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Guia Metodológico

da Caderneta
Agroecológica
Por Elisabeth Cardoso, Laetícia Jalil,
Liliam Telles, Camila Alvarenga e
Rodica Weitzman
Guia Metodológico
da Caderneta
Agroecológica
Por Elisabeth Cardoso, Laetícia Jalil,
Liliam Telles, Camila Alvarenga e
Rodica Weitzman

Julho de 2019
Ficha Técnica
Semear Internacional Publicação
Coordenação Autoria
Fabiana Viterbo Elisabeth Cardoso, Laetícia Jalil,
Liliam Telles, Camila Alvarenga e
Assistente Administrativo Rodica Weitzman
Financeiro
Ana Luiza Santos Coordenação Editorial
Elisabeth Cardoso e Laetícia Jalil
Gerência de Gestão de
Conhecimento Revisão
Aline Martins da Silva Elisabeth Cardoso, Laetícia Jalil,
Aline Martins e Rodica Weitzman
Gerência de Cooperação
Sul-Sul Fotos
Ruth Pucheta Acervo das organizações que
Esther Martins integram a Rede Feminismo e
Agroeocologia do Nordeste
Gerência de M&A e
Comunicação Projeto Gráfico e Diagramação
Diovanne Filho Emanuela Castro
Assessor de M&A Ilustrações
Adalto Rafael Oswaldo Santana
Consultora para gênero do Impressão
Programa Semear Internacional Gráfica Papel e Cores
Rodica Weitzman
Tiragem
1.600

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Sistema Integrado de Bibliotecas da UFRPE
Biblioteca Central, Recife-PE, Brasil

G943 Guia metodológico da caderneta agroecolópgica / Elisabeth


Cardoso ... [et al.]. – Recife: FIDA, 2019.
38 p. : il.

1. Ecologia agrícola I. Cardoso, Elisabeth

CDD 630.2745
1

Guia Metodológico para a


Sistematização das Cadernetas
Agroecológicas
Olá. Este Guia Metodológico é um passo a passo
de por que e como usar as Cadernetas Agroecológicas.
E s ta m o s j u n ta s /o s co n s t r u i n d o ca m i n h o s e
instrumentos que nos possibilitem visibilizar e
conhecer/sistematizar a contribuição (econômica,
ecológica, social e cultural) das mulheres rurais para a
economia familiar, para a segurança e soberania
alimentar, para a agroecologia e para a vida. Assim, o
Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola
(FIDA), uma agência de investimentos das Nações
Unidas (ONU) que atua também no Brasil, junto com o
Programa Semear Internacional e o Grupo de Trabalho
(GT) de Mulheres da Articulação Nacional de
Agroecologia (ANA), propõe o Projeto de Formação e
Disseminação do Uso Consciente das Cadernetas
Agroecológicas.
Um desafio, mas que também percebemos
como potência deste Projeto, é a construção coletiva
do conhecimento a partir de distintos sujeitos, que
estão em lugares diferentes no processo¹: o GT de
Mulheres da ANA, as organizações parceiras, Programa
Semear Internacional, o Instituto Interamericano de
Cooperação para a Agricultura (IICA), GT Gênero dos

¹ Chamamos de processo, pois a ideia é que este Projeto estimule um


processo de empoderamento e autonomia junto às mulheres participantes,
como também transforme ou resignifique as práticas pedagógicas e
metodológicas das organizações. Para tal, está sendo proposta uma
metodologia que prevê etapas de pesquisa-ação participante, formação,
sistematização, problematização da realidade, avaliação e monitoramento,
conforme detalhamos neste guia.
2

Programas do FIDA, as mulheres rurais e suas famílias.


Entendemos que historicamente a “ciência” ou o
“conhecimento formal” foi negado às mulheres. Seus
saberes/fazeres e o conhecimento gerado por elas foi e ainda
é invisibilizado e/ou desvalorizado, sendo reconhecido como
crendices, simpatias ou conhecimento de pouca
importância. Quando muito esses saberes são reconhecidos
como práticas culturais tradicionais. Assim se enquadra todo
o conhecimento do manejo de plantas medicinais, das ervas
sagradas e de poder, das parteiras, raizeiras, curandeiras, as
práticas de cuidados com os pequenos animais, a
conservação da socioagrobiodiversidade etc.
Urge reconhecermos essas práticas e saberes como
imprescindíveis à reprodução da vida e à agroecologia,
como forma de complexificar os processos de transição
agroecológica e nosso próprio entendimento da
agroecologia enquanto ciência, movimento e prática.
Convidamos você a nos ajudar a fortalecer essa
ciranda agroecológica e feminista, e ampliar os olhares
sobre os diversos sujeitos que praticam a agroecologia no
Brasil. Assim nos desafiamos a construir novos
referenciais sobre desenvolvimento rural a partir das
mulheres rurais do nordeste brasileiro.

Por isso afirmamos que sem feminismo,


não há agroecologia! E sem agroecologia,
não há um semiárido justo e igualitário,
pois é no semiárido que a vida pulsa e
que a agroecologia resiste e se reinventa!
3

Atuação do FIDA no Brasil


junto com o Programa
Semear Internacional
O Fundo Internacional de Desenvolvimento
Agrícola (FIDA), uma agência de investimentos das Nações
Unidas (ONU), possui uma carteira de projetos de
desenvolvimento rural que hoje conta com um quadro de
seis projetos de financiamento em execução, que focam o
desenvolvimento de processos produtivos de geração de
renda agropecuária, cooperativismo, associativismo e
acesso a mercados.
Com meta de aumentar a renda, promover a
segurança alimentar e diminuir a pobreza do público
beneficiário em vários estados da região Nordeste, o FIDA
incentiva ações direcionadas, que têm como prioridade o
envolvimento de mulheres, jovens e comunidades
tradicionais.
No que diz respeito à incorporação do enfoque de
gênero nos projetos apoiados por FIDA, deve-se salientar
alguns dos avanços que foram conquistados nos últimos
anos. Desde 2012, a maior parte das missões de supervisão
dos projetos efetivadas pelas equipes de especialistas do
FIDA no Brasil tem contado com a presença de consultoras
de gênero, o que vem facilitando o cumprimento de
recomendações que garantem um tratamento transversal
de gênero no conjunto dos projetos apoiados. Também,
junto com a equipe do Programa Semear Internacional, as
assessoras de gênero de cada projeto têm se empenhado
na identificação e sistematização das inovações
metodológicas e tecnológicas, que contribuem para o
empoderamento das mulheres rurais, e tem havido
intercâmbios entre elas para trocar informações a partir
4

dessas “boas práticas” e “lições apreendidas”. Algumas


ações específicas, como a realização de um diagnóstico,
efetivado no final do ano de 2017, foram fundamentais
para identificar os pontos frágeis e as fortalezas em cada
um dos projetos, além de ser um passo inicial na
construção de planos de ação em gênero pelas entidades
executoras. Em março de 2018, foi formada a instância do
GT Gênero dos Projetos FIDA, com o objetivo de apoiar
estratégias voltadas para o fortalecimento das mulheres
rurais, não apenas enquanto “público beneficiário”, mas
também como “protagonistas” das ações, as quais
exercerão um papel crucial no processo de implementação
das cadernetas agroecológicas nos diversos territórios
durante o próximo período.
Paralelo a esse trabalho, o FIDA ainda busca
realizar ações que vão além do desenvolvimento
produtivo nas comunidades atendidas, estimulando o
acesso à informação por meio de ações direcionadas e
focadas no conhecimento, visando facilitar o acesso a
saberes, inovações e boas práticas contextualizadas para
a convivência com o semiárido.
Assim foi criado o Programa Semear, que por seis
anos atuou junto aos projetos apoiados pelo FIDA na
promoção do desenvolvimento sustentável e equitativo
da região.
Com o sucesso do Programa Semear, uma segunda
fase deste projeto foi implementada, nascendo assim o
Semear Internacional, com foco no monitoramento e
avaliação, comunicação, gestão do conhecimento e
cooperação Sul-Sul, apoiando sua gestão no Instituto
Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA).
5

Em sua atuação, o Programa vem contribuindo de forma


expressiva para a sistematização e disseminação das boas
práticas dos projetos do FIDA no âmbito nacional e
internacional. Por meio de intercâmbios com técnicos e
beneficiários dos projetos, formação técnica para gestores
públicos, articulação institucional, promoção do trabalho
em gênero, bem como apoiando a coleta de dados
socioeconômicos e sistematizando resultados,
publicações de livros, boas práticas e matérias em formato
impresso e digital, o Semear Internacional contribui
potencializando e visibilizando a difusão do conhecimento
e das boas práticas dos seis projetos do FIDA.
Acesse o site do Semear Internacional e conheça mais
sobre nosso trabalho e publicações: http://portalsemear.org.br/
6

O FIDA no Brasil
Atualmente, o FIDA é parceiro estratégico na
realização de seis projetos dos seguintes governos dos
estados, por meio de acordos bilaterais: Paraíba (Projeto de
Desenvolvimento Sustentável do Cariri, Seridó e Curimataú
_ Procase), Bahia (Projeto Pró-Semiárido), Sergipe (Projeto
Dom Távora), Piauí (Projeto Viva o Semiárido), Ceará
(Projeto Paulo Freire); além do Projeto Dom Hélder Câmara
(PDHC) com o governo
federal, executado
pela Secretaria de
Agricultura Familiar
e Cooperativismo
( S A F C ) d o
Ministério da
Agricultura,
Pecuária e Abastecimento
(MAPA), com abrangência em 11
estados (Pernambuco, Ceará, Rio
Grande do Norte, Alagoas, Bahia,
P i a u í , Pa ra í ba , S e rg i p e ,
Maranhão e norte de Minas Gerais e
Espírito Santo).

PROJETO UNIDADE FINANCIAMENTO FIDA GOVERNAMENTAL FAMÍLIAS


FEDERATIVA (em milhões de US$) (em milhões de US$) BENEFICIADAS

VIDA O SEMIÁRIDO PIAUÍ 20 12,7 22 mil

PROCASE PARAÍBA 25 15,5 21 mil

DOM TÁVORA SERGIPE 16 12,6 12 mil

PAULO FREIRE CEARÁ 32,2 39,82 60 mil

DOM HÉLDER CÂMARA 2 FEDERAL 3 82 74 mil

PRÓ-SEMIÁRIDO BAHIA 45 50 70 mil


7

Um pouco de nossa história


A Caderneta Agroecológica é um instrumento
político-pedagógico criado pelo Centro de Tecnologias
Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM) em parceria com o
Movimento de Mulheres da Zona da Mata e Leste de Minas,
para mensurar e dar visibilidade ao trabalho das
agricultoras agroecológicas², ao mesmo tempo que
contribui para a promoção da sua autonomia.
Apresentada em um formato simples, a caderneta
possui quatro colunas para organizar as informações
sobre a produção das mulheres. Ou seja, nela são
registrados o que foi vendido, o que foi doado, o que foi
trocado e o que foi consumido de tudo o que é cultivado
nos espaços de domínio das mulheres nas unidades
produtivas da agricultura familiar e camponesa ou o que
foi produzido por elas, como o artesanato e o
beneficiamento, por exemplo.
Em 2011, a partir do Programa de Formação
Mulheres e Agroecologia, a caderneta foi criada, a

² Compreendemos como “agricultoras agroecológicas” as mulheres que


desenvolvem atividades agrícolas e não agrícolas voltadas para a reprodução de
seus grupos familiares e de proximidade, a partir de práticas sustentáveis
(sociais, ambientais, culturais, econômicas e ecológicas) em seus
agroecossistemas. Adicionalmente, são aquelas que desenvolvem relações
sociopolíticas e econômicas com diferentes atores fundamentais para os
processos de transição agroecológica e para a reprodução da vida, estando
envolvidas em redes sociotécnicas, em movimentos sociais mistos ou feministas
ou outros espaços de organização social/política. Elas são portadoras de
conhecimentos ancestrais, que ressignificam e transformam suas práticas a
partir das necessidades e mudanças ambientais e culturais, desenvolvendo
atividades fundamentais para a garantida da segurança e soberania alimentar,
para o fortalecimento das relações sociais nos territórios e para a conservação e
reprodução da sociobiodiversidade.

Guia metodológico da Caderneta Agroecológica


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princípio, como um instrumento de formação para


empoderar as mulheres, a partir da visibilidade revelada
do trabalho delas e da sua contribuição na renda e
economia familiar. Mas, assim que aparecem os primeiros
retornos das anotações, com resultados parciais
surpreendentes para as mulheres e para a equipe do
projeto, a Caderneta se revela um eficiente instrumento de
monitoramento da produção das mulheres, valorando a
sua produção quase invisível para o auto-consumo, troca
com vizinhas, doação para a escola, festas comunitárias e
filhos que vivem na cidade, e por fim a produção para a
venda. A partir da interação com o GT Mulheres da
Articulação Nacional de Agroecologia, a Caderneta foi
levada para outras regiões do Brasil, em parceria com a
Rede de Mulheres Empreendedoras Rurais da Amazônia,
Rede de Mulheres Produtoras do Nordeste e Rede
Feminismo e Agroecologia do Nordeste, GT Gênero e
Agroecologia da Região Sudeste e Movimento de Mulheres
Camponesas da Região Sul do Brasil. Entre 2016 e 2018 foi
realizada uma grande pesquisa nacional numa parceria
entre essas redes de mulheres, o GT Mulheres da ANA, a
Universidade Federal de Viçosa, a Universidade Federal
Rural de Pernambuco, o Instituto Federal de São Paulo e a
Universidade Estadual de Campinas.

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O Projeto das Cadernetas Agroecológicas tem o objetivo


de analisar a contribuição das mulheres rurais para a economia
familiar e para a reprodução do seu agroecossistema³.
Nesse ponto é importante enfatizar que o trabalho
com as Cadernetas Agroecológicas se iniciou a partir de um
questionamento das bases da economia hegemônica, que
apenas consideram como parte da economia aquelas
atividades que geram recursos monetários, ou seja,
apenas as que têm relação com o mercado. Dessa forma,
boa parte das atividades que ficam sob responsabilidade
das mulheres são invisibilizadas ou desconsideradas por
essa perspectiva da economia, centrada na lógica
mercantil.
Para um olhar contra-hegemônico sobre a
economia, que permita dar visibilidade ao conjunto de
atividades protagonizadas pelas mulheres na sociedade,
nos apropriamos das reflexões propostas pelas
economistas feministas. Estas afirmam que a noção de
economia deve incorporar todas as atividades necessárias
para a sustentabilidade da vida humana!
Dessa forma afirmam que aquelas atividades
realizadas para o autoconsumo, bem como o conjunto de
atividades realizadas para a reprodução da vida, como o

³ Segundo a Articulação Nacional de Agroecologia, um agroecossistema é uma


unidade de gestão agrícola, econômico-ecológica contextualizada em
territórios, como as unidades de agricultura familiar e camponesa, por exemplo.
Para Siliprandi (2009) o agroecossistema é definido como um tipo específico de
ecossistema modificado pela ação humana por meio das atividades agrícolas. É
a unidade geográfica delimitada (ainda que variável quanto a sua extensão)
onde se dão complexas relações entre práticas agrícolas e o ecossistema
original. Para se entender essas relações é necessário analisar não apenas os
fenômenos ecológicos que ali ocorrem (como os bioquímicos e agronômicos),
mas também as interações entre os seres humanos.

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trabalho doméstico e de cuidados, também devem ser


consideradas como parte da economia! Por esse motivo, as
Cadernetas Agroecológicas lançam luz sobre as atividades
não monetárias realizadas pelas mulheres (como o
consumo, a doação e a troca), considerando-as nas
análises econômicas.
No entanto, propomos que sejam anotadas nas
Cadernetas Agroecológicas, prioritariamente, aquelas
atividades protagonizadas pelas agricultoras e que
tenham relação com os agroecossistemas. Assim, também
buscamos reconhecer os lugares de produção das
mulheres (a exemplo dos quintais, terreiros, pátios, ao
redor de casa etc.), cuja contribuição econômica foi
historicamente invizibilizada. Este Guia orienta o trabalho
a ser realizado pela assessoria técnica junto às mulheres
rurais do Nordeste do Brasil participantes do projeto, e está
organizado em um “passo a passo”.
A assessoria técnica tem o papel de animar e
mobilizar as mulheres para participação no projeto, além
de acompanhar e monitorar o preenchimento das
Cadernetas Agroecológicas e demais atividades propostas.
Por isso, é importante que esta atividade seja incorporada
à outras ações já existentes junto às mulheres, para não
sobrecarregar a equipe técnica, nem as mulheres
participantes ao longo do processo.
Considerem que cada uma das atividades feitas no
âmbito deste projeto pode ser aproveitada como um
trabalho educativo/formativo/comunicativo – em que
podem ser realizadas práticas, vivências, intercâmbios e
reflexões sobre a economia feminista e solidária, divisão
sexual do trabalho, agroecologia, segurança e soberania
alimentar, violência sexista, comercialização, autonomia,

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mercados, transição agroecológica, políticas públicas etc.

‘‘ Eu tenho um ótimo companheiro político,


mas em casa tenho que lembrá-lo
que não sou empregada dele.

4
A Caderneta Agroecológica deve ser entendida ‘‘
como um recurso a ser apropriado pelas mulheres para
visibilizar, valorizar e organizar o seu trabalho, sendo um
instrumento de empoderamento e autonomia para elas na
medida em que serve para que reconheçam sua
contribuição à economia da família de forma mais ampla,
rompendo a lógica patriarcal e capitalista de que são
“meras ajudantes”. Também contribui para qualificar as
ações da assessoria técnica como um instrumento de
intervenção na realidade, apoiando a qualificação do
trabalho das mulheres nos seus agroecossistemas,
construindo novos indicadores para projetos e ações, ou
políticas públicas. Assim, também contribui para repensar
as metodologias e indicadores utilizados, rompendo a
racionalidade patriarcal que historicamente marca a
extensão rural no Brasil.
Então vamos lá!

4
Aqui buscamos visibilizar todas as tarefas executadas pelas mulheres,
rompendo com a dicotomia entre trabalho produtivo e reprodutivo. Desta forma,
nos interessa compreender e sistematizar todo trabalho das mulheres e sua
contribuição para a economia familiar, a reprodução do agroecossistema e da
vida.

Guia metodológico da Caderneta Agroecológica


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Como fazer:
Os passos do Projeto
Essa é uma proposta que foi sendo testada junto a
um coletivo nacional composto por organizações de
assessoria técnica, movimentos sociais feministas e
mistos, universidades, institutos de pesquisa etc. Todos
grupos que fazem parte do GT de Mulheres da ANA.
Não se propõe a ser uma receita de bolo, ou uma
camisa de força, ou seja, pode-se reinventar e sugerir
outros passos a partir de distintas vivências e realidades
em que o projeto vai ser implementado.
O mais importante é que se compreenda que esse
processo envolve diversos sujeitos, com tempos e papéis
distintos. Por esse motivo, para termos os melhores
resultados, ou uma compreensão mais próxima da
realidade da produção e da contribuição econômica das
mulheres rurais, utilizamos outros instrumentos de
coletas de dados (questionários e mapas), que
complementam as informações coletadas pelas
Cadernetas Agroecológicas.
Como um processo de construção coletiva do
conhecimento, todas/os devem ter claros seus papéis,
responsabilidades e contribuições para a construção dessa
teia. Sim, estamos tecendo saberes e ousando construir
novos conhecimentos, conceitos, categorias e indicadores,
para pensar, repensar e problematizar o semiárido.
Estamos problematizando a noção de economia, a
agroecologia e as mulheres rurais no contexto de disputas
por concepções e modelos de desenvolvimento rural e de
políticas públicas para a agricultura familiar agroecológica
no Brasil.

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Passo 1 . Sensibilização da equipe de


assessoria técnica para a sistematização
da produção das mulheres agricultoras.

Objetivo: Sensibilizar a equipe técnica sobre a importância


de sistematizar e visibilizar a contribuição das mulheres
rurais para a reprodução dos agroecossistemas e para a
agroecologia no semiárido brasileiro.
Para isso, é fundamental que a equipe de
assessoria técnica como um todo assuma o desafio de
ampliar seu olhar sobre as práticas desenvolvidas,
questionar as metodologias implementadas e fortalecer a
perspectiva de gênero nas suas ações e nas reflexões
institucionais.
Assumimos juntos/as nossas carências de
visibilizar e fortalecer o trabalho com as mulheres rurais,
na perspectiva de gênero, não como limitantes, mas como
potencialidades para transformação de nossas ações,
reconhecendo as mulheres rurais como sujeitos políticos e
protagonistas de um novo modelo de desenvolvimento
para o Semiárido brasileiro.
Nesta etapa podem ser realizadas oficinas, grupos
focais, grupos de estudos etc.

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Passo 2. Capacitação das equipes de campo


e sistematização
Com as organizações convencidas da importância
dessa sistematização, é fundamental ainda a capacitação
das equipes que vão ao campo e que recolherão os dados
para a sistematização, sejam elas compostas por
assessoras e assessores técnicos ou mulheres agricultoras
que desempenham um papel de liderança nas
comunidades.
A capacitação aqui consiste num nivelamento de
informações sobre como as Cadernetas Agroecológicas
devem ser utilizadas pelas mulheres e como aplicar os
demais instrumentos de sistematização que serão
utilizados, como o Mapa da Sociobiodiversidade e os
questionários socioeconômicos.
É importante que esta capacitação seja feita de
forma coletiva, sobretudo quando há mais de uma equipe
de campo em territórios diferentes de atuação da
organização parceira. Há que se cuidar para que todas as
equipes e todas/os das equipes tenham a mesma
orientação para o processo de sistematização, evitando
orientações diferentes que podem afetar a qualidade dos
dados.
Sugerimos que as organizações parceiras façam
oficinas de capacitação envolvendo todas as equipes e as
mulheres lideranças nos territórios, possibilitando uma
primeira aproximação com o instrumento, tirando dúvidas
e exercitando o preenchimento.

Guia metodológico da Caderneta Agroecológica


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Passo 3. Sensibilização dos coletivos e


organizações locais de mulheres para
a sistematização da produção das
mulheres rurais

Esta sensibilização tem como objetivo apresentar


para as mulheres, grupos produtivos, associações,
sindicatos, e movimentos sociais (mistos e feministas) a
proposta do projeto, esclarecendo a importância da
aplicação das Cadernetas Agroecológicas para a sua vida,
para o trabalho das organizações de assessoria técnica e
para o fortalecimento das ações no território. A seguir,
destacamos as ações estratégicas a serem cumpridas
durante esse processo de sensibilização:
£ Formar redes locais/territoriais animadas em torno da
temática de gênero, feminismo, economia feminista e
agroecologia, criando um grupo que anime e seja
animado pelo processo. É interessante que esse grupo
maior possa também participar dos espaços de
formação e ao mesmo tempo acompanhar o
monitoramento e análise dos dados, a fim de
acumular conhecimentos sobre o tema e contribuir
com novas questões, a partir de suas realidades e

Guia metodológico da Caderneta Agroecológica


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cotidianos, bem como contribuir para uma leitura


crítica do território, a fim de construir alternativas para
superar as problemáticas;
£ Apresentar cada um dos instrumentos de pesquisa,
esclarecendo como serão feitos, por quem e para que
servem;
£ Criar um grupo local de animação das Cadernetas. É
fundamental que as mulheres participantes não se
sintam sozinhas nessa tarefa e tenham um grupo de
apoio para animar, tirar dúvidas (além da equipe
técnica) e mostrarem seus pré-resultados. Isso
mantém o processo vivo.

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Passo 4. Apresentação da metodologia da


Caderneta Agroecológica

Aqui é necessário fazer uma reunião ou encontro


das mulheres agricultoras que participarão do processo ou
de suas representantes, no caso do número de mulheres
ser muito grande para um encontro, a ser viabilizado por
representantes da instituição executora e das organizações
parceiras, com o objetivo de apresentar a elas a Caderneta
e sua metodologia de uso.
Nesse encontro deve-se apresentar a proposta de
sistematização e definir, com a participação das mulheres
agricultoras, a estratégia de distribuição das cadernetas
(por comunidades, territórios, municípios, grupos e
associações de mulheres) e a quantidade de cadernetas
que serão sistematizadas pela organização local.
Nessa atividade é importante definir como será o
processo de tabulação das anotações, para que os
resultados possam ser devolvidos às mulheres,
alimentando processos de reflexão coletiva. Para isso, é
importante definir uma pessoa que fique responsável pela
tabulação dos dados.

Guia metodológico da Caderneta Agroecológica


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Passo 5. Distribuição das Cadernetas


Agroecológicas e capacitação das
mulheres rurais
As mulheres escolhidas também devem escolher
participar! Esse é um princípio fundamental do processo.
Uma sugestão é que se consiga juntar pelo menos duas ou
três mulheres de uma mesma comunidade ou grupo,
porque juntas elas se animam, tiram dúvidas e ajudam
uma à outra. Este é o formato ideal, pois a visita da equipe
técnica às vezes demora, ou há dificuldades de
comunicação entre as mulheres participantes e a equipe
técnica. Se a mulher estiver sozinha, ela desanima. Se
estiverem num grupo, elas superam as dificuldades
juntas!
A capacitação deve se dar em forma de oficinas
locais, juntando vários grupos envolvidos (às vezes do
mesmo território), mas que estejam no âmbito de atuação de
uma ou mais que uma organização parceira que presta
serviço de assistência técnica (AT). Fazer o exercício junto
com elas em suas propriedades também é uma boa
estratégia. O importante aqui é que as mulheres aprendam
como usar a caderneta, atribuir preço aos produtos e realizar
o somatório dos valores, muitas vezes necessitando de apoio

Guia metodológico da Caderneta Agroecológica


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da assessoria ou liderança local, ao final de um mês.


Outra questão importante é que elas saibam que não
estão sozinhas neste projeto, e que têm um papel importante
no processo e no resultado final. Elas devem se sentir parte
de um todo (que envolve muitas outras mulheres, inclusive
de outros estados).
É fundamental que elas compreendam a importância
de anotar não só o que vendem ou consomem, mas que
tenham atenção dobrada ao que doam ou trocam, porque
acreditamos que são essas ações as responsáveis pelo
fortalecimento dos tecidos sociais nos territórios, que dão
sentido de permanência e resistência, e isso normalmente
vem sendo negligenciado numa leitura econômica clássica.
Outra questão é conseguirmos sistematizar o
conjunto da diversidade produtiva e da contribuição delas
pa ra a co n s e r va çã o, m a n e j o e re p ro d u çã o d a
socioagrobiodiversidade. Esses são apenas alguns dos
conjuntos de dados que esse processo nos possibilitará
conhecer e sistematizar.
Os passos quatro e cinco podem ser realizados num
mesmo encontro de mulheres.

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Passo 6. Preenchimento das


Cadernetas Agroecológicas

‘‘
Anotar é conhecer um dos tesouros da sua
propriedade: a sua produção.
Anote sempre, só assim vamos perceber a
importância do trabalho das mulheres e descobrir

‘‘
que elas são as guardiãs da biodiversidade.

A equipe técnica deve orientar todo o trabalho de


preenchimento das Cadernetas Agroecológicas, que
devem ser preenchidas pelas próprias mulheres, com
caneta ou lápis bem forte tipo o 2B), para que facilite a
leitura na hora da tabulação dos dados. O ideal é que
preencham as cadernetas por um período de um ano, para
se ter dimensão de toda a produção das mulheres, que
normalmente varia com as estações do ano ou em
períodos de maior demanda de determinado produto
tradicional, como nas festas de São João. Caso necessitem
de apoio, outros membros da família (de preferência
filhas) ou a assessora podem ajudar.
As cadernetas devem ser preenchidas todos os
dias. Assim, os detalhes da produção não serão
esquecidos. Lembrem que também queremos visibilizar a
“economia dos miúdos”, o que desaparece no dia a dia,
mas que é fundamental para a Segurança Alimentar da
família, por exemplo: o mói de coentro; os três ovos para o
café da manhã; o litro de leite para a vitamina; o punhado
de acerola para o suco no almoço; a galinha que foi doada

Guia metodológico da Caderneta Agroecológica


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para a festa da igreja; o litro de fava que foi trocado pelo de


feijão com a vizinha ou no banco de sementes da
comunidade.
A equipe técnica deve orientar as mulheres a incluir
na caderneta tudo o que acharem relevante sobre a sua
produção voltada para o consumo, doação, troca e
venda. Os produtos a serem incluídos na caderneta são:

£ Produtos vegetais e animais: especificar as espécies


animais e vegetais, acompanhadas das suas
variedades e raças (por exemplo, macaxeira amarela,
banana da terra, banana maçã, fava roxa, fava branca,
cabra moxotó, galinha rhodia etc.). Valorar todas as
plantas e animais usados, independentemente do seu
valor econômico;
£ Beneficiados: especificar os produtos beneficiados
pelas mulheres, como doces, farinhas, geleias, mel,
pães, biscoitos etc.;
£ Artesanatos: especificar os artesanatos feitos pelas
mulheres. Quando o produto for artesanato ou
beneficiado, deve ser especificado. Exemplo: colar de
sementes ou farinha de mandioca;
As informações detalhadas da socioagrobiodiversidade

Guia metodológico da Caderneta Agroecológica


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nos ajudam a conhecer a importância do trabalho das


mulheres como guardiãs da socioagrobiodiversidade e da
diversificação da produção.
Atentar para não esquecer dos produtos doados e
trocados pelas mulheres. Eles precisam ser valorizados
pois estão muito presentes nas relações de solidariedade
e reciprocidade. Além disso, são essas relações que
permitem que muitas pessoas tenham acesso a alimentos,
infraestrutura e serviços, sem passar por relações
monetárias.
Eventualmente também podem ser anotadas nas
cadernetas alguns serviços prestados e que façam muito
sentido para as mulheres, a exemplo de faxina, corte de
cabelo ou outros.
Caso tenha alguma dúvida se deve ou não anotar
determinado produto, utilize o seguinte critério: a ideia é
que as mulheres anotem tudo aquilo que faça sentido
para elas, pois a caderneta deve ser um instrumento delas.
Na hora de tabular os dados, pode-se definir se serão
somados e levados em consideração todos os produtos
que foram anotados. Por exemplo: se uma mulher achar
importante anotar algum serviço que ela faça que não seja
ligado à produção agrícola ou alguma atividade que não
seja protagonizada apenas por mulheres,
devemos incentivar que anotem. Depois se
define se as atividades que não eram
inicialmente objeto da sistematização devem
ser somada às outras ou não.

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COLUNA DE QTDE. (QUANTIDADE) – Esta coluna deverá


ser preenchida de acordo com a unidade de medida usada
pelas mulheres, em quilos, molhos, dedos (ex. dedos de
banana), saco, dúzias etc. Orientar que as mulheres
anotem tanto a quantidade quanto a unidade. Por
exemplo, ao anotar dois quilos de manga, não esquecer de
especificar que se trata de quilo. Se anotar só a quantidade
2, pode confundir com duas unidades de manga.

COLUNA DO PREÇO (em reais) – No caso das anotações de


venda, orientar que as mulheres anotem o preço exato
pelo qual venderam o produto. No caso das anotações de
consumo, troca e doação, orientar que adotem os preços
pelos quais costumam vender cada produto. Caso não
vendam, devem adotar o preço pelo qual costumam
comprar no mercado local. Isso significa que um mesmo
produto poderá ter preços distintos, de acordo com a
relação socioeconômica estabelecida (consumo, troca,
doação ou venda) e de acordo com o mercado no qual
onde o produto é comercializado. Isso é importante
porque muitas vendem em feiras, de porta em porta, em
casa ou para Política de Aquisição de Alimentos (PAA) ou a
Política Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), e os

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24

valores são diferenciados.


O uso de outras formas de anotação da produção
deve ser valorizado (exemplo: caderninhos das mulheres
rurais). Mas a equipe técnica deve orientar como repassar
os dados desses cadernos para a Caderneta Agroecológica.
Se as folhas da Caderneta não forem suficientes
para as anotações das mulheres, A equipe técnica deve
imprimir mais e repassar para as mulheres rurais (Anexo 2).
Se as mulheres acharem que as quatro colunas não
são suficientes para demonstrar outros elementos da sua
produção, elas podem anotar o que acharem interessante
em um papel avulso. Depois essas anotações devem ser
repassadas para a equipe técnica.

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25

Passo 7. Animação para manter a anotação


cotidiana das Cadernetas Agroecológicas
Nesse momento é fundamental que a equipe técnica esteja
sempre em contato com as mulheres participantes/pesquisadoras,
senão elas perdem o estímulo para anotar. Sugerimos pelo menos
três visitas técnicas ou oficinas de mulheres da mesma comunidade
ou coletivo no período de um ano, quando se deve levantar as
dificuldades que estão enfrentando, como estão resolvendo os
problemas e dúvidas e se necessitam de algum outro apoio, que
pode vir das assessoras ou das outras mulheres envolvidas no
entorno.
Nesse processo de animação é importante
estimular alguma reflexão por parte delas a partir dos
resultados parciais. Geralmente, quando começam a
perceber os resultados da sistematização, se animam mais
ainda no processo.
As visitas e oficinas podem ser feitas pelas
assessoras técnicas ou mulheres lideranças.
Também é importante pensar num intercâmbio
juntando mulheres participantes de outras comunidades e
ou coletivos, para que conheçam distintas realidades e
fortaleçam o processo em força de rede.

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Passo 8. Coleta de dados das cadernetas e


tabulação dos dados

Nessa etapa é importante definir a forma como os


dados chegarão para a pessoa que fará a tabulação.
Em muitos casos, as agricultoras tiram foto das
Cadernetas Agroecológicas e enviam à pessoa que vai
tabular os dados, que por sua vez deve conferir na hora
que receber se a qualidade da foto permite a leitura do que
foi anotado e, em caso contrário, pedir para agricultora
repetir a foto. Mas as fotos também podem ser tiradas pela
assessoria técnica em alguma reunião ou atividade com a
agricultora. Ou, ainda, as informações podem ser
tabuladas diretamente no notebook durante alguma visita
à agricultora. Mas é preciso definir como isso será feito!
O importante é não pegar a Caderneta Agroecológica
da agricultora para tabular no escritório, pois pode haver
algum extravio ou perda de informações. Além disso, sem a
Caderneta Agroecológica, a agricultora terá dificuldades
para anotar sua produção econômica!
A tabulação dos dados será feita numa planilha do Excel
que será disponibilizada para as equipes de assessoria
técnica durante a atividade de capacitação inicial.
Também é importante definir uma data fixa, em
que as informações serão encaminhadas para quem fará a
tabulação. Sugerimos o dia 5 de cada mês, mas isso deve
ser definido em função de cada realidade. O importante é
ter essa data de referência para que em todos os meses
consigamos ter os dados tabulados para serem
repassados à equipe de sistematização.

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27

Padronização de unidades de medida:

Como já sabemos, há uma diversidade enorme de


unidades de medida utilizadas pelas agricultoras nas
diferentes regiões e estados (palma, prato, rasa, molhos,
dedos, saca etc.). Essa é uma riqueza que precisamos
registrar! Por outro lado, para efeito de análise dos dados,
precisamos realizar uma padronização dessas unidades
de medida, convertendo-as em unidades de medida
universais (quilograma, litro, unidade).
Dessa forma, se a unidade de medida anotada na
caderneta não puder ser quantificada em uma unidade
conhecida/universal, a equipe técnica ou a pessoa
responsável pela tabulação dos dados, deverá padronizá-
la. Por exemplo, um “balde de manga” deve ser
quantificado em quilos e a equipe deverá definir uma
média em quilos equivalente ao peso das frutas contidas
no balde.
No entanto, para preservar as unidades de medida
anotadas pelas agricultoras, a padronização será feita
numa tabela à parte, que irá junto da planilha para
tabulação dos dados.

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28

Detalhes do processo de tabulação:

Durante o processo de tabulação, é importante


verificar com as mulheres os nomes de produtos que
gerarem dúvidas (assim como as unidades de medida),
porque, uma vez que os dados chegam à equipe de
sistematização, fica mais trabalhoso recuperar as
informações que são incompletas ou difíceis de
compreender.
A sistematização dos dados será feita por uma
equipe de consultoria, que já desenvolveu instrumentos,
processos e procedimentos para realizar essa tarefa. O
primeiro procedimento da sistematização é fazer uma
leitura minuciosa das informações recebidas. Caso a
equipe avalie que a qualidade dos dados precisa
melhorar, a planilha será devolvida aos responsáveis pela
tabulação nos estados para que sejam feitas as devidas
correções. Por esse motivo, reforçamos aqui a
importância de averiguar as informações no momento da
tabulação, para garantir que os dados sejam corretamente
representados.
Após esse processo, os dados verificados serão
centralizados em uma base de dados, que dará subsídio às
análises para sumarização e devolução das informações
às equipes do projeto e às mulheres que anotam na
caderneta.

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29

Passo 9. Aplicação e envio dos questionários

Objetivo: Conhecer o perfil socioeconômico e de


participação política das mulheres rurais .

Aplicar o questionário (Ver anexo 1) à mulher


agricultora. As perguntas devem ser respondidas
unicamente por elas. Os homens da família não devem
participar das respostas ao questionário. O ideal é que elas
estejam sozinhas e num ambiente de tranquilidade, sem
tarefas domésticas ou preocupações.
Ao fazer a pergunta, cuidar para não induzir as
respostas das mulheres, deixando-as se expressar
livremente e procurando anotar suas falas na íntegra.
Orientamos que as perguntas abertas sejam
gravadas e transcritas, logo após a realização para que não
se perca a memória.
Deixem-na falar. Nunca pensem que é demais. Às
vezes ela está precisando disso e numa resposta surgem
várias pistas da condição de vida dessa mulher, e que para
a assessoria técnica é fundamental;
Anote à caneta. E nas perguntas abertas, garanta
que as informações estejam legíveis.

Envio do questionário:

Após a aplicação do questionário, as páginas


devem ser escaneadas e compiladas em um arquivo, e
então enviadas à equipe de sistematização, que ficará
responsável pela tabulação das informações.

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30

Passo 10. Aplicação da metodologia


do Mapa da Sociobiodiversidade
Objetivo: Conhecer o agroecossistema familiar e o lugar de
trabalho/autonomia das mulheres rurais.

‘‘
é importante estimular as mulheres a representar
no desenho todos os espaços da propriedade,
resgatando a sociobiodiversidade do lugar,
além de ser uma experiência poucas vezes

‘‘
vividas por elas.

A mulher agricultora trabalha em todo o


agroecossistema, mas queremos lançar luz sobre lugares
em que as elas constroem sua autonomia, a partir do seu
próprio trabalho, e como nesses lugares elas produzem
conhecimentos, bens agrícolas (alimentos, plantas
medicinais, frutas, árvores nativas, sementes, animais
etc.) e bens culturais. Também buscamos compreender o
olhar que ela tem sobre os espaços e como isso reflete, ou
não, as relações de poder na família, e entre a família e o
território, o bioma etc.
Queremos assegurar o olhar e a percepção que as
mulheres rurais têm sobre o agroecossistema familiar e
quais são os papéis protagonizados por elas, revelando
sua importância para a economia familiar. Também
queremos compreender as relações de poder que se
estabelecem nos distintos espaços pelos diferentes
membros da família (do homem e da mulher e/ou dos
filhos).
Para isso, as mulheres rurais devem fazer um

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31

desenho ou mapa da sua propriedade o mais detalhado


possível. Com a ajuda do mapa espera-se que elas
identifiquem todos os lugares de produção onde são
protagonistas e os produtos vindos destes lugares para
consumo, doação, troca ou venda.

QUEM FAZ O MAPA?

Unicamente as mulheres e suas filhas ou outras


mulheres que participam da produção. A assessora poderá
orientar e ajudar no desenho do mapa, com o cuidado de
não induzir a percepção e a representação das mulheres
sobre o espaço produtivo. Durante a construção do mapa,
os homens da família não devem participar.

MATERIAIS A SEREM USADOS PARA FAZER O MAPA

O mapa pode ser feito com cartolina branca e


canetas, lápis ou giz de cera coloridos ou maquetes.
Devem ser fotografados (de preferência com máquina
fotográfica e não com celular) de forma que fiquem bem
visíveis. Os arquivos das fotos devem ser identificados com
o nome da mulher.

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COMO FAZER O MAPA?

1)Facilitar para que cada mulher agricultora faça um


desenho ou mapa da propriedade onde a família vive e
trabalha, representando todos os lugares em que
acontece a produção para o consumo, troca, doação ou
comercialização, e todos os produtos cultivados, animais
que criados etc. De preferência indicando as variedades
produzidas. Sugerimos que elas listem os produtos no
verso do mapa, se necessário, com ajuda das assessoras
técnicas ou mulheres lideranças. Outros lugares
considerados importantes por elas, também podem ser
incluídos. É importante que o tamanho do
agroecossistema (propriedade) seja registrado como área
total, e que, depois, e se tente contabilizar as dimensões
de cada subsistema (horta, quintal, pomar, roçado etc.).
Isso nos ajudará a perceber as relações sociais dentro do
agroecossistema e como se manifestam na relação do
espaço.
2)Após a feitura do mapa, a equipe técnica irá analisar com
as mulheres os lugares que são reconhecidos pelo
protagonismo delas. Serão identificados os lugares de
trabalho onde atuam de forma autônoma para a produção
da sociobiodiversidade e da garantia da soberania e
segurança alimentar. A ideia é destacar o quintal e todas as
demais áreas onde as mulheres são protagonistas.
3)Para ajudar nessa reflexão, perguntar para a mulher o
que ela faz durante o dia. Nesse momento, serão
analisadas a separação e a hierarquia/importância de
cada uma das atividades feitas por gênero e as
representações sobre a divisão sexual do trabalho e a
forma como se materializa nos espaços. Assim, o desenho
deverá ser complementado com a inclusão dos símbolos

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33

de gênero em cada um dos lugares de trabalho, de acordo


com o protagonismo de cada membro da família (ver
explicação abaixo).
4)Obs. Cuidado com o trabalho considerado pelas
mulheres como “ajuda”, pois é muito comum que elas se
coloquem no lugar de “ajudantes” e não como
protagonistas. Aqui, após o desenho, cabe a assessora
problematizar com as mulheres essas questões.

O mapa deve conter:

5)Os lugares onde a mulher “decide”, ou seja, determina o


que vai ser produzido, como e quando. Nesses locais, elas
podem ter ou não a ajuda da família. A casa, o quintal e os
demais lugares protagonizados pelas mulheres devem
aparecer de forma clara nesse mapa e marcados com o
nome (ex. galinheiro, roçado...) e o símbolo do gênero
feminino ( ). Quando o homem ajuda, o lugar deve ser
marcado assim:
( ) Obs. O símbolo do gênero feminino vem na frente do
símbolo do gênero masculino.
6) Os lugares onde o homem “decide”, ou seja, determina o

Guia metodológico da Caderneta Agroecológica


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que vai ser produzido, como e quando podem ter ou não a


ajuda da mulher e devem ser marcados com o seu nome e
o símbolo do gênero masculino ( ). Quando a mulher
ajuda nestes lugares, deve ser marcado assim: ( ). Obs:
Nesse caso, o símbolo do gênero masculino vem na frente
do símbolo do gênero feminino.
7)As demais infraestruturas (cisternas, barreiros, poços,
bioágua, etc).
8) Outros lugares e elementos do sítio considerados
importantes por elas.
9)Analisar toda a produção que sai dos lugares
protagonizados pelas mulheres. É essa produção que
deverá ser incorporada à Caderneta Agroecológica, o mais
detalhadamente possível.

ATENÇÃO!!!! O mapa deve ser o mais completo e detalhado


possível, incluindo aqueles lugares de produção que ficam
invisibilizados ou esquecidos.

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35

Passo 11. Análise coletiva dos dados

Esse é um momento importante de juntar os


diversos “elos da cadeia” e ter um primeiro olhar sobre a
realidade em sua complexidade.
A partir da sistematização dos dados obtidos pela
pesquisa, juntando os três instrumentos de coletas (as
cadernetas, os questionários e os mapas), teremos uma
primeira aproximação da realidade. Nesse momento é
fundamental que todas as mulheres participantes, a
equipe técnica e os parceiros locais estejam presentes
para validar os dados, fazer ajustes, correções etc.
Aqui podemos realizar um seminário, uma oficina
ou intercâmbio. O importante é juntar todas/os os
participantes e olharmos juntas/os os dados, buscando
dialogar com nossos territórios, nossos agroecossistemas,
nossas famílias e a vida das mulheres participantes.

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Passo 12. Reflexão coletiva dos resultados

Após a validação coletiva dos dados nos


perguntamos se essa era uma realidade conhecida por
todos/as?
Em que medida esses dados nos ajudam a repensar
nossas práticas de assessoria técnica? Na luta pela
segurança alimentar e nutricional, na problematização da
divisão sexual do trabalho?
Os dados nos permitem olhar o território de forma
distinta e construir novas estratégias para seu desenvolvimento?
Podemos ampliar nossa concepção de agroecologia,
incorporando as relações de gênero e criando estratégias
para colocar as mulheres rurais como sujeitos centrais na
garantia da SAN e nos processos de transição agroecológica?

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Passo 13. Rediscussão dos programas e ações


das organizações a partir dos resultados da
sistematização da produção das mulheres
através das Cadernetas Agroecológicas

A partir das análises e reflexões coletivas dos


dados, o próximo passo é buscar reverter as discussões
para dentro das organizações participantes e coletivos
envolvidos.
Como esse processo de pesquisa nos ajuda a
repensar nossas ações de forma institucional?
Nossas metodologias e abordagens institucionais
estão permitindo incorporar efetivamente a discussão de
gênero em nossas ações?
Há alguma estratégia da organização local para
aumentar a autonomia das mulheres e reduzir as
desigualdades de gênero?

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Considerações finais
Pa ra s u p e ra r m o s o s d e s a fi o s , r e v e z e s e
dificuldades com os dados, é necessário um bom
planejamento, um acompanhamento/monitoramento do
processo e uma avaliação constante do andamento da
sistematização, fazendo ajustes na estratégia quando
necessário.
Sabemos que sistematização de dados muitas
vezes é uma novidade para as equipes técnicas das
organizações parceiras, e, em alguns casos, as equipes
acabam assumindo tarefas de sistematização que
terminam por competir com a dedicação às ações
finalísticas dos projetos locais.
Nesse caso, principalmente, a Caderneta
Agroecológica ganha vantagem porque ao mesmo tempo
que as organizações realizam ações de empoderamento,
fortalecimento e autoorganização das mulheres, estão
monitorando e sistematizando dados que são tão valiosos
na análise de impacto e resultados, tanto dos projetos de
assessoria técnica, quanto na produção das mulheres.
Recomendamos que o exercício de refletir sobre as
Cadernetas Agroecológicas possa acontecer nos diversos
eventos realizados pelas organizações por meio de
espaços reservados para as atividades com as mulheres
(oficinas, intercâmbios, seminários etc.). Para isso é
necessário mobilizar participantes para que elas levem
suas cadernetas aos eventos. Essa também é uma forma
de otimizar tempo e recursos das organizações,
promovendo a animação necessária, mas também
ampliando, na medida em que as outras mulheres
acompanhadas pelas organizações tendem a se interessar

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pelo processo ao escutar a experiência das primeiras.


No mais, desejamos um bom trabalho às
organizações parceiras e às mulheres e esperamos que as
Cadernetas Agroecológicas transformem a vida das
mulheres do semiárido brasileiro e as estratégias das
organizações, na construção de uma sociedade mais justa
e igualitária, um semiárido sustentável, onde a vida pulsa
a agroecologia, as resistências e reinvenções para o
desenvolvimento rural brasileiro.

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