DIREITO DA ENERGIA I - Apontamentos

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DIREITO DA ENERGIA “I”1

(APONTAMENTOS)

Oliveira Sitoe
(Advogado, docente e investigador)

Maputo - 2021

1
APONTAMENTOS PARA A TURMA DO 4.º ANO DO CURSO DE DIREITO – UNIVERSIDADE
PEDAGÓGICA DE MAPUTO - 2021
DIREITO DA ENERGIA
Uma perspectiva da justiça inter-geracional

Introdução
O presente trabalho teve seu impulso na decorrência da leccionação da disciplina de
Direito da Energia I ministrada pela Faculdade de Ciências Sociais e Filosóficas da
Universidade Pedagógica de Maputo, durante o primeiro semestre de 2020. A cadeira curricular
está inserida no curso de licenciatura em Direito – Direito da Energia e Recursos Naturais. A
elaboração deste trabalho deveu-se a conjugação de vários métodos de procedimento,
nomeadamente: investigação bibliográfica (pela consulta dos manuais, Revistas, artigos
científicos, relatórios, etc.), Investigação documental (através da análise da legislação,
memorandos, contratos e planos estratégicos aplicáveis ao sector, etc.), investigação
electrónica (visita aos sítios de internet relevantes).
O trabalho é, outrossim, fruto da consolidação temática com vários profissionais que
lidam directamente com a indústria energética, com destaque para os petro-engenheiros.
Para além destes procedimentos que nos referimos acima, o trabalho compreenderá
pesquisas de campo que, certamente, terá a participação de, máxime, dois estudantes
empenhados na cadeira.
Sob o ponto de vista do conteúdo, a presente obra procura resolver questões técnico-
científicas (conceitos, princípios, institutos) e práticas – intimamente ligadas à indústria
petrolífera (regimes fiscal, contratual e de resolução de controvérsias) que requerem,
oportunamente objectivação e realização.
Esta obra responde, igualmente, as questões técnicas que me foram suscitadas em
Março de 2016 (há mais de 4 anos) aquando da apresentação de um trabalho científico
subordinado ao tema “o regime jurídico da propriedade estatal do gás natural face à garantia
da sustentabilidade energética”, na Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane.
A questão assente estava relacionada ao horizonte temporal ou ao número de gerações que
deverão beneficiar dos direitos relativos aos recursos petrolíferos. Os direitos a que nos
referimos devem sempre reflectir todas as fases ou processos. Se se tratar do sector petrolífero,
por exemplo, os direitos começam desde a fase upstream até a fase downstream. Porque assim
o exigem os paradigmas de justiça e soberania inter-geracionais ou inter-temporais.
Foi em atenção a isso, que desenvolvemos o que consideramos como género da espécie
“fundo soberano”. O conceito da “reserva soberana”. Que representa uma concepção
avançada relativamente ao conceito “fundo soberano”. Porque vai para além da árdua gestão
das receitas decorrentes das operações petrolíferas. Justamente, pelas garantias que devem ser
criadas ao nível upstream, relativamente aos recursos in situ.
A proposta da presente obra nunca deve ser tida como um produto acabado sob pena de
limitarmos, ditando seu fim, a dimensão ôntica da justiça, que nunca se dá por esgotada em
simples regras textuais, sempre limitadas no tempo e no espaço, por mais elevado seja o grau
de satisfação daqueles a quem se destinam as suas regras, no tempo e no espaço. A obra
representa sim, um apelo à consciência colectiva para a criação efectiva de direitos, liberdades
e garantias inter-temporais; um convite ao retorno da investigação contínua, independente e
ininterrupta.
Como realçamos na obra, o grande desafio, por exemplo, não está na criação de uma
lei de conteúdo local adequada à realidade empresarial dos moçambicanos. Muito menos na
criação de um fundo soberano consentâneo às expectativas dos moçambicanos sob o ponto de
vista da transparência e prestação de contas. Mas sim, na capacitação científica dos
moçambicanos para desenharem ou criarem leis, modelos, contratos, políticas, planos que
satisfaçam os propósitos de bem-estar social, económico e cultural, justiça social e segurança
dos moçambicanos.
CAPÍTULO I
Noções gerais: Conceitos, evolução e dogmática

Conceito de energia
Para compreendermos sobre o direito da energia é imperioso sabermos o que é energia
e quais são os elementos integrantes dentro da sua complexa conceituação. A ignorância do
conceito da energia e da complexidade dos elementos que o compõem, pode prejudicar não só
a qualidade dos processos legiferantes como também as técnicas hermenêuticas que competem
aos profissionais de direito. Um jurista devoto ao direito da energia deve, no mínimo, aplicar
as suas habilidades gnosiológicas e intelectuais para dominar as conexões interdisciplinares
coexistentes e subjacentes no campo da energia. Este não é um labor atribuído tão somente aos
académicos, pesquisadores ou professores universitários mas compete igualmente ao consultor,
advogado, procurador, juiz, legislador que, por alguma razão, lida com algum assunto
relacionado com o direito da energia.
É um labor que, em bom rigor, carece de algum sobrevoo sobre os campos de
engenharia, matemática, gestão, economia, geologia, física, Química, entre outros segmentos
científicos. É um sobrevoo e não um mergulho. Pois não é exigível que o jurista seja
especialista nestes segmentos científicos. Mas sim, lúcido para considerar a sua crucial
importância.
Sem prejuízo das predileções científicas e terminológicas que adoptaremos nos
próximos capítulos, começaremos, sob influência da vestimenta positivista, ou seja, pelo
conceito legal.
Segundo a política de Desenvolvimento de Energias Novas e Renováveis, aprovada
pela Resolução n.º 62/2009, de 14 de Outubro, “energia” é a “capacidade de um corpo, um
sistema físico ou uma substância de produzir trabalho mecânico ou equivalente. São várias as
formas de energias produzidas, nomeadamente: energia cinética, potencial, térmica, eólica,
luminosa, elétrica, entre outras.”
Em termos mais simples, diríamos que energia é a capacidade ou força que um corpo
tem para gerar um resultado mecânico. Um dos indicadores para definir um pais como
desenvolvido é a sua facilidade de acesso aos serviços essenciais como água, transporte, saúde,
educação, energia, entre outros. Ora, a energia representa o leitmotiv do desenvolvimento
económico e social na medida em que fornece, de modo indispensável, um apoio mecânico,
térmico e eléctrico às acções humanas.
O conceito de energia integra alguns termos técnicos, de crucial importância, que
passamos a descrever.
Fontes primárias – fontes fornecidas pela natureza de forma directa (petróleo, gás
natural, carvão mineral, energia hidráulica, lenha, etc.)
Fontes secundarias – energia transformada a partir de fontes primarias, em centros de
transformação. Alguns exemplos são: óleo, diesel, gasolina, coque de carvão, electricidade, etc.
Produção de energia elétrica2 – conversão em energia eléctrica de qualquer outra
forma de energia, seja qual for a sua origem.
Centros de transformação – locais onde parte da energia primaria é convertida em
energia secundaria (refinarias de petróleo, usinas de gás natural, coquerias, usinas hidro-
eléctricas, etc.)
Comercialização de energia eléctrica3 – venda da energia elétrica a um consumidor
para utilização própria ou para efeitos de revenda a terceiros.

Conceito do direito da energia


Em teoria, há vários esforços envidados com vista a dissecar um conceito próprio e
adequado a este seguimento normativo e científico, o chamado direito da energia.
Ora, considerando todos os elementos metodológicos aplicáveis, o conceito do direito
da energia deve reflectir, no mínimo, todos processos ou fases que estão ligados a toda uma
cadeia de produção e utilização da energia e, antecedida, quando necessário, de pesquisas e
prospecções. No sector do petróleo e gás, onde estes pressupostos são inelutáveis, o direito
deve incidir sobre as fases upstream, midstream e downstream, incluindo construções onshore4
e offshore5. Já no sector eléctrico, o direito deve regular sobre a produção, transporte,
distribuição, comercialização e consumo da energia eléctrica. No sector das energias novas e

2
Cf. n.º 12 do artigo 1 da Lei n.º 21/97, de 1 de Outubro
3
Cfr. n.º 1 do artigo 1 da Lei n.º 21/97, de 1 de Outubro.
4
Baseadas no continente, em terra firme. Historicamente, as primeiras operações petrolíferas, ocorridas nos EUA
por volta da metade do século XIX, foram realizadas em terra firme.
5
Localizadas no alto mar. Esta modalidade é muito mais exigente devido ao local das explorações. A exigência é
tanto profissional quanto financeira. Por um lado, o profissional fica um tempo considerável longe da sua família
e convívio social, com as implicações de natureza psico-social. Por outro lado, o custo de instalação associado a
factores de risco multifacetados é um dado assente.
renováveis, o direito deve no mínimo regular as fases que acabamos de indicar relativamente
ao sector elétrico com mais ou menos especificidades e necessárias adaptações.
Considerando o exposto acima, o direito da energia é, no sentido técnico jurídico, o
segmento normativo e directivo de direito público que regula a pesquisa, prospecção, produção,
armazenamento, comercialização, distribuição e consumo da energia. É importante realçar
ainda que o direito da energia cuida das implicações decorrentes da utilização de energia.
Numa perspectiva dogmática, deve ser o ramo de direito público que estuda ou prepara
normas, politicas e instrumentos conexos (Planos, Projectos, directrizes, memorandos,
contratos, entre outros) sobre a pesquisa, prospecção, produção, armazenamento,
comercialização, distribuição e consumo da energia. Como é óbvio, consideramos este o ponto
mais importante, porquanto constituir o ponto de partida. Ou seja, qualquer empreendimento
ou actividade relativa às operações petrolíferas está dependente de investimentos científicos,
de pesquisas e simulações científicas ou laboratoriais. A eficácia, por exemplo, de instalação
do casco da plataforma flutuante do Coral do Sul FLNG6 em Cabo Delgado, unidades de
descargas e de produção, é aferida em laboratórios e estudos científicos que envolvem
engenheiros (petroquímico, metalúrgico, logístico, mecânico, hidráulico, ambiental, civil,
informático, etc.) e cientistas de várias áreas de saber (Geologia, Matemática, Física, Direito,
Gestão, Economia, Diplomacia, Biologia, etc). Quer dizer, a ciência energética é dotada de
precedência lógica e cronológica.Filosoficamente, diríamos que a ciência é inútil se ela
representar a “coruja da minerva que só levanta o voo ao entardecer” (perspectiva
contemplativa de HEGEL7). Mas a sua utilidade é concretizada pela sua prévia intervenção à
produção de energia, considerando as devidas adaptações ao pensamento de MARX. Este papel
interventivo da ciência não se esgota ao momento que antecede trabalhos de produção de
energia mas acompanha todo o seu processo e as fases.

6
Lançado pelos parceiros da área 4, operada pela Mozambique Rovuma Venture, S.p.A. (MRV), uma
joint venture incorporada de propriedade da ENI, ExxonMobil e CNPC, que detém uma participação
de 70% no contrato de concessão de exploração e produção da Área 4. O Consórcio inclui ainda a
Empresa Nacional de Hidrocarbonetos E.P. (ENH), a Galp Energia Rovuma B.V. e KOGAS
Moçambique ltd. Cada uma destas com 10% de interesse participativo. A ENI lidera a construção e
operação da instalação flutuante de gás natural liquefeito em nome da MRV
(http://www.inp.gov.mz/pt/Noticias/Parceiros-da-Area-4-Lancam-o-Casco-da-Plataforma-Coral-Sul-
FLNG).
7
HEGEL, G.W.F. Princípios da Filosofia de Direito. Tradução: Orlando Vitorino. São Paulo: Martins Fontes.
1997.
Natureza jurídica do direito da energia
Quando se discute sobre a natureza jurídica, pretende-se responder à pergunta: “qual
essência?” Pretende-se aferir sobre o significado último dos institutos jurídicos, podendo ser
entendida como afinidade que um instituto tem em diversos pontos, com uma categoria
jurídica, onde esteja incluído a título de classificação. Portanto, determinar a natureza jurídica
de um certo instituo jurídico ou ramo da ciência jurídica, implica fixar a sua essência ou indicar
a sua classificação ou caracterização no universo de figuras existentes no Direito8. Em termos
sintéticos, falar da natureza jurídica de um instituto é compreender a sua questão ôntica, sua
conexão conceptual e/ou principiológica, seu locus dentro do universo jurídico.
O direito da energia faz cruzamentos constantes e inquebrantáveis com várias
disciplinas sejam do direito privado sejam do direito público. Dentro do direito privado, o
direito da energia encontra aconchego suave no direito comercial e empresarial. Estabelece
ainda uma forte comunicação com o direito civil, tronco mãe de todo o direito privado.
Já no direito público, o direito da energia é disputado entre os territórios
administrativistas. Basta repararmos para as suas portas de entrada de investidores. As regras
de jogo são normas de contratação pública.
De forma desapaixonada, diríamos que o direito da energia é uma disciplina
tendencialmente do direito público, traduzido pelo modo de aplicação do poder público no
vasto campo da energia. Isto é reforçado pela crescente emergência e robustez das instituições
públicas. Basta pensar-se em organismos como: Autoridade Reguladora de Energia (ARENE)9,
criada em 2017, Fundo de Energia (FUNAE)10, criada em 1997, Empresa Nacional de
Hidrocarbonetos (ENH), Instituto Nacional de Petróleos (INP), pelo Conselho de Ministros ao
abrigo do Decreto n.º 25/2004 de 20 de Agosto11, entre outras entidades públicas.
Há quem, porém, defenda que o direito da energia é, na essência, um direito
administrativo especial pelo facto de conter princípios que se rebelam do cariz principiológico
tradicional do direito administrativo, marcado por assentes poderes de autoridade.
Assim, pelo facto do direito da energia reflectir mais poder de direcção do Estado e não
poderes de autoridade pode se concluir que aquele representa uma nova roupagem ou

8
Cf. STRENGER, Irineu. Contratos Internacionais do Comercio. São Paulo: Editora LTR., pp. 69-75.
9
Criada ao abrigo da Lei n.˚11/2017, de 8 de Setembro, tendo como competência instruir e tramitar os processos
de concurso público para atribuição de concessões de produção, transporte, distribuição e comercialização de
energia electrica, emitir o respectivo paracer, bem como dos pedidos de transmissão das concessões.
10
Criada ao abrigo do Decreto n.˚ 24/97, de 22 de Julho, cujo objecto é o desenvolvimento das fontes alternativas
de energia.
11
Cfr. em www.inp.goc.mz
vestimenta do direito administrativo ou, ainda, uma “reinvenção do direito administrativo no
contexto de uma crise de identidade”12. Por isso, trata-se ao nosso ver de um direito
tendencialmente administrativo ou um direito quase administrativo, se considerarmos de forma
lúcida as particularidades do seu regime jurídico, as especificidades de natureza tributária,
auto-imposição de mecanismos próprios de resolução de controvérsias, a segurança e certeza
jurídicas que se pretendem alcançar não obstante os elevados factores de risco sob o ponto de
vista ecológico13, económico, tecnológico, social14, circunstancial15 e militar16.
Dúvidas não subsistem relativamente ao manto privatista de que se reveste o direito da
energia. Basta olharmos atentamente para certos contratos, principalmente, os mais utilizados.
O contrato de concessão tem a particularidade de suprimir a titularidade pública da coisa (e.g.
petróleo)

Contexto do surgimento do direito da energia e sua evolução história

12
TAVARES DA SILVA, Suzana (2011). Direito da Energia. Coimbra Editora. p. 26
13
Nunca se podem ignorar eventos de carácter ecológico, que podem configurar em direito, casos de força maior
(pense-se, por exemplo, nos fenómenos naturais fora do controlo humano: ciclones devastadores, tsunamis,
terramotos, maremotos, etc.).
14
Basta pensarmos em razões que decorrem de convulsões sociais causadas por conflitos ou desentendimentos
entre as InternationalOilCompany (IOC) e as populações circunvizinhas ou comunidades locais. Recorde-se que
o constitucionalismo social mexicano que culminou com a nacionalização das empresas petrolíferas decorreu de
problemas sociais. Em Moçambique, esta realidade social não pode ser ignorada.
15
Basta pensarmos na actual situação pandémica do novo corona vírus – COVID 19, que obrigou maioria dos
Estados a tomar medidas legais que possam evitar a sua propagação. Uma das medidas foi a declaração do Estado
de Emergência, por um período de 30 dias, através do Decreto Presidencial n.º 11/2020, de 30 de Março, ratificado
pela Lei n.º 1/2020, de 31 de Março. E, reconhecendo a continua propagação a todos os níveis prorrogou o Pais
prorrogou o Estado de Emergência, por igual período de 30 dias, através do Decreto Presidencial n.º 12/2020, de
29 de Abril, ratificado pela Lei n.º 4/2020, de 30 de Abril. Esta medidas e outras com carácter de execução
administrativa (Decreto n.º 26/2020, de 8 de Maio – que estabelece uma série de medidas de execução para a
prevenção e contenção da propagação da pandemia COVID 19, Directiva n.º 03/TS/GP/2020, de 01 de Abril –
com implicações dentro da maquina de administração da justiça) têm um impacto directo nas operações
petrolíferas. Porquanto uma situação pandémica como esta representar casos de força maior, com todas as
implicações legais e contratuais que já assistimos em Moçambique.
16
Este é dos problemas mais cabeludos com repercussões trágicas sob o ponto de vista económico (em termos de
investimentos mobilizados pela IOC) e fiscal (que pode forçar/originar novos tipos regulatórios fiscais,
enfraquecendo, assim, a soberania tributaria em questões dos Impostos sobre Petróleo Produzido – IPP, conforme
a Lei n.º 27/2014, de 23 de Setembro – que estabelece o Regime Específico de Tributação e de Benefícios Fiscais
das Operações Petrolíferas). A situação vivida na região nortenha de Moçambique, alguns distritos de Cabo
Delgado com destaque para Mocímboa da Praia, é uma evidência indicativa de que a situação militar pode
paralisar o curso normal da indústria energética que neste momento depende, fortemente, de muito equipamento
importado via marítima. O ataque na Mocímboa é na verdade estratégico porque o Distrito de Palma onde
decorrem actividades de instalação para produção está dependente de equipamento adquirido via portuária, neste
caso, porto da Mocímboa da Praia.
O direito da energia ganhou azas com a emergência da indústria petrolífera. Se olharmos
para os dados trazidos pelo renomado historiador DANIEL YERGIN17, sobre o contexto
histórico da segunda metade do século XIX, percebe-se que as investigações feitas pelo
professor BENJAMIM SILLMAN, da universidade de YALI sobre o “rock oil” no Estado da
Pensilvânia foram determinantes para a aparição da indústria petrolífera. O grupo de
investidores que financiou as pesquisas desenvolvidas pelo professor de Química, viu seus
investimentos condicionados aos resultados da pesquisa18. Ou seja, só depois dos resultados
científicos, que conferiram alguns sinais de certeza e segurança, lançou-se mão aos
investimentos iniciais. Recorde-se que Pensilvânia é um dos berços da revolução industrial dos
Estados Unidos de América (EUA), que se iniciou em meados do Século XIX. Na verdade, a
Pensilvânia, a Ohio e, posteriormente, Texas, constituem as grandes províncias petrolíferas dos
EUA19. Seguidamente, Rússia e Indonésia tornaram-se importantes produtores na arena
internacional. Regista-se que os anos 1898 e 1901, a produção russa na Região de Baku,
controlada pelas famílias Nobel e Rotschild, superou a produção dos EUA20, que só recuperou
a liderança com as descobertas de Texas.
O direito por sua vez ganhou consolidação entre finais do Século XIX e princípios do
Sec. XX nos EUA, em que os principais países produtores viram-se obrigados a produzir
regulamentação específica ao sector e, consequentemente, exercer maior controlo ao cenário
de lassezfaire que caracterizava a indústria petrolífera. O novo ritmo industrial assim o exigia,
dando lugar ao que chamamos de era da regulação energética.

Por seu turno, EUA que era o arcabouço histórico desta indústria energética, assistiu o
nascimento de fenómenos como truste21, dumping22 próprios da concorrência desleal. Isso

17
YERGIN, Daniel (1990). The Prize: Quest for Oil, Money and Power. New York: Simon & Schuster, pp. 19-
34.
18
Ousadamente, diríamos, foi a fome de um professor universitário que oxigenou a aparição da industria
petrolífera. Em honra, a indústria petrolífera devia continuar a financiar pesquisas nas universidades.
19
PIMENTEL, Fernando/ FUNDAÇÃO ALEXANDRE DE GUSMÃO (coord.). O fim da Era do Petróleo e
mudança do paradigma energético mundial: perspectivas e desafios para actuação diplomática brasileira.
Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão 2011, p. 32
20
MIR-BABAYEV, Yusuf. Baku Baron Days apud PIMENTEL, Fernando/ FUNDAÇÃO ALEXANDRE DE
GUSMÃO (coord.), op. Cit, p. 32
21
Que vem da expressão inglesa “trust” (que tem o significado de confiança) para traduzir a ideia “administrador
de confiança”. A expressão passou a denominar o monopólio de um sector de produção económica, em que duas
empresas se fundem para um maior e efectivo controlo do consumidor.
22
É uma prática comercial em que uma ou mais empresas vendem seus produtos e serviços abaixo do preço do
mercado, inviabilizando o modelo de negócios de outra empresa.
marcou significativamente os cenários “vampíricos”23 do sector petrolífero nos EUA. Em que
ROCKEFELLER depois de fundar a Standard Oil Company em 1870, que se tornou o maior
truste petrolífero nos EUA, procurou assumir maior controlo dos processos de extração,
refinaria e comercialização dos produtos petrolíferos, socorrendo-se de métodos inibidores da
concorrência. Por via de dumping, sumiço de barris, suspensões repentinas de compra de
petróleo, ROCKEFELLER obrigava seus concorrentes, proprietários de outras empresas
petrolíferas a desistirem dos seus negócios e, por conseguinte, venderem suas empresas. Nisso
tudo, ROCKEFELLER formava um império, um conglomerado (fusão de várias empresas).
Foi necessária a criação da lei Sherman (Sherman Act) ou, simplesmente, lei anti-trustee (por
quanto ter sido criada pelo Senador JOHN SHERMAN do Estado da Ohio) em Julho de 1880.
Sem entrarmos profundamente em detalhes próprios de historiografia jurídica, a Lei Sherman
estabeleceu dois tipos de ilícitos: os referentes aos acordos que restringiam actividade
económica ou comércio (in restraint of trade or commerce) e os relativos aos actos de
monopólio parte de actividade económica ou comércio. Depois de editado na sequência de
pressões políticas, o instrumento passou a disciplinar as acções de empresários que
controlavam grandes concentrações de capital, combatendo assim trusts e private monopolies.

Em 1906, o Presidente THEODOR ROOSEVELT chegou a instaurar um processo


contra a Standard Oil Company24, pelo facto desta violar a Lei Antitruste Sherman, este
processo arrastou-se até 1909, onde a empresa do empresário ROCKEFELLER foi condenada.

Da decisão, ROCKEFELLER, interpôs recurso que só veio a ser decidido em 1911 em


que decisão era novamente desfavorável. A sentença consistiu no desmembramento da
empresa. Daqui surgem oito empresas: Esso (mais tarde,Exxon), Móbil Oil, Chevron, Sohio,
BP, Amoco, Continental Oil e a Atlantic. Hoje, a ExxonMobil25, que em Moçambique lidera
e operação futura do gás natural liquefeito e instalações relacionadas para área 4, é resultado
da fusão ocorrida no dia 30 de Novembro de 1999 entre a Exxon e a Mobil.

23
próprios do capitalismo selvagem.
24
Roosevelt alegava crescimento desleal da empresa que eliminava a liberdade concorrencial
25
Visite-se https://www.exxonmobil.co.mz/pt-MZ/About/Who-we-are/Rovuma-
LNG#VisãoGeral (data de acesso dia 22 de Maio de 2020 | 20h:12minutos)
No campo internacional26, a constituição mexicana de 1917 (a chamada “Carta Política
de México”), que é considerado o berço do constitucionalismo social27, consagrava a
nacionalização das empresas petrolíferas dentro do território nacional. Estas Medidas jurídico-
constitucionais foram antecedidas por um ciclo revolucionário mexicano, caracterizado pelo
conflito aceso entre as International Oil Companies (IOC) e os Estados detentores de petróleo,
que iniciou em 1910 e veio a culminar com a promulgação da constituição de 1917.
Na sequência do avanço da industrialização assistida no século XX, a economia tornou-
se fortemente dependente da tecnologia desenvolvida a partir de derivados do petróleo que por
sua vez eram utilizados nos motores de combustão interna.
Depois da II Guerra Mundial, o uso de energias não renováveis, como energia nuclear,
derivados de petróleo e carvão mineral aumentou brutal e significativamente, o que concorreu
de forma intensa na emissão de gases com efeito estufa.
Contudo, não tardou que preocupações relativamente à escassez e exaustão das reservas
de petróleo e do carvão dessem lugar à viragem das atenções. Esta viragem foi ainda acelerada
pelas preocupações advindas de vários quadrantes do mundo sobre os impactos ambientais com
efeitos globais, danosos e irreversíveis. Esta viragem significou aquilo que se designa por
“transição energética”.
Ou seja, o homem reconheceu que os seus interesses em relação à corrida pelo
desenvolvimento industrial devem ser acompanhados por atitudes que não sejam prejudiciais
ao meio ambiente. Este cenário foi igualmente acompanhado pelos esforços atinentes à
produção legislativa sobretudo no domínio das normas do direito internacional. A conferência
de Estocolmo (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em
1972), representou um dos primeiros arcabouços jurídicos em matéria de protecção do
ambiente. Ou seja, o direito da energia passou a ser escalpelizado em atenção à questão
ambiental. Por isso os princípios de sustentabilidade ambiental e sustentabilidade energética
formam uma unidade dialéctica de nascimento e existência.

26
Pelo facto da Constituição mexicana de 1917 ter influenciado várias constituições, incluindo a Constituição de
Weimar (alemã), que veio a ser promulgada em 1919, em matéria de constitucionalismo social.
27
Pela consagração acentuada dos direitos sociais e trabalhistas (artigos 3, 4, 5, 25 a 28 e 123). “En México brotó
la primera revolución social del siglo XIX que culminó en la expedición de la constitución de 1917.
Enellaaparecen, por la primera vez, enlos textos constitucionales, princípios de nacionalismo económico, defensa
de los recursos naturales, definicióndel papel intervencionista del Estado y estabeleciendoderechosen benefícios
de los grupos sociales menos favorecidos, obreros y campesinos, así como princípios básicos de protección
social” (TORRUCO, José Gamas. Derecho Constitucional Mexicano. UNAM: Editorial Porrua. México. 2001, p.
72).
No dia 14 de Setembro de 1960, a história e o direito testemunharam o nascimento de
uma organização intergovernamental, designada Organização dos Países Exportadores do
Petróleo (OPEP28 ou, pelo seu nome em Inglês, OPEC). Na sua gênese, a organização contava
com cinco membros fundadores (Irão, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Venezuela). A OPEP
tinha como missão coordenar e unificar as políticas de petróleo de seus países membros e
garantir a estabilização dos mercados de petróleo, a fim de garantir um fornecimento eficiente,
económico e regular deste recurso aos consumidores, uma renda estável aos produtores e um
retorno justo de capital para aqueles investidores da indústria.
A Agência Internacional da Energia (AIE)29 é fundada em 1974, no contexto da crise
de petróleo decorrida nos anos 1973/1973, em virtude de bloqueios impostos pelos maiores
produtores de petróleo (OPEP) que consistiam em preços exageradamente altos. Assim, a AIE
predispunha-se a resolver e alcançar questões como “segurança energética” (energy security) e
cooperação política energética (energy policy co-operation). Esta iniciativa resultou da
conjugação dos integrantes da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico
(OECE), criada em 16 de Abril de 1948 no contexto pós-guerra, através da Convenção de
Cooperação Económica Europeia. Este processo inseria-se dentro do plano Marshall30 que
visava a recuperação económica dos Estados europeus.
Sob o ponto de vista normativo, a AIE estabeleceu o Acordo sobre o Programa
Internacional de Energia (Agreement on An International Energy Program, ou habitualmente
designado I.E.P.)31, que configura um tratado internacional sobre a urgência de um sistema de

28
Que a partir de 1965 passou a ter sede em Viena, Áustria.
29
The IEA was born with the 1973-1974 oil crisis, when industrialised countries found they were not
adequately equipped to deal with the oil embargo imposed by major producers that pushed prices to
historically high levels. This first oil shock led to the creation of the IEA in November 1974 with a
broad mandate on energy security and energy policy co-operation. This included setting up a
collective action mechanism to respond effectively to potential disruptions in oil supply. The
framework was anchored in the IEA treaty called the “Agreement on an International Energy
Program,” with newly created autonomous Agency hosted at the OECD in Paris. The IEA was
established as the main international forum for energy co-operation on a variety of issues such as
security of supply, long-term policy, information transparency, energy efficiency, sustainability,
research and development, technology collaboration, and international energy relations.
(https://www.iea.org/about/history).
PRICE, Harry Bayard (1955). The Marshall Plan and its Meaning. Oxford University Press; FAUSTO DE
30

QUADROS, André Gonçalves Pereira (1997). Manual de Direito Internacional Público. 3.ª Edição. Almedina, p.
576. Uma referência impreterível é o texto original MarshalPlanSpeechby GEORGE MARSHALL.
“The I.E.P. Agreement set forth in formally binding terms the necessary provisions for the oil
31

Emergency Sharing System and other elements of the Agency, and provided the framework for co-
operation (…)The agreement on an International Energy Program, signed on on behalf of the initial
partilha e cooperação (emergencysharingsystem). Os fundadores assim o quiseram pela
consagração de regras vinculativas e obrigações governamentais nos primeiros cinco capítulos
da I.E.P. e, garantindo assim, força vinculativa superior a um simples instrumento normativo.
Certamente, a AIE jogou a favor da consolidação do novo paradigma energético
baseado em energias renováveis que de longe, são limpas e formidáveis ao ambiente.
E as conferências RIO (1992), JOHANESBUGO (2002), RIO + 20 (2012) que tiveram
lugar posteriormente, passaram a estabelecer medidas concretas sobre a salvaguarda do meio
ambiente, a promoção de eficiência no uso de energia e dos recursos como também a
responsabilidade dos países ricos em relação aos países “pobres”32, evidentemente, pelo facto
daqueles terem enriquecido à custo do uso abusivo de recursos nefastos ao ambiente. Embora
esta responsabilidade não tenha sido definida em concreto ou, não tenham sido definidos os
termos pelos quais irá decorrer a responsabilidade daqueles países em favor dos países não
desenvolvidos, com fraca capacidade financeira para suportar os irreversíveis impactos

sixteen Member states on 18 November 1974, reflected the founders’ conviction that the Program
should be established in an international treaty rather than in an instrument of lesser juridical standing.
The most compelling reason for the treaty approach was the need to establish the Agency’s
Emergency Sharing System, set out in the first five Chapters of the Agreement, in absolutely binding
terms from a legal standpoint. In situations of oil supply disruptions presenting high economic and
political stakes, it could not be excluded that states might be drawn into action which did not entirely
conform to the interests of the group as a whole. Internal as well as external forces acting on the states
might have disruptive effects in the course of a crisis, particularly a deep and prolonged crisis
bringing severe suffering to their constituencies. At times the costs of compliance with a system of oil
sharing might be high. The short term interests of a country could run counter to respect for the
interests of the group as a whole. In some situations there could be pressures by oil producers on
selected Members. Or compliance might jeopardize other political objectives, leading industrial
countries toward “beggar-my- neighbour” rather than co-operative sharing actions. Although such
difficulties were foreseeable, the founders could not allow them to undermine the objectives of the
new Agency. The IEA’s Sharing System could not function unless all Members respected their oil
stocking and demand restraint commitments and carried out their oil sharing obligations fully and
promptly when they arose under the fail-safe IEA formulations. Since the founders had seen the
divisive factors at work in various degrees during the 1973-1974 crisis, they naturally wished, in the
application of their political objective of sharing the available oil supplies, to minimize those potential
risks to the integrity of the new emergency response system…” in SCOTT, Richard (1994). Origins
and Structure. Vol. I. International Energy Agency, p. 20.

Agenda 21, produzida na conferencia de 1992, que representa um compromisso entre as diferentes nações
32

participantes, propondo soluções e alternativa em favor da sustentabilidade e, assim, acelerar a substituição dos
actuais padrões de desenvolvimento (produção e consumo) na direcção de um novo paradigma.
ambientais. A título de exemplo, a seca decorrente do aquecimento global é um dos problemas
críticos que os países em vias desenvolvimento enfrentam.
Actualmente, Alemanha representa um protótipo da transição a que nos referimos, e
decidiu transformar radicalmente o seu abastecimento energético, sendo que a sua meta é de
até 2050 produzir energia a partir das fontes renováveis, nomeadamente, água, vento, sol,
biomassa, etc.
Hoje, o direito da energia representa uma ciência complexa (por respeitar à regulação
de vários sectores energéticos, tendo em consideração a diversificação da matriz energética),
pró-sustentável (porque promove novos padrões de produção e consumo) e interdisciplinar
(porque não ignora outros campos científicos complementares).
Em Moçambique, o direito da energia deve ser pensado desde a era colonial, período
anterior à proclamação da independência do novo Estado, em que Moçambique era província
ultramarina de Portugal. Tendo ganhado mais dinâmica na era pós-colonial com implantação
de instituições-chave em matéria de pesquisa, produção, comercialização, controlo dos
recursos energéticos.
Sob o ponto de vista hidroelétrico, o destaque vai para a barragem de Cahora Bassa,
construída entre finais da década de 1960 e princípios da década de 1970, na província de Tete.
Durante longo período, Portugal detinha a maioria da participação dos empreendimentos desta
barragem, cenário que perdurou até 2007, em que se dá a reversão a favor do Estado
Moçambicano, passando este a deter 85% das acções da barragem, conforme se extrai do
preâmbulo do Decreto n.º 55/2008, de 27 de Novembro que aprova e publica o “Acordo entre
o Governo da República da África do Sul, o Governo da República de Moçambique e o
Governo da República Portuguesa Relativo a Alterações ao Acordo Respeitante ao Projecto de
Cahora Bassa de 2 de Maio de 1984, assinado em Maputo em 27 de Novembro de 2007”33.
O Gás natural foi descoberto na década de 1960, período em que Moçambique estava
sob domínio colonial. Mas não foi nesse ano onde iniciou a actividade extractiva.
A Agência Nacional de Energia Atômica (ANEA)34, um órgão chave no sector de
energia atômica, que exerce a função de Autoridade Reguladora na República de Moçambique,
com poderes de regulação, supervisão, fiscalização, inspeção e sancionamento. No exercício
das suas competências, a ANEA promove e assegura a utilização segura das tecnologias de

33
Publicado no Diário da República, I Série – n.º 231, de 27 de Novembro de 2008.
34
Criada pela Lei n.º 8/2017, de 28 de Julho.
energia nuclear para fins pacíficos, em benefício da saúde humana, do ambiente e do
desenvolvimento económico e social do Pais.
Fundo da Energia (FUNAE)35, criada uma instituição de referência na disseminação e
promoção de fontes alternativas de energia e na electrificação rural
Autoridade Reguladora de Energia (ARENE)36 criada através da Lei n.˚ 11/2017, de 8
de Setembro, que é uma entidade a quem compete, no âmbito da regulação e desenvolvimento
do sector de energia, instruir e tramitar os processos de concurso público para atribuição de
concessões de produção, transporte, distribuição e comercialização de energia eléctrica, emitir
o respectivo parecer, bem como dos pedidos de transmissão das concessões.
Nos termos do artigo 3 da lei acima mencionada, constituem objectivos da ARENE os
seguintes:
a) assegurar a regulação da actividade dos subsectores de energia incluindo a
distribuição e comercialização de produtos petrolíferos e seus derivados;
b) garantir a observância rigorosa dos princípios e normas aplicáveis ao sector de
energia, em conformidade com a legislação nacional e os padrões e boas práticas
internacionais;
c) promover a concorrência leal entre os operadores públicos e privados do sector de
energia;
d) tornar o mercado de energia mais competitivo, eficiente, económico e
ambientalmente sustentável;
e) assegurar a satisfação do interesse público e defesa dos direitos dos consumidores de
energia eléctrica e combustíveis;
f) reforçar o controlo dos impactos decorrentes do uso de energia sobre o ambiente; g)
contribuir para a segurança energética nacional.

Direito da energia e direito da concorrência


O direito da energia começou por se revestir de regras concorrenciais, para fazer face
às práticas anti-concorrenciais vigentes nos finais do Sec. XIX. EUA é o arcabouço desta
verdade. Os métodos ou práticas trustee, dumping, protagonizados pela gigante petrolífera
Standard OilCompany (SOC), foram combatidas por leis antitruste, regulando a actuação dos

35
Criada ao abrigo do Decreto n.˚ 24/97, de 22 de Julho, cujo objecto é o desenvolvimento das fontes alternativas
de energia.
36
Confira demais detalhes no seguinte site: http://arene.org.mz/
agentes económicos no sector petrolífero, tendo em conta as boas práticas concorrenciais. Hoje,
o direito da energia é um direito pró-concorrência, pelo facto de conter muita regulação que
favoreça a concorrência das empresas petrolíferas, promovendo iniciativa privada através de
legislação sobre conteúdo local e promovendo a participação conjunta de empresários através
de contratos de empreendimento comum (joint venture), contratos de partilha de produção
petrolífera (productionsharingcontract ou PSC), contanto sejam garantidos aspectos de
qualidade, competitividade e observância aos padrões internacionais da indústria.
Em Moçambique, através da lei n.º 10/2013, 11 de Abril, foi estabelecida o regime
jurídico da concorrência, no exercício das actividades. Ao abrigo desta lei foram tipificadas
como práticas anti-concorrenciais37 as seguintes:

i) Acordos horizontais;

ii) Acordos verticais

iii) Abuso da posição dominante.


Recentemente foi instituída a Autoridade Reguladora da Concorrência (ARC), cujo
Estatuto Orgânico actualizado consta do Decreto 6/2021, de 23 de Fevereiro, que por sua vez
altera o Decreto n.º 37/2014, de 01 de Agosto. As competências desta entidade estendem-se ao
sector petrolífero38. Ou seja, não obstante o sector petrolífero estar ainda aguardar pela
operacionalização da Alta Autoridade de Indústria Extractiva, o mesmo observa regulação da
ARC.

Emergência do Estado Ambiental


O cenário conjuntural e internacional exigiu que o direito a constituir seja amigo e
parceiro do ambiente. O que significa que Normas jurídicas, politicas adoptadas, projectos para
o sector energético, contratos de concessão devem estabelecer claramente formas garantidoras
do meio ambiente. Significa que passamos a ter um Estado pró ambiente, que salvaguarde a
questão ambiental de tempo em tempo, sobretudo no plano constitucional, cujos reflexos são
visíveis nas emendas legais ou contratuais, nos actos de fiscalização, nos processos de
avaliação de impacto ambiental, entre outros momentos que exijam intervenção do Estado.

37
Cfr número 1 do artigo 15.
38 Na vedade, trata-se de uma ligação que vai para além da componente jurídica pelo facto do Instituto Nacional
de Petróleos contribuir para a percentagem de 5% das receitas da ARC, como decorre da alínea b) do n.º 2 do
artigo 39 do Decreto 96/2014, de 31 de Dezembro.
Ora, a ideia do Estado ambiental deve ser manifestas nos comandos normativos do Estado, com
destaque para a Constituição.
Embora tenhamos desafios assentes relativamente a eficiência energética, ao uso das
fontes renováveis de energia e, por conseguinte, a diversificação energética, ao controlo
efectivo das práticas amigas do ambiente junto aos processo industriais, já há alguns
indicadores, fundamentalmente de ordem normativa, que concretizam a ideia do Estado
ambiental.

Autonomia e dogmática do direito da energia


Durante muito tempo a autonomia do direito da energia foi questionada em virtude da
ausência de princípios próprios e considerando o facto da inaplicabilidade dos princípios-chave
do direito administrativo.
Por isso mesmo o direito da energia é amiúde considerado um direito administrativo
especial ou novo método do direito público, pelo facto de conter princípios que representam
uma escapatória à veia principiológica do direito administrativo. Se, por um lado, as normas
jurídicas de direito público são caracterizadas pela sua vestimenta de autoridade, iusimperii,
por outro lado, as normas de direito da energia são, na essência, normas que reflectem poderes
de direcção.
Hoje, o direito da energia, contrariamente a época do seu surgimento, possui princípios
próprios, sobre os quais nos ocuparemos nos próximos capítulos. Evidentemente não são
princípios acabados. Pois, o direito da energia, como qualquer ciência, é um segmento
normativo e científico inacabado. É uma ciência jurídica em construção.
CAPÍTULO II
Fontes de direito da energia

Em dogmática jurídica, fontes de direito são modos de formação e revelação das normas
jurídicas. De entre várias modalidades, cumpre trazer enfoque às fontes internas e externas.

DAS FONTES INTERNAS/ DOMÉSTICAS


Neste tipo de fontes, a primeira referência é a Constituição da República de Moçambique
(CRM), a lei mãe, cujas normas prevalecem sobre todas as restantes normas do ordenamento
jurídico39. Assim, a CRM estabelece vectores directamente ligados ao sector da energia. Para
este propósito, o destaque vai para os seguintes artigos 98, 102, 104, 117 todos da CRM.
De seguida, posicionam-se as normas infra-constitucionais constantes de instrumentos
sectoriais energéticos. Ou seja, instrumentos que regulam, em especifico, as matérias de
energia, cuja a referência passamos a indicar.

Lei n.º 21/2014 de 18 de Agosto (Lei dos Petróleos) que revoga a Lei n.º 3/2001, de 21 de
Fevereiro.

A lei 27/2014, de 23 de Setembro actualiza o regime específico de tributação e de benefícios


fiscais das operações petrolíferas;

Lei n.º 21/97, de 01 de Outubro (regula a actividade de produção, transporte, distribuição e


comercialização da energia eléctrica)

Decreto-Lei n.º 2/2014, de 2 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico e contratual


especial aplicável ao Projecto de Gás Natural Liquefeito nas áreas 1 e 4 da Bacia de Rovuma.
Decreto n.º 34/2015, de 31 de Dezembro (aprova o Regulamento das Operações Petrolíferas).
Decreto n.º 44/2005, de 29 de Novembro (que aprova o Regulamento da distribuição e
comercialização de Gás Natural);

Do Quadro Institucional

39
Cfr. n.˚ 4 do artigo 2 da CRM.
Neste exercício, mostra-se exigível uma abordagem sectorial das fontes de direito tendo por
base os três principais sectores que integram o direito da energia, nomeadamente o sector do
petróleo e gás, o sector eléctrico e o das energias novas e renováveis.

Sector petrolífero

Resolução n.º 14/2015, de 8 de Julho (aprova o Estatuto Orgânico do Ministério dos Recursos
Minerais).

Decreto n.º 25/2004 de 20 de Agosto (Aprova o Estatuto Orgânico do Instituto Nacional de


Petróleo).

Decreto n.º 29/2015 de 28 de Dezembro (Aprova os Estatutos da Empresa Nacional de


Hidrocarbonetos, E.P. e revoga o Decreto 39/97, de 12 de Novembro).

Sector eléctrico e das fontes alternativas


Decreto-Lei n.º 38/77, de 27 de Agosto que cria a Electricidade de Moçambique, E.E. (EDM)
como uma Empresa Estatal40. A EDM só veio a ser transformada em Empresa Pública em 1995
através do Decreto n.º 28/1995, de 17 de Julho. O objecto central da EDM é produção,
transporte, distribuição e comercialização da energia eléctrica de Moçambique. Em 2005, a
EDM, E.P., foi designada, através do Decreto n.º 43/2005, de 29 de Novembro, gestora da Rede
Nacional de Transporte de Energia Eléctrica (RNT).
Decreto 24/97, de 22 de Julho (Aprova os Estatutos do Fundo da Energia, abreviadamente
designado FUNAE). O FUNAE tem como um dos objectivos desenvolver, produzir e
aproveitar as diversas formas de energia a baixo custo, para o abastecimento às zonas rurais e
urbanas habitadas por populações de baixos rendimentos. FUNAE subordina-se ao Ministério
dos Recursos Minerais e Energia.
Conselho Nacional de Electricidade ou, abreviadamente designado CENELEC – criado
através da Lei n.º 21/97, de 01 de Outubro (que aprova a Lei de Energia) é um órgão consultivo
do governo e defesa do interesse público.

40
Dois depois da independência do Moçambique, concebida como uma entidade responsável pelo estabelecimento
e exploração do sector público de produção, transporte, distribuição e comercialização da energia eléctrica no
país, tendo herdado um património constituído pelo equipamento das mais variadas origens, modelos e tipos então
existentes no país (cfr. n.º 4.2.2 da Estratégia do Sector de Energia aprovada pela Resolução n.º 10/2009, de 04 de
Junho).
Electricidade de Moçambique (EDM) criada como Empresa Estatal em 27 de Agosto de 1977.
AElectricidade de Moçambique (EDM) sóveio a ser transformada em Empresa Pública em
1995 através do Decreto n.º 28/1997, de 17 de Julho.

DAS FONTES EXTERNAS


Fontes regionais
Nas fontes regionais encontramos instrumentos da região, nomeadamente os da União
Africana(UA) e da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC).
Relativamente à UA devemos considerar a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos
(1981/1986) e os instrumentos relativos aos direitos da segunda geração, que são os direitos
económicos, sociais e culturais. Isto porque o questão da energia é uma questão integrada
dentro desta dimensão. Repare-se que, na essência, os direitos económicos, sociais e culturais
são direitos de eficácia horizontal, ou seja, implicam na sua natureza uma acção positiva do
Estado. No entanto, quando entramos no domínio da energia, resulta óbvio que o Estado perde
o seu papel interventivo relegando-se ao plano directivo e regulador, salvo situações que exijam
a intervenção do Estado sob o ponto de vista da garantia da segurança e estabilidade e, ainda,
promoção de politicas em matéria de desenvolvimento e cooperação. Por isso, temos o
Protocolo para a Prevenção e Luta contra o Terrorismo (2004)41.
A matéria que directamente apela o sector energético dentro da UA é a Convenção Africana
para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (2003). Nos termos deste
instrumento regional aprovado em 1969 e emendada em 2003, pelos Chefes de Estado e de
Governo dos Estados-Membros da UA, reitera-se o direito soberano dos Estados na exploração
dos seus recursos naturais em conformidade com as suas politicas ambientais e de
desenvolvimento.
Dentre vários princípios deste instrumento, damos destaque aos princípios de sustentabilidade
ambiental, inter-geracionalidade, equidade e justiça. Ora, estes princípios encontram reflexos
nos objectivos elencados pela convenção42, que passamos a citar:

41
Repare-se que industria energética é ameaçada, amiúde, por actos bélicos e terroristas, pelo que este instrumento
é de extrema importância na análise do regime jurídico aplicável ao sector da energia. A titulo de exemplo, a
situação vivida na Província de Cabo Delgado requer, de forma enérgica e soberana, acções expressivas de
combate ao terrorismo sob pena de se comprometer ou perigar os investimentos alocados ao sector pelas
concessionárias. Requer, igualmente, mobilidade de apoio externo seja dentro da região da SADC seja junto a
comunidade internacional, observados os pressupostos legais para o efeito.
4242
Cfr. Artigo 2 da Convenção
i) reforçar a protecção ambiental;

ii) fomentar a conservação e utilização sustentável de recursos naturais; e

iii) harmonizar e coordenar políticas nestes domínios com vista a alcançar politicas e
programas de desenvolvimento ecologicamente racionais, economicamente
capazes e socialmente aceitáveis.
Adentrando na Região da África Austral temos instrumentos importantes, os quais iremos
assinalar abaixo.
O primeiro destaque vai para a Resolução n.º 52/98, de 15 de Setembro que ratifica o Protocolo
de cooperação no Domínio da Energia da Comunidade para o Desenvolvimento da África
Austral (SADC). Este instrumento é decorrente das recomendações contidas nos seguintes
documentos da SADC.

1) Rumo a uma Política de Energia para África Austral datado de 1982; e

2) Actas do Seminário Sobre o Programa de Edificação da Comunidade: o Sector de


Energia da SADC, realizado em Windhoek, na República da Namíbia, de 11 a 15 de
Abril de 1994.
No preâmbulo deste instrumento, os representantes dos governos da região, assinalaram estar
decididos a assegurar, através de uma Accão colectiva, o progresso e bem-estar dos povos da
Região da SADC, por via do abastecimento e utilização da energia pelos povos de toda a
Região da SADC, assegurando, em particular, que as populações debaixo rendimento. Os
chefes dos governos reforçaram ainda a necessidade de cooperação entre os Estados-membros
e Estados não membros em relação ao desenvolvimento e utilização de energia.
Só pela perspectiva preambular fica claro que os Estados devem permitir que todos cidadãos
nacionais, com destaque aos de baixos rendimentos43, tenham acesso a energia, ainda que para
o efeito sejam necessários esforços de cooperação inter-estadual. Um elemento indicativo da
cooperação são os acordos de cooperação energética inter-estaduais firmados na região.
Não menos importante é a Resolução n.º 53/98, de 15 de Setembro que aprova o
Protocolo sobre o Sector Mineiro da SADC. É um instrumento que realça como um dos
objectivos a aplicação dos enormes recursos mineiros da região no melhoramento da qualidade
de vida da população da região da SADC.

43
Certamente, é dentro deste espírito que foi criado, através do decreto 24/97, de 22 de Julho o Fundo da Energia
ou, abreviadamente, designado FUNAE. O FUNAE tem como um dos objectivos desenvolver, produzir e
aproveitar as diversas formas de energia a baixo custo, para o abastecimento às zonas rurais e urbanas habitadas
por populações de baixos rendimentos.
Fontes internacionais
São as mais expressivos nesta disciplina de direito. Embora tenham a natureza de softlaw, pelo
facto de provirem de organismos internacionais, despidos de poderes de autoridade coerciva,
representam o calabouço inspirador das normas do direito interno.

A Resolução 1803 (XVII) de Assembleia Geral, de 14 de dezembro de 1962, com o título de


"Soberania permanente sobre os recursos naturais" é um instrumento importantíssimo na
medida em que consagra o direito soberano de todo Estado a dispor, livremente, dos seus
recursos naturais, incluindo energéticos. Com esta Resolução podemos evidenciar a questão da
soberania energética assente nos princípios de independência económica dos Estados e
interesses nacionais.

A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em 1972, jogou
um importante nos instrumentos normativos que se seguiram sob o ponto de vista de
sustentabilidade ambiental.

A Agência Internacional da Energia (AIE), estabeleceu o Acordo sobre o Programa


Internacional de Energia (Agreement on An International Energy Program, ou habitualmente
designado I.E.P.) que se propõe a realizar um sistema de cooperação energética.
CAPÍTULO III
Princípios do direito da energia

Princípios do direito da energia


Eficiência energética
Este princípio representa um apelo para a racionalização junto aos processos industriais
de produção da energia, que vai desde adopção de medidas de (i) redução dos custos de
produção, (ii) emissão zero dos gases com efeito estufa, (iii) realização de auditorias
energéticas junto aos processos industriais e (iv) correções económicas44.
Estas correções compreendem os seguintes aspectos:

 Remover as distorções do mercado energético – tais como, impostos e subsídios ocultos


ou não intencionais (que podem fornecer incentivos perversos)

 Incorporar o custo das externalidades negativas (ambientais e sociais) nos custos de


fornecimento de energia para determinar o verdadeiro custo económico deste
fornecimento;

 Promover preços e tarifas de energia a custos amplamente reflectivos;

 Nivelar o campo de desempenho económico, através de opções de fornecimento de


energias novas e renováveis e não renováveis;

Segurança no fornecimento da energia


Pressupõe que a prestação de serviços de fornecimento de energia eléctrica deve ser regular,
continuo e de boa qualidade de tal sorte que se evitem danos e prejuízos financeiros aos
consumidores. na nossa lei, este princípio encontra concretização no artigo 18 da Lei n.º 21/97,
de 1 de Outubro que tem como epígrafe regularidade do fornecimento.
No âmbito deste princípio, o serviço de fornecimento da energia eléctrica só pode ser suspenso
ou interrompido momentânea e parcialmente para que o concessionário possa assegurar

44
São designadas por eficiência económica na política de Desenvolvimento de Energias Novas e Renováveis,
aprovada pela Resolução n.º 62/2009, de 14 de Outubro.
actividades de conservação ou a reparação das instalações e equipamentos e proceder a obras
de beneficiação.
As interrupções de fornecimento de energia elétrica devem ser precedidas de um aviso público,
dando a conhecer aos consumidores as datas e as horas daquelas interrupções45.

Não retrocesso na utilização de tecnologias


O uso da energia eléctrica por parte dos povos é uma garantia tutelada pelo Estado de Direito
no contexto dos direitos fundamentais de livre acesso aos recursos energéticos. Integra o leque
dos direitos económicos sociais e culturais. Sendo que “uma vez obtido um determinado grau
de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito
subjectivo.”46 Ou seja, não se podem baixar ou reduzir os níveis correntes de qualidade muito
menos os modos de sua disponibilização.

Transição energética
É o abandono da geração da energia a partir de fontes fósseis que são, na sua essência, nocivas
ao clima e ao meio ambiente. O abandono da utilização das fontes fosseis dá inicio à aplicação
da ciência e tecnologia para a produção ou geração de energia a partir de fontes renováveis,
designadamente, água, sol, vento. No panorama internacional Alemanha tornou-se protótipo
de gerador de energia recorrente às fontes renováveis. Segundo a FUNDAÇÃO FRIEDRICH
EBERT47 industria de energias renováveis emprega na Alemanha mais 370.000 trabalhadores.
O imperativo de transição energética encerra dentro de si a necessidade de equilíbrio de
interesses tendo em vista a redução de emissão de gases de efeito estufa e frear o aumento das
temperaturas no planeta terra. Este cenário só se alcança pela substituição dos combustíveis
fósseis (carvão, petróleo e gás, etc) por energias renováveis tais como eólica, solar, hídrica,
biomassa, etc.

45
Cfr. n.º 4 do artigo 18 da Lei n.º 21/97, de 01 de Outubro.
46
CANOTILHO, J.J. Gomes (2003). Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 7.ª
edição, pp. 338-339.
47
FUNDAÇÃO FRIEDRICH EBERT: Sol, Agua, Vento: Desenvolvimento da Transição Energética na
Alemanha, p. 3.
Dos Princípios elementares do direito internacional
O direito internacional de energia contém princípios muito importantes para a
interpretação do direito doméstico da energia. Por isso, abrimos este capítulo temático para
abordar, a titulo introdutório, sobre os princípios que derivam das normas internacionais sobre
o sector da energia.

i) Soberania inter-geracional
Este principio é extraído da Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Humano48 na sequência do evento que teve lugar em Estocolmo, entre os dias 05
e 16 de Junho de 1972. Da análise deste documento importa considerar o princípio n.º 2 que
estabelece o seguinte:
“Os recursos naturais da terra incluídos o ar, a água, a terra, a flora e a fauna
e especialmente amostras representativas dos ecossistemas naturais devem ser
preservados em beneficio em beneficio das gerações presentes e futuras,
mediante uma cuidadosa planificação ou ordenamento.” O sublinhado é nosso.
Esta norma teve, evidentemente, acolhimento nas normas domésticas internas, o que
corporizou o paradigmático conceito de desenvolvimento sustentável, que é na verdade um
princípio. Este conceito teve a sua primeira aparição oficial no Relatório de Brundland que é
um documento intitulado “NOSSO FUTURO COMUM (Our Common Future)49. O conceito
“Desenvolvimento sustentável” seja no direito interno50-51 como no direito internacional52
impõe que na gestão ambiental ou exploração dos recursos naturais deve-se ter em conta a
satisfação dos interesses das gerações presentes e futuras. Significa que t os direitos sobre os

48
Representa a primeira grande reunião organizada pelas Nações Unidas sobre questões do ambiente. Esta
conferência foi fruto (i) da crescente atenção à necessidade de preservação do meio ambiente e (ii) do
descontentamento de vários sectores da sociedade sobre o impacto negativo da poluição sobre a qualidade de vida
dos seres humanos.
49
Publicado em 1987. “Brundland” deriva do nome da primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem
Brundtlandque chefiava aComissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento.
50
Cf. n.º 2 do art. 17 CRM – 2004
51
N.º 10 do art. 1 ex. vi. art. 6 da Lei n.º 20/97, de 01 de Outubro; n.º 12 do art. 1 do Regulamento sobre o Processo
de Avaliação do Impacto Ambiental, aprovado pelo Decreto n.º 45/2004, de 29 de Setembro; o Decreto n.º
40/2000, de 17 de Outubro que aprova o Regulamento de funcionamento do Conselho Nacional de
Desenvolvimento sustentável
52
Cr. Princípios I, II, V, da Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (1972),
Princípios III e IV da Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento (1992), Declaração de Joanesburgo
sobre Desenvolvimento Sustentável (2002).
recursos naturais não se esgotam tão somente numa única geração. Há imperativos ou razões
inter-temporais sob o ponto de vista dos benefícios. Estas razões fazem nascer um tipo de
justiça, que medeia as gerações, tal é a justiça intergeracional.
Ora, falar de uma soberania intergerancional significa acautelar um leque de direitos e
interesses que medeiam a sucessão das gerações. Os recursos são de todos, pertencem às
gerações passadas, presentes e futuras de modo ad eterno.

ii) Soberania permanente das nações sobre os recursos


Este principio se extrai da resolução 1803 (XVII) da Assembleia Geral das Nações
Unidas, de 14 de Dezembro de 1962, sobre “soberania permanente sobre os recursos naturais.
Na essência funda-se no reconhecimento do direito inalienável de todo Estado dispor
livremente das suas riquezas, tendo em respeito os interesses nacionais e a defesa da
independência económica dos Estados. Evidentemente que daqui se extraem princípios com
repercussão directa no ordenamento jurídico interno, nomeadamente o principio de interesses
nacionais e o da defesa de independência económica.
Na ordem jurídica interna, a defesa dos interesses nacionais é um principio-pilar que
consta, a titulo de exemplificação, no artigo 6.º da Lei n.º 21/2014, de 18 de Agosto (que aprova
a Lei dos Petróleos), o qual estabelece o seguinte:
“na atribuição de direitos para o exercício de operações petrolíferas ao abrigo
da presente Lei, o Estado assegura sempre o respeito pelos interesses nacionais
em relação à defesa, trabalho, navegação, pesquisa e conservação dos
ecossistemas marinhos e demais recursos naturais, actividades económicas
existentes, segurança alimentar e nutricional das comunidades e ao meio
ambiente em geral.”
Ou seja, sob este prisma, o interesse nacional por se defender efectiva-se pela
salvaguarda da defesa, do direito ao trabalho, aspectos de navegação, pesquisa e conservação
dos ecossistemas marinhos e demais recursos naturais, actividades económicas existentes,
segurança alimentar e nutricional das comunidades e ao meio ambiente.
Relativamente à independência económica é indispensável a reflexão sobre os regimes
jurídico-contratuais, em que a titularidade dos recursos naturais, que são fonte de riqueza, é
sempre chamada à colação. Significando que em termos práticos, é expectável que os contratos
de pesquisa e produção por celebrar devem ser no mínimo contratos de partilha de produção,
cujas notas consideraremos nas próximas aulas.
Aliás, é neste óptica, que o número 2 da Resolução acima aludida estabelece o seguinte:
“A exploração, o desenvolvimento e a disposição de tais recursos, assim como
a importação de capital estrangeiro para efectivá-lo, deverão estar em
conformidade com as regras e condições que estes povos e nações livremente
considerarem necessários ou desejáveis para autorizar, limitar ou proibir”
Ou seja, tudo for acordado deve ser em salvaguarda da continua titularidade dos
recursos energéticos.

iii) Não exaustão dos recursos energéticos irrenováveis


Este princípio também é directamente extraído da Declaração da Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Humano. Para efeito desta apreciação, o destaque vai
para o principio 5 o qual estabelece o seguinte:
“Os recursos não renováveis da terra devem empregar-se de forma que se evite
o perigo do seu futuro esgotamento e se assegure que toda a humanidade
compartilhe dos benefícios da sua utilização.”
Esta norma apela aos Estados detentores dos recursos esgotáveis, como o petróleo, gás,
entre outros, a procederem de tal maneira que a sua acção não dê lugar ao esgotamento daqueles
recursos. Ou seja, os Estados hospedeiros devem controlar a actividade decorrente da industria
extractiva nacional estabelecendo quantidades razoáveis que devem ser extraídas do subsolo
ou águas interiores, mar territorial, etc., dentro de um certo limite temporal, permitindo que as
futuras gerações tenham liberdades de contratação. Liberdade de determinar quando contratar,
quem contratar, fixar o tipo contratual, entre outros aspectos.
CAPÍTULO IV
Aspectos de Internacionalização do Direito da Energia e Vectores
Questão contratual
Os contratos do direito da energia são, na essência, contratos internacionais pelas razões que
transcendem critérios geográfico e económico. Pelo critério geográfico, reporta-se ao facto das
partes contratantes encontrarem-se domiciliadas em Estados diferentes. Pelo critério
económico, impõe-se a mobilização do capital estrangeiro, enquanto carácter que ultrapassa o
quadro da economia doméstica.
Na verdade, o caráter internacional do contrato deve ser apurado de forma casuística, uma vez
que a importância relativa do elemento estrangeiro na relação, dos pontos de vista econômico
e jurídico, é que determinará, ou não, o caráter internacional. Muitas vezes, um elemento formal
influi na identificação de um contrato como internacional: sua redação e estilo, certas cláusulas
típicas podem servir como elementos objetivos dessa qualidade, como adverte Luiz Olavo
Batista53

Questão das fontes internacionais


Dada a importância conferida às fontes internacionais, acima referidas que, amiúde, inspiram
o processo legiferativo do direito doméstico na área energética, torna-se inegável

Questão da resolução dos litígios: arbitragem internacional


Como é sabido, os modos de resolução de controvérsias são, em caso de não se alcançar
consenso via negociação, pela via arbitral internacional. Aliás, basta olharmos a resolução que
aprova o modelo de contrato de concessão de pesquisa e produção de petróleo54, com referência
aos organismos internacionais, como decorre do artigo 26 do Diploma em referência.

53
BAPTISTA, Luiz Olavo (1994). Dos contratos internacionais: uma visão teórica e prática. São Paulo: Saraiva,
p. 23, apud AGOSTINHO DA BOAVIGAGEM, Aurélio. Contratos Internacionais do Comércio. A escolha da
lei aplicável no âmbito do Mercosul. Dificuldades. Reforma. In Revista Académica, Vol. 84, p. 136
54
Cfr. Resolução n. 25/2016, de 3 de Outubro.
Vectores do direito da energia
Estado Ambiental
O estado de direito passa a ocupar-se
das questões relativas à protecção do meio ambiente. Diante das suas obrigações e dos
compromissos assumidos internacionalmente os Estado não só ratificam instrumentos
internacionais que protejam o meio ambiente e garantam qualidade de vida dos cidadãos como
também aprovam instrumentos legislativos que salvaguardem o meio ambiente em que
vivemos.
A primeira aparição do Estado Ambiental é por via da Constituição ambiental, onde
ganham consagração constitucional determinados vectores relativos ao meio ambiente. Ora, é
neste contexto que a CRM no seu artigo 117.º estabelece o seguinte:

“Artigo 117.º
(Ambiente e qualidade de vida)

1. O Estado promove iniciativas para garantir o equilíbrio e a conservação


e preservação do ambiente visando a melhoria da qualidade de vida dos
cidadãos.

2. Com o fim de garantir o direito ao ambiente no quadro de um


desenvolvimento sustentável, o Estado adopta politicas visando:

a) prevenir e controlar a poluição e a erosão;

b) integrar os objectivos ambientais nas politicas sectoriais;

c) promover a integração dos valores do ambiente nas politicas e


programas educacionais;

d) garantir o aproveitamento racional dos recursos naturais com


salvaguarda da sua capacidade de renovação, da estabilidade
ecológica e dos direitos das gerações vindouras;

e) promover o ordenamento do território com vista a uma correcta


localização das actividades e a um desenvolvimento sócio-
económico equilibrado.”
Importa assinalar que Moçambique deu passos largos sob o ponto de vista de aprovação
de normas infra-constitucionais que efectivam a ideia do Estado ambiental.
No domínio de energia, o Estado

Diversificação da matriz energética


A questão da diversificação da matriz energética é apontada como sendo um dos cinco
desafiospara as próximas décadas pela Estratégia do Sector de Energia, aprovada pela
Resolução n.º 10/2009, de 04 de Junho. À sua posição são apontados os outros quatro,
nomeadamente:

i) o risco crescente de rupturas no fornecimento de energia;

ii) a ameaça da degradação ambiental derivada da produção e uso de energia;

iii) a “pobreza” energética (ou seja a falta de acesso a fontes modernas de energia pelas
camadas populacionais economicamente mais desfavorecidas);

iv) a sustentabilidade (ou seja, a capacidade de satisfazer as necessidades do presente


sem comprometer a capacidade das futuras gerações em satisfazer as suas
necessidades);

v) a diversificação da matriz energética.


A ideia da diversificação da matriz energética é sustentada pelo facto de Moçambique possuir
um enorme potencial de recursos energéticos: hídricos, gás natural, carvão mineral e
biocombustíveis – o que proporciona ao pais condições favoráveis não só para satisfação
interna como também para exportar para os países da Região da África Austral e para outros
mercados internacionais. Na verdade, diversificação da matriz energética é um indicador para
a chamada sustentabilidade energética e chega a operar como remédio preventivo para o
tratamento de certas deficiências/“enfermidades” de cariz económico. Hoje quando se fala de
doença holandesa fruto da desindustrialização de outros sectores produtivos, em virtude da
apreciação da taxa de câmbio que decorre da exportação assimétrica dos recursos petrolíferos
é inelutável a ameaça destrutiva que pende sobre os outros sectores produtivos. Pela minha
experiência em projectos de produção do biogás (gás metano produzido a partir dos
excrementos dos animais) pude observar que este tipo de energia ganha maior sustento em
zonas de produção agrícola e criação de animais. O mesmo se diz em relação à biomassa55, é o

Cfr. alínea b) do ponto 1.2 da Política de Desenvolvimento de Energias Novas e Renováveis – aprovada pela
55

Resolução n.º 62/2009, de 14 de Outubro.


material orgânico de origem biológica, sendo de considerar fracções biodegradáveis de
produtos agro-pecuários, florestais, incluindo resíduos agrícolas e animais, bem como resíduos
municipais biodegradáveis.

Sustentabilidade energética

Em termos de noção, importa reiterar a noção dada pela Estratégia do Sector de Energia,
nos termos da qual, entende-se por sustentabilidade «a capacidade de satisfazer as
necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações em satisfazer
as suas necessidades.»56 Ora, esta noção carece de alguma explicação para o seu alcance.

Para JOSÉ ROBERTO MARQUES, «a sustentabilidade consiste na necessidade de se


limitar qualitativamente o crescimento económico, com vista à qualidade de vida das actuais
e futuras gerações. (…) o princípio da sustentabilidade não corresponde a uma orientação de
preservação, entendida como protecção dos ambientes vivos e de seus habitantes naturais
evitando a interferência humana, mas de busca de equilíbrio entre ela e o desenvolvimento –
produzindo um desenvolvimento sustentável – de maneira a prolongar as condições para a
sadia qualidade de vida»57.

Para JOSÉ ELI DA VEIGA, «os objectivos da sustentabilidade formam um verdadeiro


tripé: 1) a preservação do potencial da natureza para a produção dos recursos renováveis; 2)
a limitação do uso dos recursos não renováveis; 3) respeito e realce para a capacidade de
auto depuração dos ecossistemas naturais»58.

Desde a noção legal acima dada passando pelas notas doutrinárias aqui expendidas,
encontramos um sentido de «justiça intra e intergeracional»59, direccionado não só para criação
do «cabaz de bem-estar essencial das populações»60 que constituem gerações actuais, como

56
Aprovada pela Resolução n.º 10/2009 de 4 de Junho.
57
MARQUES, José Roberto (2009). O desenvolvimento sustentável e sua interpretação jurídica. São Paulo:
Pontifícia Universidade Católica, pp. 30-31.
58
SACHS, José Eli da Veiga (2002). O desenvolvimento sustentável. O desafio do século XXI, apudMARQUES,
José Roberto (2009). O desenvolvimento sustentável e sua interpretação jurídica. São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica, p. 31.
59
Uma justiça que tem em vista a garantia dos direitos das gerações presentes e futuras.
60
SILVA, Suzana Tavares da (2011). Direito de Energia. Coimbra: Edições Almedina, p. 17
também para acautelar o «Estado ambiental»61 e a garantia dos «direitos das gerações
futuras»62.

CAPÍTULO V

Organização dos sectores energéticos

Sector petrolífero: aspectos de direito

O direito petrolífero enquanto disciplina académica ou curso é uma realidade recente em


Moçambique, sendo certo que só nesta última década assistimos, da forma mais ousada, a
introdução de cursos de pós graduação em direito de petróleo e gás por algumas algumas
instituições de ensino, com destaque para a Faculdade de Direito da Universidade Eduardo
Mondlane.

Este sector compreende três fases distintas, nomeadamente: upstream, midstream e


downstream. Sendo que, em regra, cada uma das fases obedece a uma regulamentação
própria.Importa antes de mais esclarecermos os conceitos upstream63, midstream64 e
downstream65 no contexto da indústria petrolífera.

Upstream designa a parte da cadeia produtiva que antecede a refinação. Abrange actividades
de exploração, desenvolvimento, produção e transporte do óleo extraído até as refinarias.

Midstream é a fase em que as matérias-primas são transformadas em produtos prontos para


comercialização ou uso específico.

Downstream é a parte logística, ou seja o transporte dos produtos da refinaria até os locais de
consumo ou mercados energéticos.

61
Ibid, p. 19
6262
MELO, Helena Pereira de (2008). Manual de Biodireito. Coimbra: Edições Almedina, pp. 167- 215
63
Literalmente significa “rio acima”.
64
Literalmente significa “meio do rio”.
65
Literalmente significa “a jusante” (associado ao fluxo da água).
Para países como Moçambique, Angola, África do Sul, Nigéria, entre outros a regulamentação
deve ser robusta em todas fases que integram operações petrolíferas, nomeadamente Upstream,
midstream e downstream. Tal justifica-se pelo facto de serem detentores dos jazigos.

Mas, para Países como Portugal, a regulamentação das actividades que integram a fase
downstream é mais relevante, na medida em que é nesta fase que se concentra a efectiva
constituição de um sistema de mercado para os combustíveis66.

Regime aplicável

O regime aplicável ao sector petrolífero consta da Lei n.º 21/2014, de 18 de Agosto – que
aprova a lei dos petróleos. Esta lei67 revoga a Lei n.º 03/2001, de 21 de Fevereiro68 que por sua
vez revogou a primeira lei dos petróleos, neste caso a Lei n.º 3/81, de 3 de Outubro69.

EDSON MACUÁCUA, na sua obra Direito do Petróleo e do Gás em Moçambique70faz saber


duas fases que marcam a evolução do direito do petróleo e do gás em Moçambique,
nomeadamente:

 A primeira fase foi de 1982 a 2001, em que a lei reguladora era a Lei n.º 3/81 de 03 de
Outubro, e caracterizou-se pelo monopólio estatal das operações petrolíferas, através
da empresa estatal, Hidrocarbonetos de Moçambique, E.E.

 A Segunda fase começa em 2001, com aprovação da Lei n.º 3/2001 de 21 de Fevereiro
que pôs fim ao monopólio e abriu espaço à liberalização do mercado da industria
petrolífera, criando um quadro jurídico para uma maior competitividade no sector
petrolífero.

Não há dúvidas que o actual regime petrolífero representa uma evolução qualitativa
relativamente ao primeiro regime de 1981. Mas verdade seja dita que o actual regime sacrifica
em parte o princípio da propriedade estatal.

66
TAVARES DA SILVA, Suzana (2011).Direito da Energia. Coimbra Editora, p. 43.
67
Com cerca de 72 artigos
68
Contendo 31 artigos
69
Contendo 21 artigos
70
MACUÁCUA, Edson da Graça Francisco (2019). Direito do petróleo e do Gás em Moçambique.
Maputo: Escolar Editora, p. 19-24.
O regime jurídico inclui ainda um “arranjo legal” que culminou a aprovação do Decreto-Lei
n.º 2/2014, de 02 de Dezembro que estabelece o regime jurídico e contratual especial aplicável
ao Projecto de Gás Natural Liquefeito nas Áreas 1 e 4 da Bacia do Rovuma.

Muito importante ainda é o Regulamento das OperaçõesPetrolíferas aprovado pelo Decreto n.º
34/2015 de 31 de Dezembro, que procura definir as modalidades, termos e condições de
contratos, as praticas de operações petrolíferas, incluindo a gestão de recursos, segurança,
saúde e protecção ambiental, bem como a submissão de planos, relatórios, dados, amostras e
outras informações pelos titulares de direitos para a realização de operações petrolíferas, ao
abrigo do artigo 27 da Lei n.º 21/2014, de 18 de Agosto.

Panorama constitucional

A primeira nota a realçar é que Moçambique é um Estado de Direito Democrático que


subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade (cfr. Artigos 2 e 3 da CRM). A alínea e)
do artigo 97 da CRM estabelece o seguinte:

“A organização económica e social da República de Moçambique visa a


satisfação das necessidades essenciais da população e a promoção do bem estar
social assenta nos seguintes princípios fundamentais:

a) ....

b) …

c) …

d) …

e) napropriedadepública dos recursosnaturais e dos meios de produção,


de acordo com o interessecolectivo:

f) …

g) …”
O artigo seguinte que é o artigo 98 da CRM versa sobre a Propriedade do Estado e domínio
público do potencial energético71, das jazidas minerais72 e de outros bens. No n.º 3 do artigo
98 CRM o legislador constituinte remete à regulação o regime jurídico dos bens do domínio
público, bem como a sua gestão e conservação, diferenciando os que integram o domínio
publico do Estado, o domínio público das autarquias locais e o domínio público comunitário,
com respeito pelos princípios da imprescritibilidade e impenhorabilidade, cuja análise faremos
nas próximas aulas.

Ainda no domínio dos recursos naturais, veio o artigo 102 da CRM estabelecer o seguinte:

“O Estado promove o conhecimento , a inventariação e a valorização dos


recursos naturais e determina as condições do seu uso e aproveitamento com
salvaguarda dos interesses nacionais”. (o sublinhado é nosso).

Ora, sob parâmetro constitucional, o Estado declara o principio da propriedade estatal dos
Recursos Naturais e consequente domínio público dos recursos energéticos. Este princípio foi
materializado e tornado patente, ao nível infra-constitucional, na Lei n.º 21/2014, de 18 de
Agosto – que aprova a Lei dos Petróleos, que estabelece no seu artigo 18.º o princípio da
propriedade estataldos recursos petrolíferos situados no solo e no subsolo, nas águas
interiores, no mar territorial, na plataforma continental e na zona económica exclusiva.

Sector eléctrico e o das energias novas e renováveis

O sector eléctrico apesar de não compreender fases, tal como acontece com o sector petrolífero,
o mesmo apresenta algumas particularidades por assinalar:

Princípio de monopólio

Como é sabido o sector eléctrico é caracterizado pelo monopólio da Electricidade de


Moçambique (EDM)73, porquanto ser única entidade provedora de serviços de fornecimento

71
Alínea f) do n.º 2 do artigo 98 CRM
72
Alínea h) do n.º 2 do artigo 98 CRM

73
Decreto-Lei n.º 38/77, de 27 de Agosto que cria a Electricidade de Moçambique, E.E. (EDM) como uma
Empresa Estatal . A EDM só veio a ser transformada em Empresa Pública em 1995 através do Decreto n.º 28/1995,
de energia eléctrica. Ora, a prevalência do fenómeno de monopólio, representa estagnação e
crescimento lento do sector, justamente pela ausência da concorrência, factor impulsionador
de mais investimentos, inovação e maximização da qualidade no serviço prestado ao
consumidor. Numa altura em que desafios como obsolencia dos equipamentos utilizados, fraca
ou inexistente manutenção dos equipamentos, oscilações e avarias sistemáticas, falta de
expansão da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica, entre outros factores que
retrocedem cada vez mais os níveis de qualidade expectáveis, é mister optar pelo caminho da
liberalização do sector e consequente concorrência.

Emergência de uma autoridade reguladora

Diferentemente do que se verifica no sector petrolífero, o sector eléctrico já beneficia de uma


entidade reguladora, recentemente criada, designada Autoridade Reguladora de Energia.

A Autoridade Reguladora de Energia (ARENE), criada através da Lei n.˚ 11/2017, de 8 de


Setembro, é uma entidade a quem compete, no âmbito da regulação e desenvolvimento do
sector de energia, instruir e tramitar os processos de concurso público para atribuição de
concessões de produção, transporte, distribuição e comercialização de energia eléctrica, emitir
o respectivo parecer, bem como dos pedidos de transmissão das concessões.

Nos termos do artigo 3 da lei acima mencionada, constituem objectivos da ARENE os


seguintes:

a) assegurar a regulação da actividade dos subsectores de energia incluindo a distribuição e


comercialização de produtos petrolíferos e seus derivados;

b) garantir a observância rigorosa dos princípios e normas aplicáveis ao sector de energia, em


conformidade com a legislação nacional e os padrões e boas práticas internacionais;

c) promover a concorrência leal entre os operadores públicos e privados do sector de energia;

d) tornar o mercado de energia mais competitivo, eficiente, económico e ambientalmente


sustentável;

de 17 de Julho. O objecto central da EDM é produção, transporte, distribuição e comercialização da energia


eléctrica de Moçambique. Em 2005, a EDM, E.P., foi designada, através do Decreto n.º 43/2005, de 29 de
Novembro, gestora da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica (RNT).
e) assegurar a satisfação do interesse público e defesa dos direitos dos consumidores de energia
eléctrica e combustíveis;

f) reforçar o controlo dos impactos decorrentes do uso de energia sobre o ambiente; g)


contribuir para a segurança energética nacional.

Do sector das energias novas e renováveis

(…)

CAPÍTULO VI
Questão institucional

Institucionalismo e Direito da energia

I. NOTAS INTRODUTÓRIAS

O Estado Moçambicano é, por excelência, titular dos recursos naturais que representam um
sector extremamente importante para o desenvolvimento económico e sustentável do país. Ora,
como titular dos recursos naturais, o Estado é chamado a intervir por meio do exercício das
funções que lhe são inerentes, que vão desde regular, controlar, operar ou co-operar na
exploração daqueles recursos. Mas, estas funções são antecedidas de organismos organizados,
equipados e capacitados que compõem o locus institucional. Por isso, discutir o problema
institucional do Estado é levantar uma “questão prévia” ou de precedência lógica e cronológica
ante qualquer acção.
Na verdade, a qualidade dos debates sobre temáticas como regimes fiscais e contratuais,
conteúdo local, fundo soberano de riqueza, Estado ambiental, poder regulador e fiscalizador,
entre outras questões, há-de ser proporcional ao nível de qualidade institucional do Estado.
Assim, o preço, por exemplo, de figurar entre os maiores países produtores do gás no mundo é
a qualidade institucional que, se não for construída com antecedência, o caminho a percorrer
poderá ser dos mais penosos.

Este exercício dogmático é um chamado para um reflectir e agir institucional, para a construção
e consolidação do sentido institucional, para a eleição de critérios conducentes à qualidade
institucional ante a dinâmica e exigências da complexa indústria energética em Moçambique.

II. O SENTIDO DA INSTITUIÇÃO EM MOÇAMBIQUE

A questão institucional em Moçambique ainda não é uma realidade bred-in-the-bone74 se


olharmos para o sector energético como uma indústria dinâmica sujeita ao competente poder
público directivo. Isto deve-se, por um lado, à astenia institucional do Estado-Administração
sob o ponto de vista de recursos, instrumentos e experiência em face da robustez financeira,
técnica e tecnológica das International Oil Companies (IOC’s) e, por outro lado, à
“superposição” de auto-imposição inerente às IOC’s. Uma superposição que pode ser contida
por via de instrumentos adequados que o Estado hospedeiro deva produzir no exercício da sua
soberania. Uma superposição que pode ser contida pelo efectivo poder de fiscalização75
inerente ao Estado na qualidade de titular dos recursos energéticos 76. Uma superposição que
pode ser contida pela formação de cientistas nacionais que tragam respostas cientificamente
válidas e adequadas aos desafios do sector77. Uma superposição que pode ser contida pela

74
Uma expressão inglesa com a qual queremos nos reportar a um facto enraizado ou bem consolidado.
75Neste caso, poder exercido pelo Instituto Nacional de Petróleos (INP), a quem compete fiscalizar a realização
das operações petrolíferas.
76
Vide artigo 18 da Lei n.º 21/2014, de 18 de Agosto (Lei dos Petróleos); artigo 4 da Lei n.º 20/2014, de 18 de
Agosto (Lei de Minas).
77
É importante realçar que a emergência da indústria energética se deveu ao papel insubstituível da ciência, ou
seja, foram trabalhos de pesquisa e laboratoriais feitos pelo professor BENJAMIM SILLMAN, da universidade
de YALI sobre o “rock oil” no Estado da Pensilvânia que determinaram a aparição da industria petrolífera. O
grupo de investidores que financiou as pesquisas desenvolvidas pelo professor de Química, viu seus investimentos
condicionados aos resultados da pesquisa (YERGIN, Daniel. The Prize: Quest for Oil, Money and Power. New
York: Simon & Schuster, 1990, pg. 19-34.) Ou seja, só depois dos resultados científicos, que conferiram alguns
sinais de certeza e segurança, lançou-se mão aos investimentos iniciais. Recorde-se que Pensilvânia é um dos
berços da revolução industrial dos Estados Unidos de América (EUA), que se iniciou em meados do Século XIX.
empresarialização de “empresários moçambicanos” não somente em termos de abertura de
linhas de crédito ou financiamentos, mas sob o ponto de vista de training e certificação de seus
bens e serviços ao nível dos padrões internacionais de qualidade e competitividade e, mais
importante ainda, sua ligação às tecnologias próprias do sector78. De outro modo, o Estado,
enquanto instituição mãe (Pessoa Colectiva maior), não verá e nem viverá a sua glória.

O êxito da indústria energética é dependente da existência de instituições fortes. Ao


conceituarmos instituições fortes, queremos nos referir às instituições que se mobilizam e
operam como um sistema integrado que, teleologicamente, viabilizam os planos e aspirações
de desenvolvimento económico e humano da sociedade, projetando-se a médio e longo prazo
na realização da agenda nacional assente em princípios de transparência, prestação de contas e
boa governação. Instituições fortes concebem unidades funcionais ou de trabalho, neste caso
serviços administrativos79, promovendo sempre competitividade, meritocracia e qualidade na
sua execução80. Instituições fortes predispõem-se a garantir a consolidação do Estado de
Direito democrático, onde se inclui a efectivação dos direitos, liberdades e garantias
fundamentais. Instituições fortes salvaguardam aspectos de direito, justiça e
constitucionalidade nos domínios da energia, educação, habitação, trabalho, defesa, segurança
alimentar, saúde, ambiente, negócios, etc. Instituições fortes preveem um quadro legal-
institucional-político e fiscal intra-harmónico e adequadamente eficaz aos desafios da realidade
socioeconómica do país, devendo conceber modelos localmente inspirados de gestão das
receitas advenientes da indústria energética81.

Na verdade, a Pensilvânia, a Ohio e, posteriormente, Texas, constituem as grandes províncias petrolíferas dos
EUA. Seguidamente, Rússia e Indonésia tornaram-se importantes produtores na arena internacional. Regista-se
que os anos 1898 e 1901, a produção russa na Região de Baku, controlada pelas famílias Nobel e Rotschild,
superou a produção dos EUA, que só recuperou a liderança com as descobertas de Texas. (PIMENTEL, Fernando/
FUNDAÇÃO ALEXANDRE DE GUSMÃO (coord.). O fim da Era do Petróleo e mudança do paradigma
energético mundial: perspectivas e desafios para actuação diplomática brasileira. Brasília: Fundação Alexandre
de Gusmão 2011, p. 32).
78 Na verdade, este raciocínio está subjacente na Lei dos Petróleos – Lei n.º 21/2014, de 18 de Agosto, que nos

termos do n.º 1 do artigo 13 estabelece o seguinte: “O Governo deve criar mecanismos e definir as condições de
envolvimento do empresariado nacional nos empreendimentos de petróleo e gás”.
79
CAETANO, Marcelo (2003). Princípios Fundamentais de Direito Administrativo. Coimbra: Edições
Almedina, p. 64-65
80
Sem deixar de lado o carácter regular e continuo do serviço em apreço. Tratando-se do serviço de fornecimento
da energia eléctrica, a lei impõe que o serviço seja regular, ininterrupto e de boa qualidade. A interrupção de
serviço é uma excepção, pelo que, deve a interrupção ser dada a conhecer ao consumidor mediante prévio aviso
público, com a indicação das datas e horas da interrupção (vide artigo 18 da Lei n.º 21/97, de 01 de Outubro).
81
Através da institucionalização do chamado “fundo soberano de riqueza”, um mecanismo que não só poderá
garantir uma melhor gestão macroeconómica como também fará face aos desafios emergentes de crises mundiais,
III. DO INSTITUCIONALISMO DO HAURIOU

Maurice HAURIOU82, na sua obra Teoria da Instituição e da Fundação, ultrapassando as


concepções subjectivistas e objectivistas em que as primeiras dão primazia às vontades
subjectivas subjacentes e as segundas conferem poder criacional às regras de direito, concebe
uma instituição como uma ideia de obra ou de empresa que se realiza e dura juridicamente no
meio social. Sendo que para a realização da referida ideia, organiza-se um poder que lhe
confere órgãos; por outro lado, entre os membros do grupo social interessado na realização da
ideia, produzem-se manifestações de comunhão dirigidas pelos órgãos do poder e reguladas
por procedimentos. Portanto, daqui HAURIOU, extrai três elementos a saber:
1.º A ideia da obra por realizar num grupo social;
2.º O poder organizado posto ao serviço dessa ideia para a sua realização;
3.º As manifestações de comunhão que ocorrem no grupo social a respeito da ideia e
da sua realização.

Emprestando a doutrina desenvolvida por HARIOU, diríamos que as instituições fortes devem
assentar nos elementos que acabamos de referir: 1.º a ideia de poder por realizar; 2.º o poder
organizado que visa realizar a ideia, e 3.º as manifestações de comunhão.

O jurista HAURIOU destaca como elemento mais importante a ideia por realizar. Por esta via
diríamos que uma empresa no sector energético é criada para realizar uma ideia operativa (é o
caso da Eletricidade de Moçambique83 e as concessionárias para actividades de pesquisa e

calamidades públicas como é o caso da pandemia COVID 19. Um fenómeno sem precedentes que afectou não
somente o sistema de saúde dos Estados mas outrossim suas economias, obrigando assim maioria dos Estados a
optar pela Decretação do Estado de Emergência e consequente aprovação de medidas de execução administrativa
e financeira com o objectivo de prevenir e conter a propagação da pandemia (vide os seguintes instrumentos:
Decreto Presidencial n.º 14/2020, de 28 de Maio, que veio a ser ractificado pela Assembleia da República através
da Lei n.º 6/2020, de 19 de Maio; Decreto n.º 36/2020, de 02 de Junho, que aprova as medidas de execução
administrativa). É verdade que temos estado a desenvolver aquilo que consideramos género da espécie “fundo
soberano”, ou seja, o conceito da “reserva soberana”. Que representa uma concepção avançada relativamente ao
conceito “fundo soberano”. Porque vai para além da árdua gestão das receitas decorrentes das operações
petrolíferas. Justamente, pelas garantias que devem ser criadas ao nível upstream, relativamente aos recursos
insitu.
82HAURIOU, Maurice (2009). Teoria da Instituição e da Fundação. Porto Alegre, p. 11-54.

83 O Decreto-Lei n.º 38/77, de 27 de Agosto que cria a Electricidade de Moçambique, E.E. (EDM) como uma

Empresa Estatal83. A EDM só veio a ser transformada em Empresa Pública em 1995 através do Decreto n.º
28/1995, de 17 de Julho. O objecto central da EDM é produção, transporte, distribuição e comercialização da
energia eléctrica de Moçambique. Em 2005, a EDM, E.P., foi designada, através do Decreto n.º 43/2005, de 29 de
Novembro, gestora da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica (RNT).
produção), uma ideia consultiva (é o caso da Conselho Nacional de Electricidade ou,
abreviadamente designado CENELEC – criado através da Lei n.º 21/97, de 01 de Outubro84 e
as empresas que prestam serviços de consultoria), uma ideia representativa (é o caso da
Empresa Nacional de Hidrocarbonetos – ENH, E.P.85, representante exclusivo do Estado nas
operações petrolíferas, responsável pela pesquisa, prospecção, produção e comercialização de
alguns produtos petrolíferos)86, inspectiva (Instituto Nacional de Petróleos)87, uma ideia
reguladora (é o caso da Alta Autoridade da Indústria Exrtrativa88 e Autoridade Reguladora de
Concorrência89).

Na verdade, a ideia da obra por realizar é uma “ideia directriz da empresa”, que não pode ser
confundida com a noção da meta, nem com a da função. De tal maneira que a ideia do Estado,
por exemplo, é coisa bem diversa da meta (entenda-se “fins”) do Estado ou da função do
Estado.

Se em ciência política, o Estado assume como fins: Segurança90, Justiça91 e Bem-Estar


económico, social e cultural92, diga-se, em boa verdade, que estes elementos não se podem
confundir com a ideia. A ideia da empresa coincide com o objecto da empresa, elemento sobre
o qual a empresa vai se objectivar e adquirir forma própria.

84
Que aprova a Lei de Energia.
85
CujosEstatutosconstam do Decreto n.º 29/2015, de 28 de Dezembro.
86
Cfr. N.º 1 do artigo 24 da Lei dos Petróleos.
87
Vide o Decreto n.º 25/2004 de 20 de Agosto, cria o INP.
88
Que apesar de ter sido criada nos termos do artigo 23 da Lei dos Petróleos conjugado com o artigo 25 da Lei
de Minas, espera-se a sua institucionalização e operacionalização.
89
Cfr. Cujo estatuto foi alterado pelo Decreto 6/2021, de 23 de Fevereiro.
90A segurança reveste diversas facetas: a segurança interna, ou ordem interna, e a segurança externa, ou defesa da

colectividade perante o exterior; a segurança individual, proporcionada pela definição, através de normas jurídica
executadas pelos órgãos do Estado, dos direitos e deveres reconhecidos a dado cidadão, e a Segurança colectiva,
enquanto realidade que envolve a toda comunidade considerada (DE SOUSA, Marcelo Rebelo et GALVAO, Sofia.
Introdução ao Estudo de Direito. Lisboa. 2000, p. 15)
91A Justiça visa a substituição, nas relações entre os seres humanos, do arbítrio por um conjunto de regras capaz

de, consensualmente, estabelecer uma nova ordem e, assim, satisfazer uma aspiração por todos sentida. Abrange
duas realidades distintas: a justiça comutativa, nos termos da qual o Estado deve garantir, nas relações entre
cidadãos, a equivalência dos valores permutados, o que significa que cada qual deve receber, nas relações
reciprocas, de acordo com a prestação que efectuou a certo ou certos concidadãos; a justiça distributiva, segundo
a qual cada cidadão deve receber proventos da colectividade de acordo com o tipo da actividade produtiva, que
permanentemente lhe presta, ou a situação social de carência em que se encontra (Ibidem, p. 15). Hoje fala-se da
justiça redistributiva que visa corrigir as desigualdades existentes.
92O Bem-estar económico, social e cultural consiste na promoção das condições de vida dos cidadãos em termos

de garantir o acesso em condições sucessivamente aperfeiçoadas, a bens e serviços considerados fundamentais


pela colectividade, tais como bens económicos, que permitam a elevação do nível de vida ao grau de satisfação
cada vez mais amplo, e serviços essenciais, por exemplo, os que contemplam a educação, a saúde, o trabalho e a
segurança social.
Em relação ao poder organizado, pretende-se que a estrutura orgânica seja sólida a ponto de
responder eficazmente às competências conducentes a realização do objecto social de uma
sociedade. Uma estrutura assente na separação de poderes e representatividade. Hoje, o poder
organizado tem uma ligação directa com a questão da soberania enquanto poder que assenta no
povo93 de, livremente, dispor das suas riquezas e dos seus recursos naturais94. O que significa
que toda acção negocial e operativa sobre os recursos naturais deve assentar na vontade
colectiva do povo, incluindo a percentagem que deve ser dedicada ao mercado nacional do
petróleo e gás produzido em Moçambique95.

Finalmente, ao discorrer sobre manifestação de comunhão, HAURIOU apadrinha a


mobilização das consciências individuais para um ideal comum. A aceitação da ideia no campo
subjectivo em milhares de consciências individuais que se unem nela. Interpretando
HAURIOU, a manifestação de comunhão seria o leitmotiv da fundação ou criação das
instituições, decorrente do acordo de vontades para a causa comum. Ainda que nos pareça
teórico, o princípio da manifestação de comunhão carece de ser aproveitado não só na produção
de pacotes legislativos como também na criação de planos, estratégias e políticas aplicáveis ao
sector, mormente em matéria de conteúdo local.

De uma forma geral, a proposta de HAURIOU é um legado extremamente importante para a


ciência do direito, mas não pode ser tido como um modelo acabado. É sim um contributo que
coopera para efectivação de instituições fortes, daí a sua relevância.

IV. DOS PODERES DO ESTADO HOSPEDEIRO

Os poderes do Estado hospedeiro representam garantias do Estado na sua relação com as


concessionárias ou, comummente, International Oil Companies (IOC’s). As referidas garantias
assentam no princípio-chave do direito da energia que é nada mais nada menos que o princípio
da propriedade estatal ou propriedade pública dos recursos energéticos. Este princípio da

93
Vide n.º 1 do artigo 2 da CRM.
94
Vide n.º 1 do artigo 21 da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos.
95
O n.º 1 do artigo 35 da lei dos petróleos (Lei n.º 21/2014, de 18 de Agosto) estabelece que a quota não menos
de 25% do petróleo e gás produzido no território nacional deve ser dedicada ao mercado nacional.
propriedade estatal96, para além da sua consagração constitucional,97 encontra-se plasmado em
vários instrumentos internacionais98 e regionais99 em matéria de recursos energéticos.

Em consideração ao plasmado nas disposições internacionais, regionais, constitucionais e


infra-constitucionais sobre aspectos de soberania e propriedade pública, passamos a teorizar as
principais garantias do Estado moçambicano enquanto ente hospedeiro. São garantias com
implicações práticas desde a fase pré-contratual até ao momento pós-cessação dos contratos.

A primeira garantia consiste na liberdade de definir o momento certo para o início das
operações petrolíferas dentro do território nacional. Esta liberdade não pode ser viciada ou
comprometida por factores externos, muitas vezes marginais aos propósitos da soberania e
propriedade pública dos recursos energéticos. A escolha do momento adequado para o
exercício de actividades petrolíferas deve assentar em níveis aceitáveis de capacidade negocial,
de vigor e qualidade institucional, de justiça e soberania inter-temporais.

A segunda garantia consiste na liberdade de escolher a concessionária que exercerá actividades


de pesquisa, produção e exploração dos recursos energéticos que, em regra, tem sido uma das
International Oil Companies (IOC’s). Esta liberdade de escolher a concessionária é, nos termos

96
O legislador constituinte consagrou no n.º 1 do art. 98 CRM, o princípio da propriedade estatal dos
recursos naturais situados no solo e no subsolo, nas águas interiores, no mar territorial, na plataforma
continental e na zona económica exclusiva. Evidentemente que este princípio da propriedade estatal
dos recursos naturais constitui o corolário do princípio da soberania do Estado (arts. 2, 133, 73 CRM)
sobre todos os recursos que se encontram dentro do território moçambicano. O art. 18 da Lei n.º
21/2014 de 18 de Agosto (Lei dos Petróleos - LP) materializa o princípio constitucional da
propriedade estatal dos recursos naturais do território moçambicano ao nível infraconstitucional,
cujas implicações analisámos em outros estudos. E, mesmo em relação aos contratos de concessão
(arts. 28 e ss LP) ou regime de partilha de produção (arts. 31 e ss. da Lei n.º 27/2014 de 23 de
Setembro), continua salvaguardado o princípio da propriedade estatal dos recursos naturais.
97
Conforme resulta do n.º 1 do artigo 98 da CRM.
98
O n.º 1 do art. 1 do PIDESC estabelece o princípio da autodeterminação dos povos, ao abrigo do qual, estes
podem dispor livremente de suas riquezas e de seus recursos naturais, sem prejuízo das obrigações decorrentes da
cooperação económica internacional, baseada no princípio do proveito mútuo e do Direito Internacional (n.º 2 do
art. 1 PIDESC). A resolução das AGNU 98 referente à Soberania permanente sobre os recursos naturais reconheceu
no seu preambulo o direito inalienável de todo Estado dispor livremente de suas riquezas conforme seus interesses
nacionais, e o respeito à independência económica dos Estados. E o n.º 1 deste documento estabelece que “o
direito dos povos e das nações a soberania permanente sobre suas riquezas e recursos naturais deve ser exercido
com interesse do desenvolvimento nacional e bem-estar do povo do respectivo Estado”.
99
A CADHP estabelece no n.º 1 do art. 21 que os povos têm a livre disposição das suas riquezas e dos seus
recursos naturais. Esse direito exerce-se no interesse exclusivo das populações. Em nenhum caso um povo pode
ser privado deste direito.
da lei, por meio do concurso público100, embora não se esgote por aqui. Isto permite que a
entidade selecionada seja idónea para o efeito quer sob o ponto de vista de knowhow, tecnologia
requerida, recursos financeiros e materiais e até em termos de capacidade para gerir ou mitigar
certos níveis de riscos associados aos empreendimentos.

A terceira garantia é de definir previamente regimes jurídicos contratuais, incluindo seu


conteúdo e regimes fiscais adequados aos vectores de soberania do Estado, Propriedade
pública dos recursos energéticos e inter-geracionalidade da justiça, o que poderá refrear o
tendencial desequilíbrio contratual entre as partes.

A quarta garantia é de assegurar, através de modelos contratuais apropriados, a transferência


de tecnologia, expertise e knowhow do sector a favor do Estado hospedeiro sem comprometer,
evidentemente, o direito a devida rentabilidade comercial da produção de petróleo conferido à
IOC.

A quinta garantia associamo-la a uma série de competências atribuídas ao governo no âmbito


da gestão das operações petrolíferas101.

100
Vide artigo 21 da Lei n.º 21/2014, de 18 de Agosto; artigo 5 do Decreto n.º 34/2015, de 31 de Dezembro
(ROP)
101
Vide artigo 27 da Lei n.º 21/2014, de 18 de Agosto, nos termos do qual decorre o seguinte: 1.
Compete ao Governo aprovar o regulamento das operações petrolíferas, que deve incluir, entre outras
matérias, as seguintes:
a) As modalidades de atribuição de direitos, termos e condições dos contratos de concessão;
b) Práticas de operações petrolíferas, incluindo a gestão de recursos, segurança, saúde e protecção
ambiental;
c) Submissão de planos, relatórios, dados, amostras, informação e contas pelos titulares de direitos, nos
termos dos respectivos contratos ou contratos de concessão;
d) Regras de acesso e uso de infra-estruturas por terceiros;
e) Procedimentos para concursos de aquisição de materiais, bens e serviços;
f) Regras sobre abandono de áreas nos contratos de concessão;
g) Termos e condições sobre a participação do Estado em qualquer contrato de concessão;
1. Compete, ainda, no âmbito de gestão das operações petrolíferas:
a) Regulamentar as modalidades dos contratos de concessão e as regras dos concursos para a atribuição
de direitos para as operações petrolíferas;
b) Aprovar a celebração dos contratos de concessão de pesquisa e produção, sistemas de oleoduto ou
gasoduto e de infra-estruturas;
c) Aprovar os planos de desenvolvimento, os planos de desenvolvimento de sistemas de oleoduto ou
gasoduto, planos de infra-estruturas e planos de desmobilização e quaisquer alterações significativas
aos mesmos;
d) Aprovar acordos de unificação e quaisquer alterações significativas dos mesmos;
e) Definir as competências quanto à celebração de outros contratos no âmbito da presente Lei;
f) Definir as competências quanto à autorização de transmissão de direitos e alterações supervenientes
dos contratos de concessão;
V. QUID JÚRIS A CONSTITUIÇÃO DO FUNDO SOBERANO EM MOÇAMBIQUE! DA IDEIA DA

TERCEIRA QUESTÃO DA JUSTIÇA INTER-GERACIONAL

5.1. Notas preliminares

No dia 12 de Outubro de 2020, o Banco de Moçambique lançou o comunicado de auscultação


pública sobre o projecto de criação de um fundo soberano de riqueza em Moçambique.
Trata-se de um documento (projecto) que contem 13 páginas, cujo realce vai para os seguintes
conteúdos pontuais:

I. Fundamentação
II. Objectivos do Fundo Soberano
III. Estrutura de Governação do Fundo Soberano (FS)
IV. Regras de entrada e saída dos recursos da conta do fundo.

Na verdade, ao apreciarmos em volta da proposta do Banco de Moçambique, queremos nos


referir ao uma terceira questão, que, em bom rigor, configuraria a questão de partida, quando
vista à partida. Trata-se de um aspecto de direito e do Estado. Em ciência, se insere dentro da
filosofia do direito. Tal é a questão da justiça, assente no valor constitucional da inter-
geracionalidade. Um fenómeno que se impõe em cada tempo e em cada espaço. Um vector que
se aviva em virtude dos anseios legítimos de cada colectividade, situada no tempo e no espaço.
Não nos podemos dar ao luxo de definir a justiça para as gerações vindouras, sob pena de
violarmos a sua essência. O conceito clássico da justiça resume-se no seguinte aforismo latino:

g) Emitir decisões em relação a contratos de concessão ou operações petrolíferas para a implementação


da presente Lei;
h) Inspeccionar quaisquer infra-estruturas ou locais onde estejam a ser realizadas operações
petrolíferas;
i) Determinar as regras, aprovar os contratos relativos ao acesso de terceiros às infra-estruturas e a
metodologia para a fixação de tarifas;
j) Aprovar a metodologia para determinação de preços de petróleo;
k) Inventariar as receitas resultantes das operações petrolíferas e publicitá-las periodicamente;
l) Definir as formas e conteúdo das garantias a serem prestadas pelos titulares de direitos para
operações petrolíferas;
m) Mediante termos e condições a acordar com os titulares de direitos para operações petrolíferas,
conceder uma prorrogação do período dos contratos de concessão;
n) Aprovar a transmissão da propriedade das infra-estruturas ou o direito de uso de infra-estruturas;
o) Aprovar regulamentos relativos às operações petrolíferas e exercer as demais atribuições que lhe
estão cometidas pela presente Lei e demais legislação aplicável.
dare cuique sum: dar a cada um o que, por direito, lhe pertence. Traduzindo isso, eu diria, Legar
para futuras gerações, parte das riquezas não renováveis existentes no presente. Sob este
prisma, considere-se irrazoável que um povo explore mais de 50% das riquezas finitas
existentes no solo, subsolo, mar territorial, etc., para de seguida, construir uma teoria de receitas
soberanas e, ainda, sob pretexto de garantir os interesses das gerações vindouras.

Os fundos soberanos existentes no mundo, incluindo os que realçam aspectos de poupança para
as gerações vindouras, violam normas internacionais de justiça e soberania inter-geracionais,
conforme se pode concluir mais abaixo. Ora, porque a nossa análise centra-se no modelo
proposto pelo Banco de Moçambique, traremos a lume aspectos que devem ser tidos em conta
na formulação de um modelo de gestão inter-geracional dos recursos petrolíferos, sem prejuízo
dos aspectos económicos inerentes.

Considere-se, ainda, válida a hipótese dos activos financeiros constituídos sob umbrella do FS
sofrerem redução ou desaparecimento em virtude do efeito danoso de futuras crises financeiras
sem precedentes. Covid 19 é prova bastante de que o futuro pertence a Deus tão-somente.

5.2. Natureza jurídica do modelo adoptado pelo Banco de Moçambique

Da análise da proposta, desde a fundamentação até as regras de entrada e saída de recursos da


conta do Fundo, resulta claro que o instrumento do nosso proponente (Banco de Moçambique)
não foge às experiências internacionais dos países ricos em recursos naturais não renováveis.
Onde, “Fundo soberano” se traduz num instrumento de direito económico que tão-somente
centra-se na gestão de receitas decorrentes da exploração dos recursos naturais, transformando-
os, na maioria dos casos, em activos financeiros (fase downstream). Quid júris a criação de um
instrumento que também esteja focado em garantias de uma soberania inter-geracional ao nível
upstream, ou seja, vistos os recursos in totum, in situ?

5.3. Das normas do Direito Internacional à soberania baseada em três liberdades:


celebração, selecção e estipulação.
Dentre várias normas internacionais aplicáveis ao direito da criação de regras sobre a justiça
inter-geracional, iremos centrar a nossa análise nos seguintes instrumentos:

o Resolução 1803 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 14 de Dezembro de 1962,


sobre “a Soberania Permanente Sobre os Recursos Naturais”
o Declaração da Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente Humano, de
1972.
o Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (1981/1986)
o Convenção Africana para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (2003)
Estes instrumentos são ricos em princípios aplicáveis à gestão de recursos naturais. Desde logo,
as cláusulas números 1 e 2 da Resolução 1803 estabelecem o seguinte:

“1. O direito dos povos e das nações à soberania permanente sobre as suas
riquezas e recursos naturais deverá ser exercido no interesse do respectivo
desenvolvimento nacional e do bem-estar do povo do Estado em causa.

2. A exploração, desenvolvimento e disposição de tais recursos, bem como a


importação dos capitais estrangeiros necessários para tais fins, deverão estar
de acordo com as regras e condições que os povos e nações livremente
considerem necessárias ou desejáveis relativamente à autorização, restrição ou
proibição de tais actividades.102

Em termos teóricos, a livre disposição dos recursos naturais (autorização, restrição ou


proibição) deve obedecer os termos e condições que cada povo fixar, em cada geração.
Significa que cada geração goza de livre disposição sobre os recursos naturais existentes no
solo e no subsolo, nas águas interiores, no mar territorial, na plataforma continental e na zona
económica exclusiva, ao abrigo do princípio da soberania permanente. Cada geração tem a
faculdade de, dentro dos limites estabelecidos por uma lei, por exemplo, sobre gestão
intergeracional dos recursos petrolíferos, (1) livre celebração do contrato e escolha da
concessionária (International Oil Company) (2), livre estipulação do conteúdo dos contratos e
(3) livre selecção do tipo contratual que lhes convier dentro dos modelos negociais ou
contratuais conhecidos (concessão, prestação de serviços, empreendimento comum, partilha
de produção) e fora destes.

A propósito deste sentido inter-geracional, a Declaração da Conferência das Nações Unidas


Sobre Meio Ambiente Humano é mais explícita relativamente aos limites que devem ser
seguidos pelas gerações presentes. O princípio 5 deste instrumento estabelece, claramente, o
seguinte: “os recursos naturais esgotáveis devem ser explorados de tal maneira que se evite o

102
Sublinhado nosso.
seu esgotamento e se assegure que toda a humanidade compartilhe dos benefícios de sua
utilização”.

Daqui decorre um princípio orientador na criação de instrumentos de gestão de recursos


pertencentes a um povo soberano. Significa que, qualquer instrumento, a título soberano deve
ser criado não apenas sob o ponto de vista de gestão das receitas (downstream) mas,
igualmente, sob o ponto de vista de limites face a exploração (retirada de recursos) dos recursos
naturais.

Cá entre nós (direito regional), o número 1 do artigo 21 da Carta Africana dos Direitos do
Homem e dos Povos (CADHP) estabelece que os povos gozam da livre disposição sobre as
suas riquezas e, em nenhuma circunstância, in fine, um povo pode ser privado deste direito.
Este princípio remete-nos, uma vez mais, à regra de soberania inter-geracional sobre os
recursos naturais, que assenta em três liberdades acima elaboradas: liberdade de celebração;
liberdade de selecção do tipo contratual e liberdade de estipulação. Ou seja, cada geração goza
destas três liberdades. Significando que nenhuma geração pode ser privada de uma destas
liberdades.

Assim, todos instrumentos jurídicos negociais em matéria de recursos naturais não esgotáveis,
devem ser precedidos de criação de um instrumento de gestão inter-geracional das riquezas não
renováveis.

Sob o ponto de vista legal, era exigível que o Regulamento das Operações Petrolíferas
(aprovada pelo Decreto n.˚ 34/2015, de 31 de Dezembro) fixasse, por exemplo, como um dos
termos do contrato (vide artigo 10) a definição da extensão da área e profundidade, sob o ponto
de vista de pés cúbicos. Em regime similar, o artigo 7 do Decreto-Lei 2/2014, de 2 de Dezembro
estabelece a autorização de desenvolvimento inicial autónomo e coordenado de 12 (doze)
triliões de pés cúbicos (tcf) de gás natural da Área 1 e de 12 (doze) triliões de pés cúbicos (tcf)
de gás natural da Área 4 a partir dos depósitos de petróleo que atravessam a delimitação entre
essas áreas (depósitos transzonais ou straddling reservoirs). A pergunta que não se cala é quid
júris a (de) limitação dos depósitos autónomos, sob o ponto de vista de pés cúbicos? Para além
disso, que existisse uma espécie de regulamentação constitucional própria do regime de gestão
inter-geracional dos recursos naturais não renováveis, conforme explicaremos abaixo.

5.4. Da terceira questão: reserva soberana ou, simplesmente, lei de gestão inter-
geracional dos recursos petrolíferos
Já há sete anos, temos vindo a defender a criação de um novo paradigma de direito, um
instrumento que acomode não apenas a gestão de receitas, mas igualmente o estabelecimento
de regras limitativas na extração dos recursos finitos, tal é o presente caso do petróleo e gás.
Pois, assim o exigem os princípios de justiça e soberania permanente inter-geracionais. Para
isso, falaríamos do conceito “reserva soberana” ou, mais objectivamente, uma lei sobre gestão
inter-temporal dos recursos naturais/petrolíferos, para acomodar o sentido exigível pela justiça
(iustitia = dare cuique sum), legar parte dos recursos in situ para as gerações futuras. Aliás, a
este respeito, numa publicação feita ao Jornal “O País”, datada de 15 de Janeiro de 2020,
intitulada “RECOMENDAÇÕES 2020: AO NOVO GOVERNO; AO EMPRESARIADO NACIONAL; À

KPMG; AOS ADVOGADOS E À INDÚSTRIA DE PETRÓLEO E GÁS”, na parte relativa à indústria de


petróleo e gás, avançamos sobre a criação de um modelo de “reserva soberana” que abrangeria
a questão de fundo soberano, ao nível de gestão das receitas. Ou seja, a questão do fundo
soberano seria uma espécie do género “reserva soberana”, pelo facto do género conter tudo que
respeita à espécie.

5.5. Da questão constitucional da reserva soberana: estatuto constitucional

Em termos jurídico-constitucionais, há uma imposição ao Estado no sentido de: garantir o


aproveitamento racional dos recursos com salvaguarda da sua capacidade de renovação, da
estabilidade ecológica e dos direitos das gerações vindouras103 (al. d) do n.º 2 do art. 117
CRM). Esta norma é óptima, mas insuficiente por si só para concretizar, de modo efectivo, as
garantias que decorrem do regime jurídico internacional. Ou seja, através de um processo de
revisão constitucional, pode-se introduzir uma regulamentação constitucional que tipifique os
modos de gestão inter-geracional dos recursos naturais, tendo em atenção as normas
internacionais a este respeito. A referida regulamentação deverá incluir, necessariamente,
regras fiscais apropriadas no domínio das receitas petrolíferas face ao regime orçamental, cujo
destaque vai para o princípio da não consignação das receitas. Mas esta análise deve
considerar a natureza jurídica do FS enquanto uma receita industrial, distinta de receita
tributária, porquanto derivada da actividade de exploração dos recursos energéticos,

Finalmente, se tivéssemos que reformular o imperativo categórico de Kant diríamos: Age de


tal maneira que os efeitos da sua lei não prejudiquem os direitos das gerações futuras.

103
O sublinhado é nosso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os recursos naturais devem ser utilizados sempre em atenção aos interesses nacionais
legalmente tutelados, os quais devem se reflectir na actuação de instituições do Estado criadas
ou a criar. Significando que o mérito das instituições do sector energético passa,
necessariamente, pela sua ligação à realização das necessidades colectivas. Assim, discorrer
pelos três elementos da teoria da instituição do renomado jurista, Maurice Hauriou (ideia da
obra, poder organizado e manifestação de comunhão), é experimentar métodos viáveis de
capacidade institucional para o sector energético em Moçambique. Neste exercício, está
integrada a ideia do fundo soberano de riqueza, sob revestimento de capacidade institucional,
como um instrumento eficaz de gestão das receitas petrolíferas.

BIBLIOGRAFIA

1. CAETANO, Marcelo. Princípios Fundamentais de Direito Administrativo. Coimbra:


Edições Almedina, 2003.

2. DE SOUSA, Marcelo Rebelo et GALVAO, Sofia. Introdução ao Estudo de Direito.


Lisboa. 2000,

3. FRANÇA, Vladimir da Rocha; Mendonça, Fabiano André de Souza, Xavier, Yanko


Marcius de Alencar (Organizadores). Energia e Constituição. Fortaleza: Fundação
Konrad Adenauer, 2010.

4. HAURIOU, Maurice. Teoria da Instituição e da Fundação. Porto Alegre, 2009.

5. TAVARES DA SILVA, Suzana. Direito da Energia. Coimbra Editora. 1.ª edição.


2011.

6. PIMENTEL, Fernando. O Fim da Era do Petróleo e a Mudança do Paradigma


Energético Mundial: Perspectivas e Desafios para a Atuação Diplomática Brasileira.
Brasíla: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011.

7. RAWLS, John. A Theory of Justice. USA: Harvard University Press, 1971.

8. ROSA, Adalberto José. Engenharia de reservatórios de petróleo. Rio de Janeiro:


Editora Interciência, 2006.

9. SCHRIJVER, Nico. Sovereignty Over Natural Resources. Cambridge: Cambridge


University Press, 1997.
10. VICENTE, Dário Moura (coordenador). Direito dos petróleos: uma perspectiva
lusófona. Coimbra: edições Almedina. 2013

11. YERGIN, DANIEL. The Prize: the epic quest for oil, money and power. New York:
Simon Schuster. 1991

LEGISLAÇÃO

a) Nacional

 Constituição da República de Moçambique

 Código Civil aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966, com
as alterações do Decreto-Lei n.º 21/76, de 22 de Maio e Lei n.º 11/94 de 8 de Julho.

 Lei n.º 21/2014 de 18 de Agosto (Lei dos Petróleos) que revoga a Lei n.º 3/2001, de 21
de Fevereiro.

 Lei n.º 20/2014 de 18 de Agosto (Lei de Minas) que revoga a Lei n.º 14/2002, de 26 de
Junho.

 Lei n.º 14/2017, de 28 de Dezembro, que altera e republica o Regime Específico de


Tributação e de Benefícios Fiscais, aprovado pela Lei n.º 27/2014, de 23 de Setembro.

 Lei n.º 21/97, de 1 de Outubro (Lei de Energia).

 Lei n.°3 /93, de 24 de Junho (Lei de investimento).

 Lei n. º 15/2011 de 10 de Agosto, (“Lei dos Mega-projectos”)

 A lei 27/2014, de 23 de Setembro actualiza o regime específico de tributação e de


benefícios fiscais das operações petrolíferas

 Decreto-Lei n.º 2/2014, de 2 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico e contratual


especial aplicável ao Projecto de Gás Natural Liquefeito nas áreas 1 e 4 da Bacia de
Rovuma.

 Decreto n.º 25/2004 de 20 de Agosto, cria o INP.

 Decreto nº. 83/2010, de 31 de Dezembro, que regulamenta o registo de Investimentos

 Decreto n.º 40/2000, de 17 de Outubro que aprova o Regulamento de funcionamento


do Conselho Nacional de Desenvolvimento sustentável.
 Decreto n.º 45/2012, de 28 de Dezembro (Define o regime a que ficam sujeitas as
actividades de produção, importação, recepção, armazenamento, manuseamento,
distribuição, comercialização, transporte, exportação e reexportação de produtos
petrolíferos e revoga os Decretos n.º 9/2009, de 1 de Abril, e n.º 63/2006, de 26 de
Dezembro).

 Decreto 34/2015, de 31 de Dezembro (que aprova o Regulamento das Operações


Petrolíferas).

 Resolução do Conselho de Ministros n.º xx/2014, de 24 de Junho, que prova o Plano


Director do Gás Natural Junho.

 Resolução n.º 62/2009, de 14 de Outubro (que aprova a Política de desenvolvimento de


Energias Novas e Renováveis).

 Resolução n.º 22/2009, de 21 de Maio (Aprova a Política e Estratégias de


Biocombustíveis).

 Resolução n.º 10/2009, de 4 de Junho (Aprova a Estratégia de Energia e revoga a


Resolução n.º 24/2000, de 3 de Outubro).

 Resolução n.º 52/98, de 15 de Setembro (que ratifica o protocolo da cooperação no


Domínio da Energia da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral -
SADC).

 Resolução n.º 53/98, de 15 de Setembro (que ratifica o protocolo sobre o sector mineiro
da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral - SADC).

b) Regional e Internacional

 Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (CADHP) - (1981/1986).

 Convenção Africana para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais, revista


em 2003;

 Pacto Internacional dos Direitos Económicos Sociais e Culturais (PIDESC).

 Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (1972),


 Declaração sobre a Responsabilidade das Gerações presentes em relação às Gerações
Futuras adoptada pela Conferencia Geral da UNESCO, a 12 de Novembro de 1997.

 Resolução n.º 1803 (XVII) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 14 de


Dezembro de 1962, com o título de "Soberania permanente sobre os recursos naturais".

 Resolução n.º 3171 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 17 Dezembro 1973,
que reafirma o sentido da Soberania permanente sobre os Recursos Naturais, na
perspectiva de exercício de soberania sobre os recursos.

OUTRAS FONTES

 Contrato de concessão para a pesquisa e produção entre o Governo da República de


Moçambique e Sasol Petroleum Sofala, Limitada e Empresa Nacional de
Hidrocarbonetos, E.P. para os Blocos 16 & 19 na República de Moçambique, celebrado
em 01 de Junho de 2005.

 Contrato de Concessão para Pesquisa e Produção celebrado entre Governo Da


República De Moçambique e Anadarko Moçambique Área 1 Limitada e a Empresa
Nacional de Hidrocarbonetos, E.P.para Área 1 Offshore do Bloco do Rovuma na
República de Moçambique. celebrado a 20 de Dezembro de 2006.

 Contrato de concessão para a pesquisa e produção entre o Governo da República de


Moçambique e Artumas Moçambique Petróleos, Limitada e Empresa Nacional de
Hidrocarbonetos. E. P. para Área Onshore do Bloco do Rovuma na República de
Moçambique, assinado a 18/04/2007.

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