1 - Bases Epistemológicas Da Psicopedagogia

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Filosofia das Ciências:

Bases Epistemológicas
da Psicopedagogia
Material Teórico
Parâmetros Epistemológicos

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Me. Bruno Pinheiro Ribeiro

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro
Parâmetros Epistemológicos

• Origens Epistemológicas;
• Epistemologia na Modernidade;
• A Epistemologia das Ciências Humanas.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Introduzir os conceitos epistemológicos;
• Observar a transformação histórica da epistemologia;
• Perceber a dinâmica da epistemologia nas ciências humanas.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE Parâmetros Epistemológicos

Origens Epistemológicas
A epistemologia é conhecida, de maneira mais comum, como teoria do conhe-
cimento e\ou filosofia das ciências. Essa diferença na conceituação já nos coloca
de saída com perguntas importantes sobre os estudos epistemológicos: ciência e
conhecimento são coincidentes? Filosofia e ciência são áreas comuns?

A palavra epistemologia vem do grego, na sua composição, episteme significa


conhecimento, ciência e logos discurso, estudo. Para muitos, a filosofia ocidental
tem origem na Grécia, tendo em Sócrates um marco fundamental dessa história.
Nesse ambiente do possível nascimento da filosofia, ou pelo menos de sua caracte-
rização como a conhecemos na cultura ocidental, a noção de episteme contrapu-
nha-se à doxa.

Figura 1 – DAVID, Jacques-Louis. A morte de Sócrates, 1787


Fonte: Wikimedia Commons

Roberto Rossellini foi um dos mais importantes diretores de cinema do século XX. Expoente
Explor

do movimento artístico neorrealismo italiano, filmou algumas obras-primas da história ci-


nematográfica. Dentre essas pérolas, destacamos o filme Sócrates, que narra a trajetória do
filósofo grego até seus últimos dias de vida: https://youtu.be/EybU4HEe-gU

Por doxa, era entendido o conhecimento popular, mundano, algo que hoje se
assemelharia à opinião. Portanto, era uma forma de conhecer o que se multiplicava
pelas pessoas sem que fosse necessária a comprovação dos conteúdos comunica-
dos, expostos. A episteme, por sua vez, seria a manifestação de uma verdade, de
um conteúdo que, para ser exposto, precisava ser legitimado por alguns critérios
estabelecidos por um determinado grupo de pessoas.

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Importante! Importante!

Por mais que a história da epistemologia faça referência à Grécia Antiga e, consequen-
temente, às questões relacionadas à doxa e episteme, não podemos menosprezar os sa-
beres populares e enquadrá-los na esfera do “não conhecimento”. A produção de conhe-
cimento não se restringe aos espaços acadêmicos e é preciso olhar com atenção para os
acúmulos ancestrais e suas capacidades epistemológicas.

Essa dicotomia entre doxa e episteme ultrapassou os limites históricos da Grécia


Antiga e permeou um conceito padrão para conhecimento, que seria o de crença
verdadeira justificada. Sendo assim, para que algo ganhe a esfera do conhecimento,
é necessário que se possa crer que esse algo é verdadeiro porque ele pode ser
justificado como verdadeiro.

Diante dessa breve definição, algumas questões saltam: como é possível justificar
que algo é verdadeiro? É possível que algo seja justificado como verdadeiro e, no
entanto, alguém, ou um grupo de pessoas, não creia nessa validação? Aquilo que
não pode ser justificado pode ser tratado como conhecimento?

As respostas a essas perguntas e a tantas outras remetem à própria história da


epistemologia e seus problemas. Nesse emaranhado de questões, é importante
ressaltar que os conhecimentos e suas validações foram se transformando ao longo
da história. Verdades que aparentavam imortalidade foram sendo questionadas.
Critérios que garantiam a crença e a justificação foram sendo interpelados, posto
que esses, por vezes, representavam interesses particulares, maculando, assim, seu
estatuto de verdade.

Epistemologia na Modernidade
A chamada era moderna da humanidade tem alguns eventos históricos, destacados
aqui especialmente os da parte ocidental, que transformariam radicalmente os modos
de vida e a própria percepção que a humanidade tem de si e de seu desenvolvimento.

A Revolução Francesa, que durou aproximadamente dez anos, entre 1789 e 1799,
notabilizou-se pela derrubada do regime monárquico francês que durava muitos sé-
culos. Em seu lugar, foi estabelecida a república democrática burguesa capitalista,
regime que se consolidou como paradigma político e persiste até os dias de hoje.

O protagonismo da burguesia, como classe dominante, não se restringiu apenas


aos contornos políticos que determinam as leis, as formas do estado, as normas
das instituições etc. Tampouco ela se perfaz apenas nas estruturas econômicas
capitalistas que determinam os modos de produção, a circulação das mercadorias
e as formas de trabalho. A hegemonia burguesa consolidou uma maneira de ver o
mundo, de ler as coisas, de a humanidade se enxergar como tal.

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UNIDADE Parâmetros Epistemológicos

A era burguesa tem o indivíduo como centro do universo, conferindo a ele toda
a potência de desenvolvimento da vida, dando a ele a responsabilidade pelo sucesso
e pelo fracasso do desenvolvimento da humanidade. Desse modo, a noção de co-
nhecimento figura-se em alinhamento com esta perspectiva: o saber, dentro dessa
linha de pensamento, concentra-se no sujeito e dele emana para outros sujeitos.

Figura 2 – A Liberdade guiando o povo, 1830


Fonte: Wikimedia Commons

Esse processo de centralidade da figura do indivíduo, a partir da dominação


burguesa, elege o indivíduo burguês europeu como representante dessa forma de
concepção do mundo, tratando esse representante como modelo universal. Essa
representação, contudo, é absolutamente contraditória, posto que a sociedade não
converge exclusivamente para esse parâmetro, criando, assim, conflitos constantes.

Se, por um lado, como vimos, a modernidade desenvolve o individualismo, por


outro, ela também carrega em seu bojo a consolidação das classes e suas disputas
por espaço no tecido social. A burguesia entra em choque frontal, por exemplo,
com a classe trabalhadora e seus interesses. Além da exploração que advém das
relações de trabalho, onde o lucro não é dividido por todos aqueles que produzem
as riquezas, o conflito entre classes também se estabelece na subjetividade. A repre-
sentação do burguês como sujeito universal e, portanto, como portador do sentido
de indivíduo passa ao largo das formações sociais que constituem a classe trabalha-
dora e suas múltiplas subjetividades.

Desse modo, as estruturas de conhecimento na modernidade são atravessadas


inevitavelmente pelas tensões entre as classes, pelas disputas pelos espaços na

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sociedade. Essas lutas fazem o conhecimento ter uma parcela política fundamental,
onde os critérios de validação justificada da verdade não podem ser destituídos de
suas posições sociais.

A comuna de Paris durou pouco mais de três meses, no ano de 1871, e é considerada o primei-
Explor

ro governo proletário da história. Em um processo de resistência às opressões e à exploração


do trabalho, os trabalhadores ansiavam pela emancipação do regime burguês capitalista.
Apesar de derrotada pelo governo francês, a Comuna de Paris seguiu inspirando movimen-
tos socialistas, comunistas, libertários e das mais variadas ordens, fundamentando-se como
paradigma de contraposição ao ideário burguês.

Figura 3 – Barricada na Rua Voltaire


Fonte: Wikimedia Commons

A Revolução Industrial é outro marco da modernidade, caracterizando-se como


um processo histórico de desenvolvimento amplo de tecnologias, meios e modos de
produção que modificaram a produção e a circulação de mercadorias, bem como a
movimentação das pessoas, impactando na conformação das populações do cam-
po e da cidade.

Com a circulação cada vez mais rápida de pessoas e produtos, as cidades passam
a ter uma concentração populacional cada vez mais intensa. Mas, além disso, as infor-
mações também encurtam seu tempo e espaço para se disseminarem. Podemos assis-
tir, então, a uma transformação significativa na produção do conhecimento, posto que
os conteúdos fluem de maneira mais rápida e para um contingente maior de pessoas.

Essa aceleração, por um lado, facilita a circulação, por outro, tende à dispersão,
como ressalta David Harvey:

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UNIDADE Parâmetros Epistemológicos

Para começar, a modernidade não pode respeitar sequer o seu próprio


passado, para não falar de qualquer ordem social pré-moderna. A tran-
sitoriedade das coisas dificulta a preservação de todo sentido de conti-
nuidade histórica. Se há algum sentido na história, há que descobri-lo e
defini-lo a partir de dentro do turbilhão da mudança, um turbilhão que
afeta tanto os termos da discussão como o que está sendo discutido.
A modernidade, por conseguinte, não apenas envolve uma implacável
ruptura com todas e quaisquer condições históricas precedentes, como é
caracterizada por um interminável processo de rupturas e fragmentações
internas inerentes. (HARVEY, 2008, p. 22)

Essas rupturas e fragmentações fazem os espaços do pensamento tenderem


à instabilidade, à dificuldade da consolidação e da perenidade. Então, se, por um
lado, o ideário burguês edifica sua subjetividade a partir do seu padrão de indivíduo,
por outro, os conflitos e as fragmentações tendem a despedaçar esse indivíduo,
tratando o sujeito e o conhecimento como uma espécie de dispersão de cacos.

Essa dispersão aliada à rápida circulação produz outro fenômeno de extrema


importância para a produção subjetiva moderna, que é a compressão do espaço e
do tempo. As distâncias se reduzem com a rapidez da transposição de suas fron-
teiras, quer seja de ordem material, quer seja de ordem imaginada. Sendo assim, a
própria produção do conhecimento entra em crise, porque os critérios que justifi-
cam as pretensas verdades passam a vacilar, a desmanchar no ar, dada sua fluidez
e fragmentação.

O iluminismo se configura como um pilar da produção de conhecimento, quer


seja pela identificação com suas premissas quer seja pelo enfrentamento delas.
Como contraposição aos parâmetros da Idade Média, o iluminismo se autodecla-
ra como a idade das luzes, incutindo ao período anterior à pecha das sombras e
trevas. As luzes acompanham as transformações econômicas e sociais e têm, no
progresso, sua teleologia, sua promessa de desenvolvimento.

Figura 4 – La Gare Saint-Lazare, 1877


Fonte: Wikimedia Commons

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Com a noção de progresso como base, o conhecimento passa a mirar-se como
superação sucessiva de seus movimentos anteriores e, ao mesmo tempo, como
ferramenta inequívoca do esclarecimento. Essas premissas estabelecem um enca-
deamento epistemológico que esquematiza o pensamento, tratando tudo aquilo que
não se enquadra a esses princípios como destituídos de condições para o estatuto
do conhecimento.

Ao mesmo tempo, a consolidação da ciência como um polo de produção de


saberes que persegue a validação de seus métodos e da aferição de suas teses torna
o conhecimento um campo vasto e em expansão. O desenvolvimento tecnológi-
co, a reconfiguração da nossa relação com o sistema solar, a descoberta de novos
meios de locomoção, a teoria da evolução das espécies, a ampliação dos recursos
medicinais e tantas outras transformações produzem um abalo sísmico em nossa
percepção do mundo, em nosso corpo, em nossa relação com a natureza etc.

Com isso, a subjetividade moderna aparece como que cindida, em crise, borrada
como o impressionismo de Monet, aparentemente centrada na estabilidade do su-
jeito burguês, amparada pela promessa de um futuro promissor, pavimentado pelo
progresso que se dará, contudo, completamente imerso no caos da fragmentação e
nos processos de inadequação em relação aos parâmetros universais burgueses e na
luta diante das formas sociais de exploração e opressão de uma classe contra outra.

Outro desdobramento histórico importante no campo epistemológico é o proces-


so da colonização americana e africana. A colonização se implementou de maneira
decisiva para os povos que tiveram seus territórios ocupados pelos europeus. Tal
processo se concretizou na base do genocídio, da exploração e da imposição cultural.

Em termos epistemológicos, essa dominação pretendeu-se na medida do aniqui-


lamento das culturais locais e de sua substituição pela cultura dos conquistadores.
Desse modo, reforça-se o paradigma da universalidade do sujeito burguês como um
produto histórico e não metafísico, conservado por processos variados de imposição.

Contudo, os saberes não consagrados pela dominação burguesa europeia não


se dissiparam com o andar da história. Muitos processos de resistência foram de-
sempenhados e os debates contemporâneos sobre epistemologia procuram levar
em conta essa dinâmica e tentam estudar as relações epistemológicas ao longo da
história com base na pluralidade das culturas.

As fake news são uma importante arma da comunicação contemporânea. Sua transmissão
Explor

instantânea e sua capacidade de reprodução viral conferem a esses conteúdos uma ampla
veiculação. Contudo, pela maneira como são concebidos, os critérios de validação dessas
informações são dispensados. Essa estratégia comunicacional perfura de maneira contun-
dente os parâmetros epistemológicos, posto que seus conteúdos não se estabelecem em
compromisso com a justificação de suas verdades.

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UNIDADE Parâmetros Epistemológicos

A Epistemologia das Ciências Humanas


Ainda na Grécia Antiga, o filósofo Aristóteles preocupava-se em delimitar os cam-
pos do saber, especificando as diferentes formas de lidar com o pensamento. Isso
conferia à ciência uma pluralidade, tanto no que diz respeito aos objetos de seu in-
teresse quanto ao método científico utilizado para a validação de seu conhecimento.

Com o avanço da modernidade, como trabalhado anteriormente, as sociedades se


modificaram de maneira radical. A mudança de hábitos, das formas de se relacionar
com a natureza e entre si, as migrações, as concentrações populacionais, o choque
cultural promovido pelo cruzamento de diferentes tradições e tantos outros fatores
expuseram ao conhecimento a necessidade de tentar explicar esses processos.

É no meio desse turbilhão que as ciências humanas vão ganhando contorno,


estabelecendo suas bases epistemológicas, com seus parâmetros e métodos. Essa
tradição se estende até os dias de hoje, com grande contribuição para o pensamento
moderno e contemporâneo. Aqui, nesta unidade, veja três autores que são consi-
derados grandes referências para as ciências humanas ocidentais: Karl Marx, Émile
Durkheim e Max Weber.

Figura 5 – Max Weber (1864-1920); Émile Durkheim (1858-1917); Karl Marx (1818-1883)
Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons

Karl Marx
Karl Marx nasceu na Prússia no começo do século XIX, mas passou grande
parte de sua vida em Londres, no Reino Unido. As contribuições de Marx para o
pensamento são inúmeras com destaque para livros como O 18 Brumário de Luís
Bonaparte, O Manifesto Comunista, A Ideologia Alemã e, para muitos, a sua obra-
-prima, O Capital.

Marx foi herdeiro da tradição hegeliana, tendo a dialética como importante


referência para a produção de suas questões. Contudo, para muitos, o autor
de O Capital avança profundamente ao desenvolver as bases de estudo para o

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materialismo histórico dialético. Nessa perspectiva, Marx investiga a produção do
conhecimento a partir de seu movimento constante e de sua relação intrínseca com
a história e com as relações sociais e produtivas.

Nesse sentido, o pensamento de Marx desloca a produção do conhecimento de


sua esfera a-histórica e abstrata e a insere no meio das dinâmicas sociais, tratando
pensamento e produção social da vida como partes não desconectadas de um mes-
mo todo. Diante dessa perspectiva, a economia, por exemplo, passa a ter relação
direta com a produção intelectual.

Marx destaca que as ideias que circulam pela sociedade e conseguem se estabe-
lecer nos circuitos sociais, influenciando as pessoas, conformando leis, orientando
as instituições, moldando hábitos etc. não são naturais. Essas ideias correspondem
ao desenvolvimento histórico das ideias e da sociedade, onde uma influencia a outra
de modo constante. Diante disso, Marx salienta, por exemplo, que as ideias domi-
nantes de uma época tendem a se alinhar com os preceitos das classes dominantes,
posto que essas classes detêm monopólios na distribuição dos conteúdos.

Outro aspecto importante da perspectiva de Marx é que as ideias não se restrin-


gem somente ao pensamento abstrato, e nem mesmo à metafísica. Marx ressalta
como a produção de ideias, de conhecimento embasa diversas estruturas sociais,
como as instituições, as leis e mesmo o Estado. Derivando dessa linha de raciocí-
nio, podemos observar como as ideias das classes dominantes de uma época con-
vergem na estruturação das escolas, dos hospitais, das normatividades sexuais, das
construções de gênero e raça, da manutenção das distinções de classe.

Nos estudos de O Capital, Marx contribui de maneira decisiva para o entendi-


mento das leis de funcionamento do capital. O capitalismo se estrutura e se desen-
volve a partir de uma relação complexa e articulada, que tem em sua base funda-
mental a exploração do trabalho para a produção e a circulação de mercadorias
com a intenção da obtenção do lucro.

A grande contradição desse processo é que a classe que produz as mercadorias,


que transforma a matéria bruta em produto para circular não detém as riquezas
provenientes desse comércio. Marx formula que a classe trabalhadora, que se cons-
titui como a força produtiva, aquela que fomenta o desenvolvimento do capital, não
tem posse dos meios de produção.

Essa acumulação por parte da classe capitalista a partir da exploração do traba-


lho da classe trabalhadora gera a luta de classes. Esse processo de luta, para Marx,
também se constitui na esfera do conhecimento, na circulação das ideias, na vali-
dação dos saberes. Desse modo, não é possível, para o autor alemão, que a ciência
não leve em conta a produção material da vida e suas inúmeras contradições.

Para muitos autores, a contribuição de Marx tem um caráter de inversão para-


digmática na produção do conhecimento. Por considerar sua epistemologia como
produto das relações sócio-históricas, e entender o capitalismo como agente de
fundamentação e circulação das ideias, Marx concebe a produção do conhecimento
numa dinâmica que transcende à esfera subjetiva e exclusiva do sujeito.

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UNIDADE Parâmetros Epistemológicos

Pensando na eleição moderna do sujeito burguês como parâmetro de universa-


lidade do pensamento, o modo operativo de Marx incide de maneira crítica a esse
parâmetro, explicitando o caráter classista na validação de tal verdade, pretendida
como justificada. Ou seja, o pensamento de Marx questiona os parâmetros que sus-
tentam o pensamento burguês, coloca esse pensamento em contradição consigo
mesmo ao expor o seu modo de funcionamento diante da realidade.

A centralidade epistêmica do sujeito sofre um abalo forte, passa a ser questio-


nada e sofre inúmeras tensões nos tempos que sucedem Marx. Essa maneira de
perceber o pensamento e a realidade como produtos das relações sócio-históricas se
configura como um importante parâmetro epistemológico. Ao se confrontar com as
transformações históricas, com a dinâmica social, com as contradições do processo
produtivo, a produção do conhecimento passa a desconfiar de supostas verdades
enraizadas e observa como a validação e justificação de seus preceitos não atendem
a critérios naturais e sim a critérios construídos socialmente ao longo da história.

Bertolt Brecht foi um poeta, escritor, dramaturgo e diretor de teatro alemão. Considerado um
Explor

dos mais importantes artistas do século XX, Brecht viu a ascensão do nazismo na Alemanha
e teve que se exilar em diversos países mundo afora. Seu trabalho é reconhecido pela forte
influência do marxismo, em que tentava expor as contradições e os limites do capitalismo,
incluindo a arte como instrumento dessa dominação, mas, ao mesmo tempo, alçando-a a
uma perspectiva crítica desse mesmo sistema.
Explor

Foto da peça “Mãe Coragem”, de Bertolt Brecht com Helene Weigel (1949): http://bit.ly/2TFjpbk

Émile Durkheim
Émile Durkheim é mais um dos filhos da modernidade e, assim como seus co-
legas intelectuais, deparou-se com os problemas epistemológicos que seu tempo
lhe reservara. Dentre seus trabalhos mais importantes, destacam-se os livros Da
Divisão do Trabalho Social, As Regras do Método Sociológico e O Suicídio.

Apesar de o termo Sociologia ter sido cunhado pelo filósofo Augusto Comte,
um pouco antes, Durkheim é tido por muitos como um dos pioneiros nos estudos
sociológicos, tentando lhe atribuir métodos e parâmetros para sua validação cien-
tífica, ou seja, entendendo a Sociologia como uma ciência humana que estuda a
complexidade dos fenômenos sociais.

Um dos procedimentos científicos de Durkheim tem origem no positivismo de


Comte e se refere à necessidade que a sociologia, para se estabelecer como ciência,
deveria ter em relação aos seus objetos de estudo. Para Durkheim, os estudos socio-
lógicos deveriam primar pela análise objetiva dos fatos sociais, que seria possível,
segundo ele, por meio da distância entre o cientista social e seu objeto de análise.

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Com essa maneira de encarar a relação entre sujeito e objeto, já se colocam
algumas questões epistemológicas importantes para o pensamento de Durkheim:
primeiro, é estabelecida uma dicotomia entre subjetividade e objetividade; segundo,
a necessidade da objetividade absoluta se afirma na supressão da subjetividade ana-
lítica. Ou seja, são estabelecidos parâmetros para a tentativa de uma neutralidade
científica, onde os fatos sociais podem ser depreendidos e analisados a partir de
determinados critérios metodológicos.

Os fatos sociais são, para Durkheim, tudo que é coletivo, coercitivo e produzido
fora do indivíduo. Como se vê, o estatuto de Durkheim se defronta com os pressu-
postos modernos de centralidade no indivíduo. Nessa base de pensamento, a per-
cepção do sujeito se dá por sua interação com outros sujeitos, com outras culturas,
com outras formas de percepção do mundo, coloca os indivíduos em relação cons-
tante com as regras, as normas e condutas sociais. Ou seja, o indivíduo aqui nessa
perspectiva não é um ser isolado que produz exclusivamente sua vida e conduz a
sociedade, para Durkheim, o indivíduo é fruto da sociedade.

Sendo assim, os critérios para as validações e justificações epistemológicas de


Durkheim não se restringem aos indivíduos, a produção científica da sociologia de
Durkheim procura suas verdades no movimento da sociedade, na complexidade
dos fenômenos sociais.

Max Weber
O terceiro componente da tríade fundamental para o embasamento da sociolo-
gia ocidental é Max Weber, alemão que ultrapassou o século XIX chegando a viver
dois dos mais importantes momentos do século XX: a Primeira Grande Guerra
Mundial (1914-1918) e a Revolução Russa (1917).

Em vida, Weber publicou as obras A Ética Protestante e o Espírito do Capita-


lismo, Economia e Sociedade e A Ciência como Vocação e, postumamente, sua
esposa publicou um segundo volume de Economia e Sociedade e A Metodologia
das Ciências Sociais e História Econômica Geral.

Os estudos de Weber têm como objetos fundamentais as estruturas do Capitalis-


mo e do Protestantismo, mas diferentemente de Karl Marx que encontrava na explo-
ração do trabalho a sustentação do sistema capitalista, Weber acreditava que o capi-
talismo se originava como uma forma ideal que se desenvolvia com a racionalização
do trabalho e do dinheiro, criando uma administração capaz de gerar prosperidade.

Para Weber, o protestantismo, especialmente o calvinismo, contribui para a so-


lidificação do capitalismo e seu ideal, visto que essa corrente teológica sustentava a
noção de trabalho como predestinação do homem, tornando pecado os prazeres
e luxúrias, condenado o ócio e exaltando o esforço e a dedicação como princípios
éticos fundamentais para o merecimento e a prosperidade.

Em suas linhas de pensamento, Weber preocupa-se com características mais rela-


cionadas com os indivíduos, retirando, assim, o peso das estruturas e instituições e da

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UNIDADE Parâmetros Epistemológicos

atividade econômica na dinâmica da produção social. Na base sociológica de Weber,


as ideias, as crenças e os valores são os principais agentes de transformação social.

Assim como Durkheim, Weber buscou formular bases metodológicas para


uma neutralidade científica, contudo, Weber se diferenciava de Durkheim porque
acreditava não serem possíveis a invariabilidade e a repetição dos fatos sociais de
Durkheim. Weber formulou o conceito de ação social que era proveniente dos su-
jeitos e que sua sociologia deveria classificar.

Por serem vinculadas aos sujeitos e suas multiplicidades, as ações sociais de Weber
eram variáveis e, portanto, suas respectivas classificações eram difíceis. Sendo assim,
formulou a noção de tipo ideal, que seria uma espécie de medida para estabelecer os
limites de determinados padrões sociais e, assim, poder enquadrá-los e classificá-los.

A sociologia de Weber, portanto, destaca-se por tentar encontrar semelhanças e


padronizações na vida social, conferindo, assim, à sua epistemologia uma caracte-
rística normativa. Essa busca pelos tipos ideias ajuda a compreender a repetição e a
articulação de determinadas ações sociais e logo faz perceber padrões dos fenôme-
nos sociais. Contudo, a depender, ela pode ser também uma fonte de normatização
que desconsidera comportamentos, práticas e hábitos que fogem aos padronizados,
podendo gerar processos de marginalização e até mesmo exclusão social.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Vídeos
A Verdade sobre Marx
https://youtu.be/_bTt1S-SXKk
Tripé da Sociologia: Durkheim, Weber e Marx
https://youtu.be/T_tUOFvGEWg

Filmes
René Descartes, de Roberto Rossellini (1947)
Rossellini extrai trechos inteiros de algumas das obras fundamentais do pensador,
como O Discurso do Método (1637) e as Meditações Metafísicas (1641), para compor
as ações “dramáticas” do personagem. São procedimentos teóricos de Descartes, cuja
função seria fundar a autonomia do pensamento racional diante da fé. Vale dizer que,
naquela época, toda démarche racionalista tinha de ser, também, uma negociação com
a autoridade religiosa. Donde, nas Meditações, Descartes precisar, primeiro, ocupar-se
das provas da existência de Deus, para apenas depois afirmar que o Cogito (a Razão) se
sustenta por si só. “Eu sou, eu existo”, deduz, pelo simples fato de pensar. A conclusão
entrou para a história do conhecimento como a frase famosa “Penso, logo existo”.

Leitura
O Mal-estar nas Ciências Humanas
SAFATLE, V. O mal-estar das ciências humanas. Revista Cult.
http://bit.ly/2VNGRGf
Como Galileu inventou a Ciência Moderna
CAVALCANTE, P; VARGAS, M. Como Galileu inventou a Ciência Moderna.
Super Interessante.
http://bit.ly/2vbIjHw

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UNIDADE Parâmetros Epistemológicos

Referências
CASTAÑON, G. Introdução à epistemologia. São Paulo: Pedagógica e Universitá-
ria (EPU), 2007.

CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1997.

GRAYLING, A C. A epistemologia. Tradução: Paulo Ghirardelli Jr. Bunninandothers


(editors); The Blackwell Companhion to Philosophy. Cambridge, Massachusetts:
Blackwell Publishers Ltd., 1996.

HARVEY, D. Condição Pós-Moderna. Uma Pesquisa sobre as Origens da Mu-


dança Cultural. Tradução: Adall Ubirajara Sobral. Mia Stela Gonçalves. São Paulo:
Loyola, 2008.

JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar, 2006.

MARX, K. A Ideologia Alemã. Tradução: Rubens Enderle, Nélio Schneider, Luciano


Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007.

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