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PARECER JURÍDICO

EMENTA: DOAÇÃO DE BENS. ADIANTAMENTO DA LEGITIMA DOS


HERDEIROS. PATRIMONIO QUE ATINGE MAIS DE 50%. UNIÃO
ESTÁVEL CONTRAIDA PELO DOADOR EM 2002. MAIOR DE 70
ANOS. NULIDADE DA DOAÇÃO.
CLIENTE: André Valiñas Carpintero
DATA: 22 de junho de 2022.

RELATÓRIO

Trata-se de consulta a respeito sobre validade de doação feita pelo


genitor do consulente a seu favor e a favor de seu irmão, cujo patrimônio doado
atinge menos de 50% do adiantamento da legitima e se há possiblidade de a
companheira atual ser considerada herdeira pela lei, a despeito de ser
obrigatória a separação de bens para maiores de 70 anos que contraírem
matrimônio ou união estável.

Em breve relato, relata o consulente que seu genitor, na data de


03/03/2011, doou para si e o seu irmão, o(s) seguinte(s) bem(ns) (i)móveis:
20.827.000 quotas de participação societária, sendo de valor unitário cada quota
em R$ 1,02, avaliadas na quantia total de R$ 21.243.540,00 e que representa
50% dos bens do doador.

Recentemente, o genitor manifestou sua vontade em doar para fundação


constituída no país do Panamá e gerida pelo consulente, imóvel situado em São
Paulo/SP, na sua totalidade (100%) e avaliado na quantia de R$ 4.053.403,00.

No entanto, o genitor dos herdeiros contraiu união estável, aos 70 anos


de idade, em 01/06/2005, durante a vigência da Lei n. 10.406/2002, através de
Contrato de Convivência com cláusula compromissória de pacto antenupcial, a
qual abre mão dos bens em nome do convivente em caso de sucessão causa
mortis e constando doação de bem imóvel à favor da companheira pelo
companheiro, sito à Rua Itacolomi, n. 625, apto. 181, no bairro
Higienópolis/Consolação, na cidade de São Paulo/SP, cujo valor venal de
referência atual é de R$ 1.402.690,00.
Diante dessas informações, questiona o consulente os seguintes pontos:
a) Se a atual companheira do genitor possui direito sobre os bens
do mesmo e ela entra como herdeira;
b) Se há a possibilidade de se tornar inoficiosa a doação e os bens
doados serem levados obrigatoriamente para colação em caso de
sucessão causa mortis.
Foram fornecidos os seguintes documentos pelo consulente:
a) Escritura pública de doação no nome de MANUEL VALIÑAS
VILLAVERDE, doando 49,4% de quotas sociais para ANDRÉ
VALIÑAS CARPINTERO e PAULO VALIÑAS CARPINTERO
VILLAVERDE;
b) Contrato particular de convivência, feito entre MANUEL VALIÑAS
VILLAVERDE e MARCIA ANGÉLICA PESSOA, estabelecendo o
regime de separação obrigatória de bens, exarada na data de
03/03/2005, com firma de ambos reconhecida em cartório;
c) Declaração particular exarada por MARCIA ANGÉLICA PESSOA
em que declara que: vive em regime de união estável com
MANUEL VALIÑAS VILLAVERDE desde 03/03/2005, de acordo
com contrato particular de convivência exarado por ambos, em
que declara que os bens adquiridos durante a constância da união
é decorrente do fruto do próprio esforço individual dos
conviventes e que recebe imóvel à título de doação, apartamento
sito à rua Itacolomi, 625, apartamento 181, 18º andar, bairro
Higienópolis, São Paulo/SP, inscrito perante o 5° Cartório de
Registro de Imóveis de São Paulo/SP, exarada na data de 30 de
outubro de 2012, com firma da declarante reconhecida em
cartório;
d) Lista de bens doados pelo genitor para a fundação administrada
pelo consulente, sendo a mesma com domicílio no país do
Panamá.
Em face das informações prestadas e os respectivos questionamentos,
é que passo a seguinte fundamentação.

DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Inicialmente, cabe apontar que a doação se encontra prevista nos arts.


538 ao 564, que em seu art. 538 diz o seguinte:
Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma
pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens
ou vantagens para o de outra.
Nesse sentido, a doação por ser ato unilateral, à título gratuito e de forma
expressa, não comporta qualquer tipo de restrição, desde que o doador seja
considerado pessoa capaz para tanto, o objeto seja lícito, juridicamente possível
ou determinado ou determinável e haja forma prescrita em lei, como bem é
exigido nos termos do art. 104, incisos I ao III do Código Civil:
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
O doador pode fazer a doação, tanto por escritura ou por documento
particular, conforme consignado nos termos do art. 541 do Código Civil:
Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou
instrumento particular.
Porém é considerada nula a doação em que a mesma for superior à
metade do patrimônio de propriedade do doador e que obrigatoriamente tenha
que constar em testamento ou na sucessão de bens através de inventário,
conforme transcrito no art. 549 do Código Civil:
Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que
exceder à de que o doador, no momento da liberalidade,
poderia dispor em testamento.
Deve-se levar em conta que a doação se torna inoficiosa quando não
houver contemplação de um dos herdeiros ou cônjuge sobrevivente na parte que
lhes cabe na legitima, podendo ser a mesma decretada nula via judicial. No
entanto, se houver doação para mais de um herdeiro e estes forem
contemplados em vida pelo doador, considera-se a meação dos bens feita de
forma igualitária entre os herdeiros, conforme deixa explicito o art. 551 do Código
Civil, que diz o seguinte:
Art. 551. Salvo declaração em contrário, a doação em
comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre
elas por igual.
Segundo FÁBIO ULHOA COELHO (2012, pág. 205):
A doação feita por quem tem herdeiros necessários que
excede o percentual passível de disposição por testamento
é chamada inoficiosa. Ela é nula na parte excedente. Veja
que ao contrário do preceito atinente à doação da totalidade
dos bens do doador, que fulmina de nulidade o negócio
jurídico por completo, o referente à liberalidade de quem
tem herdeiros necessários invalida apenas o excesso. O
donatário continua titular de alguns dos bens doados, ou de
parte do valor deles – a parcela da doação que não ofende a
legítima. (COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito civil:
Volume 3. 5. ed. São Paulo : Saraiva, 2012. Pág. 205)
Segundo este mesmo autor, a respeito do doador, “não interessa se,
posteriormente, ele empobreceu e veio a falecer titulando bens em valor inferior
aos que doara. Se na data do contrato de doação, foi respeitada a legítima, a
liberalidade é válida e eficaz” (2012, pág. 205). Ou seja: se a lei brasileira coloca
que o donatário não pode ser prejudicado pelo empobrecimento do doador,
devendo este ter a segurança quanto à extensão de seu patrimônio, sem esperar
pelo falecimento do doador.
A limitação é uma forma de proteção dos direitos do doador e de
terceiros.
Por ser a doação feita diretamente para descendentes e companheira,
pode ser entendida que os bens recebidos são adiantamento da parte que lhes
cabe como herança, conforme previsão no art. 544 do Código Civil, que é
transcrito logo abaixo:
Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de
um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe
por herança.
Em caso de união estável, a companheira entra na sucessão havendo
herdeiros somente do lado do autor da herança, concorrendo com estes a
metade do espólio, conforme disposição expressa no inciso II do art. 1.790 do
Código Civil, que expõem da seguinte forma:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da
sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos
onerosamente na vigência da união estável, nas condições
seguintes: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide
Recurso Extraordinário nº 878.694)
[...];
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança,
tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
Se a união estável for meramente de fato, regula-se o regime de
comunhão parcial de bens, conforme o disposto no art. 1.658 do Código Civil.
Mas se houver contrato escrito regulamentando a união estável, é inaplicável a
disposição do regime de comunhão parcial de bens, valendo o disposto no
contrato, conforme disposição expressa na primeira parte do art. 1.725 do
Código Civil que diz o seguinte:
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os
companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que
couber, o regime da comunhão parcial de bens.
Ainda que haja disposição expressa em cláusula contratual pelo regime
de separação total de bens, ainda assim pode ser considerada nula se esta
comportar em renúncia da herança ou de direito real de habitação, conforme
disposição do art. 426 do Código Civil:
Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de
pessoa viva.
Isso porque o art. 1.829, inciso I, c.c. art. 1.832, ambos do Código Civil,
garantem à cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, participar
da sucessão, sendo neste caso, em igualdade de condições com os
descendentes:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
(Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso
Extraordinário nº 878.694)
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge
sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no
regime da comunhão universal, ou no da separação
obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no
regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver
deixado bens particulares;
A totalidade de bens doados pelo doador no presente caso, constituem-
se dos seguintes:
BENS MÓVEIS E VALOR TOTAL VALOR DO DONATÁRIOS
IMÓVEIS DO ADIANTAMENTO
DOADOR DA LEGITIMA

20.827.000 quotas R$ 21.243.540,00 R$ 21.243.540,00 ANDRÉ VALIÑAS


de participação CARPINTERO E
societária, sendo de PAULO VALIÑAS
valor unitário cada CARPINTERO
quota em R$ 1,02, VILLAVERDE
avaliadas na quantia
total de R$
21.243.540,00 e que
representa 50% dos
bens do doador –
doação em
03/03/2011

Apartamento situado R$ 1.402.690,00 R$ 1.402.690,00 MARCIA


na Rua Itacolomy n. ANGÉLICA
625, apto. 181, PESSOA
bairro Consolação,
em São Paulo/SP –
doação em
30/10/2012
TOTAL R$ 22.646.230,00

Já o valor total dos bens de propriedade do doador constituem-se dos


seguintes:

IMÓVEL VALOR DO IMÓVEL VALOR DA FRAÇÃO


IDEAL DO IMÓVEL

50% (cinquenta por R$ 10.000.000,00 R$ 5.000.000,00


cento) do imóvel
localizado na Rua Rio
de Janeiro, nº 274, 3º
andar, Higienópolis,
nesta Capital do Estado
de São Paulo (objeto da
Matrícula nº 10.194, do
5º Cartório do Registro
de Imóveis da Cidade
de São Paulo)

100% de cobertura R$ 4.053.403,00 R$ 4.053.403,00


comercial no Edifício
Veranda, com endereço
Rua Ribeiro do Vale, nº
152, 20º andar, Brooklin
Paulista, São Paulo/SP,
objeto das Matrículas
228.092, 228.093,
228.094, 228.095,
228.096, 228.097,
228.098 do 15º Cartório
de Registro de Imóveis
de São Paulo

50% (cinquenta por R$ 1.200.000,00 R$ 600.000,00


cento) do apartamento
localizado na Rua
Gilberto Glasser, nº
582, apartamento 64-A,
na Cidade do Guarujá,
Estado de São Paulo
(objeto da Matrícula nº
40.891, do Cartório de
Registro de Imóveis da
Cidade do Guarujá)

50% (cinquenta por R$ 480.000,00 R$ 240.000,00


cento) do apartamento
localizado na Rua João
Ramalho, nº 324,
apartamento nº 161, 16º
andar, Perdizes, nesta
Capital do Estado de
São Paulo (objeto da
Matrícula nº 54.703, do
2º Cartório do Registro
de Imóveis da Cidade
de São Paulo)

100% de apartamento R$ 480.000,00 R$ 480.000,00


localizado na Rua João
Ramalho, nº 324,
apartamento nº 161, 16º
andar, Perdizes, nesta
Capital do Estado de
São Paulo (objeto da
Matrícula nº 54.703, do
2º Cartório do Registro
de Imóveis da Cidade
de São Paulo)

TOTAL R$ 10.373.403,00

Se compararmos o valor dos imóveis em posse do doador e o valor das


quotas doadas em favor dos herdeiros necessários (ANDRÉ VILEÑAS
CARPINTERO e PAULO VILEÑAS CARPINTERO VILLAVERDE), bem como a
doação dada em nome da convivente MARCIA ANGELICA PESSOA, a diferença
será de R$ 12.272.827,00 entre o patrimônio do doador e os bens doados, ou
seja, há uma diferença de 52,2% a mais como excedente entre o patrimônio
doado em relação aos bens do doador.
Em caso de óbito, o valor excedente do adiantamento da legitima deverá
retornar ao espólio e consequentemente partilhado de forma igualitária entre os
herdeiros e a cônjuge, inclusive o imóvel doado pelo doador em favor da
convivente atual.
Porém, se levar em consideração o patrimônio do doador, mais o
apartamento doado em favor de sua companheira (cujo valor venal de referência
descritiva pela Prefeitura de São Paulo é de R$ 1.402.690,00), o valor excederia
a legitima em mais de 55,44%.
Nesse sentido, as quotas sociais representam 44,46% do total da
legitima adiantada para os herdeiros.

CONCLUSÃO

Por todo o exposto, opino pelos seguintes termos abaixo transcritos:

A. A doação 100% de cobertura comercial no Edifício Veranda, com


endereço Rua Ribeiro do Vale, nº 152, 20º andar, Brooklin
Paulista, São Paulo/SP, constitui-se em risco de causar nulidade
da doação das quotas sociais feitas por MANUEL em favor de
seus filhos ANDRÉ (consulente) e seu irmão PAULO, diminuindo
o patrimônio do genitor em 40% em caso de eventual sucessão;
B. Não havendo a doação do imóvel, constando todos os bens
imóveis em nome do doador, mais o imóvel doado a convivente
em 2012 e que reside a mesma na rua Itacolomi, 625, apto. 181,
bairro Consolação, o patrimônio do doador superaria em
porcentagem o adiantamento da legitima a favor dos herdeiros,
correspondendo no total de 55,44%;
C. O único questionamento possível seria o de decretação da
nulidade da doação pela convivente que ainda possui direito a
herdar os bens do doador, mas em igualdade com os demais
herdeiros, já que não é está excluída da sucessão (art. 1.832, CC)
se caso houver a doação do imóvel comercial sito Rua Ribeiro do
Vale, nº 152;
D. Não havendo a doação, tanto PAULO quanto ANDRÉ poderão
questionar a doação feita em nome da companheira atual em
caso de possível sucessão, tornando inoficiosa a doação feita por
MANUEL a sua companheira.
É, portanto, esta a conclusão deste parecerista quanto ao tema acima
consultado, devendo o mesmo ficar à disposição do interessado para a adoção
das medidas cabíveis que entender necessário e que sejam de Direito.

São Paulo/SP, 22 de junho de 2022.


Osmar Alves Bocci
OAB/SP n. 212.811

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