Rafael Vasari 1568
Rafael Vasari 1568
Rafael Vasari 1568
Em Rafael de Urbino, artista não menos excelente que gracioso, pode-se ver claramente
o quão generoso e benigno se demonstre às vezes o Céu, cumulando numa única pessoa as
infinitas riquezas de seus tesouros, e todos os dotes e dons mais raros, que de tempos em tempos
costuma dividir entre muitos indivíduos. Este foi dotado pela natureza de toda a modéstia e
bondade que de hábito se vê nas pessoas as quais, mais que outros, possuem uma certa
humanidade unida a um caráter elevado, e ao gracioso ornamento da afabilidade, que os torna
sempre atraentes e agradáveis a todo tipo de pessoa em qualquer circunstancia. Ele foi doado ao
mundo pela natureza quando esta, vencida pela arte de Michelangelo, quis ainda ser vencida
pela arte e pelos costumes em conjunto na pessoa de Rafael1.
Na verdade, a maioria dos artistas até então havia recebido da natureza algo de loucura e
de retraimento, o que além de torna-los extravagantes e geniosos, fazia que muitas vezes neles
sobressair a sombra e a escuridão dos vícios mais do que a luz e o brilho das virtudes que
tornam os homens imortais. Razão pela qual, por contraste, a natureza fez resplandecer
claramente em Rafael todas as mais raras virtudes da alma, acompanhadas por tamanha graça 2,
estudo3, beleza, modéstia e ótimos costumes, que seriam suficientes para encobrir qualquer
vício, por feio que fosse, e qualquer mácula, por grande que fosse. Portanto, podemos dizer com
certeza que aqueles que possuem tantos raros dotes quantos foram vistos em Rafael de Urbino,
não são apenas homens, mas, se é permitido dize-lo, deuses imortais; e que aqueles que deixam
aqui entre nos honrado nome nas recordações da fama por meio de suas obras, podem ainda
esperar gozar no céu digna retribuição por suas fadigas e méritos.
Em uma das paredes vazias, fez ainda o culto divino e a arca dos Judeus e o candelabro,
e Papa Julio que expulsa a cobiça da Igreja, história que por beleza e excelência é semelhante à
cena noturna descrita acima50. Nesta história vêem-se nos escudeiros retratos de homens que
viviam naquela época a carregar a cadeira com Papa Julio realmente vivíssimo. Enquanto um
grupo com mulheres abre espaço para que ele passe, vê-se a fúria de um homem armado a
cavalo que, acompanhado por outros dois a pé, derruba e chicoteia com atitude muito feroz o
soberbíssimo Eliodoro que por ordem de Antioco quer espoliar o Templo de todos as esmolas
para as viúvas e os órfãos. E já se vêm as caixas sendo carregadas e levadas embora quando, por
medo do estranho acontecimento que derrubou e chicoteou Eliodoro violentamente pelos três
predestinados, vê-se derramar e serem jogados à terra todos os tesouros junto com os homens de
Eliodoro que os carregavam, tomados pelo repentino horror da visão vivida e ouvida apenas por
eles. Afastado da cena vê-se o Santíssimo Pontífice Onia, vestido pontificalmente, orando muito
fervorosamente, com as mãos e os olhos erguidos ao céu, aflito de compaixão pelos pobres que
perdiam todos os seus bens, e contente por aquele socorro que percebe ter vindo do céu. Além
disso, por invenção de Rafael, vêem-se muitas figuras subindo nos plintos do embasamento e
abraçando-se às colunas em posições muito incômodas para assistir; e o povo todo manifesta
seu espanto de formas diversas e variadas à espera do desfecho dos acontecimentos. Esta obra
resultou tão estupenda em todas as suas partes que até o cartão é conservado com a máxima
veneração. Tanto que o senhor Francesco Masini, fidalgo de Cesena, que, exercitando-se por si
próprio no desenho e na pintura - sem a ajuda de nenhum mestre, mas guiado desde a mocidade
pelo talento natural -, pintou quadros que foram louvados pelos entendidos da arte, e possui
entre os seus muitos desenhos e relevos de mármore antigos, alguns fragmentos do referido
cartão que Rafael fez para a história de Eliodoro, prezando-os o quanto realmente merecem.
Nem deixarei de lembrar a virtude do senhor Niccolò Masini, que me deu estas informações,
que é realmente amador de nossas artes e de todas as outras coisas. Voltando a Rafael, na
abóbada do mesmo ambiente ele fez quatro histórias: a aparição de Deus a Abrão prometendo a
multiplicação da sua semente, o Sacrifício de Isaac, a escada de Jacó, e a sarça ardente de
Moises, nas quais não se percebe menor arte, invenção, desenho e graça do que nas outras
coisas trabalhadas por ele51.
Enquanto a sorte deste artista produzia tais maravilhas, a inveja do destino tirou a vida
de Julio II, que era fomentador de tamanha virtude e admirador de todas as coisas boas. Foi
então eleito Leão X, que quis que aquela obra fosse continuada, e Rafael subiu aos céus graças à
sua própria virtude e obteve privilégios infinitos encontrando o favor de um príncipe tão grande,
que por herança familiar era muito amante desta arte. Por isso Rafael se animou a continuar tal
obra e fez na outra parede a chegada de Atila a Roma e o seu encontro aos pés de Monte Mario
com o pontífice Leão III que o expulsou somente com benções52. Nesta pintura Rafael fez São
Pedro e São Paulo no ar com as espadas na mão, vindo defender a igreja. E ainda que a história
de Leão III não o diga, Rafael quis mesmo assim figura-la desta maneira por seu capricho, como
muitas vezes acontece às pinturas e aos poemas que divagam para embelezar a obra, sem, no
entanto, desviarem-se da primeira intenção de maneira inconveniente. Nos Apóstolos vê-se
aquela bravura e ousadia celeste que o julgamento divino costuma muitas vezes pôr nos rostos
dos seus servos para defender a santíssima religião. Atila revela isso, montado num belíssimo
cavalo preto manalvo com uma mancha na testa, que com um gesto de espanto ergue a cabeça e
gira-se para fugir. Há outros cavalos belíssimos e particularmente um maculado, cavalgado por
uma figura que tem o corpo coberto por escamas a guisa de peixe, que é tirada da Coluna de
Trajano, em que há pessoas armadas assim. E se crê que sejam armas feitas de pele de
crocodilos. Há Monte Mario incendiado, mostrando que, depois de terminada a saída dos
soldados, os acampamentos ficam sempre tomados pelas chamas. Retratou ainda alguns
maceiros acompanhando o papa, os quais são vivíssimos e assim seus cavalos, e a corte dos
cardeais e alguns escudeiros que conduzem a mula branca sobre a qual está Leão X em traje
pontifical, retratado não menos vivo dos outros, com muitos cortesãos; coisa muito prazerosa a
se ver e oportuna em tal obra e muito útil para a nossa arte, particularmente para aqueles que
não tem experiência destas coisas.
Nesta mesma época fez um retábulo para Nápoles que foi colocado na igreja de San
Domenico na capela onde se encontra o crucifixo que falou com Santo Tomas de Aquino53.
Neste retábulo há uma Nossa Senhora, São Jerônimo trajado de cardeal e um anjo Rafael
acompanhando Tobias. Pintou um quadro para Leonello da Carpi, senhor de Meldola, que ainda
está vivo com mais de noventa anos de idade, e a obra foi realmente um milagre de cor e de
beleza única. Posto que foi realizada com vigor e com um requinte tão deleitoso que opino não
se possa fazer melhor, vendo-se no rosto de Nossa Senhora uma divindade e na pose uma
modéstia que não é possível melhora-la. Imaginou que, de mãos juntas, ela adore o Filho
sentado no seu regaço, o qual faz carícias a um pequeno São João menino, que o adora com
Santa Elisabeth e José. Este quadro já foi em posse do reverendíssimo cardeal de Carpi, filho do
referido senhor Leonello, grandíssimo admirador de nossas artes, e hoje deve estar com seus
herdeiros54. Depois de eleito cardeal de Santi Quattro, Lorenzo Pucci, Sumo Penitenciário,
conseguiu que Rafael fizesse para a igreja de San Giovanni in Monte em Bolonha um retábulo,
que hoje se encontra na capela onde está o corpo da beata Elena dall’Olio55. Esta obra mostrou o
quanto pudesse a graça das delicadíssimas mãos de Rafael junto com a arte. Há ali uma Santa
Cecília que, deslumbrada por um coro de anjos, ouve o som, toda tomada pela harmonia, e se vê
no seu rosto aquele arrebatamento que vemos na realidade em aqueles que chegam ao êxtase;
além disso há instrumentos musicais espalhados no chão, que não parecem pintados, mas
verdadeiros e reais, e igualmente alguns seus véus e trajes de panos de ouro e de seda, e abaixo
deles um cilício maravilhoso. E na figura de São Paulo que posa o braço direito sobre a espada
desembainhada e apoia o queixo na mão, se vê representada não menos a sua sabedoria, que a
sua altivez convertida em gravidade. Ele traja um manto vermelho singelo e uma túnica verde
em baixo, à apostólica, e está descalço. Santa Maria Madalena também tendo na mão um vaso
de pedra finíssima, numa pose belíssima e girando de lado a cabeça, parece feliz pela sua
conversão, que certamente, acredito eu, neste gênero não se poderia fazer melhor, e assim ainda
são belíssimos os rostos de Santo Agostinho e de São João Evangelista. E realmente outras
pinturas podem ser chamadas de pinturas, mas as de Rafael são coisas vivas, pois palpita a
carne, vê-se o espírito, pulsam os sentidos das suas figuras e vivacidade viva nelas se percebe.
Além dos elogios, foi isso o que lhe deu muito mais nome. Por isso fizeram em sua homenagem
muitos versos em latim e em italiano, entre os quais citarei apenas os seguintes para não alongar
a história mais do que já fiz.
Pingant sola alii, referant coloribus ora;
Ceciliae os Raphael atque animum explicuit56
Depois deste, Rafael fez ainda um quadro menor com figuras pequenas, hoje também
conservado em Bolonha na casa do conde Vincenzo Arcolano, onde há um Cristo semelhante a
Júpiter no céu, ladeado pelos quatro Evangelistas, como Ezequiel descreve-os, um em forma de
homem e o outro de leão, e outro de águia e outro de touro, com uma paisagem abaixo, não
menos rara e bela em seu tamanho reduzido de que são as outras coisas dele de maior medida57.
Enviou a Verona um grande quadro da mesma qualidade para os condes de Canossa, no
qual aparece uma belíssima Natividade de Nosso Senhor com um alvorecer muito louvado,
como também é Santa Ana, o melhor, toda a obra, a qual não poderia ser elogiada mais que
dizendo que é de mão de Rafael de Urbino58. Os condes com razão a veneram sumamente, nem
quiseram jamais cede-la a ninguém, por elevado que fosse o valor oferecido por muitos
príncipes.
Fez o retrato de Bindo Altoviti quando era jovem, que é julgado obra estupenda59. E
igualmente um quadro de Nossa Senhora que enviou a Florença, o qual hoje está no palácio do
duque Cosimo, na capela dos aposentos novos realizados e pintados por mim, e serve como
retábulo de altar. Neste está pintada uma Santa Ana muito idosa, sentada, a qual entrega a Nossa
Senhora o seu Filho de tamanha beleza no corpo nu e nas feições do rosto que com seu sorriso
alegra a todos os que o contemplam; e ainda por cima Rafael, pintando Nossa Senhora, mostrou
toda a beleza possível na expressão de uma virgem, onde haja nos olhos a modéstia, na testa a
honra, no nariz graça e na boca virtude, e ainda o seu traje é tal que mostra uma simplicidade e
uma honestidade infinita. E realmente opino que não possa se ver nada melhor. Na pintura é
representado um São João sentado, nu, e uma outra santa belíssima também. A cena é
ambientada num interior, onde Rafael pintou uma janela coberta por uma cortina, iluminando a
sala e as figuras60.
Fez em Roma um quadro de bom tamanho, no qual retratou o papa Leão, o cardeal Giulio de’
Medici e o cardeal de’ Rossi61. As figuras não parecem pintadas, mas livres no espaço, há o
veludo com seu pelo, o damasco na pessoa do papa brilha e vibra, as peles do forro são macias e
vivas, e os ouros e as sedas pintadas de forma que não parecem cores, mas ouro e seda. Há um
livro de pergaminho iluminado que parece mais vivo da vida, e uma campainha de prata
trabalhada, que não é possível dizer quanto é bela. E entre as outras coisas, há uma bola na
cadeira, brunida e de ouro, na qual, como num espelho, se refletem (tamanho é seu brilho) todas
as luzes das janelas, as espaldas do papa e as salas ao redor. Todas estas coisas são executadas
com tal diligência que se pode acreditar, sem dúvida alguma, que jamais outro mestre faria ou
fará algo melhor. Essa obra motivou o papa a remunerar Rafael com um compenso ingente, e
quadro ainda hoje se encontra em Florença no guarda-roupa do duque. Pintou igualmente o
duque Lorenzo e o duque Giuliano com perfeição não igualada por ninguém pela graça da cor62.
Os dois quadros encontram-se em posse dos herdeiros de Ottaviano de’Medici em Florença.
Por causa dessas obras, a gloria de Rafael aumentou e as retribuições também; portanto,
ao fim de deixar memória de si próprio, ele mandou edificar em Roma no Borgo Nuovo, um
palácio que Bramante realizou em brevíssimo tempo. Por estas e outras muitas obras, tendo
chegado a fama deste nobilíssimo artífice até a França e as Flandres, Albrecht Dürer alemão,
pintor muito admirável e entalhador de belíssimas estampas em cobre, tornou-se tributário de
suas obras a Rafael e lhe enviou um autorretrato seu pintado em guache sobre uma tela de linho
fino, que de ambos os lados mostrava igualmente as luzes transparentes e sem uso de alvaiade,
já que era manchada e tingida com aquarelas coloridas e as luzes eram realizadas na própria
tela. Isso pareceu maravilhoso a Rafael que retribuiu enviando-lhe muitos desenhos sobre papel
de sua mão, que foram muito caros a Albrecht. Este retrato estava entre as coisas de Giulio
Romano, herdeiro de Rafael, em Mantova.
Vista a grande circulação das estampas de Albrecht Dürer, Rafael, desejando ele próprio
também mostrar o que podia naquela arte, mandou estudar infinitamente esta técnica Marco
Antonio Bolonhês63, que chegou a ser tão excelente que Rafael mandou gravar por ele suas
obras primas: o Massacre dos Inocentes, uma Santa Ceia, o Netuno e a Santa Cecília quando é
fervida no óleo.
Em seguida, Marco Antônio fez um grande número de estampas para Rafael, e este as
doou depois ao Baviera, seu criado, que cuidava de uma sua amante, que amou até a morte e
dela fez um retrato belíssimo64, que parecia viva mesmo, e hoje se encontra em Florença em
posse do gentilíssimo Matteo Botti, mercante florentino, amigo e familiar de toda pessoa
virtuosa e sobretudo dos pintores. O quadro é considerado por ele uma relíquia pelo amor que
tem à arte e particularmente a Rafael. Nem menos preza as obras de nossa arte e os artistas o seu
irmão, Simone Botti, que além de ser considerado por todos nós um dos mais assíduos entre
aqueles que beneficiam os homens desta profissão, é por mim particularmente julgado e
estimado como o melhor e o maior amigo que possa por longa experiência ter caro; além do
bom juízo que tem e demonstra nas coisas da arte. Mas, voltando às estampas, o favor de Rafael
para com o Baviera causou depois o despertar de Marco de Ravenna e de infinitos outros, de
maneira que as gravuras em cobre, antes raras, tiveram aquela difusão que hoje vemos. Daí Ugo
de Carpi com belas invenções, tendo o pensamento voltado para coisas engenhosas e fantásticas,
inventou as estampas em madeira, que com três passagens podem contrafazer a luz, a sombra e
meio tom, o que foi certamente bela e artificiosa invenção, e elas também se tornaram
difundidas, como diremos na vida de Marco Antônio Bolonhês com mais detalhes.
A continuação Rafael fez um retábulo de um Cristo carregando a cruz65, para o mosteiro
de Palermo apelidado de Santa Maria dello Spasimo, dos frades de Monte Oliveto. Esta pintura
é julgada coisa maravilhosa, vendo-se nela a impiedade dos algozes que conduziam à morte
Cristo no Monte Calvário com muita raiva, onde ele, abalado pelo tormento do aproximar-se da
morte, caindo a terra pelo peso da madeira da cruz e molhado de suor e de sangue, se volta até
as Marías, que choram sem parar. Além disso vê-se entre elas Verônica estendendo os braços e
lhe oferecendo um pano, com uma expressão de caridade grandíssima. E a obra é cheia de
soldados armados a cavalo e a pé, os quais saem fora da porta de Jerusalém carregando os
estandartes da Justiça, em poses variadas e belíssimas. Este retábulo totalmente terminado, mas
não ainda instalado no seu lugar, quase que chegou a acabar mal, já que, como dizem, sendo
embarcado para Palermo, uma tempestade horrível bateu contra uma rocha o navio que o
carregava, de maneira que afundou e se perderam os homens e as mercadorias, excluindo apenas
este retábulo, que encaixado como estava, foi levado pelo mar até Genova. Aqui o retábulo foi
recuperado e sendo trazido a terra, foi visto tratar-se de uma coisa divina e por isso foi posto em
depósito, ficando ileso e sem mancha ou defeito algum, já que até a fúria dos ventos e as ondas
do mar tiveram respeito para a beleza de tal obra. Sendo divulgada a notícia, os frades tentaram
recuperar o quadro, e só graças ao favor do papa lhe foi devolvido, depois de remunerar, e muito
bem, aqueles que o resgataram. Depois de reembarca-la então e de conduzi-la na Sicília, a obra
foi colocada em Palermo, onde tem mais renome e reputação do monte de Vulcão.
Enquanto Rafael trabalhava estas obras, que não podia deixar de fazer, sendo destinadas
para pessoas poderosas e destacadas; e ainda não podia recusar por algum seu interesse
particular; não descansava continuando a ordem que começara nos apartamentos do palácio do
Papa, e nas salas, onde continuamente tinha ajudantes que completavam a obra a partir de seus
desenhos, e ele, sempre revendo tudo, supria um peso tamanho da maneira melhor que podia
servindo-se de todos aqueles colaboradores. Não passou muito tempo então, que foi descoberta
a sala da Torre Borgia, na qual fez em cada lado uma pintura, duas acima das janelas e duas
outras nas paredes livres. Numa havia o Incêndio de Borgo Vecchio em Roma 66, quando não
podendo ser apagado o fogo, São Leão III apareceu na sacada do palácio, e com a sua benção o
extinguiu totalmente. Nesta história são representados diferentes perigos. De um lado há
mulheres carregando água para apagar o fogo, com certos vasos nas mãos e sobre a cabeça, e
pela tempestade de vento seus cabelos e suas vestimentas são agitados com uma fúria mais
terrível; outros tentando jogar água, cegados pela fumaça, não reconhecem a si próprio. Do
outro lado é representado um velho doente, desmaiado por causa do mal e das chamas, sendo
carregado por um jovem igual como Virgilio descreve Anquises carregado por Enéas. Na figura
do jovem se vê a coragem e a força, e o esforço de todos os membros do corpo por causa do
peso daquele velho abandonando-se nas suas costas. Segue-o uma velha descalça, e com as
roupas soltas, que anda fugindo o fogo, e há uma criança nua na frente deles. Assim, no topo de
uma ruína, vê-se uma mulher nua muito agitada, a qual pegando a sua criancinha a joga para um
familiar que escampou às chamas, e está na rua na ponta dos pés com os braços estendidos para
receber o menininho em faixas: aqui vemos não menos a ansiedade dela na tentativa de salvar o
seu filho, como o medo pela própria vida, pelo perigo do incêndio violentíssimo que arde perto,
nem menor preocupação se percebe naquele que espera, por causa da criança e pelo medo da
própria morte. Não se pode exprimir o que foi imaginado por este originalíssimo e admirável
artífice na figura de uma mãe, a qual, empurrando para frente os filhos, descalça, solta, sem
cinto, e com os cabelos desarranjados, com um pedaço da roupa na mão, bate neles, para que
fugiam da ruína e do incêndio. Além disso há ainda algumas mulheres ajoelhadas na frente do
papa, que parece implorar sua santidade, para que faça com que o incêndio acabe. A outra
história é do mesmo São Leão III67; onde representou o porto de Ostia ocupado por um exercito
de turcos, que veio para aprisiona-lo. Vêm-se os cristãos lutar no mar contra o exercito, e já no
porto há uma multidão infinita de prisioneiros, e com variadas vestimentas de escravos, os quais
saem de um barco sendo puxados pelas barbas por certos soldados, com belíssimas expressões e
poses de grande bravura. Eles são conduzidos na frente de São Leão, que é o retrato do papa
Leão X, sendo representada Sua Santidade vestido em pontifical entre o cardeal de Santa Maria
em Pórtico, isto é, Bernardo Dovizi da Bibbiena, e o cardeal Giulio de’Medici, que foi depois o
papa Clemente VII. Não é possível tampouco contar com todos os detalhes os extremos
cuidados que este artista muito engenhoso tomou nas expressões dos presos, nas quais, mesmo
sem palavras, é possível reconhecer a dor, e o medo da morte. Nas outras duas pinturas há
quando papa Leão X consagra o rei Cristianíssimo Francisco I da França68, rezando a missa em
pontifical e abençoando os óleos pela unção, junto com a coroa real. Nesta cena, além de um
grande número de cardeais e bispos em pontifical assistindo, foram retratados muitos
embaixadores e assim certas figuras com trajes à moda francesa, como se usava naquela época.
Na outra história Rafael fez a coroação do dito rei, na qual há o papa e Francisco retratados do
natural, um armado, o outro vestido pontificalmente. Além do que, todos os cardeais, bispos,
camareiros, escudeiros, cubiculários, em pontifical, sentados nos seus lugares ordenadamente,
como costuma a capela, são retratados do natural, como Giannozzo Pandolfini, bispo de Tróia,
muito amigo de Rafael, e muitos outros que se destacaram naquele tempo: e perto do rei há uma
criança de joelhos, que carrega a coroa real, retrato de Ippolito de’Medici, que depois foi cardeal
e vice-chanceler, muito prezado e muito amigo não apenas desta virtude, mas de todas as outras.
Eu sou muito obrigado à sua memória, já que os meus começos, quaisquer eles foram, tiveram
origem dele.
Não é possível contar os detalhes dos fatos deste artista, já que tudo o que fez, ainda que
em silêncio, parece falar. Os embasamentos feitos abaixo destas histórias representam várias
figuras de defensores e benfeitores da igreja, emoldurados por telamões em posturas variadas, e
tudo realizado de maneira, que cada coisa evidencia espírito e sentimento e meditação, com
aquela concordância e união de cor entre uma e outra, que não se poderia imaginar melhor.
Sendo que a abobada desta sala fora pintada por Pietro Perugino, seu mestre, Rafael não quis
destruí-la, em homenagem à sua memória e pelo afeto que sentia por ele, tendo sido o começo
da posição que agora ocupava na profissão.
Era tamanha a grandeza deste homem, que tinha desenhistas em toda a Itália, em
Pozzuoli, e até na Grécia; e nunca poupou esforços para ter tudo o que fosse bom e pudesse ser
útil para esta arte. E assim continuando ainda fez uma sala, onde foram pintadas em grisalha
algumas figuras de apóstolos e de santos dentro de nichos69: e Giovanni da Udine, aluno de
Rafael, que em representar os animais é único, nela fez todos os animais que Papa Leão possuía,
o camaleão, os arminhos, os macacos, os papagaios, os leões, os elefantes e outros animais
exóticos. Além disso enfeitou muito este palácio com pinturas grotescas e com pavimentos
vários, deu desenhos para as escadarias papais e as galerias bem começadas pelo arquiteto
Bramante, mas inacabadas pela morte dele, e continuadas depois com o novo desenho e
arquitetura de Rafael, que fez a maquete de madeira, com melhor ordem e ornamentação do que
fizera Bramante70. Querendo o papa Leão mostrar a grandeza da magnificência e da
generosidade sua, Rafael fez os desenhos dos ornamentos de estuque e das histórias que foram
pintadas naquele lugar, e igualmente das partições; e no que diz respeito aos estuques e às
grotescas escolheu como chefe daquela obra Giovanni da Udine, e para as figuras Giulio
Romano, ainda que pouco trabalhasse nelas, assim Giovan Francesco, o Bologna, Perino del
Vaga, Pellegrino da Modena, Vincenzo da San Gimignano, e Polidoro da Caravaggio, com
muitos outros pintores que fizeram histórias e figuras, e outras coisas necessárias para toda
aquela obra, a que Rafael deu um acabamento tão perfeito, que mandou vir de Florença o piso
realizado por Luca della Robbia71. Nessa obra não se poderia imaginar nem fazer melhor, nas
pinturas, nos estuques, nas partições e nas outras belas invenções. Este foi o motivo por que
Rafael teve o encargo de realizar todas as coisas de pintura e de arquitetura que se faziam no
palácio.
Dizem que a amabilidade de Rafael foi tamanha que, para que ele hospedasse seus
amigos, os pedreiros não construíram os muros completamente cheios, mas deixaram encima
das salas antigas inferiores algumas aberturas e vãos para poder colocar tonéis, suprimentos e
madeiras, e estas aberturas e vãos enfraqueceram as sustentações da construção. Assim foi
necessário preenche-los todos, já que começavam a desmoronar. Rafael mandou que Giovanni
Barile72 fizesse todas as portas, e as molduras em madeira, muitas coisas entalhadas, trabalhadas
e acabadas com esmero. Fez desenhos de arquitetura para a vila do papa73, e para muitas
mansões no Borgo, em particular para o palácio do senhor Giovanni Battista dell’Aquila74, o
qual foi uma coisa belíssima. Desenhou também um palácio para o bispo de Tróia que mandou
realiza-lo em Florença, na Via di San Gallo75. Fez o retábulo do altar-mor para os frades negros
de San Sisto em Piacenza, onde há Nossa Senhora, com São Sisto, e Santa Bárbara, coisa muito
rara de verdade e única76. Fez muitos quadros para a França, e em particular, para o rei, um São
Miguel lutando com o diabo, considerado maravilhoso77. Nesta obra representou o centro da
terra como uma rocha árida, de cujas fendas saiam chamas de fogo e de enxofre, e nela Lúcifer
todo queimado e com os membros abrasados, com encarnação de diferentes tintas. Nele se
percebiam todos os tipos de cólera, que a soberba envenenada e reprimida excita contra quem
oprime a grandeza daquele que foi privado de reino onde havia paz, seguro de dever
continuamente sofrer a pena. O contrario se vê no São Miguel: ainda que tenha uma expressão
celeste, vestido com armas de ferro, e de ouro, não de menos possui bravura, força e incute
terror, ao abater Lúcifer jogando-o no chão com uma zagaia. Em suma, a obra foi tão perfeita
que mereceu receber uma retribuição muito honrada do rei.
Retratou Beatrice Ferrarese e muitas outras mulheres, em particular a sua78. Foi Rafael pessoa
muito amorosa e dedicada com as mulheres, sempre foi disposto a seus serviços. O que foi
causa de que, procurando sempre os deleites sensuais, foi ajudado e mimado pelos seus amigos,
talvez mais do que seria conveniente. Assim quando Agostino Chigi, muito amigo dele, lhe
encomendou a pintura da abobada da primeira galeria no seu palácio79, Rafael não conseguia
trabalhar muito por causa da paixão que tinha por uma mulher. Por isso Agostino desesperou-se
ao ponto de que, por meio de outros, e pessoalmente, com dinheiro, conseguiu que aquela
mulher fosse habitar na sua casa, naquela parte onde Rafael trabalhava, e assim a obra chegou
ao fim.
Para esta obra Rafael fez todos os desenhos e pintou em fresco muitas figuras de sua
própria mão. Na abobada fez o Concilio dos Deuses no céu, onde se podem ver na sua forma
vestimentas e feições tiradas do antigo representadas com muita habilidade e desenho. Assim
fez as núpcias de Psique com criados que servem Júpiter, e as Graças que espalham flores na
mesa, e nas lunetas e arcos da abobada fez muitas histórias. Entre elas há Mercúrio tocando a
flauta, que voando parece descer do céu, e numa outra há Júpiter beijando Ganímedes com
gravidade celeste, e assim abaixo há o carro de Vênus, e as Graças que, com Mercúrio,
conduzem Psique ao céu, e muitas outras histórias poéticas nas outras lunetas. E nos arcos entre
uma luneta e outra, há muitos anjinhos em perspectiva, muito belos, os quais voando carregam
todos os instrumentos dos deuses, os raios de Júpiter; os capacetes, as espadas e os escudos de
Marte, os martelos de Vulcão, a clava e a pele de leão de Hércules, o caduceu de Mercúrio, a
flauta de Pan, os rastelos de Vertumno, e todos têm animais adequados ao caráter deles, pintura
e poesia de verdade muito bela.
Rafael mandou Giovanni da Udine fazer ao redor das histórias uma moldura de flores e
de frutas em festões, que não poderiam ser mais belos. Fez também o desenho das estrebarias de
Chigi, e na igreja de Santa Maria del Popolo, a ordem da capela do citado Agostino80, na qual,
além de pintar, mandou fazer uma maravilhosa sepultura, e encomendou a Lorenzetto, escultor
florentino, duas figuras81, que ainda se encontram na casa dele no Macello de’Corbi em Roma.
Mas a morte de Rafael e depois de Agostino foi motivo por que depois a coisa foi dada a
Sebastiano Veneziano82.
A fama de Rafael alcançou tal grandeza que Leão X ordenou começasse a pintura da
sala grande de cima, onde são figuradas as vitórias de Constantino, que foi começada por ele83.
Igualmente o papa teve vontade de fazer tapeçarias riquíssimas de ouro, e de seda em fios, e
para essa obra Rafael fez de sua própria mão todos os desenhos e modelos coloridos do tamanho
e da forma da obra acabada, os quais foram enviados em Flandres, para serem tecidos, sendo as
tapeçarias, depois de acabadas, enviadas a Roma84. Este trabalho foi tão milagrosamente
realizado, que faz maravilha ver, e pensar como seja possível que as barbas e os cabelos sejam
tecidos, e que os fios semelhem à maciez das carnes, mais um milagre que obra de arte humana,
já que nela há águas, animais, edifícios, e tão bem feitos, que não parecem tecidos, mas pintados
realmente com o pincel. Este conjunto custou setenta mil escudos, e ainda se guarda na capela
papal. Para o cardeal Colonna fez um São João sobre tela85, que o mesmo amava muitíssimo
pela sua beleza. Encontrando-se gravemente doente o cardeal, o quadro foi pedido como
presente pelo seu médico, Girolamo da Carpi, que o curou, e para satisfazer este desejo, o
próprio cardeal privou-se da obra, opinando ser infinita a sua obrigação, e agora a pintura
encontra-se em Florença em posse de Francesco Benintendi. Para o cardeal Giulio de’Medici,
Vice-chanceler, Rafael pintou um retábulo da Transfiguração de Cristo86, para ser enviado à
França, e ele próprio, trabalhando continuadamente na obra, a conduziu até o último
acabamento. Nesta pintura representou Cristo transfigurado no Monte Tabor, e aos pés do
monte os onze apóstolos esperando. Nela vê-se um adolescente possesso sendo conduzido para
que Cristo descendo do monte o liberte. Contorcendo-se freneticamente, gritando, e arregalando
os olhos, o adolescente evidencia o seu sofrimento na carne, nas veias, nos pulsos contaminados
pelo espírito maligno, e com encarnado pálido faz aquele gesto forçado e medonho. Esta figura
é sustentada por um velho, que a abraçando, e tomando coragem, de olhos arregalados, com a
luz no meio, levantando as sobrancelhas, e franzindo a testa, mostra ao mesmo tempo a força e o
medo. No entanto, olhando fixamente para os apóstolos, inspirando-se neles, parece dar
coragem a si próprio. Há uma mulher entre muitas, que é a figura principal deste retábulo, a qual
ajoelhada na frente daqueles, voltando a cabeça para trás, e estendendo os braços em direção do
menino possesso, evidencia o sofrimento daquele. Entre os apóstolos, alguns de pé, outros
sentados, outros de joelho, expressam profunda compaixão por tamanha desgraça. E de verdade,
além da beleza extraordinária, Rafael fez nesta pintura figuras e cabeças tão novas, variadas e
belas, que é opinião comum entre os artistas que ela seja a mais celebrada, a mais bela, a mais
divina entre todas as que ele fez. Portanto quem quiser conhecer e mostrar na pintura Cristo
transfigurado na divindade, olhe-o nesta obra, na qual Rafael o figurou encima deste monte, no
céu que resplandece de longe, com Moisés e Elias, que iluminados pela claridade, se tornam
vivos na sua luz. Prosternados no chão estão Pedro, Thiago e João, em posturas variadas e belas,
um põe a cabeça à terra, outro ao fazer sombra aos olhos com a mão, defende-se dos raios e da
imensa luz do esplendor de Cristo. Este, vestido da cor da neve, abrindo os braços, e levantando
a cabeça, parece que mostra a essência e a divindade de todas as três pessoas juntas unidas à
perfeição da arte de Rafael. Ao que parece, o mestre tanto se concentrou no rosto de Cristo, com
a sua virtude, para ultrapassar os limites e mostrar o valor da sua arte, que, depois de terminá-lo,
como se fosse a última coisa que devesse fazer, não tocou mais nos pinceis, pois o alcançou a
morte.
Agora87, depois de descrever as obras deste muito excelente artista, antes que eu comece a falar
de outros detalhes de sua vida e de sua morte, não quero que pareça demais discursar um pouco
sobre os estilos de Rafael por ser de utilidade para os nossos artistas. Este, tendo imitado,
quando garoto, o estilo de seu mestre Pietro Perugino, tornando-o melhor, pelo desenho, pela
cor e pela invenção e achando ter feito grande coisa, quando maior, percebeu estar muito longe
da verdade. De fato, ficou espantado e maravilhado vendo as obras de Leonardo da Vinci, que
não teve par na expressão das cabeças, tanto de homens como de mulheres, assim como em dar
graça e movimento às figuras ultrapassou todos os pintores. Gostando da maneira de Leonardo
mais de qualquer outro que já tivesse visto, Rafael começou a estudá-la e deixando de lado, aos
poucos e com muito esforço, aquela de Pietro, tentou, o mais que soubesse e pudesse, imitar a
de Leonardo. Contudo, a pesar de todos seus estudos e cuidados, em algumas dificuldades
nunca conseguiu ultrapassar Leonardo, e ainda que alguns achem que o fizesse pela suavidade e
por certa facilidade natural, no entanto, nunca lhe foi superior num certo impressionante poder
imaginativo e técnico, em que poucos puderam igualar aquele mestre. Porém Rafael foi o que
lhe chegou mais próximo entre todos os pintores sobretudo pela beleza das cores.
Mas, voltando a Rafael, a maneira que apreendeu de Pietro quando era moço lhe criou
muitas dificuldades e obstáculos ao longo do tempo. Ele a assimilou facilmente por ser
detalhista, árida e com pouco desenho, e o fato de não poder esquece-la foi causa de que teve
muita dificuldade em apreender a beleza dos nus e os escorços difíceis no grande cartão que
Michelangelo Buonarroti fez para a Sala do Conselho do Palácio de Florença. Outra pessoa teria
desistido, achando ter perdido seu tempo até então, e, mesmo que tivesse belíssimo engenho,
nunca faria o que fez Rafael. Ele, livrando-se como de uma doença daquela maneira de Pietro
para apreender a de Michelangelo cheia de dificuldades em todas partes, de mestre que era,
tornou-se quase novamente aluno, e esforçou-se com dedicação incrível, sendo já um homem,
para fazer em poucos meses o que seria necessário fazer naquela idade em que melhor se
apreende tudo e no espaço de muitos anos. Na verdade, quem não apreende bem cedo os bons
princípios e o estilo que quer seguir e aos poucos não vai facilitando as dificuldades da arte com
a experiência, tentando entende-las e pô-las em prática, quase nunca será perfeito, e ainda que
seja, necessitará mais tempo e muito mais trabalho. Quando Rafael decidiu mudar e melhorar
seu estilo, nunca trabalhara os nus com o estudo necessário, mas apenas os retratara do vivo,
como via seu mestre Pietro fazer, acrescentando o sentido da beleza que a natureza lhe dera.
Começou então estudar os nus e verificar os músculos das anatomias e dos homens mortos e
esfolados com aqueles dos vivos, que não aparecem, sendo cobertos pela pele, acabados da
maneira que fazem retirando-a. Observando depois em que maneira os mesmos se tornam
carnosos e suaves em seus lugares e como, mudando os pontos de vista, mostrem a beleza de
certas curvas, e igualmente os efeitos do levantar-se e descer de um membro ou de todo o corpo,
e, além disso, o encadeamento dos ossos, dos nervos e das veias, tornou-se excelente em todas
as partes que se requerem num ótimo pintor. Porém, percebendo que nessa parte também não
poderia alcançar a perfeição de Michelangelo, sendo homem de grandíssimo juízo, considerou
que a pintura não consiste apenas em fazer os nus, mas que ela possui um território muito amplo
e que, entre os perfeitos pintores, podem ser numerados também os que sabem expressar bem e
com facilidade as invenções das histórias e suas fantasias. Quem sabe como não tornar as
composições confusas por excesso, ou pobres por defeito, quem sabe ajusta-las com bela
invenção e ordem também pode se chamar de valioso e ajuizado artífice. A isso pode se
acrescentar, assim como bem pensou Rafael, a variedade e a extravagância das perspectivas, dos
edifícios, das paisagens, a maneira atrativa de vestir as figuras, fazer com que elas às vezes
sejam escondidas na sombra e outra vez se destaquem pela luz, fazer belas e vivas as cabeças
das mulheres, das crianças, dos jovens e dos velhos e dar para eles, conforme a necessidade,
movimento e força. Considerou também como é importante a fuga dos cavalos nas batalhas, a
coragem dos soldados, o saber retratar todos os tipos de animais e sobretudo, nos retratos, faze-
los semelhantes que pareçam vivos e se conheça quem representam e outras coisas infinitas,
como são as vestimentas: trajes, calçados, capacetes, armaduras, penteados de mulheres,
cabelos, barbas, vasos, árvores, grutas, pedras, fogos, céus turvos ou serenos, nuvens, chuvas,
raios, serenos, noites, luares, esplendores do sol e infinitas outras coisas que sempre comportam
as necessidades da arte da pintura.
Refletindo sobre tudo isso, digo, Rafael, não podendo alcançar Michelangelo naquela
parte onde começara a trabalhar, decidiu querer nestas outras iguala-lo e talvez o ultrapassar.
Assim resolveu não imitar a maneira dele, para não perder em vão seu tempo, mas começou a se
fazer um ótimo universal em estas outras partes que dissemos. E se assim fizessem muitos
artistas de nosso tempo que, por seguir apenas o estudo das obras de Michelangelo, não o
imitaram, nem puderam alcançar tamanha perfeição, não teriam trabalhado em vão, nem criado
um estilo muito duro, cheio de dificuldades, sem beleza, sem cores, pobre na invenção, ao em
vez de tentar ser universais e imitar as outras partes, sendo úteis a eles próprios e ao mundo.
Tendo tomado então essa resolução, Rafael viu que Frade Bartolomeo di San Marco tinha uma
maneira muito boa de pintar, desenho bem fundamentado e uma maneira muito agradável nas
cores, mesmo que utilizasse demais as cores escuras para dar maior relevo. Então pegou dele o
que achou preciso seguindo suas necessidades e preferências, isto é algo médio na maneira de
fazer no desenho assim como nas cores. Misturando com estes alguns outros elementos
escolhidos nas obras melhores de outros mestres, conseguiu fazer de muitos estilos um só, que
foi considerado como seu próprio, e que será sempre estimado infinitamente pelos artistas. E
isso se viu depois perfeito nas Sibilas e nos Profetas da obra que fez, como eu disse, em Santa
Maria della Pace. Para fazer esta obra lhe foi muito útil ter visto a obra de Michelangelo na
capela do Papa. E se Rafael tivesse ficado parado nesta sua maneira, sem tentar engrandece-la e
varia-la, para demonstrar que entendia os nus tão bem quanto Michelangelo, não teria perdido
parte daquela boa fama que adquirira. De fato, os nus que ele fez na câmara da Torre Borgia,
onde se encontra o Incêndio do Borgo Nuovo, ainda que sejam bons, não são em tudo
excelentes. Da mesma forma, não agradaram aqueles que fez na abobada do palácio de Agostino
Chigi em Trastevere, já que carecem daquela graça e daquela suavidade que foi própria de
Rafael. Isso se deve em grande parte também ao fato de que foram pintados por outros a partir
dos seus desenhos. Emendando-se por este engano, sendo pessoa judiciosa, quis trabalhar
depois só e sem a ajuda de outros o retábulo da Transfiguração de Cristo para San Pietro in
Montorio, no qual existem aquelas partes que precisa e deve ter uma excelente pintura. E se,
nesta obra, não tivesse utilizado por vontade o negro-de-fumo dos gravadores, o qual, por sua
natureza, como eu disse, se torna cada vez mais escuro com o tempo, e afeta a todas as outras
cores com que foi combinado, acredito que aquela obra estaria ainda tão nova como quando ele
a fez, enquanto hoje ela parece um tanto mais carregada nas tintas que outrora.
Quis fazer este discurso quase no final desta vida para mostrar com quanto trabalho,
estudo e zelo sempre se governou este honrado artista e, sobretudo, como algo útil para os
demais pintores, para que saibam superar aqueles obstáculos como soube a prudência e a virtude
de Rafael. Acrescentarei também o seguinte: cada um deveria contentar-se em fazer com
vontade aquelas coisas para as quais se sente inclinado pelo talento natural, e não querer, por
competir, pôr a mão no que não lhe foi concedido pela natureza, para não trabalhar em vão e
muitas vezes com vergonha e prejuízo. Além disso, quando é suficiente o fazer, não se deve
tentar fazer demais para ultrapassar aqueles que, por grande ajuda da natureza e por graça
particular dada por Deus, fizeram ou fazem milagres na arte. Já que quem não for apto para
alguma coisa, canse-se mesmo quanto puder, nunca poderá chegar onde um outro, com a ajuda
da natureza, caminha sem dificuldade. Tenha-se como exemplo, entre os mais velhos, Paolo
Uccello, que se cansando de lutar contra o que podia para ir para frente, sempre foi para trás. O
mesmo fez nos dias de hoje, e faz pouco tempo, Jacopo Pontormo. Vemos isso por experiência
em muitos outros, como eu disse e como direi. Isso talvez aconteça porque o Céu vai
distribuindo as graças para que cada um fique contente com a que lhe toca. Mas agora, tendo
falado sobre estes assuntos da arte talvez mais do que fosse preciso, para voltar à vida e à morte
de Rafael, digo que, tendo ele muito estreita amizade com Bernardo Dovizi cardeal de Bibbiena,
o cardeal por muitos anos o importunara para dar-lhe uma esposa, e Rafael nunca abertamente
recusara fazer a vontade do cardeal, mas sempre adiara a coisa, dizendo querer esperar mais três
ou quatro anos. Acabado este prazo, quando Rafael não esperava, o cardeal lhe lembrou da
promessa, e vendo-se obrigado, por cortesia, não quis faltar à sua palavra e aceitou como esposa
uma sobrinha do próprio cardeal. Mas sendo muito malcontente com este laço, foi adiando
novamente, e muitos meses passaram, e o matrimonio não foi consumado. Rafael fez isso não
sem alguma honrada razão, já que sendo credor do papa Leão por um valor elevado, lhe foi
insinuado que, uma vez acabada a sala que fazia para ele, o papa lhe daria um chapéu vermelho
como retribuição das suas fadigas e das suas virtudes, sendo que deliberara nomear um bom
número de cardeais, e, entre eles, alguns de menor mérito de Rafael. No entanto, dedicando-se
aos seus amores às escondidas, Rafael continuou sem regras seus prazeres amorosos, e assim
aconteceu que uma vez entre outras passou a medida mais do usual, e voltou em casa com uma
grandíssima febre. Os médicos acreditaram que fosse acalorado. Dai não confessando ele o
excesso cometido, com pouca prudência, eles lhe tiraram sangue, de forma que, enfraquecido, se
sentia desmaiar, quando, pelo contrário, precisava recuperar-se. Então fez testamento, e antes,
como cristão, mandou a amada sair de sua casa, e lhe deixou recursos para viver honestamente;
depois dividiu suas coisas entre os seus discípulos, Giulio Romano que sempre amou muito,
Giovan Francesco Fiorentino dito il Fattore, um tal padre de Urbino seu parente. Ordenou
depois que com seus bens em Santa Maria della Rotonda fosse restaurado um altar dos antigos,
com pedras novas, e ali fossem feitos um altar com uma estátua de Nossa Senhora de mármore,
a qual escolheu como sua sepultura, e descanso. Deixou todos seus bens para Giulio e Giovan
Francesco, nomeando executor do seu testamento o senhor Baldassarre da Pescia, então Datário
do Papa. Depois de confessar-se e arrepender-se acabou o curso da sua vida no mesmo dia em
que nasceu que foi numa Sexta-feira Santa, com trinta e sete anos de idade. A sua alma, deve-se
acreditar, como enfeitou o mundo com suas virtudes, assim fez de si própria ornamento para o
céu. Depois de sua morte, colocaram na sala onde trabalhava, atrás do seu corpo, o retábulo da
Transfiguração, e ao ver ele morto, e a obra viva, todos os que olhavam sentiam a alma quebrar-
se pela dor. O retábulo, devido à perda de Rafael, foi colocado pelo cardeal no altar-mor de San
Pietro in Montorio, e foi sempre muito prezado pela originalidade de todas as poses das suas
figuras. A dor pela morte de Rafael foi grandíssima para toda a corte do papa, em primeiro lugar
por ter ele durante a sua vida um cargo de cubiculário, e depois por ser tão querido pelo papa, o
qual chorou amargamente pela sua morte. O feliz, e bem-aventurada alma, pois todo mundo fala
com prazer de ti, e celebra teus fatos, e admira cada desenho guardado. Bem podia a pintura,
quando este ilustre artista morreu, morrer junto com ele, já que quando ele fechou seus olhos,
ela quase cega ficou. Agora para nós que depois dele vivemos resta imitar o bom, ou melhor, o
ótimo modo por ele deixado como exemplo, e como merece a sua virtude, e a nossa gratidão,
manter na nossa mente a mais agradecida lembrança, e honrar sempre quanto mais podemos a
sua memória com nossas línguas. Já que graças a ele nós temos a arte, as cores, e a invenção,
conduzidas em conjunto àquele fim, e àquela perfeição que apenas podíamos esperar. E jamais
ninguém pense poder um dia ultrapassa-lo. E além deste benefício que ele deu à arte, como seu
amigo, não deixou durante a vida de ensinar como se tratam os homens grandes, os medianos, e
os mais baixos. E certamente, entre os seus dotes singulares, vejo um de tal valor, que me deixa
estupefato: o céu lhe deu força para mostrar na nossa arte um sentimento tão contrário ao
temperamento de nós pintores. Naturalmente os nossos artífices, eu não digo apenas os mais
modestos, mas aqueles que acreditam ser grandes (e deste tipo a arte produz infinitos)
trabalhando nas obras em companhia de Rafael, ficavam vencidos, e em tamanha concórdia, que
ao ver ele, todos os maus humores se apagavam, e todo mesquinho e baixo pensamento caia da
sua mente. Esta união não houve nunca mais, a não ser no seu tempo, e isso acontecia porque
ficavam vencidos pela sua cortesia e pela sua arte, e mais ainda pela característica inata de seu
bom temperamento, que era tão cheio de gentileza, tão repleto de caridade, que até os animais,
se via, o honravam, não apenas os homens. Dizem que todo pintor que o conhecesse, e ainda
que não o conhecesse, se lhe pedisse por favor algum desenho que necessitasse, Rafael deixaria
a sua própria obra para ajuda-lo. E sempre teve infinitos colaboradores, ajudando-os e
ensinando-os com aquele amor que não para com outros artífices, mas para com os seus
próprios filhos seria conveniente. Por tal razão se via que nunca ia à corte, sem que saindo de
casa não tivesse consigo cinqüenta pintores, todos habilidosos e competentes, que o
acompanhavam para honrá-lo. Em suma, ele não viveu como um pintor, mas como um príncipe;
portanto, arte da pintura, tu podias considerar-te felicíssima, tendo um teu artista que pelas suas
virtudes e costumes te elevava ao céu. Bem-aventurada de verdade podias chamar-te já que pelo
exemplo de tal homem teus alunos viram como se deve viver, e como é importante ter
juntamente arte e virtude, as quais conjuntas em Rafael induziram a grandeza de Julio II e a
generosidade de Leão X, no sumo lugar e dignidade em que estavam, estreitar intima
familiaridade com ele, e conceder-lhe todo tipo de liberalidade, com o seu favor, o com as suas
riquezas, fazendo ao mesmo tempo a si próprio e à arte grandíssima honra. Bem-aventurado
ainda pode se dizer quem, estando ao seu serviço, trabalhou sob a sua direção, pois acho que os
que o imitaram, todos alcançaram um honesto porto; assim aqueles que imitarão suas obras
serão honrados pelo mundo, e imitando seus costumes serão retribuídos pelo Céu. Teve Rafael
este epitáfio escrito pelo Bembo:
1
O texto de Vasari começa contrapondo implicitamente o temperamento terrível de Michelangelo e da
sua arte ao temperamento agradável, unindo afabilidade e humanidade, de Rafael. Este último torna-se o
protótipo social do novo artista, capaz de tratar com todo tipo de pessoas, desde seus colegas aos
poderosos das grandes cortes da época. Vasari parece ver em Rafael um artista completo que ultrapassa o
gênio solitário e incompreensível de Michelangelo.
2
Rafael é apelidado de “gracioso” no começo da vida, e a graça é um dos principais atributos da sua arte.
No dizer de Plotino, a graça é algo maior da beleza. Esta é formada pela harmonia das proporções e pela
simetria das partes. É, portanto, uma qualidade essencialmente física. A graça une à beleza um elemento
moral: a afabilidade, a qualidade de mostrar-se acessível e humano.
3
Aqui o termo “estudo” é utilizado em um sentido próximo à palavra latina “studium”, é o amor para a
perfeição do trabalho começado, a diligência e o cuidado extremo na sua execução. Essa qualidade será
evidenciada pela capacidade de Rafael de mudar o seu estilo, tornando-se de mestre aluno, cada vez que a
sua capacidade crítica lhe indicará um caminho inovador para melhorar a sua arte.
4
Rafael nasceu em Urbino em 6 de abril de 1483. Em 1495 já se encontrava no ateliê de Perugino. Desde
1504 esteve em Florença onde foi influenciado de forma decisiva pelas obras de Leonardo e
Michelangelo, e estreitou uma amizade com Fra’Bartolomeo. Desde 1508 instalou em Roma, onde
morreu em 1520.
5
Ignora-se a data exata do nascimento de Giovanni Santi, pai de Rafael, possivelmente entre 1435 e
1440. Em 1469 documentos atestam um contato dele com Piero Della Francesca. De sua autoria é o
retábulo do Município de Gradara, de 1484. Em 1489 pintou os retábulos do mosteiro de Montefiorentino
em Piandimeleto e o Retábulo Buffi em Urbino. Foi autor de um poema sobre a vida de Federico da
Montefeltro (1482) e de outro sobre os pintores de seu tempo, que conheceu nas numerosas viagens na
Toscana, a Veneza, Ferrara, Milão. Atuou também no campo do teatro para a corte de Urbino. Em 1480
casou-se com Magia, filha de Battista Ciarla, abastado mercante daquela cidade. Morreu em 1494 quando
Rafael estava apenas com 11 anos de idade. O relato de Vasari sobre o papel do pai na infância e na
formação de Rafael, ainda que possuindo certamente elementos verídicos, deveria ser revisto à luz da
crítica.
6
Na Bíblia, Rafael é o nome do arcanjo que guia Tobias para que possa curar a cegueira do seu pai.
7
Rafael tinha apenas onze anos de idade quando o seu pai morreu. Portanto esta notícia de Vasari não
parece verossímil.
6
Coroação de Nossa Senhora e Santos. Pala degli Oddi, óleo sobre tela, 267 x 163 cm. Roma, Pinacoteca
Vaticana. O retábulo foi encomendado a Rafael em 1502 por Maddalena degli Oddi para a igreja de San
Francesco de Perugia. Em 1797, durante a ocupação francesa do Estado Pontifício, a pintura foi
transportada a Paris, e transferida sobre um suporte em tela. Em 1815 o quadro voltou à Itália e entrou no
Museu Vaticano. A obra é geralmente datada de 1502-3.
9
Retábulo do Beato Nicolau de Tolentino. Foi encomendado a Rafael e a Evangelista de Pian de Meleto
em 10 de dezembro de 1500, para a capela da família Baronci, na igreja de Sant’Agostino em Città di
Castello, sendo acabada em 13 de setembro de 1501. Gravemente danificado por um terremoto em 1789,
o retábulo foi desmembrado. Os fragmentos foram adquiridos no mesmo ano pelo papa Pio VI, e ficaram
na Pinacoteca Vaticana até 1849, quando foram dispersos. O conjunto pode ser reconstruído baseado
numa réplica, provavelmente do século XVIII, conservada na Pinacoteca de Città di Castello
(antigamente no convento das freiras de Santo Agostinho), e sobretudo em desenhos preparatórios no
acervo do Musée Wicar de Lille. Hoje os fragmentos conhecidos são os seguintes: Um Anjo, óleo sobre
madeira, 31 x 27 cm., Brescia, Pinacoteca Tosio Martinengo; O Pai Eterno com querubins e Nossa
Senhora, (geralmente atribuído a Evangelista di Pian di Meleto), óleo sobre painel, 112 x 115, Nápoles,
Museo di Capodimonte; O Beato Nicolau ressuscitando duas pombas, O Beato Nicolau socorrendo uma
criança afogando, Detroit, Institute of Arts. A execução do retábulo deve-se a ajudantes, mas a idéia
geral é de autoria de Rafael, como demonstram os desenhos de Lille, certamente autógrafos, cuja alta
qualidade e maior soltura em relação ao Perugino foram evidenciados por Longhi, Ortolani e Brizio. Esta
estudiosa percebe no retábulo a influência de Leonardo, o que sugeriria uma estada de Rafael em
Florença, com Perugino, antes de 1504. A este momento da atividade de Rafael pode ser reconduzido o
pequeno retábulo com a Resurreição do acervo do Museu de Arte de São Paulo, no qual a intervenção do
mestre deveria ser limitada à fase dos desenhos e à execução de algumas figuras.
10
Retábulo de Città di Castello. Cristo crucificado com dois anjos, Nossa Senhora e os santos Jerônimo,
Madalena e João Evangelista, (Crucificação Mond), óleo sobre painel, 279 x 166, Londres, National
Gallery. Realizado para a Capela Gavari na igreja de San Domenico de Città di Castello, foi adquirida por
um colecionador francês e entrou no acervo da coleção do Cardeal Fesch (1818) e do Príncipe de Canino
(1845). Passou depois em várias coleções inglesas até chegar na Mond de onde foi adquirida pela
National Gallery de Londres. É assinada aos pés da cruz. O altar para o qual a obra foi destinada estava
datado de 1503, o que leva a datar a obra no mesmo ano ou no ano anterior. Dois fragmentos do degrau
encontram-se em Lisboa e em Richmond.
11
Casamento de Nossa Senhora, (datado 1504), óleo sobre painel, 170 x 117 cm., Milão, Pinacoteca di
Brera. Assinado e datado nos arcos do templo. Foi encomendado pela família Albizzini para a capela de
San Giuseppe na igreja de San Francesco na Città di Castello, onde esteve até 1789, quando a cidade foi
obrigada a doar a pintura ao general francês Lechi, que a vendeu ao marchand Sannazzari. Este a deixou
como herança ao Ospedale Maggiore de Milão em 1804. Adquirida pelo general Beauharnais em 1806 foi
destinada à Accademia di Belle Arti di Milão. Há desenhos preparatórios no Ashmolean Museum em
Oxford e no British Museum em Londres. Com muita precisão Vasari destaca essa obra como o
momento em que Rafael ultrapassa o estilo do mestre, como pode ser confirmado comparando o retábulo
com o mesmo tema pintado por Perugino para a catedral de Perugia, hoje no museu de Caen (1503-4). O
biógrafo ressalta sobretudo o domínio da arquitetura e da perspectiva no jovem pintor, talvez devida à
relação com Francesco di Giorgio Martini, e a delicadeza da execução derivada da observação do
tratamento da luz nas obras de Leonardo.
12
As pinturas para a biblioteca foram encomendadas a Pinturicchio em 1502, pelo cardeal Francesco
Piccolomini, papa com o nome de Pio III, não Pio II.
13
Histórias da Vida de Enea Silvio Piccolomini, realizadas pelo ateliê de Pinturicchio entre 1502 e 1503,
frescos, Siena, Duomo, Libreria Piccolomini. Fischel e Gamba atribuem a Rafael dois desenhos para os
frescos do Encontro do Imperador Frederico III com Dona Leonor de Portugal e Enea Silvio Piccolomini
viajando a Basiléia para o Concilio (Florença, Museo degli Uffizi).
14
Trata-se dos cartões para a Batalha de Anghiari de Leonardo e a Batalha de Cascina de Michelangelo,
que deveriam ornamentar a Sala do Conselho do Palazzo Vecchio em Florença.
15
Erudito florentino amigo do cardeal Pietro Bembo, e de Michelangelo, do qual possuiu um famoso
relevo redondo de mármore, conhecido como Tondo Taddei, hoje no Museo Nazionale del Bargello em
Florença.
16
Sagrada Família da Palma (1506), óleo sobre painel, diam. 101 cm., Londres, Coleção Ellesmere.
Nossa Senhora com o Menino e o pequeno São João Batista (Madonna del Prato, Madonna del
Belvedere), óleo sobre painel, 113 x 88 cm. Viena, Kunsthistorisches Museum.
17
Nossa Senhora com o menino e o pequeno São João, Nossa Senhora do Pintassilgo, óleo sobre painel,
107 x 77 cm., Florença, Uffizi, Rafael realizou a obra na ocasião do casamento de Lorenzo Nasi entre o
final de 1505 e janeiro de 1506. A obra foi danificada pelo incêndio em 12 de novembro de 1547, como
corrige Milanesi, (IV, 322). Foi restaurada por Michele di Ridolfo del Ghirlandaio. Chegou no Museo
degli Uffizi em 1666, procedendo da coleção do cardeal Carlo de’Medici.
18
Provavelmente trata-se da Sagrada Família, óleo sobre painel, 74 x 57 cm., São Petersburgo,
Ermitage, procedente da coleção Crozat,conhecida pela característica presença de um São José imberbe; e
da Nossa Senhora com o Menino, Nossa Senhora Orléans, óleo sobre painel, 29 x 21 cm., Chantilly,
Musée Conde.
19
L’Alippi (RBAI, 1915) publicou algumas cartas que provam que Elisabetta, esposa de Guidubaldo,
doou a obra ao frade Michele da Firenze. Os frades de Camaldoli ofereceram-na a Guidobaldo II, duque
de Urbino em 1570. Uma carta de 6 de maio de 1506, de Pietro Bembo ao frade Michele da Firenze,
anuncia a finalização do quadro. Passavant o assinala na coleção Fuller Maitland em Stanthead. Desde
então o destino da obra é desconhecido.
20
Retábulo Ansidei. Do retábulo permanecem o painel central, Nossa Senhora com o Menino entre são
João Batista e São Nicolau, 274 x 152, óleo sobre painel, Londres, National Gallery, e um fragmento do
degrau representando a Pregação de São João Batista, 26 x 53,3 cm., Londres, Coleção Mersey. O
degrau era composto de outros dois painéis figurando o Casamento de Nossa Senhora e um Milagre de
São Nicolau. O painel central foi comprado em 1764 na igreja de San Fiorenzo dei Servi di Maria em
Perugia pelo inglês Lord R. Spencer, que se comprometeu substitui-lo com uma cópia de Nicola Monti.
Depois passou na coleção do Duque de Malborough, de onde chegou na colocação atual (1885). A data,
colocada no manto da Nossa Senhora, abaixo da mão esquerda, é interpretada de maneira variada. 1505,
1506, ou 1507. Seguindo a opinião mais aceita, tratar-se-ia de uma obra começada por Rafael antes da sua
viagem a Florença e terminada durante uma estada em Perugia talvez em 1506.
21
Trindade e santos, afresco, base cm. 389, Perugia, igreja do mosteiro de San Severo, 1507-8. Os santos
são hoje identificados como Mauro, Plácido e Bento, à esquerda, Romualdo, Benedito mártir e João
mártir, à direita. Na faixa inferior em 1521 Pietro Perugino afrescou mais seis figuras de santos de pé.
Numa inscrição à esquerda, na base da parede, se lê: “Raphael de Urbino D. Octaviano Stephani
Volaterrano priore Sanctam Trinitatem angelos astantes sanctosque pinxit A. D. MDV”. A data de 1505
no entanto não parece aceitável baseado no estilo das pinturas. Já Cavalcaselle hipotizou que pudesse ser
referida ao começo do trabalho. A. Venturi seguido por quase todos os críticos posteriores julgou a
inscrição muito posterior ao afresco, cuja execução é fixada ao ano de 1507-8, pouco antes de Rafael se
mudar definitivamente a Roma.
22
Retábulo Colonna. Deus Pai entre dois anjos, óleo sobre painel, 30 x 68 cm., New York, Metropolitan
Museum; Nossa Senhora com o menino em trono com cinco santos, óleo sobre painel, 68 x 68 cm., New
York, Metropolitan Museum; Santo Franciscano, Santo Antonio de Pádua, óleo sobre painel, 24 x 16
cm., Dulwich, College Gallery; Oração no Jardim das Oliveiras, óleo sobre painel, 24 x 28 cm. New
York, Metropolitan Museum, Nossa Senhora com Cristo morto, óleo sobre painel, 24 x 28 cm., Boston
Isabella Stewart Gardner Museum; Caminho do Calvário, óleo sobre painel, 23 x 85 cm., Londres,
National Gallery.
No retábulo é representado o pequeno São João Batista, junto com os santos Pedro e Catarina, à
esquerda; Margarida (ou Cecília) e Paulo, à direita. As freiras do convento de Santo Antonio de Perugia
venderam em 1667 o painel central e a luneta ao mercante perugino Antonio Bigazzini. Depois de
pertencerem à coleção dos príncipes Colonna em Roma, e àquela do rei Francisco I das Duas Sicílias, os
quadros foram trasladados na Espanha por Francisco II de Bourbon Nápoles (1861). Em 1901 foram
adquiridos por Pierpont Morgan, que os deixou para o museu de Nova Iorque. O degrau, depois de
vendido pelas freiras à rainha Cristina de Suécia, em 1663, chegou na coleção dos Orléans, e foi dividido
na venda da mesma (1799). Os fragmentos encontram-se divididos entre Nova Iorque, Dulwich, Boston e
Londres. É opinião da maioria dos estudiosos que o retábulo foi começado antes da estada de Rafael em
Florença (outono de 1504), e terminado durante uma ou mais estadas do mestre em Perugia. A execução
teria sido estendida, portanto, por um período de cerca de dois anos de 1503 a 1505. A luneta apresenta
características mais próximas ao estilo de Perugino, enquanto o grupo central apresenta uma articulação
espacial mais livre ao redor do trono da Virgem, sugerindo experiências do ambiente florentino, já
conhecido por Rafael antes de 1504.
23
Trata-se da Deposição Borghese. Veja-se a nota abaixo.
24
Retrato de Agnolo Doni, óleo sobre painel, 63 x 45 cm., Florença, Palazzo Pitti; Retrato de Maddalena
Doni, óleo sobre painel, 63 x 45 cm., Florença, Palazzo Pitti. Os dois quadros ficaram em posse da
família Doni até 1826 quando foram vendidos ao Grão-Duque Leopoldo II da Toscana. Ao contrário do
que pensava Cavalcaselle, hoje se julga o retrato de Agnolo, um tanto anterior ao da esposa. Ambos
foram realizados ao redor de 1506. Representam um dos resultados mais altos da pintura de retratos de
Rafael e de todo a pintura italiana neste gênero.
25
Sagrada Família com santa Elizabeth e são João Batista menino (Sagrada Família Canigiani), óleo
sobre painel, 132 x 98 cm., Munique, Alte Pinakothek. Assinada “Raphael Urbinas” na orla do manto da
Nossa Senhora. Da família Canigiani passou às coleções dos Médici. Ana Maria Luisa, filha do grão
duque Cosimo III, sendo enviada como esposa ao eleitor Wilhelm do Palatinato, levou a pintura consigo.
Depois de ser destinada à galeria de Düsseldorf, o quadro foi transferido a Munique para salva-lo dos
franceses. A datação mais aceita é a de 1507 ou 1508 (Gamba). Uma réplica antiga é conservada na
Galleria Nazionale de Urbino.
26
Masaccio (1398c.-1427) pintor considerado o iniciador da pintura narrativa renascentista nos seus
afrescos com as histórias da vida de São Pedro, na Capela Brancacci na igreja de Santa Maria del
Carmine em Florença, realizados em colaboração com o mais velho Masolino da Panicale. Outra obra
fundamental do artista para a formação do estilo de Rafael deve ser a Trindade da igreja florentina de
Santa Maria Novella (1427).
27
Retábulo Baglioni. Deus Pai e Anjos, óleo sobre painel, 81,5 x 88,5, Perugia, Galleria Nazionale
dell’Umbria; Cristo deposto no sepulcro (Deposição Borghese), óleo sobre painel, 184 x 176 cm., Roma,
Galleria Borghese; As Virtudes Teologais e Anjinhos, Roma, Pinacoteca Vaticana. Assinado e datado:
“Raphael Urbinas MDVII”. O retábulo foi encomendado a Rafael por Atalanta Baglioni para o altar da
capela funerária da família na igreja de San Francesco al Prato em Perugia, em memória do filho
Grifonetto, morto assassinado em julho de 1500, durante lutas contra membros da mesma família para o
domínio político sobre a cidade. A obra ficou na igreja até 1608, quando o painel central foi enviado
secretamente ao papa Paulo V, que o doou ao sobrinho cardeal Scipione Borghese. As protestas dos
habitantes de Perugia só puderam fazer com que o papa ordenasse uma cópia para a igreja ao pintor
Giuseppe Cesari, dito o Cavalier d’Arpino. O retábulo foi levado para a França depois da ocupação de
Roma pelo exercito de Napoleão em 1797 e ficou no Musée du Louvre até 1815, sendo devolvido à
coleção da família Borghese. A elaboração do retábulo pode ser acompanhada graças a uma série de
dezesseis desenhos que se encontram divididos entre o Ashmolean Museum de Oxford, o British Museum
de Londres, o Louvre e os Uffizi. As diversas fases da composição foram reconstituídas por Carlo
Ludovico Ragghianti (La Deposizione di Raffaello, 1949) O mestre passou de uma cena mais estática de
lamentação sobre o corpo de Cristo, próxima a obras de Perugino, a uma mais dinâmica do transporto do
corpo ao sepulcro. Inseriu também o episódio da Virgem Maria desmaiando carregada pelas pias
mulheres. Nos grupos dispostos num complicado esquema de diagonais, e nas cores esmaltadas que
visam a obter o efeito de relevo da escultura, evidencia-se a profunda influência do Tondo Doni de
Michelangelo. A história da obra, executada como explica Vasari, em dois tempos, antes e depois a
fundamental estada de Rafael em Florença, constitui documentação mais relevante da passagem a uma
nova fase estilística do mestre.
28
Depois destas palavras a edição de 1550 continua da seguinte forma: “voltou a Florença, reconhecendo
a utilidade dos estudos que ali fizera, e ainda estimulado pela amizade. E realmente para quem apreende
tais artes Florença é um lugar admirável, pelas concorrências, pelas competições, pelas invejas que
sempre houve, e mais ainda naqueles tempos.”
29
Retábulo Dei. Nossa Senhora em trono com o Menino, quatro santos e quatro anjos, (Nossa Senhora
do Baldaquim), óleo sobre tela, 276 x 224 cm., Florença, Palazzo Pitti. Os santos representados são Pedro
e Bruno, ou Bernardo, à esquerda, Thiago e Agostinho, à direita. Começado em 1507 para a capela da
família Dei, na igreja de Santo Spirito em Florença, ficou inacabado por ter Rafael se mudado a Roma em
1508. Desde o século XVI se encontrava na igreja matriz (Pieve)de Pescia. Em 1697 foi adquirido pelo
príncipe Ferdinando de’Medici que o mandou restaurar e terminar em algumas partes pelos pintores
Niccoló e Agostino Cassana. Na ocasião foi acrescentada uma faixa em alto para igualar outra pintura
maior com a qual foi exposto. As intervenções posteriores parecem limitadas e podem ser individuadas
facilmente, confirmando o depoimento de Vasari de que a obra estaria quase totalmente acabada no
momento em que Rafael foi a Roma. O retábulo teve uma grande influência sobre a pintura religiosa
florentina posterior, graças à assimilação por parte de Fra’Bartolomeo e seus alunos das inovações ao
esquema tradicional da Sacra Conversação, as quais Rafael deriva da pintura bolonhesa e veneziana de
Lorenzo Costa e de Giovanni Bellini.
30
Nossa Senhora com o Menino e São João pequeno (A bela jardineira), óleo sobre painel, 122 x 80 cm.,
Paris, Musée du Louvre. Assinada na orla do manto da Nossa Senhora, acima do pé: “Raphael Urbinas”;
datada cerca do cotovelo: “MDVII”, ou “MDVIII”. Seguindo a indicação de Vasari foi identificada com a
pintura já na posse de Filippo Sergardi em Sena. Sucessivamente foi adquirida por Francisco I rei da
França, sendo incorporada nas coleções reais.
31
Vasari comete muitos erros na descrição da Stanza della Segnatura, a primeira pintada por Rafael,
começada em 1508 e terminada em 1511, como atestam as inscrições no afresco do Parnaso e no
arquitrave da janela sob a luneta com as Virtudes. No entanto Vasari está certo dizendo que o tema das
pinturas é a concordância entre as ciências que formam o conhecimento humano. A Filosofia, a
Jurisprudência e a Poesia, isto é as varias faculdades da palavra humana se acordam com a palavra divina
que forma o objeto da Teologia, a história do homem cumpre os desenhos da Providência divina. A
denominação da sala deriva da sua função de sede do Tribunal para a assinatura das graças (Signatura
gratiae). A hipótese de que o espaço fosse destinado à biblioteca papal, avançada pelo Wickhoff (1893), e
geralmente ainda aceita, foi desmentida por Chastel, mostrando como o programa das pinturas espelhando
a ordenação da cultura humanista em teologia, filosofia, poesia, e jurisprudência, não deve ser
necessariamente vinculado a uma biblioteca. Os conceitos do neoplatonismo cristão que fundamentam as
pinturas de Rafael foram amplamente estudados, em particular por Hettner (1879), por Redig de Campos
(1938), por Hoogewerff (1947-49) e por Chastel. Este destacou a inspiração humanista e neoplatônica dos
conceitos, em consonância com o pensamento filosófico renascentista italiano, em detrimento da
inspiração na filosofia escolástica sugerida por Schlosser (1902). “O saber dos sábios antigos é
complementar à revelação, e não diminuído por ela. A Poesia surge como uma das faculdades superiores
do espírito, a Justiça deixa de ser uma das Virtudes cardeais e é colocada, conforme Platão, no topo da
hierarquia moral...em todas partes é destacada a harmonia entre mundo antigo e espiritualidade cristã.” A
concordância se manifesta na história do Homem, guiada pela Providência divina, no desenvolvimento do
conhecimento da Verdade, do Bem e do Belo. A Teologia representa a verdade revelada (Disputa do
Sacramento), a Filosofia a verdade racional (Escola de Atenas), o direito dividido em Direito Canônico
(Gregório VII aprova as Decretais) e Direito Civil (Triboniano apresenta os códigos a Justiniano)
representa o bem; a poesia (Parnaso) representa o belo. Os princípios abstratos representados na abóbada
são historiados nas paredes através dos retratos dos homens ilustres de cada disciplina, numa versão
inovadora das galerias dos homens ilustres que ornamentavam palácios e bibliotecas dos romanos assim
como as residências de príncipes da Idade Média. O verdadeiro autor do programa é ignorado, mas não há
motivo para recusar a notícia de Paolo Giovio (1518) segundo o qual o plano da decoração foi redigido
“ad praescriptum Julii Pontifici”, sob a orientação do próprio Julio II, o que implicaria talvez uma
participação do mesmo Giovio. Rafael sobe traduzir o plano dominando de forma autônoma os seus
conteúdos para dar-lhes uma completa e original expressão visual. O artista lançou mão de todos os seus
conhecimentos na área da arquitetura, da perspectiva e da composição realizando espaços em que
dimensão física, dimensão simbólica, dimensão histórica coincidem. As pinturas da Stanza della
Segnatura, como é evidente pela longa serie de desenhos preparatórios ainda existentes, foram o fruto de
uma extensa meditação original do artista sobre o programa definido pelos literatos da corte papal. Após o
acabamento da abóbada, em parte já existente antes do começo da obra de Rafael, o pintor realizou a
Disputa, seguindo com a Escola de Atenas, O Parnaso, e as Virtudes. Originariamente o soco era
ornamentado com um revestimento em madeira executado, a partir de 1508, por frade Giovanni da
Verona, e que foi substituído, ao tempo do papa Paulo III, por grisalhas de Perin del Vaga.
32
Trata-se da figura do filósofo Pitágora.
33
A Filosofia está sentada num trono ladeado por duas figuras de Diana Polimaste (com muitos seios)
representando a fecundidade da natureza. A figura carrega na mão os dois livros da Filosofia Moral e da
Filosofia Natural. Dois anjinhos carregam a legenda “Causarum Cognitio” (Cognição das causas)
derivada de Cícero.
34
A imagem de Diana venerada no santuário de Éfeso era figurada com muitos seios representando a
fecundidade da natureza.
35
A musa da poesia lírica, simbolizando a inspiração.
36
Vasari utilizou para a descrição do afresco uma gravura de Marco Antonio Raimondi, em que o grupo
de Apolo e das Musas é colocado dentro de um bosque de louros, e há um grupo de anijnhos voando e
carregando as coroas destinadas aos poetas. Num desenho posterior de autoria de um colaborador,
conservado em Oxford, a composição revela o ritmo ascendente e descendente da disposição final das
figuras. No topo do monte Parnaso, junto à Fonte Castália, é figurado Apolo sentado tocando uma lira de
braço. Aos seus lados estão Caliope e Erato com o coro das outras musas: Talia, Clio e Euterpe, à
esquerda, Polimnia, Melpomene, Tersicore e Urania, à direita. Os dezoito poetas que estão ao redor do
deus são identificados assim: Abaixo à esquerda, Alceu, Corinna, o Petrarca, Anacreonte e Safo, os
grandes poetas líricos. Mais acima, Enio, Dante, Virgilio, Stazio, Homero, iniciadores da épica antiga e
cristã. À direita, Tebaldeo, Boccaccio, Tibulo, Ariosto, Propercio, Ovidio, e Sannazzaro, representando
talvez a poesia pastoril. No primeiro plano está sentado Horacio, simbolizando a poesia satirica e
gnomica. A individuaçao de alguns dos personagens é ainda incerta. Na opinião de Chastel existiriam
correspondenciâs exatas entre as nove musas, nove poetas antigos e nove modernos, de acordo com os
vários gêneros poéticos. Apolo também toca uma lira moderna dotada de nove cordas em lugar das sete
usuais, o numero nove podendo ser interpretado como o numero das musas e também o numero da
concordância na doutrina pitagórica. Brizio nota como Rafael criou “uma imagem viva e alusiva ao
projeto linguistico dos humanistas italianos de dar riqueza e dignidade à lingua moderna vulgar por meio
da imitação da retórica em língua latina. No batente da janela há a inscrição “Julius II Ligur. Pont. Max.
Ann. Christ. MDXI. Pontificat. Sui VIII”. A data de 1511 pode ser riferida à conclusão da sala, como
também do afresco na parede. O mesmo foi iniciado 1510 ou no final de 1509.
37
O título tradicional do afresco A Disputa do Sacramento deriva da interpretação errada desta passagem
do texto de Vasari. Seria mais correto o título de Triunfo da Eucarestia ou da Igreja. De fato, no centro da
composição há a Eucarestia, erguida no ostensório encima do altar e dastacada pela convergência de todas
as linhas prospéticas. O mistério da Eucarestia, simbolizando a encarnação e a aliança entre céu e terra, é
contemplado pela Igreja triunfante no alto, e pela Igreja Militante, no plano da terra. Alguns dos
personagens representados no espaço terreno são identificados: o pintor Beato Angélico, em traje de
dominicano, Bramante apoiando-se no parapeto, Francesco Maria della Rovere, o jovem voltando-se em
direção do observador e indicando o altar, São Gregorio Magno, com as feições de Júlio II, sentado com o
Liberal Moralium aos pés, à direita do altar, Santo Ambrosio e Santo Agostinho, San Tomás de Aquino,
o papa Inocêncio III e são Bonaventura. Vestido de um pluvial dourado e tendo aos pés o livro De
Sanguine Christi, o papa Sisto IV, e atrás Dante. Mais atrás, meio escondido por um capuz escuro,
Girolamo Savonarola. Como na Escola de Atenas o espaço construído, na Disputa o espaço aberto é
perfeitamente adequado ao seu conteúdo simbólico. O afresco precede todas as outras pinturas da sala e
foi iniciado em 1509, ou talvez já no fim de 1508.
38
Triboniando entregando as Pandetas a Justiniano. O afresco é obra de ajudantes de Rafael e foi
amplamente restaurado como relata Dolce (Dialogo della pittura, 1577).
39
Colocado à direita da Disputa o afresco simboliza o Direito Canônico. Gregorio IX tem as feições de
Júlio II. No cardeal à esquerda sustentando o pivial do papa é retratado Giovanni de’Medici, futuro papa
Leão X. O fato de que o papa é figurado de barba permite datar a obra depois de junho de 1511. Naquele
mês o pontífice partiu de Roma para a guerra sem barba, e prometeu que não a cortaria até que a Itália
não estivesse livre dos exércitos estrangeiros. O destaque atribuido à figura do papa indica como o tema
da decoração dos aposentos papais, a partir de 1511, mude para a glorificação da ação do pontífice. A
pintura é obra de ajudantes.
40
O retrato que se encontrava na igreja de Santa Maria delPopolo em Roma, onde foi visto por Vasari e
por Lomazzo (1590), foi oferecido pelo cardeal Sfondrati ao imperador Rodolfo II. Posteriormente foi
perdido. Conhece-se uma réplica antiga, atribuída a Giulio Romano, no Museo degli Uffizi em Florença
procedente da herança de Vittoria della Rovere.
41
Nossa Senhora do Véu. Madonna del Velo. Madonna di Loreto. Óleo sobre madeira, 68 x 48, 7 cm.
Paris, Louvre. A pintura de Rafael mencionada pelo Anônimo Magliabechiano, por Vasari e por Sandrart
na igreja de Santa Maria del Popolo em Roma, é considerado como perdido. Conhecem-se numerosas
copias no Louvre, em Sanremo, em Florença, em Verona, em Milão, em Nápoles, em Chantilly, em
Loreto, em Parma, em Roma, em Nova Iorque, em Fontenay-aux-Roses (Paris).
42
Trata-se naturalmente da Capela Sistina.
43
O afresco foi encomendado pelo protonotário apostólico Johann Goritz para ornamentar a parede da
igreja de Sant’Agostino onde se encontra a sua capela com o grupo de Nossa Senhora com o Menino e
Santa Ana, realizado por Andrea Sansovino. A obra foi executada entre 1511 e 1512. De acordo com o
texto, Rafael a repintou no estilo de Michelangelo, depois de ver os afrescos da abóbada da Sistina,
esforçando-se para dominar os princípios artísticos do mestre florentino.
44
A crítica moderna coloca a execução da galeria da vila de Agostino Chigi em Trastevere, hoje Vila
Farnesina, em 1517, portanto posteriormente aos afrescos da capela Chigi de Santa Maria della Pace que
são datados de 1514. No entanto Vasari aqui se refere apenas à Galateia sugerindo que a mesma poderia
ser anterior ao restante da decoração, e que a teria motivado sucessivamente. A intervenção pessoal de
Rafael na Galateia, nas palavras de Vasari, seria muito mais extensa que nas pinturas posteriores da
Farnesina.
45
Trata-se da ornamentação da primeira capela à direita na igreja de Santa Maria della Pace em Roma. Os
afrescos representam quatro Sibilas e quatro profetas com inscrições referentes à vida e à ressurreição de
Cristo. Foram encomendados por Agostino Chigi e executados provavelmente em 1514. As figuras dos
profetas com anjos, aqui indicadas como sendo de autoria de Rafael, foram atribuídas pelo Vasari a
Timoteo Viti (1469 - 1525) na vida deste artista. Opina-se portanto que algumas entre elas sejam de
autoria de Viti a partir de desenhos de Rafael, a quem se deve, de qualquer forma, a idéia geral da
composição.
46
Nossa Senhora com o Menino e os santos Jerônimo, Francisco e João Batista. Madonna di Foligno,
1511-12, óleo sobre tela, 320 x 194, Roma, Pinacoteca Vaticana. A obra foi encomendada por
Sigismondo de’Conti, como ex-voto para agradecer a Nossa Senhora por salvar a sua casa em Foligno,
quando atingida por um raio. O acontecimento aparece na paisagem do fundo. Colocado na igreja de
Santa Maria in Aracoeli em Roma, o quadro foi trasladado na igreja de Sant’Anna em Foligno por uma
freira sobrinha do doador. Foi levado a Paris em 1797 pelo exercito francês e aqui foi transportado sobre
tela. Depois da sua restituição ao governo papal em 1815 chegou na sede atual. A paisagem no fundo foi
atribuída a um colaborador Ferrarese, Battista ou Dosso Dossi, segundo Cavalcaselle e Mendelsohn
(1914), ou unicamente Dosso Dossi (Longhi, 1934). A hipótese não é sustentada por provas válidas, e
segundo De Vecchi (1968) deveria ser vista no quadro da influência suposta da pintura veneziana (Lotto,
Sebastiano dal Piombo) na arte de Rafael entre 1512 e 1514. No entanto não seria necessário pensar em
colaborações se lembrarmos o interesse de Rafael nestes anos pela representação de complexos efeitos de
luz. A pintura é datada geralmente de 1511-1512. Foi reproduzida em gravura com variantes por
Marcantonio Raimondi.
47
Vasari passa a descrever a sala chamada de Eliodoro pela história da expulsão de Eliodoro do templo
de Jerusalém, representada numa das paredes. As pinturas foram começadas em 1511 e terminadas em
1514. O tema do programa desta sala é a intervenção divina a favor da igreja na história, aludindo
claramente aos projetos políticos e religiosos do papa Julio II e aos acontecimentos políticos do seu
pontificado. Nas paredes são figuradas quatro cenas: a Expulsão de Eliodoro do templo, a Missa em
Bolsena, a Libertação de São Pedro, e o Encontro de Atila e Leão Magno. Na abóbada há quatro cenas
bíblicas relembrando a proteção divina ao povo de Israel: Moises e a Sarça ardente, a Escada de Jacó, a
Aparição de Deus a Noé, o Sacrifício de Abrão. O soco é ornamentado com onze cariátides, alegorias do
comércio, da religião, da lei, da paz, da segurança, da nobreza, da navegação, da abundância, do
pastoreio, da agricultura e da viticultura, e quatro ermas em falso mármore. Mais abaixo são pintados
falsos relevos em bronze representando a prosperidade dos domínios da igreja. As decorações do soco
foram executadas por colaboradores do mestre, Perin del Vaga e Giovanni Francesco Penni. Nas pinturas
da segunda sala Rafael utilizou freqüentemente a ajuda de colaboradores.
48
Na parede existiam figuras de capitães pintadas por Bramantino. Rafael representou um milagre
ocorrido em 1263 em Bolsena, onde um sacerdote boêmio, duvidando da realidade do mistério da
Eucaristia, viu sangue destilar da hóstia consagrada. Este acontecimento deu origem à festa do Corpus
Domini, instituída pelo papa Urbano IV em 1264. Tradicionalmente a escolha do tema é atribuída ao papa
Julio II, retratado na cena, para homenagear seu tio, papa Sixto IV, devoto do culto da Eucaristia, e
comemorar a vitória das próprias teses no Concilio Lateranense de 1512. A extraordinária riqueza das
cores e um particular domínio das mudanças de tons em algumas partes da obra induziram muitos
estudiosos a pensar na intervenção de colaboradores educados na tradição veneziana de Bellini e
Giorgione. Na opinião de Wackernagel (1909) Sebastiano Dal Piombo teria pintado o grupo dos cardeais,
para Zampetti (1953) Lotto teria influenciado o grupo dos cavalheiros ajoelhados no primeiro plano, à
direita, para Longhi, Lotto seria o autor do mesmo.
49
Libertação de São Pedro. 1513-14. Na parede existia um afresco de Piero della Francesca. Duas
inscrições no arquitrave da janela datam a obra ao ano de 1514, sob o pontificado do papa Leão X.
Cavalcaselle, opinando que os últimos dois afrescos da sala, (a Libertação de São Pedro e o Encontro de
Átila e Leão Magno) fossem realizados depois da morte de Júlio II, nos anos de 1513-14, datou a obra
posteriormente ao Encontro. Esta opinião foi aceita por estudiosos posteriores (Ragghianti, Suida,
Camesasca), enquanto outros preferem considerar o segundo o mais tardio da sala. A obra foi executada
com a intervenção de ajudantes.
50
Expulsão de Eliodoro do templo. 1511-12.Por todos os estudiosos é considerado o primeiro afresco na
ordem de execução das pinturas da segunda sala. O ímpeto da ação, a violência dos movimentos, os
contrastes de luz e sombra levados até efeitos de estremado virtuosismo -caracteres ausentes no contexto
das pinturas da Stanza della Segnatura, indicam a transformação profunda do estilo de Rafael em direção
de uma forma mais dramática de representação. A profunda influência da arte de Michelangelo se
manifesta na mudança do papel da perspectiva e da luz. A intervenção de ajudantes foi individuada desde
os estudos de Cavalcaselle, que atribuiu a parte à direita a Giulio Romano, e o grupo de mulheres à
esquerda a Giovanni da Udine. O cortejo papal seria de autoria de Rafael.
51
Segundo Cavalcaselle e muitos críticos modernos Os quatro episódios bíblicos descritos por Vasari
como obra de Rafael foram executados por Baldassarre Peruzzi. Adolfo Venturi e outros os consideram
de mão de Guglielmo de Marcillat; e para Baumgarten de Penni.
52
Também nesta parede Bramantino pintara figuras de capitães. Nas intenções de Julio II o afresco devia
aludir à batalha de Ravenna (1512) em que uma liga formada por estados italianos e o rei da França
derrotaram o exercito espanhol frustrando momentaneamente o seu poder. A pintura foi executada em
grande parte pelos colaboradores de Rafael. Segundo Bertini (1959) o papel de Giulio Romano foi
particularmente relevante. Segundo Hartt, pelo contrário, Giulio, tendo nascido em 1499 (e não em 1492
como suposto) não poderia participar da obra, e a intervenção direta de Rafael, supostamente limitada
apenas ao retrato de Leão X, seria muito mais extensa. Longhi viu a mão de Lorenzo Lotto na paisagem.
53
Nossa Senhora com o Menino, o Arcanjo Rafael, Tobiolo e São Jerônimo. Nossa Senhora do Peixe.
1514. Óleo sobre tela. Madri, Museo del Prado. A obra, pintada para a capela de Giovanni Battista Del
Doce, é citada na igreja de San Domenico Maggiore em Nápoles por Summonte numa carta de 1524 a
Marcantonio Michiel, permaneceu na igreja até 1638 quando passou ao Vice-rei espanhol duque de
Medina. Transferida na Espanha em 1644, pertenceu ao rei Felipe IV que a destinou ao Escorial. Entre
1813 e 1822 esteve na França com as obras levadas pelos exercito de Napoleão. Ali o suporte de madeira
foi substituído por uma tela. A datação é fixada entre 1512 e 1514. Existem várias réplicas em Nápoles,
no Escorial, em Valladolid e algures.
54
Nossa Senhora com o Menino, São João Batista pequeno, e Santa Elisabeth (Madonna del Divino
Amore). 1518,óleo sobre madeira, 152 x 125. Nápoles, Galleria Nazionale di Capodimonte. Foi adquirida
pelo cardeal Alessandro Farnese que a deixou como herança aos Farnese de Parma (1624). Passou por
herança do rei Carlos III aos Bourbon de Nápoles. A crítica moderna geralmente considera a ideação da
obra de autoria de Rafael, com a exceção de Freedberg e de Fischel. A execução é universalmente
atribuída aos colaboradores: Penni (Dollmayr, Gronau, Fischel, Freedberg) ,ou Giulio
Romano(Camesasca, Cavalcaselle e Crowe). A datação varia entre o final da vida de Rafael e o período
que segue a sua morte. A mais comum é colocada ao redor de 1518. Para Freedberg (1961), a pintura
deve ter sido executada depois da morte de Rafael. Para Joannides (1985), deveria ser situada próximo da
Madonna de Francisco I. S. Ferino-Pagden cita a idéia de Pedretti (1984-87), que se baseia na seqüência
em que a obra é situada por Vasari, colocando-a depois da Madonna do Peixe e da Santa Cecília e antes
da Visão de Ezequiel, o que, para esse autor, permitiria a hipótese da execução ter sido feita antes de
1517, entre 1515 e 1516.
55
Santa Cecília, São Paulo, São João Evangelista, Santo Agostinho e Santa Maria Madalena. Retábulo de
Santa Cecília. 1514, óleo sobre tela, 220 x 126, Bolonha, Pinacoteca Nazionale. Vasari confunde duas
pessoas diferentes: Antonio Pucci, bispo de Bolonha ao tempo da execução do quadro, eleito cardeal só
em 1531, e Lorenzo Pucci que providenciou a construção da capela de Santa Cecília na igreja de San
Giovanni al Monte. Um documento do mesmo mosteiro de Bolonha atesta que o retábulo foi
encomendado em 1514 por Elena Dugioli, esposa de Benedetto dall’Oglio. Levada para Paris pelo
exercito francês em 1798, a pintura foi transferida sobre suporte de tela (1801) e foi devolvida em 1815.
Vasari destaca justamente a representação da experiência do êxtase assemelhada à da música, e a sua
interiorização revelada pelas fisionomias dos santos. Estes aspectos inovadores e precursores de
desenvolvimentos futuros na arte religiosa são revelados com grande agudeza pela descrição do biógrafo.
No que diz respeito à atribuição, a questão principal é posta por Vasari ao remeter a Giovanni da Udine a
execução da natureza morta de instrumentos musicais colocada no retábulo. Ele escreve: “O que muito
mais importou, foi o fato de Giovanni fez a sua pintura tão semelhante à de Rafael, que parece da mesma
mão.” Uma possível participação de Giulio Romano é entrevista por Quatremère de Quincy (1824) e
Carlo D’Arco (1838). No entanto, o restauro e a limpeza revelaram que os instrumentos atribuídos a
Giovanni foram pintados pela mesma mão do resto do quadro. Mais recentemente, outras aproximações
ao estilo de Giulio foram feitas por P. Joannides (1985).
56
“Pintem os outros apenas e retratem com as cores os rostos/ Rafael expressou o rosto e a alma de
Cecília.”
57
Visão de Ezequiel. 1518. Óleo sobre madeira, 40 x 30, Florença, Galleria di Palazzo Pitti. Encontrava-
se nos Uffizi já em 1589. Foi levada para Paris pelo exercito francês e foi restituída em 1815, quando
chegou na sede atual. A descrição de Vasari destaca o tratamento da paisagem na pintura de pequenas
dimensões: o quadro estimularia o desenvolvimento de motivos acessórios (parerga) dentro de
composições religiosas de formato reduzido criando um gênero aproveitado por pintores como Dosso
Dossi, e Correggio.
58
Sagrada Família com santa Elisabeth e São João Batista pequeno (Madonna della Perla). 1518-
1522/23. Óleo sobre painel. 144 x 115. Madri, Museo del Prado. Ludovico de Canossa, bispo de Bayeux,
ao morrer em 1532, deixou em seu testamento a ordem de que a família não vendesse o quadro. Mais
tarde a obra passou ao cardeal Luigi d’Este que a doou a Caterina Nobili Sforza, condessa de Santafiora.
Depois foi comprada pelo duque Vincenzo I Gonzaga de Mantova . Em 1627, juntamente com as outras
pinturas da galeria do duque, a obra foi vendida ao rei Carlos I da Inglaterra pelo elevado valor de 4000
escudos. À morte do rei em 1656, a obra foi adquirida pelo embaixador espanhol Alonso Cardenas que a
enviou ao rei Felipe IV. O soberano chamou a pintura de “pérola” da sua coleção e mandou coloca-la no
altar do Escorial. Levada a Paris em 1815, retornou ao Escorial em 1822. Vasari, na edição de 1550
limitara-se a citar uma pintura enviada aos condes de Canossa. Em 1568 descreve essa composição como
uma Natividade e identifica Santa Isabel como sendo Santa Ana. Vasari erra com a tentativa de ampliar as
suas informações, assim como confunde este quadro com a Madonna della gatta, o que pode trair falta de
conhecimento direto da obra em questao. A partir dos estudos de Cavalcaselle, a obra é atribuída a Giulio
Romano, a partir de uma idéia de Rafael, e geralmente datada depois da morte de Rafael, entre 1522 e
1524. Para Hartt (1944 e 1958) a obra seria inteiramente de autoria de Giulio. Gould (1982) a considera
de Rafael, assim como P. Joannides (1985), que admite, contudo, uma participação de Giulio.
59
Retrato de Bindo Altoviti. 1515. Óleo sobre madeira, 59,7x 43,8, Washington, National Gallery of Art.
Comprado da familia Altoviti pelo principe Ludwig da Bavária em 1808, em 1836 é documentado na
Hofgarten Galerie na Alte Pinakothek de Munique. No final da década de 1930 foi comercializado pela
firma dos marchands Duveen e vendido em 1940 para a coleção Samuel H. Kress, passando em 1943 à
National Gallery de Washington. Fischel (1948) levanta dúvidas quanto à identidade do retratado no
quadro de Washington ao compara-lo com o busto de Bindo Altoviti feito por Cellini cerca de trinta anos
mais tarde (Boston, Isabella Gardner Museum). A datação mais comum do retrato é de 1515/16. A
atribuição ainda hoje é discutida. Cavalcaselle, Berenson (1953), Brizio (1963), Gruyer (1964) e
Oberhuber (1982) reconhecem a mão de Rafael. Gamba (1932) e Suida (1951) admitem a ampla presença
de remanejamentos. Bayersdorff, Dollmayr (1895) e Ortolani (1948) atribuem a obra a Giulio Romano,
assim como Hartt (1958) atribui a obra a Giulio Romano e propõe data-la entre 1520 e 1523, seguido por
Dussler (1971).
60
Nossa Senhora com o Menino, Santa Elisabeth, Santa Catarina e São João Batista pequeno. (Madonna
dell’Impannata), óleo sobre madeira, 158x125, Florença, Galleria di Palazzo Pitti. A crítica moderna
opina que a ideação da composição se deva inteiramente a Rafael, e que a execução possa ser atribuída ao
ateliê com algumas intervenções do mestre, nas cabeças do Menino Jesus e de Santa Elisabeth (Fischel,
Ciaranfi) ou em toda a figura do Menino (Ferino-Pagden, Zanca, 1989). Cavalcaselle e Crowe atribuem a
Giulio Romano a área direita do quadro. Também o fundo, pela janela velada por um tecido que difunde
uma luz quente na cena, foi reputado de mão de Giulio. Já a parte esquerda é referida a Giovan Francesco
Penni, pelas pinceladas mais desfocadas e delicadas nas figuras das duas santas. A datação da obra é
muito controvertida, variando entre 1511 (Oberhuber), 1514 (Camesasca, Freedberg, De Vecchi) e 1516
(Ferino-Pagden, Pope-Hennessy). Esta datação parece a mais provável à luz dos estudos mais recentes.
61
Retrato do papa Leão X com dois cardeais. 1518-19. Óleo sobre madeira, 154 x 119, Florença, Uffizi.
A obra pertenceu sempre à família Médici, encontrando-se em Palazzo Vecchio ao menos desde 1589.
Foi transferida a Paris de 1797 a 1815, passando depois da sua devolução à Galleria degli Uffizi. O
quadro foi datado ao ano de 1518, já que Luigi de’Rossi foi eleito cardeal em 1517 e morreu em 1519. A
partir dos documentos, infere-se que a data de execução se coloca entre a eleição do De’Rossi e setembro
de 1518. No entanto, análises recentes sugerem que as figuras dos dois cardeais foram executadas depois
daquela do papa, talvez por colaboradores do mestre. Vasari, na vida de Andrea del Sarto (1986, p. 718)
sugere a intervenção de Giulio Romano. Há uma cópia em Nápoles, realizada por Andrea del Sarto. Uma
segunda foi encomendada a Vasari em 1536. A descrição do quadro feita por Vasari se detém em
particular nas qualidades da representação da diversidade dos materiais, dos tecidos e dos objetos,
evidenciando a capacidade de Rafael para dialogar com a tradição do retrato veneziano de Giorgione e
Tiziano, criando ao mesmo tempo uma composição de grande equilíbrio clássico e de elevado valor
retórico.
62
Existem cópias do Retrato de Lorenzo em Montpellier, Florença e Colworth. Oberhuber (1971) propõe
identifica-lo com um quadro hoje na coleção Spanierman de Nova Iorque. No Metropolitan Museum de
Nova Iorque há um retrato de Giuliano de’Medici já atribuído a Rafael, mas hoje considerado como
réplica de ateliê.
63
Marcantonio Raimondi (Bolonha 1480 - 1553 circa).
64
Retrato de Mulher. La Velata. 1516. Óleo sobre painel, 85x64, Florença, Galleria di Palazzo Pitti. A
obra é citada por Vasari, Borghini, e Bocchi na casa da família Botti; foi adquirida pelos Médici em 1619.
65
O Caminho do Calvário. Lo Spasimo di Sicília. 1517. Óleo sobre tela, 318 x 229. Madri, Museo del
Prado. Realizado para a igreja de Santa Maria dello Spasimo em Palermo, em 1622 o retábulo foi
adquirido pelo rei Felipe IV da Espanha, que o retirou “secretamente” do mosteiro, tentando recompensa-
lo em seguida com uma soma anual de mil escudos. Levada para Paris pelo exercito de Napoleão em
1813, a obra foi transferida sobre suporte de tela e foi devolvida às coleções reais espanholas em 1822. A
datação de 1517 aparece numa gravura de Agostino Veneziano, permitindo situar o feitio da obra por
volta de 1516-17; sua ideação, próxima do grupo das tapeçarias para Leão X, se deve colocar em torno de
1515-16. A pintura é assinada por Rafael, entretanto é considerada obra de colaboradores pela maioria da
crítica. O foco no particular dramático e na interpretação realista é interpretado como uma tentativa de
Rafael de aproximar-se dos grandes mestres nórdicos, como Dürer e Lucas de Leyden, para agradar aos
comitentes sicilianos, que amavam a arte flamenga por seus apelos emotivos (Oberhuber, 1982). Para
Hartt (1958) a mão de Giulio Romano seria identificável na consistência pétrea e nas posturas rígidas das
figuras, na expressão intensa dos sentimentos interiores e na linearidade externa complexa das figuras,
características mais de Giulio do que do mestre. Na mesma época Rafael estava empenhado na execução
dos cartões para as tapeçarias da Sistina e conseqüentemente deveria estar pouco preocupado -sugere
Hartt- com a encomenda para um mosteiro de Palermo.
Há concordância atualmente a respeito da execução de Giulio Romano e de Penni. Hartt atribui a
Raffaellino dal Colle o Cristo e as figuras de armaduras no fundo, que Oberhuber, em contrapartida
atribui a Giulio. A participação direta de Rafael é comumente identificada na cabeça da figura de Simão
de Cirene ajudando Cristo a carregar a cruz.
66
A Sala chamada do Incendio de Borgo foi pintada de 1514 a 1517 por Rafael e seus colaboradores,
sendo que em 1507-8 Perugino executara os círculos da abóbada. Os temas escolhidos comemoram a
proteção divina sobre a igreja nos feitos dos grandes papas chamados de Leão, alusão ao pontífice Leão
X. As cenas representadas são, além do citado Incêndio de Borgo, a Batalha de Ostia, a Coroação de
Carlos Magno e a Justificação de Leão III. O afresco do Incêndio de Borgo foi realizado em grande parte
pelos ajudantes: toda a parte esquerda e uma parte da direita por Giulio Romano, a área central por
Giovanni Francesco Penni ou Giovanni da Udine, enquanto Rafael interviria apenas em algumas figuras
do fundo e em alguns detalhes. A obra é datada geralmente de 1514. O afresco representa um episodio
tirado do Líber Pontificalis remontando ao ano de 847.
No Incêndio de Borgo aparecem fortes evidências dos interesses de Rafael para a arquitetura. A
representação dos edifícios de Roma antiga, moderna e medieval antecipa a reflexão histórica sobre as
ruínas de Roma apresentada na carta de Rafael ao papa Leão X, escrita em colaboração com Baldassar
Castiglione (1518).
67
Trata-se da Batalha de Ostia executada no fim de 1514. O afresco alusivo à cruzada contra os Turcos
invocada por Leão X, figura um outro episodio do Líber Pontificalis: um ataque da frota muçulmana
contra o porto de Ostia, no ano de 849, que foi providencialmente frustrado por uma tempestade. As
figuras são geralmente atribuídas a Giulio Romano, as arquiteturas e os barcos a Giovanni da Udine. O
afresco foi amplamente restaurado no século XVIII por Carlo Maratta.
68
As duas cenas são a Coroação de Carlos Magno e a Justificação de Leão III. A primeira apresenta a
coroação do primeiro imperador do Sacro Romano Império na basílica Vaticana na noite de Natal do ano
de 800. Alude às concordatas estipuladas em Bolonha em 1515 entre Leão X e Francisco I, rei da França,
retratados nos personagens principais. O afresco é obra dos colaboradores Giulio Romano, Penni, e
Raffaellino dal Colle e foi terminado em maio de 1517.
Na segunda cena Leão III na presença de Carlos Magno e do clero na Basílica de São Pedro se defende
das acusações dos parentes do papa Adriano I, enquanto se ouvem as palavras reproduzidas numa
inscrição abaixo da pintura: “Dei non hominum est episcopos judicare” (Não são os homens, mas é Deus
que julga os bispos). A execução é geralmente atribuída a Penni e Giovanni da Udine.
69
Os afrescos foram destruídos durante o pontificado de Paulo IV. São conhecidos graças a gravuras de
Marcantonio Raimondi. Foram refeitos por Taddeo e Federico Zuccari.
70
O prospeto do palácio de Nicolau III ficou inacabado pela morte de Bramante em 1514 e foi retomado
por Rafael o qual idealizou a decoração pintada. Ela é desenvolvida ao longo de treze arcadas, cada uma
com quatro cenas. As primeiras doze contam as histórias do Velho Testamento e a última as do Novo. Os
afrescos são enfeitados por estuques e por um soco em grisalha. A decoração em estuque retoma a
ornamentação a grotesca dos palácios imperiais romanos incluindo seres fantásticos, episódios
mitológicos, reproduções de renomadas obras de arte antiga e moderna, cenas de vida contemporânea. As
grisalhas do soco retomam os temas bíblicos. Rafael limitou-se a supervisionar os trabalhos realizando em
alguns casos, desenhos. As pinturas foram executadas pelos artistas citados por Vasari no texto, mas a
crítica moderna viu a presença de outros colaboradores como o espanhol Pedro Machuca (Dacos). Na
edição de 1550, Vasari não menciona a participação de Giulio Romano. Os estuques são atribuídos a
Giovanni da Udine que, segundo Vasari, reinventou o estuque antigo feito misturando o pó do mármore
branco com calce obtida de pedra de travertino claro. Geralmente o começo das obras das Logge é datado
de 1517. A conclusão é fixada aos primeiros meses de 1519 por um pagamento feito em 11 de junho do
referido ano aos ajudantes que terminaram de pintar a loggia. Também há duas cartas, uma de
Castiglione, outra de Marcantonio Michiel relatando o acabamento da obra. As pinturas se apresentam
muito deterioradas já que o ambiente foi fechado com vidros só na segunda metade do século XIX, e por
causa de numerosos restauros.
71
Trata-se de Luca di Andrea della Robbia, neto do mais famoso Luca di Simone della Robbia.
72
Entalhador de Sena, morto em 1529.
73
Vila Madama nas encostas do Monte Mario em Roma, construita por encomenda de Giulio de’Medici,
futuro papa Clemente VII. Rafael foi autor do projeto descrito numa carta do mestre a Baldassar
Castiglione. No entanto, esta é a única frase que Vasari dedica a esta importante obra nas duas redações
da vida de Rafael. Na vida de Giulio Romano Vasari atribui o edifício a este artista e diz que “o encargo
foi dado inteiramente a Giulio; na vida de Giovan Francesco Penni, diz que, à morte de Rafael, ele e
Giulio, como seus discípulos, “terminaram juntos as obras que ficaram inacabadas, principalmente
aquelas que ele havia começado na Vigna (a vila) do papa” (Milanesi, IV, p. 645). Hoje não há dúvidas de
que a encomenda foi dada a Rafael e que este começara a obra. A fase projetual de Vila Madama é
situada pela crítica entre os anos de 1516 e 1519, com a colaboração de Antonio da Sangallo, o jovem. À
morte de Rafael é Giulio quem assume a direção das obras também com a participação de Sangallo.
(Frommel, 1984, p. 343)
74
Palazzo Branconio dell’Aquila.
75
Palazzo Pandolfini. Segundo a inscrição posta no edifício, foi construído pelo cardeal Pandolfini, e
acabado em 1520. Na vida de Aristotile da Sangallo, Vasari afirma que o palácio foi começado por
Giovan Francesco da Sangallo, a partir de desenhos de Rafael, e terminado por Aristotile.
76
Nossa Senhora com o Menino, São Sisto e Santa Bárbara. Madonna Sistina. 1513-14. Óleo sobre tela,
265 x 196, Dresden, Gemäldegalerie.
77
São Miguel abatendo Lucífero. Óleo sobre tela, 268 x 160, Paris, Louvre. Assinado e datado de 1518.
Foi encomendado a Rafael por Lorenzo de’Medici, em 1517, por ordem de Leão X, que o enviou a
Francisco I, rei da França, em junho de 1518. Os restauros realizados por Primaticcio (1537-40) e por
Guelin (1685), e o transporte sobre suporte de tela, alteraram as qualidades originárias da pintura. A
intervenção de Rafael limitar-se-ia a algumas partes, enquanto, para a maioria da crítica, as outras seriam
de autoria de Giulio Romano. Apenas Hartt (1958) o considera totalmente obra de Rafael. Para Freedberg
(1961) Rafael teria realizado apenas a cabeça do arcanjo. Para Dussler (1971, p. 47), a execução seria de
Giulio, incluindo a paisagem. S. Ferino-Pagden (1989, p. 136) restitui a obra inteiramente a Rafael
retomando, em certa medida, a justificativa de Hartt de que seu aspecto deve-se à alteração provocada
pelo verniz e pelas restaurações. Pode-se pensar, talvez, na possibilidade de influência da gravura de
Dürer, numa obra destinada ao rei da França e num momento em que a dimensão européia adquirida pela
obra de Rafael o obrigava a uma confrontação com a arte nórdica.
78
Retrato de mulher. La Fornarina. Óleo sobre painel, 87x63, Roma, Galleria Nazionale di Arte Antica.
Assinado. É considerado o retrato da Fornarina, amante de Rafael, identificada com Margherita Luti, ,
filha de Francesco Luti de Sena, padeiro do bairro de Santa Dorotea em Roma. O mito que envolve a
obra tem inicio com o próprio texto do Vasari. Fabio Chigi, futuro papa Alexandre VII, descendente de
Agostino, mecenas de Rafael, refere-se pela primeira vez à Fornarina como cortesã: “Illius sane
meretriculae non admodum speziosam tabulam ab ipso (Rafael) effictam vidimus in aedibus Ducis
Boncompagni, figura justae magnitudinis, revicto sinistro brachio tenui ligula, in eaque aureis litteris
descripto nomine Raphael Urbinas” (Milanesi, IV, 356) “Vimos uma pintura não muito excelente daquela
sua famosa meretriz na residência do duque Boncompagni, figura de tamanho justo, com o braço
esquerdo ligado por uma liga fina, e nela o nome Rafael de Urbino escrito em letras de ouro.” Para D.
Arasse (1990) a figura poderia ser interpretada como uma Vênus. O retrato é citado pela primeira vez por
Corasduz que o viu na coleção da condessa Sforza di Santafiora, em Roma, depois pertenceu ao duque
Boncompagni. Desde 1642 é documentado na coleção da família Barberini. Muitos estudiosos atribuem a
obra a Rafael. Para Venturi (1935), Ortolani, Gronau, Pittaluga, Camesasca e Brizio a pintura seria na
maior parte do mestre e datável de 1518/19. Dussler (1971) acredita que o desenho seja de Rafael e a
execução de Giulio Romano, situando sua realização em 1518. Outros atribuem a obra exclusivamente a
Giulio Romano, (Hartt, 1958, Freedberg) pela execução e mesmo pelo fato de a beleza ordinária da
modelo ter sido considerada como indigna do grande mestre (Arasse, 1990, p. 21). Para Morelli,
Berenson e Gamba, o retrato seria obra de Giulio Romano e teria sido realizado após da morte do mestre.
Ferino-Pagden e Zancan (1989) crêem ser de autoria de Rafael a primeira camada da obra, visível aos
raios-X, que mostra um modelado mais vivaz do rosto e uma paisagem leonardesca no fundo, em vez do
ramo de murta, consagrado a Vênus que hoje se vê. Essa porção dos arbustos teria sido inteira e
sucessivamente acrescentada por Giulio, depois da morte do mestre com o intuito de ressaltar
simbolicamente as virtudes da personagem feminina como beleza, castidade, fé e amor. Ferino-Pagden
coloca a realização da pintura no ano da morte de Rafael, 1520.
79
Loggia de Psique, Roma, Vila Farnesina. A varanda do andar térreo da Vila Chigi, hoje Vila Farnesina
em Trastevere, foi ornamentada por encomenda de Agostino Chigi com afrescos figurando a fabula de
Psique, extraída do Asno de Ouro de Apuléio. A decoração foi realizada entre 1515 e 1517, sendo que
uma carta de 1 de janeiro de 1518, escrita por Leonardo del Sellaio a Michelangelo anuncia a inauguração
da obra. As pinturas, idealizadas por Rafael, foram executadas por Penni, Giulio Romano e Raffaellino
dal Colle. Giovanni da Udine foi o autor das decorações vegetais. A obra foi restaurada no século XVIII
por Maratta, e no século XIX, quando a vila passou aos Bourbon de Nápoles, por herança dos Farnese.
80
Capela Chigi, Roma, Santa Maria del Popolo. 1514. Realizada com desenhos de Rafael, a capela foi
ornamentada com mosaicos, figurando os planetas e Deus Pai, realizados em 1516 por Luigi del Pace de
Veneza, a partir de desenhos do mestre. A capela passou por uma reforma por obra de Gian Lorenzo
Bernini no século XVII. A capela, de planta circular, coberta com cúpula semi-esférica, imitando o
modelo do Panteão, e dos sepulcros imperiais romanos, apresenta nas paredes uma divisão retomando o
entablamento rítmico do Cortile del Belvedere de Bramante, inspirado na arquitetura triunfal da Roma
antiga. O edifício é considerado um dos grandes protótipos da arquitetura funerária do Renascimento
italiano.
81
Trata-se da figura do profeta Jonas realizada pelo escultor florentino Lorenzetto, a partir de um desenho
de Rafael, e talvez da figura do profeta Elias, que foi terminada mais tarde por Raffaello da Montelupo.
Lorenzetto executou também o relevo em bronze de Cristo e a mulher adúltera para o sepulcro de
Agostino Chigi, colocado no altar da capela durante a reforma de Bernini.
82
Sebastiano dal Piombo.
83
Os afrescos representam a Visão da Cruz, a Batalha de Ponte Milvio, o Batismo de Constantino e a
Doação de Roma ao papa Silvestre; junto às cenas há figuras alegóricas e figuras e histórias de pontífices.
A encomenda foi de 1517, mas a obra foi terminada só em 1524 pelos colaboradores do ateliê de Rafael,
principalmente Giulio Romano e Giovan Francesco Penni, a partir de idéias do mestre.
84
. A encomenda de Leão X a Rafael foi provavelmente do final de 1514. Os desenhos foram terminados
talvez no final de 1516, já que o artista recebeu um último pagamento em dezembro deste ano. As obras
foram enviadas a Bruxelas para o ateliê de Peter Van Aelst que realizou as tapeçarias, sendo as mesmas
expostas na Capela Sistina em 26 de dezembro de 1519. O conjunto era composto de dez tapetes com os
seguintes temas: a Pesca Milagrosa, a Entrega das Chaves a São Pedro, a Lapidação de Santo Estevão, a
Conversão de Saulo, a Cura do Aleijado, o Castigo de Elimás, o Sacrifício de Listra, a Pregação de São
Paulo, São Paulo liberto da prisão, e a Morte de Anania. Os cartões foram divididos e ficaram junto ao
ateliê de Van Aelst. Sete dos dez originais foram adquiridos em Genova, em 1623, por Sir Francis Crane,
por conta do príncipe herdeiro da Inglaterra, o futuro Carlos I, e das coleções reais inglesas passaram na
sede atual, no Victoria and Albert Museum de Londres, em 1865. A tendência da crítica atual é a de
aceitar como verdadeira a informação de Vasari de que Rafael seria também o executor dos cartões. No
entanto, parte dos estudiosos, ao longo do século XIX e XX, atribuiu a execução, e por vezes até mesmo a
concepção das cenas, ao ateliê do mestre. Milanesi (1878-1885) menciona Penni e Giovanni da Udine;
Dollmayr (1985), Penni; Hartt, Giulio Romano. O próprio Vasari, na vida de Penni, dá motivo para as
dúvidas. Ele escreve (1568, IV, p. 644): “ Penni deu grande ajuda a Rafael em pintar grande parte dos
cartões das tapeçarias da capela do Papa e do consistório, e particularmente os frisos”. Essa passagem,
entretanto, é um acréscimo feito por Vasari à edição de 1568. Os alunos poderiam ser responsáveis por
algumas partes -como o fundo, e alguns elementos acessórios- mas as obras seriam acabadas pela mão de
Rafael, como sugere Hartt (1958).
85
São João Batista adolescente. Óleo sobre tela, 165 x 177, Florença, Galleria dell’Accademia. O quadro
encontrava-se nos Uffizi já em 1589, depois passou no Palazzo Pitti e posteriormente na sede atual. A
crítica moderna atribui a obra ao ateliê de Rafael, datando-a entre 1518 e 1520. Existem muitas réplicas
antigas.
86
A Transfiguração. 1518-20. Óleo sobre painel, 405x278, Roma, Pinacoteca Vaticana. O retábulo foi
encomendado em 1517 pelo cardeal Giulio de’Medici para a catedral de Narbonne. Em 1523 foi colocado
na igreja romana de San Pietro in Montorio onde ficou até 1797, quando foi levado para a França. Depois
de ser devolvido em 1815, foi destinado à sede atual. O cardeal Giulio de’Medici encomendou para a
mesma igreja de Narbonne, de que era bispo, outro retábulo representando a Ressurreição de Lazaro ao
renomado pintor veneziano Sebastiano dal Piombo, provocando assim uma competição entre este último
e Rafael. Houve intervenção dos colaboradores na parte inferior da obra, no entanto o depoimento de
Vasari de que o mestre trabalhou pessoalmente na obra até o fim deve ser considerado como
essencialmente verídico. A impressão de ambigüidade espacial entre o primeiro plano e parte superior da
pintura, freqüentemente destacada pela crítica, parece intencional e fruto da inserção do episódio da cura
do menino possesso colocado em primeiro plano. O mesmo, como se pode deduzir dos desenhos
existentes, foi acrescentado num segundo tempo para aludir a Cristo como verdadeiro médico, e portanto
ao nome de família do cardeal Giulio, criando ao mesmo tempo um paralelo com a cena de Lazaro. A
característica espetacular e dramática da composição que teve extraordinária fortuna nos séculos
posteriores deve-se particularmente ao uso da luz e de diferentes geometrias espaciais na contraposição
das duas cenas. De maneira geral, a intervenção dos alunos -Giulio Romano e Penni- é visto na porção
inferior da obra, enquanto a parte superior é tida como sendo quase totalmente de mão de Rafael. Na parte
inferior, o grupo dos apóstolos à esquerda é considerado superior ao dos personagens a direita
(Oberhuber, 1982). Portanto caberia a Rafael grande parte dessas figuras, sobretudo a de Santo André
sentado, na parte inferior esquerda. Já o grupo em volta do menino possesso não mostraria quaisquer
sinais da mão de Rafael, cabendo sua autoria, na maior parte a Giulio Romano. De Giulio seria a
execução da mulher ajoelhada e daquela à sua frente, o garoto e as testemunhas às suas costas (Passavant,
Cavalcaselle e Crowe, Dollmayr, Berenson). Os pagamentos finais para a obra foram exigidos
unicamente por Giulio Romano quando este se encontrava estabelecido em Mantova há mais de um ano,
em 1522, por intermediação de Baldassar Castiglione, e o saldo total foi pago a Giulio somente em 1526.
87
Toda esta parte do texto falta na edição das Vite de 1550, a qual continua “tinha Rafael intima amizade
com o cardeal Bernardo Dovizi da Bibbiena...”