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“Um agente prisional de menor”: identidade e

percepções do agente socioeducativo sobre a


instituição, os adolescentes e a sua ocupação1
“A juvenile prison officer”: identity and perceptions of the
socio-educational agent about the institution, adolescents
and their occupation

Reni Aparecida Barsaglinia Resumo


a
Universidade Federal de Mato Grosso. Instituto de Saúde
Coletiva. Cuiabá, MT, Brasil. Agentes socioeducativos são profissionais
E-mail: [email protected] atuantes em instituições que abrigam adolescentes
Camila Brito Vaillantb cumprindo medida socioeducativa de internação.
b
Universidade Federal de Mato Grosso. Instituto de Saúde Pressupondo que os significados e as práticas
Coletiva. Cuiabá, MT, Brasil. do agente são influenciados pela e influenciam a
E-mail: [email protected]
constituição da vida social dos adolescentes e da
instituição, este texto analisa as percepções desses
profissionais quanto à sua identidade articulada
às percepções sobre a instituição de internação
e os adolescentes. Valemo-nos da fenomenologia
para compreender a fluidez da ação, combinada
com a sociologia da vida cotidiana, que toma os
planos macro e microssociológico na análise social.
Os dados advieram de sete meses de trabalho de
campo em uma unidade de internação masculina
em Mato Grosso, tendo 11 agentes entrevistados
com roteiro semiestruturado, adotando-se a
análise temática. Os resultados versam sobre
os atrativos da profissão (estabilidade, salário,
amizade, aprendizagens); sobre a instituição e a
profissão (contradições entre discurso e prática,
equiparando-se à prisão) e sobre os adolescentes
(permanência da visão histórica do “menor”
pobre, abandonado e em perigo ou infrator e
perigoso). A constituição da identidade é relacional,
Correspondência
indissociada do contexto, e os agentes vivenciam
Camila Brito Vaillant
Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Saúde
as repercussões das contradições e precariedades.
Coletiva. Av. Fernando Correa da Costa, s/n. Cuiabá, MT, Brasil. Na porosidade e permeabilidade das interações
CEP 78060-900. forjam-se e são forjados pessoas, profissionais,

1 Projeto matricial financiado pelo Conselho Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Processo
nº 23038.007708/2011-2016.

DOI 10.1590/S0104-12902018180080 Saúde Soc. São Paulo, v.27, n.4, p.1147-1163, 2018 1147
grupos e instituições – indissociados: gentes Introdução
e coisas.
Palavras-chave: Agente Socioeducativo; Identidade Agentes socioeducativos são profissionais
Profissional; Instituição de Privação de Liberdade. que atuam em unidades de internação destinadas
a abrigar adolescentes que cometeram atos
Abstract infracionais (crimes ou contravenções) graves
e aos quais foi aplicada medida socioeducativa
Socio-educational agents are professionals who de privação de liberdade. No Brasil, atualmente,
work in institutions that house adolescents tais medidas se regem, legal e centralmente, pelo
fulfilling socio-educational measures of detention. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pelo
Assuming that the meanings and practices of Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
the agent are influenced by and influence the (Sinase), os quais preveem a execução de ações que
social life constitution of the adolescents and articulem as áreas de educação, assistência social,
institution, this text analyzes the perceptions saúde, cultura, esporte e capacitação profissional.
of these professionals regarding their identity Em Mato Grosso, o agente socioeducativo é o
articulated to the perceptions about the detention profissional responsável, entre outras funções,
institution and the adolescents. We have used por atender, orientar, assistir, vigiar, realizar a
phenomenology to understand the fluidity of segurança interna, custodiar, escoltar, e revistar
action, combined with the sociology of everyday pessoas e espaços físicos, e prover segurança para os
life, that considers macro and micro-sociological demais profissionais que atendem os adolescentes
planes in the social analysis. The data came from (Mato Grosso, 2011a).
a seven-month field work in a male detention Pressupondo que os significados e as práticas
unit in Mato Grosso, Brazil, and from11 agents do agente socioeducativo são influenciados e
interviewed with a semi-structured questionnaire, influenciam a constituição da vida social dos
adopting thematic analysis. The results are on adolescentes internos e da instituição, este texto
the attractiveness of the profession (stability, decorre de pesquisa mais ampla (Vaillant, 2017) e
salary, friendship, learning); on the institution analisa as percepções dos agentes socioeducativos
and the profession (contradictions between quanto à sua identidade em articulação com as
discourse and practice, equating it to prison) and percepções sobre a instituição onde atuam e a
on adolescents (continuance of the historical view população com a qual trabalham. Entende-se que
of a poor, abandoned, endangered or harmful and tais percepções se assentam na subjetividade
dangerous minor). The constitution of identity is (configurada na esfera individual e coletiva), em meio
relational, separated from the context, and agents às interações cotidianas perpassadas por elementos
experience the repercussions of contradictions and técnicos, políticos, institucionais, sociais e culturais,
precariousness. In the porosity and permeability compondo a experiência (Barsaglini, 2017).
of interactions, individuals, professionals, groups A identidade profissional resulta da socialização
and institutions – indissociated –, people and em dada área e é, simultaneamente, estável e
things forge and are forged. provisória, individual e coletiva, subjetiva e
Keywords: Socio-Educational Agent; Professional objetiva, biográfica e estrutural, construindo-se
Identity; Institution of Deprivation of Liberty. processualmente pelas interações e aprendizagens
que legitimam o pertencimento a uma dada categoria
(Dubar, 2005). Essa socialização transcorre no
mundo da vida e está inscrita na experiência.
Como conceito, “experiência” se refere à forma
como os sujeitos concretos vivenciam seu mundo no
fluxo da vida cotidiana, que somente é apreensível
como lembrança, já que para se referir a tal vivência

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o sujeito suspende esse fluxo para refletir sobre reverberam em realidades objetivas, reações,
ela e nesse movimento a interpreta, editando-a atitudes, fatos etc. Para esses autores, as realidades
por aquilo que o tocou ou o afetou (Bondia, 2002). objetivas decorrem das institucionalizações, ou
Lembranças remetem à memória enquanto aquilo seja, de conhecimentos transmitidos nas interações
que ficou marcado e merece ser lembrado, por ser sociais, sedimentados e retidos nas consciências
significativo ao interlocutor, sendo ela seletiva e individuais, transcendendo, portanto, o “aqui e
constituída por acontecimentos vividos por si e agora” e se somando ao estoque de conhecimentos
por personagens, grupos e coletividades às quais estabelecidos, de modo que a realidade se torna
a pessoa se sente pertencente, sempre situados em cada vez mais maciça no curso dessa transmissão
dado espaço e tempo (Pollak, 1992). (Berger; Luckmann, 2003).
São as experiências do cotidiano que constituem Por essa perspectiva abordamos a percepção
o mundo da vida (Schutz, 1979), de modo que as da identidade do agente socioeducativo quanto à
interpretações se baseiam em um estoque de forma como reconhecem e interpretam o contexto
experiências anterior ao sujeito, às suas experiências (a instituição e os adolescentes/grupo social) onde
e às de terceiros, que juntas funcionam como exercem seu ofício e constroem a si mesmos.
código de referência para a ação. Não obstante,
evitando dicotomias, pensamos na circularidade dos Aspectos metodológicos
elementos constitutivos imbricados nas ações e nas
interpretações que compõem a realidade, ou seja: Trata-se de um estudo qualitativo que se vale
da abordagem da experiência, empreendendo
nem a sociedade, nem os indivíduos, encarados um modelo metodológico mais aberto diante da
como entidades separadas, mas as relações entre complexidade do objeto de investigação.
indivíduos (no sentido amplo e não só as interações A pesquisa foi realizada no Centro de Atendimento
face a face), bem como os universos objetivados Socioeducativo de Internação Masculina – Polo
que elas fabricam e que lhes servem de suportes, Cuiabá (MT), selecionado por ser único na capital
enquanto eles são constitutivos, ao mesmo tempo, e por ter autorizado nosso acesso, sendo doravante
dos indivíduos e dos fenômenos sociais. (Corcuff, denominado unidade de internação. A instituição
2001, p. 24) integra o Complexo Pomeri (Cuiabá, MT), composto
por vários órgãos e vinculado administrativamente,
Se tais construções de influências recíprocas desde 2010, à Secretaria de Estado de Justiça e Direito
se materializam no cotidiano, este envolve a Humanos do Estado de Mato Grosso (SEJUDH/MT),
historicidade em três aspectos, sendo ela constituída sob gestão da Secretaria Adjunta de Justiça e da
por: construções passadas/herdadas; atualização Superintendência do Sistema Socioeducativo do
dessas construções nas práticas e nas interações da Estado de Mato Grosso.
vida cotidiana dos atores; aberturas de campos de Segundo dados da administração local, na
possibilidades no futuro (Corcuff, 2001). ocasião da pesquisa, a unidade de internação
Nos aproximamos da fenomenologia, na vertente masculina contava com cerca de 40 adolescentes,
sociológica de Schutz (1979), para compreender a e havia 81 agentes socioeducativos ativos, sendo
fluidez da ação; essa abordagem mostrou-se fértil, 55 do quadro efetivo e 26 em contrato temporário.
porém limitada pela circunscrição situacional das Sua jornada é de 40 horas semanais, organizada
interações face a face. Nós a complementamos, então, pelo regime de plantão de 24 horas trabalhadas,
com a contribuição da sociologia da vida cotidiana seguidas de 72 horas de descanso, agrupando-
de Berger e Luckmann (2003), que se apropriam se em quatro equipes (plantões A, B, C, D), com
circularmente dos planos macro e microssociológico, um líder cada uma. Os convites foram feitos
defendendo não existirem estados naturais individualmente para efetivos e contratados, das
puramente humanos sem o substrato sociocultural, quatros equipes, que tivessem no mínimo um ano
pois as situações ou construções sociais também de atuação, considerando-se a disponibilidade e o

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interesse em participar formalmente das entrevistas. o anonimato dos participantes, usamos a sigla ASE
A interrupção destas ocorreu pelo balanço das (agente socioeducativo) seguida de numeração
informações obtidas, diante da ocorrência de aleatória para identificar suas falas.
repetição e redundância dos dados – ou seja, a partir
da saturação temática (Fontanella; Ricas; Turato, Apresentação e análise dos dados
2008) –, perfazendo o total de 11 entrevistados.
Desse total, quatro eram do sexo feminino, e Os dados, para o presente texto, foram organizados
sete do masculino; seis tinham ensino superior, e em três tópicos quanto às percepções dos agentes
cinco tinham ensino médio completo (dois cursavam socioeducativos, quais sejam: os atrativos para
ensino superior); sete eram servidores efetivos, entrada e permanência na profissão; a visão sobre
e quatro contratados; oito deles tinham de três a o Outro, representado pela instituição (Centro
cinco anos de atuação na instituição, e três tinham Socioeducativo) e pela população com a qual
de seis a nove anos; três dos contratados tinham trabalham (adolescentes); a visão sobre si mesmos.
outro vínculo empregatício.
O trabalho de campo foi realizado de fevereiro Os atrativos para inserção e permanência na
a agosto de 2016, com visitas diárias à unidade de unidade de internação
internação, visando aproximação do cotidiano em
tela – momentos essenciais para a recíproca e gradual O acesso profissional ao quadro de servidores
familiarização entre agentes e pesquisadora nos de instituições públicas se dá, prioritariamente,
quais, por meio de frequentes conversas informais, por meio de aprovação em concurso público,
foi possível deixar-se afetar pela experiência regido por edital específico. Assim, buscamos
naquele cotidiano para tematizá-lo. Assim, entre compreender o que motivou os entrevistados a
os aspectos marcantes e os significados do dia a se candidatarem às vagas em questão. Em Mato
dia do ser-saber-fazer do agente socioeducativo, Grosso, a escolaridade exigida para ingresso no
a identidade aflorou como tema a ser explorado e, cargo de agente socioeducativo era nível médio
por hora, aprofundado e enfocado neste trabalho. completo (Mato Grosso, 2011b), o que atraía grande
Após esse movimento de olhar e ouvir, ajustou-se contingente de candidatos. Todavia, somada à
o roteiro semiestruturado preliminar que guiou oportunidade de emprego, tem importante peso
as entrevistas pessoais, somadas à observação da a quantidade de vagas ofertadas, sobrepondo-se
dinâmica institucional e laboral, com registros em ao conhecimento das atribuições do cargo, como
diário de campo. Os dados produzidos foram tratados referem os entrevistados:
pela análise temática, inspirada em Laurence Bardin
e detalhada na pesquisa qualitativa em saúde por Com relação ao [agente] socioeducativo, eu também
Gomes (2011). não sabia o que era. Eu… na verdade, ia fazer pra
A pesquisa restringiu-se à internação masculina, [agente] prisional e, como tinha mais vagas, fiz
onde havia autorização, e não explorou dados pra socioeducativo. E depois que entrei aqui que eu
documentais internos (sobre ocorrências ou da pude ter uma visão do que é socioeducativo. (ASE4)
gestão central, por exemplo), além de não ter
acompanhado um plantão inteiro dos agentes (o Não sabia nem o que era fazer concurso, pra
que era intenção inicial, mas foi inviabilizado por começar. Foi meu primeiro concurso, aí eu falei:
questões burocráticas) ou um plantão de final de “vou pelo número de vaga!”. E o número de vaga que
semana, durante as visitas de familiares. Contudo, tinha aqui, pra cá, era o maior que tinha. Falei: “ah,
antes de constituírem limitações, entende-se essas socioeducativo, deve ser alguma coisa de escola,
restrições como possibilidades de estudos futuros. né?” [risos]. (ASE7)
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética
do Hospital Universitário Júlio Müller, Parecer A exigência de qualificação técnica prévia para
nº 1.417.33, de 22 de fevereiro de 2016. Para garantir investidura em cargo público contribui para se saber

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de antemão as atividades a serem desempenhadas entender, não sabe a realidade do cargo, como é o
e, se tal qualificação não existe, pressupõe-se serviço, não tem uma lógica… (ASC6)
que seja oferecida formação inicial preparatória.
Nesse sentido, está previsto e condicionado que o Com base em Schutz (1979), pode-se dizer que a
agente socioeducativo estará apto a exercer as suas entrada concreta do agente é o momento em que o
atividades “após formação específica equivalente a cotidiano do Centro Socioeducativo (pré-existente,
180 (cento e oitenta) horas, a qual abrange além de vivenciado e interpretado por outros) se apresenta à
técnicas de defesa, uso de armas letais e não-letais, sua experiência e interpretação, mas sem parâmetros
combate a incêndio, primeiros socorros, estudo delineados pelo estoque de experiências anteriores,
dos direitos humanos e da legislação referente aos causando espanto. Subsumido pelo “acostumar”, o
direitos das crianças e adolescentes” (Brasil, 2016). impacto inicial verbalizado remete ao estranhamento
Contudo, no caso em tela, esse conhecimento que foi e à familiarização diante do extraordinário, ou seja,
protelado por ocasião da candidatura se revelou aos trazer o estranho para o terreno dos fenômenos
aprovados quando estes adentraram à instituição, conhecidos e familiares, tornando-o compatível e
como é patente na fala de um dos entrevistados: consistente com outros fatos de nossa experiência
Agente orientador do sistema socioeducador… […] e seus significados comuns, de modo a facilitar e
tinha gente que achava que ia ser professor [risos], simplificar as ações na vida cotidiana.
teve muita gente que na hora que chegou aqui
chorou… (ASE1). Porque no começo você toma um choque, mas
A capacitação oferecida no ingresso foi referida depois você vai entendendo por que que as coisas
pelos entrevistados, porém com nuances de frustação são assim… (ASE3)
devido à distância e à inadequabilidade à realidade
encontrada; foi referido também que aqueles como eu nunca tinha visto aquilo, eu achei meio
conhecimentos formais somente ganharam sentidos impactante, assim, eu não gostei. Fiquei até assim…
e significados quando encarnados na vivencia prática meio sem dormir uns dias, assim. Eu não gostei do
cotidiana. Nesse sentido, no segundo trecho abaixo que eu vi. Mas depois eu acostumei, hoje em dia eu
observa-se que nem o edital refletia a dimensão acho normal. (ASE8)
concreta do contexto e das atividades institucionais.
Tais descompassos foram identificados, também, em eu já sabia mais ou menos como seria, mas teve
estudos feitos em outras instituições de privação de muita gente que não sabia, até chorou, quando viu
liberdade, como as prisões (Lourenço, 2010; Valejo, o lugar, né? Que ia trabalhar, tal… mas é aquela
2013), envolvendo um saber essencialmente prático coisa, né? Com o tempo você acaba acostumando,
que não está codificado e é intransmissível por né? (ASE1)
métodos formais. Notemos:
Não obstante, o se “acostumar” às condições
O curso de formação foi uma enganação, né? Porque inóspitas de trabalho reverbera na saúde, como
lá fala uma coisa totalmente diferente da realidade observaram Tschiedel e Monteiro (2013) sobre
do que a gente faz aqui… (ASE1) uma categoria profissional similar, afirmando que
deixar de perceber situações que anteriormente
Acho que foi o momento que eu percebi, que eu causavam sofrimento é um mecanismo defensivo
entendi o que era o sistema socioeducativo: a partir que permite se manter em atividade, mas com custos
do momento que eu entrei do portão pra dentro da à saúde psíquica.
unidade [de internação], entendeu? Porque o curso, Uma vez aprovados, nomeados e empossados,
realmente, que eles falam o que é, como é, ninguém quais pontos positivos atuariam como atrativos
sabe… Se você colocar no concurso, cobrar: “agente para que os agentes socioeducativos permanecessem
orientador vai mexer com menor infrator”, a pessoa no cargo? A estabilidade funcional, enquanto
vai olhar ali, e não sabe o que que é. Não dá pra elemento que motiva aspirar ao ingresso no setor

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público, foi apontada em estudos em instituições o regime de trabalho em turno (RTT), lembrando que
similares (Lopes, 2014) como atrativo e se confirma esta se justifica como compensação para categorias
entre os entrevistados. O conceito foi projetado que “necessitam de maior intervalo de descanso
para proporcionar a continuidade do bom trabalho para melhor se refazerem psicologicamente das
público, isentando o servidor de perseguições atribuições que lhe competem” (Mato Grosso, 2011a),
políticas, ideológicas ou pressões no trabalho e não para se ocupar com outro vínculo empregatício,
(Diniz et al., 2012), embora suas conotações não seja formal ou informal.
sejam absolutas, tendo significados variados entre Ainda, o trecho traz nuances da aprendizagem
grupos sociais, espaço e tempo. Tanto é que recentes prenhe de conhecimentos de aplicação não
alterações nas regras de demissão ou dispensa do instrumental imediata, ecoando a noção de
servidor público efetivo/estável foram trazidas e aprendizagem informal no trabalho, em que pese a não
regulamentadas pelo Projeto de Lei do Senado nº intencionalidade, mas a espontaneidade/influenciada
116, de 2017 (Brasil, 2017). pelo acaso, integrada às rotinas cotidianas, não
A estabilidade constituía atrativo, a princípio, estruturada, vivencial e não institucional (Pantoja;
não pelo cargo em si, mas pelos benefícios dele Borges-Andrade, 2004).
advindos. A questão, contudo, não se resume a esse
aspecto, ganhando relevo a jornada de 40 horas Pra mim é um trabalho bom porque tem a minha folga.
semanais em regime de escala de plantão de 24 por Eu, realmente, aprendi muito depois que eu vim pra cá,
72 horas (Mato Grosso, 2011a). assim… muito, muito sobre administração pública […]
por conta do serviço, pelo salário, que propicia isso,
eu gosto muito do regime de plantão, da escala. Dá que dá pra mim pagar uma faculdade e pelo tempo
pra mim fazer um monte de coisa assim. Dá pra também que eu tenho pra mim estudar. Porque se eu
mim aproveitar bem minha folga, né? Eu acostumei estivesse trabalhando é… expediente em uma empresa
trabalhar por escala. (ASE11) privada, não ia dar pra mim pagar minha faculdade,
manter minha casa, pagar combustível, meus livros e
Tem meu salário, o tempo que eu tenho de folga, que ainda trabalhar. Não ia ter condições de jeito nenhum.
eu tô com a minha família, com minha filha. Eu acho, Então, aqui o tempinho que a gente tem, é cansativo,
assim, bom essa carga horária nossa. (ASE8) mas tem os três dias [as 72 horas de descanso], dá
pra gente conciliar, dá pra estudar. (ASE4)
O último trecho refere como atraente o salário da
categoria, cujo valor inicial atual, em Mato Grosso, é O trabalho impele interações interpessoais,
de R$ 3.183,16 (em contraste com o valor de R$ 954,00 vínculos, emoções: sociabilidades que promovem
do salário-mínimo vigente) e que, com progressões aprendizagem, tomada aqui na acepção posta por
em dez níveis e quatro classes, pode chegar a Pantoja e Borges-Andrade (2004) como processo de
R$ 10.733,26.2 Tais valores se baseiam na legislação mudanças que ocorre no indivíduo, nas dimensões
que reestruturou a carreira dos profissionais do afetiva, motora e cognitiva, que perduram e resultam
Sistema Socioeducativo (Mato Grosso, 2017) incluindo das interações. Mesmo com uma visão depreciativa
o requisito do nível superior de escolaridade para sobre os adolescentes, os agentes extraem do
ingresso, sendo a progressão e enquadramento trabalho junto deles fatores positivos quanto a seu
dos que já estão no Sistema matéria tratada pelo próprio desenvolvimento – conforme mostram os
respectivo sindicato (SINDPSS-MT, 2017). conteúdos existenciais nos excertos seguintes:
Notemos que o trecho a seguir agrega como
atrativo a folga de plantão de 24 horas, regulamentada é um trabalho, tipo assim, pessoal, assim,
pela Instrução Normativa nº 002/2011/SEJUDH, sobre interpessoal, trabalhar com pessoas, entendeu?

2 MATO GROSSO. Tabelas salariais. Rendimentos MT: transparência pública em gestão de pessoas, 2018. Disponível em: <https://bit.
ly/2ATeAmR>. Acesso em: 5 nov. 2018.

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Querendo ou não, você sempre tá aprendendo. Que que sente falta do pessoal. De vir, de rir, de brincar,
nem, quando eu entrei aqui, a gerente que tava aqui, embora tem essa correria, você vê que a gente senta,
dona X [nome da gerente] falou pra mim: “Você vai um ri do outro, um zoa do outro, eu gosto disso.
aprender com esses guri”. Aí falei: “Aprender o quê? O que mais eu gosto daqui é isso, esse círculo de
O que eu vou aprender com bandido? O que vai me amizade que a gente cria no ambiente de trabalho,
ensinar?” Entendeu? Aí depois que eu fui, com o né? Eu acho o mais importante. (ASE7)
passar do tempo… o que ela quis dizer… pra você
ver o que é a vida! Aprender: aprender a ser mais Eu gosto de trabalhar na área de segurança,
paciente, aprender a ser mais observador, aprender entendeu? Eu sempre trabalhei na área de segurança,
várias outras coisas que você vai ter de aprender; desde os meus 18 anos, entendeu? Fui, servi o
percepção nas coisas… Falei: “Ah, realmente, você exército seis anos, aí saí. Fiz curso de vigilante
aprende”, entendeu? (ASC9) patrimonial, fiz curso de extensão de transporte
de valores, entendeu? Eu, gosto de trabalhar aqui,
O ponto positivo é que você acaba assim… se entendeu? Eu… eu no meu pensamento vou aposentar
humanizando mais, vendo certas histórias, às aqui, se Deus quiser! (ASE2)
vezes até se colocando no lugar da família… (ASE4)
Vai fazer cinco anos que eu tô trabalhando na
Outra faceta expressamente valorizada da instituição. Aqui eu me sinto satisfeito, eu gosto
sociabilidade é a amizade que, segundo Silva do meu trabalho. Eu acho que se fosse pra me
(2014), envolve afinidade, afeto, confiança, lealdade, tirar daqui pra mim trabalhar numa secretaria,
compartilhamento da vida com o outro em significativa num outro lugar, eu não ia acostumar, não ia
parte do tempo e em ambiente específico, público, me adaptar. Acho que eu gosto, eu peguei mesmo
impessoal. A amizade é consequência da conexão vontade, né? (ASE11)
intersubjetiva de motivos, quando desenvolvida no
mesmo espaço e tempo, nas relações face a face, em Mas a identidade é relativa a um tipo de contexto
que experiências são compartilhadas possibilitando social e, assim, voltamo-nos às percepções dos
uma corrente de consciência (Schutz, 1979). No agentes socioeducativos sobre a instituição e
ambiente profissional ela pode fomentar a satisfação os adolescentes.
dos trabalhadores, promovendo prazer e suplantando
possíveis adversidades do cotidiano institucional O olhar para o outro: percepções sobre a unidade
(ou dando condições para melhor suportá-las). E o de internação e os adolescentes
trabalho é fonte de prazer ao permitir desenvolver
aptidões, inteligência e o sentir-se importante (Morin, Para além de um local de trabalho, a unidade de
2001), quando o sujeito se identifica com as atividades internação formalmente se destina aos adolescentes
exercidas, trazendo consequências positivas para o em conflito com a lei, visando reeducá-los para
trabalhador e a instituição. Estas são as pistas desses que possam regressar à sociedade, possibilitando
pontos positivos: “a inclusão social de modo mais célere possível
e, principalmente, o seu pleno desenvolvimento
O que é mais significativo pra mim, não assim… como pessoa” (Brasil, 2006, p. 30). No entanto, as
não na unidade [de internação], mas é no plantão, falas dos entrevistados mostram distância entre
é o círculo de amizade que a gente cria, né? […] eu os fins declarados e a realidade das práticas nessas
gosto muito daqui. Embora seja uma… uma cadeia instituições correcionais, o que nos leva a recorrer
[designação comum para instituição de privação a dois autores clássicos para compreendê-las: a
de liberdade], como dizem, mas eu gosto muito do Goffman (1974), para quem as instituições totais
círculo de amizade que você cria. Igual, a gente (como a correcional) foram idealizadas para segregar
trabalha 24 horas, aí passa três dias sem vir, quando os internados da sociedade mais ampla por um
não pega uma folga e fica uma semana, você parece período de tempo, impondo-lhes uma vida fechada e

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formalmente administrada por uma equipe dirigente; […] pra eles [adolescentes], assim, aqui é só
e a Foucault (2009), pela atualidade de pensar que, uma passagem, que eles vão voltar. Eles mesmos
se elas continuam a ser acionadas, é porque sua falam: “vou voltar na rua, vou roubar, vou usar
verdadeira função se encontra encoberta – no caso, droga de novo” (ASE8): essa fala, em tom de ironia,
em lugar de erradicar a criminalidade, as ilegalidades, denota a reincidência que os agentes testemunham,
as delinquências (e ressocializar adolescentes em desmotivadora de sua profissão, resultando, mesmo
conflito com a lei), a instituição correcional serve involuntariamente, em descaso/destrato com os
para administrá-las, organizá-las e diferenciá-las, adolescentes e perpetuando situações de negligência
ou seja, fazer a gestão das transgressões. Contudo, (Vinuto, 2015). Nesse ponto, nos indagamos se a
se há controle, também há resistência, pois o caráter indiferença denotada pelo descrédito não seria
totalitário nunca será absoluto, e as relações de mecanismo defensivo dos agentes, minimizando a
poder operam de modo difuso intra e intergrupos na sensação de terem parcela de responsabilidade nos
interação cotidiana. Nesse sentido, vejamos: resultados negativos da ressocialização…
O fracasso institucional em ressocializar esteve
eu acho que a instituição é só pra manter eles lá, presente na experiência de profissionais de saúde
fora, longe da sociedade. Manter eles aqui dentro do sistema prisional (Lopes, 2014) e também na
e longe das pessoas de bem, né? Que trabalha, que dos agentes socioeducativos entrevistados, o que
luta pra ter as coisas, né? E vem um desse e rouba. parece justificar a percepção de correspondência
Pra mim, eu vejo que eles tem que ficar aqui dentro. entre prisão e centro socioeducativo, assim como
Porque a maioria pensa em fazer de novo, então… a equivalência do comportamento delituoso dos
Pra mim, eu não me importo se aqui tá lotado ou jovens ao dos maiores de 18 anos, embutindo neles
não. Que é melhor [do] que ele estar lá fora. (ASE8) a responsabilidade por seus atos ao referir: menores
só na idade (ASE4). Bem podemos lembrar que
Eu acho que é um… depósito de lixo. Na minha cadeia/prisão e internato socioeducativo consistem
opinião. É lógico, é um trabalho, eu preciso, mas aqui em dispositivos de controle social, à maneira
não… como eu te disse, depósito de lixo a meu ver, foucaultiana, e suas clientelas compartilham da
com relação é… ao tratamento… Porque na maioria mesma origem social; no entanto, lembramos
das vezes é… parece um teatro, que tem as pecinhas suas singularidades quanto ao pressuposto da
mais importantezinhas que estão lá em cima, tem imputabilidade ou não do infrator e às respectivas
as essenciais que somos nós e os adolescentes, né? legislações. No caso do adolescente infrator, pela
Tudo assim, pra preencher um joguinho, que… Não inimputabilidade, ele não está se sujeito às sanções
sei, pra ver quem pode mais, quem manda mais e penais, mas sim às medidas socioeducativas
quem obedece mais, no caso nós. O que acontece, previstas nos termos da legislação especial (Jimenez;
porque aqui dentro, o adolescente chega … ele vai Frasseto, 2015). Está embutida aí a condição peculiar
ter a refeição dele, na hora certa, ele vai comer, ele de pessoa em desenvolvimento e o ideário protetivo;
vai ter o acompanhamento técnico, só que… saiu porém, tal como opera o sistema de Justiça Juvenil
daqui, acabou. (ASE4) brasileiro, persistem as premissas do “modelo
tutelar”, ou seja, institucionalização e apartação
Mas de onde parte a ideia de depósito de lixo social do contingente infanto-juvenil tido como
senão do estoque de conhecimento mobilizado no perigoso e indesejável às classes mais favorecidas,
cotidiano que, ao passo em que é acessado, também marcado pela sistemática violação de seus direitos e
é (re)produzido? Nesse sentido, Wacquant (2007) dos princípios que orientam o Direito Infanto-Juvenil
explica que compõem o “lixo social”: jovens nascidos e o Direito Penal no Estado democrático de Direito
em bairros decadentes, filhos da prostituição, do (Rodrigues, 2016). Nas palavras dos agentes:
analfabetismo e do consumo de drogas – estes,
acrescentamos, são historicamente clientela seleta a pessoa deveria saber que aqui é… é um presídio,
dos centros socioeducativos. não é uma internação pra criança. Não é um

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semiaberto, não é um lar da criança, não é conselho adolescentes, nenhum o pai a mãe vive junto ainda.
tutelar. Aqui realmente é um presídio, mas pra É menino que cresce na rua, que passa fome, que não
menores, que são menores só na idade, né? Porque é bem tratado, que fica doente, que sara por conta.
no tamanho são homens […], porque na verdade o Então, assim… são vidas que já vem destruídas já
que diferencia aqui do presídio adulto, lotado, é desde pequena… (ASE4)
só que aqui tem menos presos e são adolescentes.
Porque aqui eles ficam presos junto ali, eles brigam, Sem negar a presença da carência, nem todos
eles têm os problema deles… (ASE4) adolescentes são percebidos como vítimas do
acaso do nascimento, figurando a percepção de
Pra mim isso aqui é, também, uma cadeia, né? (ASE8) que parte deles inicia a trajetória de infrações pelo
contágio moral (influência de amigos). Inspirada em
Essa aproximação e esse espelhamento da prisão Sylvie Faizang (apud Campos, 2005), a acepção do
se estreita (reforça, confirma?) pela recente Lei contágio aqui não é biomédica, mas sociocultural:
Estadual nº 10.499/2017, que alterou a nomenclatura a transmissão de algo (a tendência à infração) pelo
dos cargos da carreira dos profissionais do sistema compartilhamento do mesmo espaço, do mesmo
socioeducativo, em que o cargo de agente passa a ar, pela proximidade social e pela vivência comum.
se designar “Agente de Segurança Socioeducativo” Em consequência, se deterioram valores que
(Mato Grosso, 2017, grifo nosso). Como vimos, regulam o exercício de papéis vividos na sociedade,
a experiência cotidiana dos agentes sustenta a perturbando a ordem social e requerendo correção.
adequação dessa alteração.
Instigou-nos, também, compreender as acaba influenciado pela mídia mesmo, né? Por
concepções dos agentes sobre aqueles que seriam marcas [grifes], pelos colegas. Aí quer ter uma
a razão da existência da instituição e aos quais se roupa de marca, um calçado, aí vai roubar, porque
dirige seu trabalho: os adolescentes. Assim, uma não tem outra saída, o pai não pode dar, a mãe não
visão que ganhou relevo foi a de considerá-los vítimas pode, porque é de família bem humilde, a maioria
sociais, orientada pelas explicações causais da deles. A maioria deles nem casa tem, é… vive na rua.
prática de atos infracionais, que seria involuntária, Então, assim, aí vai roubar. (ASE4)
consequência do meio em que nasceram e da maneira
e condições em que foram criados, com pais/famílias Não podemos ignorar o engendramento de
ausentes, negligentes ou de quem herdaram a necessidades na sociedade capitalista e de seus
inclinação ou a opção pela infração. Tal ideia conflui interesses representados na mídia; mas nota-
com o entendimento da criminalidade juvenil como se, nessa última fala, a explicação combinada
resultante de abandono material e moral presente com elementos já discutidos – diferente das
na pobreza urbana que vicejou durante o século XX percepções de que há adolescentes com inclinação
no Brasil (Paula, 2014), cabendo ao Estado a sua intrínseca para a prática infracional por suas
proteção e a da sociedade, já que a família seria falha características psicológicas e morais (caráter,
e estaria na origem da criminalidade. Notemos a índole, temperamento), conforme as declarações
permanência dessa lógica no senso comum: a seguir. A “ostentação”, no relato, traz implícita
a gestão de si na forma de se apresentar ao outro e
Às vezes o adolescente tá aqui, não é porque ele a decisão racional de ter acesso a bens supérfluos
não presta, ele é bandido. É porque ele foi obrigado (não básicos) e seus significados. A citada “revolta”
a entrar nessa vida, pelo pai… que as vezes o pai… pode decorrer de postura crítica diante da situação
ele já tá seguindo exemplo. Às vezes o pai tá preso, dada e da impulsividade da ação que marcará,
o pai é traficante, o pai é usuário […] eu acho que decisivamente, o destino do adolescente.
tudo parte, não é só do meio social onde ele vive, do
bairro pobre que ele vive, mas da família. Eu acho É claro que tem muitos aqui que passam fome e tudo
que é essencial a família, porque a maioria desses mais, mas isso às vezes eu penso que isso é questão

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de caráter da pessoa… Não é porque você passa fome, figura do “menor” surgiu como categoria jurídica
passa necessidade, você tem que fazer esse tipo (menoridade penal) e social que definia a infância
de coisa. Ah não! […] os guri fazem isso pra querer e a adolescência pobre, ora como abandonada e em
ostentar. Não é pra… alimentação. Não é assim: “tá perigo, ora como infratora e perigosa, localizando
passando fome em casa”. É pra ostentar… (ASE8) nessas fases a origem das condutas criminosas (Paula,
2014). Com isso, mobilizava-se a justiça recuperadora,
[…] tem adolescente que tem boa índole, tem… a família incidindo nas causas dos desvios de conduta, em
boa, mas vezes por, por algum… uma revolta, alguma tempo de prevenir a formação do criminoso adulto
coisa mínima, acaba entrando pra esse mundo. E uma – daí a origem das instituições de correção com
vez que entrou, é difícil pra sair… (ASE4) ênfase na internação: esta protegeria o sujeito
de influências propícias às condutas criminosas
Essas percepções decorrem das interações engendradas pelo abandono e pela situação de rua
institucionais e interpessoais cotidianas concretas das crianças e dos adolescentes pobres e de famílias
que se afetam e se moldam reciprocamente, ou desestruturadas (Paula, 2014). Essa noção de justiça
produzem subjetividades, como diria Goffman (1974), recuperadora vige desde o Código de Menores de 1927
compondo a visão que os agentes socioeducativos e de 1979; se o ECA, em 1990, pôs fim à classificação
constroem de si mesmos e do seu ofício, conforme de crianças e adolescentes pobres como “menores”,
abordado a seguir. manteve e atualizou tal noção na figura jurídica das
medidas socioeducativas aplicadas aos adolescentes
O olhar para si: um agente prisional envolvidos com a criminalidade juvenil, conclui
de menor Paula (2014). O seguinte trecho faz incisiva alusão
a essa noção:
O que caracteriza ser um agente socioeducativo?
A percepção de incoerências entre a adjetivação A gente é agente socioeducador, né? Só que na
“socioeducativo” e as atividades cotidianas reflete verdade a gente é um agente prisional de menor, né?
imprecisões. Segundo Oliveira et al. (2015), o conceito Então agente, igual falava, carcerário, prisional, né?
socioeducativo surgiu no contexto do ECA, mas não Porque na verdade nossa função aqui é escolta, é
foi amplamente discutido e esclarecido. No Sinase, os levar pra sair, tipo: sair, tem que sair algemado, tem
agentes são denominados socioeducadores, cabendo- que fazer a segurança dele, entendeu? Pra ele não
lhes desenvolver tarefas pertinentes à preservação fugir. É acompanhar, no caso, na assistente social,
da integridade física e psicológica dos adolescentes e psicólogo, no médico, que é a mesma função do
funcionários, como também atividades pedagógicas. agente prisional, juizado, entendeu? E levar pra aula,
No entanto, essas definições são contestadas pela aqui dentro mesmo, se precisar falar com gerente,
prática cotidiana: alguma coisa. É isso. A gente não tem aquela função
de conversar com ele, isso aí é papel de assistente
Eu não vejo a gente como um agente socioeducativo. social e psicólogo, entendeu? Tipo assim, a não
Pra mim, a gente é um agente de segurança. Que a ser que ele venha perguntar: “Oh, agente, tenho
gente tem que levar, escoltar, tem que resguardar a técnica, tenho psicólogo, tenho ligação?”. Mas ter
segurança deles, evitar que eles se machucam, que uma conversa não tem. Até porque eu acho que como
eles machucam algum agente nosso. Então, agente o nosso papel é segurança, a gente acha que, até,
socioeducativo… eu não vejo isso, tanto que a aqui não tem que ter, entendeu? […] igual tô te falando,
tem psicólogos, tem assistentes sociais pra fazer na verdade é um agente prisional só que de menor,
esse tipo de trabalho. Eles são capacitados pra num lugar insalubre, sujo, entendeu? (ASE1)
fazer isso. (ASE8)
Mas o que vem a ser um “agente prisional de
A expressão “de menor”, na fala a seguir, é acionada menor”? A fala denota o distanciamento entre a
na identificação da profissão. Historicamente, a realidade vivenciada dos que coabitam a instituição

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e os princípios do ECA: o local em nada se assemelha estar preparado pra ter essa troca de ideia, tem que
aos “espaços para o desenvolvimento de atividades ter esse entendimento com eles, né? (ASE11)
coletivas, na perspectiva de criar ambientes
que possibilitem a prática de uma vivência com Na sequência, percebe-se a dificuldade da atuação
características de moradia” (Brasil, 2006, p. 69). socioeducativa frente à ambiguidade institucional,
O que se vê são estruturas e regras de natureza resultante da “lógica paradoxal que rege os espaços
repressiva que tendem ao disciplinamento e à de privação de liberdade: a coerção e a socioeducação”
permanente vigilância, como as prisões, remetendo (Adami; Bauer, 2013, p. 68). É que a instituição em
mais à função controladora dessas instituições questão carreia características de um espaço privativo-
sinalizada por Foucault (2009). Concordamos que punitivo (como tranca e destranca, citadas adiante),
“o internato, assim como as prisões para adultos, aproximando-se do que Paula (2014) assinalou
não está preparado para cumprir o seu suposto como técnicas punitivo-pedagógicas, mantendo-se
papel de ‘reeducação’, definindo-se muito mais como a finalidade de recuperação dos indivíduos e de
um lugar de punição”, cabendo ao agente, entre, correção de condutas e alterando-se apenas as técnicas
muros, grades e algemas, viabilizar os atendimentos empregadas, conforme o contexto histórico-social e
destinados aos adolescentes de modo disciplinado o acúmulo de saberes sobre os adolescentes pobres
e seguro, semelhante ao que faz o agente prisional e suas trajetórias individuais. Notemos:
(Freitas, 2011, p. 83). Essa prática foi legitimada
ao institucionalizar-se pela lei estadual já citada, com alguns eu tento, converso com eles, eu busco
incluindo a “segurança” na designação da ocupação conversar sempre com os adolescentes, entendeu?
de agente (Mato Grosso, 2017). Por exemplo: tem uma intriga, a gente vai
Outra marca da identidade do agente conversando, aí tem uns que senta do seu lado e você
socioeducativo é a conversa, como um deles diz: conversa com ele, dá um conselho pra ele. Muitos
[Do que] a gente faz, noventa por cento é a segurança, não aceitam, alguns aceitam, entendeu? Acho que é
dez é de conversar, entendeu? De verbalizar com eles só nesse momento que a gente pode tá falando com
(ASE2). Durante o trabalho de campo, observamos que o adolescente. Na realidade nosso trabalho, como
as conversas com os adolescentes eram frequentes, eu disse pra você, o nosso trabalho é só de tranca
mas seus contornos parecem confluir para uma e destranca. (ASC6)
habilidade estratégica e instrumental, entendida
como extremamente necessária no cotidiano Os agentes se veem, também, como a categoria de
profissional. Afinal, esses profissionais, como parte maior contato com os adolescentes ao longo do dia, em
da equipe dirigente, representam a instituição e seus contraste com outras jornadas diárias mais curtas e
objetivos (Goffman, 1974), de modo que as conversas com atuações pontuais, além de se constituírem como
são permeadas de elementos morais e oportunizam elo, sendo mediadores das demandas para outros
apresentar a perspectiva racional defendida pelo setores e profissionais que ali atuam. Ocorre que,
estabelecimento institucional (Benelli, 2014). diante das necessidades sentidas, que se traduzem
nas solicitações, o agente precisa habilmente
A gente já tem que conversar. Você tem que dialogar, lidar com a negação (e saber como fazê-la) ou com
você tem que orientar, você tem que fazer ele a demora para atendê-las, ocasionando possível
entender que tem as normas, tem as regras, que irritação nos adolescentes, que podem interpretar
tem que ser feita as atividades, que é importante e reagir de diferentes formas. Esse maior contato
pra eles, né? […] Por mais que isso seja da equipe articula poderes e saberes sobre a cultura interna,
técnica, né? Fazer esse trabalho de acolhimento, de como já apontava Goffman (1974), que são úteis no
psicólogo, mas eu acho que é um pouco psicólogo, cotidiano do agente socioeducativo, semelhante
também. Porque passa esse tempo todo com eles ao que ocorre com os agentes penitenciários que,
conversando, né? Tudo que eles têm, que eles precisa, conhecendo as normas, os valores e a lógica operativa,
eles vêm perguntar pra gente. Então a gente tem que “conseguem manter a ordem, num delicado equilíbrio

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entre cumprimento de seu dever e omissão quanto a […] tem essa também: a gente não usa arma. Nem a
algumas práticas costumeiras dos marginais, com segurança a gente faz, porque não tem arma… (ASE8)
fins a não sofrer represálias” (Valejo, 2013, p. 37-38),
exercendo o controle necessário. Parece mais uma O discurso de equiparação das ocupações de
atuação estratégica e defensiva do profissional agentes prisionais e socioeducativos assente na
que visa à docilidade dos internos e à segurança percepção de riscos similares e é mobilizada para
institucional, mesmo diante de situações adversas. sustentar a reivindicação da regulamentação do porte
de arma “mesmo fora de serviço”, reconhecendo-se ser
Aí você tem que ter o jogo de cintura, paciência esta uma profissão cujos riscos se estendem para fora
pra chegar, conversar, explicar a situação, tentar da instituição. Atualmente tramita o Projeto de Lei do
disciplinar. Porque é fácil, às vezes, falar: “ah, o Senado nº 256/2016 (Brasil, 2016) para regulamentar
socioeducativo tem o trabalho de socioeducação, de o porte de arma para agentes socioeducativos;
isso, daquilo, tem aula”. Não, mas só que quem tá mas, enquanto isso, agenciamentos particulares se
o tempo todo com eles é nós. É nós que tá na linha efetivam, como na segunda fala a seguir:
de frente. Professor vem aqui, passa um filme e vai
embora. A técnica vem, conversa um pouquinho com Por isso te falo: agente penitenciário é uma
o adolescente, dá um papelzinho pra ele escrever uma profissão de risco, mas agente orientador é uma
cartinha e vai embora. E nós ficamos aqui. (ASE4) profissão de risco. Que você, se um adolescente
pegar você, e você ficar trancado dentro da ala,
O papel do agente como protetor figurou nos junto com os outros adolescentes… […] Como
relatos mostrando variadas conotações: a proteção já teve casos de orientador ser pego de refém
dos adolescentes, evitando conflitos e confrontos e não conseguir entrar aqui dentro do sistema
entre desafetos; proteger aqueles que, pela natureza socioeducativo, do portão pra cá. (ASC6)
do ato infracional (sexual ou contra familiar), podem
ser agredidos; protegê-los durante confronto de Como agente, não tem a legislação própria nossa,
adolescentes, dissipando e mediando o conflito. igual a penitenciária tem, que pode usar arma,
Mas essa proteção também é para si, porque a entendeu? Eu mesmo consegui tirar o porte,
equipe de plantão responde administrativamente entendeu? É… por outra portaria e eu tenho porte.
pelas ocorrências e porque, ao intervir, podem ser Graças a Deus, eu já tô mais tranquilo, mas tem
agredidos acidentalmente (ou não); e a tentativa outro colega que não tirou porte e não comprou
de apaziguamento pode requerer uso da força se os arma, entendeu? Mas, graças a Deus, eu consegui
envolvidos estão em embate, podendo resultar em tirar tudo na lei, ando armado, mas ando na lei.
lesão involuntária (ou não) no interno e render-lhe É um porte particular, não tem nada a ver com a
acusações de ações violentas ou excessivas. Nesse instituição. (ASE2)
sentido, tanto as armas são citadas no uso para a
intimidação quanto as “não letais” seriam utilizadas Reitera-se que tais percepções de riscos se
para a contenção de episódios violentos, sem colocar constroem por vivências concretas medonhas, como
em risco a vida e a integridade física dos envolvidos. rebeliões, motins, mortes de agentes em tentativa
Contudo, seu uso em centros socioeducativos é de assalto, frequentemente noticiadas pelos
controverso, e seus defensores se inspiram na jornais, expressando a preocupação constante de
regulamentação da Lei nº 13.060/2014 (Brasil, 2014), possíveis represálias:
no âmbito da segurança pública.
Assim, pode até ter sido com a intenção de assalto
A nossa função é proteger, mas a gente não tem [refere a um caso recentemente ocorrido e publicado
uma arma, um spray de pimenta, não tem nada, em jornal local], mas quando eles viram quem eles
né? Malemá uma tonfa, né? Uma tonfa contra um eram – agentes socioeducativos – atiraram. Tanto
aço, não dá… (ASE1) é que não levaram nada. (ASE1)

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Olha, agente orientador, agente prisional foi morto? Os agentes pressupõem confiança e proteção
É por causa da profissão, é por causa que eles mútuas, que transcorrem em permanente estado
[internos, presos] têm raiva, é por causa que eles de alerta, sendo comuns em ocupações que
são criminosos. (ASC6) envolvem segurança e transcendendo os portões
da unidade, de modo que estão sempre vigiando
O trabalho nas instituições de privação de e se acautelando dos lugares frequentados para
liberdade é permeado de situações de risco evitar a chance de encontros inusitados com
físico, moral e psíquico, pois requer alto nível de ex-internos (Barbosa, 2005), sendo balizados
concentração e ritmo acelerado, além de oferecer por esquemas tipificados para interpretar e agir
tensão e imprevisibilidade (Lourenço, 2010), como em tais situações cotidianas. É uma profissão,
fica evidente no relato a seguir sobre o início da portanto, que afeta a sociabilidade.
carreira de um agente e sobre quando a unidade,
antes de uma grande reforma, abrigava maior número eu comecei a não frequentar certos lugares, não andar
de adolescentes em condições precárias extremas. tal horário, sabe? Então, esse trabalho nosso, ele
implica, querendo ou não, ele implica na nossa vida
Na realidade, já saía do portão pra fora, saía olhando social. Hoje em dia, você vai, você já vê um adolescente
pro céu, falava: “meu Deus, obrigada por mais um na rua, você já fica meio assim, né? (ASE7)
dia que eu tô saindo viva”. Porque, realmente, era
aquela coisa, a gente entrava, eu entrava já com a Então, assim, pra gente é muito perigoso, sair pra
minha vida entregue nas mãos de Deus. Falava “hoje barzinho. Não saio, porque tenho medo. Shopping
eu vou entrar, mas não sei se vou sair”. Era assim, de vez em quando, mais em casa mesmo. […] até os
todo mundo entrava assim, né? A gente entrava contratados, né? Você entrou pra essa área, você
sabendo que tava entrando, mas não sabia se ia perde a sua vida social. Não tem condições, você vai
sair, né? Aí no outro dia, quando a gente saia, dava viver uma vida normal sim, mas bem restrita e com
aquele alívio. (ASE7) bastante medo, sim. Justamente por nós trabalhar
nessa área. (ASE4)
A solidariedade profissional também caracteriza
a prática do agente socioeducativo enquanto recurso Questão do lazer, quem trabalha aqui não pode
que aplaca temores cotidianos. Para Foucault ir em qualquer lugar, entendeu? Você não pode ir
(2009), a disposição de cooperar relaciona-se com a num parque. Eu mesmo não vou, tem que selecionar
necessidade das instituições disciplinares de repartir pra mim sair com a minha família, entendeu?
tarefas, produzindo corpos dóceis e hábeis, prontos Tem que selecionar pra onde que eu vou, eu não
para responder a comandos. Ou seja, os profissionais vou num parque, numa praça no Pedra 90 [bairro
também estão sujeitos às imposições de ordem e periférico]. (ASE2)
disciplina da unidade: a partir de um gesto ou de
um olhar trocado, adestram-se para responder a A percepção de profissão estressante tem como
uma ordem/comando em sincronia com as ações parâmetro sinais e sensações corporais vagas,
da instituição. Testemunhamos a perspicácia da legitimadas pelo saber biomédico, decorrentes da
interpretação de sutilezas do ambiente e o cuidado natureza das atividades e amplificadas pelo longo
para que as ações com os adolescentes se realizassem plantão e pelo trabalho noturno. Estudos sobre
solicitamente – ao menos por dois agentes. a saúde dos profissionais de instituições totais
apontaram maiores riscos de adoecimento que os
Você vê que um confia no outro, né? Que é aquela da população em geral (Tschiedel; Monteiro, 2013)
coisa: se eu vou, você vai junto, né? Igual ali, você em consequência da perda de noites de sono, com
entra na ala e vê que vem mais dois, três com você, redução do estado de alerta, irritação, ganho de
você já entra mais seguro, mas se você vê que é só peso e dores de cabeça (Jesus et al. 2016) – que foram
você sozinho, fica meio complicado, né? (ASE7) sintomas aqui pontuados:

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Altera nosso relógio biológico, né? Como você tá é tudo muito intenso. […] no outro dia você está
no plantão, a gente chegou aqui, a gente não tinha sugado, detonado. Não tem, assim, sabe… ânimo
costume com o plantão. A partir do momento que a pra nada, chega em casa você tinha que tomar um
gente começou a fazer plantão, no começo foi bem banho quente, que parece, que por mais que você
difícil. Até começar a acostumar com os horários, toma banho aqui à noite, no outro dia, parece que
porque numa vida normal, num horário normal, você tá sujo do mesmo jeito. Chegar em casa tomar
a noite toda, oito horas por noite, você vai deitar um banho de água quente, lavar a cabeça, os pés,
naquele certo horário, vai dormir e vai levantar no entendeu? […] Fico detonada, não durmo, mas fico
outro dia de manhã. Aqui não. Aqui você tá acordado, sabe… no outro dia que eu vou recuperar. (ASE1)
você tá comendo. Então, todo mundo engordou.
A gente engordou. Engordei 10 kg a mais, com cinco Nesse depoimento, a sujidade pode ser analisada
anos. Às vezes cê tem um pouquinho mais de dor de tomando-se o corpo como sistema simbólico e a
cabeça. Até mesmo pelo estresse, assim, de você tá assepsia corporal como uma profilaxia, também
aqui ligado o tempo todo. (ASE4) simbólica, moral. Corrobora para essa metáfora a ideia
de que sujeira é contraponto de pureza e se encontra no
Na minha saúde, um exemplo, assim, dá muita dor reino da desordem, da desorganização social (Douglas,
de cabeça, dor na nuca. Dor nas costas, que isso aí é 1976), como aquilo que ameaça, polui, deve ser evitado,
o estresse, entendeu? Só que a gente tenta controlar… impedido e que os rituais de despoluição e purificação
Mas de vez em quando você sai de plantão, não dá não alcançam pela materialidade do banho. Sujidade
pra você dormir. Dormir de dia é diferente de você perigosa porque atravessa as fronteiras simbólicas do
dormir à noite. Afetou sim. Muita queda de cabelo, contágio moral – consequência de se trabalhar onde
entendeu? Não é porque a gente tá ficando velho que se deposita lixo, como dito antes, o que, portanto,
vai cair o cabelo, mas do tempo que eu entrei aqui, embute nojo, sendo esta
deu muita queda de cabelo. Que é o estresse, que
eu já procurei o médico, entendeu? Eu já procurei, reação de respeito pelas convenções que classificam
o médico já falou. Tive um problema aqui na vista, e separam, assim como o ato de purificar é um
entendeu? Quando eu fui chefe de plantão, tive ato de retirar as manchas que borram as linhas
muito estresse, que estourou um vasinho no fundo de marcação dos limites de cada categoria,
do meu olho. E o médico perguntou o que aconteceu, porque é necessário haver separação para haver
onde eu trabalhava; e ele fez a análise e falou: “oh, comunicação e haver sentido para a poluição ter
estourou um vaso no fundo do seu olho. Nós vai ter sentido. Uma coisa nojenta é sempre uma coisa
que fazer uma cirurgia, entendeu? Vai ter aplicação que cruza indevidamente uma linha demarcatória,
de um produto pra estancar a hemorragia, se nós estabelecendo-se em um lugar impróprio e
não fazer até amanhã é perigoso você perder a vista, deslocando no sistema de ordenação. A reação do
e isso aí é causado pelo estresse”. O que o estresse nojo é uma reação proteção contra a transgressão
faz? Ele falou: “dá ataque cardíaco, queda de cabelo, da ordem. (Rodrigues, 2006, p. 140)
dor nas costas”. (ASE 2)
Finalizamos questionando como se livrar de
Além de ser gerador de adoecimentos, é um algo em que se está envolvido na (re)produção de
trabalho agravador de patologias já existentes por sua existência?
transcorrer em um contexto que exacerba sensações,
emoções e sentimentos. Considerações finais
Aqui é tudo muito intenso. A partir do momento que Ao abordar a identidade do agente socioeducativo
você entrou daquele portão aqui pra dentro, aqui se nos vimos discorrendo sobre as interações que se
tá frio, aqui tá o polo norte. É muito mais frio aqui travam na vida cotidiana: com pessoas, grupos
dentro. Se tá calor, aqui é um inferno de calor. Aqui sociais, instituição (missão, normas, estrutura

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física), legislações, programas sociais e consigo Rio de Janeiro, 2005. Disponível em: <https://bit.
(cada biografia), extrapolando o plano situacional e ly/2AtASLv>. Acesso em: 1º mar. 2017.
sendo também histórico (biografia contextualizada).
BARSAGLINI, R. A. Conceito e abordagem da
A constituição da identidade é relacional e não experiência: reflexões teóricas e metodológicas
dissociada da definição do contexto de ação, que em pesquisas qualitativas em saúde [projeto de
é, também, contexto de definição de si e dos outros pesquisa de pós-doutorado]. Cuiabá: Instituto de
(Dubar, 2005). Assim, aqueles agentes também sentem Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato
as repercussões das contradições e das precariedades Grosso, 2017.
existentes porque estão enredados naquele contexto
e são afetados para além dele, como vimos. BENELLI, S. J. A lógica da internação: instituições
Os elementos identitários dos agentes totais e disciplinares (des)educativas. São Paulo:
socioeducativos foram sendo aqui apresentados, Editora Unesp, 2014. Disponível em: <https://bit.
tendo sido eles seduzidos pelas vantagens do cargo ly/2Auv0BU>. Acesso em: 25 jun. 2018.
público em sobreposição ou em compensação das BERGER, P; LUCKMANN, T. A construção social
agruras vivenciadas no processo de socialização da da realidade. Petrópolis: Vozes, 2003.
profissão à qual passaram a pertencer e que passaram
BONDIA, J. L. Notas sobre a experiência e o saber
a (re)produzir, dando-lhe vida e continuidade. O lugar
de experiência. Revista Brasileira de Educação,
de quem fala se legitima pela experiência cotidiana:
Campinas, n. 19, p. 20-28, 2002.
são profissionais que compartilham e atestam na
pele o mundo social institucional e comunicam o que BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos da
é retido, porque isso os afeta e os marca, ao passo Criança e do Adolescente. Resolução Nacional
que cada um vai também imprimindo suas marcas nº 119, de 11 de dezembro 2006. Dispõe sobre o
e deixando seus rastros. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
Resguardadas as singularidades contextuais, e dá outras providências. Diário Oficial da União,
este estudo visibilizou aspectos da identidade de Brasília, DF, 7 dez. 2006, p. 30-69. Disponível em:
um segmento profissional, envolta em processos <https://bit.ly/2qd4cQH>. Acesso em: 13 mar. 2015.
relacionais e históricos que posicionam sujeitos e BRASIL. Casa Civil. Lei nº 13.060, de 22
reciprocamente produzem suas experiências. Assim, de dezembro de 2014. Disciplina o uso dos
na porosidade e na permeabilidade das interações, instrumentos de menor potencial ofensivo pelos
forjam-se e são forjados pessoas, profissionais, agentes de segurança pública, em todo o território
grupos e instituições – indissociados: gentes e coisas. nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23
dez. 2014. Seção 1, p. 3. Disponível em: <https://bit.
Referências ly/2Ob1QLA>. Acesso em: 14 mar. 2015.
ADAMI, A.; BAUER, M. Perfil e prática do agente BRASIL. Projeto de Lei do Senado nº 256, de 2016.
de segurança socioeducativa: recomendações Altera a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003,
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Contribuição dos autores


Ambas as autoras contribuíram para a concepção, análise dos
dados e redação do artigo. Barsaglini foi responsável pela revisão
final do artigo.

Recebido: 10/07/2018
Aprovado: 17/10/2018

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