Potencial Fisiológico Determina Qualidade de Sementes
Potencial Fisiológico Determina Qualidade de Sementes
Potencial Fisiológico Determina Qualidade de Sementes
Germinação
O principal objetivo da área de tecnolo- que abrangem essa tecnologia iniciam-se independentemente de sistemas de cul-
gia de sementes é o desenvolvimento de com os trabalhos de melhoramento gené- tivo, é uma espécie que exige dos produ-
procedimentos para a produção, comer- tico e prosseguem até a distribuição dos tores rurais maior qualidade quanto ao
cialização e utilização de lotes de semen- lotes, que devem ser qualificados sob os material semeado. Dos quatro compo-
tes de alta qualidade. Construídos com pontos de vista de quatro componentes nentes básicos que determinam a qua-
base na experimentação científica e na básicos, ou seja, pelo seu potencial gené- lidade das sementes – e que têm im-
experiência prática, os conhecimentos tico, fisiológico, físico e sanitário. A soja, portâncias equivalentes – o potencial
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TABELA 1 | EXEMPLO HIPOTÉTICO DA GERMINAÇÃO E EMERGÊNCIA DE PLÂNTULAS, SOB DI- mecânicas, as operações de secagem e
FERENTES CONDIÇÕES DE AMBIENTE
beneficiamento, as condições e períodos
LOTE GERMINAÇÃO (%) EMERGÊNCIA DE PLÂNTULAS (%) de armazenamento e o tratamento quí-
Área A Área B Área C mico. A semente atinge o máximo poten-
1 95 92 85 65 cial fisiológico por ocasião de sua matu-
2 92 90 78 67 ridade; a partir desse ponto, pode ter
início um processo de deterioração.
São fatos inquestionáveis, na pesqui-
sa e na prática. No entanto, é pouco pro-
vável que a qualidade individual de uma
semente possa ser totalmente recupera-
da após sua maturidade e mantida, com
fisiológico tem recebido maior atenção Nessa simulação, verifica-se a existência o auxílio de qualquer técnica especial,
da pesquisa, talvez pelo fato de o esta- de diferenças nos potenciais fisiológicos, após o início do processo de deteriora-
belecimento do estande constituir a pri- com vantagem para o lote 1, indicando ção. Essas considerações enfatizam a
meira oportunidade para o produtor que materiais com a mesma percentagem necessidade de cuidados especiais para
rural avaliar, in loco, o desempenho ou de germinação podem apresentar desem- a manutenção do potencial fisiológico
manifestação da qualidade das semen- penhos diferentes, dependendo da inten- das sementes, a partir da maturidade,
tes adquiridas. sidade do estresse e do nível de vigor das procurando manter suas atividades me-
A emergência rápida e uniforme das sementes. tabólicas moderadas, insuficientes para
plântulas é um grande incentivo em di- Deve ser destacado que, quanto maior acelerar ou intensificar a deterioração.
reção à produtividade elevada. O inver- o desvio, em relação às condições favo- As sementes de soja são muito propen-
so, evidentemente, gera frustrações. O ráveis de ambiente, menor será a proba- sas à deterioração, além de sensíveis,
potencial fisiológico reúne informações bilidade de associação entre os resulta- durante a maturação, a adversidades
sobre a germinação (viabilidade) e o vi- dos dos testes de vigor e os de emergên- ambientais, práticas inadequadas de
gor das sementes. Sua avaliação segura cia das plântulas em campo. Vários fato- manejo da colheita, processamento e
permite identificar lotes de sementes res afetam o potencial fisiológico das armazenamento – em função de suas
que possuam maiores probabilidades de sementes, destacando-se o genótipo, as características morfológicas e fisiológi-
apresentar o desempenho desejado, du- condições climáticas durante o desen- cas. Não possuem endosperma e seus
rante o armazenamento e em campo. volvimento das sementes, a associação embriões são protegidos por um tegu-
Assim, somente após a semeadura será com insetos e microrganismos, a nutrição mento relativamente frágil; os eixos
possível verificar até que ponto o poten- da planta-mãe, a época e o manejo duran- embrionários são superficiais e suscetí-
cial fisiológico identificado em laborató- te a colheita, a ocorrência de injúrias veis a injúrias mecânicas ou provocadas
rio se confirma, assim como o grau de
eficiência dos procedimentos usados
para a sua avaliação.
Essa situação pode ser ilustrada com
base no exemplo hipotético apresentado
na Tabela 1, considerando o comporta-
mento de lotes com percentagens de ger-
FIGURA 1 | FISSURAS INTERNAS PROVOCADAS POR INJÚRIAS MECÂNICAS, NÃO IDENTIFICA-
minação elevadas, após a semeadura em
DAS EXTERNAMENTE, PODEM PROVOCAR ANORMALIDADES NA GERMINAÇÃO (FLOR, 2003)
campo. Os estandes foram semelhantes 1. IMAGEM EXTERNA; 2. RADIOGRAFIA; 3. PLÂNTULA ANORMAL
na área A, em ambiente favorável, mas a
EBERT P. O. FLOR
por outros agentes externos, inclusive setor produtivo e um desafio permanen- comportamento passa a depender basi-
microrganismos. te para os pesquisadores. A tarefa não é camente das relações com o ambiente e
Sementes de soja com tegumentos in- simples, devido à marcante influência do práticas de manejo. A emergência lenta,
tactos ficam mais protegidas contra cap- ambiente após a semeadura e às diferen- reduzida ou desuniforme pode acarretar
tações rápidas de água, reduzindo as pos- ças nos históricos dos lotes, nem sempre falhas no estande, atrasos no desenvol-
sibilidades de ocorrência de “injúrias por de magnitudes identificadas. Vários pes- vimento, problemas para o controle de
embebição”, que provocam rupturas de quisadores citados por Marcos Filho plantas daninhas, interferência em ca-
membranas e liberação acentuada de ex- (2005) entendem que o potencial fisioló- racterísticas relacionadas à colheita (al-
sudados, com reflexos negativos nas ger- gico pode afetar indiretamente a produ- tura, intensidade de ramificação, diâme-
minações. Injúrias mecânicas mais seve- ção da cultura, graças aos seus reflexos tro da haste principal, grau de acama-
ras podem provocar a quebra de semen- sobre o estande final. Na verdade, as de- mento, altura da inserção das primeiras
tes ou a separação completa dos cotilé- ficiências de velocidade e percentagem vagens). No entanto, à medida que pros-
dones, mas isso nem sempre é percebido de emergência das plântulas acarretam segue o desenvolvimento da planta,
pelo agricultor, porque esses materiais problemas, geralmente durante o desen- existirá uma forte tendência para o de-
normalmente são removidos durante o volvimento das plantas, principalmente créscimo do possível efeito inicial de vi-
beneficiamento. Assim, as injúrias no te- em culturas cujas densidades de semea- gor das sementes, de modo que as pos-
gumento ou as fissuras internas não de- dura são planejadas para a obtenção de síveis diferenças no desempenho ten-
tectáveis a olho nu, mas identificáveis em populações relativamente menores, por dem a desaparecer – conforme ilustram
análises com uso de raios X (Figura 1), po- área, como nos casos de várias hortaliças, os dados apresentados na Tabela 2.
dem ser as mais prejudiciais. do algodão e do milho. No caso específico da soja, não é pos-
Por outro lado, as principais reservas É possível que o potencial fisiológico sível ignorar sua extrema plasticidade,
armazenadas nos cotilédones são lipí- tenha efeito direto na habilidade da ou seja, sua capacidade de adaptação ao
dios e proteínas. As proteínas, reconhe- planta acumular matéria seca. No en- espaço disponível, mediante o ajuste da
cidamente hidrófobas, e os lipídios, qui- tanto, é coerente considerar que as re- produção individual, com maior ou me-
micamente instáveis, acentuam a pro- servas da semente e sua mobilização nor intensidade de ramificação e produ-
pensão das sementes à deterioração, es- adequada exercem influência apenas ção de sementes e vagens por planta. Por
pecialmente quando mantidas em ambi- durante o crescimento inicial da plântu- esse motivo, a literatura documenta, com
ente relativamente quente e úmido, ca- la. A partir de determinado ponto, iden- destaque, a ausência de efeitos referen-
racterístico de regiões subtropicais e tificável na soja pela queda dos cotilédo- tes ao vigor das sementes sobre a produ-
tropicais. Há considerável influência do nes, a planta se torna autotrófica e seu ção dessa cultura. Porém, mesmo nessa
genótipo sobre essa manifestação, de
modo que os cultivares diferem quanto
ao desempenho das sementes. Tempera-
turas elevadas durante a maturação ace-
leram a translocação de fotossintatos
para a semente e dificultam a degrada-
ção da clorofila, provocando a “matura-
ção forçada” e a formação de maiores
quantidades de sementes esverdeadas,
com potenciais fisiológicos reduzidos. TABELA 2 | EFEITO DO NÍVEL DE VIGOR DA SEMENTE SOBRE O RENDIMENTO DA SOJA
Essa queda pode também ser provocada
CULTIVAR NÍVEIS DE VIGOR EMERGÊNCIA DE ENVELHECIMENTO PRODUÇÃO (kg/ha)
pela ação de várias espécies de perceve-
PLÂNTULAS (%) ACELERADO (%)
jos, principalmente em cultivares de
Davis Alto 91 81 1.999
maturação mais tardia e que produzam
Médio 79 50 1.926
sementes maiores.
Baixo 61 13 1.994
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PAULO SOARES/USP ESALQ
situação, a influência sobre a emergên- percentagem de emergência de plântulas mente aos objetivos pretendidos. Dessa
cia das plântulas e várias características em campo. Fornecem resultados compa- maneira, os testes de vigor não permi-
da planta associadas ao manejo são su- rativos entre lotes, de modo que menções tem “adivinhar” o potencial de desempe-
ficientes para justificar a aquisição de isoladas, como “70% de vigor”, nada signi- nho das sementes durante o armazena-
lotes de sementes vigorosas. ficam. A seleção de métodos para determi- mento e em campo, mas contribuem de-
nar o vigor considera, além da sensibilida- cisivamente para a detecção de diferen-
AVALIAÇÃO de às diferenças de potencial fisiológico, ças importantes entre lotes e para a am-
Face à importância do estabelecimento entre as amostras analisadas, a simplicida- pliação das informações disponíveis ao
rápido e uniforme do estande, a avaliação de, o grau de padronização, o custo redu- produtor, aumentando sua segurança,
do potencial fisiológico deve identificar zido, a rapidez para a obtenção de resul- ao tomar decisões.
de maneira consistente os lotes com tados e as relações com o desempenho das
maiores probabilidades de se estabelece- sementes, durante o armazenamento e *Julio Marcos Filho é professor do
rem em campo, sob ampla variação de após a semeadura. Dentre os testes dispo- Departamento de Produção Vegetal da USP
ESALQ ([email protected]).
condições ambientais. Os resultados ob- níveis, destacam-se para a soja: a) tetrazó-
tidos em laboratório correspondem, com lio – que também permite o estabeleci-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
maior freqüência, aos verificados em mento de diagnósticos com base na iden-
FLOR, E. P. O. Avaliação de danos mecânicos
campo, quando o ambiente pré e pós-se- tificação de sintomas de anormalidades; b) em sementes de soja por meio de análise
meadura é favorável à emergência e ao envelhecimento acelerado – considerado de imagens. 2003. 72 p. Tese (Doutorado) -
desenvolvimento inicial das plântulas. padronizado para essa espécie; c) condu- Escola Superior de Agricultura Luiz de Quei-
roz (ESALQ/ USP), Piracicaba, 2003.
Nessa situação, as informações forneci- tividade elétrica – também eficiente para
FRANÇA NETO, J. B. et al. EFEITO DE NÍVEIS DE
das pelo teste de germinação podem ser várias outras espécies.
VIGOR DAS SEMENTES SOBRE DIVERSAS CA-
consideradas suficientes. No entanto, O uso de apenas um teste gera infor- RACTERÍSTICAS AGRONÔMICAS DA SOJA. In:
como os desvios em relação às condições mações incompletas, de modo que os EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGRO-
ideais são freqüentes, são necessários programas de controle de qualidade PECUÁRIA. Centro Nacional de Pesquisa de
Soja. Resultados de pesquisa de soja 1983/
outros procedimentos para se estimar o procuram identificar o potencial fisioló-
84. Londrina, PR, 1984. p. 70-73.
desempenho das sementes. gico com base na interpretação conjun-
MARCOS FILHO, J. Fisiologia de sementes de
Os métodos para avaliação de vigor não ta dos resultados de dois ou mais testes, plantas cultivadas. Piracicaba: FEALQ,
foram desenvolvidos para “predizer” a cujos princípios se relacionam direta- 2005. 495 p.