O Duelo - Anton Tchekhov
O Duelo - Anton Tchekhov
O Duelo - Anton Tchekhov
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SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
I
II
III
IV
V
VI
VII
VIII
IX
X
XI
XII
XIII
XIV
XV
XVI
XVII
XVIII
XIX
XX
XXI
Créditos
I
O diácono era muito risonho e por qualquer besteira ria até a barriga
doer, até cair. Parecia que ele amava estar em meio às pessoas só porque
elas tinham lados engraçados e porque era possível dar a elas apelidos
engraçados. Havia apelidado Samóilenko de tarântula, seu ordenança de
pato, e uma vez entrou em êxtase quando Von Koren xingou Laiévski e
Nadiejda Fiódorovna de macacos. Ele examinava avidamente os rostos,
escutava sem piscar, e via-se que os olhos dele se enchiam de riso e o
rosto se contraía à espera de quando seria possível ficar à vontade e cair
na gargalhada.
— É um sujeito depravado e pervertido — continuou o zoólogo, e o
diácono, à espera de palavras engraçadas, aferrou-se ao rosto dele. — É
raro encontrar uma nulidade dessas. De corpo ele é murcho, fraco e
velho, e de intelecto ele não se distingue em nada da esposa gorda de um
comerciante que só se empanturra, bebe, dorme no edredom e tem o
cocheiro entre os amantes.
O diácono começou a gargalhar de novo.
— Não ria, diácono — disse Von Koren. — É uma estupidez, por
fim. Eu não prestaria atenção a sua nulidade — prosseguiu, depois de
esperar o diácono parar de gargalhar —, eu passaria direto se ele não
fosse tão nocivo e perigoso. O caráter nocivo dele encontra-se antes de
mais nada no fato de que tem sucesso com as mulheres e dessa forma
ameaça deixar descendência, ou seja, dar ao mundo uma dúzia de
Laiévskis, tão adoentados e pervertidos quanto ele. Em segundo lugar,
ele é contagioso num grau elevado. Já falei para vocês sobre o vint e a
cerveja. Mais um ano ou dois e ele vai conquistar todo o litoral do
Cáucaso. Você sabe a que ponto a massa, especialmente a camada
média, acredita na intelligentsia, na formação universitária, nos modos
da nobreza e na língua literária. Não importa que canalhice ele faça,
todos acreditam que ele é bom, que tem que ser assim porque ele é
intelectual, liberal e universitário. Além do mais, é um fracasso, um
homem supérfluo, um neurastênico, vítima dos tempos, e isso significa
que ele pode tudo. Ele é querido, uma boa alma, é condescendente de
coração com as fraquezas humanas; é conciliador, flexível, complacente,
não é orgulhoso, dá para beber com ele, falar palavrão, fazer fofoca… A
massa, sempre inclinada ao antropomorfismo na religião e na moral,
ama acima de tudo esses ídolos que têm as mesmas fraquezas que ela.
Julgue por si que amplo campo de contágio ele tem! Além disso, não é
mau ator, é um hipócrita sagaz e sabe perfeitamente como a banda toca.
Pegue os subterfúgios e truques dele, por exemplo, que seja a relação
com a civilização. Da civilização ele não sentiu nem o cheiro e, no
entanto: “Ah, como somos mutilados pela civilização! Ah, como invejo
esses selvagens, esses filhos da natureza que não conhecem a
civilização!”. É preciso entender, está vendo, que outrora, em tempos
imemoriais, ele se entregou de corpo e alma à civilização, serviu a ela,
compreendeu-a do começo ao fim, mas ela o cansou, desapontou,
enganou; está vendo?, ele é um Fausto, é um segundo Tolstói… E
destrata Schopenhauer e Spencer como moleques, bate no ombro deles
paternalmente; e aí, Spencer, meu irmãozinho? Ele não leu Spencer,
claro, mas como fica bonitinho quando, com uma ironia leve e
negligente, fala sobre sua senhora: “Ela leu Spencer!”. E o escutam, e
ninguém quer entender que esse charlatão não tem o direito, não só de
se expressar sobre Spencer nesse tom, mas nem de beijar a sola do pé de
Spencer! Revolver a civilização, a autoridade, o altar dos outros, salpicar
de sujeira, dar piscadelas brincalhonas para eles só para justificar e
esconder sua fraqueza e pobreza moral, só quem consegue fazer isso é
um animal muito egoísta, baixo e vil.
— Kólia, não sei o que você quer com ele — disse Samóilenko,
olhando para o zoólogo já não mais com raiva, mas com culpa. — Ele é
igual a todos. Claro, não é sem fraquezas, mas está no nível das ideias
modernas, trabalha, contribui para a sociedade. Há dez anos trabalhava
aqui um velho agente, um homem do mais alto intelecto… Era isso o
que ele dizia…
— Chega, chega! — interrompeu o zoólogo. — Você diz: ele
trabalha. Mas trabalha como? Por acaso desde que ele apareceu aqui a
ordem melhorou, os funcionários ficaram mais aplicados, honestos e
educados? Pelo contrário, com sua autoridade de universitário da
intelligentsia apenas autorizou o desleixo deles. Ele só é aplicado no dia
vinte, quando recebe o salário, no resto dos dias ele apenas arrasta os
chinelos em casa e tenta conferir a si mesmo uma expressão de que está
fazendo um grande favor ao governo russo por morar no Cáucaso. Não,
Aleksandr Davíditch, não interceda em favor dele. Você não está sendo
sincero do começo ao fim. Se de fato o amasse e o considerasse alguém
próximo, antes de mais nada não seria indiferente a suas fraquezas, não
seria condescendente com ele, e para o bem dele próprio tentaria deixá-
lo mais inofensivo.
— Como assim?
— Deixá-lo inofensivo. Como ele é incorrigível, para deixá-lo
inofensivo só há uma possibilidade…
Von Koren passou o dedo pela garganta.
— Ou afogar, não sei… — acrescentou. — Pelo interesse da
humanidade ou por seu próprio interesse, pessoas assim deviam ser
exterminadas. Sem falta.
— O que você está falando?! — murmurou Samóilenko, erguendo-se
e olhando espantado para o rosto calmo e frio do zoólogo. — Diácono, o
que ele está falando? Você perdeu o juízo?
— Não insisto na pena de morte — disse Von Koren. — Se foi
provado que ela é nociva, pense em alguma outra coisa. Não se deve
exterminar Laiévski, mas então que o isolem, tirem sua
responsabilidade, entreguem para os trabalhos sociais…
— O que você está falando? — Samóilenko estava horrorizado. —
Com pimenta, com pimenta! — começou a gritar com voz desesperada
ao notar que o diácono comia a abobrinha recheada sem pimenta. —
Você, um homem do mais alto intelecto, o que está falando?! Mandar
nosso amigo, um homem orgulhoso, intelectual, para os trabalhos
sociais!!
— Se for orgulhoso e começar a resistir: para os grilhões!
Samóilenko já não conseguia mais articular uma só palavra e apenas
mexia os dedos: o diácono olhou para seu rosto aturdido, de fato
engraçado, e começou a rir.
— Vamos parar de falar disso — disse o zoólogo. — Lembre-se
apenas de uma coisa, Aleksandr Davíditch, que nos primórdios a
humanidade se encontrava protegida de gente como Laiévski pela luta
por sobrevivência e pela seleção natural; mas, agora, nossa cultura
enfraqueceu significativamente a luta e a seleção, e devemos nós mesmos
cuidar do extermínio dos fracos e inúteis, senão, quando os Laiévskis se
multiplicarem, a civilização vai perecer, e a humanidade vai se degenerar
por completo. E a culpa será nossa.
— Se é para afogar e enforcar as pessoas — disse Samóilenko —,
então a civilização pode ir para o inferno, a humanidade pode ir para o
inferno! Para o inferno! Escute o que vou lhe dizer: você é
estudadíssimo, uma pessoa do mais alto intelecto e orgulho da pátria,
mas foi estragado pelos alemães. Sim, os alemães! Os alemães!
Desde que saíra de Derpt, onde havia estudado medicina,
Samóilenko raramente via alemães e não havia lido um só livro alemão,
mas, na sua opinião, todo o mal na política e na ciência vinha dos
alemães. De onde havia tirado essa opinião, ele mesmo não era capaz de
dizer, mas a sustentava com firmeza.
— Sim, os alemães! — repetiu. — Vamos beber chá.
Os três se levantaram e, depois de pôr os chapéus, foram para o
jardim da frente e se sentaram debaixo da sombra de bordos pálidos,
peras e castanhas. O zoólogo e o diácono se sentaram no banco perto da
mesinha, e Samóilenko na poltrona trançada com espaldar alto e
inclinado. O soldado serviu o chá, a geleia e uma garrafa com xarope.
Fazia muito calor, uns trinta graus à sombra. O ar abrasador estava
parado, imóvel, e uma longa teia de aranha, pendurada da castanheira
para a terra, suspendia-se fracamente sem se mexer.
O diácono pegou o violão que ficava sempre no chão perto da mesa,
afinou e começou a cantar com uma vozinha baixa e fina: “Os jovens
seminaristas estavam perto da taberna”… mas imediatamente se calou
por causa do calor, limpou o suor da testa e olhou para cima, para o céu
azul e quente. Samóilenko cochilava; por causa do calorão, do silêncio e
da sonolência doce que se apossou rapidamente de todos os presentes
depois do almoço, ele foi ficando fraco e entorpecido; os braços
amoleceram, os olhos ficaram pequenos, a cabeça ia caindo para o peito.
Ele olhou para Von Koren e o diácono com lágrimas de comoção e
começou a murmurar:
— A nova geração… Uma estrela da ciência e um luminar da
igreja… Veja, se essa aleluia de roupa comprida me aparece como
metropolita, quem sabe, vou ter que beijar a mão dele… Que seja…
Deus permita…
Logo se escutou um ronco. Von Koren e o diácono terminaram de
beber o chá e saíram.
— Vai pescar góbios no cais de novo?
— Não, está muito quente.
— Vamos para a minha casa. O senhor embrulha um pacote na
minha casa e copia umas coisas. Enquanto isso, conversamos sobre a que
poderia se dedicar. Precisa trabalhar, diácono. Assim não dá.
— Suas palavras são justas e lógicas — disse o diácono —, mas
minha preguiça encontra desculpa nas circunstâncias de minha vida
atual. O senhor sabe, uma situação indefinida contribui
significativamente para o estado apático das pessoas. Se me mandaram
aqui por um tempo ou para sempre, só Deus sabe; vivo aqui na
incerteza, e minha diaconisa está mofando na casa do pai, com saudade.
E, é preciso reconhecer, o cérebro já derreteu com este calor.
— Tudo besteira — disse o zoólogo. — A gente também se
acostuma ao calor, pode se acostumar a ficar sem a diaconisa também.
Não pode ficar se mimando. É preciso manter as rédeas firmes.
V
Nadiejda Fiódorovna foi nadar de manhã, e atrás dela, com uma jarra,
uma bacia de cobre, lençóis e uma esponja ia sua cozinheira Olga. No
ancoradouro estavam dois navios a vapor desconhecidos, com chaminés
brancas sujas, evidentemente navios de carga estrangeiros. Alguns
homens de branco, calçando sapatos brancos, andavam pelo cais,
gritavam alto em francês e recebiam resposta dos barcos a vapor. Na
pequena igreja da cidade os sinos tocavam com vivacidade.
“Hoje é domingo!”, lembrou-se Nadiejda Fiódorovna com satisfação.
Ela se sentia completamente saudável e alegre, com um humor de
festa. Usando um novo tecido folgado de tchetchuntcha e com um grande
chapéu de palha, de abas largas bem dobradas nas orelhas, de forma que
o rosto parecia sair de uma caixinha, ela se achou bem bonita. Ela
pensava que de toda a cidade só havia uma mulher jovem, bonita e
intelectual — ela —, e que só ela era capaz de vestir uma roupa barata,
elegante e com bom gosto. Por exemplo, aquele vestido havia custado
apenas 22 rublos, e no entanto era uma graça! Em toda a cidade, só ela
conseguia ser atraente, e havia muitos homens, e por isso todos eles,
querendo ou não, deviam invejar Laiévski.
Ela achava bom que Laiévski ultimamente andasse frio, contido e
educado com ela, e de tempos em tempos até insolente e grosseiro; a
todas as suas brincadeiras e seus olhares de desprezo, frios ou estranhos,
incompreensíveis de antes ela teria respondido com lágrimas, broncas e
ameaças de abandoná-lo ou se matar de fome, mas agora só corava,
olhava para ele culpada e ficava feliz que ele não fizesse carinho nela. Se
ele brigasse com ela ou a ameaçasse, seria melhor e mais agradável, já
que ela se sentia absolutamente culpada em relação a ele. Sentia culpa,
primeiro, por não compartilhar os sonhos dele de uma vida de trabalho,
em nome da qual ele abandonara São Petersburgo e fora para o Cáucaso,
e tinha certeza de que ele estava bravo com ela nos últimos tempos
exatamente por isso. Quando partira para o Cáucaso, achava que já no
primeiro dia encontraria ali um cantinho isolado na praia, um
jardinzinho aconchegante com sombra, passarinhos e regatos, onde seria
possível plantar flores e verduras, criar patos e galinhas, receber vizinhos,
tratar de mujiques pobres e distribuir livros entre eles; mas parecia que o
Cáucaso eram umas montanhas nuas, com florestas e vales enormes,
onde era preciso escolher, se encarregar de fazer as coisas, construir, e
que ali não havia vizinho nenhum, fazia muito calor, e você podia ser
roubado. Laiévski não tinha pressa em adquirir um terreno; ela se sentia
feliz com isso, e era como se ambos tivessem combinado mentalmente
de nunca mencionar a vida de trabalho. “Ele não diz nada”, ela pensava,
“isso significa que está bravo por eu não dizer nada.”
Em segundo lugar, durante aqueles dois anos, sem o conhecimento
dele, ela havia adquirido na loja de Atchmianov várias bobagens por uns
trezentos rublos. Pegara um tecido aqui, uma seda ali, uma sombrinha, e
sem perceber juntara aquela dívida.
— Hoje mesmo vou falar com ele sobre isso… — decidiu ela, mas
logo compreendeu que com o humor atual de Laiévski dificilmente seria
confortável falar com ele sobre dívidas.
Em terceiro lugar, já duas vezes, na ausência de Laiévski, ela recebera
em casa Kirilin, um comissário de polícia: uma vez de manhã, quando
Laiévski havia saído para nadar, e outra vez à meia-noite, enquanto ele
jogava cartas! Ao se lembrar disso, Nadiejda Fiódorovna se incendiou
inteira e olhou para a cozinheira, como se tivesse medo de que ela tivesse
escutado seus pensamentos. Dias longos, tediosos, insuportavelmente
quentes, fins de tarde lindos e aborrecidos, noites abafadas, e toda essa
vida na qual da manhã à noite você não sabe em que gastar o tempo
excessivo, e o pensamento insistente de que ela era a mulher mais bonita
e jovem da cidade, e que sua juventude estava passando em vão, e que o
próprio Laiévski, honesto, idealista, mas monótono — sempre
arrastando os chinelos, roendo as unhas e enfastiado com seus caprichos
—, faziam com que pouco a pouco ela fosse tomada por desejos e, como
uma louca, só pensasse numa coisa dia e noite. Em sua respiração, nos
olhares, no tom da voz e no caminhar ela só sentia desejo; o barulho do
mar lhe dizia que era preciso amar, a escuridão da noite dizia o mesmo,
as montanhas, o mesmo… E quando Kirilin começou a flertar, ela não
tinha forças e não queria, não era capaz de se opor, e se entregou a ele…
Agora, os navios estrangeiros e as pessoas de branco por algum
motivo faziam-na lembrar de um salão enorme; junto com as vozes em
francês ressoavam em seus ouvidos sons de uma valsa, e seu peito tremia
por uma euforia sem motivo. Ela sentiu vontade de dançar e de falar
francês.
Com alegria, entendia que não havia nada de terrível em sua traição.
A alma não participava de sua traição; ela continuava amando Laiévski,
e podia ver isso pelo fato de que tinha ciúmes dele, tinha saudades e
ficava entediada quando ele não estava em casa. Já Kirilin se mostrara
mais ou menos, meio grosseiro, ainda que bonito, mas com ele já havia
terminado tudo e não aconteceria mais nada. O que aconteceu passou,
ninguém tinha nada a ver com isso, e se Laiévski ficasse sabendo, não
acreditaria.
Na praia só havia um lugar reservado para as damas, e os homens
nadavam a céu aberto. Ao entrar no reservado, Nadiejda Fiódorovna
encontrou ali uma dama de mais idade, Mária Konstantínovna
Bitiugova, esposa de um funcionário, e sua filha de quinze anos, Kátia,
aluna do ginásio; ambas estavam sentadas num banquinho e tiravam a
roupa. Mária Konstantínovna era uma pessoa bondosa, animada e
delicada, que falava por muito tempo e com entusiasmo. Até os 32 anos
havia sido governanta, depois se casara com o funcionário Bitiugov, um
homem pequeno e careca, que penteava os cabelos nas têmporas e era
muito cordato. Ela era até hoje apaixonada por ele, tinha ciúmes, ficava
corada ao ouvir a palavra “amor” e assegurava a todos que era muito
feliz.
— Minha querida! — disse ela entusiasmadamente ao ver Nadiejda
Fiódorovna, dando a seu rosto uma expressão que todos os conhecidos
chamavam de adocicada. — Querida, que bom que você veio! Vamos
nadar juntas — é encantador!
Olga rapidamente tirou o vestido e a camisa e começou a despir a
senhora.
— Hoje o tempo não está tão quente quanto ontem, não é? — disse
Nadiejda Fiódorovna, encolhendo-se aos toques grosseiros da
cozinheira. — Ontem eu quase morri de tão abafado.
— Ah, sim, meu bem! Eu mesma quase fiquei sem respiração. Você
acredita que ontem tomei banho de mar três vezes?… Imagine, meu
bem, três vezes! Até Nikodim Aleksándritch ficou preocupado.
“Será possível ser tão feia?” — pensou Nadiejda Fiódorovna olhando
para Olga e para a mulher do funcionário; depois olhou para Kátia e
pensou: “A menina não é desajeitada”. — Seu Nikodim Aleksándritch é
muito, muito querido! — disse ela. — Estou simplesmente apaixonada
por ele.
— Ha ha ha! — riu fingidamente Mária Konstantínovna. — Que
gracinha!
Depois de se libertar das roupas, Nadiejda Fiódorovna sentiu vontade
de voar. Ela teve a impressão de que, se agitasse os braços, certamente
sairia voando. Ao tirar a roupa, notou que Olga olhava para seu corpo
branco com aversão. Olga, uma jovem casada com um soldado, morava
com o marido legítimo e por isso se sentia melhor que ela. Nadiejda
Fiódorovna também sentia que Mária Konstantínovna e Kátia não a
respeitavam e tinham medo dela. Era desagradável e, para se elevar na
opinião delas, disse:
— Lá em casa, em São Petersburgo, a temporada das datchas está no
auge! Eu e meu marido conhecemos tanta gente! Precisamos ir lá fazer
uma visita.
— Seu marido é engenheiro, não? — perguntou timidamente Mária
Konstantínovna.
— Estou falando de Laiévski. Ele conhece muita gente. Mas,
infelizmente, a mãe dele, uma aristocrata orgulhosa, é um pouco
limitada…
Nadiejda Fiódorovna não terminou de falar e se jogou na água;
Mária Konstantínovna e Kátia foram ao encontro dela.
— Em nossa alta sociedade há muitos preconceitos — continuou
Nadiejda Fiódorovna —, e a vida não é tão fácil quanto parece.
Mária Konstantínovna, que havia trabalhado como governanta em
famílias aristocráticas e entendia de alta sociedade, disse:
— Ah, sim! Você acredita, meu bem, que na casa dos Garatinski se
exigia sem falta toalete tanto para o café da manhã quanto para o jantar,
de forma que eu, feito uma atriz, além do salário recebia a mais para o
guarda-roupa.
Ela ficou entre Nadiejda Fiódorovna e Kátia, como se estivesse
formando uma barreira entre a filha e a água que banhava Nadiejda
Fiódorovna. Na porta aberta que dava para o mar do lado de fora, via-se
que alguém nadava a cem passos do lugar reservado.
— Mamãe, é nosso Kóstia! — disse Kátia.
— Ah, ah! — começou a cacarejar Mária Konstantínovna assustada.
— Ah! Kóstia — começou a gritar —, volte! Kóstia, volte!
Kóstia, um menino de quatorze anos, para mostrar sua coragem
diante da mãe e da irmã, deu um mergulho e nadou para longe, mas se
cansou e se apressou em voltar, e por seu rosto sério e tenso dava para
ver que ele não acreditava nas próprias forças.
— É uma desgraça com esses meninos, meu bem! — disse Mária
Konstantínovna, se acalmando. — Você olha e ele está para torcer o
pescoço. Ah, querida, como é agradável e ao mesmo tempo difícil ser
mãe! Você fica com medo de tudo.
Nadiejda Fiódorovna usava seu chapéu de palha e se lançou para
fora, para o mar. Ela havia se distanciado uns quatro sájens a nado e
boiava de costas. Conseguia ver o mar até o horizonte, os barcos a vapor,
as pessoas na praia, a cidade, e tudo isso aliado ao calor e às ondas suaves
e transparentes a exasperavam e lhe sussurravam que é preciso viver,
viver… Passando por ela rapidamente, cortando as ondas e o ar com
energia, avançava um barco a vapor; o homem sentado no leme olhou
para ela, e era agradável que a olhassem…
Depois do banho, as damas se vestiram e saíram juntas.
— Dia sim dia não tenho febre, e ao mesmo tempo não emagreço —
falou Nadiejda Fiódorovna, lambendo seus lábios salgados do banho de
mar e respondendo com um sorriso aos acenos de conhecidos. — Eu
sempre fui mais cheia e agora parece que engordei ainda mais.
— Isso é propensão, meu bem. Se a pessoa não tem propensão a
engordar, como eu, por exemplo, nenhuma comida prejudica. Ah, meu
bem, mas você molhou seu chapéu.
— Não tem problema, vai secar.
Nadiejda Fiódorovna viu de novo pessoas de branco que estavam
andando pela praia e conversavam em francês; e por algum motivo uma
alegria começou a se agitar de novo em seu peito e ela se lembrou
vagamente de algum salão grande no qual em algum momento havia
dançado ou com que, talvez, tivesse sonhado. E algo nas profundezas de
sua alma lhe sussurrou de forma vaga e abafada que ela era uma mulher
insignificante, vulgar, imprestável, fútil…
Mária Konstantínovna parou perto do seu portão e convidou-a para
entrar e se sentar um pouco. — Entre, minha querida! — disse com voz
suplicante, e ao mesmo tempo olhou para Nadiejda Fiódorovna com
tristeza e esperança: “Tomara que se recuse e não entre!”.
— Com prazer — concordou Nadiejda Fiódorovna. — Você sabe
que amo passar tempo na sua casa!
E ela entrou na casa. Mária Konstantínovna sentou-a, serviu café,
deu a ela pãezinhos doces, depois mostrou-lhe fotografias de suas ex-
pupilas — as senhoritas Garatinski, que já haviam se casado —, mostrou
também as notas das provas de Kátia e Kóstia; as notas eram muito
boas, mas para que soassem ainda melhores, ela reclamava com um
suspiro como hoje em dia era difícil estudar no ginasial… Cuidava da
convidada e, ao mesmo tempo, tinha pena dela e sofria com a ideia de
que a presença de Nadiejda Fiódorovna pudesse ser má influência moral
para Kóstia e Kátia, e ficou alegre por seu Nikodim Aleksándritch não
estar em casa. Pois, em sua opinião, como todos os homens amam
“dessas”, Nadiejda Fiódorovna podia ser má influência também para
Nikodim Aleksándritch.
Entretida na conversa com a convidada, Mária Konstantínovna
lembrou que à tarde haveria um piquenique e que Von Koren havia
pedido insistentemente para não contar aos macacos — ou seja, Laiévski
e Nadiejda Fiódorovna. Mas sem querer deixou escapar, ficou toda
vermelha e falou, envergonhada:
— Espero que vocês também possam ir!
VI
Começaram a subir nas carruagens para retornar já era tarde, passava das
dez. Todos subiram e só faltavam Nadiejda Fiódorovna e Atchmianov,
que apostavam corrida do outro lado do rio e gargalhavam.
— Senhores, mais rápido! — gritou Samóilenko para eles.
— Não se devia dar vinho às damas — disse Von Koren baixinho.
Laiévski, extenuado pelo piquenique, pelo ódio de Von Koren e por
seus pensamentos, foi até Nadiejda Fiódorovna e, quando ela, alegre,
feliz, sentindo-se leve como uma pluma, arquejante e gargalhando, o
agarrou com ambas as mãos e pôs a cabeça em seu peito, ele deu um
passo para trás e disse severamente:
— Você está se comportando como uma… cocote.
Aquilo saiu de um jeito muito grosseiro e ele teve pena dela. Em seu
rosto bravo e cansado ela leu ódio, pena, irritação consigo, e de repente
perdeu o ânimo. Ela entendeu que havia passado do ponto, se
comportara de um jeito desenvolto demais e, entristecida, sentindo-se
pesada, gorda, grosseira e bêbada, subiu com Atchmianov na primeira
carruagem vazia que apareceu. Laiévski sentou-se com Kirilin, o
zoólogo com Samóilenko, o diácono com as damas, e o comboio
começou a se mover.
— Veja como eles são macacos… — começou Von Koren,
agasalhando-se na capa e fechando os olhos. — Você escutou, ela não
iria querer se dedicar a insetos e bichinhos porque o povo está sofrendo.
É assim que nos julgam todos os macacos. Uma gente escrava,
maliciosa, até a décima geração assustada com o cnute11 e o punho; ela
estremece, se comove e queima incenso apenas mediante violência, mas
solte um macaco num campo livre, onde não é possível pegá-lo pelo
cangote, e ali ele se revela e se faz conhecer. Veja como ela é ousada nas
exposições, nos museus, nos teatros ou quando julga a ciência: ela se
ouriça, resiste, empaca, xinga, critica… E critica sem falta — um traço
de escravo! Escute bem: as pessoas de profissão liberal são xingadas com
mais frequência do que os vigaristas — isso acontece porque a sociedade
consiste em três quartos de escravos, dos quais saem esses macacos. Não
acontece de um escravo lhe estender a mão e dizer sinceramente
obrigado por trabalhar.
— Não sei o que você quer! — disse Samóilenko, bocejando. — A
pobrezinha teve vontade de conversar com você sobre algo inteligente, e
você chega a essa conclusão. Você se irrita com ele por qualquer coisa, e
com ela pela companhia. Mas é uma mulher maravilhosa!
— Ê, chega! É uma concubina normal, devassa e vulgar. Escute,
Aleksandr Davíditch, quando você encontra uma camponesa simples,
que mora com alguém que não é o marido, não faz nada e fica só de hi
hi hi e ha ha ha, você diz a ela: vá trabalhar. Por que aqui fica acanhado e
tem medo de falar a verdade? Só porque Nadiejda Fiódorovna não é
mantida por um marinheiro, mas por um funcionário?
— O que é que eu devia fazer com ela? — irritou-se Samóilenko. —
Bater nela, por acaso?
— Não bajular o vício. Só amaldiçoamos o vício pelas costas, é como
fazer uma figa no bolso. Sou zoólogo, ou sociólogo, o que é a mesma
coisa, você é médico; a sociedade acredita em nós; temos a obrigação de
apontar esse dano terrível, dizer que a sociedade e as futuras gerações
estão ameaçadas pela existência de senhoras como essa Nadiejda
Ivánovna.
— Fiódorovna — corrigiu Samóilenko. — E o que a sociedade deve
fazer?
— A sociedade? Isso é problema dela. Para mim, o caminho mais
direto e certo é a força. É preciso mandá-la para o marido manu militari,
e se o marido não aceitar, então mandá-la para os trabalhos forçados ou
para algum estabelecimento correcional.
— Uf ! — suspirou Samóilenko; ele se calou e perguntou em voz
baixa: — Um dia desses você disse que é preciso eliminar pessoas como
Laiévski… Diga, se… vamos supor, o governo ou a sociedade o
encarregassem de eliminá-lo, você… se decidiria?
— Minha mão nem tremeria.
IX
— Agora você está com cara de que vai me prender — disse Von Koren,
ao ver Samóilenko com uniforme de gala.
— Pois eu estava passando e pensei: vou dar um pulo, fazer uma
visita à zoologia — falou Samóilenko, sentando-se perto de uma mesa
grande montada pelo próprio zoólogo com tábuas simples. — Olá,
padre! — acenou com a cabeça para o diácono, que se sentava perto da
janela e copiava algo. — Vou me sentar um minutinho e depois corro
para casa para tratar do almoço. Já está na hora… Não estou
incomodando?
— Nem um pouco — respondeu o zoólogo, espalhando sobre a mesa
pedacinhos de papel com anotações. — Estamos fazendo cópias.
— Certo… Ah, meu Deus, meu Deus… — suspirou Samóilenko;
ele pegou da mesa com cuidado um livro empoeirado, sobre o qual havia
uma aranha morta seca, e disse:
— E no entanto! Imagine, um besourinho verde está lá cuidando de
suas coisas e de repente encontra no caminho uma danada dessas.
Imagino o horror!
— Suponho que sim.
— Ela solta veneno para se defender dos inimigos?
— Sim, se defende e ela mesma ataca.
— Certo, certo, certo… Na natureza, meus queridos, tudo é racional
e explicável — suspirou Samóilenko. — Eu só não entendo uma coisa.
Você, um homem do mais alto intelecto, me explique, por favor. Sabe,
existem uns animais, do tamanho de um rato, no máximo, bonitinhos na
aparência, mas, vou lhe contar, cruéis e imorais no mais alto grau. O
animalzinho está andando, vamos supor, pela floresta, vê um passarinho,
pega e come. Anda mais um pouco e vê na grama um pequeno ninho
com ovos; já não tem vontade de mandar para dentro, está satisfeito,
mas ainda assim morde um ovo, e os outros joga para fora do ninho com
a pata. Depois encontra uma rã começa a brincar com ela. Tortura a rã
até a morte, anda e se lambe, e vem ao seu encontro um besouro. Ele
mete a pata no besouro… E tudo o que aparece em seu caminho ele
estraga e destrói. Entra na toca dos outros, revolve formigueiros sem
motivo, destrói lesmas com os dentes… Encontra uma ratazana, briga
com ela; vê uma cobra ou um filhote de camundongo, precisa sufocá-los.
E é assim o dia todo. Bem, diga, para que esse animal é necessário? Para
que ele foi criado?
— Não sei de que animal você está falando — disse Von Koren —,
provavelmente sobre algum insetívoro. Bom, e daí? O pássaro apareceu
no caminho dele porque foi descuidado; ele destruiu o ninho com os
ovos porque o pássaro não foi habilidoso, fez o ninho malfeito e não foi
capaz de camuflá-lo. A rã provavelmente tem algum defeito na cor,
senão ele não a veria, e assim por diante. Seu animal destrói apenas os
fracos, sem habilidade, descuidados, em suma, os que têm falhas que a
natureza não considera necessárias passar para a posteridade. Ficam
vivos apenas os mais ágeis, atentos, fortes e desenvolvidos. Dessa forma,
seu animalzinho, sem que ele mesmo suspeite, serve aos grandes
propósitos do aperfeiçoamento.
— Sim, sim, sim… A propósito, irmão — disse Samóilenko sem
cerimônia — me empreste uns cem rublos.
— Está bem. Entre os insetívoros há indivíduos muito interessantes.
Por exemplo, a toupeira. Dizem que ela é útil, já que extermina os
insetos nocivos. Contam que supostamente um certo alemão enviou ao
imperador Wilheim um casaco de pele de toupeira e o imperador teria
mandado uma reprimenda por ter exterminado tantos animais úteis.
Ainda assim, a toupeira não deixa a dever em crueldade a seu
animalzinho e ainda por cima é muito nociva, pois faz um estrago
terrível nos prados.
Von Koren abriu o cofre e tirou de lá uma nota de cem rublos.
— A toupeira tem uma caixa torácica forte, como a do morcego —
continuou ele, trancando o cofre —, ossos e músculos extremamente
desenvolvidos e uma boca extraordinariamente equipada. Se ela tivesse o
tamanho de um elefante seria um animal invencível, destruidor. É
interessante, quando duas toupeiras se encontram debaixo da terra,
ambas, como se tivessem combinado, começam a roer uma plataforma; é
o espaço necessário para lutar melhor. Depois de fazê-la, elas entram
numa luta encarniçada e brigam até a mais fraca cair. Tome aqui os cem
rublos — disse Von Koren, reduzindo o tom —, mas com a condição de
que não esteja pegando para Laiévski.
— Mas e se for para Laiévski? — encolerizou-se Samóilenko. — O
que você tem com isso?
— Para Laiévski não posso dar. Sei que você adora emprestar. Você
emprestaria dinheiro ao bandoleiro Kerim se ele pedisse, mas, desculpe,
não posso ajudar nesse sentido.
— Sim, estou pedindo para Laiévski! — disse Samóilenko,
levantando-se e brandindo a mão direita. — Sim! Para Laiévski! E
nenhum diabo e nenhum anjo tem o direito de me dar lição de como
devo administrar meu dinheiro. Não deseja dar? Não?
O diácono começou a rir.
— Não se exalte, raciocine — disse o zoólogo. — Fazer um bem ao
senhor Laiévski é tão pouco inteligente, na minha opinião, quanto regar
a grama ou alimentar um gafanhoto.
— Pois para mim temos a obrigação de ajudar nossos amigos! —
exclamou Samóilenko.
— Nesse caso, ajude aquele turco que está passando fome deitado
debaixo da sua cerca! Ele é trabalhador e mais necessário, mais útil do
que Laiévski. Entregue a ele esses cem rublos! Ou doe para mim cem
rublos para uma expedição!
— Você vai me emprestar ou não, é a minha pergunta?
— Diga sinceramente: para que ele precisa desse dinheiro?
— Não é segredo. Precisa ir para São Petersburgo no sábado.
— Aí é que está! — disse Von Koren prolongadamente. — Arrã…
Entendemos. E ela vai com ele ou não?
— Por enquanto ela fica aqui. Ele vai organizar os assuntos dele por
lá e mandar dinheiro, então ela vai.
— Essa é boa!… — disse o zoólogo, e começou a rir uma risadinha
de tenor. — Essa é boa! Bem pensado.
Ele se aproximou rapidamente de Samóilenko e, cara a cara, olhando
nos olhos, perguntou:
— Diga com sinceridade: ele perdeu o amor? Sim? Diga: perdeu o
amor? Sim?
— Sim — declarou Samóilenko e se cobriu de suor.
— Como isso é detestável! — disse Von Koren, e por seu rosto se via
que ele sentia asco. — Das duas, uma, Aleksandr Davíditch: ou você
está conspirando com ele ou, perdão, você é um simplório. Será que não
entende que ele está lhe passando a perna como um menininho, da
forma mais desonesta? Pois está claro como o dia que ele quer se livrar
dela e abandoná-la aqui. Ela vai ficar nas suas costas, e está claro como o
dia que você vai ter que mandá-la para São Petersburgo por sua conta.
Por acaso seu amigo maravilhoso o cegou a tal ponto com suas
qualidades que você não vê até as coisas mais simples?
— Isso são só pressuposições — disse Samóilenko, sentando-se.
— Pressuposições? Mas por que ele está viajando sozinho, e não com
ela? E por que, pergunte a ele, ela não vai na frente, e ele depois? É um
pilantra!
Abatido pelas dúvidas e suspeitas inesperadas em relação a seu
amigo, Samóilenko de repente se enfraqueceu e baixou o tom.
— Mas não é possível! — disse ele, recordando-se da noite que
Laiévski dormira na sua casa. — Ele está sofrendo tanto!
— Mas e daí? Ladrões e incendiários também sofrem!
— Suponhamos que você esteja certo… — disse Samóilenko
refletindo. — Vamos supor… Mas ele é jovem, está numa terra
estrangeira… é estudante, nós também fomos estudantes, e além de nós
não há ninguém aqui para apoiá-lo.
— Ajudá-lo a fazer uma canalhice só porque você e ele estiveram na
universidade em épocas diferentes e ambos não fizeram nada lá! Que
absurdo!
— Pare, vamos raciocinar friamente. É possível, suponho, ajeitar
assim… — considerou Samóilenko, mexendo os dedos. — Entende, eu
darei o dinheiro a ele, mas faço ele dar sua palavra de honra, de
aristocrata, que em uma semana mandará dinheiro para a viagem de
Nadiejda Fiódorovna.
— E ele vai lhe dar a palavra de honra, até derramar lágrimas e ele
mesmo vai acreditar, mas qual é o valor dessa palavra? Ele não vai
mantê-la, e quando daqui um ou dois anos você se encontrar com ele na
avenida Niévski de braço dado com um novo amor, ele vai se justificar
dizendo que foi mutilado pela civilização e que é um resquício de Rúdin.
Largue dele, pelo amor de Deus! Afaste-se do lixo e não o revolva com
as duas mãos!
Samóilenko pensou por um minuto e disse, decidido:
— Mas mesmo assim vou dar o dinheiro a ele. Como queira. Não
tenho condições de negar isso a uma pessoa com base apenas em
suposições.
— Excelente. Vá lá beijá-lo.
— Então me dê cem rublos — pediu timidamente Samóilenko.
— Não vou dar.
Fez-se um silêncio. Samóilenko enfraqueceu por completo; seu rosto
assumiu uma expressão culpada, envergonhada e bajuladora, e era meio
estranho ver aquele rosto triste de criança desconcertada num homem
enorme com dragonas e medalhas.
— O bispo daqui percorre sua eparquia não de carruagem, mas em
cima de um cavalo — disse o diácono, baixando a pena. — A aparência
dele sentado no cavalinho é extraordinariamente tocante. A simplicidade
e a humildade dele são repletas de grandeza bíblica.
— É uma boa pessoa? — perguntou Von Koren, que mostrou-se feliz
por mudarem de assunto.
— Como não ia ser? Se não fosse bom, por acaso teria sido posto no
prelado?
— Em meio aos bispos encontram-se pessoas muito boas e talentosas
— disse Von Koren. — Só é uma pena que muitos deles tenham uma
fraqueza: se imaginam estadistas. Um se dedica à russificação, outro
critica a ciência. Isso não é assunto deles. Seria melhor eles olharem com
mais frequência para o consistório.
— Um leigo não pode julgar os bispos.
— Mas por que, diácono? Um bispo é um humano igual a mim.
— É igual, mas não é igual — ofendeu-se o diácono, pegando a
pluma. — Se o senhor fosse igual, seria abençoado e o senhor mesmo
seria bispo, e como o senhor não é bispo, isso significa que não é igual.
— Não diga bobagem, diácono! — disse Samóilenko com tristeza.
— Escute o que eu pensei — ele se voltou para Von Koren. — Não me
empreste esses cem rublos. Até o inverno você vai comer na minha casa
por mais três meses, então me dê esses três meses adiantado.
— Não vou dar.
Samóilenko piscou os olhos e ficou vermelho; ele puxou para si
maquinalmente o livro com a aranha e olhou para ela, depois se levantou
e pegou o chapéu. Von Koren teve pena dele.
— É nisso que dá viver e fazer negócios com esses senhores! — disse
o zoólogo, e chutou um papel para o canto com indignação. — Entenda
que isso não é bondade, não é amor, mas covardia, indecência, veneno!
O que a razão constrói, seus corações molengas, que não servem para
nada, destroem! No ginásio, tive tifo abdominal, minha tia, por
compaixão, me deu cogumelos marinados para comer e por pouco não
morri. Entendam, você e minha tia, que o amor a uma pessoa não deve
estar no coração, nem sob o estômago e nem na lombar, mas aqui!
Von Koren bateu na própria testa.
— Pegue! — disse e arremessou uma nota de cem rublos.
— Você se irrita para nada, Kólia — disse Samóilenko com doçura,
dobrando a nota. — Eu o entendo perfeitamente, mas… ponha-se na
minha situação.
— Você é uma velha, é isso!
O diácono começou a gargalhar.
— Escute, Aleksandr Davíditch, um último pedido! — disse Von
Koren com ardor. — Quando você for dar o dinheiro para aquele
pilantra, ponha uma condição: que ele viaje com sua senhora ou que a
mande primeiro, senão não empreste. Não há por que fazer cerimônia
com ele. Diga isso para ele, e se não disser, palavra de honra, vou até ele
e o empurro da escada, e corto relações com você. Fique sabendo!
— E daí? Se ele for embora junto com ela ou mandá-la na frente,
para ele é melhor — disse Samóilenko. — Ele vai até ficar feliz. Certo,
adeus.
Ele se despediu ternamente e saiu, mas antes de fechar a porta,
voltou-se para Von Koren, fez uma cara terrível e disse:
— Foram os alemães que estragaram você, meu irmão! Sim! Os
alemães!
XII
Laiévski recebeu dois bilhetes; ele abriu um e leu: “Não vá embora, meu
querido”.
“Quem pode ter escrito isso?”, pensou. “Claro que não foi
Samóilenko… E nem o diácono, já que ele não sabe que quero ir
embora. Von Koren, será?”
O zoólogo estava inclinado sobre a mesa e desenhava uma pirâmide.
Pareceu a Laiévski que seus olhos estavam sorrindo.
“Samóilenko deve ter tagarelado…”, pensou.
No outro bilhete, com a mesma caligrafia estropiada, cheia de
voltinhas retorcidas, estava escrito: “Alguém não vai embora no sábado”.
“Que brincadeira boba”, pensou Laiévski. “Sexta, sexta…”
Algo lhe subiu à garganta. Ele tocou o colarinho e tossiu, mas em vez
de tosse escapou da garganta uma risada.
— Ha ha ha! — começou a gargalhar. — Ha ha ha! “Por que estou
fazendo isso?”, pensou. — Ha ha ha!
Tentou se conter, tapou a boca com a mão, mas a risada lhe sufocava
o peito e o pescoço, e a mão não conseguia cobrir a boca.
“E no entanto como isso é bobo” — pensou, balançando um pouco
com o riso. — “Será que fiquei louco?”
A gargalhada foi se tornando mais e mais alta e se transformou em
algo parecido com o latido de um cachorrinho. Laiévski quis se levantar
da mesa, mas as pernas não obedeciam e a mão direita, de uma forma
meio estranha, contra a sua vontade, saltou pela mesa, agarrou e apertou
convulsivamente alguns papéis. Ele viu os olhares espantados, o rosto
sério e assustado de Samóilenko e o olhar do zoólogo, cheio de aversão e
de frio desdém, e entendeu que estava tendo um ataque histérico.
“Que horror, que vergonha”, pensou, sentindo no rosto o calor das
lágrimas… “Ah, que vergonha! Nunca me aconteceu isso…”
Então o pegaram pela mão e, segurando a cabeça atrás, levaram a
algum lugar; então um copo brilhou diante de seus olhos e bateu nos
dentes, e a água caiu em seu peito; então apareceu um quartinho, entre
duas camas ao lado, coberta por colchas limpas, brancas como a neve.
Ele caiu numa cama e começou a chorar.
— Não é nada, não é nada… — disse Samóilenko. — Acontece…
Acontece…
Com o corpo frio por causa do susto, tremendo inteira e pressentindo
algo terrível, Nadiejda Fiódorovna perguntava, de pé ao lado da cama:
— O que você tem? O quê? Pelo amor de Deus, diga…
“Será que Kirilin escreveu algo para ele?”— pensou ela.
— Nada… — disse Laiévski, rindo e chorando. — Saia daqui…
querida.
O rosto dele não expressava nem ódio, nem aversão: isso queria dizer
que ele não sabia de nada; Nadiejda Fiódorovna se acalmou um pouco e
foi para a sala.
— Não se preocupe, querida! — disse Mária Konstantínovna,
sentando-se ao lado dela e segurando sua mão. — Vai passar. Os
homens são tão fracos quanto nós, pecadores. Vocês dois estão passando
por uma crise… é tão compreensível! Bem, querida, estou esperando
uma resposta. Vamos conversar.
— Não, não vamos conversar… — disse Nadiejda Fiódorovna,
apurando o ouvido para escutar o choro de Laiévski. — Estou
angustiada… Permita-me ir embora.
— O que está dizendo, querida!? — assustou-se Mária
Konstantínovna. — Por acaso acha que vou lhe deixar sair sem jantar?
Fazemos um lanche e depois vá com Deus.
— Estou angustiada… — murmurou Nadiejda Fiódorovna e, para
não cair, segurou com ambas as mãos o braço da poltrona.
— Ele está com eclampsia — disse Von Koren alegremente,
entrando na sala, mas, ao ver Nadiejda Fiódorovna, ficou constrangido e
saiu.
Acabada a crise de histeria, Laiévski se sentou na cama estranha e
pensou: “Que vergonha, caí no choro feito uma menina! Devo estar
ridículo e asqueroso. Vou sair pela porta dos fundos… Aliás, isso
significaria que dou ao meu ataque de histeria um significado sério. Seria
melhor fazer passar por uma brincadeira…”.
Ele olhou para o espelho, ficou um tempo sentado e voltou para a
sala.
— Aqui estou! — disse ele, sorrindo; torturadamente envergonhado,
sentia que os outros também tinham vergonha em sua presença. —
Acontecem essas coisas — disse ele, se sentando. — Eu sentei e de
repente, sabem, senti uma pontada horrível, uma dor aqui do lado…
insuportável, os nervos não aguentaram e… e saiu aquela coisa boba. É
o nosso século nervoso, fazer o quê?
No jantar ele bebeu vinho, conversou e, às vezes, suspirando
convulsivamente, passava a mão na lateral do corpo, como que
mostrando ainda sentir dor. E ninguém, exceto Nadiejda Fiódorovna,
acreditava nele, e ele percebia isso.
Pouco depois das nove foram passear no bulevar. Nadiejda
Fiódorovna, com medo de que Kirilin começasse a falar com ela, se
esforçava para ficar o tempo todo perto de Mária Konstantínovna e das
crianças. Ela estava fraca de susto e de angústia e, pressentindo a febre,
se afligia e mal movimentava as pernas, mas não ia para casa, pois tinha
certeza de que Kirilin ou Atchmianov, ou os dois, iriam atrás dela.
Kirilin andava atrás, ao lado de Nikodim Aleksándritch, e cantarolava a
meia-voz:
— Não vou permiti-ir que brinquem comi-go! Não vou permiti-ir!
Do bulevar viraram rumo ao pavilhão, foram andando pela praia e
passaram muito tempo olhando o mar fosforescente. Von Koren
começou a contar a razão pela qual ele era fosforescente.
XIV
Após decidir não mentir de uma vez, e sim por partes, no dia seguinte,
depois da uma, Laiévski foi para a casa de Samóilenko com o objetivo
de pedir o dinheiro para viajar no sábado sem falta. Depois da crise de
histeria do dia anterior, que acrescentou mais um sentimento agudo de
vergonha ao estado pesado de sua alma, ficar na cidade havia se tornado
impensável. Se Samóilenko insistisse em suas condições, pensava, podia
concordar com elas e pegar o dinheiro, e no dia seguinte, bem na hora
da partida, dizer que Nadiejda Fiódorovna se recusara a ir; à noite ele
poderia convencê-la de que tudo isso estava sendo feito justamente para
o bem dela. Mas se Samóilenko, que se encontrava sob evidente
influência de Von Koren, se recusasse por completo a dar o dinheiro ou
propusesse alguma condição nova, então ele, Laiévski, naquele mesmo
dia pegaria um barco de carga, ou até um veleiro, para Novi Afon ou
Novorossisk, de lá mandaria um telegrama humilhante para a mãe, e
moraria ali enquanto ela não lhe mandasse dinheiro para a viagem.
Ao chegar à casa de Samóilenko, encontrou Von Koren na sala. O
zoólogo acabava de chegar para almoçar e, como de hábito, abrindo o
álbum, observava os homens de cartola e as mulheres de touca.
“Que inoportuno”, pensou Laiévski ao vê-lo. “Ele pode atrapalhar.”
— Oi!
— Oi — respondeu Von Koren sem olhar para ele.
— Aleksandr Davíditch está em casa?
— Sim. Na cozinha.
Laiévski foi para a cozinha, mas, ao ver da porta que Samóilenko
estava ocupado com a salada, voltou para a sala e se sentou. Ele sempre
se sentia constrangido na presença do zoólogo, mas agora temia ter de
falar sobre a crise de histeria. Passou-se mais de um minuto de silêncio.
Von Koren de repente levantou os olhos para Laiévski e perguntou:
— Como está se sentindo depois do que houve ontem?
— Excelente — respondeu Laiévski, corando. — Na verdade não foi
nada de mais…
— Até ontem eu supunha que só quem tinha ataques histéricos eram
as damas, e por isso no começo achei que o senhor estivesse fazendo a
dança de são Vito.
Laiévski deu um sorriso bajulador e pensou:
“Que indelicadeza da parte dele. Ele sabe muito bem que é difícil
para mim…” — Sim, foi uma história engraçada — disse ele, ainda
rindo. — Hoje passei a manhã toda rindo. O engraçado no ataque de
histeria é que você sabe que é absurdo, e ri dele por dentro, mas ao
mesmo tempo está soluçando. No nosso século nervoso somos escravos
dos nossos nervos; eles são nossos senhores e fazem o que querem
conosco. A civilização, no que se refere a isso, se revelou um
desserviço…
Laiévski falava e achava desagradável que Von Koren o escutasse com
seriedade e atenção e olhasse para ele fixamente, sem piscar, como se o
estivesse estudando; e ficava incomodado consigo mesmo por, apesar de
sua falta de afeto por Von Koren, não conseguir de forma alguma fazer
desaparecer aquele sorriso bajulador do rosto.
— Porém, é preciso reconhecer — prosseguiu —, havia motivos
muito íntimos para o ataque, e bem sólidos. Nos últimos tempos minha
saúde anda muito abalada. Se acrescentarmos a isso o tédio, a constante
falta de dinheiro… a ausência de gente e interesses em comum… A
situação é pior que a de um governador.
— Sim, sua situação não tem saída — disse Von Koren.
Aquelas palavras tranquilas, frias, que continham em si não bem um
escárnio, não bem uma profecia não solicitada, ofenderam Laiévski. Ele
se lembrou do olhar do zoólogo no dia anterior, cheio e zombaria e
aversão, ficou um tempo calado e perguntou, já sem sorrir:
— E como o senhor sabe qual é a minha situação?
— O senhor mesmo acabou de falar dela, e além disso seus amigos
têm pelo senhor uma simpatia tão ardente que o dia inteiro só se escuta
falar de você.
— Que amigos? Samóilenko, por acaso?
— Sim, ele também.
— Eu pediria a Aleksandr Davíditch e a meus amigos em geral para
se preocuparem menos comigo.
— Aí vem Samóilenko, peça a ele que se preocupe menos com o
senhor.
— Não entendo o seu tom… — murmurou Laiévski; ele foi tomado
por um sentimento, como se só naquele momento tivesse entendido que
o zoólogo o odiava, desprezava e zombava dele, e que era seu mais cruel
e implacável inimigo. — Guarde esse tom para outra pessoa — disse ele
em voz baixa, sem forças para falar alto, tamanho era o ódio que já
oprimia seu peito e sua garganta, como no dia anterior a vontade de rir.
Samóilenko entrou sem a sobrecasaca, suado e vermelho do vapor da
cozinha.
— Ah, você está aqui? — disse ele. — Olá, meu caro. Já almoçou?
Não faça cerimônia, diga: já almoçou?
— Aleksandr Davíditch — disse Laiévski, levantando-se — se eu me
dirigi a você com um pedido íntimo, isso não queria dizer que eu o havia
liberado da obrigação de ser discreto e respeitar meu segredo.
— O que foi? — surpreendeu-se Samóilenko.
— Se não tem dinheiro — continuou Laiévski, levantando a voz e se
apoiando num pé e no outro —, então não dê, recuse, mas para que
anunciar aos quatro ventos que minha situação não tem saída etc.? Esses
favores e serviços de amizade, quando se faz um copeque, mas se fala um
rublo, isso eu não posso tolerar! Você pode se vangloriar de seus favores
o quanto quiser, mas ninguém lhe deu o direito de revelar meus
segredos!
— Que segredos? — perguntou Samóilenko, sem compreender e
começando a se irritar. — Se veio brigar, saia. Depois você volta!
Ele se lembrou da regra de que ao se enfurecer com alguém próximo
deve-se começar a contar mentalmente até cem e se acalmar; e começou
a contar rapidamente.
— Peço ao senhor que não se preocupe comigo! — continuou
Laiévski. — Não preste atenção em mim. Quem tem alguma coisa a ver
comigo e com a forma como vivo? Sim, quero ir embora! Sim, eu me
endivido, bebo, vivo com a mulher de outro, tenho ataque de histeria,
sou vulgar, não tenho pensamentos tão profundos quanto alguns, mas
quem tem alguma coisa a ver com isso? Respeite a individualidade!
— Você me desculpe, irmãozinho — falou Samóilenko, depois de
contar até 35 —, mas…
— Respeite a individualidade! — interrompeu-o Laiévski. — Essas
conversas constantes sobre a vida dos outros, esses ais e uis, bisbilhotices
constantes, essa compaixão amistosa… podem levar para o quinto dos
infernos! Emprestam-me dinheiro e impõem condições, como se eu
fosse um menino! Tratam-me mal, só o diabo sabe como! Não desejo
nada! — gritou Laiévski, cambaleando de agitação e com medo de que
tivesse outra crise de histeria. — “Quer dizer que não vou embora no
sábado”, passou por sua cabeça. — Não desejo nada! Só peço, por favor,
que me poupem da tutela. Não sou um menino e não sou louco, peço
que tirem de mim essa vigilância.
O diácono entrou e, ao ver Laiévski pálido, agitando os braços e
dirigindo seu discurso estranho para o retrato do príncipe Vorontsov,
parou perto da porta petrificado.
— Esses exames constantes da minha alma — prosseguiu Laiévski
— me ofendem em minha dignidade humana, e peço a esses detetives
voluntários que parem com essa espionagem! Chega!
— O que você… o que o senhor falou? — perguntou Samóilenko,
depois de contar até cem, ficando roxo e se aproximando de Laiévski.
— Chega! — repetiu Laiévski, perdendo a respiração, segurando o
quepe.
— Sou um médico, nobre e conselheiro estatal russo! — disse
Samóilenko controladamente. — Espião eu nunca fui, e não permito
que ninguém me insulte! — gritou ele com uma voz estridente, pondo
ênfase na última palavra. — Silêncio!
O diácono, que nunca vira o médico tão majestoso, inchado, rubro e
terrível, fechou a boca, correu para a antessala e rolou de tanto rir. De
forma um tanto nebulosa, Laiévski viu Von Koren se levantar e,
enfiando as mãos nos bolsos das calças, parar numa pose como se
estivesse esperando o que viria a seguir; aquela pose tranquila pareceu a
Laiévski insolente e ofensiva no mais alto grau.
— Faça o favor de retirar o que disse! — gritou Samóilenko.
Laiévski, já sem recordar o que tinha dito, respondeu:
— Deixem-me em paz! Não quero nada! Quero só que você e os
alemães descendentes de jids13 me deixem em paz! Senão, vou tomar
medidas! Vou partir para a briga!
— Agora entendi — falou Von Koren, saindo de trás da mesa. — O
senhor Laiévski está com vontade de se distrair com um duelo antes de
partir. Posso proporcionar essa satisfação a ele. Senhor Laiévski, aceito
seu desafio.
— Desafio? — falou Laiévski em voz baixa, aproximando-se do
zoólogo e olhando com ódio para a testa bronzeada e os cabelos
encaracolados. — Desafio? Pois bem! Odeio você! Odeio!
— Fico feliz. Amanhã de manhã cedo, perto de Kerbalai, com todos
os detalhes a seu gosto. Agora suma daqui.
— Odeio! — disse Laiévski, respirando pesado. — Odeio há muito
tempo! Um duelo! Sim!
— Tire ele daqui, Aleksandr Davíditch, senão sou eu que vou
embora — falou Von Koren. — Ele vai me morder.
O tom tranquilo de Von Koren acalmou o médico; de certa forma ele
voltou a si de repente, recobrou o juízo, pegou Laiévski pela cintura com
as duas mãos e, afastando-o do zoólogo, começou a murmurar com uma
voz terna, trêmula de preocupação:
— Meus amigos… meus bons amigos, gente boa… Nós nos
exaltamos e chega… chega… Meus amigos…
Ao escutar aquela voz suave, amigável, Laiévski sentiu que acabava
de acontecer em sua vida algo inédito, monstruoso, como se por pouco
não tivesse sido atropelado por um trem; quase começou a chorar, agitou
os braços e saiu correndo.
“Experimentar o ódio de outra pessoa, mostrar-se diante da pessoa
que o odeia da maneira mais lamentável, desprezível, insegura — meu
Deus, como é difícil!”, pensava ele um pouco depois, sentado no
pavilhão e sentindo como se o corpo estivesse enferrujado pelo ódio do
outro que acabara de experimentar. “Como isso é grosseiro, meu Deus!”
A água fria com conhaque o animou. Imaginou com clareza o rosto
tranquilo e desdenhoso de Von Koren, seu olhar ontem, a camisa que
parecia um tapete, a voz, as mãos brancas, e o ódio pesado, apaixonado,
faminto que se revirava em seu peito e exigia satisfação. Em
pensamento, derrubou Von Koren no chão e começou a pisoteá-lo. Ele
se lembrava nos menores detalhes de tudo o que havia acontecido e ficou
surpreso com sua capacidade de sorrir servilmente a uma pessoa
insignificante e de uma maneira geral dar valor a opiniões de uma
gentinha miúda, que ninguém conhecia, morando na cidade mais
desprezível, que parecia nem estar no mapa e cuja existência era
ignorada por toda pessoa de bem em São Petersburgo. Se aquela
cidadezinha de repente sumisse ou pegasse fogo, leriam um telegrama
sobre isso na Rússia com o mesmo tédio de uma declaração da venda de
móveis de segunda mão. Matar Von Koren amanhã ou deixá-lo vivo —
dava na mesma, era igualmente inútil e desinteressante. Atirar no pé ou
na mão, feri-lo, depois rir dele, e como um inseto com a patinha
arrancada se perde na grama, deixar que ele, com seu sofrimento surdo,
se perdesse depois numa multidão de pessoas tão insignificantes quanto
ele mesmo.
Laiévski foi ao encontro de Chechkóvski, contou tudo a ele e o
convidou para ser seu padrinho; depois, os dois se dirigiram ao chefe do
Escritório Postal-telegráfico, convidaram-no também para ser padrinho
e ficaram na casa dele para almoçar. Durante o almoço, riram e
brincaram bastante; Laiévski zombava do fato de praticamente não
saber atirar, e se chamou de fuzileiro do rei e de Guilherme Tell.
— É preciso dar uma lição nesse senhor… — dizia.
Depois do almoço se sentaram para jogar cartas. Laiévski jogava,
bebia vinho e pensava que um duelo era absolutamente idiota e sem
sentido, já que ele não resolvia a questão, apenas a complicava, mas que
às vezes era inevitável. Por exemplo, neste caso: ele não podia processar
Von Koren com o juiz de paz! E o duelo iminente ainda tinha a
vantagem de que, depois dele, seria impossível ficar na cidade. Ele ficou
levemente bêbado, distraiu-se com as cartas e sentia-se bem.
Mas quando o sol se pôs e ficou escuro, a preocupação tomou conta
dele. Não era medo da morte, porque dentro dele — sem saber ao certo
o motivo —, enquanto jogava cartas e almoçava, tinha a convicção de
que o duelo não daria em nada; era medo de algo desconhecido que
aconteceria na manhã seguinte pela primeira vez em sua vida, e medo da
noite que caía… Ele sabia que a noite seria longa, insone e que seria
preciso pensar não apenas em Von Koren e em seu ódio, mas também na
montanha de mentiras que ele precisava atravessar e não tinha forças
nem capacidade para evitar. Parecia que ele adoecera de súbito; de
repente perdeu todo o interesse pelas cartas e pelas pessoas, se
atrapalhou e começou a pedir que o deixassem ir para casa. Queria, o
mais rápido possível, se deitar na cama, ficar quieto e preparar os
pensamentos para a noite. Chechkóvski e o funcionário do correio o
acompanharam e se dirigiram à casa de Von Koren para falar sobre o
duelo.
Perto de casa Laiévski deparou com Atchmianov. O jovem
encontrava-se agitado e arquejando.
— Estava lhe procurando, Ivan Andrêitch! — disse ele. — Por favor,
vamos logo…
— Para onde?
— Um senhor que não conhece quer vê-lo, ele tem um assunto
importante para tratar. Pede encarecidamente que vá falar com ele um
minutinho. Precisa falar sobre algo com o senhor… Para ele é
igualmente uma questão de vida e morte…
Agitado, Atchmianov disse isso com um sotaque armênio forte, de
forma que não saiu “morte”, e sim “moite”.
— Quem é? — perguntou Laiévski.
— Ele pediu que eu não dissesse o nome.
— Diga a ele que estou ocupado. Amanhã, se puder…
— Impossível! — assustou-se Atchmianov. — Ele quer dizer algo
muito importante ao senhor… muito importante! Se o senhor não for,
ocorrerá uma desgraça.
— Estranho… — balbuciou Laiévski, sem entender por que
Atchmianov estava tão agitado e que segredos podiam haver naquela
cidadezinha tediosa e sem importância. — Estranho — repetiu,
refletindo. — Pensando bem, vamos. Tanto faz.
Atchmianov ia rápido na frente, e ele ia atrás. Percorreram uma
ruazinha, depois uma travessa.
— Que chatice — falou Laiévski.
— Já vai, já vai… Está perto.
Perto de um aterro antigo, eles passaram por uma travessa estreita
entre dois terrenos baldios cercados, depois entraram numa espécie de
grande pátio e se dirigiram a uma casinha pequena…
— Essa é a casa de Miuridov, não? — perguntou Laiévski.
— É.
— Mas não entendo, por que estamos entrando pelos fundos? Podia
ser pela rua. Lá é mais perto…
— Não é nada, não é nada…
Laiévski também achou estranho que Atchmianov o levasse para a
entrada de serviço e agitasse a mão para ele, como se estivesse dizendo
para fazer menos barulho e ficar calado.
— Por aqui, por aqui… — disse Atchmianov, abrindo a porta
cuidadosamente e entrando no saguão na ponta dos pés. — Mais baixo,
mais baixo, por favor… Podem escutar.
Ele apurou o ouvido, tomou fôlego com dificuldade e falou num
sussurro:
— Abra esta porta aqui e entre… Não tenha medo.
Laiévski, sem compreender, abriu a porta e entrou num quarto com o
teto baixo e janelas fechadas por cortinas. Havia uma vela em cima da
mesa.
— Está procurando quem? — perguntou alguém no quarto vizinho.
— É você, Miuridka?
Laiévski se virou para esse quarto e viu Kirilin, e ao lado dele
Nadiejda Fiódorovna.
Ele não escutou o que lhe disseram, deu a volta e não reparou como
foi parar na rua. O ódio de Von Koren e a inquietação — tudo sumiu de
sua alma. Indo para casa, ele mexia o braço direito desajeitadamente e
olhava debaixo dos próprios pés com atenção, se esforçando para andar
pela parte plana. Em casa, no gabinete, esfregando as mãos e mexendo
canhestramente os ombros e o peito, como se a jaqueta e a camisa
estivessem apertadas, andava de um canto a outro, depois acendeu uma
vela e se sentou à mesa…
XVI
Púchkin
— Estou vendo pela primeira vez na vida! Que beleza! — disse Von
Koren, apontando para a clareira e estendendo ambas as mãos para o
leste. — Vejam: raios verdes!
A leste, atrás das montanhas, estendiam-se dois raios verdes e de fato
era bonito. O sol nascia.
— Olá! — prosseguiu o zoólogo, acenando com a cabeça para os
padrinhos de Laiévski. — Não me atrasei?
Atrás dele vinham seus padrinhos, dois oficiais muito jovens da
mesma altura, Boiko e Govoróvski, usando túnicas militares brancas, e o
médico esquálido e pouco sociável Ustimovitch, que trazia numa mão
uma trouxa com algo enquanto apoiava a outra atrás; como de hábito, a
bengala se estendia ao longo de sua espinha. Depois de pôr a trouxa no
chão e sem cumprimentar ninguém, ele pôs a mão agora livre também
atrás das costas e começou a caminhar pela clareira.
Laiévski sentia o cansaço e o constrangimento de uma pessoa que
talvez morra em breve e por isso atrai atenção. Ele queria que o
matassem rápido ou então que o levassem para casa. Via o nascer do sol
pela primeira vez na vida; aquele começo de manhã, os raios verdes, a
umidade e as pessoas de botas molhadas lhe pareciam supérfluas em sua
vida, desnecessárias, e o envergonhavam; tudo aquilo não tinha
nenhuma ligação com a noite que vivera, com seus pensamentos e com o
sentimento de culpa, e por isso ele teria com gosto ido embora sem
esperar o duelo.
Von Koren estava visivelmente animado e tentava esconder isso
fingindo que, acima de tudo, se interessava pelos raios verdes. Os
padrinhos estavam desconcertados e se entreolhavam, como que
perguntando a razão de estarem ali e o que deviam fazer.
— Suponho, senhores, que não há por que seguir em frente — disse
Chechkóvski. — Aqui está bom.
— Sim, claro — concordou Von Koren.
Fez-se silêncio. Ustimovitch, caminhando, de súbito se virou
bruscamente para Laiévski e disse a meia-voz, respirando em seu rosto.
— Provavelmente ainda não tiveram tempo de lhe comunicar minhas
condições. Cada lado me paga quinze rublos e, no caso de morte de um
dos oponentes, o que ficou vivo me paga os trinta.
Laiévski conhecera aquele homem antes, mas só agora via
distintamente pela primeira vez seus olhos baços, o bigode rígido e o
pescoço descarnado, tísico: um usurário, e não um médico! Sua
respiração tinha um cheiro desagradável, de carne.
“Quanto tipo de gente que existe no mundo”, pensou Laiévski, e
respondeu:
— Certo.
O médico balançou a cabeça e de novo começou a caminhar, e via-se
que ele não precisava em nada do dinheiro, pedia apenas por ódio.
Todos sentiam que já era na hora de começar ou terminar o que já havia
sido começado, mas não começavam nem terminavam, e sim andavam,
paravam e fumavam. Os jovens oficiais, que participavam de um duelo
pela primeira vez na vida e agora já não acreditavam muito naquele
duelo de civis, desnecessário na opinião deles, examinavam com atenção
suas túnicas e alisavam a manga. Chechkóvski se aproximou deles e
falou em voz baixa:
— Senhores, devemos empregar todos os esforços para que este
duelo não aconteça. É preciso reconciliá-los.
Ele corou e prosseguiu:
— Ontem Kirilin esteve em minha casa e reclamou que Laiévski o
pegou com Nadiejda Fiódorovna e tudo mais.
— Sim, também sabemos disso — disse Boiko.
— Bem, pois estão vendo…? As mãos de Laiévski estão tremendo…
Ele não vai conseguir nem erguer a pistola. Bater-se com ele é tão
desumano quanto com um bêbado ou um doente de tifo. Se a
reconciliação não acontecer, então, senhores, é preciso adiar o duelo, algo
assim… É tão diabólico que não quero nem ver.
— Fale o senhor com Von Koren.
— Não sei as regras de duelo, que o diabo carregue todas, nem quero
saber; talvez ele ache que Laiévski se acovardou e tenha me mandado
falar com ele. Ah, enfim, como queira, vou falar.
Chechkóvski caminhou até Von Koren de forma indecisa, mancando
de leve, como se estivesse com a perna dormente, e enquanto andava e
grasnava, toda sua figura exalava preguiça.
— Isso que eu devo lhe dizer, meu senhor — começou, examinando
com atenção as cores da camisa do zoólogo —, é confidencial… Não sei
as regras de duelo, que o diabo carregue todas, nem desejo saber, e
raciocino não como padrinho e tudo mais, mas como um ser humano e
ponto.
— Sim. E então?
— Quando os padrinhos propõem uma reconciliação, normalmente
não são ouvidos, isso é visto como uma formalidade. Amor-próprio e
pronto. Mas eu lhe peço encarecidamente que preste atenção em Ivan
Andrêitch. Hoje ele não está num estado normal, por assim dizer, não
está bem da cabeça, está deplorável. Aconteceu uma infelicidade com
ele. Não tolero fofoca — Chechkóvski corou e olhou em volta —, mas
em face do duelo acho necessário lhe comunicar. Ontem à noite, na casa
de Miuridov, ele surpreendeu sua senhora com… um cavalheiro.
— Que coisa imunda! — murmurou o zoólogo; ele empalideceu,
franziu a testa e cuspiu algo: — Tfu!
Seu lábio inferior começou a tremer; ele se afastou de Chechkóvski,
sem desejar escutar mais nada e, como se tivesse provado algo amargo
por descuido, cuspiu alto de novo, e pela primeira vez em toda manhã
olhou para Laiévski com ódio. Sua animação e constrangimento haviam
passado, ele balançou a cabeça e falou alto:
— Senhores, o que estamos esperando, eu pergunto? Por que não
começamos?
Chechkóvski se entreolhou com os oficiais e deu de ombros.
— Senhores! — disse ele alto, sem se dirigir a ninguém. — Senhores!
Propomos que se reconciliem!
— Vamos acabar logo com as formalidades — disse Von Koren. —
Já falamos de reconciliação. Agora qual é a próxima formalidade? Mais
rápido, senhores, o tempo não espera.
— Mas ainda assim insistimos na reconciliação — disse
Chechkóvski, com a voz culpada, como uma pessoa que precisa se meter
em assuntos dos outros; ele corou, pôs a mão no coração e prosseguiu:
— Senhores, não vemos relação causal entre a ofensa e o duelo. A
ofensa, que às vezes por fraqueza humana infligimos uns nos outros, e o
duelo não têm nada em comum. Os senhores são universitários e cultos,
e, claro, veem por si próprios que o duelo é apenas uma formalidade
antiquada, vazia e tudo mais. Também vemos assim, senão não teríamos
vindo, e por isso não podemos permitir que em nossa presença as
pessoas atirem uma na outra e pronto. — Chechkóvski limpou o suor do
rosto e continuou: — Senhores, acabem com esse mal-entendido,
estendam a mão um para o outro e vamos para casa beber à paz. Palavra
de honra, senhores!
Von Koren ficou em silêncio. Laiévski, percebendo que estavam
olhando para ele, disse:
— Não tenho nada contra Nikolai Vassilievitch. Se ele acha que sou
culpado, estou disposto a me desculpar com ele.
Von Koren se ofendeu.
— É evidente, senhores — disse —, que desejam que o senhor
Laiévski volte para casa como um homem magnânimo e cavalheiro, mas
não posso lhes proporcionar esse prazer. Nem havia necessidade de
acordar cedo e sair dez verstas da cidade apenas para beber à paz, comer
uns petiscos e me explicar que um duelo é uma formalidade antiquada.
Um duelo é um duelo, e não se deve torná-lo mais bobo e falso do que
ele é de fato. Quero me bater!
Fez-se silêncio. O oficial tirou do estojo duas pistolas: deram uma a
Von Koren, a outra a Laiévski, e depois ocorreu uma perplexidade que
por um breve momento alegrou o zoólogo e seus padrinhos. Verificou-se
que, de todos os presentes, nenhum havia estado num duelo sequer uma
vez na vida e ninguém sabia com precisão como se portar e o que deviam
falar e fazer os padrinhos. Mas depois Boiko se lembrou e, sorrindo,
começou a explicar.
— Senhores, quem se recorda de como está descrito em Liérmontov?
— perguntou Von Koren rindo. — Em Turguêniev também, Bazárov
trocou tiros com alguém…
— Se recordar do quê? — indagou Ustimovitch impaciente, parando.
— Meçam a distância e pronto.
E ele deu uns três passos, demonstrando como é preciso medir.
Boiko mediu os passos, e o amigo desembainhou um sabre e arranhou a
terra nos pontos extremos para marcar a barreira.
Os oponentes, em meio a silêncio geral, ocuparam seus lugares.
“Toupeiras”, lembrou o diácono, sentado nos arbustos.
Chechkóvski falava algo, Boiko explicava algo de novo, mas Laiévski
não escutava ou, melhor dizendo, escutava mas não entendia. Na devida
hora, ele engatilhou e levantou a pistola pesada e fria com o cano para o
alto. Ele esqueceu de desabotoar o sobretudo e sentiu uma forte pressão
no ombro e debaixo da axila; o braço se levantou com tamanha falta de
jeito que era como se a manga fosse costurada com lata. Ele se lembrou
de seu ódio do dia anterior pela testa bronzeada e os cabelos
encaracolados e pensou que mesmo ontem, num momento de forte ódio
e fúria, ele não teria sido capaz de atirar numa pessoa. Temendo que a
bala de alguma forma por acaso acertasse Von Koren, ele erguia a pistola
cada vez mais alto e sentia que essa demonstração excessiva de
magnanimidade não era delicada nem magnânima, mas não conseguia
nem podia fazer diferente. Olhando para o rosto pálido, sorridente e
zombeteiro de Von Koren, que, evidentemente, desde o começo tinha
certeza de que o oponente atiraria no ar, Laiévski pensou que agora,
graças a Deus, tudo terminaria e que ele só precisava apertar o gatilho
mais forte…
Sentiu um forte repuxo no ombro, o tiro ressoou e nas montanhas
respondeu o eco: pa-tah!
Von Koren também engatilhou a arma e olhou para o lado de
Ustimovitch, que caminhava como antes, com a mão para trás e sem
prestar atenção a nada.
— Doutor — disse o zoólogo —, por gentileza, não fique andando
como um pêndulo. O senhor reflete nos meus olhos.
O médico parou. Von Koren começou a mirar em Laiévski.
“Acabou!”, pensou Laiévski.
O cano da pistola apontado direto para o rosto, a expressão de ódio e
desprezo na pose e em toda a figura de Von Koren, aquele assassinato
que realizaria uma pessoa de bem em pleno dia e na presença de outras
pessoas de bem, aquele silêncio, e a força desconhecida que obrigava
Laiévski a ficar parado, e não sair correndo — como tudo isso é
misterioso, incompreensível e terrível! O tempo que Von Koren passou
fazendo pontaria pareceu a Laiévski mais longo do que a noite. Ele
olhou para os padrinhos suplicante; eles não se mexiam e estavam
pálidos.
“Atire mais rápido!”, pensou Laiévski e sentia seu rosto pálido,
trêmulo e lamentável despertar ainda mais ódio em Von Koren.
“Agora vou matá-lo”, pensava Von Koren, fazendo mira na testa e já
sentindo o gatilho com o dedo. “Sim, claro, vou matá-lo…”
— Ele vai matá-lo! — escutou-se de repente um grito desesperado
em algum lugar muito perto.
Imediatamente ressoou o tiro. Ao ver que Laiévski estava parado no
mesmo lugar e não havia caído, todos olharam para o lado de onde se
escutara o grito, e viram o diácono. Pálido, com o cabelo grudado na
testa e nas bochechas, todo molhado e sujo, ele estava de pé na outra
margem, no milho, e de forma meio estranha sorria e acenava com o
chapéu molhado. Chechkóvski riu de alegria, começou a chorar e se
afastou…
XX
Essa tradução foi publicada após acordo firmado com a Melville House
Publishing, EUA. A série The Art of The Novella e sua identificação visual
são propriedades da Melville House Publishing, USA.
DESIGN DA SÉRIE
DAVID KONOPKA
REVISÃO
THAÍS TOTINO RICHTER
VERSÃO DIGITAL
ANTONIO HERMIDA
WWW.GRUALIVROS.COM.BR
[email protected]
5. Sopa de repolho.
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7. Carroça do Cáucaso.
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