ARTIGO - Igreja Do Rosário FEVEREIRO
ARTIGO - Igreja Do Rosário FEVEREIRO
ARTIGO - Igreja Do Rosário FEVEREIRO
ISSN 2179-7374
Volume 22 – Número 01
Abril de 2018
Pags. 01 - 20
Resumo
O artigo apresenta um breve panorama da análise gráfica. Esta ferramenta que vem sendo aplicada
desde o século XVIII por teóricos e críticos como Rudolf Wittkower, Colin Rowe, Roger Clark e Michael
Pause na leitura da produção projetual dos grandes nomes da arquitetura. Entretanto, no Brasil,
somente nas últimas décadas a análise gráfica vem ganhando espaço no campo investigativo acadêmico.
Um exemplo disto é o método elaborado pela historiadora Sandra Alvim para a análise da Arquitetura
Colonial do Rio de Janeiro. Este artigo objetiva compreender este método e aplicá-lo a um exemplar do
patrimônio arquitetônico do estado do Espírito Santo, a Igreja do Rosário. De acordo com o método
serão analisados a planta, a fachada e o volume do exemplar religioso capixaba. Ao final, este trabalho
se propõe como um ensaio para um projeto mais amplo, em desenvolvimento, que contemplará doze
igrejas coloniais capixabas, seguindo o método de Sandra Alvim.
Palavras-chave: análise gráfica; método Sandra Alvim; Igreja do Rosário
Abstract
Max. 150, justificado, calibri, 11, espaçamento simples, antes 0, depois 6, normal
Introdução
Para se compreender o que vem a ser uma análise gráfica é necessário, primeiramente,
conceituar o que vem a ser “análise”. A palavra análise vem do grego analyein, que significa
decompor ou soltar. Deste modo, para o teórico Simon Unwin analisar significa “liberar, soltar
ou expor um objeto para assimilar os seus componentes e o seu funcionamento a fim de
assimilar e adquirir seus poderes” (UNWIN, 2013, p. 12). A análise gráfica é um instrumento de
leitura por meio de desenhos e diagramas. Embora pareça recente, a análise gráfica possui um
amplo histórico. Durante séculos ela tem sido um instrumento fundamental para a
compreensão da obra arquitetônica e seus elementos.
2 Professora Doutora, Mestrado em Arquitetura e Cidade, Universidade Vila Velha - UVV, [email protected]
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arte alemão Aby Warburg (1866-1929), autor de influentes estudos no campo da iconografia.
Desde então, o tema análise gráfica vem sendo debatido e utilizado por teóricos da
arquitetura e do urbanismo. Segundo Venturi (2004), ela tem se consagrado como uma
ferramenta de trabalho que permite explorar as potencialidades tanto da pesquisa e da prática
do projeto, quanto da teoria e da crítica arquitetônica.
No século XIX o arquiteto e acadêmico francês Jean-Nicolas-Louis Durand foi o responsável por
sistematizar um método de análise e de comparação por meio de desenhos conforme Figura 1.
Sua proposta consistiu em decompor a obra arquitetônica em partes como plantas, cortes e
fachadas com o objetivo de facilitar a identificação de elementos e as variações de um projeto
para o outro (GOUDEAU, 2015). Durand executou suas análises valendo-se de desenho cuja
escala era um fator relevante, pois permitia comparar graficamente variados aspectos dos
edifícios, tais como os aspectos funcionais e estéticos.
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Fonte: https://www.architectural-review.com/essays/viewpoints/march-1947-the-mathematics-of-the-
ideal-villa-palladio-and-le-corbusier-compared/8604100.article acesso em 18/06/2018.
Assim como Colin Rowe, Rob Krier aplicaria a análise gráfica para o campo do desenho
urbano. Para tanto utilizou desenhos, ilustrações e diagramas que o ajudaram a melhor
compreender o espaço público. Por meio da análise gráfica Krier também estudou a função, a
construção e a forma arquitetônica. Em seus estudos, decompôs os componentes básicos da
forma e os elementos da arquitetura conforme Figura 4. Estudou ainda a proporção de
edifícios históricos significativos como a Catedral de Notre-Dame. Em 1975 Krier ganha a
atenção dos críticos ao publicar o livro Urban Space, levando deste modo a análise gráfica para
o campo do urbanismo.
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Figura 4:
Entre os estudiosos mais recente da análise gráfica podemos citar Geoffrey Baker,
Simon Unwin, Francis D. K. Ching, Roger Clark e Michel Pause. Os métodos diagramáticos de
análise utilizados por Baker, como o descrito no livro Le Corbusier: uma análise da forma
(1998), por exemplo, no qual examina a forma com o objetivo de demonstrar como os
elementos se relacionam entre si e com as condições particulares do lugar. Sua metodologia
analítica, baseada no desenho e diagramas tridimensionais, busca revelar a organização
subjacente dos edifícios. O interesse de Simon Unwin também se circunscreve à arquitetura.
Na obra Análise da Arquitetura (2013), desenvolveu um método de análise com o objetivo de
promover uma organização conceitual da obra e de identificação do lugar. Unwin fez amplo
uso de desenhos e croquis como ferramentas de análise. Seu propósito foi demonstrar o
processo intelectual implícito ao objeto arquitetônico. A contribuição de Unwin reside na
leitura fenomenológica dos elementos básicos e mais primitivos da arquitetura, como o chão,
por exemplo. Um terceiro autor a utilizar a análise gráfica em suas pesquisas é Francis D. K.
Ching. No livro Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem (2013), Ching compreende a arquitetura
por meio do olhar sistêmico/estrutural, ou seja, observa a arquitetura como a resposta de um
agrupamento de condições intrínsecas de cunho funcional, social, político e econômico. Uma
das obras analisadas por Ching foi a Villa Savoye de Le Corbusier conforme Figura 5.
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Figura 5:
Um dos métodos mais recente de análise gráfica, criado pelos arquitetos Roger Clark e
Michel Pause (1997), tem como objetivo unificar a percepção e a categorização de projetos e
obras por meio de uma linguagem única de representação. Os autores criaram um tipo de
legenda diagramática, que ilustra uma série de critérios analíticos que podem ser aplicados a
qualquer obra arquitetônica conforme Figura 6. Para a composição do método, descrito no
livro Arquitectura: temas de composición (1997), foram eleitos onze elementos formadores do
espaço arquitetônicos como estrutura, iluminação natural, massa, etc. A inovação da proposta
de análise gráfica, concebida por Clark e Pause, fundamenta-se no cruzamento de todos estes
elementos para que, ao final, emerja um diagrama com a síntese gráfica da ideia dominante do
projeto, uma espécie de diagrama-partido.
Figura 6:
De acordo com a arquiteta Ruth Verde Zein (2011), o campo da pesquisa gráfica tem
crescido nas últimas décadas e a análise gráfica sido tem reconhecida como um instrumento
valioso para o campo da pesquisa em projeto de arquitetura no Brasil. É o que demonstra a
pesquisa de Sandra Alvim e Ana Tagliari. Por meio da análise gráfica a arquiteta Tagliari
analisou as obras de Frank Lloyd Wright (2008) e de João Batista Vilanova Artigas (2012). Em
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parceria com Wilson Florio, os autores relatam que “o que se pretendeu foi sistematizar e
produzir desenhos e esquemas que permitissem analisar graficamente os princípios da forma,
ordem e espaço de exemplares emblemáticos da produção de projeto arquitetônico
residencial do século XX” (TAGLIARI; FLORIO, 2009, p. 221). Já a historiadora Sandra Alvim
analisou a arquitetura colonial do Rio de Janeiro por meio do método por ela criado, a partir
da utilização de métodos tradicionais, contudo, sem servilismo a nenhum deles.
A análise gráfica aqui apresentada tem como base a metodologia elaborada pela historiadora
Sandra Alvim em seu livro Arquitetura Religiosa Colonial no Rio de Janeiro: planta, fachadas e
volumes (1999). O trabalho de Alvim divide-se em três volumes. O primeiro é voltado para os
elementos que compõe o espaço interno das igrejas coloniais, tais como revestimentos,
retábulos e talhas; o segundo é voltado para composição da construção em si; por fim, o
terceiro se dedica à questão da historicidade da obra de arte. No presente artigo, utilizaremos
somente o segundo volume em razão de nosso interesse pelo edifício, seus aspectos
construtivos e formais em especial.
O estudo de Alvim foi motivado pela necessidade de compreensão destas igrejas como
um conjunto. Esta visão era dificultada pelo fato de as igrejas encontrarem-se dispersas pelo
território carioca e pela diversidade de exemplos. Para a compreensão final do conjunto, Alvim
desenvolve um estudo analítico das diferentes partes das edificações por meio da
representação gráfica de planta, fachada e volumes.
Embora um dos objetivos de Alvim seja a compreensão das igrejas cariocas como um
conjunto, este artigo apresenta a aplicação do método Alvim a um exemplar único – a Igreja
do Rosário. Fundada em 1535 por Vasco Coutinho, donatário da capitania do Espírito Santo, a
igreja é a segunda mais antiga do Brasil e está localizada no município de Vila Velha. A análise
desta igreja faz parte de uma pesquisa mais ampla, em desenvolvimento, que envolverá as
doze igrejas coloniais do estado. A Igreja do Rosário é parte deste conjunto religioso e atua
como um piloto para nossa análise.
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Ao aplicarmos o método foi possível observar que a Igreja do Rosário seguiu um padrão
generalizado, comum nas igrejas mais antigas ou com programas mais modestos. Segundo
Alvim, nas tipologias religiosas do período colonial é comum prevalecer uma “constante
formal: a existência da capela-mor e sua nítida separação em relação à nave
1 (ALVIM, 1999, p. 37). Denominados espaços principais, esses dois espaços conjugados
formam a planta básica das igrejas conforme Figura 7. Tal configuração pode ser observada em
quase todos os programas da arquitetura religiosa brasileira. A observação de tal configuração
é relevante, pois insere a igreja do Rosário no conjunto da arquitetura colonial religiosa
nacional, embora a coloque entre as mais simples.
1
Parte interior de uma igreja, que se estende desde a entrada principal até a capela-mor. Denomina-se nave
central ou principal quando este espaço é subdividido por pilares, colunas ou arcos. Neste caso, existem naves
laterais.
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Figura 7:
Alvim trata a planta baixa, composta por nave e capela-mor, como uma conjugação de
dois espaços. Deste modo, os espaços que compõem a planta das igrejas podem ser
classificados em principais e secundários, conforme sua relevância no programa arquitetônico.
A nave, espaço destinado aos fiéis, e a capela-mor, espaço destinado às celebrações religiosas
(ALVIM,1999, p.35), configuram de modo inequívoco os espaços principais das igrejas
coloniais. A partir deles, os anexos e as dependências são classificados por Alvim como espaços
secundários. Em geral, são espaços destinados às “atividades de apoio ao culto e à organização
da instituição e estruturam-se em função da nave e da capela-mor, articulando a composição”
(ALVIM, 1999, p.35). Normalmente os espaços classificados como secundários são a sacristia, o
consistório2, o coro, as tribunas, os corredores, as galerias e as capelas fora do espaço da
nave. De modo singelo a planta da igreja do Rosário, destituída de anexos ou dependências
junto à nave, apresenta os espaços principais e apenas a sacristia como espaço secundário,
posterior à capela-mor.
Segundo Alvim, em sua análise dos espaços principais, a planta das igrejas coloniais
pode ser caracterizada por três tipologias de nave: a de nave única retangular, a de três naves
e a de nave octogonal. A partir da leitura da planta da Igreja do Rosário, constatamos que sua
tipologia é a de nave única retangular, tratando-se de um exemplar de caráter bastante
modesto.
Sobre as relações que envolvem as dimensões da nave, Alvim afirma que a proporção
predominante entre a área da nave e a da capela-mor é de 4 (quatro) para 1 (um) nos
exemplares cariocas. Entretanto, para ela, a relação dimensional mais relevante se dá entre o
comprimento da nave e o comprimento da capela-mor, o que demonstra a profundidade da
planta conforme Figura 8. Dessa forma, Alvim sistematiza dois agrupamentos possíveis: aquele
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Sala de reunião de uma confraria ou de qualquer assembleia paroquial.
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Figura 8:
De acordo com Alvim, nas igrejas cariocas, o acesso principal à nave “pode ser feito através de
uma única porta frontal – caso mais comum – ou de três, quando então, a central é maior”
(ALVIM, 1999, p. 65). A utilização de três portas está relacionada com a composição da fachada
e não com a dimensão da nave ou com a evolução formal da planta, pois existem casos de
naves com vãos suficientes para três portas mas que têm somente uma.
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Figura 9:
Por mais simples que possa parecer, a análise de acessos é reveladora. No Espírito
Santo, dos doze exemplares da arquitetura colonial religiosa remanescentes, onze têm planta
de nave única retangular e somente um exemplar possui planta de três naves, não havendo
nenhuma tipologia de planta octogonal ou curva. Diferentemente dos exemplares cariocas
que, segundo Alvim, apresentam diversidade de tipologias que são frutos de “um
experimentalismo advindo das constantes e diferentes influências externas” (ALVIM, 1999, pp.
71).
2.1.3. A capela-mor
A capela-mor é um dos espaços principais que caracteriza a planta básica das igrejas coloniais.
Sua importância é ilustrada pelo próprio termo luso mor (maior) utilizado para designar esse
espaço. São raros os casos de igrejas sem capela-mor no Brasil. Segundo Alvim, sua “presença
reforça o direcionamento espacial para o altar-mor e acentua a longitudinalidade da nave”
(ALVIM, 1999, p. 40). Esse espaço é caracterizado pela forma retangular, por suas dimensões e
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por apresentar maior profundidade que largura, fato recorrente na arquitetura colonial
conforme Figura 10. Em geral, o seu comprimento está associado aos desníveis no piso, aos
vãos nas paredes laterais e ao teto.
Normalmente a capela-mor possui duas áreas distintas entre si, porém delimitadas por
elementos arquitetônicos: o trecho próximo à nave, denominado presbitério3, e o trecho final
da capela-mor, denominado altar-mor. Essa divisão está relacionada com a profundidade da
capela-mor e com as diferentes funções que cada espaço exerce. O altar-mor é o local onde o
sacerdote realiza o culto religioso, enquanto o presbitério configura-se como um local de
passagem, que conecta a capela-mor à nave e aos espaços secundários.
3
O termo é empregado para designar o espaço da capela-mor próximo à nave, limitado pelo arco cruzeiro e pelo
desnivelamento do piso que o separa do trecho do altar principal. Em suas paredes laterais, encontram-se portas de
acesso à sacristia.
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Ainda dentro do tema análise de planta, para tratar dos itens construção, função e forma das
igrejas coloniais, Alvim aprofunda-se na observação da estática da planta; das necessidades
funcionais; do perfil externo e do lote e; do perfil externo e da volumetria.
Para o item perfil externo e o lote, Alvim analisa as diversas formas de implantação da
tipologia no terreno. Ela observa que as igrejas com plantas de nave única retangular foram
construídas em diversas situações: em lotes de esquina, no centro da quadra, inseridas em
outras edificações, circundadas por ruas ou lotes e em terrenos sem limites definidos. A igreja
do Rosário, por sua vez, está inserida em uma praça central retangular, ladeada por ruas,
seguindo uma implantação típicas dessa tipologia no período colonial conforme figura 12. Para
adentrar o interior da nave, é preciso subir alguns degraus a fim de transpor o platô sobre o
qual a igreja está assentada.
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A fachada frontal da Igreja do Rosário revela seu rigor simétrico por meio de seus elementos
constitutivos, como portas e janelas, arrematados por verga4 em formato curvo. O frontão5,
arrematado pelo acrotério6, é o ponto mais elevado da fachada. Suas empenas são delineadas
por volutas7 e decorações naturalistas. Nesse elemento de composição de fachada também
estão presentes o óculo central, o medalhão e os coruchéus8. Muito embora, não tenha sido
5
Espécie de empena que arremata as fachadas dos edifícios, portas, janelas, nichos, retábulos e móveis.
6
Pequeno pedestal colocado no vértice ou nas extremidades de um frontão, nos arremates de cunhais ou, ainda,
de espaço a espaço, entre balaústres, para servir de suporte a uma cruz, a esculturas ou a elementos ornamentais
diversos.
possível analisar as torres sineiras9, pode-se dizer que nem mesmo sua ausência elimina a
marcada simetria desta arquitetura.
Entre os vários os elementos que compõem a fachada de uma igreja colonial, Alvim
destaca em seu método alguns deles. São eles a cantaria10, os cheios e vazios e a análise das
proporções conforme Figura 13, como veremos a seguir.
2.2.1. A cantaria
Historicamente, a cantaria sempre foi utilizada para marcar os principais elementos estruturais
do edifício. Sobre a cantaria, Alvim (1999) explica que sua utilização em fachadas só se
desenvolveu no maneirismo, período de introdução das formas renascentistas italianas. Na
arquitetura clássica, a cantaria era empregada em elementos sustentados e sustentadores
9
Construção de sentido vertical, adossada ou não a um monumento religioso, geralmente com a finalidade de
abrigar os sinos.
10
Trabalho em pedra aparelhada, pedra talhada, geralmente contornando aberturas de portas e janelas.
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como pilastras, ombreiras11 e vergas. Nos edifícios da arquitetura colonial, essa diferenciação
de textura e cor marcam esses elementos na alvenaria caiada.
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12 Vale ressaltar o destaque singular da cantaria na fachada voltada para o Convento da Penha (1558), que
apresenta um detalhamento diferenciado, caracterizado pelo desenho em pedra de granito lavrado, com inscrição
em latim Totus Mariae, que significa “Todo seu, Maria” (HERMANY, 2009, p. 389).
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De acordo com Alvim, para empreender a análise das proporções de uma igreja colonial é
necessário esboçar traçados geométricos que demonstrem as relações entre os elementos
(vãos, marcações e ornamentação) e as partes da arquitetura (corpo da nave, base e trecho
superior do frontão)13 conforme Figura 16. Seguindo o método, desenvolveu-se o estudo dos
princípios reguladores da composição com a finalidade de identificação das particularidades
formais e das proporções gerais da fachada da igreja.
13 Espécie de empena que arremata as fachadas dos edifícios, portas, janelas, nichos, retábulos e móveis.
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Constitui, no interior de um edifício, um conjunto simplificado que permite a transição entre a parede e a
cobertura. Designa também a terminação superior de um móvel. No exterior, é formada pelas molduras pela parte
superior de uma fachada.
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Em igrejas de nave retangular, como a Igreja do Rosário, a volumetria básica é definida por
dois prismas retos com formatos similares e tamanhos diferentes. Internamente, como na
maioria das igrejas, os volumes da nave e da capela-mor são únicos, tendo somente o coro15
como elemento diferenciador do espaço. O coro, logo acima da entrada, faz surgir uma
espécie de mezanino sem romper de fato o espaço interno. Logo, podemos dizer que a
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volumetria da igreja do Rosário é espacialmente simples, formada por dois volumes básicos de
alturas diferentes.
Para caracterizar a composição dos volumes, Alvim trata das seguintes relações que
envolvem a parede do cruzeiro e as alturas da nave e da capela-mor. O ponto de partida é
observar a organização das igrejas de planta regular e os dois volumes (nave e capela-mor),
separados pela parede do cruzeiro. O perfil do arco cruzeiro pode variar, desde um arco pleno
ou abóbada de berço16 conforme Figura 18.
Na parede do cruzeiro nota-se com clareza o perfil do volume da nave. Por outro lado,
o perfil da capela-mor não é identificável de imediato em decorrência do arco cruzeiro17.
Segundo Sandra Alvim, o arco cruzeiro de todos os exemplares cariocas é formado por arco
pleno. A frequência do arco pleno ocorre em razão da facilidade construtiva e dos escassos
recursos técnicos. O mesmo pode ser constatado no exemplar da Igreja do Rosário.
Nas plantas formadas por dois retângulos, com é o caso da Igreja do Rosário, a
volumetria estrutura-se a partir de eixos longitudinais de projeção horizontal coincidente com
o eixo central da planta. Os eixos, portanto, marcam a longitudinalidade do volume, que é
reforçada visualmente pela sucessão de desníveis no piso. A compartimentação entre os dois
volumes, da nave e da capela-mor, é ressaltada pela diferença de altura do teto desses
espaços, conforme esquema representativo da Igreja conforme Figura 19.
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Abóbada com seção em arco pleno.
17 Grande arco que separa a nave da capela principal.
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Na maioria dos exemplos a altura da nave é 1,5 (uma vez e meia) maior que a largura.
Para a igreja do Rosário, verificamos que a proporção é de 1,8 (um, oito). As relações de
largura da nave e da capela-mor também costumam ser proporcionais, sendo a largura da
capela-mor pouco maior que a metade da largura da nave, o que também foi constatado na
Igreja do Rosário. Assim, a proporção entre as alturas da nave e da capela-mor é a que
apresenta maior diferenciação, sendo a responsável pela diversificação volumétrica de seus
espaços.
Considerando ainda o tema da volumetria interna, outro ponto analisado pelo método Alvim
são as relações da superfície com os vãos, o ritmo e a iluminação, como veremos a seguir.
O arco cruzeiro é o principal vão da estrutura interna das igrejas. Ele interliga os
espaços da capela-mor e da nave. Sua guarnição, embora simples, é completa, pois possui
base, fuste, capitel, cornija e arquivolta, conforme Figura 20.
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Figura 20:
Entretanto o teto da nave não segue o padrão em arco, pois recebe um forro de
madeira em forma de masseira conforme Figura 21.
Sobre os vãos das paredes laterais das naves, são normalmente mais expressivos nas
igrejas de três naves ou de nave octogonal. Nos exemplos de nave única retangular, como é o
caso da igreja do Rosário, os vãos apresentam-se como portas isoladas. No segundo pavimento
está localizado o coro, iluminado pelos vãos das janelas e do óculo da fachada principal. Este
também é o caso do exemplar capixaba.
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cruzeiro, sendo seguido por outros desníveis até o altar-mor. A segunda sequência relevante
de ritmos corresponde à relação entre a composição do arco do cruzeiro e do arco da parede
de fundo do altar mor. Pelo fato de o interior da igreja do Rosário ser relativamente simples,
não possuindo em sua estrutura nichos18 laterais, os elementos que dão ritmo às paredes
internas são os vãos das janelas da nave conforme Figura 22.
O método Alvim trata somente da iluminação natural no interior das igrejas. A análise revela
uma linha evolutiva que parte de interiores escuros até aqueles mais iluminados, definidos
pelo número, disposição e formas das aberturas. O exemplar arquitetônico da igreja do
Rosário situa-se no que Alvim denomina de primeira tipologia, que diz respeito às igrejas
construídas no período compreendido entre o século XVI até meados do século XVIII.
Alvim classifica pelo menos duas tipologias por período: os exemplos arcaicos e os
exemplos de transição. Os exemplos arcaicos são aqueles em que o domínio da técnica
construtiva é precário e a iluminação é reduzida. Essa situação não descreve as características
da igreja do Rosário, pois possui quantidade de aberturas suficientes para uma boa iluminação
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Cavidade ou vão em parede, muro, retábulo etc., para colocação de imagens ou outro objeto ornamental.
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natural, uma vez que possui três janelas e um óculo na fachada frontal, oito janelas laterais na
nave, seis janelas e dois óculos19 localizados na capela-mor conforme Figura 23. Por essas
características, essa igreja pode ser classificada como um exemplo de transição.
3. Considerações Finais
Desde o século XVIII, o desenho de diagrama foi utilizado como ferramenta essencial de
representação e leitura de obras arquitetônicas como comprova os desenhos de, por exemplo,
Jean-Nicolas-Louis Durand. E embora também tenha estado presente em outros períodos da
história da arquitetura, foi sobretudo a partir da segunda metade do século XX, com os
estudos de Arby Warburg, que a análise gráfica emergiu como uma importante ferramenta
analítica. Desde então ela vem sendo utilizada por dezenas de teóricos e críticos para a leitura
de exemplares arquitetônicos, não importando a tipologia arquitetônica. No Brasil, vimos que
a análise gráfica tem ganhado expressão no campo acadêmico nas últimas décadas com
trabalhos como o de Sandra Alvim. A historiadora destacou-se por criar um método analítico
voltado exclusivamente para a leitura de igrejas coloniais. O objetivo deste artigo foi
compreender o método de Alvim e aplicá-lo na análise da Igreja do Rosário, localizada em Vila
Velha, Espírito Santo. Buscou-se compreender a dimensão estética desta igreja no que diz
respeito às suas plantas, fachadas e volumes.
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Abertura circular ou elíptica, que pode assumir formas diversas, realizada na parede de um edifício para
ventilação ou iluminação interna. Em alguns casos, assume importante papel formal na composição espacial.
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A análise dos acessos principais e laterais coloca a igreja do Rosário entre as mais
comuns. A igreja possui somente uma porta frontal, enquanto há exemplares com até três,
casos menos usuais, segundo Alvim. Sobre os acessos laterais, por meio da leitura da planta,
nota-se que a igreja do Rosário possui uma abertura principal voltada para a praça e duas
aberturas laterais voltadas para as ruas laterais. Esta configuração coloca mais uma vez a igreja
do Rosário dentre as mais simples, ao relacionar diretamente a fachada ao exterior. Tal
simplicidade pode ser constatada pela ausência das torres, embora suas bases tenham sido
construídas.
A capela-mor é um dos espaços principais que caracteriza a planta básica das igrejas
coloniais brasileiras. Normalmente retangular, sua presença acentua a longitudinalidade da
nave. Na igreja do Rosário, a capela-mor é retangular e profunda. A sacristia, posicionada no
fundo da capela, acentua o comprimento da igreja. Não se pode dizer que igreja seja um
exemplar raro, mas certamente tem suas particularidades.
O fato de não haver anexos, mas somente uma sacristia, criada a partir de um
alongamento da capela-mor, contribui para o equilíbrio estático de planta. Some-se a isso a
configuração retangular da planta, inserida em uma praça retangular, o que fortalece a
estaticidade da arquitetura. O padrão regular da Igreja do Rosário também é um indício da
estanqueidade espacial e volumétrica, característica que a insere no conjunto das edificações
do período.
Na análise das proporções da fachada, seguindo o método Alvim, verificou-se que nas
relações entre seus elementos e as partes da arquitetura foram utilizados traçados
geométricos. Assim, identificou-se particularidades formais e as proporções gerais da fachada.
O traçado revelou uma forma geral proveniente da associação de quadrados e retângulos. O
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Como vimos, a volumetria básica da igreja é composta pela associação dos volumes da
nave e da capela-mor. Logo, podemos dizer que a volumetria da igreja do Rosário é
espacialmente simples, formada por dois volumes básicos de alturas diferentes. A respeito do
ritmo, a sequência de desníveis no piso da nave e da capela-mor cria um movimento crescente
associado ao plano do piso. Em relação ao ritmo vertical, pelo fato de o interior da igreja do
Rosário ser relativamente simples, não possuindo em sua estrutura nichos laterais, os
elementos que dão ritmo às paredes internas são os vãos das janelas da nave. Conforme
analisado, a igreja do Rosário possui diversas aberturas frontais e laterais, o que gera boa
iluminação natural. Assim, segundo o método Alvim, essa igreja pode ser classificada como um
exemplo de transição.
Como conclusão, este artigo destaca a relevância do tema de análise gráfica. Apesar
das tecnologias atuais, como os diagramas computacionais, a aplicação da análise por meio de
recursos visuais permanece útil para os pesquisadores em suas lides acadêmicas. Dentro do
presente estudo, este artigo se propõe como piloto para uma pesquisa mais ampla, em
desenvolvimento, que envolverá doze igrejas coloniais. Dessa forma, ao fim, poderemos obter
uma análise comparativa do conjunto arquitetônico colonial religioso do estado do Espírito
Santo, conforme método proposto por Sandra Alvim para o Rio de Janeiro.
Agradecimentos
Mestrado Arquitetura e Cidade da Universidade Vila Velha
Grupo de Pesquisa SCP – Sistemas Contemporâneos de Projeto
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