Caderno Fim-De-Semana 26.04.2020

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CRÓNICA Domingo

26 de Abril de 2020 15
“POLIR SAUDADES”

Bairro Ritondo
Não fosse o komba de um amigo, nunca tanta gente voltaria a ver o bairro do Ritondo da cidade de Malanje
e polirem saudades. Ganhou asfalto a rua principal. Rareia a imagem de gente com latas de água
na cabeça. Mas a Lagoa Bar evaporou. Nosso espaço que servia pra satisfação dos nossos
prazeres da pesca. Não vendíamos peixe. Ornamentávamos nossos aquários lotados
de espécies diversas, multicolores, cinzentas, verdes escuro e claro e violetas

EDIÇÕES NOVEMBRO

Carmo Neto traria menos pessoas. Engano


meu. Senti-me ansioso quando
Pescávamos no restaurante constatei presença massiva.
Lagoa Bar. Disseram-me Faltava o Bernabé, tam-
que secou. Era com anzóis bém já na hospedaria do céu.
que habilmente fabricáva- Tinha mímica nas veias. Inda
mos, atados na ponta da cor- miúdo-miúdo desarmava a
da e era nesses ganchos que ira da avó Milagre quando
se prendia a isca de minhocas as pedradas sacudiam as
pra atrair peixes, quando mangueiras do seu quintal.
burlávamos nossos pais, a De fartos gestos mágicos,
tarde, às vezes, aproveitando pra preencher e encantar o
as borlas. vazio com sonantes garga-
E assim enchíamos aquá- lhadas, enquadrava a velha
rios de garrafões de vinho. numa roda de dança, a cantar
Mas o Rio Cimento antes em quimbundo.
cristalino também propor- Nem mesmo o Manuelito,
cionava peixinhos pra o mecânico, irmão do Neto Ma-
aquário e água potável aos gia, algum dia conseguiu des-
moradores das redondezas, parafusar seu rosto. Tempo
quase desapareceu. diferente, porque as man-
Presença massiva só mes- gueiras e goiabeiras fruta-
mo nos kombas hoje em dia vam-se de forma espontânea
pra lembrar aquele tempo só com água da chuva. Os
nosso, quando sonhávamos muros dos quintais já não se
ir à lua (leia-se Luanda). Os ornamentam de musgo como
pais recusavam. Diziam era no antigamente.
uma cidade violenta. Então, Dom divino que os ho-
nossos familiares iam estu- mens da administração es-
dar no Quéssua, onde meu queceram registar com a
pai ganhou o nome de Dr institucionalização de uma
Sarmento, dizem os colegas academia de artes cénicas
da sua geração. no Ritondo. Levou consigo à
Abrem-se as cortinas do sua última morada. Oxalá os
tempo no meio de bons con- futuros gestores das autar-
tadores de estórias. Soltavam- quias não se esqueçam. Foi
se muitas gargalhadas. Todos na verdade um cidadão com
sonhavam serem ministros, direito a nome de rua, mas
deputados e empresários ala- não despidas de placas.
vancados pelo Banco Nacional
de Angola, sem sucesso em
tempo de crise.
Depois vem a ondulação
quando a conversa versa sobre
os desaparecidos durante a “Abrem-se as
guerra, nossos hóspedes do cortinas do tempo
céu como o Beltrano, um jo-
vem piloto. Deixou o fato de no meio de bons
casamento ao cuidado do al- contadores de
faiate desde mil novecentos
e oitenta. Também um grande estórias. Soltavam-
basquetebolista elegante, de- se muitas EDIÇÕES NOVEMBRO

veras impressionante no seu durante a estação das chu- na sala de visitas, com o rosto
uniforme de trabalho; sem gargalhadas. Todos vas. Era como se o Van de- encoberto pelas páginas da
esquecer o ilustre professor sonhavam serem senhasse imagens difusas sua revista favorável escutava
João Manuel da Cruz. no céu, quando a água caía a rádio. Despediu-se a in-
E a dona Feia artista no fa- ministros, ou em dilúvios. formar que uma hora depois
brico da broa superiormente empresários” Falamos depois do Fu- regressaria. Isto aconteceu
saborosa. Esposa do Franki- tebol Clube do Ritondo, em mil novecentos e setenta
lim, ferrenho sportinguista, O chuvisco não abran- antigo inquilino do cam- e cinco, num mês de Junho
coabitava com a manada de dava. Até porque o kapuka peonato nacional. Concluí- e nunca mais regressou.
bois, no fundo do quintal. Ai que uns preferiam em de- mos que kamanguistas da De rosto virado pra o céu
e o Artur Kipakassa detentor trimento da cuca aguçava a terra devem ter um papel Kota Mário pede que se dê
de juntas de burros utilizados língua. Os empresários de- importante na responsa- de beber aos mortos com
como tracção de uma carroça viam analisar esta vantagem bilidade social e logo vie- algumas gotas de vinho no
transportadora de pessoas e pra industrializar nosso ram à memória algumas chão. Todos conheciam as
bens. A velha Maria Conde, aguardente, “Kapuka made feras como o Peres, Pinhei- raízes dos vizinhos, razão
terapeuta. Médica tradicional in Ritondo”!... ro, Gomes Pinto e o falecido porque acrescentou no as-
socorria parturientes. O sô As nuvens negras deixaram Gouveia. Eram excelentes sunto, paradeiro desconhe-
Horácio era referência na de galopar no céu. O vento jogadores de futebol. E há cido do Soba Cunga do Lau,
venda da ginguba torrada. rodopiava fazendo ballet de um árbitro Carlitos Am- em Malanje e o filho Luís
Nem mesmo seus ataques de poeira e a dançar kuduro. brósio que bem merece Cunga em mil novecentos e
epilepsia afugentavam a Depois ouvíamos trovoadas mais reconhecimento. sessenta e um?
clientela. sem mais energia. Só desejei Já quase navegávamos o É tempo de um komba
Pensava que mais cedo che- que a lama não se transfor- fim da presença quando o geral pra angolanos desa-
gasse, mais tempo teria pra masse em poeira no asfalto. Rui questionou se nós lem- parecidos desde o início da
diálogo reservado e familiar. Era assim enquanto fui brávamos do tio que um dia luta de libertação nacional,
Provavelmente assim encon- residente do bairro Ritondo qualquer sentado no sofá, hóspedes do céu!
16 VIDA Domingo
26 de Abril de 2020

TINHA 42 ESPOSAS DEIXA 243 FILHOS, 250 NETOS E 45 BISNETOS

Réquiem
ao patriarca Tchikuteny
Era um patriarca que o mundo bem conheceu. Com um ímpar agregado familiar, constituído por 580 pessoas, o
homem, ao marcar a história do Namibe, em particular, do país e mesmo de além-fronteiras, criou um desafio nas
áreas da ciência, particularmente da medicina, e da cultura, que requer um estudobastante aturado

João Upale (*) | Moçâmedes 45 bisnetos, todos vivos. O


seu passamento físico, la-
Trata-se de Francisco Sabalo mentou, vai, de facto, gerar
Pedro, mais conhecido por enormes dificuldades no
“Tchikuteny”, falecido a se- seio familiar, no que tange
mana passada no povoado à educação, assumpção e
de Mungongo, no Giraúl de sustentabilidade. Isso se
Cima, município de Moçâ- qualquer atenção não lhes
medes, aos 69 anos, vítima for prestada.Daí que ela
de cancro da próstata, depois clame pela intervenção da
de receber tratamento em sociedade civil e do gover-
unidades hospitalares de no provincial.
Luanda e do Lubango. Foi Um legado de unidade,
um orgulho para o povo do trabalho, respeito ao próximo
litoral mais a Sul de Angola, e aposta na formação aca-
principalmente, pela sua fa- démica, é o que Tchikuteny
ma, que causava azáfama. deixou paracumprimento
A sua história regista, entre obrigatório e à risca, segundo
outras curiosidades, que, em Lumbomany Pedro, um dos
1978, fundou uma seita reli- filhos do pastor.
giosa denominada “Jesus Cris- “O meu pai representou
to na Cruz”, espaço suficiente uma figura pública dentro
para ter sob seu controlo a da cultura social. Foi um
comunidade por si gerada. homem de conselho,ensi-
Eva Bartolomeu, a coorde- nou-nos a trabalhar na una-
nadorado grupo das 42 es- nimidade bem como a viver
posas de Tchikuteny, é a em união, sem separação.
“conservadora” do registo da Enquanto patriarca angolano
família do super progenitor. não deixou de ensinar-nos
Ela decifra que o esposo a parte académica e o de-
gerou 243 filhos, dos quais senvolvimento socialmente
78 são finados, 250 netos e útil”, lembrou.

Líder religioso
Augusto Guedes, sobrinho Da etnia mucubal, o ve-
de Tchikuteny, entende que lhoTchikuteny, conheceu
o tio, na qualidade de fun- a palavra de Deus na Igreja
dador da igreja “Jesus Cristo Evangélica Congregacional
na Cruz”, sempre doutrinou de Angola (IECA), depois
os próximos a viverem se- de cumprir o serviço militar
gundo a palavra de Deus. português.Mais tarde pas-
Guedes é crente, desde miú- soupela igreja adventista
do, da referida seita reli- do Sétimo Dia. Toda essa
giosa. Conta ele que o tio experiência viria a servir-
sempre foi um pilar da fa- lhe de base para a criação
mília e que, apesar da con- da seita religiosa que liderou
trovérsia por ter um grande até ao fim da sua vida.
número mulheres,a sua re- Quem também ficou
ligião erao cristianismo. m u i to c o m ov i d o c o m a
“Tchikuteny inspirou-se morte de Tchikuteny é o
nos fundamentos bíblicos, genro Jeremias Domingos,
por intermédio do Rei Sa- que elogiou as suas “qua-
lomão, para agrupar tantas lidades comunicativas”. Se-
concubinas aos seu dispor”, gundo disse, o patriarca quis
segundo o sobrinho e dis- ver os filhos, netos, bisnetos
cípulo. “O tio tinha uma e outros parentes formados
inspiração divina para fazer e a serem os “continuadores
o que fez”, disse, acrescen- não só da nova geração, mas
tando que o patriarca foi da nação angolana”.
um revolucionário na fa- “Ele falava ‘eu quero que
mília aolevar os meninos a vocês estudem para ama-
instruírem-se na escola, nhã serem quadros’.Mas a
“alinhando assim no dia- vida não permitiu. Contu-
pasão de Nelson Mandela, do, vamos nos unir para
segundo o qual, se quiseres lembrar as suas palavras”,
ter uma nação perfeita, de- afirmou, com nostalgia,
ves instruir os meninos”. Jeremias Domingos.
VIDA Domingo
26 de Abril de 2020 17
Análise sociológica
O sociólogo David Inácio seio familiar”, disse o so- ralmente falando, isto é pos- passado domingo, 19. lheres dividiam o mesmo
“Com o disse ser fundamental que ciólogo, para quem deve ha- sível nas nossas sociedades”, Admirador dos brasilei- marido e eram felizes.
desaparecimento se trabalhe pela unidade da ver interacção entre os sustentou, aludindo ao gran- ros, africanos e outras na- Segundo o comunicado
físico do mais família, evitando que ela membros da família. de número de esposas e, cionalidades, Francisco fúnebre lido no momento
velho seja desestruturada. Mas, Ainda segundo David consequentemente, à nu- Sabalo Tchikuteny criou um em que Tchikuteny ia en-
Tchikuteny, para que isso seja um facto, Inácio, a pessoa ideal para merosa prole do falecido. estilo de vida próprio e dei- terrar, as actividades do
a tendência urge o apoio de todos, sem cuidar de todo o pessoal Entre as colinas e as mon- xou muitos cidadãos per- evangelho da seita “Jesus
da família é estar descurar as entidades es- ainda em vida é a dona Eva tanhas no vale do Giraúl, plexos quanto ao direito Cristo na Cruz”foram ini-
desestruturada e tatais, por se tratar de uma Bartolomeu, a primeira- por sinal uma zona agri- positivo versus direito cos- ciadas no dia 2 de Abril de
a mudança do família alargada, que carece dama entre todas, de acordo cultável, há muito o velho tumeiro e ainda relativa- 1978, na aldeia de Tchova,
equilíbrio tende a de muita atenção. com a promessa feita pelo Tchikuteny havia escolhido mente a questões ideológicas no Giraúl do Meio, mudan-
descender, “Com o desaparecimento malogrado, ainda em vida. um espaço, que julgou apro- suscitadaspelas numerosas do-se depois para o Giraúl
porque, afinal físico do mais velho Tchi- “Deve-se respeitar a cul- priado, para construir um mulheres que partilharam de Cima e, consequente-
de contas kuteny, a tendência da fa- tura, os hábitos e costumes jazigo para si e os restantes o “bem comum”. De acordo mente, para a ilha de Ki-
ele tinha um mília é estar desestruturada de cada povo”, comentou familiares. É um cemitério com a doutrina criada por pola, no município de
papel e a mudança do equilíbrio o sociólogo, acrescentando feito segundo a tradição lo- ele, o patriarca, assim, dei- Moçâmedes. Ainda nos idos
preponderante tende a descender, porque, que o velho Tchikuteny era cal. O próprio Tchikuteny“ xou apenas uma viúva (Eva de 1979 e 1980 a seitacriou
no seio familiar” afinal de contas ele tinha muito reservado. inaugurou” o lugar santo, Bartolomeu) e 41 servas uma escola bíblica e outra
um papel preponderante no “Antropológica e cultu- quando foi a enterrar no (concubinas). As 42 mu- de alfabetização.

Apelo
a almas caridosas
A primeira-dama Eva Bar- cam”. Quanto às viúvas, as
tolomeu apelou ao contributo que entenderem que devem
de pessoas caridosas para a permanecer no grupo, vão
formação dos mais novos e continuar. As que acharem
o cuidado a ter com toda a que a vida não pára por ali,
família. Mas ela deve cumprir deverão “livremente” pro-
à risca o legado do esposo curar novos parceiros e se-
para congregar todas as con- guirem o seu rumo.
cubinas e respectivos reben- A morte deTchikuteny-
tos. Segundo a tradição bantu, deixa um grande vazio, tam-
quando um chefe de família bém, em toda a comunidade
morre é indicado o sucessor namibense, devido aos seus
ou herdeiro para cuidar dos sábios ensinamentos, a sua
descendentes e da riqueza forma de dividir equitati-
(cabeças de gado, principal- vamente os bens e por outras
mente) se o tiver. virtudes, a bem do núcleo
Já para os mukubais, o familiar mais numeroso de
irmão mais velho é quem Angola. De realçar que o
deve assumir esse papel de óbito do patriarca vai durar
tomar conta do rebanho. Sa- setenta (70) dias, segundo
balo Pedro (o irmão mais o ritual dos mukubais.E,
velho de Tchikuteny), as- durante esse período, não
sume de corpo e alma o papel se deve matar uma vaca e
que lhe foi destinado pela nem sequer comer carne.
tradição, isso para evitar“que
as novas gerações se per- (*) Com Elias Guito/RNA-Namibe
18 REFLEXÕES Domingo
26 de Abril de 2020

EM PAUTA O COVIDISMO
Descodificando o léxico
e a semântica da Covid-19
A língua vive e sobrevive a vários momentos e factores, e o seu léxico é enriquecido, também,nestas fases difíceis que
marcam a sociedade. Hoje, com a pandemia que assola a humanidade – a Covid-19, vemos, no âmbito linguístico, a criação
de novos vocábulos e de novos valores semânticos, que enriquecema língua, e novas construções sintácticas, que
dinamizamos estudos em língua
COMITÉ MISS ANGOLA

Abel Vidente Luemba |* Entretanto, importa começar voca (o covid-19); com isto, na mesma região ou em portadoras ou supostas por- contínua e intensiva; reque-
por referir que covid-19 é o para evitar a confusão de gé- grande número de países, tadoras de doenças conta- rendo, para o caso da Co-
nome da doença provocada nero, sugere-se o uso da pa- ou ainda doença infecciosa giosas, como é o caso de vid-19, de ventiladores.
Neste sentido, é nossa missão pelo vírus que recebeu a de- lavra no feminino, para se que se dissemina a nível pessoas que mantiveram al- Ventilador é uma palavra
apresentar, com todo o cui- signação de SARS-CoV-2 referir exclusivamente à mundial. Logo, a Covid-19 gum contacto com doentes que, por extensão semântica,
dado possível, alguns “co- pelo Comité Internacional doença, conforme definiu a é uma pandemia por tomar da Covid-19. Ainda pode ser passou a designar o aparelho
vidismos”, ou seja, palavras para a Taxonomia dos Vírus. Organização Mundial da Saú- proporções mundiais, im- usada a expressão isolamento destinado a assegurar as tro-
já dicionarizadas (muitas O acrónimo Covid-19 re- de, ficando reservado para o plicando o não uso de ex- profiláctico para se referir a
delas adormecidas ou des- presenta a expressão inglesa vírus a designação SARS- pressões como pandemia pessoas portadoras ou sus- Comecemos pela
conhecidas por alguns fa- coronavírus disease – for- CoV-2. Quanto a sua escrita, mundial ou pandemia global, peitas da Covid-19. mãe de todos os
lantes) e novas, em vias de mado pelos elementos trun- igualmente por instabilidade por se tornar redundante. Os doentes da Covid-19, “covidismos”
lexicalização, que, por força cados CO–e VI–, sílabas e pelo facto de estar em pro- Ora, pelo facto de ser uma em estado crítico, perma- Covid-19:
da covid - 1 9 , ganharam extraídas do inglês corona- cesso de lexicalização, suge- doença de fácil contágio, co- necem em Unidade de Cui- palavra
maior uso, tornando-se pa- vírus, a que se juntaa inicial re-se o uso de minúscula, locam-se, preventivamente, dados Intensivos e precisam ainda não
lavras/expressões da actua- D do vocábulo também inglês escrevendo, neste caso, como os indivíduos portadores ou de ventiladores. A expressão dicionarizada,
lidade, palavras recorrentes disease. O algarismo final, um nome comum (Covid-19). suspeitos de infecção por Unidade de Cuidados In- que, nalguns
da Covid-19. separado por um hífen, in- O outro termo, já dicio- covid-19 em quarentena. tensivos – UCI – habitual- ambientes,
Comecemos pela mãe de dica o ano em que o vírus narizado, entretanto, pouco Este último termo – Qua- mente utilizada em Saúde vai criando
todos os “covidismos”: Co- foi identificado. Relativa- usual, é Pandemia. Palavra, rentena – léxico adormecido, para designar a área onde discussões, por
vid-19: palavra ainda não mente ao género, existe uma de origem grega – pãn, “todo” usado inicialmente para de- s e p re s t a m c u i d a d o s a exemplo, quanto
dicionarizada, que, nalguns instabilidade, porque, por + dẽmos, “povo”+ia, reser- signar o período de 40 dias, doentes em estado de saúde ao seu género
ambientes, vai criando dis- um lado, é usada para referir vada para designar doença evoluindo, por extensão se- crítico ou que apresentam e à sua escrita
cussões, por exemplo, quanto a doença (a covid-19) e, por que ataca ao mesmo tempo mântica, para o tempo de potencial risco, necessi-
ao seu género e a sua escrita. outro, para o vírus que a pro- grande número de pessoas, isolamento imposto a pessoas tando de uma vigilância
REFLEXÕES Domingo
26 de Abril de 2020 19
COMITÉ MISS ANGOLA

cas respiratórias em caso de o objectivo de, por um lado,


perturbação ventilatória gra- evitarem a fase de conta-
ve, isto é, auxiliar a respiração minação comunitária e, por
de pessoas com doenças res- outro lado, de fazer o corte
piratórias graves com im- da cadeia de transmissão.
pacto nos pulmões – como Este último termo é usado
a pneumonia ou actualmente para referir a transmissão
a Covid-19. Ora, com a pan- do vírus de forma sucessiva
demia, a procura pelos ven- de um hospedeiro para ou-
tiladores tem aumentado, o tro indivíduo.
que constitui o sinal de vida Continuando no âmbito
ou morte para os pacientes das expressões recorrentes,
em estado crítico. o Ensino a Distância (EaD)
O Estado de Emergência é igualmente uma que ad-
(em diante EE) é outra expres- quiriu alguma expressividade
são que se tornou recorrente resultante do cancelamento
em Angola, particularmente, das aulas presenciais. Em
por ser a primeira vez, na his- Angola, parece constituir-
tória do país, que se decreta. se novidade por ser uma
O EE é decorrente de situações prática pouco usual, pese
excepcionaisque os países embora alguns profissionais
adoptam em situações extre- em educação já se pronun-
mas – desde a suspensão ou ciarem sobre o assunto e ou-
mudanças de algumas fun- tros comprovarem o uso
ções do executivo, do legis- desta modalidade de ensino
lativo ou do judiciário. Com mediante algumas platafor-
a presente pandemia, vários mas digitais, o facebook, eo
países decretaram o EE com Google classroom.

Mais expressões covidianas


Ainda sobre as palavras e expressões da actualidade,
alistamosalgumas:
Cerca sanitária: é o encerramento de um determinado ter-
ritório por razões de saúde, o que implica o impedimento
de entrada e saída de uma região.
Confinamento:éoestado de quem está em local fechado
ou área reservada, afastado do contacto com outros, por
doença, punição, prevenção ou outro motivo.

Higienização: palavra utilizada para designar o estabele-


cimento das condições de limpeza ou salubridade necessárias
à prevenção ou combate a doenças; ou ainda, tornar higiénico
ou limpo.

Intensivista: é o especialista em cuidados intensivos, que


tem um papel muito relevante no cuidado dos doentes em
situações mais graves.

Isolamento Social é o comportamento de pessoas ou grupo


de pessoas que, voluntária ou involuntariamente, se afastam
de interacções e actividades sociais;

Luva: em saúde, peça de borracha com que se cobre a mão,


em determinadas circunstâncias, para a proteger ou a
utilizar em esterilização.

Máscara: em saúde, protecção de tecido, devidamente es-


terilizada, para a boca e o nariz, usada por técnicos de
saúde, doentes. Com o actual cenário global, o uso de
máscara carece de algum consenso entre os especialistas,
sendo possível verificar-se em técnicos de saúde, doentes
da covid-19 e indivíduos não portadores.

Mortalidade: quantidade de indivíduos que morrem em


determinado intervalo de tempo em certa região.

Pico: palavra utilizada, em saúde, para referir o número


mais alto de infecções atingido num país.
Recessão: descida do nível da actividade económica ou di-
minuição do seu crescimento, podendo ser ainda a fase
descendente do ciclo económico, caracterizada pela contração
da produção e da procura e pela descida de preços

Repatriamento: acto de fazer regressar à pátria cidadãos


que se encontram noutros países.

Wuhan: Capital da cidade chinesa, Hubei, onde começou


a doença.

Zona de risco: região onde se verifica um maior risco de


contrair a infecção.
*Professor no ISCED – UON

Fontes de consulta
Dicionário da Língua Portuguesa (2012). Porto: Porto Editora
https://ciberduvidas.iscte-iul.pt
https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coro-
navirus-2019/technical-guidance/naming-the-coronavi-
rus-disease-(covid-2019)-and-the-virus-that-causes-it
20 ENTREVISTA Domingo
26 de Abril de 2020

EDIÇÕES NOVEMBRO

ESCRITOR JOHN BELLA


“O livro ainda
é a ferramenta
basilar para
a evolução
intelectual”
John Bella, nome literário de Jorge Marques
Bela, é o entrevistado de hoje do caderno
Fim-de-Semana. Nasceu e cresceu no antigo
museke Mota, Bairro Sambizanga, em
Luanda. O sociólogo, membro da União dos
Escritores Angolanos (UEA) e secretário-
geral-adjunto da Brigada Jovem de Literatura
de Angola (BJLA), falou-nos do estado actual
da literatura em Angola, da resistência do
livro perante as ameaças das novas
tecnologias. O ex-deputado pela Bancada
Parlamentar do MPLA disse ainda ter
abraçado a literatura por força das estórias
infantis que surgiram nas conversas à roda da
fogueira, no Sambizanga. Nesta conversa
animada, John Bella falou das suas
influências literárias: Agostinho Neto,
Wanyenga a Xitu, Manuel Pedro Pacavira
(que o inspirou a escrever Rainha Njinga),
Eugénia Neto, Dário de Melo, Jorge Amado,
Leão Tolstoi, Júlio Dinis, John Donne...

Ferraz Neto selhar o patrocínio perma- os adquiriram, a maioria dores. Devemos estar entre repetir o que tenho dito sem- principalmente em tempos
nente aos criadores da arte dizia que vieram “proposi- os primeiros a privilegiar o pre: “nenhuma nação se de- de frio, ou seja, kasimbu.
literária, incluindo bolsas tadamente” a Angola para livro nas nossas investiga- senvolve(u) sem educação; Havia momentos em que
Assinalou-se na quinta-feira de criação (sem discrimi- os adquirir na Livraria Lello. ções, para sabermos quando não existe educação sem li- acontecia nos nossos quin-
o Dia Mundial do Livro e dos nação), no estrangeiro e mes- Estamos diante de uma rea- uma investigação que nos vros; quem escreve o livro tais, à volta do fogareiro, com
Direitos de Autor. Qual é a mo no interior do país. É lidade em que, afinal, ao foi apresentada pelo estu- é o escritor!” Aí está o es- a avó, a mãe, os manos mais
avaliação que faz do estado impossível existir produtos contrário do betão e para dante teve ou não o trabalho critor, como pilar funda- velhos ou os vizinhos do
da literatura em Angola? sem postos de venda, e com além das paisagens naturais, aturado de biblioteca. O que mental da sociedade. lado. Aquelas estórias em
Acho que a literatura em An- o elemento livro o mesmo os interesses da cultura ima- encontro agora na internet, que os animais, os objetos
gola já teve momentos mais deve acontecer. Daí que é terial também podem atrair todo o universo terá acesso. A literatura infantil foi o seu ou coisas inanimadas falam
altos, embora não se consi- de louvar os pouquíssimos turistas para o país. Já não é um diamante por primeiro campo de como se fossem pessoas me
dere o actual estado como supermercados que aceitam lapidar, ao contrário do livro, actuação. Como surgiu a fascinavam, ao ponto de che-
sendo o mais crítico. Come- comercializar obras de au- As novas tecnologias de onde o investigador lê, re- inspiração para as suas gar um momento em que
cemos primeiro pela falta de tores que lhes convêm. So- informação chegaram a flecte, a sua consciência estórias infantis? pensava ser verdade!
incentivos a quem escreve. bretudo, o Estado deve criar ameaçar a continuidade do apresenta dúvidas, sugere Tem graça que comecei por
Acredito haver pouca preo- as condições para (re)aber- livro. A verdade é que o livro críticas e sugestões. Esta- publicar poesia. Meu pri- Como é que a literatura
cupação, de quem de direito, tura das livrarias e do parque resiste no tempo... ríamos a formar um novo meiro livro de poemas, in- surgiu na sua vida?
para com as pessoas que se gráfico. Alguém vai dizer “Meus filhos terão computa- ser com ideias próprias e não titulado “Água da Vida”, Ora, para além de todas
dedicam a esta arte. Creio que deve ser iniciativa pri- dores, sim. Mas, antes, terão aquele sujeito com pensa- publiquei-o em 1995. Depois, aquelas estórias que ouvia,
que tal desinteresse deve- vada. Tem razão. Porém, livros. Sem livros, sem leitura, mentos desenvolvidos nos em 2000, outro poemário quando comecei a ler, já a
se ao facto do livro ser um existem empresários priva- os nossos filhos serão incapazes resumos da Wikipédia. Ade- intitulado “Panelas Cozi- frequentar a escola, em casa
mestre mudo, pois seu ob- dos financiados pelo Estado, de escrever, inclusive a sua mais, as coisas aí mudam nharam Madrugadas”. Só já havia livros de quadradi-
jectivo não faz barulho, não em vários sectores da vida própria história”, citação de consoante os desejos de em 2001 aparece pela pri- nhos dos meus irmãos mais
se mostra na rua ou nos social. Porque não poderá Bill Gates. É prazeroso iniciar quem as coloca. Já no livro meira vez o conto infantil velhos, as estórias da Disney
écrans, senão dentro de uma acontecer com o livro, sua a resposta a esta sua pergunta há outra responsabilidade, com o título “A Canção Má- e doutros que gostava de
capa e muita gente pensa feitura e distribuição? com as belíssimas palavras pois quem escreve tem a gica”. As inspirações para soletrar. Tinha quase toda
(mal), ao julgar que é coisa Podem até ser privados, mas, de Bill Gates. Muitas e valiosas consciência de que o livro é as estórias infantis surgem a colecção do Verbo Infantil
individual do autor, no qual em qualquer parte do mun- interpretações podem ser um arquivo permanente, com o hábito das conversas Anita, com autores dife-
a sociedade não tem o direito do, estão em primeiro lugar tiradas dessa frase. Claro que porque se errar vai ficar para à roda da fogueira, no Sam- rentes em cada livro, mas,
de apoiar ou investir, porque, os interesses nacionais, ar- nunca o computador poderia sempre e perder credibili- bizanga, onde nasci e cresci. curiosamente, todos eles
aparentemente, o livro não tísticos, turísticos e culturais substituir o livro, a menos dade. Para concluir, o livro Naquele tempo ainda não pintados pelo famoso de-
dá petróleo nem diamantes, que tais elementos repre- que queiramos fazer de conta é ainda a ferramenta basilar tinha televisão e o nosso di- senhador Marcel Marlier.
enfim, não gera riquezas. sentam para a nação como que sim. Na não substituição para a evolução intelectual vertimento era seroar. Quan- Anita Dona de Casa, Anita
Engano absoluto. É claro que um todo, sendo depois sal- das novas tecnologias de in- da pessoa humana. Também do não houvesse lenha para e as Quatro Estações, Anita
não podemos apresentar crí- vaguardados os aspectos de formação pelo livro encon- é verdade que certas socie- acender a fogueira era um no Jardim Zoológico, O Gato
ticas sem apontar soluções cada indivíduo. Grande parte tramos o sucesso do aluno, dades não apostam no livro, pneu estragado a arder em Pompom, Três Bons Ami-
(mesmo sabendo que elas das pessoas que contactei pois este não ficará limitado talvez, por pensarem na sua chamas, e sentávamos à vol- gos, entre outros, cuja me-
ficarão no papel de quem as no estrangeiro, quando fa- no conhecimento. Mas, o se- pergunta, segundo a qual as ta, por vezes mesmo em co- mória ainda me fascina.
lê e deveria agir, para o bem). lássemos sobre livros ango- gredo desse sucesso somos, novas tecnologias ultrapas- munidade, no campo do Lembro-me que quando li
Assim, julgo pertinente acon- lanos e lhes perguntava onde sem dúvida, nós, os educa- saram-no. Sobre isso, quero Bukavu, no museke Mota, “Carlota e o Clube Secreto”,
ENTREVISTA Domingo
26 de Abril de 2020 21
da escritora dinamarquesa Pacavira, António Jacinto,
Greta Stevns, a Carlota, per- Aristides Van-Dúnem e ou-
sonagem principal tinha 12
anos e escrevera um livro.
Na altura eu tinha a mesma
idade. Que tal escrever
tros, pois encontrei lá uma
biblioteca muito rica. Ana-
lise que o período da edu-
cação literária à produção
Estilo de escrita
também um, pensei. E co- da obra foi longo. Entrei Como define o seu estilo de escrita? de comportamento. A escritora Marta Santos, que prefacia a
mecei. Não tinha terminado para a Brigada em 1984, co- Acredito que não tenho uma linha definida, embora eu nor- obra (em)presta uma deliciosa e cuidada atenção, nos dizeres
e as pessoas curiosas que mo já frisei, só publiquei o malmente reserve estas questões aos leitores e estudiosos que aplica para levar as pessoas a compreender a mensagem
foram espreitar disseram meu primeiro livro em ou- da minha literatura. Escrevo poemas, romances e literatura da pomba branca, a dizer que a natureza também precisa de
que eu tinha copiado de tubro de 1995, imagine… infantil, cada um com estilo próprio. Todavia, o que lhe paz. Tal como o diz, “livro belíssimo”, também gostei muito
alguém. Mas não era cópia. posso garantir é que em cada um deles é difícil desprender- de escrevê-lo, quão educativo quanto entretido. Nos países
Isso me fez analisar pela Fale-nos do seu primeiro me dos aspectos culturais da sociedade angolana, embora em que passei, onde a literatura não é distraída, as estruturas
positiva, bom… se pensam livro. Quais foram as ideias algumas conquistas da cultura universal estejam patentes. ligadas a educação, cultura e ambiente costumam entrar em
que é cópia, então estou que o inspiraram a escrever? acordo com o autor ou a editora e reproduzir milhares de
no caminho certo. As ideias inspiradoras foram Que tipo de pesquisa faz para as estórias dos seus livros? exemplares, para serem distribuídos aos mais novos nas escolas
Tínhamos entrado no ano toda uma vivência. O sen- Para os meus livros faço pesquisas de documentos escritos, e outros estabelecimentos de ensino, pois, se reparar bem,
de 1980. Em junho, na rádio, timento profundo pela na- orais e, sobretudo, uso a imaginação. Também gosto de no início do conto há uma frase que diz:
ouvi que tinha sido criada a t u re z a e t u d o q u a n t o a visitar monumentos e sítios históricos, bem como aqueles “- Pai, de pequeno se torce o pepino?
Brigada Jovem de Literatura. compõe, os aspectos da cul- lugares que, embora não classificados, os pude desvendar - Não, filho. De pequeno se lê o livro!”
Era muito pequeno para me tura e da sociedade angolana, em livros, depoimentos e outros sinais que demonstram “Embebedaram a Chuva”, até ao momento, meu último trabalho
atrever a tanto. Tinha tran- o amor, como não poderia terem acontecido por lá factos de interesse artístico-literário em poesia. Tal como todos os outros, foi muito bem recebido
sitado para a 5ª classe, mas, deixar de ser, isso sem já e cultural. Estou a falar, por exemplo, da Ilha de Luanda, pelos leitores, assim como pela crítica. Fui convidado a apre-
como no Sambizanga só ha- falar nos escritores que pa- Musulu, Kakwuaku, Kifwuangondo, Pangila, Barra do Ndanji senta-lo na Feira do Livro de Taubaté - São Paulo (Brasil). Traz
via escolas até a 4ª classe, cientemente eu lia, a própria (Dande), entre outros. o prefácio de Ras Nguimba a Ngola, poeta e comentarista
matriculei-me na escola 1º infância e juventude, as literário em televisão.
de Maio, no hoje Largo da questões políticas, sem es- É um homem de muitos amores na vida ou de um só amor? Imagine que é um livro que comporta várias facetas da vida,
Independência. Se um dos quecer que o livro foi todo Evidente que de muitos amores (risos): pela literatura é não só dos angolanos, como de outros povos, o mais curioso
professores não aparecesse, ele escrito antes, durante e um deles. Segue-se o amor pela família, os filhos, os é que o mesmo foi lançado numa altura, em 2015, quando as
ao que chamávamos “borla”, após a sua execução gráfica, parentes, amigos próximos e distantes, pela natureza, chuvas caíam torrenciais um pouco por todo o país, a causarem
ali próximo era só atravessar no período de guerra que o principalmente, por aí… estragos materiais e por vezes humanos, infelizmente. Daí as
uma estrada, existia um beco país viveu. Daí muitos ad- pessoas considerarem o livro como sendo profético. Vamos
no prédio da Geologia e Minas mirarem-se como era pos- Sabemos que está constantemente a pesquisar. Qual é o ver que a literatura é coisa séria. Ou é… ou não é. Por mais
e nos dava logo a Biblioteca sível escrevermos. tema ou temas abordados no seu próximo livro? géneros que nos propusermos a fazer, todos eles devem ser
Nacional. Era o nosso destino. Fui levado a pesquisar, entre o ovo e a galinha, quem apareceu consistentes conquistadores de qualquer tempo e opinião.
Eu, a Cesaltina Guimarães, Quais foram os escritores primeiro. Tema do próximo livro infantil que deve estar a ser Não é boa a ideia de que “és bom nesse género, naquele, não”.
a Ana Covilhã, o Emanuel que o influenciaram? já executado neste momento, pela gráfica. Outrossim, também Repito: ou fazes, ou não fazes.
(Nelinho) e outros ficávamos As minhas influência lite- sairá o terceiro volume da Rainha Njinga, igualmente na gráfica,
a ler “… E Nas Florestas Os rárias devo-as sem dúvidas com muita e muitas e novas pesquisas. Desta vez, tive de No livro “Os Primeiros Passos da Rainha Njinga”
Bichos Falaram”, de Eugénia aos escritores Agostinho Ne- navegar ao rio Kwanza até a Ilha de Ndala a Ngonga, a ver o apresenta dados históricos relacionados com a história da
Neto”, “O Balão Vermelho”, to, Wanyenga a Xitu, Manuel lugar onde ela deixou ficar as jóias, ante uma perseguição im- soberana. Qual a razão dessa pesquisa?
de Cremilda de Lima, “O Pedro Pacavira (que me ins- piedosa do exército português que tinha cercado e bombardeado Uma história longa. Eram os santos anos de 1979, eu a concluir
Grilo e as Makas”, de Dario pirou a escrever Rainha Njin- a ilha, com fogo de artilharia. O mesmo rio levou-me a Masanganu, a 4ª classe. Tivemos a honra de estarmos entre os primeiros
de Melo, “As Fábulas de La ga), Eugénia Neto e Dario de onde pude ver de perto, coisa que só lia em documentos, as na nossa terra a estudar, na escola, a História de Angola, pois,
Fontaine”, “Os Contos dos Melo nos livros infantis. Do ruínas da Fortaleza com o mesmo nome, o lugar onde os lusos meus irmãos mais velhos já não tiveram a mesma sorte, porque
Irmãos Grimm”, “As Mil e estrangeiro Jorge Amado, em 1647 afogaram a irmã mais nova da Rainha, a Fuxi, a Igreja no tempo deles a história era de Portugal. Meu saudoso professor
Uma Noites”, entre outros. Bernardo Guimarães, Leão Nossa Senhora da Vitória e o mercado onde compravam, (monodocente) Carlos Baptista de Melo dominava com mestria
Em 1984, fui viver para o Tolstoi, Júlio Dinis, John Don- vendiam ou trocavam os escravizados. Na província de Malanji todas as disciplinas que ensinava, no posto 24, Base 3, no
bairro “Cruzeiro”. Ali, as ne, a literatura de tradição pude regressar às Pedras de Mpungu a Ndongo, onde ela deixou Sambizanga. Passei a gostar mais de história, pela forma como
pessoas com quem conver- chinesa e outros. a marca do seu pé; a Matadi a Njinga, pedra onde ela senta- ele explicava. Tínhamos aprendido sobre os reis e povos não
sava tinham o hábito de ler va-se para traçar os planos de combate; nos rápidos do Kwanza, só de Angola, mas do resto de África. Chegara então o momento
os livros das colecções “Sa- Qual foi a pessoa que, em terras do Soba Kanga a Ndala pude ver a pouca distância dos exercícios e cada estudante tinha a sua tarefa de pesquisa.
brina”, “Bianca”, etc. Quando primeiramente, acreditou a ilha da Mbila, onde se refugiara o irmão, Ngola a Mbande, Ainda me lembro de três colegas. O Cardoso tinha que falar
quisesse dialogar, por vezes no seu talento? quando, em 1618 foi expulso das suas terras, pelos portugueses; de Sundiata Keita, a Maria Bartolomeu dos povos Mbunda, o
não podia, pois elas estavam Acredito que os primeiros no Kwale, terras do Soba Kalanda ou Kala a Ndula, seu aliado Paca sobre o Reino do Kongo e eu Jorge Marques Bela sobre
distraídas nesses livros e co- que indirectamente me de- militar e depois, inimigo, a quem a mesma trocou com os a Rainha Njinga. “Mas quero um trabalho com cabeça, tronco
mecei a sentir ciúmes dos ram coragem foram os que tugas, pela liberdade da irmã, a Kambu. Ainda conversei com e membros. Para além do que vos ensinei, terão de me trazer
autores dessas histórias que iniciaram a ler os trabalhos, o 44º Rei do Ndongo, Ngola a Kabombo, no seu Palácio erguido factos novos. Contará para o vosso diploma”, ordenou o
nem sequer conhecia. Então com tanta ansiedade, en- pelo Governo, na cidade de Malanji, etc. professor. Hum… complicado, pensei eu. Depois daquilo,
decidi ser eu também a es- quanto eu escrevia, sem tê- pernas a andar. Comecei as pesquisas e não mais parei. Na
crever essas histórias. As los terminado. Julgo que, Segue a mesma linha dos anteriores ou muda altura tinha 11 anos e cheguei a ir até ao Centro de Documentação
primeiras leitoras foram a como pessoa colectiva, a drasticamente de estilo? Histórica, hoje Arquivo Histórico Nacional. Fiquei a saber muita
Docas, a Sheila e a Cati, que própria Brigada Jovem de Na literatura infantil tenho uma única linha, até ao momento: coisa acerca de Ngola a Kilwanji, através das mais velhas da
liam antes mesmo que eu Literatura de Angola (BJLA), o porquê das coisas e sempre pela preservação da natureza. Ilha de Luanda. imagine que muitos até agora julgam que
terminasse de escrever e di- o escritor Mateus Volódia, Há uma particularidade. Ninguém gostava de introduzir essa personagem histórica só é narrada no interior de Angola,
ziam que algumas eram me- heterónimo de Virgílio Coe- prefácios nos livros infantis. Segundo Dario de Melo, prefaciador com os povos de Malanji e Kwanza-Norte, mas pude me aper-
lhores do que as que elas lho, na altura delegado pro- do meu primeiro livro para os mais novos, as pessoas não o ceber que não. Comecei mais a valorizar a tradição oral,
liam, pois, todas elas foram vincial de Luanda da Cultura, faziam porque davam pouca importância à literatura infantil. quando da boca de uma anciã, no bairro do Cruzeiro, ela que
publicadas no ocidente. entidade patrocinadora da À minha semelhança, hoje já quase todos o fazem. Ainda não sabia ler nem escrever, disse-me que seu bisavô lhe tinha
minha primeira obra, so- bem, pois o prefácio ajuda o leitor a compreender a obra, contado que a Rainha Njinga esteve em Luanda a negociar
Mas qual foi o momento bretudo Wanyenga a Xitu, não só para adultos, mas, principalmente, para os petizes a paz e sentou-se por cima da sua mukama sabiamente
decisivo para seguir este que acredito ser o único livro que mais precisam de entender o mundo que os rodeia. instruída. Tudo estava a fazer, para libertar as irmãs presas
caminho na literatura? de poemas que ele se pre- em Luanda. De princípio não quis acreditar. Qual não foi o
O momento foi este, pois, dispôs a prefaciar em toda Falemos agora de alguns dos seus livros. “As lágrimas do meu espanto, quando encontrei os mesmos dizeres em
neste mesmo ano de 1984, a sua vida, segundo relato Rei-Sol” e “Embebedaram a Chuva”. O que o levou a António de Oliveira Cadornega, num dos seus volumes
fui inscrever-me na Brigada de alguns familiares próxi- escrever estes belíssimos livros? intitulados “História Geral das Guerras Angolanas”, escritos
Jovem de Literatura de Luan- mos. Ainda assim, antes da “As lágrimas do Rei-Sol”, este conto infantil surgiu-me por um em 1680? O que aconteceu é que as minhas pesquisas desde
da, cuja sede era no edifício publicação do primeiro tra- facto bastante emocional, a maneira como nós, (supostos) 1979 não pararam. Para quem me conhece desde pequeno
onde hoje é o Elinga-Teatro balho procurei a estudiosa seres humanos estamos a maltratar irracionalmente o Universo, sabe que sempre disse que um dia escreveria um livro sobre
(espero que a nova ministra de literaturas africanas a re- bem como o que poderá acontecer, se não houver uma mudança a Rainha Njinga. Está na gráfica o 3º volume.
da Cultura, Turismo e Am- sidir em Portugal, a Dra. Ino-
biente angarie fundos para cência Mata, que na altura
não deixar cair aquele pa- se encontrava em Angola a
trimónio nacional e outros convite da BJLA, para dar
do país). Naquela altura, lem- uma olhada. Ela arrumou
bro-me de ter encontrado os poemas de forma crono-
por lá dois escritores, já fa- lógica e disse para prosseguir,
lecidos. O grande poeta An- que o caminho era aquele.
t ó n i o Pa n g u i l a e o Ady Todavia, já poetas como Ku-
Gonçalves. Tinha também dijimbe, Conceição Cristó-
lá uma rapariga que estava vão , A ntó n i o Pa ngu i l a ,
a estagiar em dactilografia. David Filho, Bendinho Frei-
A Brigada passou a ser, para tas, Rosária da Silva, Nanda
mim, uma escola literária Baião, o crítico literário Akiz
muito influente, pois, toda Neto, Jomo Fortunato, etc.,
a sexta-feira tinha tertúlias tinham tido contacto per-
com acesos debates, bastante manente com o manuscrito
instrutivos. Foi lá onde apro- e dado a sua opinião. Isso
fundei as leituras das obras fez com que não estivésse-
de Agostinho Neto, Wan- mos diante de um projecto
yenga a Xitu, Manuel Pedro concebido às pressas.
22 REPORTAGEM Domingo
26 de Abril de 2020

ARQUIVO | EDIÇÕES NOVEMBRO ARQUIVO | EDIÇÕES NOVEMBRO

COVID-19
Idosos conscientes
apostam na prevenção
Os números demonstram que o novo coronavírus é, especialmente, letal quando infecta pessoas mais velhas. E, entre
nós, muitas pessoas da terceira idade sabem-no bem, razão por que muitos são tomados pelo temor de um inimigo
invisível que pode estar na esquina,à espera de quem, imprudentemente, desafia as medidas de contingência
ANTÓNIO CAPAPA

António Capapa na pandemia da Covid-19. correndo-se das palavras terapia social e ocupacional.
O consumo de frutas e de Jesus Cristo, segundo as Essa é, segundo afirma, uma
verduras é apontado por Ana quais “onde estiverem duas das soluções “para manter
Carlos Cordeiro, 68 anos, é José como uma forma de ou mais pessoas reunidas a sua mentalidade forte” e
uma das pessoas que de- fortificar o seu sistema imu- em meu nome, eu estarei os afastar de um volume
fende que o melhor mesmo nológico, uma vez que a li- com elas”. E Ana acredita.Por “de informações negativas
“é proteger-se”.Com o cor- teratura médica revela que isso ora, a pedir ao Altíssimo que lhes podem causar es-
po ainda embrulhado pelo o organismo sofre uma de- que olhe para o mundo in- tress e ansiedade”, já que
vigor, apesar da idade, afir- terioração por causa do en- teiro, “porque Ele é a nossa são ap ontado s como o s
ma que ficar em casa “não velhecimento, deixando o protecção”. mais vulneráveis.
deve cansar”e que qualquer corpo mais susceptível a in- A leitura é o hobby es-
cansaço “deve ser vencido fecções oportunistas. “Deus vai cuidar” colhido por Carlos Cordeiro
pela paciência”. Para Ana José, confinar- O mais velho Francisco Eva- “para manter a saúde men-
Treinador da equipa de se em casa é a medida certa, risto, comerciante de 70 tal, para além de correr de
futebol infantil Os Cordei- bem como a aposta nas me- anos, também se agarra a manhã e fazer exercícios fí-
rinhos, entende que “o me- didas de higiene recomen- Deus como consolo, pois, sicos para manter também
lhor mesmo é preservar a dadas para a prevenção de no seu entender,“é Ele quem a saúde física”.
vida”, o que o leva a cumprir uma possível infecção por vai nos cuidar”, ao mesmo Carlos Cordeiro, na sua hu-
as orientações do Governo. conta do novo coronavírus. tempo que olha para o iso- mildade, assegura que se lhe
Carlos Cordeiro acredita Lavar sempre as mãos com lamento social como a prin- for proibido continuar a correr
que “não se pode abusar da água e sabão. Uma medida cipal medida para se proteger de manhã cedo pelas ruas do
sorte”e chama a atenção tão simples, um pregão que de um eventual ataque do Cazenga, por necessidade de
para os mais velhos que têm se ouve todos os dias, e que novo coronavírus. cumprir o isolamento social,
doenças que os colocam no a sexagenária sabe que pode “Só saio para ir ao banco há-de conformar-se. “Como
grupo de risco. ser decisiva para não ser levantar dinheiro. A minha bons cidadãos, somos obrigados
“É sempre bom cumprir vencida por um inimigo trai- filha é quem vai às com- a cumprir as medidas de pre-
com as orientações das au- çoeiro, que chega silencioso pras”, conta. venção contra a pandemia da
toridades, para evitar o e que rapidamente traga a “O isolamento social, Covid-19”, assegura.
pior”, diz. humanidade. E quando falta imposto pelo Estado de Alziro Chipuka entende
Ana José, 66 anos,luta há o sabão, a mais-velha recorre Emergência que vigora em que o tempo de isolamento
muito para vencer uma in- à lixívia para a desinfecção Angola, não pode ser mo- social pode ser bom para os
fecção pulmonar. Ela diz ha- das mãos. tivo para reforçar a vida idosos, “uma vez que a fa-
ver motivos mais do que Ana José sabe que a doen- sedentária, quase que ve- mília está unida e os seus
suficientes para se resguardar ça é perigosa, por isso la- getativa, de muitos idosos”, membros devem cuidar-se
de um “outro confronto” menta quem a ignora, ao realça o psicólogo clínico uns aos outros”.
que lhe pode ser fatal, uma mesmo tempo que apela à Alziro Chipuka. Só assim, defende o psi-
vez que faz parte das esta- adesão ao isolamento social. O especialista sugere ac- cólogo clínico, “vai-se ga-
tísticas das pessoas que Recolhida em casa, diz tividades lúdicas e mais diá- rantir que as bibliotecas vivas
constituem o grupo de risco buscar o rosto de Deus, so- logo com os mais velhoscomo se mantenham em pé”.

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