O Estranho Visitante

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O Estranho Visitante

Pesquisa Ir.: Jaime Balbino de Oliveira

Quando o mestre de cerimônias anunciou que a loja estava composta, tudo fazia crer que naquela
noite os trabalhos desenvolvidos pelos obreiros ali presentes ocorreriam dentro da normalidade,
que habitualmente norteava os trabalhos de tal oficina.
Porém, a “normalidade” reinante nos trabalhos ali executados, diferenciava bastante da exigida e
necessária não só numa sessão maçônica, mas também no comportamento dos irmãos que
compunham o quadro de obreiros daquela loja.
Há algum tempo, que tal loja estava dividida em grupos, cujas opiniões e pontos de vistas eram
sempre divergentes. As sessões acabavam sempre com trocas de insultos e ofensas entre
irmãos. Quando um deles de posse da palavra atacava outros irmãos, era aplaudido pelos que o
apoiavam e vaiado pelos que compunham os grupos atacados. O venerável mestre, sempre
confuso e por fora dos assuntos, não tinha pulso para controlar a situação, o que permitia que os
trabalhos transformassem numa verdadeira bagunça.
Os grupos eram formados por irmãos de uma mesma classe social, formando um universo só
deles, com barreiras intransponíveis, isolando-se dos demais grupos de irmãos. Havia o grupo
dos médicos, dos doutores da lei, dos professores, dos banqueiros, dos comerciantes, dos
políticos, os quais é claro, só apareciam em loja na época de eleições, furando o bloqueio dos
demais grupos, a fim de garantir alguns “votinhos”. Afinal, pensavam eles, todos são
irm.:(especialmente em épocas de eleições).
Além destes, havia também outros grupos, como o dos proletários, ou “peões”, como eram
chamados os humildes assalariados. Sempre menosprezados pelos demais,os “peões” nunca
ocupavam cargos em loja,sendo somente lembrados quando algum trabalho deveria ser
executado,é claro que tais trabalhos eram manuais,como por exemplo,limpar a loja,pintar o
muro,consertar os banheiros ou carregar alguma coisa. nas festas, eram sempre os
“churrasqueiros”,ou garçons, e claro,sempre os responsáveis pela limpeza ao término da festa.
-Afinal, diziam eles, peão é para estas coisas mesmo.
-Se querem gozar do privilégio de conviver com pessoas “superiores”,tem que contribuir com
alguma coisa,e como proletário pouco tem a oferecer,(embora fossem os únicos que andassem
em dia com a tesouraria),que pelo menos trabalhem.
Os trabalhos da loja eram abertos e encerrados com um só “golpe de malhete”.a ritualística fora
esquecida,a freqüência era baixa,o tempo de estudos há muito não era executado e a
fraternidade quase não existia,sendo que os irmãos até chamavam-se entre si de “primos”. a
única filantropia que praticavam,era nas proximidades do natal,quando faziam algumas cestas
com alimentos para serem distribuídas aos necessitados,que os próprios irmãos de
encarregavam de distribuir,é claro,aos seus empregados e serviçais,fazendo assim a “filantropia
marrom”,ou seja,utilizando-se dos recursos da loja para agradar a quem os serviu de alguma
forma durante o ano.
Porém, para os irmãos, ou melhor, para os “primos” daquela loja, tudo era normal.
Entretanto, a reunião daquela noite não seria uma reunião “normal”,tanto que todos os obreiros
estavam presentes,fato ali jamais registrado,embora ninguém tivesse disto percebido,pois havia
irmãos que nem se conheciam.
Mas, tudo estava pronto para o início de mais uma sessão.

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-”Todos revestidos de suas insígnias”,embora as alfaias usadas não dessem tal impressão.
Tinha gente com sapatos brancos, micro balandraus, aventais sujos, ternos claros com gravatas
em cores berrantes, tudo em desacordo com qualquer regra ou regulamento.
Porém, a sessão ia iniciar.
E como de praxe, foi aberta num só golpe de malhete.
-Ora, para que perder tempo com ritualística e outras baboseiras,pensavam eles.
-Afinal, temos coisas mais importantes para nos preocupar.
O balaústre foi lido rapidamente pelo secretário, enquanto os demais presentes, ausentes a
leitura, cochichavam outros assuntos.
Em meio a leitura, ouviram três pancadas na porta do templo, sendo que de imediato o cobridor
externo abriu a porta,mandando o recém chegado entrar,e sem formalidades,assinar o livro e
sentar,a fim de não atrasar a leitura do balaústre. Tal procedimento ali era normal, sendo que o
cobridor nem percebeu que o recém chegado não era do quadro,e sim um visitante.
Não havia expediente, e o saco de propostas e informações fez seu giro sem render nenhuma
prancha gravada.
Passou-se então a ordem do dia, momento por todos esperados, pois certamente um assunto
polêmico seria apresentado, e mesmo que o assunto não fosse polêmico, eles o tornariam.
E não deu outra.
E como sempre ali acontecia, imperou a bagunça, irmãos ofendiam a irmãos que discordavam de
seus pontos de vistas,e um coro de vaias a aplausos a todo instante era ouvido.
O visitante atônito a tudo assistia, incrédulo no que ali estava acontecendo. Após uma longa
discussão, o assunto foi deixado sobre malhete para ser resolvido em outra oportunidade.
Foi então que o venerável percebeu que o secretário nervosamente fazia-lhe sinais querendo
comunicar alguma coisa, e deu-lhe a palavra.
-Venerável, achei no meio do livro de atas, uma carta ainda fechada dd Grande Loja, cujo carimbo
do selo é de três meses passados, e no envelope têm o carimbo de urgente, não sei como ela
veio aqui parar, talvez num dos dias em que faltei, alguém a colocou dentro do livro, e ali ficou
esquecida, se o venerável consentir, embora fora de ordem, eu a lerei para a oficina.
O venerável concordou, iniciando o secretário a leitura.
-Serve a presente para comunicar a todas as lojas que o nosso grão mestre teve uma visão, na
qual fora ele avisado de estar próximo o dia do juízo final, e que, um enviado do oriente eterno
descerá à terra para os preparativos,e que o mesmo deverá visitar as lojas,a fim de discutir com
os irmãos tal evento,blá,blá,blá,blá,blá,blá......
Ao terminar a leitura, o silêncio era total (coisa ali pouco comum). Os irmãos olhavam-se entre si,
sem saber o que dizer ou fazer, até que alguém de uma das colunas levantou-se dizendo.
Não acho justo venerável mestre, esta atitude tomada pelo oriente eterno de mandar um enviado
à terra assim às pressas,a coisa não pode ser deste jeito,é necessário um tempo para a nossa
preparação,para que possamos por um pouco de ordem na casa. Não estamos aqui a disposição
do oriente eterno para que um enviado seu aqui venha em data por eles marcada para
discutirmos o juízo final. Se formos os justos e perfeitos da terra, podemos e devemos solicitar
um adiantamento de tal evento, para que tenhamos tempo de melhor nos prepararmos.
De acordo, bradou outro irmão. Assim poderemos fazer as pazes com os irmãos com que
estamos brigados e também praticar um pouco de filantropia de verdade, o que não fazemos a
algum tempo. Além do mais, estou saindo de férias e pretendo viajar pela Europa, ora, se o juízo
final for agora, vou ser prejudicado, afinal faz uns bons anos que estou planejando esta viagem,
portanto creio que o adiamento será uma boa.

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-Também estou de acordo,disse um dos proletários,(coisa rara,pois eles normalmente ficavam
sempre quietos) justo agora que vou ser promovido na firma onde trabalho vem esta de juízo
final,ora,o mundo que acabe noutra época. Vamos nos unir e dar um jeito de evitar tal coisa.
-Concordo com o irmão, disse o orador. Sugiro que enviemos uma prancha a grande oriente
solicitando o adiamento do dia do juízo final, bem como a vinda do enviado do oriente eterno, pois
assim quem sabe, poderemos terminar nosso templo, fazer uma creche ou um orfanato, reativar a
fraternidade feminina e a ação paramaçônica juvenil,que deixamos e até incentivamos que
acabassem,e sobre tudo,por um pouco de ordem em nossa loja,pois assim tenho certeza que
ganharemos alguns “pontinhos” com o pessoal lá de cima.
-E como a Grande Loja vai entrar em contato com o oriente eterno? Perguntou o secretário.
-Ora, disse o tesoureiro. Isto é um problema deles, afinal, a gente paga tantas taxas que vai ver
que uma delas é para o contato com o oriente eterno.
-A questão foi colocada em votação e o mestre de cerimônias levantando-se, contou os votos e
disse.
-Por unanimidade venerável mestre.
Unanimidade??!!
Ora, há muito tempo que esta palavra não era ali proferida.
Foi então que o venerável mestre percebeu que um dos presentes não tinha levantado a
mão,corrigindo então o mestre de cerimônias.
-Pela maioria meu irmão, um dos obreiros não concordou com a idéia.
Portanto não foi ainda desta vez que ali houvesse unanimidade em alguma coisa.
Intrigado,o venerável mestre coçou os olho,limpou os óculos,e fixou bem os olhos naquele irmão
que não levantara a mão,tentando lembrar o seu nome. Não conseguindo, chamou o primeiro
diácono indagando-lhe o nome daquele irmão, sendo que o diácono disse que não o conhecia.
O venerável perguntou a outros irmãos que estavam no oriente,e nenhum deles conhecia tal
obreiro.
Todo atrapalhado, o venerável pediu ao irmão que levantasse, perguntando-lhe!
-Sois membro desta loja?
-Não.Respondeu o visitante.
-Um visitante! Disse baixinho o orador. Justo um visitante vem discordar de nossas idéias! Façam
um trolhamento nele, disse o venerável.
Sem saber o que fazer, o venerável iniciou um trolhamento todo confuso.
-Vieste de uma loja justa e perfeita?
-Vim de uma imensa loja, onde somente entram os justos e perfeitos, impera o amor e a
fraternidade, respondeu o visitante.
-E São João? A loja é de São João? Perguntou todo confuso o venerável, tentando achar no ritual
a página onde estava o trolhamento, não a achando, o que o deixava ainda mais confuso e
nervoso.
Há João! ta ficando um gozador de mão cheia,pois foi ele que me convenceu a iniciar meu
trabalho numa loja,dizendo-me que aqui encontraria a fraternidade, estaria entre homens justos e
perfeitos,defensores da moral e dos bons costumes. Acho que João não está bem informado das
coisas, pois não vi aqui nada do que ele me falou.
Todo confuso e, cada vez mais nervoso, sem conseguir achar a página que queria do ritual e sem
se lembrar do trolhamento, voltou o venerável a perguntar.
-E as virtudes? Cavaram masmorras aos vícios, lá de onde viestes?
-Como já disse, vim de um lugar de homens justos e perfeitos, que para lá entrarem cavaram aqui
na terra masmorras aos vícios e levantaram templos à virtudes, coisas que esperava,que vocês

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aqui na terra estivessem fazendo,o que vejo que não fizeram. Virtudes pelo menos, aqui não vi
nenhuma, e também não estão cavando masmorras ao vício,pois os cinzeiros da sala dos passos
perdidos estão cheios de tocos de cigarros. Se não são capazes de afastar do mais simples dos
vícios, que diria dos outros?
-Retiro-me entristecido, continuou o visitante, pois aqui esperava encontrar verdadeiros homens
de bem, de uma causa nobre e justa. Esqueceram vossos juramentos e compromissos, sua
sublime doutrina e ensinamentos foram trocados por paixões pessoais, orgulho e ganância.
Desonraram vossos antepassados destruindo o que de bom eles fizeram. De vós tenho pena.
Terminando de falar, dirigiu-se às colunas, fez os cumprimentos, voltou-se às portas, que sozinha
se abriram e sozinha se fecharam,após o visitante,por elas passar.
Somente neste instante, perceberam que o estranho visitante vestia-se de branco, e suas alfaias
eram douradas.
Ante ao espanto geral, o venerável pediu ao chanceler para ver no livro dos visitantes de onde
veio e qual o nome do visitante.
Atônito, o chanceler leu na página do livro.
Jesus cristo, oriente eterno.
Meus irmãos. Está sua loja preparada para receber tal visitante?

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