Ler Antes de Saber Ler - Oitos Mitos Escolares

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OITO VÍCIOS DA DOCÊNCIA NO ENSINO

DA LEITURA
Caroline Belchior Silva
Faculdade de Educação da UNICAMP
[email protected]

RESENHA

 ARVALHO, Ana Carolina; BAROUKH, Josca Ailine. Ler antes de saber ler: oito
C
mitos escolares sobre a leitura literária. São Paulo: Panda Books, 2018. 106 p.

As psicólogas e mestres em Educação Ana Carolina Carvalho e Josca Ailine Baroukh, atuam
como formadoras de professores e gestores das redes públicas e privadas de educação. Em Ler an-
tes de saber ler: oito mitos escolares sobre a leitura literária elas apresentam diversas atitudes comuns
nas escolas quando o assunto é leitura. O livro é dividido em oito capítulos que abordam, cada um, os
mitos assumidos pelos professores no ensino da Literatura, apresentando situações vivenciadas por
elas em suas formações e relatos de professores.
O primeiro capítulo aborda o mito de que para crianças pequenas é melhor contar do que ler
histórias. Este é um fato muito presenciado em escolas de Educação Infantil e creches, sob a justifica-
tiva de que os livros apresentam histórias complexas e um vocabulário ainda desconhecido para as
crianças. A desmistificação se faz com o argumento de que a história lida diretamente do livro é fixa,
estável, ou seja, a criança sempre poderá voltar àquele livro para ler a mesma história. Diferentemente
da linguagem oral, em que ocorrem variações no vocabulário utilizado, além de outras expressões e
gírias, a história passa a ter personalidade de quem a conta (narra) e não a do escritor.
As autoras caracterizam a leitura em voz alta como transmissão vocal e afirmam que ela não é
percebida como leitura para quem a ouve. Dentre seus benefícios está a apresentação da cultura le-
trada para a criança - “O caráter fixo do texto proporciona uma referência cultural e linguística da qual
ela poderá se valer em suas produções escritas”. (2018, p. 22)
A contação não deve ser descartada, porém não pode ser a única forma de contato com a litera-
tura oferecida às crianças. O livro apresenta três formas de apresentação de narrativas para crianças
de qualquer faixa etária; são elas: “A transmissão oral da história, [...] a leitura feita pelo professor ou
por outra criança mais experiente; e o contato direto com os livros, mesmo quando as crianças não
sabem ler”. (2018, p. 24)
A preocupação excessiva com a preservação do objeto livro é apresentada no capítulo livro na
mão do aluno some ou estraga, que sinaliza que o manuseio dos livros e a possibilidade de sujar ou
rasgar uma folha fazem parte do processo de aprendizagem da leitura, pois saber manusear um livro
é um dos comportamentos dos leitores. Muitas vezes as escolas oferecem às crianças revistas (já da-
nificadas) para que aprendam a virar as páginas, porém como é possível esperar que alguém cuide
de algo que já está estragado?

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Para muitas crianças a escola é único lugar onde podem ter contato com livros; logo, poder re-
almente manuseá-los é um direito a gozar. A preocupação com a preservação dos livros deve estar
ligada à organização destes para a realização de empréstimos e facilitação do acesso pelas crianças.
A ideia de que na educação infantil, é preciso oferecer livros fáceis é contestada no terceiro
capítulo, onde se defende que a leitura literária não pode ser feita somente com o intuito da construção
de vocabulário visto que muitas escolas trabalham com livros que possuem somente ilustrações ou
são informativos – como os que apresentam imagens de animais com seus respectivos nomes abaixo
–, partindo da ideia de que livros literários apresentam enredos e vocábulos de difícil compreensão
para os menores. As autoras compreendem que considerar a faixa etária é importante, mas não pode
ser algo que prejudique o desenvolvimento da criança leitora. Os desafios são bem-vindos e não
é possível prejulgar se alguém compreenderá determinado texto somente em decorrência da sua
idade. É necessário perguntar: Quem são os leitores? Quais são seus interesses? O que sabem? O
que querem saber?
Muitos docentes acreditam no mito de que é preciso poupar as crianças dos horrores do mundo
e para tanto seus alunos não devem entrar em contato com temas como morte, sexualidade, brigas,
etc. Porém as autoras questionam quais critérios estão sendo usados para definir o que é bom para
ler ou não, pontuando que, a depender das crenças pessoais do professor, um livro que apresente
personagens folclóricos ou uma mãe solteira pode ser visto como inapropriado para uma criança.
Entretanto, esse tipo de escolha só impede que os pequenos tenham a oportunidade de conhecer e
refletir sobre esses temas. A morte, por exemplo, sempre estará presente na vida humana e a censura
de livros sobre o assunto pode dificultar a vivência por um momento futuro de luto.
Partindo da premissa de que para fazer as crianças se interessarem pela leitura é preciso apre-
sentar livros com elementos que elas gostem, muitos docentes apostam no quinto mito livro bem
colorido: é disso que os pequenos gostam e consequentemente têm deixado de buscar livros que
desafiem seus alunos, utilizando na maioria das vezes obras com ilustrações que complementam a
história sem enriquecê-la. “É papel da escola [...] oferecer livros de qualidade para seus alunos, para
que possam ampliar suas referências estéticas, tanto em relação ao texto quanto à ilustração”. (2018,
p. 59)
Ao desenvolver uma aula que envolva a leitura, muitos professores tendem a crer que conversar
é pouco: sempre é preciso fazer uma atividade depois de ler. Realizar uma atividade tangível é praxe
nas escolas, após a leitura sempre é necessário fazer um resumo, um desenho, criar um final ou fazer
uma prova sobre o livro lido. Não há problema algum nessas atividades, a não ser que elas sejam as
únicas a serem realizadas após a leitura.
O ato de conversar sobre livro é algo raramente visto nas salas de aula, possivelmente sua au-
sência na formação de professores seja uma das razões de ele ter se perpetuado. “Ler e ser leitor
significa saber o que dizer sobre uma leitura, conversar, trocar informações e impressões sobre o que
lemos, ouvir sugestões e sugerir, saber encontrar um livro numa biblioteca ou livraria”. (2018, p. 73).
Muitas vezes, o aluno se torna leitor observando comportamento leitor de seu professor; logo, não
precisa estar alfabetizado para apresentar essas características, mas necessita de um ambiente que
estimule o desenvolvimento de habilidades de leitura.
Na escola, quem escolhe a leitura é o professor. Evidentemente, grande parte das escolhas literá-
rias partirá do professor, visto que este auxilia o aluno na assimilação do conhecimento construído até
os dias atuais. Contudo, o professor não pode ser o único a fazer essas escolhas - é preciso espaço
e instrução para que o aluno – ele próprio - faça as suas escolhas. O professor possui critérios para

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selecionar os livros; pode ser, por exemplo, para: trabalhar determinado gênero, tema, norma grama-
tical ou simplesmente porque são livros clássicos, aclamados pela crítica. Nesse último, há o risco
de o professor não exercer um comportamento leitor, por não escolher os livros, não ter uma opinião
formada sobre eles. Sobre este tópico, as autoras alertam “Se o repertório do professor for limitado,
se ele não se aventura por novos títulos, está fadado a recomendar os mesmos livros ano após ano”.
(2018, p. 81)
Os alunos precisam ter liberdade para escolher o que desejam ler. Uma boa forma de auxiliá-los
nessa tarefa é o professor compartilhar com eles quais os seus motivos para ter escolhido determina-
do texto. Atitudes como essa estimulam as crianças a desenvolver os seus próprios critérios para as
escolhas de livros.
O oitavo e último mito apresenta a crença de que ler é sempre prazeroso, afirmação essa que
dificilmente os professores conseguiriam sustentar quando questionados sobre seus hábitos leitores.
As diversas campanhas de estímulo à leitura que existem anualmente e através das quais as crianças
estão sempre sorridentes e exalando felicidade passam uma mensagem que pode deixar o leitor do
livro confuso devido a não garantia de prazer durante a leitura. Quando se apresenta essa realidade
aos alunos, corre-se o risco de que eles se decepcionem rapidamente, pois nem sempre ele encon-
trará o livro que o regozijará como lhe prometeram. Fato que pode fazer com que ele pense que não
sabe ler ou que ler não é uma atividade para todos.
Os oito mitos apresentados no livro são fáceis de serem reconhecidos na prática pedagógica. Em
suas 106 páginas, encontramos no livro uma linguagem de fácil compreensão com diversos exemplos
de como isso ocorre no dia a dia. Percebe-se que o objetivo por detrás da apresentação e discussão
dos oito mitos é mostrar algumas das barreiras que podem bloquear o desenvolvimento do hábito da
leitura pelos alunos. As autoras apresentam com muita objetividade quais as formas corretas de se
promover a leitura, mostrando que as mudanças nas atitudes e nos comportamentos docentes podem
facilitar, em muito, esse processo.

Recebido em: 04/07/2021


Aceito em: 03/04/2022

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