conjunto
com um neoretribucionismo eficientista, centrado na pena privativa de liberdade de alta
duração, como as medidas de tolerância zero na cidade de Nova York. A eficácia causal
destas últimas para diminuição dos crimes violentos nas grandes metrópoles
estadunidenses, contudo, é, no mínimo polêmica e pouco demonstrada empiricamente,
uma vez que, a partir da segunda metade dos anos 90, a criminalidade nos EUA caiu
homogeneamente devido a uma série de fatores, que vão desde a melhoria das

2023 | CRIMINOLOGIA | 31
condições econômica até o envelhecimento médio da população, mesmo nos Estados
que não adotaram medidas beligerantes de combate ao crime.

Algumas críticas podem ser desenvolvidas. Primeiramente, pode-se afirmar que


o determinismo biopsíquico da escola positivista foi relativamente substituído por um
determinismo urbano-ecológico, em que pese o esforço de Shaw e Mckay para afirmar
que a desorganização social não necessariamente era a gênese do crime, mas sim um
vetor criminógeno que concorre com outros fatores. O próprio conceito de
desorganização social é um tanto quanto tautológico, pois a desorganização parece ser,
na obra dos citados autores, a descrição de uma condição e a causa da mesma condição.
Ademais, a teoria parece eficaz apenas para explicar a criminalidade patrimonial urbana,
sendo inútil para investigar todas as outras formas de crimes, passando, principalmente
aquele perpetrado pelos mais ricos, a impressão de que o desvio delitivo é praticado
apenas pelos cidadãos pobres das grandes urbes. Finalmente, a teoria não leva em
consideração o caráter estruturalmente seletivo dos órgãos encarregados da
persecução penal e das cifras ocultas da criminalidade que viciam a estatísticas e
escondem a inexistência do caráter ontológico do crime, uma vez que este é o resultado
de múltiplos etiquetamentos realizados por uma pluralidade de filtros de seleção.

Independentemente da contundência das críticas, a Escola de Chicago foi muito


importante para quebrar o domínio do pensamento positivista na construção da ciência
criminológica.

4.2 TEORIA DA ASSOCIAÇÃO DIFERENCIAL

Muito influenciado pela Escola de Chicago, o sociólogo estadunidense Edwin H,


Sutherland se incomodava com naturalização da noção de que o crime é um fenômeno
ligado às camadas mais pobres da população. Em seu livro, O crime de colarinho
branco71, Sutherland afirma que as classes econômicas média e alta são engajados em
diversos comportamentos criminosos, que diferem do comportamento criminoso da
classe socioeconômica mais baixa principalmente por causa dos procedimentos
administrativos usados para lidar com os infratores. A cifra oculta dos delitos praticados

71
SUTHERLAND, 2016, p. 29-33.
2023 | CRIMINOLOGIA | 32
pelos poderosos era muito mais vasta e as benécias burocráticas a eles concedidas eram
eficazes em esconder ou neutralizar as punições às violações normativas.

Nas palavras do próprio Sutherland: “crime de colarinho branco pode ser


definido aproximadamente como um crime cometido por uma pessoa de
respeitabilidade e alto status social no curso de sua atividade”72 O autor escreveu sua
teoria no período posterior à grande depressão nos EUA (crise de 29), quando o new
deal implementado pelo presidente Roosevelt implementa programas econômicos que
incham o Estado aumento sua ingerência na economia e, consequentemente, a
corrupção de funcionários públicos por empresários oportunistas (aliás o “homem de
negócios” é o principal objeto de estudos do autor).

A teoria da associação diferencial, desenvolvida por Sutherland, visa expor as


determinações destes crimes praticados por poderosos, que não são explicadas pela
teoria ecológica da Escola de Chicago.

Para Sutherland, que se baseou nos escritos do sociólogo francês Gabriel Tarde,
o indivíduo aprende a conduta desviada e se associa com referência nela. A versão
completa da obra de Sutherland73 analisa uma série de casos nos quais o desvio criminal
é não só comum, mas a regra do comportamento bem sucedido do referente mercado.
Como exemplos, o autor observa estatísticas sobre os cartéis, as restrições de comércio
e suas violações, as patentes e os delitos envolvendo a quebra de direitos autorais, a
violação de direitos trabalhistas, as manipulações financeiras, propaganda enganosa,
dentre outros.

A partir da análise dos casos acima, Sutherland faz diversas reflexões instigantes
sobre os crimes do colarinho branco74:

(I) estes delitos não costumam ser violações discretas ou culposas de regulamentos
técnicos, mas sim infrações deliberadas e consistentes;

(II) o comportamento do “empresário bem sucedido” é ilustração perfeita do mundo


dos negócios assim como o “bandido perigoso” é a epítome da cultura do submundo,

72
SUTHERLAND, 2016, p. 34.
73
Ibidem, p. 109-235.
74
Ibidem, p. 335-350.
2023 | CRIMINOLOGIA | 33
em outras palavras, o comportamento criminoso é aprendido a partir das práticas e
papéis culturalmente afixados aos dois contextos;
(III) a criminalidade empresarial é persistente e grande parte dos infratores são
reincidentes;
(IV) a criminalidade empresarial é muito mais extensa do que o número de processos
indica e os poucos criminalizados costumam se indignar afirmando que só fazem o que
todos os empresários de sucesso costumam fazer;
(V) o empresário que viola as leis que regulam seus negócios não perde o status entre
parceiros comerciais, isto é, o crime não possui impacto estigmatizante, embora a
criminalização possa ter, pois a violação ao código penal não é necessariamente uma
violação ao código de negócios de cada área empresarial;
(VI) os empresários de sucesso costumam sentir desprezo pela lei, pelo governo
(incluindo policiais, promotores e juízes) e por seus funcionários;
(VII) crimes do colarinho branco não são apenas deliberados, mas organizados. Tal
organização pode se dar de maneira informal, como no acordo de cavalheiros para
fraude em licitação, ou formal como em acordo de patentes ou restrição de
investimentos para determinar a produção de legislação que pode afetar seus planos;
(VIII) enquanto o ladrão profissional concebe a si mesmo como um criminoso e assim é
considerado pelo público em geral, o homem de negócios se enxerga como um cidadão
respeitável e, normalmente, também é assim considerado pelo público em geral;
(IX) o sigilo sobre o cometimento do crime de colarinho branco é facilitado pela
complexidade dos processos e pela dispersão dos seus efeitos no tempo e no espaço;
(X) as vítimas de crimes empresariais raramente estão em posição de lutar contra a
política da empresa e a racionalidade empresarial faz com que a produção de prova seja
bastante difícil.
A partir desta reflexão, Sutherland realiza algumas conclusões sobre os crimes
de colarinho branco que são muito bem resumidas por Shecaira75:

(I)o comportamento criminoso é aprendido e não herdado por sua biologia;

(II) O comportamento criminal é aprendido mediante um processo de comunicação e


interação, mais especificamente, de imitação dos comportamentos visto como
adequados ou vitoriosos em um dado contexto;

75
SHECAIRA, 2018, p. 181-185.
2023 | CRIMINOLOGIA | 34
(III) a parte mais importante do processo de aprendizagem ocorre no seio das relações
sociais mais íntimas do indivíduo com seus familiares ou pessoa de seu meio
profissional;

(IV) aprende-se não só a técnica de cometimento do delito, mas também suas


motivações, impulsos, atitudes e estados anímicos de justificação psicológica da
conduta delitiva;

(V) a direção dos motivos ou dos impulsos são aprendidos a partir das definições
favoráveis ou desfavoráveis dos códigos de conduta de cada área na qual se desenvolve
as ações empresariais;

(VI) uma pessoa se converte em criminosa quando as definições favoráveis à violação da


norma superam as definições desfavoráveis, ou seja, quando os modelos de sucesso
criminosos superam os modelos de sucesso não criminosos.

O óbvio mérito da teoria da associação diferencial está em enterrar de vez as


explicações etiológicas do positivismo. É também muito importante para compreender
os limites da Escola de Chicago e da teoria ecológica que só pode desvendar a
criminalidade patrimonial urbana. Ademais, a demonstração de que pessoas de classe
alta também delinquem e que a cifra oculta da criminalidade é muito maior do que se
imagina foi essencial para o giro metodológico que será proporcionado com as teorias
do conflito.

Sutherland, contudo, também merece críticas. O crime também pode surgir a


partir de fatores ocasionais espontâneos ou impulsivos, o que é desprezado pela sua
teoria. Ademais, esta não explica porque, em iguais condições e contextos, alguns
empresários podem ceder à influência do modelo desviante e outros não.

4.3 TEORIA DA ANOMIA

Trata-se de teoria de matiz funcionalista cujo principal autor é o próprio Émile


Durkheim, um dos mais importantes sociólogos do ocidente, e, mais recentemente,
Robert Merton se apresenta como importante contribuinte. Nos concentraremos nas
versões destes dois autores, com a ressalva de que outros pensadores (como Parsons

2023 | CRIMINOLOGIA | 35
ou mesmo Luhmann) também contribuíram para o pensamento criminológico a partir
da visão da anomia.

Conforme expõe Salomão Shecaira 76 o pensamento funcionalista, ápice das


teorias do consenso, pressupõe que a sociedade é composta de um todo orgânico, que
possui uma articulação interna, com indivíduos integrados por um sistema de valores
que elegem objetivos compartilhados e as mesmas regras sociais. A finalidade desta
máquina social é sua autopreservação através do funcionamento orgânico
interdependente de seus vários componentes.

Segundo as lições de Pablos de Molina77, o postulado mais marcante da teoria


estrutural-funcionalista para o pensamento criminológico é a normalidade e
funcionalidade do crime. O desvio criminal não é visto, como seria intuitivo pensar,
como uma doença que prejudica a máquina social orgânica, mas como um fenômeno
normal para o seu próprio funcionamento. A normalidade do crime vem no sentido de
este não ser um fato necessariamente nocivo para a sociedade, mas, ao contrário, pode
ser útil para a estabilização dos valores e/ou, quando necessário, para a mudança social.

Durkheim parte de um dado factual interessante: a existência do


comportamento criminal é inevitável e este se apresenta em volume razoavelmente
constante em qualquer sociedade. O crime é normal e ubíquo, derivado não de
anomalias do indivíduo (ou da desorganização social), mas das estruturas e da ordem
social complexa. As únicas sociedades que não possuem condutas irregulares são as
pouco desenvolvidas, monolíticas ou primitivas. Ademais, o crime cumpre uma função
integradora e inovadora, uma vez que a pena criminal surge como reação social que
atualiza sentimentos coletivos, estabilizando-os no seio social. Assim, embora o delito
possa representar uma violação à consciência e sentimentos coletivos, estes são
estabilizados a partir da aplicação da sanção pelos poderes constituídos. Em outras
palavras, a pena serviria mais para as pessoas ordeiras do que para os criminosos, pois
sua aplicação repara e estabiliza os sentimentos e valores coletivos. Isto ocorreria tanto

76
SHECAIRA, 2018, p. 194-195.
77
MOLINA, 2012, p. 303.
2023 | CRIMINOLOGIA | 36
nas sociedades arcaicas quanto nas contemporâneas, mas quanto maior a intensidade
do castigo, mais primitiva é a sociedade.

A consciência coletiva ou comum, conceito fundamental na teoria de Durkheim,


representa um conjunto de crenças ou sentimentos comuns à média dos membros da
sociedade. Apesar de difusa, tal consciência possui caracteres próprios que independem
das condições particulares de cada indivíduo e não muda a cada geração, pelo contrário,
une as gerações sucessivas.

O crime pode se apresentar como problemático quando cresce subitamente ou


quando ultrapassa determinados limites, a ponto de criar uma sensação de anomia78,
que ocorre quando existe perda de efetividade ou desmoronamento das normas e
valores vigentes em uma sociedade a ponto de desestruturá-la totalmente, destruindo
a consciência coletiva, abrindo a possibilidade de uma nova estruturação social. Mantido
em limites funcionais, o delito se demonstra como fator necessário e útil para o
desenvolvimento sociocultural.

Em meados do século XX, o estadunidense Robert King Merton retomou a ideia


de anomia com o propósito de demonstrar como algumas estruturas sociais exercem
pressão sobre certas pessoas, fazendo com que estas não se conformem às normas
coletivas. Conforme expõe Salomão Shecaira79, o argumento central de Merton é o de
que cada sociedade estabelece objetivos culturais a serem alcançados (riqueza, fama,
estabilidade, felicidade), porém, os meios sociais para alcançar tais aspirações nem
sempre são adequados para tanto, ou não estão disponíveis para a maior parte dos
cidadãos. Em outras palavras, muitos querem enriquecer com o trabalho lícito, mas esta
possibilidade quase nunca existe para a maioria das pessoas. Esta dissociação entre os
objetivos culturais e as estruturas socialmente necessárias para alcançá-los provoca
uma pressão anômica que pode ser geradora do desvio criminal.

Merton descreve, entretanto, que a reação a esta pressão anômica nem sempre
será voltada à delinquência, pois existem cinco formas de adaptação individual que uma
pessoa pode demonstrar: (I) o conformista, tipo mais comum que garante a estabilidade

78
Palavra de etimologia grega, anomia significa literalmente a ausência de normas ou leis,
anarquia ou desordem.
79
SHECAIRA, 2018, p. 202-203.
2023 | CRIMINOLOGIA | 37
da sociedade, é aquele que abraça os objetivos culturais ao mesmo tempo que se
resigna quanto à ausência de meios institucionalizados. Continua buscando os fins
sociais respeitando as normas, mesmo que a estrutura social não lhe dê capacidade para
alcançá-los. (II) O ritualista é aquele que segue as normas institucionais, mas abandona
80
os objetivos sociais, desistindo de buscar ascensão socioeconômica. (III) O
retraimento é a adaptação daquele que renuncia tanto aos objetivos culturais quanto
às normas sociais. Marcado pelo escapismo e derrotismo, o estereótipo do retraído é o
mendigo, alcoólatra ou viciado em narcóticos. (IV) O inovador é aquele que abraça os
objetivos culturais demonstrando, porém, desprezo pelas normas institucionais. Pode
ser exemplificado pelo ladrão de bancos ou pelo empresário corrupto que pratica crimes
do colarinho branco. (V) Finalmente, o rebelde, marcado pelo inconformismo e a
revolta, abre mão das normas institucionais ao mesmo tempo que condena as ambições
culturalmente estabelecidas, acabando por propor a quebra da ordem vigente. O
exemplo típico está no líder guerrilheiro que deseja a revolução violenta para a
redistribuição dos meios de produção.

A teoria da anomia, principalmente nos moldes de Merton, é bastante rica para


explicar boa parte da criminalidade urbana referente aos delitos aquisitivos, mas,
conforme expõe Alessandro Baratta 81 , não está livre de críticas. em primeiro lugar,
ambas as versões da teoria da anomia pressupõem um consenso coletivo social
indemonstrável empiricamente, o que prejudica imensamente o rigor científico de seus
postulados. Nas sociedades complexas, os supostos valores culturais tendem a não ser
mais do que aqueles impostos pelos grupos dominantes da sociedade. Ademais, as
teorias não conseguem explicar os delitos praticados sem qualquer econômica (como os
crimes sexuais ou passionais). Finalmente, percebe-se um conservadorismo imanente à
teoria da anomia, uma vez que esta busca investigar e explicar a criminalidade com base
na funcionalidade dos valores sociais sem nunca os criticar ou deslegitimá-los.

80
Shecaira (p. 204) exemplifica o ritualista na cultura brasileira como o pacato funcionário público
que se contenta com um cargo burocrático que lhe dá estabilidade.
81
BARATTA, 2016, p. 65-67.
2023 | CRIMINOLOGIA | 38
5 ESCOLAS SOCIOLÓGICAS DAS TEORIAS DO CONFLITO

A partir da década de 1960, ocorreu a maior virada paradigmática da história dos


pensamentos criminológicos. Conforme ensina Salo de Carvalho 82 , a criminologia
tradicional seguia um modelo etiológico, ou seja, buscava encontrar as origens do crime
observando a biologia dos criminosos, a organização das cidades, o comportamento dos
empresários. Perguntava-se: quem são os criminosos? Como alguém se torna um
delinquente reincidente? Quais as melhores formas de combater as determinações do
crime? O crime é apresentado como uma doença, uma disfunção do organismo social,
a violação da consciência coletiva composta de valores fundamentais ou um
comportamento problemático aprendido.

As teorias do conflito proporcionaram um giro copernicano na ciência


criminológica, mudando significativamente o foco da pergunta: o crime, de fato, existe?
Ou seria ele apenas o resultado de rotulações seletivas e arbitrárias, realizadas pelos
aparatos de persecução penal, a determinados comportamentos?

O abandono de um paradigma etiológico-determinista foi fomentado por uma


crise de valores outrora considerados sólidos e universais: a contracultura, marcante no
ocidente a partir da década de 1960, começa a desvelar que a premissa pela qual a
sociedade poderia ser considerada uma organização consensual era falsa. A luta pelos
direitos civis, o crescente embate contra os preconceitos de raça e gênero, a resistência
à guerra do Vietnã e as inúmeras rupturas trazidas pela pós-modernidade evidenciavam,
cada vez mais, que a sociedade não é composta pelo consenso, mas sim pelo conflito
entre as diversas classes sociais, econômicas e políticas que compõem o tecido social. O
conflito e a coerção são as características que marcam a organização da sociedade.

A primeira das teorias criminológicas que explorou esta perspectiva foi a teoria
da rotulação. Mais tarde, a criminologia crítica, com todas as suas subdivisões, nos
trouxe o que hoje temos no mosaico de pensamentos acerca da questão criminal.

82
CARVALHO, 2022, p. 64-65.
2023 | CRIMINOLOGIA | 39
5.1 LABELLING APROACH

A teoria do labelling approach, também chamada de teoria do etiquetamento ou


da reação social, ou ainda de interacionismo simbólico, nasceu na sociologia
estadunidense na década de 1960 e revolucionou o pensamento criminológico.
Shecaira83 conta que a expressão “interação simbólica” foi criada por Herbert Blumer
em 1937 e se refere a um ramo da sociologia e psicologia social que estuda os processos
de interação: as relações sociais em que as pessoas estão inseridas se condicionam
reciprocamente e se consolidam a partir de reações e interações recíprocas. Os
indivíduos assumem identidades a partir de um processo de interação com os gestos
significativo de outros. Na nova perspectiva criminológica, o crime é criado a partir da
interação entre as condutas humanas e os mecanismos formais de controle.

Howard Becker foi o primeiro autor que aprofundou perspectiva interacionista


nos estudos do (agora chamado) desvio criminal. No clássico livro Outsiders, Becker
inicia com uma a analogia: em qualquer grupo existem normas de comportamento e
expectativas de conduta. Quando uma regra é posta em vigor, aquele que a viola
costuma ser encarado como uma pessoa diferente dos outros membros, que não é
confiável para viver entre eles. Esta estigmatização reforçará o comportamento e a
assunção do papel por parte do desviante. Assim, em um grupo social que valoriza a
sobriedade e a saúde, aquele que consome drogas ilícitas (ou até mesmo álcool) pode
ser etiquetado a partir da prática (drogado, alcoólatra, zé droguinha, bebum) e se
aprofundar no papel designado. Contudo, em um grupo social que não possui as
mesmas regras, seu comportamento não seria considerado infracional, o que não
significa que ele se absteria de fazê-lo, porém não haveria rotulação ou estigmatização.

Nesta ordem de ideias, para Becker, a conduta desviante é criada por meio do
estabelecimento das regras cuja infração constitui um desvio e também por meio de
uma consequente rotulação, por parte do grupo social, ao indivíduo desviante. A
transformação em transgressor é um processo gradual de fixação de etiquetas por meio
de interações entre o desviante e a parte da sociedade responsável pelo controle social
(órgãos encarregados da persecução penal). Processo no qual se adquire nomes,

83
SHECAIRA, 2018, p. 255.
2023 | CRIMINOLOGIA | 40
motivos, significados e perspectivas. A pergunta fundamental da criminologia começa a
mudar: não mais se pergunta por que as pessoas cometem crimes, mas sim o por que o
comportamento de algumas pessoas são tratados como desviantes pelos órgãos formais
de controle e qual é a legitimidade de tal tratamento.

É necessário lembrar, nesta perspectiva, que o campo de criminalização primária


(números de crimes positivados em lei) de qualquer ordenamento é infinitamente maior
do que o complexo de delitos que são verdadeiramente submetidos à criminalização
secundária (efetiva investigação e processamento formal do crime para aplicação da
pena). Como afirma Zaffaroni84, a seletividade é a principal característica de qualquer
sistema penal. Tal seletividade é estrutural, pois o sistema não funcionaria de outra
maneira: caso se criminalizasse todas as injúrias, todas as manifestações de racismo,
todas as sonegações fiscais, todas as lavagens de capitais, toda as falsidades
documentais, todos os abortos, enfim, caso se punisse todos os crimes, é muito provável
que perto da totalidade dos cidadãos poderiam ser criminalizados, a maioria com penas
que mereceriam regime inicial fechado. Nos países marginais (isto é, afastados do centro
econômico mundial) como o Brasil, esta seletividade é muito fácil de se perceber. O
ordenamento brasileiro possui mais de 1700 tipos penais, porém, mais de 90% dos
apenados, nos três regimes prisionais, são processados pelos mesmos 5 a 8 tipos penais.
No entanto, com significativa frequência, quando uma família de classe média adquire
um imóvel e declara na escritura um valor distinto daquele que está no contrato de
compra e venda, viola-se uma série de tipos penais (falsidade ideológica, sonegação
fiscal e até lavagem de capitais caso os valores sejam criativamente justificados na
contabilidade da empresa da família). O rótulo de criminoso dificilmente é fixado nos
perpetradores destes ilícitos penais. Entretanto, o vocábulo “traficante” é quase
sinônimo de criminoso e, nestes, a etiqueta é grudada com facilidade e de maneira
indelével.

A principal conclusão da perspectiva interacionista é de que o crime não possui


natureza ontológica, isto é, não existe uma conduta que possui a essência criminosa, e
nem mesmo pessoas com características inatas ao delito, pois este é apenas o fruto da

84
ZAFFARONI, 2015, p. 38.
2023 | CRIMINOLOGIA | 41
rotulação realizada pelas agências encarregadas da persecução penal, atividade esta
que obedece a diversos filtros e seletividade por razões político-econômicas.

Poder-se-ia arguir que determinados crimes são condenados em qualquer


cultura ou situação social, tal como o homicídio. Mas é preciso pensar muito para
perceber o grave equívoco desta contestação. Soldados que lutaram na FEB 85 em
batalhas fundamentais para a campanha do front italiano na segunda guerra mundial
foram condecorados por causa dos homicídios que praticaram e não apesar deles.
Semelhante prestígio pode ser afixado a um homicídio praticado na legítima defesa de
uma criança inocente. A sociedade e o sistema jurídico pode sancionar de forma positiva
até o crime dos crimes. Nos EUA, em 5 de dezembro de 1933, com o fim da lei seca,
como num passe de mágica, um traficante de drogas se tornou um comerciante de
cerveja e whisky. Quando a inquisição parou de caçar bruxas, esta deixaram de existir.

Com estas reflexões, os teóricos do labelling não querem afirmar que a violência
não existe, mas não é a ofensividade ou mesmo a tipificação legal de uma conduta que
a torna criminosa. O desvio criminal é o produto de uma série de reações sociais e
institucionais à determinadas condutas humanas. O desviante é alguém a quem este
rótulo foi aplicado com sucesso.

Neste contexto, é importante diferenciarmos desviação primária de desviação


secundária. A desviação primária ocorre quando o desviante viola as normas
incriminadoras e recebe a reação social, porém sem o aprofundamento de sua
estigmatização para além dos níveis psicológicos. A desviação secundária é o nível mais
profundo, no qual a vida do individuo já está estruturada em torno da desviação e, por
isso, suas mais relevantes interações sociais tangenciam ao mundo criminal, o que
intensifica o estigma e o papel assumido. Conforme explica Shecaira86, tal mergulho no
papel desviado (role engulfment) é parte essencial na formação de qualquer “carreira
criminal”: as interações do desviado com seus amigos, família e, principalmente, agentes
estatais passam a ser manchadas pelo desvio, o que se agrava quando o sujeito é preso,
uma vez que os processos ritualizados do sistema criminal possuem uma miríade de

85
Força Expedicionária Brasileira.
86
SHECAIRA, 2018, p. 262.
2023 | CRIMINOLOGIA | 42
cerimônias degradantes que são decisivos para a formação da nova identidade
desviante.

O mergulho no papel desviado para a fixação de etiquetas pode ser resumido em


um modelo explicativo sequencial: (I) ocorrência da delinquência primária; (II) resposta
ritualizada do sistema com o inquérito policial e o processo criminal, seguido da
consequente estigmatização; (III) distância social e redução de oportunidades; (IV)
criação de uma subcultura delinquente com reflexo na autoimagem do desviante, além
da possível consolidação de organizações criminosas; (V) estigma decorrente da
institucionalização; (VI) formação de uma carreira criminal; (VII) desviação secundária.

Diante da impossibilidade de se prevenir a delinquência primária, uma vez que


esta é multifatorial e extremamente complexa, os teóricos do interacionismo sugerem
uma abordagem político-criminal “dos quatro Ds”: descriminalização, diversão, devido
processo legal e desinstitucionalização. A descriminalização de algumas condutas típicas
poderia permitir outras formas mais producentes de composição de conflitos. A
diversão ou diversificação consiste na adoção de alternativas à resposta ritualizada e
estigmatizante para interrupção da sequência que leva ao mergulho do papel, o que
pode significar desde a não divulgação dos presos como “troféus de caça” da polícia até
o tratamento não prisional de crimes de menor potencial ofensivo. O devido processo
legal e todas as suas garantias inerentes diminuiria a probabilidade de coisificação do
desviado pelo processo penal. Finalmente, a desinstitucionalização resultaria na
diminuição da aplicação da pena privativa de liberdade.

O interacionismo simbólico também significou uma revolução no pensamento


criminológico razões que excedem a nova abordagem político criminal do desvio. Não
só o sistema criminal e todo o seu caráter contraproducente passa a ser colocado no
foco das investigações criminológicas, mas os criadores das normas incriminadoras
(chamados por Becker de “empreendedores morais”) e operadores do sistema punitivo
87
são colocados em xeque. Nas palavras de Howard Becker : “ao fazer dos
empreendedores morais (bem como daqueles quem eles procuram controlar) objetos
de estudo, essas análises violam a hierarquia de credibilidade da sociedade. Elas

87
BECKER, 2008, p. 206-207.
2023 | CRIMINOLOGIA | 43
questionam o monopólio da verdade e ‘toda a história’ sustentada pelos que ocupam
posições de poder e autoridade”.

A teoria do labelling approach sofreu severas críticas vindas da esquerda e da


direita, tanto de teóricos progressista como de conservadores. Para Alessandro
Baratta88, trata-se de uma teoria de “médio alcance”, pois, além de exaltar o momento
da criminalização e deixar de fora o caráter socialmente negativos de determinadas
condutas, uma vez que reduzem o crime ao próprio etiquetamento da conduta pelos
aparatos de criminalização primária e secundária, não consegue descer das relações
sociais e econômicas que estão na raiz política da criminalização.

89
O próprio Howard Becker faz uma compilação das principais críticas
colecionadas por sua teoria. Pensadores de esquerda afirmaram que a teoria apregoa
uma postura moralmente ambígua, uma ideologia “isenta de valores”, que pretende
uma falsa neutralidade e que não tem a coragem de afirmar que as instituições que
compõem o sistema de persecução penal são moralmente corrompidas, o que resulta
em um mero “isomorfismo reformista”, que não modifica efetivamente o sistema e não
ataca a raiz do problema. A esquerda radical chegou a afirmar que a teoria da rotulação
somente parece ser contrária ao establishment, de fato o apoiam, ao atacar funcionários
de nível inferior de instituições opressivas, deixando ilesos os superiores hierárquicos
responsáveis pela opressão.

A direita “lei e ordem”, por óbvio, também tem críticas ao labelling, seja
afirmando que a teoria sugere uma postura branda demais contra o crime, seja
acusando-a de ser subversiva por atacar a moralidade convencional sendo, por isso,
mais crítica social do que ciência.

Independentemente das críticas, a teoria do etiquetamento forneceu o


substrato teórico para a criação da criminologia crítica, perspectiva que tem tomado o
protagonismo no pensamento criminológico das últimas décadas.

88
BARATTA, 2016, p. 98-99.
89
BECKER, 2008, p. 195-205.
2023 | CRIMINOLOGIA | 44
5.2 CRIMINOLOGIA CRÍTICA

Uma década depois do giro proporcionado pelo interacionismo simbólico surge


um movimento normalmente denominado como criminologia crítica, criminologia
radical ou criminologia marxista. Conforme expõe Gabriel Anitua 90 , a expressão
“criminologia crítica”, uma referência à teoria crítica da Escola de Frankfurt, unifica
algumas posições distintas, porém que se assemelham na condenação do sistema
punitivo como um instrumento beligerante de dominação social. Dentre os primeiros
movimentos, destaca-se o da Universidade de Berkeley, na Califórnia, EUA, onde um
grupo de professores e alunos decidiu formar a União de Criminólogos Radicais que se
opunha abertamente ao objetivo institucional da própria Escola de Criminologia da
Universidade que formava especialistas para colaborar com o Estado na “luta contra o
crime”. A partir do fim da década de 1960, Berkley se tornaria um centro crítico às
atuações dos aparelhos que compõem o sistema penal por parte de criminólogos que
propunham o abandono do paradigma etiológico, isto é, das investigações causais
acerca das determinações do crime. O foco agora estava na violência das instituições
que cuidam da questão criminal.

Na Inglaterra, surge movimento organizado em torno da National Deviance


Conference (NDC), liderados por Taylor Walton e J. Young que escreveram as mais
importantes obras do período: The new criminology, de 1973 e Critical criminology, de
1975. Mais tarde, Alessandro Baratta escreve Criminologia crítica e crítica do direito
penal, uma das obras clássicas da perspectiva crítica. No Brasil, Roberto Lyra Filho e
Juarez Cirino dos Santos são nomes marcantes. Mais recentemente, Salo de Carvalho
publicou o excelente Curso de criminologia crítica brasileira no qual realiza uma análise
pormenorizada do histórico das dimensões epistemológicas dos criminólogos críticos
brasileiros.

As ideias centrais da teoria crítica estão fundamentadas no pensamento


marxista. Karl Marx, em seus tratados econômico-filosóficos, foi um grande crítico da
sociedade capitalista e criador do materialismo histórico-dialético, método com o qual
explicava, a partir da análise das relações materiais de produção, a própria história da

90
ANITUA, 2015, p. 657-663.
2023 | CRIMINOLOGIA | 45
humanidade. Para Marx, a sociedade capitalista é marcada por uma infraestrutura
econômica que esconde uma luta entre duas classes sociais: os proprietários dos meios
de produção e os trabalhadores que vendiam seu trabalho para a classe proprietária.
Esta, chamada burguesia, acumula capital a partir da expropriação da mais-valia
consubstanciada na diferença entre o valor-trabalho contido na mercadoria produzida
pelos trabalhadores e o salário pago a estes. A classe trabalhadora, incapaz de enxergar
a si própria na mercadoria que produziu (por conta da natureza especializada e alienada
do trabalho fabril), só é capaz de acumular sua própria prole. Por isso se chamam
proletários.

As violências inerentes à infraestrutura econômica de exploração capitalista é


naturalizada, segundo o pensamento de Marx, por uma superestrutura ideológica que
engloba desde a indústria da cultura até a religião e, é claro, o direito. Aliás, esta é a
razão pela qual os textos marxianos91 não se ocupam do direito penal: a modificação
das condições que determinam a infraestrutura econômica levaria à modificação da
própria superestrutura. Assim, criminólogos críticos de matriz marxista se dedicavam
não só a criticar as opressões inerentes ao sistema punitivo, mas defendiam uma radical
quebra de paradigma socioeconômico que marca a sociedade a partir da transformação
revolucionária desta.

Para os críticos, todos os pensamentos criminológicos anteriores estavam


equivocados. Os positivistas beiravam a eugenia, o pensamento de Chicago trocava o
determinismo biológico pelo determinismo ecológico-urbano e seu conceito de
“desorganização social” era bem próximo de uma analogia biológica apontando para
uma suposta doença causadora do delito na sociedade, o que servia para ocultar a
natureza socioeconômica das relações de opressão social. A teoria da anomia é criticada
por se fundamentar em uma noção de consciência coletiva que não é mais do que a
ideologia imposta pelas classes dominantes, e até a teoria do etiquetamento recebe
críticas por ser encarada como simples reformismo liberal que não propõe uma
modificação radical nas estruturas de controle.

91
São “marxianos” os textos escritos pelo próprio Karl Marx. São “marxistas” as obras dos
autores posteriores que se baseiam em textos marxianos.
2023 | CRIMINOLOGIA | 46
Após quase uma década, a criminologia crítica enfrentou sua primeira crise. O
esgotamento era relativamente previsível, uma vez que a visão marxista é relativamente
antitética à posição do criminólogo enquanto investigador das determinações do desvio
criminal: ao tratar o direito penal como mera superestrutura ideológica erigida sobre a
infraestrutura econômica da luta de classes, é difícil não condenar toda e qualquer
manifestação de poder punitivo como mero mecanismo de opressão e considerar o
próprio desvio como uma simples rotulação de atividade indesejada conforme os
interesses da classe dominante, enquanto a atitude do criminoso muitas vezes vista
como rebelde ou até mesmo revolucionária, ignorando-se o fato de que a maior parte
das vítimas dos desvios criminais também estão nas classes menos favorecidas
economicamente

Nas precisas palavras de Gabriel Ignácio Anitua92: “o marxismo devia cancelar a


criminologia, pois quando se dedicava ao estudo do modo de produção, da luta de
classes, e ao Estado e a ideologia como suportes superestruturais, fazia-o com o objeto
de abolir a estrutura que nesse período histórico recorreu ao delito e à criminologia para
perpetuar-se. Por conseguinte, a criminologia não pode ser senão conservadora, e em
compensação um crítico, radical e sobretudo marxista, não pode ser um criminólogo”.

A crítica generalizada à punição com poucas propostas de reforma além da


reestruturação do sistema socioeconômico levavam os críticos à uma postura inativa e
pouco produtiva. O fim do otimismo quanto aos Estados de bem-estar europeus, a
queda do muro de Berlim e posterior fim da União Soviética representaram um viés para
o pensamento político marxista prático que acabou paralisando os críticos.

Perante a grave crise, a teoria crítica se trifurcou em alternativas mais


propositivas à questão criminal: o abolicionismo penal, o garantismo e o neorrealismo
de esquerda.

92
ANITUA, 2015, p. 688.
2023 | CRIMINOLOGIA | 47
5.2.1 ABOLICIONISMO PENAL

Abolicionismo é a denominação dada às teorias que propunham a


deslegitimação radical do sistema carcerário e o consequente abandono da própria
lógica punitiva. Os principais expoentes do abolicionismo são criminólogos holandeses
e escandinavos, sendo Louk Hulsman e Nils Christie os autores mais relevantes de cada
tradição respectivamente.

Louk Hulsman era professor de direito penal na Holanda e, quando criança,


durante a segunda guerra mundial, foi preso pela polícia colaboracionista e enviado à
Alemanha em um trem por ser judeu. Felizmente conseguiu escapar e ingressou na
resistência até o final da guerra em 1945. Enquanto professor, Hulsman repudiava o
caráter tecnicista e burocrático com o qual a dogmática do direito higienizava as
questões penais. Suas palestras eram sempre repletas de humanismo e atenção ao
sofrimento humano causado pela violência do crime (que chamava de situações
problemáticas) e dos sistemas de repressão. Propunha uma visão “desde baixo” da vida
social (anascópica), que enxerga a realidade dentro das particularidades de cada
contexto e conflito, fora dos olhos burocráticos e padronizadores apresentados pelo
sistema punitivo. Escrever pouco, pois achava que a melhor comunicação é aquela que
se dava “cara a cara”, por isso se dedicou a inúmeras palestras e seminários pelo mundo.
Sua maior obra, Penas perdidas, de 1982, foi um livro-entrevista realizado por Jacqueline
Bernat de Celis no qual condensou boa parte de suas ideias e de sua crítica ao direito
penal contemporâneo.

Bebendo da fonte teórica produzida pelos interacionistas, Hulsman93 afirmava


que o crime não possui realidade ontológica, de forma que é impossível diferenciar um
ato criminoso de um não-criminoso pela essência ou lesividade da ação. Com isso,
Hulsman não queria afirmar que a violência não existe, mas sim que a complexidade de
cada situação problemática é empacotada na única resposta burocrática e violenta que
o sistema de justiça penal pode oferecer. Os problemas e as violências são reais, mas o
crime é um mito.

93
HULSMAN, 2021, p. 79.
2023 | CRIMINOLOGIA | 48
Hulsman se opunha à ideia de que a opinião do “cidadão comum” era favorável
a punições rigorosas contra os criminosos a afirmava94 que o sistema de punição formal
sequestrava o conflito da vítima, dando a este uma solução ensaiada, burocrática,
violenta, insatisfatória para o ofendido e contraproducente para a sociedade. Para o
autor, cada órgão ou serviço encarregado da persecução penal trabalha de forma
atomizada e isolada. Desde a atuação policial até a execução penal, os policiais,
promotores e juízes, além de psicologicamente distantes do homem que prendem e
condenam, trabalham de forma muito pouco harmônica entre si e estão mais
preocupados com suas próprias prerrogativas político-institucionais do que com a
coesão social. Ademais, a cifra oculta do sistema de justiça penal, isto é, a diferença
entre o número de crimes realmente praticados e aqueles desvendados e processados
pelo sistema oficial é tão alta que chega a ser incalculável.

Atento às estatísticas, Hulsman afirma que, ao contrário do que parte do


imaginário popular desenha, a maioria dos crimes não são praticados com violência ou
grave ameaça à pessoa e que a aplicação da pena, ainda que constante, faz muito pouco
para reduzir a violência no seio social. Entretanto, mesmo o mais organizado Estado não
consegue evitar as violências inerentes ao cárcere. Ao fim, ele propõe a abolição da
punição desde suas raízes ideológicas, pugnando pela desconstrução não só nas
estruturas persecutórias, mas também do léxico punitivo: o próprio crime deveria ser
renomeado para “situações problemáticas”. Propõe a criação de um modelo político
horizontal e solidário a estas situações, que devolvesse à vítima o protagonismo de seu
próprio conflito e ajudasse a estabelecer laços horizontais de solidariedade, o que se
torna parte da base para criação da justiça restaurativa.

Nils Christie, sociólogo e criminólogo norueguês, construiu um abolicionismo que


se aproximava daquele tecido por Hulsman em algumas de suas conclusões e se
distanciava em outras. Em suas principais obras: Uma razoável quantidade de crime, Os
conflitos como propriedade e Os limites da dor, Christie denuncia os muitos problemas
da sistemas punitivo estatais, desde a burocratização da resposta ao crime, a negação
do conflito da vítima, da violência improducente realizada contra os desviados.

94
Ibidem, p. 100.
2023 | CRIMINOLOGIA | 49
Propunha uma maior participação na resolução dos conflitos e na criação de soluções
especificamente voltadas para cada situação problemática. Era, todavia, um
abolicionista moderado, uma vez que não se opunha a um outro tipo de leis ou normas
consensuadas, e de julgamentos ou rituais participativos, caso isso reconduzisse para a
redução ou eliminação da dor e da violência.

5.2.2 MINIMALISMO E GARANTISMO PENAL

Com o avanço do discurso punitivista e da política de “lei e ordem” de um lado e


o ativismo abolicionista crescendo do outro, o minimalismo penal se coloca como uma
trincheira dos juristas contra as duas posições. Conforme argumenta Anitua 95 : “o
minimalismo ou garantismo emergiu no confronto contra a sobrevivência da legislação
autoritária e contra a emergência da legislação antiterrorista, que, tanto na Itália quanto
na Espanha, ameaçavam os princípios de um direito penal ilustrado que não havia
chegado a desenvolver-se completamente, e que, portanto, podia ser usado mais por
suas promessas do que propriamente por suas realizações”.

Muito provavelmente, o maior nome do minimalismo europeu é Luigi Ferrajoli,


escritor da monumental obra Direito e razão, de 1989, que gerou o garantismo penal.
Ferrajoli se preocupava com a contenção da irracionalidade punitiva, mas, em igual
medida, com a regressão potencialmente catastrófica que o desaparecimento do
sistema penal representaria. Afirmava que a abolição das formas de controle social
formal poderia levar à vingança privada ilimitada, uma anarquia punitiva semelhante ao
estado de natureza descrito por Hobbes, no qual a violência difusa e anarquia punitiva
é mais intensa e incontrolável do que um sistema punitivo orientado pelo devido
processo legal e por um direito penal de estrita legalidade.

Nesta ordem de ideias, e em constante debates com os abolicionistas de seu


tempo, Ferrajoli se dedica a construir as linhas gerais de um sistema penal garantista
que, ao invés de descrever o direito posto, passou a prescrever um direito penal de
estrita legalidade, construído a partir de axiomas que, se respeitados por um sistema

95
ANITUA, 2015, p. 730- 732.
2023 | CRIMINOLOGIA | 50
jurídico positivo, dariam a este sistema a qualidade de garantista que afastaria os
indesejados abusos dos quais se queixam a maior parte dos abolicionistas.

São aximomas do garantismo penal segundo Ferrajoli:

(I) Nulla poena sine crimine - princípio da retributividade ou da


consequencialidade da pena em relação ao delito – a antítese seria um sistema sem
delito, com sanções de natureza preventiva independentemente de qualquer conduta.

(II) Nullum crimen sine lege - princípio da legalidade – seu desrespeito leva a um
sistema com normas incriminadoras vagas ou com retroatividade em desfavor do
acusado.

(III) Nulla lex (poenalis) sine necessitate - princípio da necessidade ou da


economia do direito penal – cuja antítese é um sistema de punições supérfluas ou sem
qualquer fundamento em uma política criminal humana e eficaz;

(IV) Nulla necessitas sine injuria - princípio da lesividade ou da ofensividade do


evento – o contrário seria um sistema que prescinde de lesão a bens jurídicos concretos,
aceitando fundamentações materiais etéreas como a “paz pública”.

(V) Nulla injuris sine acione - princípio da materialidade ou da exterioridade da


ação – a antítese está na repressão a imoralidades, estados de consciência ou situações
subjetivas;

(VI) Nulla actio sine culpa - princípio da culpabilidade – visa se opor à


responsabilidade por fato alheio, impessoal, ou baseado na periculosidade.

(VII) Nulla culpa sine judicio - Princípio da jurisdicionariedade – tem o condão de


exigir decisão judicial fundamentada para a privação de direitos, principalmente em
prisões cautelares.

(VIII) Nullum judicio sine accusatione - princípio acusatório – a óbvia antítese


consiste na adoção de um sistema processual penal com feições inquisitórias.

2023 | CRIMINOLOGIA | 51
(XI) Nullum accusatio sine probatione - princípio do ônus da prova ou da
verificação – exige verificação probatória em sentido forte repudiando provas ilícitas
contrárias ao acusado.

(X) Nulla probatio sine defensione - princípio da defesa ou da falseabilidade –


exige que a defesa tenha chances reais de convencimento quanto à demonstração de
sua argumentação jurídica, contrapondo-se a uma defesa meramente formal.

Conforme expõe Anitua96, as críticas normalmente feitas ao garantismo penal se


referem ao seu caráter utilitarista: por se recusar a pensar em algo melhor do que o
direito penal, Ferrajoli tenta escrever as linhas de um direito penal melhor, o que acaba
por relegitimar o sistema punitivo.

96
ANITUA, 2015, p. 735.
2023 | CRIMINOLOGIA | 52
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APOSTILA ATUALIZADA EM:
ABRIL/2023

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