Lee Butcher - Milionário - Por.acaso - v1.0

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Lee Butcher

MILIONRIO POR ACASO


A histria da Apple Computer e seu criador Steve Jobs
Traduo Jos Eduardo Ribeiro Moretzsohn

(Orelhas)
A Apple Computer foi o resultado da unio de "dois Steves", como mais frente ficaram sendo conhecidos: Steve Jobs e Steven Wozniak. Steve Jobs era um rapaz genioso, cheio de vontades, que levava os pais na palma da mo. Adotado ainda criana, soube fazer sua vontade prevalecer sempre. Se no gostava de uma escola, logo exigia sua transferncia para outra. E assim fez com tudo na vida: com a universidade, com a vida amorosa e tambm no campo profissional. Em choque constante com o estilo de vida materialista, resolveu partir para ndia a fim de se autoconhecer, e o que conseguiu foi voltar chocado com a misria e o corpo tomado de sarna. Como habitante do Vale do Silcio - onde tambm residiam seus pais -, chamado de o corao do mundo da computao e onde o incomum era a norma de vida, Steve Jobs era considerado uma pessoa totalmente excntrica. De cabelos compridos, sempre descalo e usando roupas desbotadas, constitua o prottipo do hippie no meio de gnios da eletrnica. Foi exatamente um desses gnios - Steven Wozniak, na poca tambm ainda muito jovem - que Jobs veio a conhecer e que mais frente se tornaria seu scio. Steven Wozniak era exatamente o oposto de Jobs: fantico por eletrnica, dedicava todo o seu tempo ao estudo e pesquisa. Tranqilo, equilibrado, s queria estudar e levar uma vida pacata. Dinheiro para ele nunca representou tudo, e ambio era palavra que no constava no seu dicionrio de vida. Como m, os dois se atraram e, aps longas discusses, decidiram criar a Apple Computer: uniram a ambio e a incrvel capacidade de negociao de Jobs com a genialidade e o conhecimento de Wozniak.

Milionrio por Acaso exatamente a reconstituio dessa sociedade, de seus altos e baixos, assim como do mundo da eletrnica e da indstria de computadores. Lee Butcher nos oferece um relato fascinante da criao do primeiro Apple, mais frente do Macintosh competindo com os computadores pessoais da IBM, da criao do Apple II e da guerra interna com o Macintosh, gerando uma diviso e competio entre os prprios funcionrios da empresa. A contratao de John Sculley, ex-dirigente da Pepsi Cola, para controlar a geniosidade e impulsividade de Jobs, culminando com a demisso do intratvel e "Recusa Tudo", como Jobs era conhecido na Apple, um dos pontos altos do livro. E, finalmente, a criao da NeXT, gerada da associao de Steve Jobs com Ross Perot, vem fechar o captulo da guerra Apple Computer x Steve Jobs definitivamente. Sem dvida, Milionrio por Acaso uma narrativa empolgante da ascenso meterica de um rapaz de 20 anos que consegue acumular uma fortuna de centenas milhes de dlares em curtssimo espao de tempo. ler e conferir. LEE BUTCHER foi editor do The San Jose Bussiness Journal, de 1985 at fevereiro de 1986, quando ocorreu a desavena entre Steve Jobs e John Sculley. Editor de diversas publicaes na rea de negcios, incluindo o Texas Bussiness e o Florida Trend, ganhou 32 prmios na i rea de reportagens jornalsticas. A Apple marca registrada da Apple Computer Inc.

Contracapa
Steve Jobs uma lenda viva. Aos 20 anos de idade criou a Apple Computer, que entrou para o rol das 500 Empresas Mais Ricas, bem mais rpido do que qualquer outra na histria.

Aos 25 anos possua um patrimnio de 256 milhes de dlares. Aos 30 anos foi demitido por John Sculley, o presidente que ajudou a recrutar. Nesta biografia no-autorizada, o premiado jornalista Lee Butcher fala de um garoto excntrico, de boa conversa e dinmico, cuja tenaz persistncia transformou um negcio de fundo de garagem numa empresa bilionria. Filho adotivo, Steve Jobs abandonou a universidade, partiu para a ndia em busca de si mesmo, retomou, conheceu Steven Wozniak e tomou-se... milionrio por acaso. "Um livro claro, provocante... Milionrio por Acaso fascinante." - The New York Times Book Review. "... Absorvente [...] a crnica de uma histria comercial das mais provocadoras de nossa poca." - West Coast Review Books. --------------------------------------------------------------------Leia tambm: E o Outro Vacilou Roger Enrico e Jesse Kombluth MacDonalds: A Verdadeira Histria do Sucesso John F. Love Perfil de guia Michael Maccoby Quem Matou a CBS? Peter J. Boyer Rude Despertar Maryanne Keller ---------------------------------------------------------------------

Copyright 1988,1990 by Lee Butcher. Ttulo original: Accidental Millionaire Capa: projeto grfico de Felipe Taborda ISBN - 85 - 286 - 0156 - 0 1993 Impresso no Brasil Printed in Brazil Todos os direitos desta traduo reservados : EDITORA BERTRAND BRASIL S.A. Av. Rio Branco, 99 20 andar Centro 20040-004 - Rio de Janeiro - RJ Tel.: (021) 263 2082 Telex: (21) 33798 Fax: (021) 263 6112 Av. Paulista, 2073 - Conjunto Nacional Horsa I - Salas 1301 e 1302 - Cerqueira Csar 01311-So PauloSP Tel.: (011) 285 4941 Fax: (011) 285 5409 / 852 8904 Telex: (11) 37209 No permitida a reproduo total ou parcial desta obra, por quaisquer meios, sem a prvia autorizao por escrito da Editora. Atendemos pelo Reembolso Postal.

A Peter Miller, agente literrio e cinematogrfico, grande empreendedor de xitos que tm sido para mim fonte de inspirao.

Sumrio Introduo Captulo 1 - Dos Monstros aos Microchips Captulo 2 - O Menino de Ouro Captulo 3 - O Golpe da Caixa Azul Captulo 4 - Wozniak, o Gnio Captulo 5 - O Rebelde Captulo 6 - Avanar! Captulo 7 - O Esperto Captulo 8 - O Comeo de um Grande Negcio Captulo 9 - Problemas e Promessas Captulo 10 - A Apple Entra nos Eixos Captulo 11 - O Enfant Terrible Captulo 12 - "Zilionrios" Instantneos Captulo 13 - Problemas Captulo 14 - "Bem-vinda, IBM. Falando Srio" Captulo 15 - O "Namoro" Captulo 16 - Desfazendo o Dano Captulo 17 - Jogo de Poder Captulo 18 - Depois da Queda Captulo 19 - O Captulo NeXT

Introduo
impossvel escrever uma biografia significativa de Steven Jobs sem incluir Stephen Wozniak. Wozniak foi o gnio da eletrnica que criou o primeiro computador Apple, mas os dois j eram amigos antes disso. Quatro anos de idade os separavam e, por conseguinte, os vrios episdios que compem suas vidas e que levaram criao da Apple Computer no ocorreram concomitantemente. A primeira parte deste livro tenta apresentar as principais caractersticas de cada um, no necessariamente em ordem cronolgica. A diferena de idade e a discrepncia dos caminhos de cada um impossibilitam tal abordagem. Jobs, por exemplo, apesar de demonstrar interesse mais do que passageiro por eletrnica, no chegou a se tornar um expert. Sua nica contribuio para a criao do primeiro computador Apple foi no desenho de seu gabinete. Era um jovem instvel que saltava de um interesse a outro e se dizia especialista em tudo que empreendia. Autntico fruto da dcada de 1960, explorou o mundo das drogas alteradoras da conscincia, experimentou a vida comunitria dos hippies e demonstrou vido interesse, ainda que fugaz, por estilos de vida e filosofias alternativas. Passou boa parte da juventude nas comunidades dos Hare Krishnas e foi ndia estudar filosofia oriental. Wozniak, por outro lado, imergira na eletrnica antes mesmo de ingressar no segundo grau. Todas as demais atividades empalideciam sombra dessa adorao que o absorvia. Todos que o conheciam, inclusive seus familiares, consideravam-no "fora do mundo", era assim que se sentia feliz e no achava que estivesse desperdiando sua vida. Ao contrrio de Jobs, era um "homem irrepreensvel", com saudvel desconfiana das drogas. Tambm evitou experimentar os estilos de vida alternativos, em grande parte porque estava envolvido demais com a eletrnica. Retratei Wozniak e Jobs em pontos-chaves, isolados, de suas vidas. Algumas vezes foram simultneos, mas, na maioria deles, distintos. Um calouro do segundo grau que pula de um

interesse para outro bem diferente de um amigo mais velho que mergulha na eletrnica a qualquer preo. No incio, as duas vidas entrelaaram-se apenas esporadicamente, s comeando a fazer dupla quando da criao da Apple Computer. Apesar disso, as aventuras iniciais e o crescimento de Wozniak e Jobs so importantes para a sua ligao posterior com a Apple, e os primeiros anos so apresentados em ordem de importncia e no cronolgica. Comeo com um captulo sobre a metamorfose da eletrnica, das vlvulas aos microprocessadores, porque, sem o microprocessador, teria sido impossvel a Wozniak criar o primeiro computador pessoal prtico. notrio como as empresas sempre tentam usar a imprensa para tirar o melhor proveito, e, nisto, poucas superaram a Apple. No incio, houve grande empenho em promov-la e, ao faz-lo, a Apple criou a lenda dos "dois Steves", dando a impresso de que Jobs e Wozniak eram os inventores do computador pessoal, o que constitui uma mentira deslavada. Quando Jobs foi demitido dos cargos de diretor operacional da diviso Macintosh e de diretor-presidente da Apple, os mesmos publicitrios, antes to solcitos em promov-lo, lanaram uma cortina de ferro sobre a gesto de Jobs na Apple. A Agncia Regis McKenna, que cuidava da publicidade da empresa e auxiliava na criao das estratgias de Marketing, nada quis declarar sobre a Apple. John C. Sculley, que foi o terceiro presidente da empresa e destituiu Jobs da direo da companhia, tambm no comentou qualquer aspecto da gesto de Jobs na Apple. O responsvel pela conta de Sculley na Regis McKenna no quis falar sobre ele, exceto que " um homem delicado que odeia o termo [amide aplicado a ele] "administrador profissional". O prprio Regis McKenna no deu depoimentos sobre a Apple, e tampouco Michael Scott, que foi o primeiro presidente da empresa e travou intensa guerra contra Jobs. A reao de Jobs, tpica de quem quer manter o controle, foi ventilada por intermdio de um de seus amigos ntimos, que disse "Mr. Jobs vai decidir se um livro deve ser escrito, e vai resolver tambm quando dever ser escrito, o que constar nele, e vai escolher o autor".

Dos dois principais envolvidos originalmente com a Apple, somente Stephen Wozniak disps de tempo, explicaes e elucidaes. Este livro uma tentativa de contar a verdade a respeito da Apple e do papel desempenhado por Steven Jobs, no s no comeo quanto nos anos tempestuosos que quase fizeram a empresa desmoronar. Jobs e Wozniak, um dia, foram amigos ntimos, mas a amizade ruiu por causa da poltica interna e da nsia inesgotvel de Jobs por poder. Atualmente, aps terem aparado algumas arestas, encontram-se de vez em quando, mas o relacionamento distancioso, porque Wozniak no confia em Jobs. A indulgncia do leitor ser necessria na parte do livro que descreve a ascenso de Jobs e Wozniak. Com o passar dos anos, muita gente que os conhecia se afastou deles, deixando-os de mo. Os captulos iniciais so uma tentativa de colocar em evidncia pessoas e acontecimentos, bem como de mostrar como os dois se conheceram e formaram a Apple Computer Company no canto de uma garagem da Califrnia. Apesar de ter pouco a ver com a criao do primeiro computador pessoal que gerou a Apple Computer, muitos acham que Jobs tornou-se importante por se ter pendurado na fralda da camisa de Wozniak. Da o ttulo, Milionrio Por Acaso. Judy Smith e Frances Nelson so os nomes fictcios de pessoas importantes na vida de Steve Jobs. Seus nomes foram mudados por no se tratar de figuras pblicas. Quando Jobs foi afastado da Apple, muita gente achou que ele se encontrava na pior, coisa que jamais aconteceu, na verdade. At ele prprio se questionou se no teria sido um mero tripulante do foguete que era a empresa. Quem no gostava de Jobs arranjou um jeito de cobri-lo de ridculo; no foram poucos os que riram quando ele fundou a NeXT, que zombaram quando seus prazos esgotavam, ridicularizavam a tecnologia que ele vinha utilizando e afirmavam que, certamente, no obteria sucesso. Jobs bombardeou-os com um computador muitos anos frente do de seu concorrente mais prximo. Aplicou-lhes um golpe duplo ao assinar contratos multimilionrios com a IBM e a Businessland. Jobs transformou a NeXT de piada em

indstria-lder e riu por ltimo na cara de quem o provocara. Embora tivesse exercido influncia desintegradora na Apple, seu sucesso na NeXT provou que, no importa quantas falhas tivesse cometido, estava muito longe de ser um milionrio por acaso. Vrias pessoas ligadas Apple Computer, a Steve Jobs e a Steve Wozniak falaram vontade, muitas extra-oficialmente. Outras tantas recusaram fazer comentrios, mesmo com a garantia do anonimato. Quero agradecer especialmente a Stephen Wozniak, que abriu espao em sua agenda to ocupada para conversar comigo horas a fio. Quero tambm agradecer a colaborao de Cindy Privett, reprter que cobre a coluna de high-tech para o San Jose Business Journal; a Tim Bajarin, vice-presidente de pesquisa na rea de microcomputadores da Creative Strategies, em San Jose; a Ash Jain, vice-presidente da diviso de aprimoramento de produtos da Apple para a AST Research em Irvine, Califrnia; a Trip Hawkins, ex-funcionrio da Apple, atualmente presidente da Electronic Arts; a Jef Raskin, que criou a concepo do computador Macintosh na Apple, sendo hoje presidente da Information Appliances, em Menlo Park, Califrnia; a Bana Witt, uma das primeiras funcionrias da Apple que hoje tenta a carreira de cantora; e a Stephen Jones, tambm reprter de high-tech do San Jose Business Journal. Agradeo ainda a Don Keough, que possibilitou minha presena no Vale do Silcio no perodo mais dramtico do desenrolar desta histria. Sem a ajuda dessas pessoas e de vrias outras que no podem ser mencionadas, este livro no teria sido escrito. Meus agradecimentos sinceros a todos que falaram abertamente sobre assunto to delicado. Captulo 1 DOS MONSTROS AOS MICROCHIPS Steve Jobs e Steve Wozniak, alm de frutos da dcada de 1960, foram tambm herdeiros dos avanos na cincia da eletricidade que comearam quando Thomas Edison inventou a primeira lmpada comercial. A descoberta de Edison, um avano cientfico, foi tambm arauto da unio de interesses

cientficos e comerciais que viriam mudar o mundo. Quando Edison inventou a lmpada, a eletricidade aquecia um filamento no interior de um bulbo a vcuo e gerava luz, mas no desempenhava funo "inteligente". Ficou para Lee DeForest, matemtico e engenheiro americano, criar as vlvulas capazes de fazer mais do que gerar calor e luz. A vlvula que inventou amplificava o som, espcie rudimentar de "inteligncia". O invento de DeForest dividiu a cincia da eletricidade, criou o campo da eletrnica e viabilizou comercialmente o rdio, o radiotransmissor, o telgrafo sem fio e o servio telefnico interurbano. O invento ocorreu no incio da dcada de 1900, e a vlvula foi considerada, anos a fio, o corao da nova cincia da eletrnica. As vlvulas, entretanto, ocupavam muito espao. Um rdio, hoje em dia, pode caber na palma da mo, mas os primeiros eram alojados em gabinetes do tamanho de um ba. Passaram-se anos sem conquistas significativas, e estas vlvulas continuavam a ser os alicerces dos sistemas eletrnicos quando, durante a Segunda Guerra Mundial, nasceu a era do computador. Naquela poca, os militares recrutaram um exrcito de fsicos, matemticos e engenheiros eletrnicos para criar sistemas de radar e computadores capazes de localizar navios e avies inimigos e de monitorar a trajetria de foguetes e projteis de artilharia. O computador, criado por este esforo macio, chamou-se ENIAC, acrnimo de Electronic Numerical Integrator and Computer [Integrador e Computador Eletrnico Numrico], anunciado como o primeiro crebro eletrnico da Amrica. O ENIAC continha milhares de vlvulas e era muitssimo complicado. Estas vlvulas apresentavam tambm ndice elevado e indesejado de falhas. Em 1943, antes do ENIAC, Howard Aiken, de Harvard, tentara resolver os problemas gerados pelas vlvulas, usando uma srie de rels eletromagnticos num computador chamado Mark I, que o ENIAC logo tornou obsoleto. O enorme ENIAC era 500 vezes mais rpido do que o Mark I. Somava 500 nmeros em um segundo e multiplicava dois nmeros de 23 dgitos em menos de cinco segundos. Consumia enorme quantidade de energia e, diz

a lenda do ramo, quando ligado, a luz de toda a Filadlfia enfraquecia. O computador era to grande, to caro e consumia tanta energia que parecia no ter outro futuro alm de uso governamental. Mais parecia um aposento do que uma mquina. Continha 18 mil vlvulas, 70 mil resistores, 10 mil capacitores, 6 mil interruptores variados e um labirinto dos mais complicados em fiao eltrica. Com trs metros e meio de altura, trinta metros de comprimento e um metro de profundidade, e pesando trinta toneladas, o ENIAC era um pesadelo da engenharia. No muito tempo depois da guerra, aperfeioou-se o computador, na forma do UNIVAC I, que se mantinha ainda dispendioso, e que foi afastado das operaes militares quando a Remington Rand vendeu um de seus computadores para o Servio do Censo dos Estados Unidos. O UNIVAC I ajudou a CBS a prever, em 1952, a vitria presidencial de Eisenhower sobre Stevenson, com base em pesquisas de boca-de-urna. As universidades e as grandes empresas eletrnicas comearam a demonstrar interesse em desenvolver computadores, e as pesquisas da poca indicavam, aos que trabalhavam em eletrnica, que eles poderiam ter seu tamanho reduzido, e que a reduo no custo iria viabiliz-los comercialmente. Um motivo de otimismo foi o desenvolvimento de uma pea revolucionria chamada transistor, cujo potencial, entretanto, s era reconhecido por alguns engenheiros eletrnicos e fsicos. O The New York Times escreveu sobre o transistor em 1948, mas era to nfimo o interesse, que a matria, publicada nas pginas internas, dizia: Uma pea chamada transistor, que tem vrias aplicaes em rdio, onde a vlvula comumente empregada, foi demonstrada ontem pela primeira vez nos Laboratrios Bell Telephone, Rua West, 463, onde foi inventada. A pea foi demonstrada num rdio-receptor, que no continha vlvulas convencionais. O transistor foi usado como amplificador, mas alega-se que tambm pode ser usado como oscilador, pois capaz de criar e enviar ondas de rdio.

Na forma de diminuto cilindro metlico, com cerca de meia polegada de comprimento, o transistor no contm invlucro a vcuo, grade, placa ou vidro para afastar o ar. Tem ao instantnea, no precisando perder tempo com aquecimento, j que, ao contrrio da vlvula a vcuo, no gera calor. As partes funcionais da pea consistem unicamente de dois fios finos que entram numa cabea de material semicondutor slido soldado em base metlica. A substncia desta base de metal amplifica a corrente ali transportada por um dos condutores e o outro leva embora a corrente amplificada. O Times, sem dvida, no deu a importncia devida ao assunto, mas o transistor foi anunciado como o maior avano da eletrnica. Os visionrios comearam a vislumbrar computadores menores, mais simples ebaratos que consumissem bem menos energia do que o monstruoso ENIAC. Trs fsicos que trabalharam no transistor receberam Prmios Nobel por seus esforos. O transistor era o precursor do microchip, ainda muito distante, ento, e demorou a pegar, porque poucos engenheiros eletrnicos o compreendiam, e, mais ainda, no levavam muita f nele. As publicaes especializadas demoraram anos a fio para reconhec-lo como a grande revoluo dos ltimos tempos e, por isso, as vlvulas continuaram sendo os pilares bsicos da cincia da eletrnica. A pesquisa do transistor propiciou rpido avano na utilizao de material em estado slido na eletrnica. Os Laboratrios Bell eram uma das empresas mais agressivas nas pesquisas para desenvolver o amplificador de estado slido [solid-state]. Dois pesquisadores da Bell iriam desempenhar papel que transcendeu em muito o mero trabalho da empresa; eram Walter Brattain e William Schockley. Brattain, engenheiro Ph. D. em fsica da Universidade de Minnesota, entrara para os Laboratrios Bell em 1929 e, depois de passar algum tempo pesquisando vlvulas, fora designado para o desenvolvimento de materiais em estado slido. Shockley, que desempenharia mais tarde importante papel na transformao do Vale do Silcio no

maior centro de alta tecnologia da nao, entrara para a Bell em 1936 depois de receber seu Ph. D. em fsica do MIT. Assim como Brattain, tivera pequena participao na pesquisa de vlvulas, sob a superviso de Clinton Davidson, laureado com o Prmio Nobel. Com o tempo, seu interesse pela fsica do estado slido colocou-o em contato com Brattain, juntando-se equipe de pesquisa do novo campo de semicondutores. A Bell criou tambm um grupo de qumicos e metalrgicos para investigar as propriedades do silcio, intensamente estudado durante a Segunda Guerra Mundial como semicondutor. Exceto o oxignio, o silcio o elemento mais abundante na natureza e forma o ingrediente bsico da areia, do quartzo, do vidro, dos tijolos e do concreto. Toma-se excelente semicondutor de eletricidade quando em forma relativamente pura. Em 1945, o grupo de Shockley concentrou esforos no silcio, juntamente com outra substncia, chamada germnio, tambm excelente semicondutor, mas, quanto tentativa de criar um amplificador de estado slido, a equipe estagnava. Coube a John Bardeen, enfim, abrir a brecha. Em fins de 1947, Bardeen e Brattain colocaram, sobre um pedao de germnio, fios finssimos e to pequenos que seus contatos distavam apenas dois milsimos de polegada. Em 23 de dezembro de 1947, na Bell, realizaram uma demonstrao e lograram xito em amplificar a voz. O semicondutor no possua partes mveis, rels, vlvulas, grade eletrnica ou quaisquer outros elementos usados na eletrnica bsica. Contudo, era um autntico amplificador de estado slido. Foi chamado transfer resistance device [dispositivo de resistncia transferncia], e, reduzido para "transistor", o nome pegou. A possibilidade de usar a eletrnica de estado slido e um dispositivo 100 vezes menor em lugar da vlvula estava demonstrada com xito. Shockley, Bardeen e Brattain ganharam o Prmio Nobel de fsica em 1956 por ter descoberto o efeito transistor, e, na poca, cerca de 26 empresas vinham fabricando transistores sob licena da Bell. Os semicondutores j vinham proporcionando mudanas radicais no mundo da eletrnica, e um dos que as fomentavam era o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, tendo criado o Subpainel sobre Dispositivos Semicondutores

para expandir seu Painel sobre Vlvulas Eletrnicas. A nova iniciativa despejou imediatamente cinco milhes de dlares na pesquisa de transistores, pois o Departamento de Defesa tinha pressa de substituir as vlvulas, que apresentavam assustador ndice de falhas. Comprou quase todos os 90 mil transistores fabricados em 1952 e, em vez do germnio, passou a usar o silcio, que abria a possibilidade para a existncia de semicondutores ainda menores e mais poderosos. A maior vantagem do silcio era que seu ponto de fuso em 1.420C, ideal para os ambientes muito atritados, como os que geram os foguetes e os msseis. Apesar dos avanos na tecnologia dos semicondutores, as vlvulas demoraram muito a desaparecer. A produo de semicondutores era dispendiosa e lenta e, mesmo uma compra macia do Departamento de Defesa durante a Guerra da Coria, que ajudou a reduzir seu custo, no impediu que o governo, ao mesmo tempo, continuasse incentivando a pesquisa de vlvulas. Quando a IBM resolveu entrar no ramo de computadores, usou vlvulas para produzir em massa 701 computadores eletrnicos, e seu maior cliente eram os militares. Um sistema computadorizado de informao, h trs dcadas, era verdadeiro trambolho, e vrios aposentos eram necessrios para abrigar os tantos aparelhos que desempenhavam as diferentes funes. A informao tinha que ser perfurada em cartes numa sala repleta de ruidosos estalidos. Os cartes tinham que ser classificados em outra mquina, conferidos em outra, e s faziam sentido depois de passar por mais outra. Alm de o equipamento ser muito pesado, o sistema requeria pessoal treinado para oper-lo. Em meados da dcada de 1950, a IBM dominava o mercado, usando vlvulas em suas mquinas. Nem a IBM, nem outra qualquer, previa a mudana radical que a eletrnica dos semicondutores iria provocar nos computadores. . Em 1955, muitas ocorrncias realaram a eletrnica do estado slido e desviaram a nfase geogrfica do Leste para a regio sul da Baa de San Francisco, hoje conhecida como Vale do Silcio. A IBM comeara a perceber que os transistores eram importantes na construo de computadores, e William

Shockley voltara para Paio Alto, Califrnia, onde vivera anteriormente. Despedira-se dos Laboratrios Bell, em 1954, para montar sua prpria empresa, e escolhera Paio Alto para sedi-la, em grande parte por causa da Universidade de Stanford e de um catedrtico de l, homem desbravador, de nome Frederick Terman, que se vinha dedicando a integrar a pesquisa universitria com os vrios ramos da alta tecnologia. Terman incentivava os formandos a no irem buscar a sorte no Leste, e procurava convenc-los das vantagens de permanecer na regio e iniciar negcios prprios. Dois bacharis seguiram este conselho, William Hewlett e David Packard, tendo permanecido no Vale, usando garagens como oficina e montando, com o tempo, a Empresa Hewlett-Packard. Hoje uma das maiores empresas eletrnicas do mundo exerceria grande impacto sobre as vidas de Steve Jobs e Steve Wozniak. A determinao de Terman em unir as necessidades da pesquisa universitria ao ramo da alta tecnologia produziu a criao do Parque Industrial de Stanford, onde os recm-formados podiam montar seus prprios negcios. Era a situao ideal para os Laboratrios Shockley de Semicondutores, cujos empregados, escolhidos a dedo por Shockley, formaram, juntamente com outros cientistas jovens e brilhantes, um quadro de especialistas muito bem entrosado e centrado em Stanford, todos empenhados na pesquisa dos semicondutores. O Vale, na poca, era quase totalmente agrcola, com rvores frutferas e acres e mais acres de ameixeiras; pairava no ar, entretanto, muita expectativa. Vrias empresas, como a Hewlett-Packard, a Varian Associates, a Admirai, a General Electric e a Sylvania, j operavam ali, e um grupo da IBM se transferira para San Jose a fim de implantar um centro de pesquisas. Os Laboratrios Shockley de Semicondutores, estabelecidos como subsidiria da Beckman Instruments, foram a primeira empresa de semicondutores na regio Paio Alto-Santa Clara. Voltada para a pesquisa e mantendo laos estreitos com Stanford, sua meta era desenvolver a tecnologia necessria para fabricar semicondutores lucrativamente.

Por ser o pai do transistor, Shockley conseguiu recrutar os jovens mais talentosos em semicondutores e no demorou para cercar-se de engenheiros e fsicos brilhantes que se lanaram de corpo e alma pesquisa da fabricao de semicondutores economicamente viveis e confiveis. A produo de semicondutores era uma cincia dispendiosa e inexata, e, apesar de representarem at ento a tecnologia mais avanada no mundo, o processo de sua fabricao era arcaico. O produto final era concludo numa linha de montagem instalada em aposentos onde muitas mulheres diligentes cortavam-nos e classificavam-nos com pinas e tesouras. Em 1957, sete empregados dissidentes saram da Shockley e obtiveram financiamento com Haydon Stone, que andava envolvido com a Fairchild Camera and Instruments. O presidente da Fairchild, John Carter, ciente das descobertas que a guerra trouxera para os semicondutores, insistiu em que a empresa auxiliasse a Fairchild a ingressar no mundo do transistor de estado slido. Como semicondutor, o grupo planejava usar o silcio. Apelidado, por Shockley, de "os oito traidores", o grupo convenceu o fsico Robert Noyce a juntar-se a ele. Noyce era filho de um pastor de lowa e, na infncia, passava horas a fio desmontando e remontando Modelos T. Colara grau de engenharia em fsica na Faculdade Grinnell, onde, enquanto ali esteve, era fascinado pela eletrnica de estado slido, interesse que aumentou muitssimo quando recebeu seu Ph.D. do MIT e, a seguir, trabalhou na diviso de transistores da Philco. Noyce atraa as pessoas como m. Seus traos angulosos tornavam sua fisionomia severa, o que no correspondia a seus modos gentis. Quando juntou-se aos "oito traidores", tinha 29 anos; a operao financeira foi consolidada, e a Fairchild Semiconductor iniciou suas atividades perto de Paio Alto e Mountain View. A Fairchild Camera and Instruments detinha a opo de comprar a nova empresa, caso lograsse xito. Noyce acredita que a criao da Fairchild Semiconductor provocou verdadeira reviravolta no Vale e o incio do esprito empresarial. Diz que as pessoas, assim como ele, que pensaram que fossem

depender de salrios a vida inteira, viram ali a oportunidade de obter paridade acionria, implantando empresas. "Foi uma grande revelao e motivao tambm", diz. Os acontecimentos mundiais tambm tiveram papel significativo no desenvolvimento do semicondutor. Em 1957, os russos lanaram o Sputnik, o primeiro satlite que o homem fabricou e colocou na rbita da Terra. Os militares ficaram alarmados e intensificaram seu interesse na miniaturizao. Os Estados Unidos precisavam de tecnologia funcional, por mnima que fosse, se quisessem lanar seu prprio satlite e alcanar os russos na corrida espacial. O Departamento de Defesa custeou dezenas de projetos de pesquisa com vistas a criar a eletrnica de estado slido. A idia no era nova; problema que incomodava os engenheiros de pesquisa era como concretiz-la. Estes programas resultaram na inveno de um circuito integrado, conhecido como microchip, criado simultaneamente na Texas Instruments e na Fairchild Semiconductor. Noyce foi nomeado chefe de pesquisa e desenvolvimento da Fairchild em 1959, dando incio a srio trabalho sobre transistores de silcio. Embora o silcio fosse ideal nos ambientes muito atritados, o processo de fabricao era ainda canhestro, exigindo acabamento manual para a fiao. Noyce e Gordon Moore, tambm fsico, estudaram uma maneira de ligar os transistores, sem usar fios, a um corpo slido. Acreditavam que, se era possvel inventar um transistor nico, sem partes mveis, com poucos fios, a partir de pequena pea de silcio envernizada, seria possvel enfiar dezenas de resistncias e outros circuitos eletrnicos menores numa nica pea de silcio. A idia funcionou e, mais, demonstrou que quanto menor o semicondutor, tanto melhor ele operava. Noyce registrou a patente de um circuito integrado em 30 de julho de 1959, quase na mesma poca em que Jack Kilby, na Texas Instruments, registrava uma para "Circuitos Eletrnicos Miniaturizados". Aps um processo sem resultados conclusivos, Kilby e Noyce ficaram conhecidos no ramo como os co-inventores do circuito integrado. Logo outras empresas similares comearam a fazer pequenas mudanas e a fabricar seus prprios semicondutores,

problema que ainda hoje assola o Vale. A Fairchild Semiconductor foi adquirida pela matriz e galgou rapidamente a casa dos 150 milhes de dlares de faturamento anual. Milhes de dlares fluram para o Vale medida que se multiplicavam as indstrias de semicondutores. A eletrnica jamais seria a mesma novamente. Na dcada de 1950, um p cbico continha mil vlvulas. Por volta de 1958, o mesmo espao continha milhes de transistores de estado slido com capacidade para executar funes inacreditveis. Nasceram muitas empresas novas, incluindo a National Semiconductor e a Intel, hoje lderes do ramo da indstria de semicondutores. Charles Sprock, que rompera com a Fairchild Semiconductor, era o diretor-presidente da National Semiconductor quando Noyce dali saiu para formar a Intel. O ramo dos semicondutores estava em tamanha ebulio que nem se exigia aos novos industriais apresentar planos de negcio aos financistas; bastava dizer que iam ingressar no ramo, e o dinheiro aparecia no transcurso natural dos acontecimentos. Dezenas de novos chips de silcio comearam a sair aos borbotes do Vale, cada um mais sofisticado do que o outro. A Intel fez histria em 1970, quando aprendeu a produzir semicondutores de baixo custo e a inserir nos chips funes mais complicadas. Quando a Intel introduziu o chip 1103, de memria de acesso aleatrio (RAM-Random Access Memo ry), a indstria eletrnica vivenciou verdadeiro frenesi. O Intel 1103 podia armazenar mais de mil bits em dados de computadores binrios e abriu espao para a fabricao de modelos menores e muito mais poderosos do que os computadores centralizadores. A velha guarda da eletrnica estava atnita. O microchip continha verdadeiro labirinto de eltrons que se moviam em canais microscpicos numa pea de silcio. Tinha at mesmo a capacidade, no mesmo chip, de operar circuitos de processamento aritmtico e lgico. Todos os demais componentes do sistema completo poderiam ser inseridos em dois outros chips. A Intel criara a unidade central de processamento (CPU - Central Processing Unit), que o verdadeiro corao do computador a plena capacidade, e fizerao num minsculo chip, medindo um oitavo a um sexto de

polegada. Neste minsculo chip havia 2.250 circuitos individuais, visveis apenas em microscpio. Embora a CPU, sozinha, no executasse qualquer funo e, para receber informao, tivesse que estar ligada a outro circuito eletrnico, parecia ter aplicaes ilimitadas que dependiam somente de imaginao e capacidade do engenheiro. Logo foi empregada nos relgios digitais, nos fornos de microondas e em dispositivos eletrnicos capazes de produzir uma infinidade de sons. No comeo, porm, no se vislumbrava a mudana radical que o chip impunha ao mundo do computador. Diz Robert Noyce: Todo o ramo dos computadores era rea que no incio no enxergvamos. Parecia impossvel que o fenomenal nvel de sofisticao eletrnica, representado pelo microprocessador, pudesse vir a ter custo to reduzido e, ainda assim, atender aos requisitos de consumo. As fechaduras so um exemplo. H hoje muitas fechaduras controladas por microprocessadores, mas, naquela poca, parecia impossvel reduzir o custo destes sofisticados dispositivos eletrnicos a ponto de viabiliz-los em comparao com as simples fechaduras mecnicas. O mercado do microcomputador para fins domsticos e de lazer era rea que tambm no percebemos no incio, bem como todo o campo dos jogos eletrnicos. A certa altura, nosso pessoal estimou que havia no mnimo 25.000 aplicaes diferentes para o microcomputador, e claro estava que no poderamos acompanhar todas. Na edio de setembro de 1977, a Scientific American comparou o microprocessador ao ENIAC: O microcomputador de hoje, com custo talvez de 300 dlares, tem capacidade de computao superior ao primeiro grande computador eletrnico, o ENIAC. 20 vezes mais rpido, tem memria maior, 100 vezes mais confivel, consome a energia de uma lmpada e no a de uma locomotiva, ocupa 1/30.000 do espao e custa 1/10.000. Pode ser adquirido

atravs dos Correios ou, ento, na loja mais prxima do seu bairro. A CPU foi a inveno que pavimentou a estrada dos computadores pessoais, embora suas possibilidades no fossem vislumbradas. Dois adolescentes, entretanto, perceberam-nas: Stephen Wozniak e Steve Jobs. Capitulo 2 O MENINO DE OURO Steve Jobs nasceu em 1956, ano em que William Shockley voltava para Paio Alto. Foi logo adotado por Paul Jobs e sua esposa, Clara. Paul trocava de emprego constantemente e, quando Steve estava com cinco meses de idade, a famlia mudou-se de San Francisco para San Francisco do Sul. O Jobs pai, em pocas diferentes, trabalhara em servio de cobrana, recuperao de carros cujos proprietrios estavam com as mensalidades atrasadas e fazendo cadastro para autorizao de emprstimos a concessionrias de automveis. Paul Jobs tinha traos finos e usava o cabelo cortado escovinha. Compensava o constrangimento de carecer de educao formal com gestos expansivos e bruscos. Fora criado numa fazenda em Germantown, Wisconsin, mas mudara-se com os pais para South Bend, Indiana, quando a fazenda no mais conseguia sustentar a famlia. Abandonou a escola no incio da adolescncia e, depois de percorrer o Meio-Oeste procura de emprego, engajou-se na Guarda Costeira. Jobs possua toque de capricho na alma e, em propores generosas, ousadia romntica. Quando seu navio foi desativado em San Francisco, aps a Segunda Guerra Mundial, fez uma aposta incomum com um colega marujo: ia encontrar uma esposa naquela cidade. Em suas idas praia, quando de licena, passou a procurar a companheira potencial e conheceu-a quando marcou encontro com uma desconhecida. Clara vivera a maior parte da vida na rea de San Francisco, mas arrumou as malas e voltou com Jobs, dispensado com honras, para o Meio-Oeste.

Jobs permaneceu l alguns anos. Trabalhou como mecnico, depois tentou a sorte vendendo carros usados. A famlia sobrevivia, mas Paul, acreditando que poderia levar uma vida melhor se voltasse costa oeste, mudou-se com a esposa, em 1952, para San Francisco, onde o casal, em 1956, tomou a importante deciso de adotar uma criana que foi batizada como Steven. Steven Jobs, medida que crescia, foi-se tornando incomumente questionador e ousado, metendo-se constantemente em encrenca. Certa vez queimou a mo ao enfiar um grampo de cabelo numa tomada e, meses depois, quando montou com um amigo um laboratrio qumico, envenenou-se, bebendo a formicida que usavam nos tubos de ensaio, precisando se submeter a uma lavagem estomacal no hospital. Anos depois, ganhou uma irm adotiva, e Paul Jobs, pai diligente, preocupado com o bem-estar da famlia, fez alguns seguros de vida para cobrir despesas de enterro e ajudar a famlia, caso viesse a morrer prematuramente. Quando a financeira para a qual trabalhava transferiu-se para Paio Alto, comprou uma casa em Mountain View, regio que comeava a ser conhecida, em parte, como Vale do Silcio. Steven no dormia bem, acordava cedo. E apoquentou a famlia at que os pais lhe compraram alguns brinquedos e um tocadiscos para distra-lo. Era o astro dos filmes domsticos feitos com as crianas da vizinhana, e gostava de representar o espio, trajando a capa e o chapu do pai. A rea crescia rapidamente, consolidando-se em centro eletrnico, e a famlia Jobs tinha, como vizinhos, muitos engenheiros e tcnicos que traziam para casa partes de equipamento eletrnico recusado devido a imperfeies superficiais e usavam as garagens para manipular esses dispositivos eletrnicos, exibindo, orgulhosos, suas invenes. A ateno de Steven foi atrada quando um engenheiro da Hewlett-Packard trouxe para casa um microfone de carvo que, ligado a uma bateria e a um alto-falante, amplificava o som. Aquilo fascinou Steven, que j conhecia um pouco de eletrnica, porque contrariava as leis tradicionais que aprendera. Como Paul Jobs no oferecesse explicaes, Steven agiu da maneira que veio a ser posteriormente uma de suas marcas registradas:

foi casa do engenheiro, rua abaixo, e bombardeou-o com perguntas at entender os princpios eletrnicos envolvidos. Impressionado com a rapidez mental e a capacidade de questionamento de Steven, o engenheiro comeou a dedicar-lhe algum tempo, explicando as excentricidades da eletrnica. Paul Jobs estava muito mais interessado em consertar carros do que em explicar eletrnica a seu filho. Desde adolescente, reformava carros ou simplesmente comprava-os para revender e, adulto, deu continuidade ao lucrativo passatempo. Quando se enfeitiava por determinado modelo, entregava-se de corao e reformava-o at v-lo novo em folha. Tornou-se amante dos carros de coleo que tocavam seu olhar experiente e, dos preferidos, guardava fotografias num lbum. Percorria os ferros-velhos procura de peas e no era incomum passar fins de semana inteiros neste projeto de estimao. Tentou interessar Steven por mecnica, mas ele resistiu. "No queria sujar as mos", explica Paul. Mas Steven gostava de ver o pai negociar com os donos dos ferros-velhos, e estas experincias iniciais talvez o tenham transformado posteriormente num dos elementos mais perspicazes do mundo dos negcios. Paul Jobs lutava com dificuldades para sustentar a famlia, e convenceu-se de que lhe poderia proporcionar vida melhor como corretor de imveis. Tirou a licena necessria e foi luta. Embora bem-sucedido no primeiro ano, no se adaptou ao trabalho, principalmente adulao necessria aos clientes potenciais e aos pagamentos irregulares. O desgosto aumentou quando chegou o tempo das vacas magras e ele teve que hipotecar a casa para alimentar e vestir a famlia. Clara, para ajudar, foi trabalhar meio-expediente. Mas a desiluso foi tanta com os imveis, que Paul Jobs resolveu desistir e voltar antiga profisso de mecnico, sendo contratado por uma empresa em San Carlos; contudo, porque no tinha muito tempo de casa, era mal remunerado. A famlia teve que cortar certas mordomias das poucas de que desfrutava. Frias suspensas, moblia usada e um aparelho em preto e branco substituindo a tev em cores. Steven Jobs no gostava da mudana na sorte da famlia e, no quarto ano

primrio, quando o professor fez aos alunos da turma uma pergunta macrocsmica, "O que h no universo que vocs no entendem?", o jovem Jobs ofereceu resposta microcsmica, dizendo no compreender por que sua famlia estava, de repente, to dura. Steven foi um aluno problemtico no primrio. Aos nove anos foi expulso da sala de aula por mau comportamento, mas uma professora amiga veio em seu socorro. Jobs recorda que ela o subornava para faz-lo prestar ateno s aulas e, s vezes, dava-lhe dinheiro para recompens-lo quando apresentava bom aproveitamento. De dinheiro Steven entendia, e gostava. Mordeu a isca, tornando-se aluno exemplar. Embora tenha saltado o quinto ano, o boletim da sexta srie registrou: "Steven l muito bem, mas muito dispersivo nas horas de leitura", explicando, adiante, que o jovem no via finalidade em ler os livros recomendados e, s vezes, se constitua em problema disciplinar. Steven no se dava bem com os colegas e, quando comeou a tomar aulas de natao, era o tipo de sujeito de quem os outros caoavam e em quem acertavam toalhas. No Clube Golfinhos, em Moutain View, conheceu Mark Wozniak, irmo caula de Stephen Wozniak. Mark recorda que Steven "era um grandissssimo choro. Quando perdia uma prova, saa da piscina e chorava. No se adaptava ao grupo, no se sintonizava". Clara Jobs pagava as aulas de natao trabalhando como bab em algumas casas, sacrifcio coerente, pois os pais queriam o que havia de melhor para Steven. Bana Witt, mulher que foi, anos depois, uma das primeiras funcionrias da Apple, diz: "Ele foi mimadssimo. Era um menino de ouro que no podia errar; os pais incutiram isso nele. Da, acho eu, toda a sua confiana." Os sacrifcios em nome de Steven iam alm dos suportados pela maioria dos pais. Quando mudou de colgio, indo para a Escola Elementar Crittenden, em Mountain View, Steven no gostou, pois a maioria dos alunos, oriunda dos bairros pobres, era baderneira e s vezes criava confuso to grande que a polcia sempre aparecia para investigar. Depois de um ano nessa escola, tendo-se tornado um pria, discutiu com os pais,

comunicando que, se tivesse que freqentar aquele colgio, preferia no estudar mais. Paul Jobs, preocupado com o bemestar do filho, cuja teimosia conhecia, cedeu. A famlia mudouse para local mais prximo dos colgios de Paio Alto e Cupertino, a fim de proporcionar a Steven educao melhor. O menino de ouro, ao que parece, valia qualquer sacrifcio. Um dos amigos de Steven era Bill Fernandez, tambm interessado em eletrnica. Tmidos, no se sentiam nem um pouco vontade com os demais, que, de modo geral, no gostavam principalmente de Jobs por considerarem-no figurinha difcil. Fernandez conheceu-o na Escola Primria de Cupertino, e os dois se tornaram inseparveis. "Por algum motivo, o pessoal da oitava srie no gostava dele, achava-o estranho", recorda Fernandez. Fernandez apresentou-o a Stephen Wozniak, quatro anos mais velho, que era tambm um solitrio, embora no se sentisse prejudicado com isso por causa de seu envolvimento com a eletrnica. Jobs diz que gostou de Wozniak assim que o viu, porque "Era a nica pessoa que eu conhecia que sabia mais eletrnica do que eu". A afirmao, segundo Wozniak, era exagerada. "Steve quase nada sabia sobre eletrnica" diz, "e, de fato, no chegou a domin-la. No estgio em que estava, poderia vir a se tornar um bom engenheiro, mas demorou muito tempo para se decidir". Tornaram-se, entretanto, grandes amigos, e a amizade, provavelmente para um e outro, foi das mais importantes que poderia ter acontecido. Embora Jobs e Fernandez tivessem certa prtica em eletrnica, no chegavam aos ps da experincia de Wozniak. Montavam dispositivos elementares numa garagem, mas no tinham conhecimento suficiente para coisas mais complicadas. Ao contrrio da opinio popular. Jobs nada teve a ver com a criao do primeiro computador Apple, embora pensasse o contrrio. Wozniak fez vista grossa na ocasio e no se empenhou em contradiz-lo, no incio da Apple, embora tenha recebido forte presso para dar crdito a Steve. "Os reprteres me procuravam, perguntando: - Bem, ele desenvolveu o computador? Eu respondia:

No. Eles perguntavam: - Ento participou dos programas? Eu era obrigado a responder, novamente: - No. Eu criei todo o computador. Ningum me ajudou, no tive a quem recorrer. Fiz tudo sozinho." Stephen Wozniak, desde criana, mergulhara fundo na eletrnica. O pai, Jerry, era engenheiro e, aos 30 anos, fora trabalhar na Lockheed, que, na poca, estava envolvida com pesquisa militar, sendo uma empresa das mais secretas; quando Jerry Wozniak foi trabalhar na diviso de msseis em Sunnyvale, a corrida espacial j era ferrenha. Os russos haviam lanado o Sputnik, e o foguete Vanguard, americano, explodira no solo. A Lockheed vinha fabricando componentes espaciais para o Discoverer, o Explorer, o Mercury e o Gemini, nomes que passaram a freqentar todos os lares, e estava tambm pesquisando um novo combustvel para foguetes. Seus engenheiros chegaram a construir uma estao espacial simulada que lembrava uma roda de carroa com vrios raios. Jerry Wozniak jogara futebol americano no Instituto de Tecnologia da Califrnia, onde colou grau em engenharia eltrica. Logo depois de formado, trabalhou algum tempo como engenheiro e, em seguida, com um scio, passou um ano projetanto uma empilhadeira. Ao fim desse ano, porm, os dois estavam falidos, o que, segundo Wozniak, foi positivo, porque nem ele nem o scio tinham vocao para negcios. O fracasso da empilhadeira, somado ao nascimento do primeiro filho, Stephen, convenceram Jerry e Margaret Wozniak a pensar em futuro mais seguro. Wozniak lanou-se no mercado de trabalho e arrumou emprego de projetista de armamentos em SanDiego, tendo projetado pilotos-automticos para a Lear, em Santa Monica, antes de ingressar na Lockheed. ' Como a empresa estava envolvida com projetos muito delicados, era muitssimo controlada, e o trabalho ensejava sombrias especulaes de espionagem russa. Assim como as outras crianas do bairro, Stephen Wozniak ficava atento s pessoas que imaginava trabalharem para a KGB. A Amrica

podia dormir sossegada com aqueles contra-espies em miniatura que trabalhavam com afinco em prol da segurana da nao. A famlia Wozniak levava uma vida confortvel. Jerry Wozniak jogava bola com os filhos no quintal, treinava um time de beisebol da Liga Infantil e vencera um torneio de golfe para pais e filhos, em dupla com Stephen. Margaret Wozniak j era feminista antes de o movimento se espalhar pela nao. Tornouse presidente do clube das mulheres republicanas de Sunnyvale e sempre contava com a ajuda dos filhos nesse trabalho. Geria a famlia com mo firme, porm meiga. O casal Wozniak tentava instilar cultura nos filhos por osmose. Ouvia muita msica clssica, esperando que os filhos tambm apreciassem. Mas eles tinham outros interesses. Leslie preferia msica popular, e os irmos eram viciados nas sries de espionagem e fico cientfica da televiso. O Vale do Silcio, em meados da dcada de 1960, crepitava com tanta eletricidade. Diariamente ocorriam novos avanos emocionantes, e dezenas de empresas novas surgiam para fabricar dispositivos eletrnicos. Em meio a toda esta emoo estava Stephen Wozniak. Na quinta srie, ganhou um kit de eletrnica e conseguiu montar um voltmetro. Wozniak e outras crianas executavam trabalhos espordicos, em troca de peas eletrnicas, para os engenheiros vizinhos, generosos na transmisso de conhecimento. Um deles, que possua equipamento de radioamador, despertou a ateno de Stephen, que, na sexta srie, construiu seu prprio equipamento, de 100 watts, e tirou licena de operador. Pouco tempo depois, criou um sistema de intercomunicaes casa-a-casa, instalando altofalantes na casa de vizinhos amigos. Quase na mesma poca, criou tambm um jogo-da-velha eletrnico na mesa da cozinha, para desgosto da me. Numa tbua, fixou pregos para ligar os componentes eltricos e, no outro lado, instalou lmpadas, elaborando circuitos que simulavam os vrios lances possveis. vido de conhecimento eletrnico, lia todas as revistas especializadas em que conseguia pr as mos. Certa vez, encontrou o diagrama de uma calculadora simples, chamada Soma-e-Subtrao de Um Bit, que

executava aritmtica simples, e o diagrama foi um verdadeiro marco na vida de Wozniak. Conseguiu compreender parte do esquema; alguns aspectos, entretanto, eram-lhe inteiramente estranhos. Sabedor de que a eletrnica era capaz de executar funes lgicas empregando vrios comutadores e componentes, estudou com afinco at compreender o bsico, quando resolveu, ento, construir uma mquina que chamou Soma-Subtrao-emParalelo de Dez Bits, muito mais potente do que a que vira na revista. Wozniak desenhou sozinho os circuitos e afixou todos os componentes eltricos necessrios numa pequena placa, onde, na parte de baixo, havia duas fileiras de comutadores, uma para somar e outra para subtrair. A soluo do problema aritmtico era mostrada pela configurao das lmpadas. Era a sua primeira tentativa de fabricar um computador e com ele conquistou o primeiro prmio na Feira de Cincias da Escola de Cupertino. Tempos depois, concorrendo com estudantes bem mais velhos, participou da Feira de Cincias da Regio da Baa e ganhou o terceiro lugar. Os cursos de eletrnica da Escola Secundria Homestead tornaram-se o centro de interesse de Wozniak, tendo aprendido teoria, desenho, funcionamento e aplicaes prticas. Era o bamba da turma de eletrnica de John McCollum, o gnio que encontrava peas sobressalentes para uso dos alunos. Wozniak dedicava boa parte do tempo livre, incluindo os perodos de estudo no colgio, para se aprofundar ainda mais em eletrnica. J no pensava em termos simples e, sim, em como fazer o computador executar funes lgicas. Um colega, Elmer Baum, arriscando uma espiada sobre a carteira de Wozniak durante uma aula, reparou nos complicados esboos desenhados numa folha de papel. Para Elmer Baum, aquilo era grego. "Perguntei: - O que isso? E ele disse: - E o projeto de um computador. Fiquei impressionadssimo." Wozniak, sempre gozador, foi sofisticando seus inventos medida que crescia seu conhecimento de eletrnica. Certa

ocasio, usando bastes de uma pilha gasta, construiu um objeto que parecia uma bomba de dinamite e colocou-o no armrio de um colega. O tique-taque do oscilador logo chamou ateno, e o pessoal de explosivos da polcia foi convocado. Antes que chegasse, porm, o diretor do colgio, William Byrd, resolveu cuidar do assunto pessoalmente. Agarrou a "bomba", arriscando morrer ou mutilar-se, e levou-a em desabalada carreira ao campo de futebol americano, vazio no momento, onde lhe arrancou os fios. Quando descobriram que a bomba era de brincadeira, os responsveis pelo colgio no tardaram a vincul-la a Wozniak. Convocado sala do diretor, pensando que seria parabenizado por ter vencido um concurso de matemtica, Wozniak compareceu contente e feliz. Mas, em vez disso, levou uma bronca e em seguida foi escoltado pela polcia Delegacia de Menores de San Jose, onde passou a noite numa cela. No dia seguinte, Margaret Wozniak, quando foi buscar o filho, deu uma bronca nas autoridades, perguntando-lhes por que no tinham aproveitado e tatuado um nmero no peito do menino. A irm de Wozniak, editora do jornal de um colgio, ameaou botar a boca no mundo. Wozniak regressou s aulas ovacionado de p. Wozniak tambm se aprofundou em mainframes e software. Por conta prpria, aprendeu a programar em linguagem de computador e a desenhar mquinas que executavam complicadas tarefas matemticas, incluindo o clculo da raiz quadrada. J era um gnio em eletricidade quando conheceu Steven Jobs, que aprendera a executar operaes eletrnicas simples, mas estava muito longe de possuir a riqueza de conhecimento e a criatividade que Wozniak acumulara; Jobs demonstrava interesse por eletrnica e, por conta da moda, dedicou-se atividade. Jobs e Fernandez gostavam de ouvir rock e realizar deslumbrantes exibies com laser enquanto trabalhavam nos dispositivos eletrnicos na garagem. Jobs, com facilidade, se entediava tendo dificuldade em se fixar numa s atividade durante muito tempo. Por outro lado, tinha interesse especfico por feiras cientficas, onde poderia exibir suas criaes. Na Escola Primria de Cupertino, construiu um retificador

controlado a silcio, capaz de controlar corrente alternada. Quando ingressou na Escola Secundria Homestead, fez o curso de eletrnica de McCollum, que fora professor de Stephen Wozniak dois anos antes. Wozniak fora o bamba da turma, e Jobs no lhe chegava aos ps. Abandonou o curso depois de um ano, distinguindo-se dos colegas apenas por seu estranho modo de encarar o mundo. McCollum disse que Jobs era um solitrio que pensava "diferente". Certa vez, no colgio, como no conseguisse determinada pea que queria, deu um telefonema a cobrar para o departamento de relaes pblicas da Burroughs, em Detroit. McCollum repreendeu-o, dizendo-lhe que aquilo no ficava bem. Recorda: "Falei: - No fica bem telefonar a cobrar. Steve respondeu: - Eu no posso pagar o telefonema, e eles tm dinheiro de sobra." Embora tendo largado o curso de eletrnica, a excitao que havia no ar conservou seu interesse. Continuou a freqentar as reunies do clube de eletrnica do colgio e fez vrias visitas ao simulador de vo da NASA, no Campo Moffett, em Sunnyvale. Era um dos muitos estudantes que iam assistir s palestras noturnas dos cientistas da Hewlett-Packard, versando sobre os ltimos avanos da eletrnica, e, exercendo o estilo que era marca registrada de sua personalidade. Jobs grudava nos engenheiros da Hewlett-Packard a fim de obter informaes. Certa vez chegou a telefonar para Bill Hewlett, um dos fundadores da empresa, solicitando peas. Alm de receb-las, ainda conseguiu emprego durante o vero, trabalhando numa linha de montagem de computadores. Ficou to fascinado que tentou desenhar seu prprio computador, mas faltou-lhe a experincia necessria para realizar o projeto. Embora apenas mediando no domnio do uso dos componentes eletrnicos, sua compreenso da finalidade destes produtos era excelente. Especializou-se em encontr-los, em geral, a preo de banana. Fuava as lojas especializadas em eletrnica e encomendava peas em outras que atendiam por reembolso postal. A Haltek, enorme loja de aparelhos

eletrnicos que ocupava um prdio de um quarteiro, tornou-se um de seus alvos prediletos. Expunha milhares de dispositivos eletrnicos, incluindo vlvulas, h muito obsoletos. Algumas peas eram novas, mas s chegavam Haltek com muitos meses de atraso. Como no havia balconistas para localizar as peas, os clientes tinham que saber exatamente o que queriam e ter pacincia para localizar. Nisto, ningum era melhor do que Jobs. Durante o curso secundrio, arrumou emprego numa loja de eletrnica de Sunnyvale, onde, trabalhando noite e nos fins de semana, entrou em contato com os preos de mercado das vrias peas, desde os microchips semicondutores at os componentes menos exticos. Era to bom negociante que, certa vez, depois de minuciosa busca no Mercado das Pulgas de San Jose, comprou alguns transistores e vendeu-os com lucro para o dono da loja onde trabalhava. Stephen Wozniak acompanhara-o na excurso e ficou perplexo quando soube da inteno de Jobs." Achei a idia pouco palpvel", diz Wozniak, "mas ele sabia o que fazia." Jobs crescia, e seus interesses estenderam-se para muito alm da eletrnica. Era a dcada de 1960, desafiando os credos e as instituies estabelecidas; a era hippie, com jovens rebelandose contra quase tudo e experimentando vrias drogas. Jobs aderiu ao movimento. Curioso, naturalmente, sobre quase tudo, dedicava ao estudo da literatura, filosofia e arte o mesmo tempo que passava com seus experimentos com raios laser. Largou as odiosas aulas de natao e, durante certo tempo, tentou jogar plo aqutico, mas desistiu, porque o tcnico insistia em desnecessria violncia. De qualquer jeito, no jogava mesmo bem. "Eu no era um s", disse tempos depois. "Era, quase sempre, um solitrio." Seus pontos de vista diferentes distanciavam-no ainda mais dos colegas de escola, que o consideravam estranho. Mas tinha tambm seu lado bem-humorado, que s vezes se manifestava. Estimulados por Wozniak, que adorava brincadeiras. Jobs, Wozniak e Elmer Baum estamparam um lenol, nas cores do colgio, que exibia enorme mo fazendo um gesto obsceno. Conseguiram que a me de Baum pintasse o gesto depois de convenc-la de que, no Brasil, aquilo era sinal

de boa sorte. Como assinatura, combinando as iniciais dos trs, imprimiram PRODUES SWABJOB.1 Jobs foi repreendido pelo diretor do colgio, enquanto o pai, ao lado, tentava convencer a autoridade de que tudo no passara de uma brincadeira inofensiva. Se Jobs, por um lado, era impopular na escola secundria, conseguia fazer amizade com pessoas mais velhas e noconvencionais. Quando ganhou seu primeiro carro, ainda na escola secundria, ia visitar os amigos no campus de Berkeley e de Stanford. Estas visitas ampliaram seus interesses, e ele comeou a experimentar vrias drogas e a privao do sono. Certa vez ficou acordado duas noites consecutivas; fumava maconha e haxixe regularmente e ostentava ar intelectual com as baforadas de seu cachimbo. Paul Jobs certa vez encontrou maconha no carro de Steve, mas no sabia do que se tratava. Steve nem pestanejou: - maconha, meu pai. Jobs estava no ltimo ano do secundrio quando comeou a namorar firme pela primeira vez. A menina, Judy Smith, era muito bonita e dois anos mais jovem do que ele. Wozniak no sabia o que Jobs vira nela. "Era bonita, mas parecia estar sempre drogada", diz. "No tinha muito a oferecer intelectualmente. Mas os dois ficaram juntos muitos anos, e ela chegou a trabalhar na Apple durante algum tempo." Jobs conheceu Judy quando ela trabalhava num projeto de desenho animado, realizado quase todo furtivamente, porque no fora autorizado pelos responsveis da escola. De vez em quando Jobs ia ver como andava o projeto, e Wozniak achava que ele talvez estivesse envolvido na produo de algum filme pornogrfico. Quando Judy conheceu Jobs, os pais dela comeavam a separar-se e discutiam muito. Judy dizia que aquilo a estava enlouquecendo, deixando-a muito vulnervel na ocasio, e que Jobs a ajudava a esquecer os problemas

* Swabjob, em ingls, pode ser lido como "servios de desentupi-mento". [N.T.]

domsticos. "Ele era meio louco", dizia ela, "e talvez por isso tenha me sentido atrada." Jobs e Judy costumavam matar aulas para ir conversar e beber licor de uvas. Jobs tomou LSD pela primeira vez em companhia de Judy, e entrou em rbita. Diz que estava ouvindo Bach quando, de repente, o trigal em que estava com Judy pareceu explodir com a msica. Foi, diz ele, a experincia mais maravilhosa de sua vida. Sentiu-se um maestro, e os acordes de Bach vinham-lhe de todo o trigal. Quando Jobs concluiu a escola secundria estava magrrimo, macilento, e as fotografias da formatura eram to pouco lisonjeiras que a me comprou apenas uma. Ele e Judy tinham resolvido passar o vero juntos, o que para ela no constitua problema, porque os pais estavam separados. Quanto a seus prprios pais. Jobs h muito tempo tinha demonstrado capacidade de impor sua vontade. Alugaram um bangal nas colinas, e Jobs informou aos pais: - Vou morar com Judy. - No vai, no - disse Paul Jobs. - Vou, sim. - No vai, no! - Tchau - disse Steve, indo embora. As primeiras semanas foram maravilhosas. Faziam longas caminhadas, Judy pintava, e Jobs comeou a brincar com um violo e a escrever poesia. Wozniak ia visit-los de vez em quando, e os trs ouviam os discos de Bob Dylan juntos. O vero idlico teve abrupto fim quando o carro de Jobs, jamais confivel, incendiou, precisando ser rebocado para casa por Paul Jobs. Para sobreviverem. Jobs, Wozniak e Judy foram trabalhar num centro comercial de San Jose, trajando roupas de Alice no Pas das Maravilhas. Judy era Alice, e Jobs e Wozniak revezavam-se no papel do Coelho Branco e do Chapeleiro Maluco. Wozniak gostava daquilo, pois era sensvel ao absurdo, mas Jobs detestava usar aquelas roupas. Disse que, depois de trs ou quatro horas, queria "bater em algum". A temporada no centro comercial deve ter sido verdadeira provao para Jobs, j que, junto com Wozniak, em pocas

intermitentes nos ltimos anos, estivera envolvido em busca menos ingnua, mas bem mais lucrativa. Captulo 3 O GOLPE DA CAIXA AZUL Jobs ainda freqentava a escola secundria, quando ele e Wozniak comearam a passar a perna na companhia telefnica. O empreendimento, dos mais ilegais, consistia em dar telefonemas sem o incmodo de ter que pag-los. Primeiro, Wozniak esbarrou na existncia de uma ampla rede de "piratas telefnicos" que se divertiam dando telefonemas gratuitos pelo mundo. A descoberta desta rede gerou o primeiro empreendimento comercial de Jobs e Wozniak. A me de Wozniak foi indiretamente responsvel, por apresentar ao filho esta atividade levemente criminosa. Lera, na revista Esquire, um artigo sobre o funcionamento da rede de piratas. Os marginais tinham inventado "caixas azuis", que reproduziam os tons que a companhia telefnica usava para disfarar os nmeros discados. Para protegerem suas identidades, atribuam-se nomes codificados. Havia o Capito Crunch, o Dr. No, o Peter Espinhento e outros pseudnimos peculiares. Os piratas telefonavam uns para os outros, davam telefonemas pelo mundo e invadiam computadores, enquanto a companhia telefnica enlouquecia procura de meios de obstlos. Sabedora do fascnio que essas coisas exerciam sobre o filho, a me de Wozniak, ingnua, deu-lhe o artigo para ler. At ento, Wozniak nunca havia se interessado por telefones, porque eram simples demais, mas a pirataria vinha abrir, tanto para o engenheiro como para o rebelde que existiam nele, um novo horizonte. Wozniak devorou o artigo, entusiasmado. Ali estava um desafio que poderia cativ-lo e, quem sabe, coloc-lo em contato com espritos afins. Antes mesmo de terminar a leitura, telefonou para Jobs, e os dois analisaram minuciosamente o artigo da Esquire, com verdadeiros brados de alegria e estimulando-se mutuamente quela aventura rebelde e arriscada. Resolveram construir sua prpria caixa azul.

S que no era to simples quanto parecia de incio. A companhia telefnica, tendo lido o artigo, tivera o cuidado de purgar das bibliotecas os manuais operacionais visando a sufocar o prspero movimento pirata. Jobs e Wozniak deram diligente busca nas bibliotecas, cata de um manual que lhes apresentasse alguma pista de como proceder, at encontrar, enfim, um livro que ficara esquecido, cujas pginas esmiuaram procura de dados tcnicos de apoio construo de equipamento prprio. Descobriram que os detalhes dos circuitos coincidiam com os mencionados no artigo da Esquire. O problema estava no fato de as referncias serem genricas. Precisavam imaginar um jeito de projetar uma caixa azul capaz de reproduzir exatamente os tons usados pela companhia telefnica. Depois de grav-los, construram um oscilador capaz de ger-los, mas, infelizmente, o oscilador era muito instvel e no propiciava os tons necessrios. Com o entusiasmo dos fanticos, tentaram em vo regul-lo. Certa vez, acreditaram ter, enfim, acertado, mas os tons do gravador no funcionaram. Wozniak resolveu tentar algo diferente. Achava que poderia gerar tons mais precisos utilizando um projeto digital, mais difcil de criar, mas, se funcionasse, seria muito mais preciso do que o oscilador. O esprito competitivo de Wozniak era aulado pelo xito dos outros piratas, muitos j lendrios no submundo da pirataria. O Capito Crunch descobrira, por mero acaso, que um brinquedo que vinha na caixa de um cereal reproduzia os tons necessrios. Outro pirata driblou o sistema da companhia telefnica com um simples assovio. A caixa azul digital de Wozniak teria que gerar um tom preciso ao toque de determinado boto. E Wozniak queria tanto acertar que chegou a fazer um programa, a ser usado nos computadores de Berkeley, para auxiliar na configurao dos circuitos. Wozniak trabalhou semanas a fio para construir sua primeira caixa azul. Operava com uma bateria de 9 volts, tinha um pequeno alto-falante e dispensava interruptor para ligar e desligar, porque a energia era ativada somente quando os botes eram acionados. Na hora de test-la. Jobs e Wozniak resolveram telefonar para a av de Wozniak, em Los Angeles, mas a ligao

caiu em Angeleno, em nmero diferente. Os dois, mesmo assim, ficaram contentes, porque tinham conseguido dar um telefonema interurbano sem pagar! Enquanto prosseguiam na pesquisa de uma caixa azul vivel, Wozniak e Jobs queriam obsessivamente travar contato com o mundo marginal dos piratas telefnicos. Telefonaram para o autor do artigo da Esquire, que invocou a prerrogativa jornalstica de no revelar suas fontes. Queriam, principalmente, encontrar o Capito Crunch, aclamado universalmente o rei dos piratas. Estavam inteiramente no escuro quando Jobs descobriu que o Capito havia sido entrevistado recentemente por uma rdio de Los Gatos. Wozniak e Jobs foram emissora, esperando descobrir a identidade real do Capito Crunch, mas encontraram nova barreira de protecionismo jornalstico. Felizmente para os dois, o mundo da pirataria telefnica era relativamente pequeno, e a notcia de que Jobs e Wozniak queriam desesperadamente encontrar o Capito Crunch espalhou-se. A rede marginal funcionou, e o Capito Crunch acabou sendo descoberto: trabalhava numa emissora radiofnica em Cupertino. Jobs ligou para l, deixando recado com a recepcionista para que o Capito Crunch se comunicasse com eles. O entusiasmo foi grande quando o telefone tocou e, do outro lado da linha, apresentou-se o Capito Crunch. Marcaram um encontro entre os trs, para algumas noites frente, no quarto de Wozniak em Berkeley. Na noite do encontro. Jobs e Wozniak mal conseguiam conter a emoo. Ficaram aguardando, sentados na beira da cama, imaginando se o lendrio rei dos piratas telefnicos iria mesmo aparecer. Ento algum bateu porta, Wozniak abriu-a e ficou boquiaberto. Um homem magro, de aspecto desprezvel e dentes estragados, usando jeans azul e tnis sujos, estava ali com um sorriso torto e forado. - Voc o Capito Crunch? - perguntou Wozniak. Capito Crunch respondeu com modos condizentes sua posio: - Em pessoa - disse majestoso. "Ele tinha um aspecto absolutamente horrendo", diz Wozniak, tempos depois. Apesar disso e dos gestos sorrateiros e cuidadosos. Jobs e Wozniak consideraram-no riqussimo em

informaes. Para demonstrar sua percia contra a companhia telefnica, fez vrios interurbanos gratuitos, um deles atravessando fronteiras internacionais. Telefonou para cidades longnquas a fim de saber a previso do tempo e interceptou linhas interurbanas que prestavam servios de piadas. O Capito Crunch, malvestido e barbado, era sem dvida o rei dos piratas, apesar do aspecto malcheiroso que tanto incomodava Jobs e Wozniak. Era um gnio da pirataria telefnica, e deixou-os perplexos quando lhes ensinou a "emendar" ligaes de um rel a outro, mundo afora, e fazer a campainha tocar no telefone do outro lado do corredor. Foi, para Jobs e Wozniak, uma experincia maravilhosa e emocionante. Em seguida demonstrao, os trs foram a uma pizzaria, onde o Capito Crunch inspecionou a caixa azul de Wozniak. Ficou impressionado com a clareza dos tons, mas achou-os um pouco fracos. Deu alguns conselhos a Wozniak e passou-lhe o telefone de outros piratas, bem como cdigos que lhes possibilitariam telefonar gratuitamente para qualquer parte do mundo. Encerrou a noite com um alerta sombrio: usem sempre telefone pblico, a fim de no serem localizados. Para Wozniak, fora o encontro mais surpreendente de toda a sua vida... e quase terminou mal. De volta a Los Altos, onde Wozniak deixara o carro, a famosa Fiat de Jobs enguiara novamente. Num telefone pblico. Jobs e Wozniak usaram a caixa azul para tentar pedir ajuda ao Capito Crunch. Discaram o 800, gratuito, com a caixa azul, mas estremeceram quando a telefonista entrou na linha para saber se estavam na espera. Temiam que a chamada estivesse sendo monitorada e, muito nervosos. Jobs guardou a caixa azul no bolso para fazer uma chamada lcita. O inesperado aconteceu. Um carro da polcia freou, cantando pneus, e os policiais chamaram os dois para fora da cabine, pensando que estavam ocultando drogas. Wozniak e Jobs ficaram em p contra uma parede, desamparados, pernas e braos abertos numa pose hoje conhecida na televiso, enquanto os policiais revistavam a rea procura de mercadoria ilegal. Talvez tenha sido uma percepo iluminada da personalidade de Jobs o fato de que, assim que receberam ordem de se voltar para a parede, tenha

passado, sorrateiramente, a caixa azul para Wozniak. Caso um dos dois fosse apanhado com algo ilegal, certamente no seria Jobs. A polcia chegou a ver a caixa azul, mas no se interessou, porque procurava drogas. Um policial perguntou o que era a caixa azul. - Um sintetizador musical - Wozniak respondeu. O outro policial perguntou para que servia o boto laranja. - Para afinar - Jobs respondeu. Wozniak apressou-se em explicar que o sintetizador era controlado por computador e os policiais convenceram-se de que os dois no portavam drogas e deram-lhes uma carona. Para surpresa de ambos, um dos policiais, olhando a caixa, disse: - Que pena, um tal Moog chegou primeiro que vocs. - Claro - Jobs respondeu. Era o mesmo que lhes havia mandado o esquema. Jobs e Wozniak formavam um par suspeito com seus cabelos compridos, a aparncia desleixada e atitudes estranhas, mas a polcia no tinha motivo para det-los. Mesmo assim, a experincia assustou-os; e a noite ainda reservava um episdio desagradvel para Wozniak: quando apanhou seu carro e tomou o rumo de Berkeley, dormiu ao volante e colidiu com algumas barreiras na estrada. Felizmente, no se feriu. Depois da reunio com o Capito Crunch, Jobs e Wozniak ficaram ainda mais fanticos por pirataria telefnica, e uma das primeiras providncias a tomar era arrumar nomes-cdigo. Wozniak escolheu Azul Berkeley, por causa das cores da universidade, e Jobs escolheu Tobark Palerma. Wozniak, mais interessado do que Jobs na pirataria, dedicou-se ao assunto durante o primeiro trimestre de Berkeley. Leu avidamente todos os artigos que encontrou, alguns dos quais afixou na parede, com fita adesiva, a ttulo de instruo ou divertimento. Assinou vrias publicaes marginais dedicadas pirataria telefnica, sem perder, contudo, o interesse pelos computadores, que o consumia. Ele e Jobs grudaram nos fanticos de Stanford, aumentando seu conhecimento de pirataria telefnica, que j comeava a freqentar os bancos de memria dos computadores. Wozniak, orgulhoso de sua caixa azul, mostrou-a a vrios amigos, incluindo Allen Baum, que ficou impressionado quando

Wozniak, usando-a, telefonou, sem pagar, de uma cabine para outra. O que, sem dvida, no chegava aos ps da vez em que telefonou, sem nus, para o kibutz, em Israel, onde se encontrava sua irm. Jobs foi o primeiro a ver possibilidades comerciais no empreendimento. Os dois sabiam que os universitrios estavam sempre sem dinheiro e precisavam fazer ligaes interurbanas muito alm das possibilidades de seu bolso. Para Jobs, um mercado sob medida para a atividade altamente ilegal em que vinham se metendo. Wozniak no gostou muito da idia, mas Jobs convenceu-o de que podiam montar um negcio lucrativo. "Ele queria ganhar dinheiro", recorda Wozniak. Pareciam espies conspiradores quando tentavam encontrar uma senha para usar na busca de clientes potenciais. O plano de comercializao teria que ser, na melhor das hipteses, base do pegar ou largar. Iriam aos dormitrios, de porta em porta, perguntando por algum que se dizia interessado na caixa azul. Se aparecesse algum cliente potencial, convidariam para assistir a uma demonstrao das vantagens e da facilidade de fazer ligaes gratuitas. Em caso de confuso ou desconfiana, bateriam em retirada e tentariam o quarto seguinte. O negcio da caixa azul foi-se tornando bastante lucrativo medida que a notcia comeou a circular no campus. Wozniak gostava de mostrar as vantagens e a potncia das caixas azuis. Ligava um gravador aos fios do telefone, com garras-jacar, e telefonava para os amigos dos presentes na platia. E as brincadeiras no foram abandonadas. Jobs, certa vez, telefonou para um hotel em Londres a fim de organizar uma festa. Em outra ocasio Wozniak discou para o Vaticano e, fingindo ser Henry Kissinger, pediu para falar com o papa. Era noite no Vaticano, o papa estava dormindo, mas, por incrvel que parea, quem atendeu em Roma disse que iria acord-lo. Wozniak tratou de desligar imediatamente. Jobs e Wozniak foram aperfeioando aos poucos a tcnica de vendas. Gravavam fitas contendo os nmeros telefnicos que os clientes costumavam chamar e vendiam-nas. Quanto sociedade, chegaram a um acordo funcional. Jobs entraria com as peas, num total de quase 40 dlares, e Wozniak com quatro

horas, mais ou menos, para instalar a fiao das caixas, vendidas a 150 dlares cada. A instalao manual era trabalho maante e demorado, mas Wozniak resolveu o problema mandando produzir fora os circuitos impressos, reduzindo a uma hora o tempo de fabricao. Sempre interessado em inovaes, acrescentou um dispositivo de discagem automtica caixa, em cuja parte inferior, quando estava pronta para ser vendida, era afixada a etiqueta de garantia, em fita adesiva, dizendo: "O mundo em suas mos." Wozniak sentia orgulho de sua obra e prometia consert-la gratuitamente, desde que lhe fosse devolvida com a etiqueta. Cumpriu sua parte no negcio. Mas nem mesmo a aventura da caixa azul conseguiu cativar por muito tempo o instvel Jobs. Entediou-se, e, cada vez mais nervoso com a possibilidade de ser apanhado, abandonou a sociedade em um ano. Desistiu na hora certa, pois a companhia telefnica comeava a apertar o cerco sobre seus usurios ilegais, chegando a contratar informantes que se infiltravam no mundo da pirataria telefnica. Jobs temia tambm a aparente instabilidade do Capito Crunch, para ele muito descuidado em suas atividades de pirata. Achava-o um cadete do ar, que cedo ou tarde seria apanhado, entregando ele e Wozniak s autoridades. E era justificada a preocupao, pois os responsveis pela General Telephone haviam rastreado certas ligaes do Capito Crunch, e o nmero telefnico de Jobs figurava na lista que a empresa entregara ao FBI. O Capito Crunch foi localizado, multado em 1.000 dlares e colocado sob vigilncia durante cinco anos. Tempos depois, mais uma vez, entraria na vida de Jobs e Wozniak, criando episdios turbulentos. Por ser ilegal, o negcio da caixa azul tinha que ser tramado sub-repticiamente, e Jobs e Wozniak esbarravam com elementos detestveis. Alguns deles, sabendo que era perigosa a posio dos dois, simplesmente recusavam pagar e ameaavam entreg-los. Quando logrados, nada podiam fazer, e havia tambm a ameaa real de dano fsico. Jobs, certa vez, teve que encarar uma pistola quando tentava vender uma caixa azul na sada de uma pizzaria. Depois de pensar em vrias possibilidades, todas culminando em provvel tiro fatal,

entregou, enfim, a caixa ao bandido armado. Para Jobs foi o basta; era o fim da brincadeira. Wozniak, por sua vez, nunca se preocupou muito em ser apanhado. Era de esprito livre, bem-humorado e estava entusiasmado com o novo passatempo lucrativo. Continuou o negcio sem Jobs e fez novos aperfeioamentos que possibilitaram usar a caixa azul em aeroportos e hotis. Certa vez, com a caixa, interceptou uma linha de San Francisco e ouviu uma conversa que algum travava com o FBI. Mas Jobs, de tanto medo de ser agarrado pela polcia, procurou manter a maior distncia possvel de Wozniak e suas caixas azuis. Mesmo com a sada de Jobs, Wozniak ainda o considerava scio por ter sido ele quem transformara a atividade num negcio lucrativo. Manifestou honestidade das mais escrupulosas, caracterstica que iria demonstrar tantas vezes ao longo dos anos, quando deu a Jobs a metade dos seis mil dlares que ganhara com as caixas azuis. Jobs, porm, em nenhum momento daquela amizade exibira tal generosidade. Na verdade, iria aproveitar-se de Wozniak vrias vezes durante aquele relacionamento que, deteriorando-se aos poucos, deixou amargura e desconfiana. Wozniak, utilizando vendedores autnomos, continuou a vender a caixa azul no campus de vrias universidades da Califrnia. A vrios lugares foi de avio entregar os aparelhos, que colocava numa mala despachada no guich de bagagem, para no serem descobertos pelos raios X da segurana. Com o passar do tempo, quando as coisas comearam a complicar demais, encerrou o negcio, sem, contudo, despojar-se do zelo fantico que nutria pelos aspectos eletrnicos de burlar a companhia telefnica. Wozniak criara a caixa azul com um projeto original to bom ou melhor do que qualquer outro que j aparecera. E, mais importante ainda, nunca foi apanhado, como aconteceu com a maioria dos piratas. Continuou fascinado com as caixas azuis, dedicando a elas muito trabalho em detrimento de sua carreira universitria, a tal ponto que no demorou a receber, do supervisor da escola, carta reclamando seu fraco desempenho

acadmico. E, mais uma vez para ser repreendido, viu-se na sala do diretor, territrio demasiado conhecido. Captulo 4 WOZNIAK, O GNIO Quando Stephen Wozniak ingressou na escola secundria, j realizava verdadeiras mgicas com a eletrnica, e nas aulas de John McCollum, na Escola Secundria de Cupertino, aprendeu muito mais. Absorveu a fsica como uma esponja e familiarizouse com as funes que os vrios componentes eltricos e seus eltrons eram capazes de executar. Aprendeu tambm que todo projeto deve atender as necessidades humanas, pois, caso contrrio, torna-se intil. Experimentou capacitores e resistores, em srie e em paralelo, e aprendeu a lidar com as correntes eltricas contnua e alternada. Aprofundava-se no domnio de um mundo que se expandia, mas que era ainda mistrio para a grande maioria, e acumulava o saber que lhe dava poderes para manipular as correntes eltricas. Os vrios aparelhos criados nas turmas de McCollum eram capazes de gerar amplo espectro de sons, se empregada a eletrnica de estado slido. Wozniak aprendeu a congestionar freqncias eltricas, assunto que no figurava no currculo secundrio. Por excelentes que fossem todas as informaes das aulas de McCollum, nada se ensinava acerca de computadores, os quais haviam se tornado a busca intelectual mais premente de Wozniak. Sem superviso ou orientao, Wozniak comeou a desenhar mquinas capazes de efetuar aritmtica simples e em seguida evoluiu para as matemticas mais sofisticadas. Acumulou muitos prmios em feiras de cincias e dividia com um amigo, Elmer Baum, seu interesse em projeto de computadores. McCollum no ensinava cincia da computao, mas atendendo a um pedido de Wozniak, o melhor aluno da turma, procurou um lugar onde o projetista em potencial pudesse aprend-la. Usando de influncia, conseguiu com um amigo que Wozniak e Baum passassem as tardes de quarta-feira na sala dos computadores da GTE Sylvania. Ali, Wozniak entrou em

contato pela primeira vez com um computador central, um IBM 1130, do tamanho de uma geladeira, que fazia o cho trepidar quando em operao e era to barulhento que, para se conversar, era preciso gritar. A digitadora perfurava os cartes de entrada de informao para os enormes rolos de fita magntica. Prestativos, os engenheiros da GTE empenharam-se ao mximo para ensinar aos dois jovens o funcionamento do sistema. Wozniak aprendeu, para sua surpresa, que um compilador era usado para traduzir letras em comandos eltricos que, por sua vez, eram transformados em linguagem de computador na forma de cdigos binrios. No sabia que o compilador era um programa. Achava que ele era o prprio computador e no um instrumento integrante da infra-estrutura de computao. Os engenheiros ajudaram-no a encontrar respostas para as dvidas que o aturdiam durante a construo de uma calculadora relativamente sofisticada. Wozniak e Baum aprenderam a programar em FORTRAN, uma das linguagens de computao, e a usar as digitadoras para perfurar os cartes que alimentavam o computador. Quanto mais aprendiam, mais sofisticados eram os programas que escreviam. Um deles calculava os lances num tabuleiro de xadrez, outro tratava de sofisticados problemas matemticos. Wozniak aprendeu tanto na GTE que McCollum convidou-o a dar palestras para suas turmas de eletrnica, em Homestead. O nico inconveniente das palestras, diz McCollum, consistia em que o nvel era to alto que a maioria dos estudantes no conseguia entend-las. Wozniak e Baum expandiram o conhecimento adquirido na GTE com visitas espordicas ao Centro de Acelerao Linear Stanford, onde freqentavam principalmente o centro de computao, apesar de a instituio desenvolver trabalhos em muitos ramos da eletrnica. Ali conheceram o IBM 360, o computador mais popular da IBM na dcada de 1960. Os engenheiros e tcnicos foram to cooperativos quanto os da GTE, e os dois adolescentes obtiveram permisso para usar as perfuradoras a fim de criar os programas que a seguir operavam nos computadores menores do centro. Wozniak aprendia

rapidamente e logo passaria a receber material tcnico de cerca de 12 firmas eletrnicas do Vale do Silcio. quela altura, as empresas de semicondutores no Vale j produziam chips cada vez menores. A quantidade de funes colocada em espao relativamente pequeno era tanta que os computadores encolheram e passaram a ser chamados de minicomputadores. Estes computadores, aproximadamente do tamanho de uma cmoda, eram quase to poderosos quanto os centrais, bem maiores, usados at ento. Vrias publicaes tcnicas comearam a divulgar a potncia dos semicondutores, e Wozniak, sempre muito interessado, lia-as avidamente. Alm disso, estudava minuciosamente um livro publicado pela Digital Electronics Corporation, intitulado Small Computer Handbook [Manual do Pequeno Computador]. Na poca, o "computador em um chip" ainda no havia sido inventado, e, para projetar um computador, era necessrio conhecimento quase absoluto dos diagramas e esquemas de funcionamento dos semicondutores. Wozniak, quanto mais lia, mais fascinado ficava. Estudou um microcomputador projetado pela Varian, procurando compreender toda a sua complexidade. A seguir, usando microchips, tentou projetar seu primeiro microcomputador, mas no obteve sucesso. Sabia o que era um computador, ' mas ainda no dominava os circuitos necessrios ao seu funcionamento. A cada nova descoberta, ia derrubando as muralhas da ignorncia. Dedicou-se a criar um equipamento com quantidade mnima de chips e entrou em xtase quando descobriu novos usos da linguagem dos computadores. Descobriu uma maneira que possibilitava aos componentes executar a maior quantidade possvel de tarefas. Seus pais, sem compreender o trabalho do filho, estavam desconcertados, e Elmer Baum no demorou muito para ficar para trs, pois, de to avanado que era o trabalho de Wozniak, no conseguia acompanhar o gnio eletrnico que o amigo viria a se tomar. Wozniak no perdeu o interesse por computadores quando entrou para a universidade. Recusado na Tecnologia da Universidade da Califrnia, acabou indo para a Universidade do Colorado, em Boulder, e Jerry Wozniak ficou aflito com a partida do filho, que ainda no considerava maduro o suficiente

para sair de casa e cursar a universidade ao mesmo tempo. Tambm no perdera o gosto pelas brincadeiras e, usando um oscilador, divertia-se bloqueando os circuitos fechados de televiso na sala de aula. Mal conseguia conter o riso ao ver os professores tentando em vo restaurar a imagem. Uma ocasio foi longe demais: quando alguns estudantes assistiam ao Derby de Kentucky, bloqueou a transmisso no momento exato em que os cavalos se atropelaram para cruzar a linha de chegada. A excelncia de Wozniak no deixava dvidas, mas no todo era pssimo aluno. Passava mais tempo no centro de dados da universidade, aprendendo o mximo possvel sobre computadores e o FORTRAN, do que na sala de aula. Era um verdadeiro tormento para os programadores e engenheiros, um incmodo at. No parecia preocupado com o lado acadmico, e seu conhecimento de computadores, aliado sua personalidade travessa, encontrou nova vlvula de escape. No centro de dados, usando diversos programas, imprimiu em vrias resmas de papel a expresso FUCK NIXON [Foda-se Nixon]. A histria se repetiu: as autoridades acadmicas no gostaram, e ele teve que deixar a universidade ao fim do primeiro ano. Quando voltou para casa, pensando em ingressar na Universidade Comunitria De Anza, trazia no boletim muitos conceitos de insuficincia e uma fornada de programas de computadores. De volta ao territrio conhecido, comeou a procurar componentes eletrnicos rejeitados por imperfeies e a lidar com projetos de computadores. A obsesso persistia em detrimento do trabalho universitrio, mas, aos trancos e barrancos, conseguiu passar de ano. No vero, ele e Baum foram contratados, como programadores, pela Tenet, uma pequena empresa de computao. Baum no ficou l muito tempo, mas Wozniak trabalhou com afinco, expandindo seu conhecimento de programao, e s foi embora quando a empresa faliu com a recesso de 1972. Sem se deter, Wozniak continuou a estudar projeto de computadores, valendo-se ainda do material copiado que Baum lhe enviava do MIT. Visitava as feiras de cincias e, numa delas, determinado item despertou-lhe a ateno: uma mquina que executava diferentes funes em seqncia, emitindo, a cada

passo, sinais predeterminados. Ficou to fascinado que levou para casa o esquema da mquina e traduziu as funes mecnicas em eletrnica. Aprendeu algo muito importante: os circuitos eltricos podiam executar certa quantidade de funes seqenciadas e, ento, responder a um comando. Naquele momento, percebeu que estava apto a projetar computadores. Logo aps esta constatao, investigou as operaes de um minicomputador Nova, projetado pela Data General, com capacidade para processar simultaneamente 16 dgitos binrios, usando mais de 100 chips semicondutores ligados por linhas de solda a uma lmina. Apesar de ser bem mais avanado, utilizava os mesmos princpios que Wozniak incorporara sua mquina de somar e subtrair quando tinha apenas 13 anos. Em virtude do progresso da tecnologia dos semicondutores, as mesmas tarefas eletrnicas que ento obrigaram Wozniak a usar uma placa grande poderiam hoje ser executadas num nico chip de silcio. Wozniak e Baum devoravam as informaes que recebiam das vrias firmas de semicondutores e faziam os diagramas dos circuitos para seus diferentes projetos. Wozniak estava determinado a construir os computadores que projetava; s no o fazia por absoluta falta de recursos para comprar peas. Jerry Wozniak, impressionado com o progresso do filho, colocou-o em contato com um amigo que projetara um chip semicondutor para a Fairchild, de quem Wozniak recebeu conselhos prticos sobre semicondutores e circuitos. Wozniak estava concentrado na miniaturizao e determinado a traduzir alguns esquemas que projetara para construir um computador funcional com o mnimo possvel de peas. Bill Fernandez, vizinho e amigo, aderiu de bom grado iniciativa e ofereceu espao na garagem de sua casa. Wozniak, aps conseguir vrios chips de memria e outros componentes, lanou-se ao trabalho. Projetou o computador e seu funcionamento, enquanto Fernandez concentrou-se nos circuitos de tempo que faziam piscar luzes atravs de um comando apropriado. Fernandez era dois anos mais jovem e no possua a riqueza de conhecimento de Wozniak, mas deu contribuies importantes, principalmente no rduo trabalho de ligar os

componentes. Wozniak recorda, tempos depois, que Fernandez no possua experincia em engenharia, mas era excepcionalmente ordenado e metdico. Os dois jovens, enquanto trabalhavam no computador, gostavam de ouvir rock e tomar cream soda, refrigerante que consumiam em tal quantidade que apelidaram a mquina de O Computador Cream Soda. O equipamento estava quase pronto quando Fernandez convidou um amigo, Steven Jobs, para conhecer Wozniak e ver o computador. Era o incio de uma importante amizade, e, apesar de no ter percebido na poca, Wozniak acabava de preparar o terreno para a criao de um equipamento que viria a revolucionar o mundo da computao e gerar todo um novo ramo industrial. Margaret Wozniak, sempre ansiosa por ver o filho reconhecido, convenceu um reprter fotogrfico do San Jose Mercury a testemunhar uma demonstrao do computador. Infelizmente, um curto-circuito causado por um chip defeituoso cobriu-o de fagulhas, e, no jornal, no apareceu foto nem matria. Captulo 5 O REBELDE Ao contrrio de Wozniak, que se dedicara aos computadores e programao na adolescncia e incio da idade adulta, Steve Jobs atravessou estes perodos sem muito objetivo. Brincara com eletrnica, poesia e msica, mas sem grau de excelncia. A parte consistente de sua personalidade era o fato de ser voluntarioso e instvel, tornando-se mais intensa com o passar do tempo. Enquanto jovem adulto, preparando-se para ingressar na universidade, no tinha meta especfica seno a de alargar suas experincias, como se em expedio de caa espiritual e intelectual. Sempre teimoso, quando chegou a hora de escolher a universidade, tornou-se obstinado. Lia os currculos das universidades, selecionava alguns e os considerava muito fracos e pouco exigentes. Rejeitou a Berkeley e a Stanford, onde fora algumas vezes enquanto freqentava a escola secundria,

decidindo ento que queria entrar para a Universidade Reed, em Portland, Oregon, quando foi visitar um amigo que l estudava. Paul e Clara Jobs simpatizaram com a sua deciso, pois almejavam para o filho educao mais tradicional, e tentaram dissuadi-lo de todas as maneiras, mas Jobs no se comoveu. Quando cursava a escola elementar, convencera os pais de se mudarem de bairro, teimando que, se no trocasse de colgio, largaria os estudos, e agora, querendo ir para a Reed, aplicava o mesmo estratagema. Disse-lhes que, se no fosse para a Reed, no cursaria nvel superior. Mesmo sem poder pagar a dispendiosa matrcula de uma universidade particular como a Reed, Paul Jobs atendeu exigncia do filho. Paul e a esposa levaram-no a Portland, e a despedida no foi uma ocasio das mais cordiais. No quis que seus pais fossem vistos no campus, pois fantasiava a impresso que pretendia causar aos demais estudantes. Afirmou desejar parecer e sentir-se rfo e que todos assim julgassem que passara anos a fio mendigando pelo pas, em trens de carga e carretas de 18 rodas. A Universidade Reed, com sua postura ultraliberal e antisistema, era para Jobs a garantia sua busca de novos horizontes. Na dcada de 1970, tornara-se parada obrigatria dos poetas geniosos, dos rebeldes e de outros tipos da contracultura. Foi um grupo de estudantes da Reed que fundou a Fazenda Arco-ris, abrigo de hippies e esquerdistas extremados, pioneiro na experimentao de drogas alucingenas. Era um lugar onde os estudantes acolhiam, de braos e mentes abertas, pessoas do porte de um Allen Ginsberg e um Timothy Leary, o sumo sacerdote das drogas alucingenas. Os professores toleravam a rebeldia dos estudantes, desde que compensassem com excelncia acadmica a falta de disciplina. Era alto o ndice de abandono no penltimo e ltimo anos, e apenas cerca de um tero de cada turma retornava no ano seguinte. Jobs gostava da atmosfera ultraliberal da Reed e entrou em contato com uma variedade de pessoas, muitas buscando estilos de vida diferentes dos tradicionais. Nas palavras de um estudante, Reed era um campus habitado por solitrios e rebeldes. Mesmo naquele ambiente de contracultura. Jobs era excntrico, considerado esquisito pelos que o conheciam.

Encontrou um amigo em Daniel Kottke, que tinha pais abastados, fora criado num bairro residencial da periferia de Nova York e, tendo ganhado uma bolsa de estudos por Mrito Nacional, estava em Reed porque fora recusado em Harvard. Jobs conheceu tambm um colega incomum, Robert Friedland, pouco mais velho do que ele e famoso por suas tnicas indianas e sua campanha para a presidncia do conselho estudantil. Friedland fora preso por uso de LSD e condenado a dois anos de priso. No julgamento, dissera ao juiz que, antes de julg-lo, deveria experimentar o LSD, mas este, no acatando a sugesto, decretou a sentena. Friedland, que fabricara e vendera cerca de 30 mil unidades de LSD, foi solto depois de cumprir a pena e ingressou na Reed. Jobs, como McCollum observara em suas aulas de eletrnica na escola secundria, via as coisas de um jeito diferente. Esta diferena, entretanto, agora tomara corpo, e ele conseguia manter a calma diante de situaes que, para outros, eram chocantes e constrangedoras. Conheceu Friedland quando, sem dinheiro, tentava vender sua mquina de escrever. Ao chegar no quarto de Friedland com a mquina, encontrou-o com a namorada em pleno ato de amor. A intromisso no constrangeu Jobs nem Friedland, que pediu a Jobs que o aguardasse para depois falarem de negcios. A calma de Friedland diante de tal intromisso durante um ato ntimo impressionou Jobs. Friedland tornou-se amigo e professor de Jobs, que, em vida busca de iluminao espiritual, achava que o amigo detinha as chaves do reino. Jobs passara a crer que a iluminao era o nvel mais alto da realizao intelectual, e estava determinado a atingi-lo. Friedland recorda que Jobs era um dos tantos desbundados do campus. Raramente calava sapatos, tinha a barba desgrenhada e os cabelos compridos. Conheciamno como uma pessoa muito intensa e que se lanava com obsesso a tudo que lhe interessava. Jobs parecia gostar de ser diferente e de exercer poder sobre as pessoas. Uma das coisas de que gostava era sentar-se e encarar os outros por longo tempo, sem nada dizer, sem piscar, vendo-os sem jeito diante de tal investigao mesmrica.

Apesar do comportamento considerado quase sempre bizarro, havia momentos em que Jobs se interessava pelo tradicional. Comeou a freqentar aulas de dana de salo na esperana de encontrar a mulher de seus sonhos e apaixonar-se, a despeito do relacionamento que mantinha com Judy Smith. Mas, como quase tudo o mais, danar no lhe prendeu a ateno durante muito tempo, e seu interesse pelas aulas feneceu aps um semestre, e ele desistiu, optando por uma vida bomia durante o perodo em que morou na universidade. Paul e Clara Jobs mostravam-se insatisfeitos por estar gastando tanto dinheiro com a boa vida do filho, mas nada podiam fazer para mudar o rumo dos acontecimentos. Jobs passara a ser um flutuante do dormitrio, mudando sempre de quarto medida que as vagas iam surgindo. Apesar das tantas peculiaridades e do desinteresse nas aulas. Jobs possua mente aguada, interessada em questes macrocsmicas: o que fazemos aqui? Para onde vamos? Qual o propsito da vida? Dedicou-se ao estudo do carma e experimentou vrias drogas e dietas alimentares que hoje parecem ultrajantes. Tudo o que fez foi com intensidade. No havia meio-termo; ou descartava as idias que no o atraam, ou mergulhava de corpo e alma nas coisas que lhe sensibilizavam a ateno. Passava horas a fio conversando com Jack Dudman, orientador educacional na Reed. Dudman recorda que Jobs tinha mente inquisitiva e questionava toda idia nova. Era impossvel comentar um pensamento novo sem que Jobs respondesse com uma saraivada de perguntas, bancando geralmente o advogado do diabo, at convencer-se ou dissuadir-se plenamente da validade da idia. Tanto Jobs como Kottke, que sentia certo desprezo pelas coisas materiais apesar da criao privilegiada, deram incio a srio programa de leituras sobre as vrias religies e filosofias, busca nada incomum aos jovens de sua idade. Leram sobre Ioga, Zen e Budismo, e Jobs fascinou-se principalmente com o ZenBudismo porque dava maior nfase experincia do que ao intelecto. Convencia-se, cada vez mais, de que a intuio e a iluminao eram mais importantes do que a compreenso intelectual.

Seu interesse pelo Budismo levou-o ao templo dos Hare Krishnas, em Portland. Ele e Kottke, pegando carona, iam ao templo aos domingos, recebiam uma refeio vegetariana gratuita, pernoitavam numa comunidade e depois iam colher flores para depositar no altar de Krishna. Estas flores, de um modo geral, eram colhidas nos jardins particulares, cujos proprietrios no simpatizavam com a seita. Depois de flutuar pelos dormitrios e largar a Reed ao cabo de um ano. Jobs alugou um quarto por 25 dlares mensais. Seguiu-se um perodo em que fazia muito segredo de sua vida. Wozniak s vezes levava Judy Smith para visit-lo nos fins de semana, e nem mesmo os dois sabiam o que Jobs pretendia. Pelo que podiam dizer. Jobs pouco fazia alm de ler, jejuar ocasionalmente e meditar. O dinheiro que recebia dos pais, antes aos borbotes, rareou quando Jobs saiu da Reed, e como at mesmo um monge precisa comer. Jobs obteve um emprstimo na universidade e arrumou um emprego de mecnico de manuteno de equipamento eltrico de um laboratrio que fazia experincias com animais. Seu conhecimento de eletricidade era bem superior ao exigido neste emprego, e ele, de fato, no se contentava em simplesmente consertar o que estava enguiado; tinha, de modo geral, que melhor-lo. Apesar do trabalho de manuteno, continuava vivendo duro. Os invernos em Portland s vezes so cruis, e seu quarto no possua calefao. Sentava-se, portanto, vestindo um poncho, jogava moedas e tentava dominar os mistrios do to ambguo I Ching, o Livro Chins do Conhecimento. Estava to sem dinheiro que teve que se sustentar, durante trs semanas, base de uma papa de trigo e centeio e de leite que pedia emprestado ao refeitrio da universidade. Quanto aparncia fsica. Jobs definhava. Kottke e a namorada, preocupados, convidavam-no amide para comer com eles, e, como evitassem carne, consumiam diversos pratos vegetarianos. Os trs estavam interessados em expandir mente e esprito, e procuravam rejuvenescer corpo e mente experimentando vrias dietas e drogas. Jobs j tomara drogas

por auto-recreao, mas agora haviam-se tornado ferramentas na busca da iluminao mental. Durante este perodo. Jobs descobriu The Mucusless Diet Healing System [O Sistema de Cura Atravs da Dieta sem Muco] e o Rational Fasting [Jejum Racional], escritos no sculo XIX por Arnold Ehret, com cujas concluses ficou fascinado. Ehret acreditava que os regimes alimentares que criavam excesso de muco no corpo afetavam os aspectos fsico e espiritual. A doena mental, segundo Ehret, era conseqncia de alimentao insalubre que provocava presso de gases no crebro. Ehret evitava carne, batatas, arroz e leite, por considerlos criminosos mrbidos, e ensinava que o muco poderia ser eliminado com a ingesto de figos, rbano com mel, outras verduras e legumes, nozes e sementes. Como sempre. Jobs ficou obcecado, desta vez, pela dieta antimuco, chegando a estudar a alimentao de outros primatas e convencendo-se de que o homem era naturalmente frugvoro. Comeou a fazer sermes para os amigos, alertando-os de que fariam mal a si mesmos se comessem os alimentos insalubres que Ehret listara. E, porque Ehret escrevera que certa vez passara dois anos comendo somente frutas, tentou seguir-lhe o exemplo. E foi alm. Comeou a jejuar, no incio por um ou dois dias, depois durante semanas. Jobs observava as mudanas que ocorriam em seu corpo, durante os jejuns, como um estranho que estuda um espcime de laboratrio. Um dos aspectos mais interessantes do jejum era que sua pele mudava de cor. Jobs descobriu que se sentia muito melhor jejuando do que comendo. Afirmou que, depois da primeira semana, sentiu-se muito bem, e, com o passar do tempo, comeou a se sentir espetacular. Estava convencido de que seu corpo vinha melhorando em fora e vigor porque no estava desperdiando energia com a digesto. Para quebrar o jejum, tomava lquido em quantidade e comia farelos. Ao seu jeito tpico, comeou a insistir, junto aos amigos, sobre os benefcios do jejum. Seu pequeno crculo de amizade, tendo aprendido a aceitar o fato de que Jobs tendia a ficar mando quando obcecado por alguma coisa, tolerava seus sermes como coisa natural.

Robert Friedland adotara regime alimentar prprio bem como filosofia e drogas tambm prprias. Acreditava que tudo era formado de eletricidade, conjectura de alguns cientistas de hoje, e que iria atingir a eletricidade do amor por meio dos ensinamentos de Neem Karolie Baba, um guru indiano. Deu um jeito de passar o vero de 1973 na ndia e voltou com histrias da atmosfera eltrica do amor que descobrira em vrias meditaes, descrevendo-as com detalhe e entusiasmo; Jobs ardia de desejo de tambm ir ndia e vivenciar as mesmas experincias. Jobs considerava a possibilidade de certos componentes da eletricidade serem o meio para encontrar o amor. Assaltava-o a idia de um mundo capaz de viver em paz, onde o amor fosse soberano em tudo. Se a eletricidade era a resposta, deveria encontr-la numa atmosfera eletrificada, e por isso abandonou a periferia da Universidade Reed e voltou para a casa dos pais em Los Altos, onde comeou a procurar emprego em eletrnica. No queria um emprego permanente, mas apenas juntar dinheiro para ir ndia e tomar contato com uma filosofia de vida que acreditava iria salvar sua alma e seria o meio de atingir a iluminao h muito sonhada. Certa manh, encontrou um classificado no San Jose Mercury e viu que a Atari procurava algum para trabalhar no projeto de video games. A nica coisa que Jobs conhecia desta empresa era que tinha criado um video game chamado Pong, alm de outros, e que se tornara muito popular nas lojas de vdeo do pas, antes dominadas pelos fliperamas. Estava muito nervoso quando chegou ao saguo da Atari, em Sunnyvale. No se vestira bem, estava em dieta frugvora e causava a impresso de um jovem absolutamente desleixado. Mas falava a mil por hora, arte que aperfeioou porque acuava as pessoas. Disse ao pessoal da Atari que trabalhava na HewlettPackard, o que no era verdade, que poderia criar grandes melhorias, e aquele monlogo acelerado levou-o ao supervisor, que o contratou sem qualquer investigao. Se o tivesse feito, teria descoberto que Jobs s trabalhara para a Hewlett-Packard quando estava na escola secundria, numa linha de montagem e assim mesmo em meio-expediente. Os amigos surpreenderam-se

que tivesse arrumado o emprego, pois no o julgavam qualificado. Numa empresa mais convencional, no teria sido contatado, mas a Atari era uma firma incomum. Nolan Bushnell, jovem engenheiro do Vale do Silcio, fundara-a em 1972, ento designada Syzygy e depois rebatizada de Atari quando Bushnell descobriu que a marca comercial j existia. Bushnell, na universidade, fora um dos milhares de estudantes que haviam criado programas para jogar o Guerra no Espao nos computadores da escola. Os entusiastas de computador, em todas as universidades da nao, vinham aprendendo a programar a apario de foguetes e naves espadais nas telas. O sistema de disparo e o movimento dos foguetes eram controlados por um manche. Certos programas eram to sofisticados que imprimiam mensagens cruzando a tela: VOC EST CHEGANDO LUA VELOCIDADE DE EXATAMENTE 0276,20 MILHAS POR HORA. SANGUE, CORAGEM, METAL RETORCIDO. Os responsveis pela universidade consideravam o jogo pura perda de tempo e no gostavam daquele uso no-autorizado de seus computadores. Mas Bushnell era um entusiasta do Guerra no Espao, tanto quanto os demais fs, e encarava-o de maneira diferente. Tendo trabalhado em parques de diverses, nas folgas do vero, chegara concluso de que as pessoas gostavam de jogos simples, com poucas regras. Alm disso, percebera que alguns pais, quando precisavam sair sem os filhos, para se divertir, deixavam-nos entregues a alguns jogos, como o de boliche. Bushnell teve a idia de criar um jogo, como o Guerra no Espao, que pudesse ser iniciado com a colocao de uma ficha no computador, frente do qual as pessoas formariam fila para jogar. O Guerra no Espao, concluiu, era muito complicado para a massa e, portanto, criou um jogo simples chamado Pong. Para viabiliz-lo, precisava de um computador pequeno e barato e, felizmente, o microprocessador, o computador em um microchip, chegou na hora exata. Em 1972, obteve apoio financeiro para montar sua empresa.

Bushnell era um homem no-ortodoxo, para quem uma empresa era uma espcie de guerra. Queria inventar outros jogos e no desestimulava o uso de maconha durante as sesses de brainstorming, pois, segundo ele, ela realava o pensamento criativo. Tinha 1,90 m de altura, usava roupas espalhafatosas, e, se fosse preciso exagerar os fatos para incentivar os empregados, assim o fazia. Para instigar Al Alcorn, o engenheiro-chefe do Pong, disse-lhe que o equipamento fora encomendado pela General Electric. Bushnell admite que no tinha contato com a GE, mas usara o estratagema para testar a capacidade de Al. Por isso, quando Jobs apareceu na Atari procurando emprego, seu aspecto no era de todo excntrico numa empresa acostumada a funcionrios estranhos. O xito do Pong surpreendeu o prprio Bushnell, que admite no ter imaginado que houvesse tanto mercado para ele. A primeira mquina, porm, colocada perto de uma piscina de Sunn)rvale, provou que estava errado. No demorou para que as pessoas estivessem formando fila para jogar, e, quando novos jogos surgiram, houve quem pensasse que a empresa era controlada pelo crime organizado. Os financiadores mantiveram-na sob observao, temerosos de estarem cometendo um grande erro. Bushnell, representado pela Agncia Regis McKenna, contornou estes temores com a criao da Kee Games, que produzia jogos para competir com as empresas novas no ramo. A McKenna bombardeou a mdia com informes sobre a ferrenha concorrncia que a Atari sofria por parte da Kee, depois inventou uma crise que, disse mdia, fora resolvida amigavelmente. O informe para a imprensa dizia, em parte: Estamos contentes com o fato de a Kee e a Atari terem resolvido os problemas que ocasionaram a diviso original. Bushnell acreditava em manipular a mdia e afirmava, debochando, que era muito fcil us-la para obter vantagens no mercado. A administrao da Atari era frouxa, o responsvel pelas operaes rotineiras era o cunhado de Bushnell. A empresa s vezes descobria que estava vendendo jogos abaixo do custo de produo, e houve um certo perodo em que parecia ir falncia. Bushnell, muito aflito, chegou a chorar em pblico. Apesar dos

problemas, a Atari vendeu, no primeiro ano, 13 milhes de dlares em video games, e, alguns anos depois, o patrimnio lquido de Bushnell estava estimado em 30 milhes de dlares. O empregado 54, Steve Jobs, percebeu tudo isto e, como era caracterstico de sua natureza, guardou para uso futuro. Observou aspectos operacionais que poderiam vir a benefici-lo mais tarde, sem se esquecer do caos existente. Porm, tempos depois, viria a cometer os mesmos erros que presenciara na Atari. Por no ser perito em eletrnica, no fez qualquer contribuio significativa na Atari, onde deixou, tambm, impresso desfavorvel. Os demais empregados achavam-no uma figura estranha que exagerava a prpria importncia. Bushnell recorda que Jobs costumava observar o trabalho dos outros tcnicos e engenheiros, menosprezando-o, e dizer que todos no passavam de grandissssimos merdas. Jobs diz que era melhor do que todos os engenheiros da Atari no porque fosse brilhante, mas porque eram todos absolutamente incompetentes. Enquanto esteve na Atari, mantinha a dieta antimuco de Ehret, comendo iogurte e frutas; acreditava tambm que, com esta alimentao, eliminava a necessidade de tomar banho. Mas havia quem discordasse, afirmando que ele exalava um odor engraado. Alm disso, seus comentrios desairosos criavam tanta turbulncia que Alcorn transferiu-o para o turno da noite. Apesar da falta de lastro em eletrnica. Jobs aprendia rpido. Wozniak recorda: Era espertssimo. As qualidades que conseguiu reunir para aperfeioar um video game chamado Touch Me [Toque-me] foram tais que o prprio Wozniak ficou impressionado. Jobs, de fato, aumentara sua capacidade eletrnica, mas ainda era um tcnico e no um engenheiro. A seduo da ndia, ainda o seu farol, continuava a mobiliz-lo. Queria muito conhecer o pas em companhia de Dan Kottke e, ao seu feitio atrevido, pediu a Alcorn para pagar sua passagem de avio para a terra prometida. Alcorn ficou chocado, disse que no havia como bancar sua visita ao guru. Mas, novamente ao seu feitio. Jobs teve sorte. A Atari exportara, para a Alemanha, jogos que vinham causando interferncia nos

aparelhos de televiso, e os engenheiros alemes precisavam de auxlio para sanar o problema. Jobs aproveitou a chance, e Alcorn despachou-o para a Europa a fim de fazer os ajustes necessrios nos tais jogos. Dali partiria para a ndia e, pensava, em solo sagrado, estaria mais prximo da iluminao que buscava. Quando Jobs chegou Europa, os engenheiros alemes ficaram perplexos. Que sujeito era aquele? Telegrafaram a Alcorn para se assegurarem de que era mesmo o representante da Atari, e, por estranho que parea. Jobs conseguiu resolver o problema da interferncia na televiso e partiu para a ndia a fim de visitar a terra dos gurus. Jobs e Kottke chegaram ndia, para prolongada estada, em altssimo astral. Aquela realidade, porm, para Jobs, estava aqum do esperado. Ali se encontrava a terra da iluminao, e, apesar disso, toda uma misria revoltante misturava-se ao credo de que, logo adiante, havia um mundo melhor. Para Kottke, a viagem era uma peregrinao, sem meta definida. Jobs, interessado, assistiu aos ritos religiosos e viu cadveres flutuando no Ganges, o rio sagrado da ndia. Um guru fez amizade com ele e raspou-lhe a cabea, e Jobs passou aquela noite em viglia sentado junto de uma fogueira num templo abandonado, em companhia de um discpulo de Shiva que cobrira o corpo com cinzas. Estava instalado em Nova Dli, cidade que percorreu com Kottke, descobrindo, enfim, que a ndia no correspondia s suas expectativas. Vira uma misria revoltante, que jamais presenciara. As pessoas comiam restos de comida em latas de lixo e, desabrigadas, dormiam nas ruas. Os mais afortunados viviam em barracos de zinco. Jobs e Kottke visitaram o Tibet, onde foram premiados com sarna. O guru Neem Kardie Baba morrera, seu corpo fora cremado numa pira, mas Jobs e Kottke foram a Kainchi homenagear sua memria. Ali permaneceram um ms, num barraco de um cmodo, casualmente localizado prximo a uma plantao de maconha, que cuidadosamente secaram e fumaram. O barraco pertencia a uma famlia de produtores de batatas, e a mulher servia uma penso primitiva, com leite de bfalo e

acar. Jobs, sempre combativo, jamais temeroso de dizer o que pensava, acusou-a de misturar gua ao leite. Numa discusso aos berros, acompanhada de inmeros gestos para contrabalanar a barreira da lngua, a mulher acusou-o de criminoso. Nas feiras de alimentos, onde faziam compras. Jobs sempre pechinchava muito com os feirantes, que expunham sua mercadoria em carroas puxadas por burros, experincia que se somou s que vivenciara ouvindo o pai negociar a compra de peas de automvel. Sua capacidade de barganha, assim adquirida, foi mais tarde considerada ao mesmo tempo bno e maldio quando se associou Apple Computer. O vero de Jobs na ndia levou-o a questionar suas convices anteriores. Estava chocado com a misria que coexistia com as expectativas espirituais, e as duras condies de vida que viu e experimentou levaram-no a repensar sua percepo da ndia, achando que Thomas Edison fizera mais pela humanidade do que todos os gurus existentes at ento. Quando retornou Califrnia, estava muito mudado: esqulido, devido disenteria, a cabea raspada exibia um rabicho, e usava roupas indianas. Mesmo desiludido com a ndia, ainda se aferrava conquista da iluminao. Sua conduta tambm era um tanto estranha, segundo a namorada Judy Smith: parecia distanciado e, sem piscar, ficava encarando as pessoas. Comeou a agir como guru, diz ela, mas com uma distoro. Fazia uma pergunta e, enquanto a pessoa tentava responder, encarava-a. E o distanciamento, diz Judy, tomava outras formas. Dava a ela alguma coisa num dia e, no dia seguinte, olhava-a intrigado e perguntava: Onde voc conseguiu isto? Atitudes que ela nunca soube explicar. Quando Jobs voltou da ndia, quase no final de 1974, no tinha idia do que fazer da vida, ainda procurando descobrir quem era e o que fazia nesse mundo. Perambulou durante um ano e meio, sem rumo, procura de seu destino. Tendo lido O Grito Primai, de Arthur Janov, psiquiatra californiano, fez um curso de 12 semanas, ao preo de 1.000 dlares, no Centro de Sensibilidade de Oregon. A terapia do grito primal, popular na dcada de 1970, baseava-se no pressuposto de que, gritando, voc pode livrar-se de muitos dios e ansiedades. O nome, grito

primal, devia-se ao berreiro que as crianas abrem em razo do trauma do nascimento. Gritar, segundo o Centro de Sensibilidade, era a purgao espiritual e mental dos sentimentos mrbidos e negativos. Enquanto Jobs lutava para se encontrar, comeou a ficar curioso quanto a seus pais naturais. Judy Smith lembra que, sempre que pensava no assunto, ele chorava. Robert Friedland, administrador do Centro de Sensibilidade, relata que Jobs queria conhecer seus pais naturais para saber mais sobre si mesmo. Comeou a procur-los, e quase no revelou o que descobriu, dizendo apenas que ambos lecionavam numa universidade, e que o pai era catedrtico de Matemtica. Como sempre. Jobs cansou-se da terapia do grito primai e do Centro de Sensibilidade, alegando que as respostas que oferecia eram simples carcias diante de coisas profundamente complexas. Depois de cumprir sua quota de grito primal, largou o Centro de Sensibilidade de Oregon e voltou Califrnia, onde alugou um quarto em Los Gatos. Trabalhou esporadicamente na Atari, onde continuou a provocar os demais empregados a ponto de, para preservar a paz, ser rebaixado ao posto de consultor. A situao era irnica, pois, embora os criadores de produtos no o quisessem por perto, Bushnell o queria. Bushnell gostava do senso de imediatismo que Jobs imprimia aos projetos, prevendo o tempo de concepo at a execuo em termos de semanas e no de meses. Wozniak, que gostava de video games, comeara a freqentar esporadicamente a Atari, operando os jogos que ainda estavam em linha de montagem. Seu interesse cresceu, Wozniak projetou seus prprios jogos e criou sua prpria verso do Pong. Bushnell ofereceu a Jobs um pagamento extra se ele conseguisse criar um jogo que derrubasse uma parede de tijolos com uma bola quicando. O pagamento seria baseado no custo de produo, o que significava usar o menor nmero possvel de chips. Para usar poucos chips em eletrnica no havia ningum melhor do que Wozniak. Jobs tentou encarregar-se da tarefa, mas, no tendo competncia para tanto, pediu ajuda a Wozniak, que, sempre crdulo, concordou em projetar o jogo e dividir os 700 dlares

que, segundo Jobs, a Atari oferecera. Steve no tinha competncia para projetar coisa de tamanha complexidade, diz Wozniak. Projetei o jogo pensando que ele iria vend-lo para a Atari por 700 dlares e que eu iria receber 350. Steve vendeu o jogo e me deu 350 dlares; somente muito tempo depois que eu soube que, na verdade, ele vendera o jogo por 7.000 dlares. Jobs preferiu no contar a ningum sobre o envolvimento de Wozniak. Alcorn, tempos depois, tomando conhecimento de sua contribuio, ofereceu-lhe emprego na Atari, mas Wozniak recusou. Jobs, entrementes, fora morar numa comunidade em Oregon, chamada Fazenda Todos Por Um, onde inmeros peregrinos espirituais iam juntar-se aos comunitrios que ali cuidavam das hortas sem usar inseticidas ou herbicidas e formavam mutires para colher mas e podar rvores. Jobs no saa do pomar das macieiras e, cada vez mais obcecado por suas experincias alimentares, s vezes comia s para vomitar. Mais uma vez desiludiu-se e foi embora meses depois, ainda procurando e sem saber o que fazer da vida. Felizmente para ele, porm, ainda era amigo de Wozniak, que vinha fazendo progressos notveis em projeto de computadores. Captulo 6 AVANAR! Enquanto Jobs experimentava o grito primai, trabalhava esporadicamente na Atari e procurava descobrir seus sentimentos, eventos mais rasteiros ocorriam na vida de Stephen Wozniak. Voltou para a Berkeley para continuar sua educao, que interrompeu novamente no penltimo ano; trabalhou na Hewlett-Packard e participou da criao de uma firma de computadores, casando-se com uma mulher que conheceu durante uma de suas brincadeiras telefnicas. Descobriu tambm o Clube Homebrew de Informtica, freqentado por vidos aficcionados. Durante todo esse tempo, continuou seu trabalho em projeto de computadores, ao mesmo tempo facilitado e dificultado, porque a indstria dos semicondutores inventara o microprocessador, o computador em um chip.

O Clube Homebrew de Informtica reunia amadores, programadores, fornecedores e engenheiros de toda a Califrnia e at do mundo. No incio, lembrava o eterno e instvel jogo de dados Guys and Dolls [Rapazes e Moas], mudando de um lugar a outro medida que o quadro de associados crescia surpreendentemente. O Homebrew foi fundado por Fred Moore e Gordon French, aficcionados que haviam trabalhado para a extinta Peoples Computer Company. No havia jia nem mensalidades, e as reunies eram organizadas sem regularidade. As pessoas com interesses afins reuniam-se para discutir computao e trocar informaes. Entre os associados figurava o conhecido Capito Crunch, famoso na pirataria telefnica. As reunies visavam a reunir engenheiros para trocar informaes, mas muita gente no mostrava as cartas - aceitava exibir os dispositivos que construa, mas no a fornecer os detalhes operacionais. Wozniak no era assim; passava os esquemas e diagramas a qualquer interessado. No estava muito interessado em ganhar dinheiro, diz ele. Gostava do Homebrew; foi a fase mais importante da minha vida. Um dos primeiros membros do Clube Homebrew de Informtica foi Lee Felenstein, que largara a Berkeley e tentara criar uma rede de computadores utilizando equipamento considerado obsoleto pelo Instituto de Pesquisas Stanford. Quis formar uma rede que vinculasse usurios com interesses afins, mas a inteno estava muito aqum da realidade. Apenas alguns lugares ligavam-se ao computador, usando o teletipo para enviar e receber informao, e este processo era to lento e desajeitado a ponto de ser muito mais simples dar um telefonema do que se valer do sistema de computao. Os ltimos anos tinham sido marcados por avanos notveis na eletrnica, que alimentavam o sonho de Felenstein de construir um pequeno computador que pretendia chamar de Terminal Tom Swift. Dar uso prtico aos microprocessadores e aos novos componentes eletrnicos era o tema central do Homebrew. E o estgio de evoluo da eletrnica foi demonstrado quando um membro do clube fez a demonstrao

do Altair 8800, que fora objeto de reportagens nas revistas especializadas, evocado como grande avano na computao. Os kits do Altair custavam menos de 400 dlares. Quando montado, tinha o tamanho aproximado de uma caixa de usque e exibia fileiras de luzes e interruptores que acendiam e apagavam por meio de vrios comandos. O motivo do interesse era o que estava no corao da mquina. O Altair usava a unidade de processamento central Intel 8080, um dispositivo notvel, novo, com energia compactada. Embora da espessura de uma hstia, com cerca de um oitavo de polegada de largura e um quarto de polegada de comprimento, este poderoso gro era muito mais potente do que o ENIAC, que ocupava uma sala inteira, possua milhares de vlvulas e quilmetros de fiao eltrica. O 8080 tinha possibilidades quase infinitas. Robert Noyce, co-fundador da Intel e co-inventor do microprocessador, tentando calcular suas aplicaes, no encontrou limite mximo. Antes de cri-lo, a Intel introduzira dois outros microprocessadores. As funes eletrnicas que outrora precisavam de grande quantidade de componentes eltricos j podiam ser executadas por um chip de silcio to pequeno que cabia na ponta de um dedo. O microprocessador, por si s, desafiava os limites intelectuais daqueles que tentavam oper-lo. Sem os necessrios chips de memria para comand-lo na forma de correntes eltricas, o 8080 era inoperante. Para Wozniak, que h muito sonhava em construir um computador com o mnimo de partes possvel, o microprocessador era uma ddiva divina, apesar de apresentar dificuldades de adaptao a este ltimo avano da eletrnica. Wozniak fazia questo de no perder as reunies quinzenais do Clube Homebrew, pois, alm de ter a oportunidade de demonstrar suas ltimas criaes, ficava a par do trabalho dos demais scios. Formavam um grupo exigente, que no fazia cerimnia em desprezar os trabalhos ruins. Naquele grupo estelar de aficcionados do computador, Wozniak brilhava. Wozniak conheceu ali Alex Kamradt, que montara uma empresa familiar chamada Call Computer. Kamradt trabalhara

como fsico na Lockheed e, depois de envolver-se em programao, vendera a casa para montar sua empresa. Tinha a inteno de usar o minicomputador, que era o centro de suas atividades, para registrar transaes imobilirias, mas logo se descobriu alugando tempo a clientes via telex. O advento da unidade central de processamento deu uma idia a Kamradt. A Call Computer poderia expandir suas atividades se os clientes tivessem terminais de vdeo com teclado, que a firma poderia vender ou alugar. Infelizmente, um terminal assim no existia; concluiu, ento, que o melhor lugar para procurar quem pudesse projet-lo seria o Homebrew. Compareceu a uma reunio, pediu para conhecer o engenheiro mais inteligente e foi apresentado a Wozniak. Na poca, Wozniak trabalhava em tempo integral na Hawlett-Packard, mas concordou em criar a Computer Converser, subsidiria da Call, em meados de 1975. Kamradt entrou para scio com 12 mil dlares em dinheiro vivo, representando 70% das aes, enquanto Wozniak concordou em projetar o terminal por 30% das aes e livre acesso ao minicomputador de Kamradt. Alm de ficar com dois empregos, Wozniak tinha outro motivo para querer construir o terminal de vdeo com teclado: quando fora visitar o Capito Crunch, vira, no poro, o equipamento. O Capito Crunch ainda estava muito envolvido em pirataria telefnica, e o terminal propiciava-lhe acesso ARPANET, uma rede nacional de computadores que interligava universidades e centros de pesquisa. Os piratas telefnicos, entre eles o Capito Crunch, tendo descoberto os cdigos de acesso telefnico, j conseguiam penetrar nos arquivos dos computadores de toda a nao e, s vezes, chegavam ao ncleo central de um ou outro computador na Europa, amide deixando mensagens estranhas e, at mesmo quando estavam endemoniados, apagando arquivos inteiros. A idia apeteceu ao senso de malcia de Wozniak e representava um desafio a seu intelecto. A inteno da Computer Converser no era construir um terminal inteligente, em grande parte porque, para tanto, teria que usar microprocessadores, que eram caros. Desejava, sim,

criar um terminal capaz de conversar com um computador, usando um grampo telefnico. O teclado propiciaria ao usurio digitar as mesmas coisas que datilografava uma mquina de escrever, s que palavras e nmeros apareceriam na tela. Seria meio mais rpido, ao que se esperava, de comunicar informaes, em regime de locao de tempo, do que o permitido pelas desajeitadas mquinas de telex, ento em uso. Wozniak utilizou o esquema bsico com que desenvolvera sua verso do Pong e achou fcil construir o terminal. Para testlo, interceptou o sistema da ARPANET e, satisfeito, entregou-o a Kamradt. Infelizmente, ningum conseguiu descobrir como funcionava. Wozniak era a nica pessoa apta a fazer os reparos necessrios e, como tinha um emprego de tempo integral, nem sempre se encontrava disponvel. Kamradt concluiu que Wozniak, apesar de ser um gnio, no sabia transmitir suas idias para que outros as usufrussem. O pai de Wozniak queria que o filho seguisse seus passos, entrasse para a Lockheed depois de sair da Berkeley. Porm, a emoo que a Lockheed significara para Wozniak, na infncia, desaparecera; a empresa j adquirira a patina da calma e monotonia de quem no estava mais na dianteira tecnolgica. Para Wozniak, jovem inteligente, a Lockheed estava fora de cogitao, e foi trabalhar na linha de montagem da Electroglass, empresa integrante da infra-estrutura dos semicondutores, onde permaneceu um ano e meio. Depois foi para a Hewlett-Packard. A Hewlett-Packard, empresa incomum, era, antes de mais nada, cria da casa, montada por Bill Hewlett e Dave Packard, ambos formados em Stanford. A H-P era conhecida pelos servios mdicos e alimentares empregados, pelas generosas gratificaes e abonos opcionais em aes. Para Packard e Hewlett, o trabalho no devia servir apenas sobrevivncia; o local de trabalho devia proporcionar aos empregados a possibilidade de crescimento pessoal e de participao na prosperidade da empresa. Os empregados de todos os nveis chamavam-nos pelo primeiro nome, e a influncia dos dois, que h muito deixaram de atuar na administrao, ainda hoje percebida na cultura da empresa. Wozniak captou tudo isto e tambm estava interessado no bom nome que a H-P ostentava

como criadora de instrumentos cientficos e calculadoras sofisticadas que empregavam alta tecnologia. Wozniak chegou Hewlett-Packard por intermdio dos bons servios de Elmer Baum, que entrara para a empresa depois de formar-se na universidade. Wozniak ingressou, em 1973, como tcnico, porque no tinha grau universitrio, mas em seis meses foi promovido ao status de engenheiro. Trabalhou na diviso de produtos avanados, que fabricava calculadoras de bolso. A alta tecnologia passara a ser um marco da empresa quando do lanamento da HP-35, calculadora de mesa, no ano anterior chegada de Wozniak. As novas calculadoras eram menores e mais sofisticadas, e Wozniak gostava do trabalho, apesar de no ser considerado um empregado especial. De fato, costumava ser alvo de comentrios desairosos por causa de sua limitada educao formal. Um engenheiro colega seu de trabalho afirma que Wozniak era competente, mas no se destacava. Wozniak era dos poucos engenheiros no-formados e, quando pediu transferncia para um grupo que, especulava-se, vinha projetando um pequeno terminal para deficientes fsicos, foi recusado, porque os responsveis no o julgaram qualificado. A Hewlett-Packard estimulava o esprito empreendedor e permitia aos empregados que porventura estivessem trabalhando em projetos prprios usar os equipamentos eletrnicos da empresa. Wozniak e Elmer Baum, que haviam sido admitidos como tcnicos para a H-P, tiraram proveito disto. Wozniak construiu a calculadora HP-45 para Baum, em cuja HP-35, calculadora anterior, tambm fez acrscimos, convertendo-a igualmente numa 45. Comeou a interessar-se por pilotar avies, mania permanente a partir de ento, e, na hora do almoo, em companhia dos amigos que possuam avies, fazia vos breves. Wozniak no perdeu o vivido interesse pela pirataria telefnica. Criou um servio de disque-piada e gravou piadas tnicas no aparelho de resposta, caoando dos poloneses. s vezes, quando estava em casa e o telefone tocava, ele prprio respondia, sob o nome de Stanley Zeber Zenkanitsky, com sotaque que julgava ser polons. Mas teve que parar com as piadas polonesas, pois recebeu cartas furiosas de organizaes e indivduos insultados. Em vez de dar um fim ao servio,

Wozniak simplesmente substituiu os poloneses por italianos, usando o mesmo sotaque e nome, Stanley Zeber Zenkanitsky. Foi numa dessas brincadeiras que conheceu sua primeira esposa, Alice Robertson. Certa noite ela ligou, ele atendeu, e, depois de conversarem alguns instantes, Wozniak comunicou que ia desligar antes dela e bateu o telefone. Mas Alice, que deve ter ficado perplexa, telefonou outras vezes, esporadicamente, e as conversas tornaram-se mais freqentes e longas, gerando, enfim, um encontro. Assim comeou o primeiro romance importante de Wozniak, que culminou, com o passar do tempo, em casamento. Nessa poca, alm do emprego de tempo integral, e com a cabea ocupada pelo romance embrionrio, Wozniak tambm vinha sendo caado por Alex Kamradt da Computer Converser. Aborrecido com a incapacidade dos engenheiros em compreender o terminal projetado por Wozniak, aps meses de tentativas, Kamradt apelou para Steven Jobs, que gravitava no segundo plano, para usar de influncia e convencer Wozniak a vir ajud-lo. Wozniak no percebia, na ocasio, que Jobs vinha seguindo de perto seu trabalho na Converser. Mas Jobs tinha queda para estar no lugar certo na hora certa. Kamradt no gostava muito dele; dizia que Jobs concordara em encarregar-se do projeto do terminal em troca de salrio e aes e que sentia que Jobs no gostava dele porque tinha dinheiro. Lembra tambm que Jobs era meio inescrupuloso e queria tirar o mximo proveito de tudo. Enquanto Jobs andava ocupado com suas negociaes, Wozniak dedicava-se a outros projetos e no fazia idia da intensidade do envolvimento de Jobs com Kamradt. Jobs era o encarregado do projeto do terminal e trabalhava com Robert Way, que dirigia uma pequena empresa integrante da infra-estrutura da eletrnica. Jobs queria um circuito impresso, rpido e cristalino como um assovio e, juntamente com Way, elaborou a lista de peas a serem adquiridas. Os dois lanaram-se ao trabalho. Jobs era rgido com Way e sempre muito crtico. Segundo Way, para ele, nada estava bom. No era a primeira vez e nem seria a ltima que Jobs seria chamado de recusar. A crtica constante e os modos speros de Jobs levaram Way a abandonar o projeto.

Enquanto Way era atormentado por Jobs, a quem considerava uma das pessoas mais estranhas que conheci, e se desgastava no terminal da Converser, Wozniak trabalhava em seu prprio computador. Passava horas a fio examinando as novas unidades de microprocessamento e entrou em xtase ao descobrir que as leis bsicas da cincia da computao no haviam mudado. De fato, achou-as semelhantes s dos minicomputadores que tinha submetido a cirurgia investigatria. O advento do microprocessador, entretanto, apresentou problemas e possibilidades intrigantes. Certas maneiras antigas de fazer as coisas no eram possveis quando o computador em um chip era o corao da mquina. No, havia o desafio de ligar o chip aos vrios chips de memria, em seguida tela de um televisor e a um teclado alfanumrico. Eram restries que, segundo Baum, faziam com que o projeto de um computador fosse trabalho srio e no simples divertimento. O custo dos microprocessadores representava tambm um problema para engenheiros do porte de Wozniak, que ganhava 24.000 dlares anuais na Hewlett-Packard, soma que no permitia ter economias em relao ao custo de vida no Vale do Silcio. Elmer Baum descobriu que a Hewlett-Packard, que vinha usando um microprocessador Motorola 6800, estava oferecendo o equipamento aos empregados, a preo reduzido. Para Wozniak, um man cado dos cus. Comprou o microprocessador Motorola e comeou a experiment-lo, tomando rumo oposto ao centro das atenes do Clube Homebrew, o Intel 8080. Usou-o para projetar um computador capaz de criar inteligncia num terminal semelhante ao projetado pela Converser. No Vale do Silcio, os chips microprocessadores, assim que so lanados, tendem a ser caros, mas os preos logo caem, medida que surgem novos processos de manufatura e os imitadores os copiam. O responsvel por uma empresa de semicondutores observa que, se os carros cassem de preo na mesma proporo dos chips de silcio, o preo de um Cadillac estaria hoje em torno de 500 dlares. Wozniak continuava trabalhando em seu computador, a queda de preos continuava dramtica, e, quando, com o tempo, abandonou o chip Motorola

para usar o microprocessador 6502 desenvolvido pela MOS Technology, vendeu-o por apenas 25 dlares. Enquanto experimentava o novo chip, escreveu um programa em BASIC, uma linguagem de computador vivel no 6502. Os programas de Wozniak punham em evidncia a necessidade de os computadores executarem vrias funes lgicas. Os programas existentes na poca destinavam-se quase exclusivamente aos video games, e Wozniak foi o primeiro, no Clube Homebrew, a escrever um programa em BASIC para o 6502. Wozniak enfrentava tambm uma encruzilhada pessoal, sem se decidir se casava ou no com Alice Robertson. Consultou sua alma vrias vezes, e tomou uma deciso. Jogaria trs moedas para o alto e, se todas dessem cara, faria o pedido de casamento. Caso contrrio, levaria vida de solteiro felizardo. Quando as jogou pela primeira vez, as moedas revelaram indeciso. Wozniak, na verdade, s parou de jog-las quando todas deram cara. Uma vez resolvida a questo do corao, lanou-se com afinco a seu computador. Para testar o programa, usou um computador da Hewlett-Packard. O programa funcionou, e Wozniak atribui o xito ao fato de se ter dedicado a estudar linguagem de computador, na universidade, em vez de matemtica. Todo o trabalho que Wozniak dedicara ao computador baseava-se no conhecimento que adquirira diligentemente, por conta prpria, ao longo dos anos, sem contudo ter como test-lo. Porm, ao que tudo indica, tomara a trilha certa. Depois de dominar a linguagem de computao, comeou a projetar um computador baseado nos circuitos que projetara para usar no microprocessador Motorola. Descobriu que, mesmo usando o MOS 6502, o projeto funcionava a despeito das pequenas mudanas necessrias ao tempo das correntes eltricas. No mudou um nico condutor. O Computador Cream Soda era coisa do passado, mas Wozniak utilizara tudo que aprendera enquanto trabalhou nele na garagem de Bill Fernandez, alm de incorporar a experincia adquirida durante o projeto que fez para o terminal da Computer

Converser. O novo equipamento era muito mais sofisticado do que os dois anteriores. O Cream Soda continha duas fileiras de comutadores e luzes intermitentes, enquanto o novo projeto incorporava o teclado e a tela para exibir a informao digitada. Era semelhante ao terminal da Converser, exceto pelo fato de, em vez de ser um terminal burro, incapaz de executar funes lgicas, o novo computador continha um microprocessador e outros componentes que o tornavam inteligente. Wozniak foi tambm muito escrupuloso ao planejar a lmina dos circuitos, j que lambana no era seu feitio. Insistiu que os vrios chips fossem cortados e soldados com toda diligncia, em vez de usar o mtodo ento costumeiro, mais rpido e mais porco, de enrolar fios, que criava um labirinto incompreensvel de condutores. O circuito usado por Wozniak era limpo e ordenado, e facilitava a localizao dos pontos problemticos em caso de defeito. Wozniak tentou vender seu computador para a HewlettPackard, mas foi recusado porque a empresa no via futuro na fabricao de computadores pessoais. Como tambm no viam as demais empresas grandes e sofisticadas da high tech no Vale do Silcio. Diz Robert Noyce, da Intel, por mais aptas que as empresas estivessem para criar o computador pessoal, nenhuma tinha a viso de Wozniak. Na poca no havia mercado, seno um grupo de poucos amadores. Wozniak no se preocupava com negcios ou mercados e no queria ser empresrio. Era engenheiro e queria continuar assim. Quando levou seu computador ao Clube Homebrew, recebeu pouco reconhecimento porque usava um microprocessador que no o Intel 8080, o que no impediu que alguns entusiastas vorazes agarrassem o esquema que distribuiu gratuitamente. Estava em vias de vender o equipamento Call Computer quando Steve Jobs, que vinha observando com interesse cada vez maior as atividades de Wozniak, interveio. Jobs faltara a muitas reunies do Clube Homebrew, mas, quando comeou a freqent-las, notou que todos os associados queriam os esquemas de Wozniak, que, no estando interessado em montar negcio algum, distribua seus esquemas. Foi Steve que achou que ns podamos ganhar dinheiro, e fui eu que

projetei o computador. Era eu que freqentava as reunies do Homebrew, era eu que escrevia os programas, mas foi Steve quem teve a idia de vendermos os esquemas. Jobs convenceu Wozniak de que poderiam mandar imprimir os circuitos e vend-los aos aficcionados. Jobs, lembrando a poca que passou no pomar dos Hare Krishnas, sugeriu chamarem o negcio de Apple. Depois de certa discusso e na falta de algo melhor, os dois concordaram com o nome. O plano financeiro no era grandioso, mas Jobs pensava em ganhar dinheiro. Calculou que os circuitos impressos custariam 25 dlares cada e poderiam ser vendidos pelo dobro do preo. Nem um nem outro imaginavam que iam vender mais de 100 por ano. Como estavam apertados, concordaram em cada um entrar com a metade dos 1.300 dlares necessrios para comear. A fim de levantar fundos, Wozniak vendeu sua cobiada calculadora Hewlett-Packard, e Jobs, seu furgo Volkswagen. Wozniak resolveu fazer certas modificaes em seu computador, mas teve que enfrentar constantes discusses com Jobs. Ele tambm queria sugerir algumas mudanas, mas no tinha experincia suficiente, diz Wozniak. Ns discutimos muito, mas as decises tcnicas foram todas minhas. Ele era basicamente um fuador, ia atrs das peas e fazia o trabalho de rua. Entrementes, Alex Kamradt ainda vinha tendo problemas em decifrar o terminal que Wozniak projetara para a Converser. Tentou agarr-lo em vrias oportunidades, mas a ateno de Wozniak estava voltada para assunto inteiramente diverso - o aperfeioamento de seu prprio computador. E era assediado, por outro lado, pela insistncia de Jobs em for-lo a dedicar tempo integral Apple. Wozniak, a pacincia em pessoa, no se permitiu ser mordido pelo esprito belicoso e pensou em vender o computador Call, de Kamradt. Jobs, muito alarmado, fez uma profecia fatalista. No havia qualquer chance. Jobs insistia, de o computador lograr xito na Call, e neste argumento contou com o apoio de Ron Wayne, engenheiro de campo da Atari, que ponderou que o futuro da Apple poderia ser bem mais promissor se os trs se juntassem.

Com quarenta e poucos anos, Wayne era bem mais velho do que Wozniak que tinha ento vinte e poucos, e do que Jobs, que nem vinte tinha. Homem bastante vivido, tinha certa experincia prtica em negcios e convico quase religiosa quanto ao papel dos engenheiros na formao da sociedade. Acreditava tambm que o mundo beirava o caos econmico e vinha investindo em selos e metais preciosos para proteger-se da catstrofe. Wayne fez o possvel para demover Wozniak da idia de vender o computador a Kamradt, mas Wozniak provou ser duro na queda, mesmo enfrentando Jobs, que quase conseguia o que queria. No mago do desentendimento estava a averso que Wozniak sentia por poltica empresarial, por ter um negcio prprio e ter que abandonar o sonho de ser engenheiro. Tampouco queria largar o emprego na Hewlett-Packard, onde tinha salrio fixo, mas estava temeroso de, um dia, ter que trabalhar num projeto da H-P no qual tivesse que usar coisas que aprendera construindo o computador da Apple, resultando em conflito de interesses. Depois de longas discusses madrugada adentro, os trs firmaram um acordo para formar uma sociedade, delineando responsabilidades. Nenhum dos trs poderia assinar cheques superiores a 100 dlares sem a assinatura de mais um. Wozniak ficaria a cargo da engenharia. Jobs seria o responsvel pela comercializao, e Wayne faria o trabalho burocrtico. Mesmo tendo inventado o computador, Wozniak no se preocupou com a diviso das aes. Wayne ficou com 10% e ele e Jobs dividiram igualmente o restante. Jobs conseguira tornar-se acionista de vulto de uma pequena empresa que tinha um nico produto... o computador inventado por Wozniak. Acho que Wozniak nunca se preocupou com dinheiro, diz Trip Hawkins, que trabalhou na Apple tempos depois. Ele no est nem a para isso. No do tipo que perde tempo se preocupando com dinheiro. Mesmo que no enriquecesse, acho que seria um homem feliz. Wozniak, Jobs e Wayne assinaram o contrato no Dia da Mentira, em abril de 1976, em Mountain View. Nenhum dos trs, muito menos Wayne, fazia a mnima idia da riqueza que os esperava. Wayne, infelizmente, por ter vendido suas aes

bem antes de a empresa galgar o sucesso, no usufruiu do pote de ouro na ponta do arco-ris. Captulo 7 O ESPERTO Jobs fundou a Apple sem nada ter feito em prol de seu nico produto, o computador de Wozniak. Embora Wozniak o chamasse de esperto na poca, era de fato um esperto dos melhores. De tenaz otimismo, estava, ao seu feitio, obcecado pelo computador. Usou dinheiro que ele e Wozniak investiram na causa para encomendar a arte-final do circuito impresso com vistas a produzi-lo em massa. Howard Cantin, que trabalhava na Atari, tendo sucumbido ao poder da personalidade persuasiva de Jobs, decidiu faz-la como um favor ao colega. No mesmo ms em que Wozniak, Jobs e Wayne assinaram o contrato, Wozniak e Jobs apresentaram o circuito impresso no Clube Homebrew. Wozniak parecia um pai coruja descrevendo detalhadamente os vrios aspectos tcnicos do computador, falando da memria, da velocidade e outras caractersticas da engenharia. Jobs, no papel de diretor de marketing, tentava convencer as pessoas a comprarem o circuito e negociava o preo com os clientes potenciais. Apesar da dupla apresentao, os associados do Homebrew lanaram uma ducha fria sobre o computador, e apenas uns poucos dignaram-se a olh-lo. Um dos que o inspecionou foi Lee Felenstein, que no se impressionou nem um pouco, tecendo inclusive comentrios que revelaram mais do que simples cimes, afirmando que Wozniak ia quebrar a cara e que ele no derramaria uma lgrima. Jobs evitara as reunies do Homebrew porque no queria ter que ouvir os associados falarem dos detalhes tcnicos de sua criao, mas, assim que engatou sua estrela ao computador de Wozniak, passou a freqent-lo cata de clientes. O Homebrew, na poca, era o nico local de concentrao de clientes potenciais do empreendimento nascente, e Jobs comeou a procurar os associados cujo nico interesse nas reunies era o de vender peas eletrnicas. Paul Terrell era um deles. Vendia componentes eletrnicos e kits para computador. Diante do

entusiasmo que os associados do Homebrew manifestavam pelo computador Altair, montara uma representao do equipamento no norte da Califrnia. Abriu, no muito depois, uma loja em Mountain View, chamada Byte Shop, onde encontrou engenheiros procurando kits do Altair. Projetava uma grande perspectiva, a de abrir uma cadeia de lojas no pas, semelhantes s da Radio Shack e, num piscar de olhos, j tinha trs lojas. Jobs farejou os canais de Terrell como um co de caa atrs de um coelho. Tomou flego para a apresentao e desfechou um ataque de vendas. A Apple ainda era muito pequena, tinha futuro incerto, mas negociou para valer. Queria que Terrell se comprometesse a comprar vrios circuitos impressos pagando um sinal em dinheiro antes da entrega. Terrell desconfiava de Jobs. Quando o conhecera, nas reunies do Homebrew, achara-o um sujeito capaz de met-lo em encrenca; portanto, quando Jobs lhe mostrou o prottipo do Apple, manteve-se cauteloso. Jobs fez a oferta, mas Terrell disse no estar interessado em vender circuitos impressos em suas lojas, porque significariam trabalho adicional para seus clientes e, alm disso, precisavam de equipamento perifrico para operar o computador. Queria computadores j montados, para pronta entrega. No era o que Jobs tinha em mente, mas no perdeu a oportunidade para descobrir o quanto Terrell tinha inteno de pagar por cada unidade do produto. Terrel chocou Jobs quando informou-o de que poderia encomendar 50 computadores ao preo unitrio de 489 a 589 dlares, pagando vista na contra-entrega. Apesar do choque. Jobs logo se recuperou. A encomenda superava a expectativa, e Jobs logo calculou que renderia entre 24.450 e 29.450 dlares. Comunicou a oferta a Wozniak, que tambm ficou boquiaberto. Wozniak transmitiu a notcia aos amigos na Hewlett-Packard, que no acreditaram. Para Wozniak, recuando no tempo, foi o maior momento da histria da empresa. Nada, nos anos que se seguiram, foi assim to espetacular e inesperado, disse. Jobs, que entrara para a empresa apenas com sua fora de persuaso, estava fazendo jus a seu quinho. O pedido gerava a necessidade de replanejar o negcio. Agora, em lugar dos custos previstos de 2.500 dlares para 100

circuitos impressos, teriam gastos da ordem de 25.000 dlares para 100 computadores montados. A Apple queria atender ao pedido de Terrell, de 50 computadores, e fazer mais 50 que Jobs esperava vender a outros clientes no Homebrew. Os gastos adicionais, o tempo de produo e a procura de novos clientes fustigaram Jobs na desenfreada busca de peas. A sociedade precisava de mais dinheiro para comprar os componentes necessrios produo dos circuitos impressos, que deveriam funcionar a plena capacidade. Haveria tambm gastos adicionais de produo para montar os computadores. Jobs procurou dinheiro por toda parte, e seu aspecto no encorajava em nada as pessoas que abordava. Magro, meio encardido, com os cabelos compridos, ainda por cima usava sandlias ou andava descalo. No era imagem que instilasse confiana em financistas acostumados a tratar com gente mais velha que usava gravatas, ternos e sapatos. Jobs, que nunca se intimidava, ousou entrar num banco de Los Altos, explicou a situao e pediu um emprstimo, achando que, nos demais, a recepo seria a mesma. Sem se deter, visitou a Haltek, onde trabalhara, e props comprar peas com aes da Apple. Hal Elzig, o proprietrio, recusou. Eu no acreditava nem um pouco na Apple, diz. E Jobs, ainda na luta, foi visitar Al Alcorn, na Atari, que exigiu dinheiro em troca das peas de que a Apple tanto precisava. Apesar das recusas. Jobs continuou atrs do dinheiro e das peas que possibilitariam Apple atender ao pedido. Por fim. Mel Schwartz, catedrtico de Stanford, dono de uma pequena empresa que gozava de crdito numa distribuidora de material eletrnico, concordou em comprar as peas para a Apple. Estimulado, Jobs apresentou a Apple a vrios distribuidores, pedindo crdito, mas s logrou xito quando Bob Newton, da Kierulff Eletronics, em Paio Alto, concordou em encontrar-se com ele para dar uma olhada no prottipo. Newton lembra que Jobs parecia um menino agressivo, que no causava boa impresso. Mas o prottipo o impressionara, sobretudo por j vir apoiado pelo pedido de 50 computadores, e concordou em vender-lhe 20 mil dlares em peas, a crdito, sem lhe cobrar os juros se a conta fosse liquidada em 30 dias.

Com as peas em mos. Jobs e Wozniak enfrentaram o problema de encontrar um lugar onde pudessem fabricar e montar os computadores. Alugar alguma coisa estava fora de cogitao, porque no tinham dinheiro; voltaram-se, ento, para o apinhado apartamento de Wozniak, cuja esposa, Alice, recebeu friamente a intromisso. J estava aborrecida demais com tudo aquilo, pois, alm de trabalhar noite na Apple, Wozniak tinha o emprego de horrio integral na HewlettPackard, e, entre um emprego e outro, ela pouco via o marido. Alm disso, no gostava de ter em casa aquelas pilhas de componentes eletrnicos sobre a mesa de jantar, que ela nem sequer podia tocar. Jobs e Wozniak, cedendo indignao de Alice, mudaram as operaes para a casa dos pais de Jobs, onde ele morava. Paul e Clara Jobs estavam acostumados s exigncias do filho e no se incomodaram de lhes permitir usar um quarto vago, que a filha ocupava antes de casar-se. Utilizando as gavetas da cmoda para estocar componentes, montando os computadores no quarto, as atividades logo invadiram o quarto que estava sendo usado por Jobs. Os circuitos impressos possibilitaram o incio de uma linha de montagem domstica, pois, embora facilitassem a montagem, ainda precisavam ser recheados com vrios componentes eltricos. A tarefa era da responsabilidade da irm de Jobs, Patty, que ganhava um dlar por cada circuito completo, fazendo quatro circuitos por hora enquanto assistia s novelas da televiso. s vezes, distrada pela televiso, amassava alguns pinos delicados nos semicondutores, e a pea defeituosa tinha que ser encostada. Jobs e Wozniak pensavam no preo dos computadores. Wozniak, que no se impressionava muito com dinheiro, achava que, para os associados do Homebrew, poderiam ser vendidos pelo custo de fabricao acrescido de pequena margem, mas Jobs, como no tinha o mesmo vnculo afetivo de Wozniak com o Homebrew, contestou e marcou o preo de venda em duas vezes o custo de fabricao. Assim, argumentava, os revendedores teriam margem percentual de 33,5% sobre preo de venda de 666,66 dlares, o que era bastante sedutor.

E chegou ento o dia triunfal, quando Jobs fez a primeira entrega a Terrell. Tendo encomendado, para sua Byte Shop, 50 computadores inteiramente montados, Terrell ficou petrificado ao ver que recebera apenas circuitos impressos, que tanto fizera questo de recusar antes. Os circuitos ainda exigiriam muito trabalho, de gente competente, antes de comear a funcionar. No havia programa, tela ou teclado, e Terrell sequer pde testlos. Alm disso, mesmo depois de adicionado o equipamento perifrico necessrio, o computador s iria funcionar se o cliente soubesse programar em BASIC, que no estava includo em chip ou em fita cassete. E o circuito nem carcaa tinha. Terrell estava decepcionado, bastante irritado, mas, mesmo assim, aceitou-os e, ainda por cima, pagou vista. Embora jovem e inexperiente, Jobs exalava autoconfiana, e seus instintos comerciais estavam aguados. Queria que todos pensassem que a Apple fosse uma empresa slida, com sede, e no um negcio que funcionava numa casa de famlia, e ento, para no dar um endereo residencial como comercial, alugou uma caixa postal nos Correios. Alugou tambm um servio de recados telefnicos para proporcionar aos clientes tratamento comercial, e procurou mo-de-obra para poder cumprir os prazos de produo. Bill Fernandez, que trabalhava na HewlettPackard, estava procurando emprego, pois a diviso em que trabalhava ia ser transferida para Oregon, e ele no havia sido chamado. Jobs entrevistou-o de maneira meio catica e ofereceu-lhe emprego. Fernandez, que esperava trabalhar como engenheiro, viu-se, na qualidade de primeiro empregado da Apple, ocupando o cargo de pau-para-toda-obra, chamando-se a si mesmo de cavador. Jobs contratou Elizabeth Homes, ex-colega universitria, para fazer a contabilidade, por quatro dlares a hora. Uma vez por semana, ela passava na casa de Jobs para entregar e apanhar documentos, e achava que Jobs trabalhava tanto que estava beira da exausto, to dedicado era ao negcio. O velho amigo de Jobs, Dan Kottke, que o acompanhara ndia e compartilhara sarna, fora morar com ele, dormindo no sof da sala de estar, para ajudar na produo.

A casa de Jobs transformou-se, em pouco tempo, numa verdadeira confuso de componentes eletrnicos, circuitos impressos e pingos de solda esparramados. Paul Jobs, sempre disposto a facilitar a ascenso do filho, fez extremo sacrifcio. Concordou em desabrigar o carro que vinha reformando para ceder a garagem Apple. Alm de impelido pela generosidade infalvel com que ajudava o filho. Paul compreendia que seus carros poderiam suportar a intemprie, mas no os componentes do computador. E a iniciativa deixou mais vontade os cmodos da casa, sem a confuso organizada das tantas peas eletrnicas espalhadas. Desistir do projeto de reforma do automvel e abrir mo da garagem j teria sido sacrifcio grande para a maioria dos pais. Mas no para Paul Jobs, que ainda reformou a garagem para adequ-la montagem dos computadores, revestindo as paredes com placas de compensado de papelo, instalando lmpadas e uma extenso telefnica. Construiu tambm uma bacia de queima, capaz de testar 12 circuitos impressos por vez sob o efeito de lmpadas calorficas. Quanto aos equipamentos, Steve Jobs ia arrum-los onde fosse possvel, comprando-os, na maioria das vezes, a preos de banana. Clara Jobs tambm colaborou. Contornava a garagem, p ante p, para ir lavar a roupa da famlia, e dava um jeito de no se aborrecer com as peas que ainda encontrava espalhadas em vrias mesas no interior da casa. Convalescendo de uma cirurgia na vescula biliar, ainda assim anotava os recados telefnicos do servio de recados e servia caf aos vendedores e clientes potenciais que os procuravam. Alm disso, vestia o manto de conselheira matrimonial para consolar a esposa de Wozniak durante seus telefonemas lacrimosos, queixosos da obsesso do marido com o trabalho. E, quando Wozniak e Jobs, inevitavelmente, discutiam na garagem. Paul Jobs entrava em cena para acalmar os nimos. Mesmo com toda a confuso na casa, insuportvel para a maioria dos pais, todos a enfrentavam com serenidade e at fazendo piadas. Wayne recebeu a incumbncia de desenhar o esquema do computador, a ser inserido num pequeno manual para acompanhar os circuitos impressos. Destinavam muito pouco

dinheiro s publicaes, e a empresa viria a arrepender-se mais tarde de tal sovinice neste importante aspecto do marketing. Wayne estava s voltas com o manual e com a tarefa mais criativa de desenhar o logotipo da empresa. A primeira tentativa mostrava Isaac Newton e uma rvore com uma ma lustrosa, e a legenda dizia: NEWTON - UMA MENTE SEMPRE VIAJANDO POR ESTRANHOS MARES DO PENSAMENTO, SOLITRIO. Foi rejeitado. Wayne recorreu tambm a uma velha inimiga do mundo da alta tecnologia, uma mquina de escrever IBM, para reproduzir cpias do pequeno manual operacional. Segundo Jobs, o manual teria mais classe se fosse feito em papel cinza claro. Wayne concordou; resultou o tipo preto sobre cinza, quase impossvel de ler. As presses externas, atuantes, foraram um novo aperfeioamento do computador Apple. Paul Terrell, que recebera os circuitos impressos para a Byte Shop, vinha tendo dificuldades para vender um computador nu e que no podia funcionar sem extensas modificaes. Pressionou Jobs no sentido de obter um interface para carregar o BASIC no computador a partir de uma fita cassete. Jobs no tinha escolha, se quisesse conservar o cliente. Wozniak, muito envolvido com outros aspectos do computador, recusou o encargo e ofereceu royalties a um engenheiro da Hewlett-Packard como pagamento do interface. O resultado foi um interface que no funcionou, e a Apple pagou ao engenheiro 1.000 dlares pelo trabalho e cancelou o acordo em royalties. Wozniak, que nunca construra um interface para informaes armazenadas em fitas cassetes, lanou-se tarefa, procurando o desenho mais simples possvel, e, ao contrrio do que temia, a coisa no foi to complicada assim. O interface acrescentou nova dimenso ao computador e era um incentivo venda. Por mais 75 dlares, o cliente levava o circuito impresso do interface e o programa em BASIC, e o material de propaganda assim divulgou: Nossa filosofia fornecer, gratuitamente ou com custo mnimo, os programas para os nossos equipamentos. Na poca, o lema da Apple era

BYTE INTO AN APPLE.1 O material promocional chamou-o de Um Pequeno Circuito em Cassete Que Funciona. O anncio no mencionou que o computador precisava de um gravador, que o cliente teria que comprar, e a Apple ampliou a verdade quando afirmou que O Computador Apple est venda em quase todas as principais lojas de computadores. Paul Terrell cobrira os circuitos impressos do computador nu com carcaas de madeira que mandara fazer num marceneiro especializado, mas nem assim conseguia vender o Apple. Os clientes estavam mais interessados no Altair e em outro computador feito por um concorrente da Califrnia. Enquanto isso, com o Apple encalhado, Terrell estava de vento em popa, tendo aberto 27 Byte Shops em todo o pas em apenas 11 meses. Devido rpida expanso, apresentava problemas de caixa. As novas lojas vinham vendendo uma mdia baixa de 20 mil dlares mensais, e ele precisava de produtos que girassem rapidamente nas prateleiras. No se podia dar ao luxo de ter em estoque produtos de venda demorada, e comeava a desencantar-se com o Apple. Jobs visitou as Byte Shops da Califrnia e reuniu-se com alguns gerentes para sugerir maneiras de vender o Apple. Os gerentes no conseguiram engolir seus modos bruscos e speros, mas Terrell, antes desconfiado, j estava em bons termos com ele. Jobs chegara a queixar-se a Terrell do nome que ele e Wozniak tinham dado ao negcio, achando que ma [apple] era um artigo suprfluo e por isso ningum ia levar a empresa a srio. Terrell compreendeu a preocupao. Quando escolhera o nome Byte Shops, muita gente pensou que eram lojas de delicatessen, mas garantiu a Jobs que nomes incomuns tinham maior probabilidade de serem lembrados pelos clientes. O preo de etiqueta do computador - 666,66 dlares -tambm atraiu telefonemas dos cristos fundamentalistas, para quem o nmero era a marca da besta e, portanto, do mal. Com
Byte um conjunto de oito bits, mas evoca a palavra "bite", morder, de igual pronncia. A expresso, assim, ambgua, querendo dizer, promocionalmente, "Lance seus bytes num computador Apple" e "Morda um Apple" (= Ma). [N.T.]
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base nestes telefonemas. Jobs elaborou uma resposta conveniente, embora complexa. Disse que escolhera o nmero sete, que em certas religies tem significado mstico, e subtrara o nmero um, tambm mstico, chegando ao preo inocente de 666,66 dlares. Jobs era um turbilho em atividade. Supervisionava a publicidade, comprava peas e procurava novos clientes. Quanto a Ron Wayne, a incerteza das vendas e o temor de ter que pagar 10% das contas em caso de falncia da Apple foraram-no a abandonar o negcio. Vinha tendo problemas estomacais e admitia j no ter energia suficiente para acompanhar o frentico Jobs. Wayne no estava s em suas dvidas quanto Apple, pois Jobs e Wozniak tambm se mostravam temerosos. Temiam a morte da Apple. Wozniak no se preocupava muito, pois podia contar com seu salrio na Hewlett-Packard, e considerava a Apple um simples meio de exercitar seu passatempo de projetar computadores e ao mesmo tempo ganhar um pouco mais. Seu casamento, porm, de seis meses, vinha sofrendo, porque ele trabalhava 14 horas por dia, sete dias por semana, e dedicava pouco tempo esposa. Jobs tambm tinha suas dvidas, e costumava manifest-las para Bill Fernandez durante as longas caminhadas noturnas que vinham tornando uma de suas marcas registradas. Parecia sofrer de insnia, tamanha a sua obsesso pela Apple, e, s vezes, pensava em sair, alegando que podia voltar para a Atari. Esta conjectura quanto Atari, entretanto, era das mais questionveis em razo do problema que ali criara com os demais empregados, e seu regresso talvez no fosse desejado. Sendo atividade de quintal, a Apple, era de prever, no conseguia emprstimos, e se encontrava em dificuldades financeiras. Em certo ponto crtico, foi Wozniak e no Jobs quem conseguiu convencer o pai de Elmer Baum, Allen, a emprestar cinco mil dlares empresa. O jovem Baum tinha certeza de que o emprstimo seria saldado, mas o pai no. Emprestou o dinheiro como um favor a Wozniak, mas quis negociar os detalhes com Jobs. Disse, mais tarde, que Jobs fizera

uma convincente exposio de motivos e que, se no o conhecesse, teria acreditado. Jobs nutria certa desconfiana pelo mundo empresarial e costumava cismar, em voz alta, se queria mesmo ser um de seus membros. Achava-o vil por causa da poltica, da ostentao, dos pagamentos de favores, e talvez se sentisse melhor num mosteiro budista. Por ironia, anos depois. Jobs iria adotar a prtica que tanto desprezava na poca. De fato, jamais, ao que parece, conseguiu encontrar senso de equilbrio entre sua busca da iluminao e seu lado prtico. No se cansava de pregar os valores humanos, mas, na prtica, tratava mal as pessoas e era conhecido como arrogante, mal-humorado, instvel, politiqueiro e um tanto inescrupuloso. Steve usa as pessoas em proveito prprio, diz Wozniak. Quando dizia qualquer coisa, quem o ouvia ficava sem saber se tinha dito sim ou no. Era impossvel saber o que tinha em mente. Jobs, na poca, procurou aconselhar-se com um monge budista de nome Kobin Chino, que conheceu quando voltou da ndia. Chino fora discpulo de Suzuki Roshi e era atuante no Centro Zen de San Francisco. Na ocasio, estava no Centro Zen de Los Altos, onde Judy Smith, namorada de Jobs, vivia numa barraca. Jobs, em vrias ocasies, conversou com Chino sobre seus conflitos ntimos: ou tornar-se monge num mosteiro japons, ou ser empresrio. Chino ouviu-o, achando certa graa, e depois aconselhou-o a continuar na Apple, emitindo a opinio nada convencional de que era pequena a diferena entre as duas opes que lhe causavam tanto tumulto interior. Jobs seguiu o conselho de Chino, mas com cautela, diz ele, porque tinha a premonio de que a Apple iria consumi-lo, afastando-o de sua busca da iluminao espiritual. Judy Smith observa que Jobs tinha medo da Apple: Achava que ia transform-lo num monstro. possvel que Jobs, ao que parece, tenha, antes dos demais, descoberto o lado sombrio de sua natureza. Se Jobs tinha dvidas quanto ao futuro da Apple, possua bom motivo para isso. No havia mercado para computadores pessoais, porque no havia computadores pessoais. Nem mesmo

as empresas grandes, como a Hewlett-Packard e a Intel, viam perspectivas para os computadores pequenos alm do diminuto mercado representado pelos aficcionados amadores. Explica Robert Noyce, da Intel: Todo o negcio de computadores foi rea que no enxergamos no incio. Parecia impossvel que tal nvel de sofisticao eletrnica, representado pelo microprocessador, atingisse uma tal reduo de custo a ponto de ser acessvel ao pblico. O mercado dos microcomputadores domsticos e pessoais tambm foi rea que no enxergamos no incio, bem como todo o campo dos jogos eletrnicos. Assim, Jobs e Wozniak trilhavam terreno desconhecido, e no difcil compreender o problema que enfrentavam. Um analista de sistemas, que acompanhou de perto a evoluo da Apple, diz: Jobs e Wozniak teriam gozado de maior credibilidade junto aos financistas, no incio, se fossem gnios de Stanford, como Dave Packard e Bill Hewlett. Mas eram s dois sujeitos instalados numa garagem. Wozniak havia abandonado a faculdade, e Jobs mal tinha sado da escola secundria. Nem mesmo os fabricantes de minicomputadores viam proveito em entrar no ramo dos microcomputadores, e continuaram fabricando os minicomputadores, que por sua vez ficavam cada vez menores. A maioria das empresas jamais ouvira falar da Apple, e as que a conheciam no a julgavam digna de ser levada a srio. Quanto aos amadores, viam-na com desconfiana por causa da deciso de Wozniak de alterar a tendncia e usar o microprocessador 6502, da Motorola, em vez do preferido 8080 da Intel. Jobs e Wozniak subiam colina difcil. No incio do outono de 1976, juntaram alguns dlares, embalaram alguns circuitos impressos, folhetos de propaganda e rumaram para Atlantic City a fim de participar de uma feira de computadores. Wozniak levou um computador-mostrurio, que ele e Jobs guardavam como ces ferozes. A feira destinava-se s novas empresas bem como aos indivduos que quisessem mostrar seus computadores e contou com a presena de vendedores, amadores, engenheiros e clientes potenciais.

Entre os que disputavam a ateno do pblico com a Apple estava o Sol Terminal Computer, fabricado pela Processor Technology. Era um conjunto pequeno e elegante, envolto em invlucro metlico, cuja estrutura inclua o teclado. Os representantes do Sol estavam confiantes em acirrar a concorrncia. Lee Felenstein, que sentira inveja de Wozniak no Homebrew, e sondara a Processor Technology quando a empresa desenvolvia seu computador, lanou olhar de desprezo ao computador de Wozniak, satisfeito em saber que no havia motivo para se preocupar. Concluiu que Jobs e Wozniak no sabiam o que estavam fazendo. Mas o que Felenstein no desconfiava era que, apesar do aspecto nada impressionante, o computador Apple melhorara consideravelmente. Quando, nas reunies do Homebrew, indagado pelos associados, Wozniak dizia que vinha trabalhando num computador que teria tela em cores, usando poucos chips, ningum acreditava. No era levado a srio porque, ao que se acreditava, seriam necessrios no mnimo 40 chips para realizar o que Wozniak queria. Mas Wozniak, na verdade, conseguiu criar a cor, reduzindo pela metade a quantidade de chips usada no modelo original, e, alm disso, o computador tinha mais recursos. Wozniak foi um dos primeiros a reconhecer a necessidade dos programas de apoio, que dizem ao computador o que fazer. Na poca, a maioria dos aficcionados achava que todo computador, ou kit, deveria vir acompanhado, no mnimo, dos respectivos programas, grtis. A insistncia de Wozniak nos programas detonava acalorados debates nas reunies do Homebrew. Os entusiastas do equipamento pesado contestavamno, enquanto os que se dedicavam com afinco programao apoiavam-no. Bill Gates, que participara do desenvolvimento do BASIC para o Altair, assim escreveu num informativo do clube: Sem bons programas e um usurio que entenda de programao, o computador pessoal desperdcio. Tempos depois, os programadores de apoio tornar-se-iam negcio multibilionrio. Jobs e Wozniak desentenderam-se antes de viajar para Atlantic City. No contrato original entre Jobs, Wozniak e

Wayne, Wozniak detinha os direitos sobre os aperfeioamentos que fizera na Apple. No estava certo se queria que Jobs vendesse a verso em cores e pensava em vender o equipamento Processor Technology. A famlia apoiava-o nesta atitude defensiva com relao a Jobs, achando-o um mercenrio que queria se aproveitar da genialidade de Wozniak. Jerry Wozniak tinha srias dvidas quanto convenincia da unio do filho com Jobs, sendo de opinio que Jobs queria comear por cima sem ter que batalhar sua ascenso. Mas Steven Wozniak uma boa alma, que amolece com facilidade, e ele e Jobs j estavam em bons termos quando rumaram, depois de muito sacrifcio, para a costa leste. O computador de Wozniak despertou interesse em Atlantic City, tanto que a Commodore Business Machines foi bater porta da Apple. Achavam os representantes da Commodore que o equipamento de Wozniak possibilitaria empresa entrar no ramo dos microcomputadores. O interesse era dos mais bemvindos, porque Jobs e Wozniak encontravam-se a ponto de exausto. Jobs cuidou das negociaes com a Commodore, pedindo 100 mil dlares mais salrios de 36 mil dlares anuais para ele e Wozniak. Felizmente, para a Apple, a venda no se concretizou. Jobs desconfiava da Commodore e, quando investigou a empresa, no gostou do que descobriu. De sua parte, a Commodore achou o preo muito alto. Irving Gold, diretor-presidente, avaliou como absurdo a empresa adquirir a firma de dois garotos que trabalhavam numa garagem. O interesse da Commodore serviu para aguar o atrito entre Jobs e a famlia de Wozniak, principalmente quando Jerry Wozniak descobriu que a importncia seria dividida igualmente. O pai de Wozniak no ocultou o que sentia e enfureceu-se com Jobs, dizendo-lhe que ele nada merecia, pois nada projetara ou produzira. Para resumir, acrescentou: Voc no fez merda nenhuma! Durante a espinafrao. Jobs caiu em prantos vrias vezes, e dizia a Steven Wozniak que, se no fosse para dividir meio a meio, Steve poderia ficar com tudo. Esta proposta de Jobs, entretanto, no pde ser testada, porque a Commodore desistiu de comprar a Apple.

Por outro lado, o interesse da Commodore significou, para Jobs e Wozniak, a possibilidade de outras empresas quererem comprar a Apple. Jobs ofereceu o negcio a Nolan Bushnell, da Atari, que recusou friamente por no ver futuro nos microprocessadores. Wozniak procurou a Hewlett-Packard, que o acolheu de maneira semelhante porque no tinha inteno de ingressar num mercado dos mais dbios. Entrementes, o computador Apple precisava de novas modificaes, incluindo fonte de energia. Wozniak no se incomodara em projet-la porque nada tinha a ver com a high tech e, portanto, no lhe interessava. As fontes de energia usavam as leis bsicas da eletricidade, que h anos quase no haviam mudado. Porm, sem a regulagem adequada do fluxo de energia que percorre o computador, podem ocorrer surtos eltricos que queimam os chips e os semicondutores. Para complicar. Jobs insistia em prover uma fonte de energia que no precisasse de ventilador ruidoso para refrigerar o sistema interno. Jobs foi Atari e insistiu para que Al Alcorn indicasse um engenheiro capaz de projetar a desejada fonte de energia. O nome que lhe veio mente foi o de Rod Holt, homem de meiaidade que Jobs disse a Wozniak tratar-se do maior projetista do universo. Jobs estava entusiasmado com Holt, mas este desconfiou de Jobs, pois no sabia se seria pago pelo trabalho. Jobs garantiu que no haveria problema, e Holt recorda, tempos depois, que Jobs simplesmente condenou-o a aceitar a incumbncia. E assim Holt comeou a trabalhar na garagem de Jobs nos fins de semana, tornando-se, durante algum tempo, efetivo da Apple. Apesar de todo o trabalho de Jobs e Wozniak, a Apple ocupava lugar sem importncia naquilo que ainda era o mundo sem importncia dos microprocessadores. As vrias o empresas fabricantes de microprocessadores, brotadas qual cogumelos no Vale do Silcio, estavam por um triz, mas, mesmo assim, muitas havia em melhores condies do que a Apple. Jobs, pensando na imagem da empresa, resolveu que era preciso melhorar a publicidade e as relaes pblicas. Procurou, mais uma vez, seus conhecidos no ramo eletrnico, que lhe indicaram Regis

McKenna, e conseguiu, depois de muito insistir, que a agncia o representasse, tendo sido das associaes mais importantes que a pequena Apple poderia ter feito. Captulo 8 O COMEO DE UM GRANDE NEGCIO Regis McKenna, transplante californiano instalado no Vale do Silcio em 1963 a fim de fazer relaes pblicas, propaganda e marketing para os produtores da high tech, era irlands, muito perspicaz, e temperamental, com idias para promover empresas que pareciam avanadas demais para a poca. Criou sua prpria agncia em 1970 e aplicou sua mais nova abordagem ao marketing e propaganda. Na poca, grande parte da publicidade e dos assuntos divulgados na imprensa tratavam de memrias de acesso aleatrio, bits, bytes e outros dados tcnicos sobre os produtos. Eram engenheiros vendendo para engenheiros, diz. Os informes divulgados na imprensa eram to maantes e incompreensveis que, possivelmente, iam das mos do editor diretamente para a cesta de lixo mais prxima. McKenna queria criar uma imagem empresarial capaz de apetecer a um segmento mais amplo do mercado. Em vez de bits e bytes, procurava enfatizar os valores humanos do produto e capitalizar, nas empresas, as pessoas de destaque que transpiravam respeitabilidade. No trato com a imprensa era tambm inusitado. Em vez de bombardear a mdia com informes noticiosos e depois esperar sentado pela publicidade, salientava a importncia de cultivar relacionamentos com a imprensa. Quando voc janta ou almoa com um sujeito, ele se lembra de voc, dizia. Mas no vai se lembrar de um informe datilografado. McKenna acreditava que, quando se conseguem 10 publicaes influentes, as demais seguem-nas como cordeiros. McKenna passava horas a fio com suas empresas-clientes discutindo a necessidade de educar a imprensa quanto aos caprichos dos produtos da high tech. Os chips, os minicomputadores e os microprocessadores ainda estavam na

infncia, e os reprteres que cobriam o novo ramo eram relativamente ingnuos, atrapalhando-se com informaes para eles incompreensveis. McKenna empenhava-se em educ-los, promovia reunies para enfronhar-se com os mexericos do ramo e conseguia levar a imprensa na palma da mo. Ningum mais apto, no Vale do Silcio, para criar publicidade favorvel a um cliente, do que Regis McKenna. Assim, quando Jobs telefonou agncia em busca de auxlio, estava entrando em contato com um grande talento. Jobs no tinha muito a oferecer quando a procurou. Afinal, no passava de um garoto que trabalhava numa garagem com Wozniak. Quando telefonou, no falou diretamente com McKenna e sim com Frank Burge, empregado que ajudava a filtrar os clientes potenciais. Burge no se impressionou com Jobs ou com o que disse, mas, para livrar-se dele, concordou em marcar uma entrevista. Mesmo assim. Jobs continuou a telefonar, deixando inmeros recados. Sabia que Burge recebia vrios telefonemas e temia que, se parasse de insistir, seus recados fossem parar no fundo da pilha. Burge impressionou-se com a persistncia de Jobs. Queria tirar o jovem de seus calcanhares, mas, homem generoso, no pretendia mago-lo. Quando se ps a caminho da entrevista com Jobs, comeou a imaginar situaes que lhe permitissem rpida retirada sem ser mal-educado, acreditando que o encontro seria pura perda de tempo. Ao chegar casa de Jobs, suas piores suspeitas se confirmaram. Quando Jobs veio ao seu encontro, direto da cozinha, tinha o mesmo aspecto de sempre, e todas as suas intenes corteses esvaram-se pela janela. S conseguia pensar em ir embora dali. Porm, quando Jobs comeou a falar, Burge sentiu-se cativado por aquele homem que, apesar do aspecto maltrapilho, fazia uma eloqente exposio de motivos. Lembra que, nos primeiros trs minutos, dois pensamentos lhe ocorreram: Primeiro, era um jovem inteligentssimo. Segundo, eu no entendia um milsimo do que ele estava falando. Claro, Burge pensou, aquela transao nada convencional merecia um pouco mais de investigao e estudo. Entrou em contato com Paul Terrell, dono das lojas Byte Shop e cliente da

McKenna, pedindo as credenciais de Jobs e mais informaes sobre a Apple. Terrell informou que a empresa era desorganizada, pretensiosa, e que Jobs no tinha jeito para marketing. A Agncia McKenna no respondeu de pronto. Foram necessrias vrias semanas para os executivos considerarem os prs e contras da Apple. Houve um memorando favorvel, dizendo: Apesar de [Jobs] ter colocado uma boa quantidade para ser vendida a varejo, ainda no sabemos se o(s) lojista(s) conseguiu(ram) vend-la. O gancho que cativou a agncia foi uma comparao entre Jobs e Nolan Bushnell, da Atari, empresa representada pela McKenna. Observou o memorando que Jobs era jovem e inexperiente, mas Bushnell tambm o era quando inaugurou a Atari, e hoje, diz, tem um patrimnio pessoal de 10 milhes de dlares. A agncia concordou em cuidar da conta da Apple, remunerando-se base de um percentual sobre as vendas. O encontro marcado para apresentar Wozniak e Jobs a Regis McKenna no foi bem-sucedido. McKenna era respeitado no Vale do Silcio e, em 1976, quando o encontro aconteceu, j representava vrios clientes da high tech, alm de ter o ego do tamanho de um bonde. Seu carto de visitas dizia REGIS McKENNA, EM PESSOA. Uma das inovaes que o ajudaram a firmar a National Semiconductor foi mandar imprimir cartes com fotos e dados relevantes dos astros da National, semelhantes s figurinhas do beisebol, to populares entre as crianas. Quando comeou, independente, cuidou da conta da Intel, grande fabricante de semicondutores. Usou relaes pblicas, mais do que propaganda, como plataforma de lanamento da empresa. Sem se contentar com a costumeira publicidade nas revistas especializadas, galgou o corao da imprensa do pas e conseguiu matrias em grandes jornais e revistas. Quando conheceu Jobs e Wozniak, j tinha certa experincia em promover o pequeno mundo dos microprocessadores e, aplicando a si mesmo as tcnicas de relaes pblicas que levavam tanto xito aos clientes, criara uma imagem de apuro e especializao que dava agncia porte maior e mais substancial do que tinha na verdade.

Jobs, Wozniak e McKenna no se sentiram vontade no incio. Wozniak estava escrevendo um artigo para publicar numa revista especializada, e MacKenna pediu para dar uma olhada, salientando que o texto no devia conter muitos termos tcnicos. Irritado, Wozniak respondeu que no ia permitir que um relaes pblicas corrigisse seu trabalho. O nimo irlands de McKenna exaltou-se, e ele explodiu: Bem, ento melhor vocs darem o fora! Jobs, alarmado com o rumo dos acontecimentos, invocou todo o seu charme de persuaso e conseguiu acalmar a sbita tempestade. Quando a reunio terminou, o acordo entre McKenna e a Apple estava intato. A Apple tinha, na ocasio, menos de 1.000 dlares no banco. McKenna iria assumir grandes riscos com a Apple. A agncia informou que s daria prosseguimento aos trabalhos depois de avaliar a eficcia do primeiro anncio. Mesmo assim, para a Apple, foi um contrato importante, o primeiro de uma srie de progressos que viriam em rpida sucesso. A Apple tinha planos de expanso, mas no possua dinheiro. Jobs, pensando em valer-se de capital de risco, pediu a Nolan Bushnell contato com pessoas potencialmente interessadas em investir na nova empresa. Bushnell, depois de falar dos problemas que Jobs teria com os capitalistas de risco, alertou-o: Quanto mais longe voc ficar desses caras, melhor! Mas a Apple estava desesperada atrs de dinheiro, e Bushnell mencionou Don Valentine, que investira na Atari e continuava atuando como capitalista de risco. Valentine era homem de muito sucesso. O pai fora motorista de caminho, em Nova York, e Valentine prosperara por conta e iniciativa prprias. Levava na bagagem vrios anos de experincia prtica em high tech. Fora diretor de marketing da Fairchild e da National Semiconductor antes de montar a Sequoia Ventures, em Portland, Oregon. Seu sucesso refletia-se nos carssimos ternos que usava e no Mercedes Benz que dirigiu de Portland ao Vale do Silcio para dar uma olhada na Apple. O fato de Valentine ter-se incomodado em fazer uma viagem para visitar dois jovens numa garagem era um verdadeiro tributo, estimulado pela Regis McKenna, de cuja diretoria Valentine era membro. McKenna telefonara a Valentine para falar da Apple.

Mas Valentine no chegara posio em que estava deixando-se enganar por jovens eloqentes, como Jobs; considerava apenas os fatos frios e ridos e o potencial de ganhar dinheiro. Costumava dizer que s queria ajudar quem tivesse grandes idias e um plano operacional que as concretizasse. Queria investir em empresas iniciantes cujos empresrios falassem em termos de bilhes de dlares e no milhes. Quando entra algum em minha sala dizendo que quer ser milionrio, fico entediado, dizia. Valentine no se impressionou com Wozniak nem Jobs, e o esquema que tinha traado para o futuro da Apple j estava fadado a desinteress-lo. Jobs e Wozniak explicaram que o mercado dos consoles de computadores continuava expandindo, segundo previsto, e que se contentariam com pequena frao do mercado, e Valentine concluiu que os dois jovens no faziam a mnima idia da dimenso do mercado ou de como iriam posicionar seu produto. Os jovens, alm disso, pensavam muito pequeno para estimul-lo. Quem pensa pequeno no realiza grandes coisas, disse consigo mesmo, e descartou a Apple. Em defesa de Wozniak e Jobs preciso reconhecer que, na verdade, ningum entendia o potencial do mercado dos microprocessadores, que consistia, at ento, basicamente de amadores. Quando a Apple Computer pde enfim tomar p, observa McKenna, teve que criar o mercado e a infra-estrutura para apoi-lo. Estas idias de comercializao ajudaram a garantir o sucesso da Apple que no tardaria, embora, por ocasio da visita de Valentine, ningum percebesse. Valentine guardou seu dinheiro, mas sugeriu outros capitalistas de risco talvez interessados em investir na empresa. Um deles era Armas Clifford Markkula, conhecido como Mike porque detestava seus prenomes. Markkula trabalhara com Valentine na Fairchild e, assumindo riscos, tornara-se milionrio aos 30 anos de idade. E estava aposentado, com 33 anos, quando Valentine sugeriu-lhe conhecer Jobs e Wozniak. Natural da Califrnia, era bacharel e ps-graduado pela Universidade da Califrnia, tendo escolhido como uma das metas de sua vida ser milionrio aos 30 anos.

Trabalhara para a Hughes Aircraft Company, como engenheiro eletricista, depois na Fairchild, em seguida, na Intel. Markkula era homem irrepreensvel no Vale do Silcio, preferindo a vida familiar s luzes e ao fulgor da badalada vida californiana. Na Intel, era considerado empregado competente, mas no o achavam capaz de brilhar. Dispensava o jogo sujo da poltica interna e, na verdade, no se sentia vontade ali. Tomou muito dinheiro emprestado para comprar aes da empresa e, quando a Intel abriu o capital, ganhou milhes de dlares. Em termos do Vale do Silcio, porm, onde existem dzias de milionrios, era considerado menor, embora gostasse de roupas, casas e carros extravagantes. Quando foi visitar Jobs e Wozniak, chegou num Corvette dourado. O computador de Wozniak tocara-lhe o corao de engenheiro, e ele gostou de Steven Jobs. Depois do harmonioso encontro, manteve conversas adicionais com Valentine para sondar o que achava do futuro da Apple. Valentine recusara a Apple por no ach-la grande o bastante, mas seus comentrios sobre o computador e o mercado potencial convenceram Markkula de que era possvel criar um novo ramo e ganhar muito dinheiro. Markkula, cujo patrimnio estava estimado em mais de 22 milhes de dlares, desfrutava a aposentadoria e na verdade no precisava de mais dinheiro para levar vida de luxo. Mas via ali oportunidade no s de ganhar mais dinheiro, mas de gravar uma marca indelvel no mundo dos negcios. noite e nos fins de semana, discutia exaustivamente sobre a Apple com Jobs e Wozniak, e a cada reunio ficava mais otimista. Porm, queria apoio da esposa para a grande batalha que teria que enfrentar para levar a Apple ao sucesso, apoio que no faltou quando resolveu dedicar quatro anos Apple e avalizar um emprstimo bancrio de 250 mil dlares para montar a empresa e cobrir os custos de desenvolvimento e produo do Apple II. Tomada a deciso, Markkula telefonou para a Regis McKenna, recebendo a garantia de que a agncia seria tolerante com Jobs e Wozniak, ambos sem experincia em negcios. Jobs, Wozniak e Holt mantiveram novas reunies com Markkula, discutindo o futuro da Apple e as espinhosas questes dos

salrios e da diviso das aes. Markkula queria um tero da empresa, e Wozniak, que ainda trabalhava na Hewlett-Packard, questionou abertamente se Jobs valia de fato os 20 mil dlares anuais que lhe eram oferecidos em salrios. Para surpresa de Wozniak, Markkula defendeu Jobs. Ele gostava de Steve, diz Wozniak. Via-o um futuro executivo. Holt estava apreensivo quanto a Markkula, achava-o meio arrogante, como costumam ser os endinheirados. Markkula, por sua vez, desconfiava de Holt e verificou todas as suas referncias, remontando escola secundria. Quanto a Wozniak, a coisa toda no cheirava bem. Achava que a f de Markkula no futuro da Apple no passava de um delrio e que todo o investimento seria perdido. E tambm no queria largar a Hewlett-Packard, onde aguardava um futuro brilhante, para dedicar-se Apple em tempo integral. A esposa de Wozniak, Alice, tambm acostumada aos pagamentos regulares, compartilhava das dvidas do marido. Wozniak estava com transferncia marcada para Oregon, na HewlettPackard, mas Markkula condicionava a participao de Wozniak na Apple sua dedicao exclusiva empresa. Wozniak recebeu prazo para decidir, do contrrio estaria fora. O problema, para Markkula, Jobs e Holt, era que Wozniak tornara-se indispensvel. Jobs comeou a telefonar para todos os amigos e parentes de Wozniak, pedindo-lhes que o pressionassem a permanecer na Apple, alm de procurar os prprios pais de Wozniak, que ainda o consideravam um rapazinho oportunista que se aproveitava de Steven, e pedir-lhes que convencessem o filho de mudar de idia; recebeu, entretanto, resposta to custica, que saiu dali chorando. Mike Markkula disse que ia investir 250 mil dlares, mas s se eu sasse da Hewlett-Packard, diz Wozniak. Quanto a mim, projetara o Apple II, o BASIC e uma quantidade enorme de projetos, trabalhando noite, e achava que podia continuar fazendo isto tudo e ainda conservar meu emprego seguro na Hewlett-Packard. Mas Markkula disse: No. Voc tem que assumir compromisso integral. Pensei, durante algum tempo e, no dia aprazado, respondi: No.

Steve mandou meus parentes e amigos me telefonarem, mas eu no queria dirigir um negcio, prossegue Wozniak. Eu me amarrava na parte tcnica, era jovem, e achava que toda essa histria de empresas, diretorias, era uma politicagem imprestvel, um jogo de que eu no queria nem chegar perto. Ento um amigo me telefonou e disse que eu no precisava ser diretor, ou homem de negcios, que eu podia continuar sendo engenheiro pelo resto da vida e ainda assim participar da empresa e ficar rico. Aquilo fez sentido para mim, porque eu no queria ser uma coisa que eu no era. Foi a que ca em mim, quando percebi que podia ser engenheiro pelo resto da vida. A Apple Computer Company foi fundada em 3 de janeiro de 1977, e, para formar-se, a sociedade precisou de apenas 5.308,96 dlares. Markkula, visando garantir-se contra futuras reivindicaes de Ron Wayne na empresa, comprou suas aes por 1.700 dlares. Wayne, que, por no ver futuro na empresa, se demitira h algum tempo para livrar-se da responsabilidade com as dvidas atrasadas, que ento se acumulavam, ficou muito satisfeito com a soluo. Markkula no queria dirigir as operaes, e Jobs e Wozniak no tinham a experincia necessria. Wozniak no tinha interesse mesmo, mas Jobs, acostumado a fazer quase sempre o que queria, receava ser chefiado. Regalava-se com o poder e a liberdade de ao, e queria continuar assim. Markkula convenceu-o de que a questo mais premente no era o poder e sim uma empresa bem organizada e administrada com o fito de ganhar dinheiro. Como Jobs gostava de dinheiro e saboreava o poder, viu sabedoria na afirmao de Markkula. Markkula achava que Michael Scott poderia ser persuadido a se tornar o presidente da Apple. Alm de as duas carreiras se terem entrecruzado vrias vezes, Markkula confiava nele para vigiar os centavos. Os dois, que haviam nascido na mesma data, com um ano de diferena, eram amigos ntimos, e todo ano, ritualisticamente, comemoravam juntos o aniversrio. Foi no encontro de 11 de fevereiro de 1977 que Markkula convidou-o para juntar-se Apple. Scott era engenheiro, criado em Gainesville, Flrida, e seu interesse em computao remontava adolescncia. Depois de

certa procura, entrara para a Diviso de Sistemas da Beckman Instruments, na Califrnia, onde colaborara na produo de equipamento de apoio de superfcie para os foguetes Saturno. Como detestava a poltica empresarial, largou a Beckman, foi para a Fairchild e, novamente tragado pela poltica, foi para a National Semiconductor na esperana de nunca mais envolverse no jogo poltico empresarial. Aos 32 anos, era encarregado de uma linha de montagem de semicondutores que faturava 30 milhes de dlares anuais em vendas. Mas, como fabricar semicondutores no nada glamoroso, Scott se entediou e viu oportunidade de construir sua reputao presidindo uma empresa que, a curtssimo prazo, acreditava, seria um marco no mundo dos negcios. Markkula sabia que ele prprio no tinha temperamento adequado direo da Apple, pois detestava conflitos e tinha muita dificuldade em dizer no. Era mais forte em diplomacia, planejamento empresarial e estratgia de marketing. Quando sugeriu Scott para a presidncia, Wozniak alegrou-se, pois no queria participar da gesto e gostava do bvio interesse de Scott por computadores. Via tambm com bons olhos o fato de ter outra pessoa, alm de Jobs, no comando. Quanto a Jobs, apesar de suas dvidas com respeito a Scott, via com indefinio seu prprio papel na empresa. Por um lado, no queria abrir mo do controle; por outro, parecia constatar que carecia das qualificaes necessrias. Estava ciente, tambm, de que, a qualquer momento de confronto, poderia destronar Scott, se Wozniak ou Markkula o apoiassem. A maior preocupao de Scott, por sua vez, era quanto ao fato de conseguir ou no se relacionar com Jobs. Eu no sabia se ele ia executar as minhas ordens ou se iramos discutir o tempo todo, disse. Esta preocupao, ao longo dos anos, demonstrou-se real. Ele e Jobs desentenderam-se desde o incio, e juntos quase arruinaram a empresa. Finalmente todos concordaram e Scott foi contratado como o primeiro presidente da Apple. Na qualidade de chefe titular dos trs dirigentes, recebia salrio de 20.001 dlares anuais, um dlar a mais que Markkula, Jobs e Wozniak.

Os quatro formavam aliana inauspiciosa, cujo nico interesse comum era a eletrnica. Wozniak criara o computador, mas no queria se meter com a direo do negcio; Markkula largara a aposentadoria porque via possibilidades de aumentar seus milhes e participar da criao de uma nova empresa. Scott aderiu porque, entediado com os semicondutores, queria fazer algo diferente, e Jobs porque, sem metas profissionais prprias e na falta do que fazer, agarrara-se s fraldas de Wozniak. A ligao de Markkula com a Apple tinha implicaes que iam muito alm do dinheiro que investira na firma embrionria. Contribua com aptides para o trato organizacional, experincia comercial e influncia, que se firmava cada vez mais, sobre o instvel Jobs e que teria que exercer inmeras vezes nos anos que se seguiam. Embora todos alimentassem muitas esperanas na nova empresa, no faziam a menor idia de que, a apenas trs anos dali, a Apple iria valer dois bilhes de dlares e, a cada um, pessoalmente, centenas de milhes. Captulo 9 PROBLEMAS E PROMESSAS A situao da Apple logo comeou a mudar, j que contava com orientao profissional e leve estofo de capital de giro. A empresa abandonou a garagem de Jobs e instalou-se num prdio localizado no Stevens Creek Boulevard, em Cupertino, prximo s residncias de Wozniak e Jobs. Os cmodos eram pequenos, e a rea tcnica, separada do restante da empresa por uma divisria de compensado. Mike Markkula deu incio difcil tarefa de desenvolver um plano operacional, enquanto Scott cuidava das atividades dirias. Wozniak, juntamente com um punhado de tcnicos e engenheiros contratados s pressas, estava envolvido em terminar o Apple II a tempo de participar da Feira de Computadores da Costa Oeste, alguns meses adiante. Jobs, sem responsabilidades especficas, flutuava de um projeto a outro, de uma mesa outra, exaltando os nimos e, de modo geral, tornando-se temido e antiptico. Markkula enfrentou desafio sem precedentes ao desenvolver um plano operacional capaz de levar a Apple ao

sucesso. A prtica habitual de olhar o mercado e determinar que fatia atingir no se aplicava, porque o nico mercado existente consistia de um grupo relativamente pequeno de aficcionados amadores. Dezenas de grandes empresas j tinham investigado a possibilidade de desenvolver microcomputadores, abandonandoa diante de mercado to restrito. A maioria dos computadores, na poca, no tinha uso prtico, e Markkula precisava criar um mercado at ento inexistente. Ele e Scott visualizaram, alm do mercado dos amadores, pequenas empresas e indivduos que poderiam usar os computadores pessoais, desde que fossem comercializados convenientemente. A Tandy, que opera uma rede de lojas Radio Shack pelo pas, criara um microcomputador e vinha pensando em linhas semelhantes s de Markkula. Com vistas a desenvolver o plano operacional da Apple, Markkula procurou pessoas em que confiava e que respeitava, e passou o primeiro trimestre de 1977 desenvolvendo o que esperava fossem metas realsticas para a Apple. Neste seu empenho, um consultor-chave foi John Hall, controller de uma empresa farmacutica. No eram amigos ntimos, mas respeitavam-se mutuamente. Quando se conheceram casualmente, Markkula tomou conhecimento de que Hall auxiliara na fixao de metas para algumas pequenas empresas em implantao, e quando o chamou para ajudar a Apple, Hall tirou 14 dias de frias que passou discutindo, durante horas aparentemente inesgotveis, com Scott, Markkula, Jobs e Wozniak, os detalhes prticos do ramo. O desenvolvimento da estratgia global coube a Markkula, Hall e Scott, que resolveram que a Apple deveria tentar atrair o mercado dos amadores e expandi-lo aos usurios profissionais e domsticos. O mercado profissional consistia de fsicos, dentistas, contadores e pessoas que mantinham pequenas operaes. Resolveram salientar a capacidade do computador Apple de controlar sistemas automticos domsticos, como portas eletrnicas, regulagem do aquecimento e acionamento de vrios aparelhos. O plano mercadolgico era conseqncia de trs meses de trabalho e, uma vez terminado, nenhum dos envolvidos em sua criao acreditou no resultado. Hall desconfiou tanto da estratgia que ajudara a criar que recusou

juntar-se Apple, a convite de Markkula, como vice-presidente de finanas. Achava a Apple um disparate e no queria seu envolvimento. Apesar disso, porm, devia, ao que parece, ter certa confiana na empresa, pois pediu para receber em aes os seus honorrios de consultor. Markkula recusou e pagou-lhe quatro mil dlares em dinheiro. Markkula procurou outros conhecidos seus para colaborar na parte administrativa, mas no foi fcil. Contratou Sherry Livingston para ser a menina dos olhos da Apple. Ela fazia de tudo, desde atender ao telefone at o expediente da rua, mas s aceitou depois que se convenceu das perspectivas da empresa, o que ocorreu quando Markkula mostrou-lhe uma gaveta cheia de pedidos. Gene Carter, que Scott conhecera na Fairchild, estava desempregado, procurando trabalho, e Scott contratou-o para encarregar-se das vendas e distribuio. Contratou tambm Gary Martin, outro conhecido da Fairchild, para cuidar das finanas. Martin aceitou o emprego com reservas, porque tinha um s na manga: Eu sabia que podia voltar para a Fairchild em 30 dias. No levava muita f no produto da Apple. Quando inspecionou o Apple II, que ainda no estava acabado, pensou: Ora, quem vai querer uma coisa dessas? Quanto ao aspecto tcnico, no havia escassez de mo-deobra qualificada para o Apple II. Os poucos tcnicos e engenheiros contratados confiavam em sua capacidade de arrumar outro emprego, caso a Apple viesse a falir. Como homens, estavam emocionados com a possibilidade de criar um novo produto, bem como por se terem livrado da chatice da rotina em troca de uma engenharia inovadora. Nenhum dos empregados previu, ao entrar para a Apple, a presso que iria sofrer. Os computadores vinham galgando importncia porque estavam atraindo o mercado de clientes potenciais alm do mercado dos aficcionados amadores. O Clube Homebrew fora at ento o local de exposio dos novos produtos, mas agora havia mostras de computadores por todo o pas, atraindo gerentes de informtica de numerosas empresas que se punham lado a lado com os aficcionados. Se um produto atrasse a ateno de um gerente de informtica, poderia gerar

dezenas de pedidos e enriquecer uma empresa da noite para o dia. No muito tempo depois que Jobs e Wozniak juntaram seus tostes para transportar seu console para Atlantic City, houve uma grande feira de computadores, na primavera de 1977, no auditrio municipal de San Francisco, organizada pelo Clube Homebrew sob o estmulo das fartas comitivas que percorreram os stands em Atlantic City. Na nota divulgada em fins de 1976, o Homebrew prometia o comparecimento de um grande nmero de entusiastas e clientes potenciais ao evento que fora apelidado de Primeira Feira de Computadores da Costa Leste. Era imperativa a presena da Apple, e Steven Jobs foi um dos primeiros exibidores a reservar espao para o Apple II, embora ainda faltasse muita coisa a ser aprimorada no computador. Wozniak j terminara a parte tcnica, mas, como projetista, no se interessava muito por elegncia. Foi Jobs quem visualizou o produto final, achando que deveria ter um aspecto elegante e ser fcil de usar. As exposies toscas e nuas que vira na poca das reunies do Homebrew desmotivavam-no. No eram atraentes ao olhar, e por isso imaginou dar ao Apple II o realce de um cisne contra um fundo de patinhos feios. Steve teve muito a ver com o projeto da carcaa do computador, diz Wozniak. Quanto a mim, meu nico interesse foi o de construir um computador pequeno e potente, no pensei muito na aparncia. Jobs no teve nada a ver com os aspectos tcnicos do Apple II, mas envolveu-se muito com a embalagem. Na poca, a maioria dos microcomputadores era capeada com metal laminado, porque era malevel e razoavelmente barato, mas Jobs achava que um invlucro de plstico o tornaria mais elegante e vendvel. Os que se opunham argumentavam que os aficcionados no davam a mnima importncia para o aspecto do computador, mas Jobs fincou p, com razo, alegando que, se o computador no fosse atraente, no provocaria o interesse dos clientes potenciais, alm do ncleo fechado de aficcionados. E argumentou com tanta convico que todos na Apple convenceram-se de que o plstico seria de fato a soluo.

Para projetar a carcaa do computador. Jobs contratou Ron Wayne, que produziu vrios esboos em aquarela, visando o projeto a proteger a estrutura interna contra caf derramado, cabelos e outros detritos. Mas usava madeira nas laterais, e no era o que Jobs queria. Jobs recusou o projeto e foi encaminhado a Jerry Mannock, indicado por um amigo de Wozniak na Hewlett-Packard. Mannock comeara como engenheiro eletrnico, mas acabou preferindo o design aos trabalhos esotricos da eletricidade. Montara uma empresa que mal dava para sua subsistncia, e estava procura de trabalho adicional quando conheceu Jobs. Jobs disse a Mannock que precisava das carcaas em trs meses, para poder levar o computador Feira de San Francisco. Mannock concordou, mas queria 1.500 dlares adiantados porque tinha suas dvidas a respeito da Apple. Achava-a inconsistente, capaz de falir facilmente, sem pag-lo, mas Jobs tratou de convenc-lo de que a Apple era to slida quanto a Rocha de Gibraltar. A forma da estrutura interna do computador e suas funes geraram o projeto da caixa. A forma tinha que acompanhar o funcionamento. A carcaa precisaria de uma tampa removvel, tinha que ter altura suficiente para acomodar o monitor, e o interior precisava ser ventilado para evitar acmulo de calor. Mannock apresentou seu projeto em trs semanas, o mais simples que pde conceber. Jobs gostou e com pequenas modificaes, incluindo alas para levant-lo, aprovou-o. Jobs supervisionava tambm o desenvolvimento do logotipo da empresa, e decidira que o desenho original, Newton encostado numa macieira, era cerebrino demais. O plano operacional exigia comercializao voltada para pblico mais amplo, e Jobs queria um logotipo simples com maior apelo. Rob Janov, um dos diretores de arte da Agncia Regis McKenna, colou em Jobs para a ideao do conceito. Janov teve a primeira idia: uma ma mordida num dos lados, mordida que simbolizaria os bits e bytes, e Jobs concordou. A seguir Janov comeou a rechear a ma com listras horizontais coloridas, dando-lhe um vistoso toque de classe. As cores tinham a seqncia do arco-ris, sinal simblico de futuro de sorte. Jobs rejeitou categoricamente a idia de separar as cores com traos

finos que facilitariam a reproduo. Enquanto a maioria das empresas do ramo simplesmente imprimia a marca numa placa que ficava no computador. Jobs queria viajar de primeira classe. A ma colorida, cravada com uma mordida, tornou-se o logotipo da empresa. Jobs percorreu toda a empresa para ajudar nos detalhes que ainda precisavam ser trabalhados em curto espao de tempo. Holt ainda trabalhava na fonte de energia, buscando abordagens jamais tentadas para os microcomputadores. Resolveu usar um comutador que liga e desliga a corrrente com tanta rapidez que garante a passagem de um fluxo constante de energia pelo computador, eliminando a possibilidade de haver surtos de energia que viessem a queimar os sensveis chips. Wozniak, que observava o progresso de Holt com curiosidade nada passageira, surpreendeu-se com o resultado. Eu no fazia muita idia do que era um interruptor, diz. Jobs encarregou-se tambm de mandar imprimir os circuitos do Apple II. Procurou Howard Cantin, que conhecera na Atari, com tantas exigncias, insistindo em que as linhas de solda nos chips fossem limpas e retilneas, que Cantin subiu pelas paredes de to zangado, jurando nunca mais trabalhar para Jobs novamente. Havia ainda muitos detalhes a serem finalizados, e Jobs perseguia-os apressado. Os cartes de visita s foram entregues alguns dias antes da inaugurao da Feira. Jobs tambm estava preocupado com a cor do teclado, e resolveu que seria marrom. Mas a cor foi problema nfimo do teclado, que enguiou em menos de meia hora de uso contnuo. A causa foi localizada num chip defeituoso. E Wozniak, tambm ocupado, procurava inserir num chip uma forma abreviada do BASIC e escrever programas capazes de demonstrar as possibilidades do computador alm de seu potencial de cores e sons. Ante a aproximao da Feira, a agitao era frentica para garantir que as caixas, projetadas por Mannock, ficassem prontas a tempo. Era preciso escolher forma mais eficiente de model-las, pois, quando eram retiradas dos moldes, apresentavam ressaltos e rebarbas. A Apple, durante semanas a fio, mais parecia uma fbrica de carcaas do que de

computadores, com todos os empregados ocupados em lim-las e lix-las, at que, uma vez lisas, fossem pintadas de bege. O computador criado fora obra de muita gente. Wozniak patenteou o microcomputador com monitor, e Holt patenteou o importante e novo sistema de comutao. Este percurso, entretanto, no fora tranqilo, absolutamente, e o temor de Scott quanto a conseguir ou no relacionar-se com Jobs provara ser fundado. Jobs queria meterse em tudo. Steve no tinha habilidade para lidar com pessoas, diz um analista que acompanhou a Apple por muitos anos. Governava por intimidao, gritando e xingando. As pessoas sentiam-se amedrontadas. Scott, que o admirava em certos aspectos, concorda com a anlise. Depois que voc tomava a iniciativa de fazer uma coisa, ele se encarregava de fazer as marolas, disse. Ele gostava de voar de um lado a outro, como um beija-flor, a 200 quilmetros por hora. Os empregados lembram-se dos constantes embates verbais que os dois travavam aos berros. Scotty era o nico que Jobs no conseguia intimidar, diz um dos primeiros empregados da Apple. Entrava na sala de Scotty falando a 200 por hora, e nem lhe dava tempo para respirar. Era assim o seu estilo, atropelar as pessoas. Mas Scotty cortava-o, mostrando-lhe sua bela plaqueta de presidente. O ego de Jobs tambm atrapalhou quando Scott comeou a distribuir os crachs de identificao dos empregados, com nmeros. Como, para Scott, o aspecto tcnico era mais importante do que o administrativo, deu a Wozniak o crach nmero 1. Jobs foi logo procur-lo. - Eu sou o nmero 1? - perguntou. - No, Wozniak o nmero 1, voc o nmero 2. - Mas eu quero ser o nmero 1. Posso ser o nmero zero, no posso? - Isso, Wozniak fica com o nmero 1, e eu fico com o nmero zero. Scott, para manter a paz, deu a Jobs o nmero zero, mantendo o nmero 1 para Wozniak.

Outros empregados observavam a atuao de Jobs e Scott. Steve tinha muitas idias, mas no possua experincia, diz um deles. Steve tinha idias, mas Scotty as idias certas. Outro diria; Dava para ouvir os berros dos dois em todo o escritrio. Scott se enfurecia tanto que ficava da cor de uma beterraba, e Steve, as vezes, saa chorando, de to magoado e frustrado. Scotty tinha que dar duro nele, para mant-lo na linha. Algumas discusses eram por bobagens. Quando chegaram as divisrias do escritrio, os empregados dispuseram-nas criativamente, para evitar a monotonia, e Jobs e Scott brigaram por causa disso, e tambm por causa da cor do material. Outra vez. Jobs estava assinando uns pedidos de compra quando Scott chegou e disse que Jobs no estava autorizado a assin-los. - Eu cheguei primeiro aqui, e vou assinar-disse Jobs. - No, quem vai assinar sou eu - retrucou Scott. Jobs insistiu, e Scott ameaou demitir-se. Jobs tambm vinha criando fama de bruto e intolervel com o pessoal que mantinha transaes com a Apple. Certa vez, ficou furioso quando recebeu uma mquina de escrever que no era da cor encomendada, e espinafrou o entregador da fornecedora. Outra, com insultos, acuou o instalador dos telefones porque os aparelhos no eram da cor que escolhera. E no hesitava em repreender os empregados dos fornecedores, mesmo os de empresas bem maiores. Era detestvel com todos eles, recorda outro empregado. Ns pensvamos: Como que algum pode tratar assim um ser humano? Markkula, sabendo que a propaganda de boca em boca era a mais eficaz, resolveu que quem possusse um Apple I poderia troc-lo por um Apple II. Entre os aficcionados do computador, este tipo de troca era particularmente significativo. Na ocasio, o computador Apple I era o oitavo colocado na preferncia dos 1.500 membros do Clube Homebrew, e o Apple II, ao que se esperava, deveria conquistar alguns degraus para a Apple. Apesar do tumulto interno, das mgoas e berreiros, o trabalho continuava no Apple II, e Markkula procurava o melhor meio de realar a Apple na Feira de Computadores da Costa Leste. Graas reserva antecipada de Jobs, a Apple conseguira

um local privilegiado no auditrio municipal. Markkula sabia que causar boa impresso era de fundamental importncia e solicitou ajuda da Agncia McKenna para o projeto do stand de exibio. Trs Apple II foram dispostos de maneira dramtica contra fundo cinza, e o novo logotipo colorido da empresa, iluminado por refletor. Havia no local uma tela enorme de televiso para expor o potencial do computador a grandes platias. Era uma apresentao de qualidade e profissional, dando a conhecer a Apple como empresa consubstanciada. Os trs computadores expostos eram, na verdade, os nicos que a Apple conseguira montar inteiramente. Markkula, sabendo que o traje molambento e as sandlias de Jobs no causariam impresso favorvel, mandou-o a um alfaiate em San Francisco, onde Jobs comprou o primeiro terno de sua vida. Wozniak tambm estava muito bemvestido. A Feira atraiu enorme multido, mas o stand da Apple, apesar da proeminncia, no se comparava favoravelmente aos stands maiores. A Commodore exibia seu computador num stand impressionante, bem como a Tandy. Representantes das vrias empresas concorrentes espiavam todo o auditrio, passando olhos crticos e avaliadores nos stands das demais. Embora o da Apple no fosse dos maiores, era inequivocamente diferente daqueles usados pelos aficcionados amadores, e mostrou uma Apple de classe e solidez. Milhares de clientes potenciais percorriam o auditrio, e Markkula fez o que pde para tentar vender-lhes a empresa. O novo visual da Apple atraiu muita ateno, e os clientes potenciais que levaram os folhetos explicativos impressos do Apple II ficaram impressionados com suas possibilidades. Para a maioria, era difcil acreditar naquela iniciativa, nova e radical, de recobrir o computador com plstico, e os engenheiros se surpreenderam com a gerao de cores com to poucos chips. Nas poucas semanas que se seguiram, a Apple recebeu encomendas de cerca de 300 Apple II, 100 a mais do que a quantidade total de Apple I vendidos. Apesar de muito importante para a Apple, a Primeira Feira de Computadores da Costa Leste no conseguiu conter o

diabrete brincalho em Wozniak. Foi o local perfeito para uma brincadeira que poderia ter trazido srias repercusses para a Apple. Wozniak preparou um original, mandou imprimir, e distribuiu secretamente, pelo auditrio, pilhas de folhetos explicativos de um novo e espantoso computador inexistente. O folheto dizia: Imagine a mquina dos sonhos. Imagine a surpresa dos computadores do sculo aqui presente hoje. Imagine um desempenho Z-80 superior. Imagine o BAZIC em ROM, a linguagem mais completa e poderosa j desenvolvida. Imagine o monitor vazio, muitos. Imagine um texto rotativo, automtico, 16 linhas completas com 64 caracteres. Imagine vrios grficos em cores, de estontear a vista. Imagine uma fonte de cassete, de pesquisa ultra-rpida, de 1.200 baud. Imagine um inigualvel sistema I/O absolutamente compatvel com o Altair 100 e o Zaltair 150 bus. Imagine um console de design extico, uma pea de decorao a mais em sua sala de estar. Imagine o Zaltair, j disponvel na MITS, empresa onde nasceu a tecnologia dos microcomputadores. O folheto continha tambm matria ficcional sobre o BAZIC, que por si s era fico. Sem programa, o que um computador seno um automvel sem rodas, uma eletrola sem discos ou um banjo sem cordas? O melhor do BAZIC a capacidade de definir a liguagem do prprio usurio..., uma caracterstica que chamamos perZonalidade. TM. E o equipamento fictcio tambm tinha seu brilho. Na verdade, imaginanos esta criana antes de constru-la. Dois anos de dedicadas pesquisas e desenvolvimento, na empresa nmero UM de microcomputadores, tinham que proporcionar retornos. E o fizeram. O sonho de todo engenheiro de computadores, todos os circuitos encontram-se numa lmina de PC, at mesmo a matriz de 18 sulcos. E que matriz!

Wozniak mandara imprimir um logotipo qualquer no folheto, e um cupo oferecendo um desconto, contra sua apresentao, na compra de outros computadores. Os representantes da MITS endoiraram. Apressaram-se a recolher os folhetos e a carimbar neles a palavra FRAUDE. O prprio Jobs caiu no conto do computador fictcio, exclamando: Caramba! Deve ser muito bom mesmo! Wozniak imprimira tambm, no folheto, uma comparao entre vrios computadores, entre eles o Zaltair com o Sol, o IMSAI e o Apple II. Jobs, ao notar que a Apple fora citada em terceiro lugar, exalou um suspiro de alvio diante daquela colocao nada m. Wozniak, percebendo que a brincadeira tinha ido longe demais, recolheu os folhetos e enterrou-os. Quando a Apple comeou a organizar-se para atender s encomendas do Apple II, o caos era absoluto. Os engenheiros mais velhos no confiavam nos mais novos, e vice-versa. Na poca havia apenas uns 12 empregados, e ningum se preocupava muito com a hierarquia. As pessoas se xingavam sem cerimnia e no havia temor autoridade. Considervamonos iguais e no presidentes e vice-presidentes, diz um empregado. Jobs e Scott continuavam com suas guerras, que j eram vistas como piada e pouco efeito tinham sobre o moral. Steve estava timo no incio, diz Wozniak. Sua rispidez s apareceu mais tarde. Havia forte senso comunitrio na Apple. [Wozniak era considerado um gnio, que s se interessava, porm, em resolver problemas complexos. Fazia a parte difcil e deixava o resto para os demais tcnicos e engenheiros. Holt descobrira que a melhor maneira de pr Wozniak para trabalhar era exprimir admirao pelas coisas que fazia. Markkula no gostava de que os programadores ficassem fazendo programas a esmo, por diverso, e lanou-se pessoalmente rdua tarefa de escrever programas. Scott guardava as finanas com olhos de guia, e procurava ater-se s metas prioritrias da Apple. Procurava subcontratar ao mximo, alegando que a funo da Apple era criar, educar, comercializar e fabricar o mnimo possvel de peas. Achava que os subempreiteiros deveriam executar o trabalho rotineiro.

Os fornecedores externos fabricaram os circuitos impressos; para reche-los, Scott contratou Hildy Licht, que tinha uma pequena oficina em casa. Quando os componentes eram entregues a Hildy, ela os testava, contratava os vizinhos para reche-los e testava os circuitos terminados antes de entreg-los Apple. Scott levou o profissionalismo a certos aspectos financeiros e administrativos necessrios a uma empresa. O Bank of America cuidava da folha de pagamento, liberando a Apple de um complicado sistema que inclua descontar impostos e previdncia social. Scott conseguia crdito de 60 dias junto aos fornecedores, e concedia 30 dias de prazo aos compradores. Uma grande firma de contabilidade, ao fixar o ano fiscal da Apple em setembro, conseguiu considervel economia de impostos em 1977. Assim como Markkula, que se dedicava a fazer programas maantes alm das tarefas habituais, Scott ajudava a embalar os computadores e at mesmo a lev-los ao servio de entrega postal para despach-los. A Apple tornara-se uma comunidade muito unida naquela poca. Os empregados chegavam cedo ao trabalho e esticavam a noite, em parte por livre e espontnea vontade, em parte porque era esta a expectativa de Jobs. Steve exigia lealdade absoluta, diz Tim Bajarin, analista que acompanhou a Apple de perto ao longo dos anos. Ele esperava que voc colocasse a Apple acima de sua famlia, dos seus amigos e da vida pessoal. Este tipo de comprometimento tinha seu preo para a vida pessoal de Wozniak e Jobs. Jobs, Kottke e Judy Smith, namorada de Jobs, alugaram juntos uma casa em Cupertino, e dispuseram a moblia de maneira improvisada. Jobs trouxe um colcho e uma almofada de meditao para o quarto principal, enquanto Kottke recostava-se numa almofada de espuma na sala de estar. Judy Smith ficava cada vez mais irrequieta e insegura, e no gostava de morar com dois velhos de 20 anos. Quase no via Jobs, que queimava as pestanas com o resto dos empregados da Apple. Era dada a acessos de raiva, durante os quais escrevia rabiscos nas paredes, com carvo, e derrubava os livros da estante.

Uma vez, quando entrei no estacionamento, Judy dava-lhe socos na cabea, diz Wozniak. Fiquei chocado. Nem acreditei. Desorientada, Judy, que estava grvida, foi embora, alegando que Jobs no ligava para sua gravidez, situao que culminou em processo de paternidade. Eu tinha que fugir de Steve e da Apple, disse ela. Wozniak tambm passava aperto. Ficando quase o tempo todo na Apple, pouco via a esposa. Os dois j tinham tentado separar-se uma ou duas vezes, e Wozniak dormia no trabalho, num sof. Resolveram divorciar-se, e Wozniak estava preocupado porque talvez tivesse que dar a ela aes da Apple para viabilizar a deciso. Markkula, que se tornara uma espcie de pater famlia da Apple, aconselhou-o a dar 15% de suas aes esposa. Wozniak no gostou da idia de deixar aes em poder da esposa, mas acatou. Anos depois. Jobs iria procurar Markkula para aconselhar-se quanto ao processo de paternidade, mas, ao contrrio de Wozniak, no acatou sua orientao. Jobs sempre procurara um exemplo para seguir, e tentou fazer o mesmo na Apple. Markkula e Scott tinham caractersticas que admirava, mas no queria ser nem um, nem outro. Como de costume, fazia longas caminhadas e gostava de conversar para delinear seus sonhos e esperanas e buscar consolo para sua turbulncia emocional. Diz Holt que, s vezes, se sentia um irmo mais velho para Jobs, e at pai. A Apple tambm vinha tendo problemas, o que na verdade no era excepcional para uma empresa nova. As caixas produzidas em massa para os computadores no encaixavam, e as tampas estavam bambas. Farte da culpa era de Jobs, que insistira numa forma de produo muito barata. No outono, a Apple comeou a atrasar entregas em virtude de quebra da ferramentaria, e a empresa comeou a criar fama de no cumprir compromissos. No entregando no prazo e concedendo 30 dias para o pagamento, seus cofres j rotos comeavam a esgarar. Uma nuvem sinistra acenava possvel ausncia de receita durante trs meses, e corriam boatos de que a Apple ia falir. Recorda Scott: Para ns, era uma questo de vida ou morte. Nosso produto era bom, mas no tnhamos como entreg-lo.

Jobs encontrou uma fbrica de calculadoras e carcaas para computadores, e apresentou o dilema da Apple a Bob Reutimann, temperando-o com o sucesso que a empresa aguardava no futuro. Reutimann, enquanto o ouvia, pensava L vem mais um, cheio de grandes idias!, mas os poderes persuasivos de Jobs, mais elegantes que nunca, conquistaramlhe a confiana, tanto mais diante da promessa de abonar com 1.000 dlares cada semana de atraso na entrega do molde. Jobs pensava tambm em entregar, junto com o computador, um manual operacional completo, mas eram muitos os detalhes tcnicos. Scott optou por uma folha informativa simples, que preferiu ao manual apurado de Jobs, contendo apenas o esqueleto do computador, em suas partes principais, e relacionando cdigos e instrues de como lig-lo. Algumas semanas depois, entretanto, optou pela necessidade de instrues mais completas, que foram datilografadas na Apple, impressas numa loja de reprodues rpidas e inseridas na embalagem do computador. Como estas instrues eram amide insuficientes para os clientes, havia, por insistncia de Wozniak, um pacote tcnico completo, conhecido como Pacote Wozniak, disponvel para aqueles que o solicitassem. Wozniak lembravase de sua poca de jovem, quando recebia especificaes completas das firmas de microprocessadores, e queria que os usurios do Apple II desfrutassem da mesma oportunidade. Mas as instrues iniciais do Apple II eram absolutamente inadequadas. O pacote informativo do programa do Jornada nas Estrelas dizia simplesmente COO.FFR.LOAD.RUN. Sempre que algum aparecia com 1.200 dlares para comprar um computador, era motivo de festa. Capito Crunch foi um deles, o pirata telefnico, que fora libertado da priso de segurana mnima onde fora encarcerado por ter dado telefonemas ilegais que somavam mais de 50 mil dlares. Mostrou a Wozniak um circuito impresso que, ligado a um computador, podia fazer chamadas telefnicas automticas, discando automaticamente um nmero at algum atender ao telefone. Interessado, Wozniak chegou a comear a fazer modificaes no circuito, mas Scott, Markkula e Jobs no queriam que a Apple se envolvesse com algum como o Capito

Crunch, de passado to comprometedor. Ficaram com medo da minha presena, explica o Capito Crunch. Meses depois, por ter sado do estado com um computador Apple e seu disco automtico, foi preso e encarcerado novamente. O perfeccionismo de Jobs, somado ao desgosto de sua vida amorosa, deixara-o ainda mais difcil de agradar. Passou a ser chamado de Recusa Tudo porque no autorizava nada que no estivesse ao seu gosto. Para ele vinha sendo mais difcil produzir computadores numa fbrica, com 20 e poucos empregados, do que o fora supervisionar uma pequena oficina numa garagem. No conseguia nem mesmo, ao lidar com pessoas, conservar semblante de normalidade durante a relao. Jobs importunava e sufocava a todos, e o negcio o sufocava. Antes de mais nada. Jobs comeou a perceber que os computadores e programas no podiam ser criados em dias, nem em meses talvez. No compreendia os aspectos tcnicos da programao, mas discutia com os peritos na tentativa de aceler-los. Quando Wozniak, certa vez, escrevia uma forma de BASIC, Jobs tentara em vo intervir. Steve no era engenheiro, diz Wozniak. No entendia de equipamento pesado, no entendia de programa, mas foi til no projeto das caixas. O fato de Jobs no aceitar suas prprias limitaes no o impedia de intrometer-se com coisas que no entendia, e as pessoas que estavam trabalhando nos projetos comearam a temer sua aproximao. Porm, apesar dos defeitos. Jobs fez algumas contribuies significativas. Era de longe a personalidade mais dominadora na empresa, embora Scott o dobrasse, e sua viso da Apple era bem mais ampla do que a de Markkula ou Scott. J pensava em termos de vender centenas de milhares em computadores e milhes de dlares em receitas quando a empresa mal engatinhava. Derrubou as objees de Markkula e conseguiu colocar os logotipos coloridos da Apple nos cassetes. Quis tambm dar garantia de um ano para o computador, quando a praxe do ramo era de trs meses. Scott, desarvorado, achou a idia ridcula e disse-o com tal aspereza que Jobs caiu em prantos, e tiveram que lev-lo para dar uma volta, to magoado

estava, para aliviar seu ego ferido. No fim das contas, ganhou a discusso e imps sua deciso. Scott, cujas disputas com Jobs eram mais embates verbais do que discusses, gostou de descobrir um dos mtodos que Jobs usava para refrescar-se. Jobs entrava no banheiro, sentava na borda da banheira, enfiava os ps descalos na privada e dava descarga. Scott saboreou a descoberta, mas se Jobs, porventura, ficou envergonhado por ter sido exposto, jamais o demonstrou. Markkcula era a influncia moderadora na empresa. Procurava impedir que Jobs e Scott desestabilizassem os empregados com suas exploses vulcnicas. Tinha estilo fcil, tanto que parecia casual. Se havia uma disputa entre os dois programadores, dizia que as resolvessem entre si. Era to regular que um empregado chegou a dizer: No havia como culp-lo de nada. O motivo de Markkula ser menos agitado do que Jobs e Scott era talvez j ter feito fortuna, e, assim, a segurana de seu futuro no estar ameaada por um possvel fracasso da Apple. Jobs e Wozniak, entretanto, dependiam da Apple para sobreviver e almejar riqueza futura. Apesar de o ano de 1977 apresentar aparncia de prosperidade para a Apple, pois o mercado comeava a lev-la a srio, as coisas no iam to bem assim. Todos achavam que estvamos nadando em dinheiro, diz Wozniak, mas na verdade estvamos nos debatendo. A situao piorou a tal ponto, em dado momento, que parecia que a empresa ia falir, e isso s no aconteceu porque Markkula e Scott avalizaram um emprstimo de 250 mil dlares para forrar a caixa. Markkula percebeu que a Apple precisava de investimentos pesados, de respeitveis capitalistas de risco. Os investidores slidos proporcionariam empresa o dinheiro de que precisava, e os respeitveis capitalistas de risco ajudariamna a obter o carimbo de aprovao de Wall Street. Markkula j vislumbrava, um dia, a abertura do capital da empresa.

Captulo 10 A APPLE ENTRA NOS EIXOS A Apple padeceu muitos problemas em 1977, mas a crise maior foi a ameaa de falncia. A empresa estava com bom estoque de Apple II e vinha pagando seus credores, mas, s vezes, tinha que esperar meses para receber dos clientes. A receita no dava para pagar as despesas. Markkula, entretanto, permanecia otimista quanto ao futuro da empresa. Os clientes do Apple II se diziam quase extasiados, e ficavam surpresos quando, ao retirar o produto da embalagem e lig-lo na tomada, viam que funcionava. Alm disso, a empresa tentava inserir uma unidade de disco no Apple II aperfeioado, que prometera lanar em fins de 1977, sem conseguir cumprir o prometido. A unidade de disco representava radical afastamento em relao embrionria indstria de microprocessadores. Os computadores centrais valeram-se dela durante anos a fio, mas era grande, e o computador, para acomod-la, tinha que ter as dimenses de um armrio. Mesmo assim, apresentava vantagens em relao s fitas cassetes usadas no Apple II para armazenar informao. Com a fita, o usurio gastava vrios minutos, em avano e retorno, para localizar informao. S para carregar a fita com o BASIC eram necessrios 10 minutos, e, s vezes, a fita embolava ou partia, perdendo toda a informao nela contida. Os discos, embora desengonados, ofereciam muitas vantagens. Eram pequenos e giravam contnua e rapidamente, enquanto a cabea flutuante de leitura procurava e localizava em segundos a informao. O projeto de Wozniak para o cassete passara a ser objeto de preocupao quando a tecnologia do disco comeou a ser desenvolvida. Uma empresa de programas de apoio escreveu a Jobs para reclamar do cassete: O subsistema do cassete dos mais frustrantes. Usei dois gravadores diferentes e descobri que no podia confiar em nenhum deles... Classifico o subsistema de apoio armazenagem como amador de baixo nvel.

Como a Apple queria expandir seu mercado, a qualificao amador no soou bem. Houve esforo concentrado para inserir uma unidade de disco ao Apple II aperfeioado, e o empenho maior coube a Wozniak, que estudava os circuitos da unidade de disco fabricada pela IBM. Mas Wozniak demorava, e s acelerou pouco antes do Natal de 1977. Scott, sempre impaciente para colocar o produto na rua, estava alucinado, reclamando que Wozniak s comeava a trabalhar srio quando a presso intensificava. Parece que s assim a adrenalina flui nele, disse. Quando Wozniak mergulhou no projeto, entretanto, s parou ao conclu-lo. Passava na Apple dias e noites inteiros, ficava sem comer e dormia aos cochilos. Alimentao e sono pareciam secundrios diante da finalizao da unidade de disco. Quando a Mostra de Eletrnica de Consumo foi inaugurada no incio de 1978, a Apple exps a unidade de disco e atraiu muita ateno de engenheiros e clientes potenciais, recebendo entusiasmo semelhante ao da exibio na Segunda Feira de Computadores da Costa Leste. Wozniak considerou-a o melhor projeto de sua vida, e outros engenheiros saudaram-na igualmente exultantes. Um dos crticos mais duros de Wozniak, Lee Felenstein, diz: Fiquei com as calas na mo, de to inteligente! Felenstein passou a respeitar Wozniak e avisou a todos que a Apple passara a constituir-se numa das principais foras do ramo dos computadores, capaz de dobrar a concorrncia. Vrias outras empresas, como a Commodore e a Tandy, tambm vinham trabalhando na unidade de disco, mas a Apple ganhara a corrida e chegara primeiro ao mercado. O advento da unidade de disco mudou consideravelmente a sorte da Apple. Os estoques encalhados comearam a vender e Scott procurava fazer as entregas no menor prazo possvel. A pressa de entregar era tanta que muitas unidades saam sem o manual operacional que explicava como us-las, e os clientes que no o recebiam, descontentes, exaltavam-se com a Apple em termos nada hesitantes. Um deles, enfurecido, encerrou sua carta com uma praga: Espero que seu cachorro morra!

Markkula, entrementes, concentrava-se em conservar a Apple tona dgua e em construir fama estvel para a empresa. Sabia a importncia das aparncias, que se refletia em sua maneira de vestir, e lanou-se a cortejar capitalistas de risco para investirem na Apple. O prestgio dos capitalistas certos traria para a Apple um halo de solvncia no mnimo to importante quanto o necessrio influxo de dinheiro. Markkula j fizera vrios investimentos de risco, mas no sabia lidar com este tipo de investidores. Pensava poder esperar at 1978 para procurlos, mas as presses financeiras foraram a iniciativa em fins de 1977. Felizmente, conhecia alguns pesos-pesados no mundo do capital de risco. Um deles era Hank Smith, que fora seu colega de trabalho na Fairchild e na Intel, e deixara o ramo para ser scio geral da Venrock, que investia dinheiro dos Rockefeller. Alm de ter dinheiro para investir, a Venrock era uma das firmas investidoras mais respeitadas no pas. Markkula fizera o primeiro contato com Smith no incio de 1977, causando impresso favorvel, tanto que a Venrock passou a observar a Apple de perto. Os scios da firma reuniram-se vrias vezes com os representantes da Apple para discutir perspectivas e foram visit-la em Cupertino. A amizade de Markkula e Smith fora o nico motivo de a Venrock ter dado ateno Apple, diria Smith tempos depois. A projeo de vendas para 1977, feita por Markkula, foi considerada excessiva quando concebida, mas a Apple, na verdade, a superou. Markkula teve com Scott longas reunies que visavam desenvolver perspectivas realistas, porm otimistas a ponto de interessar os investidores. Pouca informao havia para orient-los, j que o mercado de computadores pessoais era ainda criana, e as projees s vezes tinham que atirar no escuro, baseadas mais em intuio do que em fatos. Markkula tambm estava nos calcanhares de Andy Grove, vice-presidente executivo da Intel. Alm de querer investimentos de Grove, Markkula queria-o orientando e participando da diretoria executiva da Apple. Grove comprou 15 mil aes da Apple, mas no quis integrar a diretoria, alegando

que a Intel consumia todo o seu tempo, no podendo, por isso, dedicar-se Apple. O capitalista de risco mais importante para a Apple surgiu do nada. Arthur Rock, afamado por seu toque de Midas, vira Markkula fazer uma demonstrao do Apple II e ficara impressionado. Tinha a seu crdito um rol de investimentos de xito, com os quais ele, seus clientes e as empresas em que havia investido ganharam, todos, muito dinheiro. Ouvir Rock manifestar interesse pela Apple era o mesmo que o cu se abrir e Deus sorrir. Investira na Fairchild Semiconductor e na Scientific Data Systems, esta vendida Xerox por 918 milhes de dlares, e ganhara 60 milhes de dlares. Investira 300 mil dlares do prprio bolso no incio da Intel e ajudou-a a receber uma infuso de mais 2,2 milhes de dlares. Alm de investidor inteligente, era negociante sagaz e famoso por seus valiosos conselhos que auxiliaram o sucesso de empresas iniciantes. Por isso, quando Rock telefonou, Markkula entrou em xtase. Junto com Scott, virou a noite preparando um prospecto destinado a aguar-lhe ainda mais o interesse. Rock no era investidor informal, mas negociante intransigente que fazia apenas dois ou trs investimentos por ano. Parecia um co de caa para farejar o sucesso. Don Valentine, que no incio desprezara Jobs e Wozniak porque pensavam pequeno demais, ao ver a Apple encher-se , de gs manifestou interesse de maneira das menos ortodoxas. Jantava num restaurante quando, ao ver Markkula, Jobs e Smith, mandou-lhes uma garrafa de champanha com um bilhete: No percam de vista o fato de que estou planejando investir na Apple. Apesar de muito interessados em grandes investidores, Markkula e Jobs no se entusiasmaram com a mudana de Valentine. A Apple estava apenas em vias de ser uma grande empresa, e Jobs achava que ele simplesmente queria agarrar-se s fraldas do empreendimento. Os acordos finais de financiamento foram completados em janeiro de 1978: documentos foram assinados, o dinheiro trocou de mos, e aes foram distribudas. A Apple foi avaliada em trs milhes de dlares. O financiamento resultou num ingresso de capital da ordem de 517 mil dlares, dos quais 288 mil

provinham da Venrock. Valentine contribuiu com 150 mil, e Arthur Rock, abrindo a carteira, entregou 57.600 dlares. Os novos investimentos ativaram ainda mais o interesse na Apple e aguaram o paladar de outros capitalistas de risco. Os investidores do banco Continental Illinois, de Chicago, procuraram Markkula quando o Apple II era exibido na Mostra de Eletrnica de Consumo e propuseram comprar 500 mil dlares em aes da Apple. As aes haviam triplicado de preo nos ltimos seis meses. A Venrock, aborrecida com o aumento das cotaes, injetou mais dinheiro e acabou proprietria de 7,9% da empresa. Valentine, achando que as aes estavam acima do preo, recusou-se a aumentar a parada e no comprou mais. Por volta da mesma poca, Scott ficou boquiaberto ao receber um telefonema de Henry Singleton, capitalista de risco, amigo ntimo de Rock e diretor-presidente da Teledyne, Inc. Singleton no era apenas um dos investidores iniciais da Teledyne, era o diretor-presidente de uma empresa que valia dois bilhes de dlares. A Teledyne atuava em plo inteiramente diverso da Apple, tanto em tamanho quanto em produto. Era um conglomerado que vendia seguros de vida e vrios tipos de equipamentos no-relacionados ao computador. Singleton no era um investidor aleatrio, e tinha fama de antever, num piscar de olhos, quando seus investimentos no iam bem. Scott interessou-se no s no dinheiro que poderia injetar na Apple, mas tambm em t-lo na diretoria da empresa, perspectiva que Arthur Rock considerava impossvel, em virtude do envolvimento integral de Singleton na Teledyne. Scott, entretanto, no desistiu, e, uma vez pronta a unidade de disco da Apple, entregou uma, em mos, na sala de Singleton, onde se surpreendeu ao descobrir que Singleton tinha um Apple II ali e outro em casa, e que estava escrevendo programas para o equipamento. O almoo marcado transformouse num encontro que durou a tarde toda, e Singleton acabou investindo 100.800 dlares na Apple e concordando em ingressar na diretoria da empresa. No final de 1978, Markkula j conseguira atrair para a Apple os investidores adequados a chamar a ateno de Wall

Street, pois a respeitabilidade e experincia que trouxeram para a empresa eram no mnimo to importantes quanto o dinheiro investido. Todos tinham-se envolvido no lanamento de novas empresas, e compreendiam as voltas e tropeos do destino, os altos e baixos do mundo dos negcios, problemas enfrentados e superados em tantas implantaes. Markkula contava com este saber para orientar a Apple ao longo da turbulncia de transformar-se em importante empresa de capital aberto. E por terem estes astros investido na Apple, ensejando forte voto de confiana, a empresa comeou a ser mencionada nos importantes crculos da indstria e comrcio. O ramo dos computadores pessoais mal fora criado quando a Apple atraiu o olhar experiente de Ben Rosen, um dos analistas mais poderosos de Wall Street. H anos observava a indstria eletrnica, viajava pelo pas visitando as feiras comerciais e empresas, digeria toda a informao ao seu alcance e depois fazia previses que eram impressas num informativo. Era amide citado em publicaes importantes, do porte do The Wall Street Journal, Forbes e Business Week. Uma anlise de Rosen, quando favorvel, podia firmar uma empresa; desfavorvel, podia arruin-la. Rosen conhecera Markkula e Scott nas rondas que fez a vrias empresas do Vale do Silcio. Quando visitara a Intel, instruiu Markkula quanto ao uso de uma nova calculadora. A Apple tratou-o como a um rei quando ele comprou um Apple II em 1978, e, sempre que tinha dvidas, podia telefonar para a casa de Markkula, Scott ou Jobs. A Apple revelava-lhe tambm alguns projetos que planejava desenvolver s vezes dois ou trs anos adiante. A influncia de Rosen junto imprensa devia-se em grande parte integridade de suas pesquisas e sua imparcialidade. Os reprteres procuravam-no aos bandos em seu escritrio de Nova York porque sabiam que seriam recebidos por algum de conversa honesta. Tornara-se um dos grandes vendedores da Apple simplesmente contando os fatos. Patrocinara um almoo para apresentar Regis McKenna aos reprteres da Time, retribudo com matria favorvel sobre a Apple.

Entrementes, o entusiasmo crescente dos investidores divulgava a empresa como grande vitoriosa, e foi assim, de boca em boca, que a Apple ganhou fama de firma slida e forte durante sua ascenso. Arthur Rock tambm contribuiu muitssimo para atrair o interesse dos analistas para a Apple. Barton Biggs, analista da Morgan Stanley, reunira-se com Rock e Rosen, em San Francisco, para conversar sobre a Apple, dali saindo com relatos deslumbrantes sobre a empresa. A reunio fora resumida num memorando prodigamente salpicado de hiprboles: Arthur Rock uma Lenda com L maisculo, assim como Ted Williams ou Fran Tarkenton, Leonard Bernstein e Nureiev... Em seu ramo, jogador melhor, em vrios nveis de magnitude, do que qualquer outro que j tenha participado do jogo... Os dirigentes desta empresa [Apple] so muito inteligentes, muito criativos e tm muita garra. Os primeiros planos de publicidade, promoo e comercializao da Apple estavam, segundo descritos pelo jargo do ramo, fora de foco. Mas, na verdade, encontravam-se cuidadosamente orquestrados. Diz Regis McKenna que, quando a Apple Computer Company formou-se em 1977, o clima no poderia ter sido melhor. O ramo do computador pessoal ainda no fora criado, apesar das poucas empresas iniciantes, e de a Apple posicionarse muito bem. Em 1977, os americanos estavam vidos por ouvir histrias de sucesso domstico, o noticirio do pas, exangue, as indstrias de automveis americanas, deprimidas diante da concorrncia estrangeira, principalmente dos japoneses, a indstria de semicondutores do Vale do Silcio, sitiada tambm por firmas japonesas que fabricavam produtos mais baratos, e os jornais do pas, repletos de notcias horrorizantes, atestavam que a concorrncia estrangeira estava minando a indstria americana. A Apple, com a ajuda da Agncia Regis McKenna, capitalizou o clima. Em vez de salientar seus avanos tcnicos, posicionou-se como um bastio de esperana da livre-iniciativa americana. A maioria das pessoas no conhece os aspectos tcnicos de um computador, diz McKenna, e mais, nem quer conhecer. O pblico americano estava to fascinado com os

empreendedores, que lhes prestava adulao herica. Gostava de ouvir histrias de sucesso, e quem melhor do que Steven Jobs e Stephen Wozniak para personificar o exemplo de gente que se fez do nada? A Apple comeou a apresentar a histria dos dois adolescentes duros, que, juntando suas economias para comprar peas, conseguiram criar uma empresa de computadores pessoais iniciada numa garagem. A imprensa estava louca atrs destas histrias, e Os Dois Steves comearam a aparecer regularmente nas revistas e jornais. No transcurso desta campanha publicitria, certos fatos foram distorcidos e passaram, desde ento, a ser aceitos como verdade. Jobs era chamado de um garoto prodgio dos computadores que se tornou executivo e saudado como um gnio em eletrnica. As histrias deixaram transparecer que fora ele o construtor do Apple I e Apple II, e Jobs nada fez para brec-las, chegando at, anos depois, a ser citado vrias vezes com relao aos problemas que ele teve que enfrentar para projetar o computador. Muita gente ligada Apple acha que parte do problema de Jobs foi comear a acreditar na publicidade que fazia de si mesmo. Steve grudava nas pessoas, diz Wozniak. Aprendia muito rpido, no prprio trajeto. Todos pensavam que havia sido ele quem projetara o computador, e ele tentava passar por engenheiro. A publicidade inicial deu a impresso de que havia sido ele o maior responsvel pelo projeto, mas no fundo era publicidade merecida, pois fora ele quem havia ficado na administrao. Ficou mais ou menos implcito que havia sido ele o projetista e que ns dois tnhamos sido engenheiros da Hewlett-Packard, o que no era verdade. Mas no me incomodei nem me senti desfeiteado. A publicidade fez de Jobs e Wozniak heris cult no s entre os aficcionados do computador, mas tambm perante pblico nacional mais amplo. A Apple Computer, Steve Jobs e Steve Wozniak eram nomes conhecidos em todos os lares. A publicidade favorvel foi valiosa quando a Apple, comeando a crescer, precisou de novos tcnicos e engenheiros que iam baterlhe porta, os melhores e mais inteligentes, seduzidos pela lenda viva dos dois Steves.

A publicidade no foi conquista fcil, mas obra de planejamento e de trabalho rduo por parte da Agncia McKenna e de Mike Markkula. A filosofia de McKenna para a publicidade da empresa no gravitou em torno de informes noticiosos, que tinham mais chance de ir parar na cesta de lixo do que de serem divulgados. Estimulava todos os clientes a construrem relacionamentos pessoais, pois acreditava que assim seriam lembrados pelos jornalistas, obtendo maior receptividade publicao de futuros informes. Em certo ano. Jobs e Markkula passaram semanas a fio visitando jornais e revistas e levando a tiracolo um computador para demonstrao. Esta jornada publicitria inicial pouco conquistou para a Apple em termos de exposio imediata na mdia, mas estabeleceu relacionamentos valiosos para o futuro. Em virtude do fluxo constante no mercado de computadores individuais, a Agncia McKenna, que ajudara Jobs e Wozniak na poca da garagem, relutou em aceitar a Apple como cliente de tempo integral. Pairavam dvidas quanto sobrevivncia da Apple, e ningum na agncia via em Jobs ou Markkula a experincia mercadolgica necessria para conduzila ao xito, e havia ainda quem os achasse fogo de palha. Como McKenna, porm, acreditava no computador criado por Wozniak, o produto, enfim, convenceu-o de aceitar a conta. Quando a empresa era uma oficina de garagem, McKenna protegera-se cobrando percentual das vendas, no se comprometendo a continuar com a publicidade, caso no visse resultados positivos. Agora, depois de aceitar a Apple, protegiase mais uma vez, aceitando tambm a conta de outra empresa de computadores pessoais, a Video Brain. Caso uma ou outra no lograsse xito, McKenna ainda assim estaria com um p no emergente mercado dos computadores pessoais. No fim das contas, foi a Video Brain que cerrou as portas. Ao aceitar a Apple para cliente, a McKenna teve que considerar a possibilidade de ter que assumir enorme dvida em caso de insucesso. As agncias de publicidade normalmente adiantavam os pagamentos referentes aos anncios, pagavam a publicao e a seguir cobravam-nos do cliente acrescidos de comisso. O processo montava a milhares de dlares, e

McKenna mostrava-se preocupado. Queria que a Apple no gastasse mais do que 300 mil dlares em publicidade, enquanto Markkula insistia num oramento de 600 mil, desejando mostrar imagem forte e vibrante e convencido de que, para tanto, seria necessria uma verba de peso. No fim das contas, Markkula venceu. A propaganda do Apple destinava-se a posicion-lo como um computador pessoal que no era s diverso, mas tambm prtico. O primeiro anncio do Apple II, capitalizando a idia, mostrou uma cena domstica. A mulher trabalhava na cozinha enquanto o marido, mesa da cozinha, manipulava um computador Apple. O texto dizia, em parte: O computador domstico que est sempre disposto a trabalhar, brincar e crescer com voc... Voc estar apto a organizar, indexar e armazenar dados sobre as finanas domsticas, imposto de renda, receitas, seus biorritmos, saldos das contas bancrias e at controlar a vizinhana. Cnscio do mercado de aficcionados, o anncio listava em seguida alguns aspectos tcnicos do Apple II. A Apple tambm sofisticou seu marketing, fato evidenciado nas publicaes nas quais anunciava. Os anncios eram divulgados em veculos especializados e, o que era mais importante, na Playboy. As demais empresas de computadores no anunciavam na imprensa popular, e o lance ousado da Apple ajudou a firmar seu computador como um equipamento divertido e til para pessoas com pouca ou nenhuma inclinao tcnica. Pequenos anncios procuravam criar a imagem da empresa e no a do computador. Dizia um deles: A de Apple. a primeira coisa que voc precisa saber sobre computadores. A mensagem que transpirava na propaganda da empresa era motivo de certa preocupao entre os usurios. Com a expanso do mercado dos computadores pessoais, novas indstrias vinham sendo criadas, as hoje chamadas de infraestrutura do computador pessoal. O computador por si s quase intil, pois precisa de programas, esta inteligncia que o alimenta, que lhe diz o que fazer. Estes programas, hoje, vo desde os jogos aos complicados grficos, mas, em fins da dcada de 1970, quase no existiam, na melhor das hipteses. Os anncios da Apple insinuavam que o material de apoio

poderia ser adquirido ou facilmente programado, e no era o caso. Os programas eram escassos, e programar, tarefa ao alcance apenas dos aficcionados mais vidos. Em fins de 1977, um representante da Digital Research, que criticara a Apple anteriormente, lhe escrevia: Depreendi, de nossas primeiras discusses, que vo- i cs desejam chegar ao mercado de consumo... A propaganda da Apple um tanto enganosa... O Apple no um computador para o pblico, e eu, embora tenha experincia prvia em computao, tive certas dificuldades em montar as peas, em fazer funcionar o sistema... Ainda mais, comerciantes e fabricantes no anunciam produtos inexistentes... A sua propaganda implcita a existncia de programas (ou a possibilidade de os escrever de uma hora para outra) para anlise do mercado de aes e manuseio das finanas domsticas. Estes programas existem? Segundo, vocs prometem um sub-sistema opcional de disco para o final de 1977. Onde est este subsistema? A infra-estrutura do computador pessoal, que inclua os fabricantes de material de apoio, apenas comeava. E no era necessria, obviamente, at que o computador pessoal comeou a ser conhecido nos lares e escritrios. Em virtude da deciso de Steve Jobs de guardar sigilo quanto aos computadores da Apple, e de insistir em sistemas que no aceitassem equipamentos perifricos que no os criados pela Apple, esta reclamao tmpora foi a precursora de uma controvrsia que viria a contribuir, com o tempo, para a queda de Jobs. Captulo 11 O ENFANT TERRIBLE A estrutura interna da Apple Computer foi projetada por Mike Markkula para assemelhar-se da Hewlett-Packard. A HP era uma empresa que oferecia opes em aes aos empregados-chave e proporcionava ambiente de trabalho onde todos se sentiam teis e felizes consigo mesmos e com o que

faziam. Era prdiga em elogios aos empregados que trabalhavam bem e fazia com que cada um no quadro de pessoal se sentisse elemento-chave para o xito da empresa. Os empregados eram to mimados que s faltavam, como gatos, ronronar; por isso no viam no trabalho um simples meio de sobrevivncia econmica; no, a empresa era parte integrante e satisfatria de sua vida. Jobs, tempos depois, viria reivindicar crdito na criao desta mesma cultura empresarial na Apple, mas seus atos sempre apontaram outra direo. Por um lado, fazia longas caminhadas com os empregados, no incio da manh ou no fim da noite, falando de suas esperanas e sonhos para a Apple, do quanto se preocupava com os empregados. Mas, na verdade, a Apple no era lugar onde os empregados se sentissem vontade, apesar dos esforos de Markkula, e o motivo principal era Steve Jobs. No muito tempo depois da mudana da Apple, quando se transferiu de uma garagem para um prdio de dois andares em Cupertino, Jobs tornou-se imprevisvel. Era tirnico, s vezes enaltecedor, mas sempre instvel. O motivo disto, em parte, talvez fosse o fato de estar acostumado a fazer as coisas ao seu jeito, liberdade total que perdeu com a presena do voluntarioso Scott no leme. Jef Raskin chegou quando a empresa ainda engatinhava. Era homem da moderna Renascena, que compunha msicas e dirigia vrias empresas musicais, alm de ter experincia em computadores. Chegou em 1977 e, em razo de seu largo conhecimento em computadores, diz ele. Jobs procurou sua amizade. No incio, fazamos longas caminhadas, e ele me contava seus problemas, usando-me como confidente e conselheiro, diz Raskin. ramos meio amigos, e ele tinha grandes idias e sonhos sobre o funcionamento da empresa e queria saber o que eu achava. Queria falar de sua vida amorosa, que parecia estar em pssimas condies, e tentei convenc-lo a no me contar seus problemas, porque eu no queria me envolver. Raskin procurara a Apple na esperana de trabalhar como consultor porque no queria envolver-se naquilo que comeava

a se transformar numa burocracia empresarial. Eu no queria ser empregado da empresa porque sempre fui meio independente, e trabalhar em empresas no me apetecia, diz. Mas Steve me fazia uma proposta atrs da outra e, por fim, me ofereceu nem sei quantas mil aes da empresa. Acabei concordando, e negociei no sentido de me proporcionar razovel posio acionria. Raskin era o tipo de sujeito que Jobs queria desesperadamente, e por isso usou de charme e sagacidade, sem contar promessas de riqueza, para seduzi-lo. Comearam amigos e terminaram ferozes inimigos, com Raskin achando que Jobs o esfaqueara pelas costas. Era um megalomanaco, diz Raskin. Tinha que saber mais do que todos. O que ele sabia mesmo era seduzir e estimular as pessoas, mas ningum conseguia imaginar o que esperar dele no minuto seguinte. J outros candidatos entrevistados por Jobs no mereceram o mesmo tratamento fcil de Raskin, e Jobs chegava s vezes a colocar os ps sujos em cima da mesa e atac-los sem piedade. s vezes entrevistava-os durante o almoo, em gerai no Good Earth Restaurant, no muito distante do escritrio da Apple. Sua conduta, em mais de uma ocasio, causou mal-estar aos pretendentes. Ele dava uma olhada na comida, depois olhava para a garonete e dizia: lixo, leve de volta!, diz Trip Hawkins, um dos primeiros empregados da Apple. Ele era capaz de destroar uma pessoa. Muita gente saa arrasada da primeira entrevista com Steve. Raskin lembra que Jobs, ainda sem funo definida na empresa, afastava as pessoas com sua atitude autoritria. Ele queria se meter em tudo, afirma Raskin. No importa o que fosse, ele tinha que ter alguma coisa a ver. Ningum na Apple o queria por perto dos projetos. Formei a equipe Macintosh, que tambm no o queria. Bana Witt, primeira bibliotecria de programas da Apple, diz que nem mesmo sua posio relativamente baixa na hierarquia da empresa estava a salvo dos ataques de Jobs. Ele conseguia me fazer chorar em um minuto, diz ela. Vinha at minha mesa, me encarava e perguntava: Voc faz o qu? Eu

dizia que era bibliotecria dos programas, e ele me lanava um olhar frio, dizendo: Para que serve uma bibliotecria de programas? necessria? Voc sabe mesmo o que faz? Estava to acostumado a mandar que no se importava com os sentimentos dos outros. Quando era charmoso, era muito charmoso, mas, enfurecido, era terrvel. Era muito imaturo para a idade que tinha, diz Bana. E muito sdico, s vezes, e, quando se sentia um pouquinho ameaado, era to inteligente que virava a mesa em cima de todo mundo. E a comeava a atacar, atacar e atacar. No acho que Steve seja perverso, como pensam as pessoas que o consideram o enfant terrible. mimado, s isso. Os pais o adoravam e deixavam-no fazer o que queria. Era o menino de ouro dos pais. Bana entrara para a Apple em 1978 e vira as muitas oscilaes do humor de Jobs, que ele pouco ou nada fazia para ocultar. Suas brigas com Michael Scott ainda so lendrias. Berravam um com o outro constantemente, diz ela. E cada um num canto da sala. Eram brigas horrendas, infantis. Era horrvel. Quando o encontrava com os empregados fora da empresa, tambm a causava neles impacto devastador. Certa vez, estragou uma festa de Natal de Bana com uma nica observao. Ela conta: Eu me casara [com Bruce Tognazzini, programador snior], e assim, como mulher casada, subira um pouquinho na escala. Tinha comprado um lindo casaco de pele de raposa, que usava naquele dia. Steve me olhou, revoltado, e disse: Quantas raposas morreram para fazer esse casaco? Eu ri, mas aquilo me derrubou. Por que ele tinha que dizer aquilo? E o pior que eu achava que, em parte, ele estava com razo. No outro extremo. Jobs tinha a capacidade de encantar as pessoas. Era visto na Apple como um poltico empresarial realizado. Demonstrara vrias vezes seu poder de persuaso quando a Apple ainda operava na garagem e ele tinha que conseguir peas, crdito e investidores. Mas mudou, observa Wozniak, a partir do instante em que a Apple saiu da garagem e virou empresa.

Era impossvel acreditar nele, recorda Wozniak. Dizia uma coisa e fazia outra. Era muito poltico tambm, e usava termos polticos que ocultavam o que estava pensando. As coisas que dizia significavam uma coisa para mim e outra inteiramente diferente para outra pessoa. Steve usava as pessoas em seu prprio proveito. No incio, no era assim. Bana Witt atribui as crises de humor e os ataques pessoais de Jobs s suas dvidas ntimas. Acho-o muito inseguro, ela diz. E tem capacidade fora do comum para olhar uma pessoa e identificar suas fraquezas. E a deita e rola. Jobs, entre os empregados da Apple, logo criou fama de pessoa inconsistente, no-confivel, que muda de uma hora para outra. Diz um empregado: Ele passava pela mesa de algum, olhava o trabalho que estava sendo feito e dizia: Est uma merda! No dia seguinte, passava pela mesma mesa e dizia: Est genial! Mas o pior que se referia mesma coisa. Bruce Tognazzini estava quase sempre s turras com Jobs, como a maioria dos funcionrios. Ele desmoralizava o Bruce, dizendo que ele fazia um trabalho de merda, informa Bana. Bruce passou um ano trabalhando num programa, e Jobs o derrubou. Era assim com todos. Bruce chegava em casa e se queixava das brigas com Steve. Viviam em guerra. Quando Steve assumiu a Diviso Macintosh, tentou levar Bruce para trabalhar com ele, mas Bruce se recusou. No queria nada com Steve Jobs. Steve gostava de exercer poder. Raskin diz que so verdadeiras, infelizmente, todas as histrias contadas sobre a violncia de Jobs com as pessoas. Ele nunca se ps no lugar de ningum. Agia como se todos fossem irrelevantes, exceto quanto ao que tinham a ver com seus objetivos. Um analista que acompanhou a Apple durante muitos anos tambm se referiu obstinao de Jobs: Ele governava por intimidao, mas, ao mesmo tempo, exigia absoluta lealdade, a ponto de voc ter que desconsiderar a prpria famlia. Raskin concordava com a observao de Wozniak de que era impossvel dizer o que Jobs ia fazer, independente do que dizia. Conta, para exemplificar, o incidente do rgo, hoje lendrio na Apple.

Eu sempre gostei de rgos e resolvi comprar um, lembra Raskin. Minha casa no era muito grande, no possua espao para um rgo, mas eu tinha oportunidade de comprar um antigo e reform-lo. Paguei uns 15 mil dlares, e, na poca, ningum na Apple estava com dinheiro. Tnhamos, no escritrio, um salo enorme, e ento eu disse a Steve: Vamos coloc-lo aqui, e poderemos control-lo com um Apple. Ser uma demonstrao e tanto! timo!, disse Steve. Mas isto foi antes de ele mudar, e eu no percebi que, se voc no conseguisse as coisas por escrito, o que ele dizia no contava. Fiz meus planos para comprar o rgo, e comprei, prossegue Raskin. Quando o caminho de entrega chegou, Steve disse: No, aqui no pode ficar. Bem, eu disse, mas acho que a Apple devia ao menos ajudar a pagar o depsito, at eu encontrar um lugar para coloc-lo. De maneira nenhuma, disse Steve. Eu no autorizei a vinda do rgo para c. O que impressionou foi que ele afirmou isso na frente do meu pai e de outros empregados da Apple, que lhe disseram que ele havia concordado. Mas ele retrucou: No concordei no - e fim. Acabei tendo que vender o rgo, e perdi uns 12 mil dlares. Raskin e Jobs tinham discusses freqentes, que culminavam com Raskin abandonando um projeto de sua prpria concepo depois que Jobs resolvia assumi-lo. Isto, com o tempo, gerou amarga diviso na empresa, que Jobs alimentara conscientemente. Diz Trip Hawkins que, no incio, trabalhar com Jobs foi experincia fabulosa. As pessoas que entraram para a empresa na poca regozijavam-se com a oportunidade de desenvolver um produto trepidante para um mercado tambm trepidante. Havia muita gente inteligente, de muita viso, e que via o negcio de maneira criativa. Steve pode ser muito carismtico, continua Hawkins, mas extremamente ambicioso, quase a ponto da megalomania. to perfeccionista que ningum consegue satisfaz-lo, o que trazia muitos problemas para o moral. No era muito tolerante, e sempre julgava as pessoas. Se o achasse inteligente, capaz de ensinar-lhe alguma coisa, colocava-o num

pedestal. Mas, para ele, a maioria das pessoas era desqualificada, e saa chocadssima dos encontros com Steve. Certa vez, Hawkins perguntou a Jobs por que ele gostava de agredir verbalmente as pessoas, sobretudo os candidatos a emprego. Ele respondeu: Quem no consegue me enfrentar de homem para homem, eu no quero. Acho que era um teste que ele aplicava s pessoas. Em parte, acho eu, proposital, porm, no mais, ele era assim mesmo. Conseguia irritar os outros. Jobs parecia ciente do efeito que causava nas pessoas, e de fato, durante as reunies, s vezes mencionava, de uma maneira autodepreciativa, sua prpria antipatia. Lembra Hawkins que o pior momento da personalidade instvel de Jobs era quando tinha que ver Michael Scotty. Ningum na empresa escapava das conseqncias das Guerras Scotty. Berravam tanto um com o outro, recorda Hawkins, que todos os empregados ficavam aterrorizados. Scotty tinha um lado tirnico, continua Hawkins. s vezes Steve aparecia com uma idia de fato muito louca, e seu estilo de tentar vend-la irritava Scotty. Steve gritava, berrava, se entusiasmava, delirava e tentava intimidar todos. . Tentava dobr-los falando muito rpido e no dando ouvidos, e Scotty no aturava isso. Junto aos fornecedores e distribuidores da empresa. Jobs criou tambm a fama de fazer exigncias irracionais. Quando as vendas de computadores estavam fracas, ele ameaava retirar as mercadorias, comenta um concessionrio. Se vendssemos um produto concorrente, dizia-nos para abandon-lo, pois, caso contrrio, a Apple no faria mais negcio conosco. A Apple delegava a vrias empresas externas a criao de componentes e equipamento pesado a serem utilizados em seus computadores, e a maioria, tanto as de fora quanto a equipe da prpria Apple, achava Jobs quase sempre irracional. Ele pegava o telefone e passava um sabo em todo mundo, revela um antigo empregado da empresa. Insultava todos. Acabou com fama de arrogante e tirnico. Michael Scott revoltava-se tanto com Jobs que, no trigsimo aniversrio de Jobs, Scott enviou-lhe uma coroa de rosas brancas e um bilhete: DESCANSE EM PAZ. E gostou

tanto da idia que as rosas brancas passaram a ser sua marca registrada. Quando a Apple comeou a prosperar e a promover verdadeiras festanas, Scott dava uma rosa branca a cada uma das mulheres. Em 1979, quando a Apple era a primeira no mundo, no ramo dos computadores pessoais, e estava em vias de abrir seu capital, Judy Smith, a antiga namorada de Jobs, processou-o, pedindo penso alimentcia para a filha. Lisa. Jobs negou a paternidade, alegando que nada tinha a ver com o caso. Na poca, a Apple promovia uma campanha da United Way, de apadrinhamento de uma criana deficiente. Soframos muita presso para fazermos doaes, lembra Hawkins. Queriam que sustentssemos uma criana deficiente que vivia numa cadeira de rodas, e um dia apareceu no escritrio um cartaz com uma criana numa cadeira de rodas, dizendo: Ol, meu nome Lisa, e no recebo nem penso alimentcia. Jobs viu, rasgou, mas no dia seguinte o cartaz apareceu afixado em todas as paredes. Apesar do lado sombrio, havia na natureza de Jobs um lado mais gentil. Ele era uma pessoa criativa, e as pessoas criativas so assim, justifica Raskin. Tm muitas idias, s vezes ruins, s vezes boas. Ele seduzia todo mundo com muita facilidade, s que podia ser de um charme irresistvel num minuto e, no seguinte, um louco furioso. Bana Witt, vtima de vrios ataques verbais de Jobs, certa vez descobriu que Jobs tambm era capaz de faz-la sentir-se uma rainha. Estvamos numa festa, certa vez, e ele foi muito atencioso comigo, diz ela. Conseguia fazer voc se sentir a pessoa mais importante do mundo. Tinha um lado doce tambm, aquele lado hippie que fora ndia em busca da prpria alma, e carregava dentro de si muito dessa doura. Em certa ocasio, ele levou ao escritrio um amigo que tocava citara, e que o acompanhou o dia inteiro, de um lado a outro, tocando o instrumento. Apesar de tudo, gosto de Steve. Quando Bruce Tognazzini foi acometido de cncer. Jobs pagou as despesas do quarto particular e todas as contas mdicas. Ia visit-lo diariamente no hospital, para certificar-se de que estava sendo bem tratado. Providenciou-lhe uma

enfermeira particular e recomendou ao pessoal do hospital que o tratasse como um superastro. Foi incrvel o quanto Steve nos apoiou, a Bruce e a mim, durante a doena, recorda Bana, na poca casada com Tognazzini. Aquilo me comoveu. Mal dava para acreditar que existia algum assim to bom. Na ocasio em que Judy Smith largou Jobs, grvida e oprimida. Jobs encontrou outra mulher, que lhe conquistou o corao, ao menos por alguns anos, porque o tratava com rispidez. Frances Nelson, metade asitica, metade anglosaxnica, era uma mulher lindssima que trabalhava na Agncia McKenna. Era a mulher mais bonita e inteligente que eu j vi, afirma Bana. Era de parar o trnsito! Quando Frances entrou para a Agncia McKenna, todos diziam: Voc tem que conhecer Steve Jobs! Voc precisa conhec-lo! Queriam de todo jeito ver os dois juntos. E, enfim, Frances foi ao escritrio de Jobs, encarou-o bem nos olhos, friamente, colocou a mo nas cadeiras e disse: Quer dizer, ento, que voc o Steve Jobs? Ela no estava nem um pouco impressionada, e tratou-o com um certo desprezo. Steve teve que engolir, os dois se apaixonaram e foram morar juntos. Ela gostava de dizer que o tratava com grosseria, e acho que o fato de ela no se ter impressionado com ele foi que o atraiu. Jobs e Frances moraram juntos quando a Apple comeava a ganhar dinheiro. Jobs comprou uma bela casa em Los Altos, mas mobiliou-a com parcimnia. Ele no conseguia se decidir se comprava moblia ou no, diz Bana Witt. Quando convidavam mais gente para jantar, tinham que pedir cadeiras emprestadas aos vizinhos. Tinham uma belssima casa, quase vazia. Mas Steve possua um lado bem-humorado. Uma vez, jantvamos l e, de repente, ele enfiou um pedao de couve-flor no ouvido e comeou a fazer caretas e rudos engraadssimos, e arrebentamos de rir, de to despropositada a cena. Frances viveu com Jobs anos a fio, mas, com o tempo, o relacionamento acabou. Eu sei de muitas histrias de Steve e Frances, diz Bana, mas isso assunto particular. De fato tinham problemas por causa do lado ruim de cada um. Quando ela largou Steve e foi trabalhar em Stanford, estava anorxica.

Jobs, durante muitos anos, trabalhou de jeans rasgados e sandlias, e s vezes descalo at, apesar dos esforos de Markkula para que se vestisse melhor. Ele comeou a ir a uma loja elegante em San Francisco para comprar roupas, recorda Bana. Era uma loja meticulosa, que fazia tudo sob medida, mas as roupas de Steve eram compridas demais nos braos e nas pernas. Aquilo me deixava maluca. Perguntei a Frances por que ele se vestia assim, e ela disse: Ele exige roupas compridas. Eu no posso acreditar que os alfaiates gostassem daquilo, mas ele era to combativo a respeito de tudo, que provavelmente forava-os a obedecer-lhe. Ele gosta de exercer poder em todos os nveis. Por volta de 1979, a Apple vinha trabalhando em vrios produtos diferentes, e Michael Scott, apoiado pelos executivos, resolveu criar divises na empresa. Jobs no figurava entre os novos gerentes divisionais e ficou furioso e magoado. No sei por que no posso ser um dos gerentes, dizia a Scott. Steve, voc no tem experincia e nem temperamento, Scott retrucava. Alm disso, precisamos de sua ajuda na abertura do capital. Ferido e zangado. Jobs saiu, foi com um dos empregados dar uma caminhada inevitvel, longa e consoladora. Estava mesmo magoado e zangado, diz algum da Apple. Achava que Scott, Markkula e toda a diretoria tinham-no esfaqueado pelas costas. A diretoria da Apple no possua meios de sab-lo ento, mas, ao no vincular Jobs estrutura da empresa, estava preparando o terreno para um futuro jogo de poder que viria rachar ao meio a empresa, resultando na ameaa de demisses em massa, gerando uma situao tal que a Apple passou a no contar com a boa vontade da infra-estrutura, to importante, dos computadores pessoais, ento ramo j multibilionrio. Na raiz de tudo isto estava a vontade frrea, irreversvel, de Steven Jobs. Captulo 12 ZILIONRIOS INSTANTNEOS

No havia dvida de que, mais cedo ou mais tarde, a Apple iria abrir seu capital. Markkula, sorrateiramente, preparara o terreno, atraindo investidores cuja participao financeira na Apple certamente deixava com gua na boca os demais financistas. Os empregados-chave da Apple permaneciam na empresa, em parte porque para ali tinham sido atrados pelas opes em aes que, com o tempo, poderiam enriquec-los. O sonho de todo novo tcnico no Vale do Silcio era arrumar um emprego numa firma iniciante e enriquecer da noite para o dia com o xito da mesma. Havia muita discusso na Apple sobre quem recebia o que em termos de aes. Quanto mais se aproximava o sonho de abrir o capital, maior o desvario dos empregados para comprar aes. Dizem que um engenheiro chegou a hipotecar a casa para investir na Apple. Quem recebia aes sentia inveja dos que tinham quantidade maior, e os que nada tinham ficavam irados. Era considervel a hostilidade entre os escales. Quando a Apple comeou a operar como empresa, distribua aes em lugar de aumentos salariais, e certos empregados reclamavam. Esta atitude, porm, mudou drasticamente porque, por volta de 1979, as aes j tinham desdobrado trs vezes. Quem possua aes da ftindao podia enriquecer de repente, pois 1.420 aes da Apple valiam, quando a empresa abriu o capital, em dezembro de 1980, um milho de dlares. As aes eram a isca para atrair os melhores empregados. Os mais maduros, sabedores de quantos a riqueza contemplara no Vale do Silcio, negociavam para valer na tentativa de obter o mximo possvel em aes. Os menos experientes insistiam em salrios mais altos, ingnuos e ignorantes do valor intrnseco da oportunidade oferecida pela opo em aes. Os executivos da Apple podiam comprar aes, mas os horistas no, e isto gerava rancor, principalmente nos departamentos tcnicos, onde os engenheiros tinham aes, e os tcnicos, que com eles trabalhavam lado a lado, no. Dan Kottke, outrora amigo ntimo de Jobs, com quem fora ndia, apesar de ser um dos primeiros empregados da Apple, no recebia aes porque era tcnico. Jobs no se preocupava

com isso. Wozniak, porm, achava injusto porque Kottke, afinal, estava h muito tempo na empresa, e disse a Jobs que, se ele desse aes a Kottke, ele, Wozniak, tambm daria a mesma quantidade. Jobs respondeu: - timo! Vou dar-lhe zero. Elmer Baum, cujo pai emprestara dinheiro a Jobs e Wozniak quando estavam em vias de falir na garagem, foi repelido rispidamente quando quis comprar aes da Apple. Os empregados gostavam de alardear as quantidades de aes que possuam, e causavam muitas ondas de descontentamento na empresa. Bill Fernandez diz que no havia critrio para a distribuio de aes, e muita gente gabaritada que entrava para a Apple ficava furiosa ao saber que tinha menos aes do que muitos de seus subordinados. Era muito mais fcil s pessoas de fora, que fossem bem relacionadas, comprar aes da empresa do que aos prprios empregados. Os homens do dinheiro, que costumavam trocar dicas sobre os bons investimentos, comearam a falar da Apple entre si, e os capitalistas de risco faziam compras significativas. Isto, no entanto, no aplacava as labaredas de ressentimento entre os empregados da Apple, que queriam comprar aes, mas no podiam. Uma ao da Apple estava cotada em 10,50 dlares em meados de 1979, e a Apple levantou mais de sete milhes de dlares em aes vendidas a 16 firmas de investimento. Jobs e Markkula venderam um milho de dlares em aes, cada um, e Wozniak vendeu aes para trs amigos bem relacionados. O maior comprador foi Fayez Sarofim, amigo de Arthur Rock, que comprou 128.600 aes. Dan Valentine, fugindo tendncia de compra, vendeu todas as suas aes da Apple por motivos que alegava tributrios. Nem todos os diretores da Apple gostavam da idia de abrir o capital. Jobs temia perder poder e ter que dar satisfaes aos acionistas, e Scott compartilhava deste sentimento. Scott, que sempre quisera dirigir uma empresa grande e fechada, ficou perplexo com as tantas exigncias legais necessrias a executar a deciso, tomada em reunio de diretoria em agosto de 1980, de abrir o capital. Houve um intenso lufa-lufa para preparar os

tantos relatrios para atender Comisso de Valores Mobilirios e a outras reparties reguladoras. Regis McKenna chegou a cancelar um anncio no The Wall Street Journal, temendo violar normas da Comisso. Em 1980, a Apple dominava o mercado de computadores pessoais, que crescia aceleradamente. Vendera cerca de 170 mil computadores em sua curta existncia, e o futuro parecia ainda melhor. Em razo desta liderana, e do halo que lhe conferiram os to respeitados capitalistas de risco, a abertura de capital prometia ser uma das mais espetaculares da histria. As corretoras cortejavam a Apple, pleiteando a oportunidade de cuidar do lanamento, em vista das gordas comisses previstas, e a empresa, enfim, escolheu duas, uma em cada costa. A Hambrech e Quist, de San Francisco, foi a escolhida para a Costa Leste, e a pedra preciosa, na Costa Oeste, coube a Morgan Stanley, cuja participao no lanamento marcou importante mudana de prioridades na empresa, tendo se desvinculado da IBM, h muito tempo lder do ramo, sinalizando, assim, nova nfase no mundo dos computadores pessoais. Scott e Jobs desprezavam as corretoras, Scott a ponto de obsesso. Certa vez, comparecera a uma reunio usando jeans e um chapu de vaqueiro. Em outra, juntamente com dois empregados da Apple, usou um bon de beisebol, uma fita preta no brao (em sinal de luto) e uma camiseta com os dizeres: O BANDO DA APPLE, e os financistas tiveram que forar a imaginao para visualiz-lo presidente da empresa. A Apple suportou os dardos e arremessos comuns a toda empresa nova e entusistica que quer abrir o capital. Embora proibida por lei de anunciar a partir do instante em que manifestou a inteno de abrir seu capital, a imprensa cuidou do assunto. Fora muito cortejada pela Apple, no passado, a reportagem que fizera sobre Os Dois Steves, que dera empresa um ar todo especial, e agora os jornalistas escreviam suas prprias matrias sobre o lanamento de aes, antevendo um espetculo grandioso. Vrios informativos sobre investimentos citavam a Apple e insistiam em que aqueles que pudessem comprar aes da empresa no hesitassem. O The Wall Street Journal informou: Todo especulador que se preza

quer dar uma mordida na Apple - Apple Computer, Inc. -, mas quem conseguir uma mordidinha poder considerar-se com sorte. A empresa recebeu uma avalanche de cartas de gente perguntando quando e onde comprar as aes, e o telefone no parava de tocar no escritrio de Cupertino. Os investidores potenciais farejavam dinheiro e estavam frenticos. Os velhos amigos dos empregados da Apple comearam a aparecer depois de longo sumio. Os grandes investidores estavam raspando o caixa para comprar aes da Apple, incluindo o fundo de penso da Hewlett-Packard, o que aumentou ainda mais o prestgio da Apple. O intenso interesse nas aes da empresa ativou os ressentimentos que efervesciam entre os empregados. Wozniak, que julgava aquilo injusto, tentava corrigir a situao como podia. Criou o Wozplan, que permitia aos empregados, que julgava merecedores, comprarem parte de suas aes, e vendeuas a 7,50 dlares cada, trs dlares abaixo da cotao de 1979. Cerca de 36 empregados trataram de agarrar logo as 80 mil aes colocadas venda, e todos foram interrogados pela Comisso de Empresas da Califrnia, temerosa das transaes fechadas, tendo se sado com respostas satisfatrias. Wozniak descarregou tambm outras 25 mil aes, a preo de banana, para o proprietrio de um clube do qual a Apple era scia. Jobs via tudo aquilo com espanto, e concluiu que Wozniak cedera aes para as pessoas erradas. Woz no conseguia dizer no, diz Jobs. Muita gente se aproveitou dele. Jobs, por outro lado, segurava suas aes ao mximo, tendo vendido poucas e por preo mais caro. Este forte contraste entre a generosidade de Wozniak e a avareza de Jobs no passou despercebido aos empregados da Apple. Steve Jobs no se cansou de falar, o tempo todo, nos grandes ideais que tinha para a Apple, comenta Trip Hawkins. Queria ser generoso, justo com os empregados, criar um ambiente onde todos compartilhassem do xito da empresa. Mas, no fim das contas, foi Woz, e no Jobs, quem colocou isto em prtica. Woz subiu muito no meu conceito, e Steve ficou abaixo da crtica.

Quando Wozniak se divorciara, pedira conselhos a Mike Markkula e, apesar de ter relutado em dar aes da Apple exesposa, acatara a sugesto de Markkula e dera-lhe, no acordo, alguns milhares de aes. Na poca em que a empresa se preparava para abrir o capital, Judy Smith, a antiga namorada de Jobs, processou-o, exigindo penso para a filha. Lisa. Jobs negou a paternidade, embora, pouco depois do nascimento, tenha estado com Judy e ajudado a escolher o nome Lisa. Mas recusava-se a admitir que fosse o pai da criana. Judy, depois de largar Jobs, exps-se a uma srie de subempregos para se sustentar e filha, e o processo que moveu exigia a indenizao de 20 mil dlares. Jobs, assim como Wozniak, pediu conselho a Markkula, mas ficou perplexo com o que ouviu. Markkula sugeriu que Jobs aumentasse aquela cifra para 80 mil dlares, para fazer justia a Judy e criana. Jobs, alm de recusar, interrompeu as magras contribuies voluntrias que mandava a ttulo de penso. Sempre que Judy ameaava procurar um advogado. Jobs retomava as remessas para manuteno de Lisa. Jobs, para espanto de muita gente, concordou, enfim, em submeter-se a um exame de sangue para definir, de uma vez por todas, a questo da paternidade. O exame foi realizado na Universidade da Califrnia, mas o resultado no o agradou. A universidade relatara que era de 94,4% a probabilidade de Jobs ser o pai de Lisa, mas Jobs, vendo as coisas por outro ngulo, anunciou, zangado, que tudo o que o teste provava era que quase 7% dos homens nos Estados Unidos podiam ser o pai da criana. Mas, enfim, concordou em submeter-se deciso do tribunal, dizendo que o fizera, entretanto, s porque estava estafado. A considerar a quantidade de aes que detinha na Apple e o valor que teriam dali a um ms, seu acordo com Judy foi uma ninharia. Concordou em pagar 385 dlares por ms a ttulo de penso, em fazer um seguro de vida beneficiando Lisa e em reembolsar em 5.856 dlares a assistncia pblica prestada criana. A Apple possui um computador que se chama Lisa, mas, ao contrrio da voz corrente na empresa, o nome no se deve filha

de Judy Smith. O nome uma homenagem filha de um dos nossos gerentes de programas, diz Wozniak. Entrementes, o misticismo da Apple prosseguia, o preo das aes subia, e havia quem apostasse sobre o ponto a que chegaria. O preo aumentou to rpido que o estado de Massachusetts proibiu o pblico, temporariamente, de comprlas. A Apple nada fizera de errado, mas a especulao forara o preo acima do valor declarado exigido para a empresa. Em agosto, quando a Apple anunciou a abertura do capital, as aes estavam cotadas a pouco mais de cinco dlares. E estavam a 22 dlares cada, na manh de 12 de dezembro, dia em que a empresa abriu efetivamente o capital. Mas este no foi o pico, pois, antes do fechamento do primeiro dia, subira a 29 dlares. No havia movimento na Apple no dia 12 de dezembro de 1980, seno o frenesi de assistir ao desempenho das aes da empresa. Os computadores do escritrio de Cupertino estavam ligados ao registrador automtico da Dow Jones, e a torcida, eufrica, com todos saltando e fazendo algazarra diante de um desempenho to alm da expectativa. Alguns gerentes da Apple, de to emocionados, quiseram colocar do lado de fora do prdio um placar gigante para mostrar ao mundo o estrondoso sucesso da empresa. Um sucesso inacreditvel. A abertura do capital da Apple fora o lanamento de maior xito desde a abertura do capital da Ford Motor Company, em 1956. Ao fim do prego, a Apple ceifara 82,8 milhes de dlares em subscries. E a empresa entrou para a lista das Quinhentas Maiores, muito mais rpido do que qualquer outra na histria. O mercado de aes avaliou-a em 1.778 bilhes de dlares, valor superior ao da Ford, quatro vezes maior do que o da Lockheed e duas vezes a soma do da United Airlines, da American Airlines e da Pan American World Airways. Robert Noyce, homem familiarizado com o sucesso instantneo, ficou boquiaberto quando, numa festa comemorativa da Apple, percebeu que todos no recinto eram, no mnimo, milionrios. Naquele instante, para ele, o mundo mudou. Markkula tinha, em aes da Apple, 239 milhes de dlares, e a quota de Wozniak era avaliada em 135,6 milhes. Para Scott, o clculo era de 95,5 milhes. A ex-esposa de

Wozniak, que recebera aes da Apple no divrcio, estava com 42 milhes de dlares. Steve Jobs, o maior acionista, detentor de 15% das aes emitidas, valia 256,4 milhes... e tinha 25 anos de idade. O enriquecimento instantneo causou mudanas radicais na maneira de viver da maioria dos novos milionrios. Antes de mais nada, descobriam que no podiam vender suas aes imediatamente em virtude de dispositivos legais, que no os impediam, porm, de d-las em garantia de emprstimo. Alguns o faziam, e comeavam a experimentar vida de ostentao to comum entre os nouveau riches do Vale do Silcio, construindo casas fantsticas e comprando automveis exticos. Outros, preocupados com a lista divulgada na imprensa contendo o valor acionrio de cada um, mandaram cercar suas casas, instalar sofisticados sistemas de alarme e contrataram guardas de segurana. Markkula comprou um Learjet usado, mandou pintar, decorou-o com o logotipo da Apple, e viajava de continente em continente, em alto estilo, ouvindo msica no dispendioso sistema estreo que mandara instalar. Outros guardavam as aes e vendiam-nas nas pocas oportunas, aposentando-se aos 20 ou 30 anos. Quem vendia as aes era assediado por Jobs, que considerava o gesto um ato de deslealdade. Um dos que Jobs perseguiu, durante quase um ano inteiro, foi Jef Raskin, que sabia que talvez tivesse que largar a empresa. Quando Jobs acusou-o de deslealdade, Raskin respondeu: Eu me descobri lendo diariamente a pgina da Bolsa de Valores para ver como estava me saindo, e eu no queria que a minha vida girasse em torno da Bolsa. Por isso vendi. Jobs no mudou radicalmente o estilo de vida apesar de se tornar multimilionrio da noite para o dia. Pensara em comprar o Learjet em sociedade com Markkula, mas achou ostentao demasiada. A riqueza, porm, trouxe-lhe uma avalanche de convites para eventos sociais, e as obras beneficentes o assediavam. Mudou, entretanto, o guarda-roupa. At ento habituado aos jeans e s sandlias, agora, abastado, usava ternos sob medida. Mandou construir uma casa em Los Gatos, e levou os construtores loucura com suas exigncias de perfeio.

Quando a ltima namorada foi embora, continuou morando ali, quase monasticamente. Como no conseguisse decidir que tipo de moblia comprar, tinha poucos mveis na casa. Os calhambeques que usara durante tantos anos foram substitudos por um Mercedes. Comprou uma motocicleta e envolveu-se no perigoso passatempo de dirigi-la nas estradas sinuosas das serras, quando tinha tempo. Mas seus milhes de dlares no lhe trouxeram alegria. No, preocupava-se se conseguiria corresponder s expectativas das pessoas com relao a si mesmo. Na Apple, sua personalidade comeou a mudar. Ele passava horas a fio, s vezes a noite inteira, pensando em como iria apresentar um determinado assunto, diz Wozniak. E usava uma linguagem estratosfrica, poltica, para ningum o entender. Gostava de causar a impresso de ser sempre um executivo muito sofisticado, mas no era o caso. Ele comeou a mudar em 1980. Seus milhes no o mudaram, mas lhe permitiram, mais do que nunca, envolver-se na busca da felicidade. Gastava dinheiro a rodo. Como nunca ligara para dinheiro, a riqueza no mudou seus hbitos caticos com as finanas. O generoso Wozniak estava sempre mo, fcil alvo para algum com uma histria lacrimosa. Wozniak era generoso com a famlia e os amigos. Deu aos pais e irmos quatro milhes de dlares em aes e transferiu, a preos camaradas, a vrios amigos, aes que valiam uns dois milhes de dlares. Comprou um Porsche para seu uso, em cujo interior seu pai, certa vez, encontrou cheques no-descontados no valor de 250 mil dlares. Comprou um teatro em San Jose e investiu no desejo, h muito alimentado, de ser piloto. Recebeu o breve, comprou um avio e bateu durante a decolagem, sofrendo apenas ferimentos leves. No se deteve; logo comprou outro avio. A ascenso da Apple fora meterica, at mesmo para os padres do Vale do Silcio. Comeara como uma oficina de garagem, em 1976, com um ativo inferior a seis mil dlares. Quando a empresa se formou, valia trs milhes de dlares. Por volta de setembro de 1980, trs anos e meio aps o lanamento do Apple II, a receita subiu de 7,8 para 117,9 milhes, e os

lucros, de 793.497 para 11,7 milhes. A folha de pagamentos da empresa continha mais de mil empregados. Em 1980, a Apple dominava o mercado do computador pessoal, mas o xito fenomenal da abertura do capital no aplacara a rixa interna na empresa. A Apple estava dividida em dois blocos. Jobs ficava cada vez mais ditatorial, e um veio tirnico surgiu em Scott. Depois de abrir seu capital, a Apple comeou a ter problemas para recrutar engenheiros de alto nvel, porque j no mais existia a chance de enriquecer com a implantao. A empresa era sucesso absoluto e subia como um foguete pelos ares financeiros. Uma viagem temporria ao paraso, pois os problemas da empresa apenas comeavam. Captulo 13 PROBLEMAS Em 1979, Jef Raskin teve a brilhante idia de construir um computador que era radicalmente diferente de tudo o que a Apple, ou qualquer outra empresa de computadores pessoais, vinha fabricando. Chamou-o Macintosh e escolheu como seu pblico os usurios comerciais. Quando desenvolvido, o Macintosh teria maior potncia e seria mais fcil de usar por causa de um instrumento chamado mouse. Com o mouse, bastaria ao usurio apontar um dado para grav-lo no computador e o mesmo aparecer no monitor. Jobs detestou a idia, diz Raskin. E andava pelo escritrio, dizendo: No! Nunca ir funcionar. No adianta!. Foi um dos crticos mais duros do Macintosh, e sempre o derrubava nas reunies da diretoria. Quando se convenceu de que iria funcionar e seria um produto empolgante, comeou a se assenhorear dele. Quando a Apple organizou-se em divises, em 1979, Jobs ficara sem funo direta, situao que o exasperava. Detinha o cargo de vice-presidente de novos produtos e, como tal, entrava e saa das vrias divises, criticando e adulando. Jobs sempre fora uma pessoa difcil de se relacionar, mas h quem diga que piorou quando percebeu que Scott e a diretoria o estavam menosprezando. Tentou usar de influncia para envolver-se no

desenvolvimento do computador Lisa, mas foi avisado, sem margem para dvidas, de que no era bem-vindo. Sem nada mais a fazer, tomou-se um bisbilhoteiro, espiando aqui e acol e causando mal-estar a todos. Ningum gostava dele, em todos os nveis, diz Wozniak. Raskin convencera a diretoria de que valia a pena insistir no Macintosh, apesar da oposio de Steve Jobs, e recebera autorizao para comear e um punhado de tcnicos e engenheiros para assisti-lo. Escrevera um documento de 400 pginas com descries detalhadas do que seria o projeto. Com o passar do tempo, quando o Macintosh comeou a ter ares muito especiais, Steve Jobs parou de neg-lo e aderiu, vendo ali, apesar de pequeno o grupo Mac, a oportunidade de se envolver nas operaes. Ele fez oposio ferrenha ao Macintosh durante dois anos, lembra Raskin. Disse que era a coisa mais idiota da face da terra, e que no ia vender. Quando resolveu assumir o projeto, anunciava ter sido ele seu inventor. Alm de no ser bem-vindo nas demais divises. Jobs tambm era evitado pelo pessoal do Macintosh. Era persona non grata em nosso grupo tambm, afirma Raskin. Assim como os outros, ns tambm no o queramos, mas ele tinha poderes e forou a entrada. Conseguiu-o, falseando as informaes nas reunies executivas. Dizia: A idia tima, mas a coisa est uma baguna dos diabos. E a idia ficou boa por minha causa, e, se vocs no me deixarem conduzi-la, vai rolar por gua abaixo, porque Raskin no sabe o que est fazendo! Raskin fora uma das pessoas que passara horas a fio ouvindo-o falar de suas esperanas e sonhos para a Apple e de sua vida pessoal. Considerava-o amigo e confidente at que Jobs lhe voltou as costas. No era a primeira vez que Raskin se envolvia com o projeto de um computador. Trabalhara no Lisa, computador tambm poderoso da Apple, em cujo funcionamento teve influncia. O Lisa comeou como uma mquina geradora de caracteres, como o PC da IBM, informa Raskin. Fui eu quem o transformou num equipamento mais grfico. Transformei-o,

sozinho, num computador grfico ligado a uma mquina Xerox para imprimir. Fui eu que juntei os pedaos, mas Jobs disse a todos que havia sido ele. Fiquei muito aborrecido porque levei dois anos negociando com a Xerox. Raskin criara o conceito do Macintosh porque acreditava que o Apple II, depois de tanto sucesso, ainda espantava um pouco as pessoas que no se dedicavam a computadores. Sua idia era criar um computador que no exigisse muita especializao. O Macintosh vislumbrado por Raskin no exigiria horas de aprendizado dos comandos que o instruam no desempenho de suas tarefas. No incio, chamara-o Computador do Homem Comum, dada a extrema facilidade de uso. Regis McKenna alega que o computador de Raskin ainda teria visto a luz do dia se no fosse Steve Jobs. McKenna, f ardoroso de Jobs, reconhece que Jobs era um homem sem empresa, no era bem-vindo nas divises da Apple e agarrou a oportunidade de se envolver com as operaes. Como o grupo Macintosh era muito pequeno. Jobs conseguiu convencer Mike Markkula a coloc-lo no comando, mesmo sem ser um s da tcnica e tendo demonstrado vrias vezes possuir desastroso estilo administrativo. Ainda era ditatorial, mas, tendo aprendido o bastante de tecnologia, conseguiu safar-se, atacando os engenheiros com o vigor de um grande inquisidor. Ele espetava o seu crebro o tempo todo, diz Raskin. Primeiro desprezava a sua idia, depois, na semana seguinte, voltava e dizia: Ei, eu tive uma idia genial! S que a idia havia sido sua. Ns o chamvamos Campo de Distoro da Realidade. A tomada do grupo Macintosh revela Jobs como um jogador empresarial realizado. A partir de 1980, passara a chefiar extra-oficialmente a diviso. Um belo dia, em 1982, foi a Raskin e disse: Olhe, eu vou assumir o equipamento pesado. timo, respondeu Raskin. Semanas depois, disse novamente: Vou assumir a documentao. Raskin, sem escolha, concordou. No muito tempo depois, porm. Jobs procurou-o mais uma vez, dizendo: Vou assumir os programas.

timo, respondeu Raskin. E eu peo minha demisso. Raskin ia zunir porta afora, mas Jobs, que no esperava a reao, ficou chocado. No podia perd-lo de uma hora para outra, tal o envolvimento de Raskin com o Macintosh. Desesperado, pediu-lhe que esperasse um pouco mais, e como Raskin no se comovesse com suas splicas, chamou Markkula, o apaziguador da Apple. Raskin, dizendo que j fora muito maltratado, concordou em ficar mais um ms. Era 1983 e, do punhado inicial, a Macintosh se transformara numa diviso muito bem-equipada, com Steve Jobs no comando absoluto. A diviso Macintosh abrigava 600 pessoas, s quais Jobs gostava de dizer: Vocs so a nata da Apple. So o futuro da Apple! Desde o momento em que Jobs assumiu a Macintosh, at transform-la numa diviso, houve um terrvel racha na Apple. Regis McKenna e outros dizem que Jobs, a bem da verdade, dividiu-a em duas empresas que eram ferrenhas rivais. Jobs no fazia segredo de que achava a Macintosh a melhor diviso, a mais inteligente da empresa, e demonstrava-o de vrias maneiras. De tudo, a diviso tinha do bom e do melhor, as melhores festas, os salrios mais altos, e era onde Jobs se empenhava mais. Gostava de dizer que criara uma garagem metafrica onde as idias fluam livremente na plenitude do esprito empreendedor. Na realidade, pouco houve de esprito empreendedor na Macintosh depois que Jobs a assumiu. Era ditatorial, principalmente depois que se tornou multimilionrio por ocasio da abertura do capital em 1980. O dinheiro transformou Steve numa espcie de monstro, diz Trip Hawkins. Ele se achava superior aos demais seres vivos. Interagia de forma feroz e dinmica com as pessoas inteligentes que o cercavam. Carecia de aprendizado tcnico suficiente, mas era assim que aprendia. O sucesso subiu-lhe cabea e gostava de ver todos rastejando sua volta. A Apple empenhava-se em encontrar um meio de comercializar seus produtos de modo a no haver canibalismo em suas divises. Possua o Apple II, de grande sucesso, o Lisa e, em desenvolvimento, o Macintosh, mas era, essencialmente, empresa de um produto s. O Apple II era o maior responsvel

pela receita oriunda dos computadores, mas Jobs detestava o equipamento por ach-lo deselegante. Enquanto os demais executivos se empenhavam em descobrir mercados distintos para cada produto, a fim de que um no competisse com o outro. Jobs no manifestava interesse nos nichos mercadolgicos. Hawkins, que trabalhou no Lisa e no Macintosh, diz: Steve era de opinio que devamos deixar o mercado decidir. Nas reunies de diretoria, dizia: Vamos ver a reao do mercado; aposto que iremos arrebentar vocs. Steve podia falar assim porque Mike Markkula, Henry Singleton e Arthur Rock eram seus amigos ntimos e mentores. Steve tinha um relacionamento muito bom e duradouro com a diretoria, mas acho que sua ambio e seus acessos de competio s vezes contrariavam os interesses da empresa. Durante o desenvolvimento do Macintosh, Jobs abafou o esprito empreendedor de que tanto se gabava com sua garagem metafrica. s vezes, estabelecia prazos para certos projetos e, quando prontos, ele os recusava. No importa o que lhe levssemos, ele recusava, diz um engenheiro que trabalhou no Macintosh. Depois de algum tempo, j sabamos que ele ia recusar qualquer coisa que fizssemos, ento passamos a ignorar os prazos. Na Apple, as pessoas o chamavam de Recusa Tudo e Campo de Distoro da Realidade. O pessoal da Macintosh em nada contribua para o moral da Apple. Empafiavam-se com sua importncia e com o fato de serem os prediletos de Steve Jobs. Quando passavam pelas divises Apple III e Lisa, zombavam do trabalho que estava sendo desenvolvido. medida que a empresa crescia e mais se transformava em burocracia empresarial, a inexperincia de Jobs em administrao criava uma srie de problemas adicionais. Saltava de um projeto a outro, impunha o projeto mesmo sem saber se havia ou no tecnologia para viabilizar suas idias. Quando um engenheiro recusava, usava o nome de Wozniak como arma. J que voc no consegue, vou chamar o Woz, ameaava. E estas ameaas s serviam para piorar os problemas do moral de uma empresa que se empenhava em concluir o Apple III, seu primeiro produto, cujo projeto no era exclusivo de Wozniak.

Quase nada dava certo no projeto e na produo do Apple III, que visava preencher a lacuna existente entre o Apple II e o Lisa, o prximo da fila. Jobs, e tambm a Apple, como empresa, estavam to cheios de si com o sucesso do Apple II que tinham idias bem pouco realistas para o desenvolvimento do Apple III. Wozniak criara o Apple II, mas o Apple III fora projetado por uma comisso. Era como se um enxame de grilos estivesse solta na empresa. Havia falhas de comunicao entre o marketing, a engenharia e a to importante infra-estrutura do computador pessoal. Jobs, sem experincia na produo de computadores, acreditava que o Apple III poderia ser desenvolvido com maior rapidez do que o computador que Wozniak projetara numa garagem. O temor de colapso do mercado do Apple II, a qualquer momento, instigava frentica agitao no sentido de finalizar o Apple III. Os especialistas em marketing da empresa vinham prevendo o fim do Apple II, e a presso era ainda maior porque o prospecto da Apple, quando requereu abertura de capital, prometia seu lanamento. E Jobs, contribuindo para esta presso sobre o cronograma de produo, espalhara cartazes que diziam: A DECISO QUE VOCS ACABAM DE TOMAR PERMITE ENTREGAR 50.000 APPLE III EM 1980. Havia pouco material de apoio para o Apple III. De fato, seus programadores s o viram a nove semanas do prazo previsto para a entrega. O cronograma estava to apertado que os manuais de programao e operao foram revistos nos vrios departamentos no mesmo dia em que os mecnicos vieram ver a impressora. O Apple III fora divulgado como um computador que usaria os mesmos programas do Apple II, mas a diferena entre os dois equipamentos gerava grandes lacunas. Jobs, obcecado com o sigilo, revelava o mnimo possvel aos criadores externos, tanto de programas como de equipamento pesado. Isto impossibilitou o projeto, por parte de terceiros, de acrscimos ao computador e de programas que viessem suprir o Apple III com inteligncia para executar ampla variedade de funes. A tendncia de Jobs a guardar segredo quanto ao que era desenvolvido na Apple afastou a to importante infra-estrutura

dos computadores. O Apple II fora uma novidade, e os jornais, fascinados com a nova rea de computao, divulgaram matrias de reprteres entusiasmados sobre o seu funcionamento. O computador no era apenas um videogame; seria usado em muitas pequenas empresas no pas. Estava apto a cuidar de muitas coisas, desde problemas de contabilidade assistncia administrativa eficaz de uma fazenda de laticnios. Porm, para o computador executar esta ampla variedade de tarefas, preciso existirem programas que lhe digam como operar. Outro problema que a Apple enfrentava eram as imitaes que vinham sendo fabricadas, permitindo, muitas delas, acrscimos de componentes para expandir o poder e a versatilidade do computador bsico. Jobs fez dos computadores da Apple sistemas geogrficos fechados que no aceitavam perifricos externos. Quem comprava um computador Apple comprava um equipamento com srias limitaes. Jobs no ligava para as exigncias do mercado, diz um analista de computadores. Achava que sabia mais do que eles. Qualquer coisa que a Apple produzisse, ele pensava que podia enfiar na goela do pblico. O Apple III foi apresentado na Conferncia Nacional de Computadores de 1980, e, apesar da euforia que causou, a Apple sabia que aquele rebento havia sado muito caro. Quando as encomendas comearam, os problemas de produo se tornaram pesadelo quase insuportvel. A insistncia de Jobs na elegncia do projeto impedia simplesmente entulhar as peas no interior da caixa aprovada. A empresa tambm relaxou no teste dos componentes e unidades acabadas, resultando em falhas nos chips depois de pouco uso. Com a ateno voltada para a elegncia da aparncia, os circuitos eltricos ficaram muito apertados e causavam curtoscircuitos. Os engenheiros insistiam em no entregar os computadores sem trocar as lminas, mas foram derrotados pelo departamento de marketing. As caixas metlicas eram pesadas e desajeitadas, quase impossibilitando o manuseio por parte do pessoal da linha de montagem. Alguns parafusos que fixavam miolo e caixa perfuravam a fiao interna, e a Apple descobriu que, para acomodar convenientemente os componentes, teria

que elevar o computador em algumas polegadas. Mas desistiu, substituindo o mtodo por um sistema de martelar as caixas com marretas de borracha. Wozniak estava revoltado. Eu discordava inteiramente do rumo que a empresa vinha tomando, querendo forar a substituio do Apple II pelo Apple III, diz. Eu podia ver muita coisa errada no miolo, de que o pessoal de fora nem desconfiava. No era correto. Era enganoso, um embuste. Nada falei porque no me interessava fazer poltica, mas possvel compreender mais ou menos qual era a minha posio. Embora as vendas do Apple III atingissem a casa dos 100 milhes de dlares em 1983, menos de trs anos depois de ser lanado, o mercado considerava-o um perdedor. Os usurios do Apple II esperavam no mnimo a mesma qualidade de desempenho no Apple III, expectativa no correspondida. O computador no era confivel e no havia programas disponveis. Os usurios queixavam-se tambm de ser um sistema fechado expanso, impossvel de ser acrescido com novos componentes. A Apple criava fama de no atender aos seus compromissos, diz um analista. No entregava o que prometia. O Apple II continuou sendo o produto mais importante da empresa, apesar de Jobs esnobar o respectivo departamento. Era um tal de Mac para c, Mac para l, diz Wozniak. O atrito entre a diviso Apple II e a Macintosh acirrou-se ainda mais com o passar dos anos. Quando a empresa abriu o capital, costumava usar as reunies dos acionistas como foro para empurrar novos produtos, reunies que lembravam revivals dos velhos tempos, onde Jobs, no papel do evangelista da empresa, levava a platia ao delrio. Os elementos-chave da diviso Macintosh ocupavam as poltronas das fileiras da frente, enquanto os gerentes do Apple II, s vezes em outra sala, por meio de um sistema de alto-falantes, ouviam Jobs promover o Macintosh. No se falava no Apple II, diz Wozniak. Ns ramos os responsveis pela maior receita da empresa, e o Apple II era o computador mais vendido no mundo. Ns nos sentamos desrespeitados.

A fantica devoo de Jobs diviso Macintosh quase resultou numa demisso em massa dos empregados do Apple II. Wozniak conta a histria: A gente ia a uma reunio dos acionistas e s ouvia elogios ao Macintosh, e saa dali com impresso inteiramente diferente da realidade da empresa. Era uma verdadeira impostura. Contei para minha famlia, para alguns amigos, e, quando eles compareceram a uma dessas reunies, me deram razo. Certa noite, os empregados assistiram a uma reunio na TV e, quando eu cheguei na manh seguinte, alguns deles queriam se demitir, com a carta de demisso j datilografada. Consegui demov-los da idia. f As expectativas de Jobs para o Macintosh eram irreais desde o instante em que assumiu a diviso. Ele achava, no incio, que a empresa ia vender cinco milhes de computadores Macintosh nos primeiros dois anos, diz Hawkins. uma cifra to louca que chega a ser ridcula. Nenhum equipamento vendeu tanto assim, mas ele manipulava a hiptese e vendia seu peixe. Jobs, alm de superestimar grosseiramente a perspectiva de vendas do Macintosh, tambm estava equivocado quanto ao seu preo final para o consumidor. Uma vez discutimos sobre a marcao do preo, diz Hawkins. Ele achava que o Macintosh podia ser lanado a 1.500 dlares. Eu disse: Steve, as peas so muito caras. Assim a empresa no vai ter lucro compensador. Vamos ter que lanlo a 2.500 dlares. Nada disso, dizia Steve. O custo das peas vai ser muito baixo, porque vamos compr-las aos milhes. Aquilo era um absurdo, mas estava baseado em sua ridcula projeo de vendas. Jobs no era o nico responsvel por esta expectativa irreal do computador Macintosh. Regis McKenna manteve vrias reunies estratgicas com Jobs e outras pessoas do marketing, participando de brainstormings para determinar qual seria o mercado do equipamento, e a Apple chegou deciso de que procuraria atingir um grupo de pessoas que chamava de operrios do conhecimento. Outra expresso, menos lisonjeira, chamava-as de viciados em jornal. A Apple acreditava que havia 25 milhes de operrios do conhecimento

nos Estados Unidos que se poderiam beneficiar do uso do Macintosh. Eis como a Apple descreveu este mercado: Os operrios do conhecimento so indivduos de formao profissional remunerados para processar informaes e idias e transformlas em planos, relatrios, anlises, memorandos e oramentos. Costumeiramente usam escrivaninhas. De modo geral, tm a mesma abordagem genrica para resolver os problemas, independentemente da idade, ramo, dimenso da empresa ou localizao geogrfica. Alguns tm limitada experincia em computadores - talvez uma cadeira de introduo programao na universidade -, mas a maioria v o computador com ingenuidade. O uso que faro do computador no ser intenso, do tipo oito horas por dia ao teclado. No; iro de uma atividade a outra, de uma reunio a um telefonema, de memorandos a oramentos, da correspondncia reunio. Assim como de telefone, precisam de um computador pessoal que seja ao mesmo tempo muito potente e fcil de usar. Acreditava a Apple que, dos 25 milhes de operrios do conhecimento visados, cinco milhes dedicavam-se a pequenos negcios com vendas anuais inferiores a cinco milhes de dlares. Outros cinco milhes seriam vistos em vrias colocaes da lista das Duas Mil Maiores Empresas, e o resto seria de porte mdio, em atividades de compra e venda, universitria ou residencial. Diz McKenna que, segundo a Apple, seria relativamente fcil vender o Macintosh ao mercado dos operrios do conhecimento. Outro problema era posicionar o Macintosh de modo a no competir com o Apple II, o que no era da alada de Jobs ou dos demais gerentes de diviso. Por causa da ciso na empresa, as divises funcionavam como reinos isolados, e os gerentes divisionais estavam mais interessados em competir do que em cooperar, recusando-se a resolver os conflitos de comum acordo. O departamento de marketing da Apple comeou a referirse ao Macintosh como utenslio. McKenna e outros na Apple faziam restries ao termo, mas, aos poucos, o conceito solidificou. Mike Murray, diretor de marketing do Macintosh, consolidou a posio em memorando: Pensem no Mac como

um utenslio. Algo que usado como meio para atingir objetivos. Assim como sem um Cuisinart na cozinha, possvel viver sem um Macintosh na escrivaninha. Porm, o aumento da produtividade pessoal, conjugado oportunidade de uma expresso pessoal criativa, acertar em cheio os impulsos psquicos de nossos clientes. Uma pessoa talvez v gastar apenas 15 a 20% de seu tempo til com o Mac, o que, entretanto, assim como o Cuisinart, representar diferena substancial. Nossos clientes tero dificuldade em voltar velha maneira de fazer as coisas. O Macintosh passar, sobre a escrivaninha, a fazer parte da vida. Na verdade, esperamos o dia em que um gerente de produto, recm-contratado por uma empresa da lista das Quinhentas Maiores, ao chegar sua nova mesa de trabalho, ali encontre um telefone, uma ou duas esferogrficas, um bloco de papel, a revista da empresa e um Mac. Enquanto prosseguiam os debates quanto ao posicionamento do Macintosh, a fama da Apple, no mercado, caa. O sucesso inicial da empresa no afetara apenas Jobs, mas tambm a empresa como um todo. Os gerentes comearam a fazer o que os fornecedores consideravam exigncias irrazoveis. Michael Scott, certa vez, enviou uma coroa de rosas brancas a um fornecedor, com um bilhete: Eis o que penso de sua capacidade de atender aos seus compromissos. A palavra mais usada, antes de 1984, em associao Apple era arrogante. A empresa era exigente com os fornecedores, mas o sucesso a deixara ainda mais rgida. Jobs, numa reunio do pessoal do Macintosh, disse: Temos que apertar ainda mais os nossos fornecedores. A Apple era tambm um feitor severo com seus distribuidores, impondo-lhes quais computadores podiam e no podiam vender se quisessem contar com o Apple nas prateleiras, e chegou a forar um deles a mudar o nome da loja para vender seus produtos. A Apple estava desordenada, era uma empresa dividida que lutava contra si mesma. Jobs rechaara grande parte da infraestrutura do computador pessoal e criara grandes rachas na empresa. Logo depois da estupenda abertura do capital, o sucesso subiu-lhe tanto cabea que o impediu de reconhecer a

importncia de um novo concorrente no mercado de computadores pessoais, a IBM, o gigante de Armonk, Nova York. Captulo 14 BEM-VINDA, IBM. FALANDO SRIO. Em 1981, a IBM anunciou que entraria no mercado de computadores pessoais, e a Apple, que deveria tremer de medo, no se abalou. A IBM tinha extenso currculo de xitos como lder da high tech em equipamentos comerciais, herana que lhe conferia imediata credibilidade no mercado. A Apple, em vez de se intimidar, viu a IBM com condescendncia e arrogncia, do mesmo modo como via os fornecedores, varejistas e a infra-estrutura dos computadores pessoais. Jobs mandou publicar anncio de pgina inteira no The Wall Street Journal, com o seguinte cabealho: BEMVINDA, IBM. FALANDO SRIO. O anncio representava a arrogncia esnobe, a panplia que a Apple e Jobs passaram a usar desde o primeiro sopro de sucesso. Em 1980, a Apple detinha 80% do mercado de computadores pessoais, posio que seus executivos consideravam inexpugnvel. Deveriam saber que no era assim. Regis McKenna, consultor de marketing e relaes pblicas da Apple, no se cansou de dizer-lhes que era da maior importncia a maneira como o mercado via uma empresa. A IBM contava com liderana e lastro tais que o mercado de computadores pessoais a recebeu com imediata credibilidade, reconhecendo-a como lder no apenas por ter desenvolvido um computador pessoal, mas tambm pelo halo que a envolvia, patina de xito e liderana acumulada durante anos a fio. Apesar de Jobs ter subestimado a sria ameaa que a IBM representava, as demais empresas de computadores pessoais tremeram nos calcanhares. Estavam intimidadas porque reconheciam o poderio da IBM, temores logo justificados quando comearam a perder mercado para a Grande Azul, quando algumas delas tiveram que cerrar suas portas. A Apple,

alm de ter falhado em no reconhecer a ameaa do gigante, logo se descobriu em srios apuros. Porm, quando a IBM deu a conhecer suas intenes, a Apple surpreendentemente ignorou o fato, conseqncia, sem dvida, do sucesso instantneo. O anncio completo dizia: Bemvinda, IBM. Falando srio. Bem-vinda ao mais emocionante e importante mercado desde que, h 35 anos, teve incio a revoluo dos computadores. Esperamos concorrncia responsvel no sentido de concentrar esforos para distribuir ao mundo esta tecnologia americana. Markkula, assim como Jobs, no percebeu que a IBM seria concorrente feroz, e exibiu atitude de ora, ora! quando interrogado pela imprensa. Disse que o ingresso da IBM no mercado era coisa de rotina e que a Grande Azul no tinha fora competitiva. Assegurou que a Apple j esperava a entrada da IBM, mas afirmou enfaticamente: Ns ocupamos o lugar do motorista. Ressaltou ainda que a Apple estava na dianteira em todas as reas do computador pessoal: nos programas, no equipamento pesado, na distribuio e na participao no mercado. O que mais ilustra a sria subavaliao da Apple em relao IBM foi o seu argumento de que a IBM seria forada a reagir Apple mais do que a agir, e que a IBM no fazia idia de como vender computadores individuais. Somente a III Guerra Mundial pode nos deslocar no mercado, acrescentou, sendo reforado por Jobs: Ns vamos tirar a IBM do mercado. Nosso negcio j est organizado. Os pensamentos condescendentes de Markkula sobre a IBM foram, sem dvida, influenciados pela sabedoria tradicional do mundo dos negcios, que afirma que as empresas jovens se mexem mais rapidamente do que as antigas e consolidadas na criao de nova tecnologia. O que Markkula e Jobs no perceberam foi que a IBM era empresa antiga, mas indigesta, capaz de rapidamente se adaptar s circunstncias e de atender ao desejo do pblico. A IBM tinha impressionante currculo de vitrias. Assim que entrou no campo dos computadores centrais, era insignificante se comparada a gigantes do porte de uma General Electric ou uma RCA. At mesmo algumas empresas menores

neste mercado levavam certa vantagem sobre a IBM. Mas a empresa, capitalizando sua fama de lder em tecnologia, alm de reforar sua competncia quanto a comercializao e servios, alcanou a marca de 75% do mercado em 1956. No dando ouvidos ao desejo dos clientes e forando-os a aceitarem o que julgava ser melhor para eles. Jobs criou posio insustentvel para a Apple, que a IBM capitalizou para si. Colocou cerca de mil representantes em campo para descobrir que caractersticas o pblico queria num computador pessoal. Formou alianas estratgicas com fabricantes de perifricos para os seus computadores, de modo a poder expandir-lhes os recursos. Uma vez descoberto o que queria o usurio final, lanou-se tarefa de incorporar ao equipamento caractersticas solicitadas, conquistando apoio imediato da infra-estrutura. Para vender o produto, contava com forte contingente de vendas, de mil representantes, mas fez novos acordos com concessionrios e varejistas de computadores pessoais. A capacidade da IBM de produzir um computador altura das necessidades do usurio deixou perplexas as novas fbricas do equipamento, como a Apple. Esta, que tanto se debatera para fabricar o Apple III, quando o lanou, viu que tinha um fiasco em mos. A IBM, considerada gigante lento e arrastado, mobilizou-se e criou um computador completo, com programas e, mais importante ainda, capaz de aceitar novos acrscimos, em apenas 13 meses. * Durante os trs primeiros anos da Apple, o computador pessoal era visto como equipamento capaz de trabalhar sozinho, executando tarefas que no precisavam interligar-se com outros computadores. Porm, quando a IBM entrou no mercado, o equipamento j no era visto de maneira to simplista. Os gerentes de informao, cada vez mais cautelosos, procuravam evitar que seus gerentes de departamento comprassem computadores que no se interligassem com os tantos computadores adquiridos por outros chefes de outros departamentos. Ao preo de 2.500 dlares, o problema no era to grave, mas o Lisa, da Apple, alm do atraso na entrega, custava o exagero de 10 mil dlares e, ainda assim, no se interligava com outros computadores, porque Jobs insistia em se ater ao sistema

fechado. Os computadores da IBM, por outro lado, podiam conversar com os demais e aceitar perifricos para aumentar seus recursos e sua capacidade. J o Lisa, da Apple, tinha severas limitaes, e a pior delas era no poder se interligar com os computadores pessoais da IBM. Por volta de 1983, a expresso-chave no ramo do computador pessoal era compatvel com a IBM. Os gerentes de informao recusavam-se a permitir seus gerentes de departamento de tomarem a deciso unilateral de gastar 10 mil dlares num Lisa, em vista principalmente das limitaes, e comearem a controlar a compra de computadores pessoais. Pode at ser que gostassem do Lisa e respeitassem Jobs por fazer frente IBM; porm, na hora de soltar o dinheiro, os gerentes de informao optavam pela IBM. Ningum era despedido por comprar um produto IBM, diz um deles. A Apple tambm perdeu terreno para a IBM por no cumprir os prazos de entrega do Lisa. Havia problemas de fabricao to srios quanto os que assolaram o Apple IH, agravados pelo conflito interno na empresa. Jobs insistia em impor sua marca pessoal a todos os produtos da Apple, e recusava um projeto atrs do outro. Quando a Apple passou a entregar fora do prazo, reforou a convico do mercado de que a empresa no estava em condies de cumprir seus compromissos. A empresa perdia credibilidade, e comeou a correr uma piada sobre o Apple: Pergunta: Quais so as duas maiores mentiras do mundo? Resposta: O cheque segue pelo correio e Bem-vinda, IBM. IBM era nome de confiana, pela segurana de seus produtos e por seus servios. Alm disso, mantinha boas relaes com a infra-estrutura do computador pessoal, enquanto Jobs a rechaava. A IBM vendia computadores pessoais, s centenas, ao mercado empresarial, onde a Apple no entrava. O Apple II era ainda um computador vivel, mas no dispunha dos recursos necessrios para competir com a IBM, e o Lisa era muito caro. O Apple II, devido relutncia de Jobs em formar alianas estratgicas com a infra-estrutura do computador pessoal, carecia de programas e perifricos.

Assim que a IBM comeou, esmagou a concorrncia. Tinha, em 1982, 18,4% do mercado dos computadores pessoais, mas atingiu 30% de participao em 1983, e vinha causando arrepios no mercado com o boato de que iria fabricar um computador pessoal, chamado Peanut, com preo de venda de 500 dlares. Em virtude da respeitabilidade da IBM, o Peanut j era vitorioso antes mesmo de vir luz, pois a perspectiva de lanar um computador de custo to baixo teve efeito devastador sobre as demais empresas de computadores pessoais, cujas aes entraram em queda. O Macintosh, da Apple, to aguardado, que era o projeto de estimao de Steve Jobs, nem teria vez na corrida, ao preo de 2.500 dlares, diante de um computador de 500 dlares espreita na IBM. Menos de dois anos depois do ingresso da IBM no campo do computador pessoal, os clientes e analistas j a consideravam a lder da tecnologia, desbancando a Apple do primeiro lugar. A Apple, alm da renhida concorrncia com a IBM, padecia de contnua turbulncia interna. O Lisa e o Macintosh visavam basicamente aos mesmos mercados. Em vez de procurarem meios de cooperar entre si, as divises da Apple brigavam como co e gato, parecendo que queriam destruir-se umas s outras. O caldeiro fervilhava, e a rixa latejava entre as divises Macintosh e Apple II. Havia previses do fim do Apple II, que os especialistas em marketing da empresa consideravam, inadvertidamente, equipamento obsoleto. Achavam que o produto, que era a maior fonte de renda da empresa, com 500 milhes de dlares anuais em vendas, estava beira da extino. E, caso isto ocorresse, a Apple se veria em srios apuros, pois era, na verdade, empresa de um s produto, e este produto era o Apple II. O Lisa foi lanado em 1983, ano que parecia um estandarte para a Apple, apesar da turbulncia da empresa. Era considerado um produto avanado, embora caro e no compatvel com a IBM. O mercado, porm, no incio de 1983, ainda estava forte para os computadores pessoais. A Atari, a Osborne, a Commodore e outras empresas fabricantes do equipamento encontravam-se em franca prosperidade. A cotao da Apple subiu a 63 dlares por ao em 1983, conferindo ao patrimnio

de Jobs o valor aproximado de 437 milhes de dlares. O Apple II vendeu 700.000 unidades, um recorde, 400.000 a mais do que em 1982.0 mercado de computadores pessoais estava to agitado que, em fins de 1982, a revista Time, em vez de indicar o Homem do Ano, conferiu a honra ao computador pessoal. As empresas de computao pessoal, como a Apple, vinham tirando o mximo proveito de um mercado novo e prspero, mas, em meados de 1983, tudo mudou radicalmente. E um dos motivos de no pouca influncia foi a IBM, que, em curto espao de tempo, conquistara larga fatia do mercado no s dos computadores pessoais, mas, tambm, dos programas e perifricos. Os gerentes de informtica das grandes empresas faziam uma pergunta-chave antes de comprar um computador: compatvel com a IBM? O Apple no o era, e suas vendas comearam a cair, alm da devastadora convico do mercado de que a empresa no era preo. A Apple, de fato, aos trancos e barrancos, conseguia vender o Lisa, mas o mercado comeou a consider-lo um perdedor em virtude de seus limitados programas e perifricos e de sua incapacidade de interligar-se com outros computadores pessoais porventura existentes. Esta mudana radical no mercado levou vrias empresas de computadores pessoais, como a Osborne, falncia. Empresas do porte da Texas Instruments perderam centenas de milhes de dlares. A Apple, rainha sem coroa do ramo do computador pessoal, pela primeira vez apresentou lucros, decrescentes no trimestre, soando o alarme de que era preciso fazer alguma coisa. Para piorar os problemas da Apple, vinham aumentando os custos de produo do to esperado Macintosh, que Jobs previra vender por mil dlares, porque acreditava que a Apple poderia comercializ-lo s centenas de milhares, o que permitiria a compra de peas mais baratas e a reduo dos custos de fabricao. Estava claro que o Macintosh teria que ser lanado com preo entre 2.000 e 2.500 dlares, na mesma poca em que, diziam os boatos, a IBM lanaria o Peanut por 500 dlares. O Apple III, refinamento do Apple II original de Wozniak, era a esperana de sobrevivncia da empresa. Os gerentes de marketing da Apple, tardiamente, comearam a ver que o

computador, longe de ser obsoleto, continuava a fazer sucesso. Mesmo com a penetrao cada vez mais forte da IBM no mercado de computadores pessoais, as vendas do Apple II continuavam a crescer ano a ano, confundindo a todos, principalmente Jobs. Embora o Apple II e o Macintosh tenham sido considerados originalmente concorrentes de um mesmo mercado, os dois produtos comearam a se diferenciar. Jobs queria que os dois se enfrentassem no mercado, e estava convicto de que o Macintosh iria acabar com o Apple II. Felizmente para a Apple, suas previses para o Apple II estavam erradas, e no houve a canibalizao que teria ocorrido, caso no houvesse diferenciao de mercados. E, enquanto o preo do Macintosh continuava a subir, o preo de lista do Apple II continuava a cair. O mercado do Apple II crescia verticalmente e, como o equipamento j estava no mercado h alguns anos, as empresas de material de apoio puderam encadear ampla variedade de programas para o computador, aumentando-lhe a flexibilidade. Os responsveis pelo marketing comearam a acreditar que o Apple II continuaria a crescer e no iria competir com o Macintosh, que, imaginavam, cresceria horizontalmente. O futuro do Macintosh comeou a clarear quando a IBM, cujo desempenho nos ltimos anos beirara a perfeio, comeou a cometer erros. O Peanut, conhecido oficialmente como IBM PCjr quando foi lanado, era equipamento absolutamente inadequado. Os gerentes da Apple, que haviam encomendado um, dos primeiros a serem fabricados, debocharam ao v-lo. O PCjr tinha um teclado de brinquedo que dificultava o uso, e a memria, muito pequena, era totalmente inconveniente para atender s exigncias do usurio comercial. O fracasso deste computador de brinquedo constrangeu a IBM, e a empresa perdeu credibilidade, o mesmo que ocorrera com a Apple e o Apple III. A IBM, apesar da fama de lder, teve que trincar os dentes e resguardar-se para tentar recuperar o brilho anterior. Quando as portas foram fechadas para a IBM, abriram-se mais uma vez para a Apple, que j no precisava preocupar-se com as comparaes desfavorveis entre o IBM PCjr e o

Macintosh. Os dois computadores no estavam sequer na mesma categoria. A IBM cometeu tambm certos equvocos estratgicos em relao infra-estrutura dos computadores. Enlouqueceu os pesquisadores e varejistas de programas quando resolveu expandir a criao de programas prprios e as vendas diretas por meio de seu prprio sistema de distribuio. Certos varejistas dependiam da IBM em 75% de suas vendas e, quando a IBM criou novos centros de produo e expandiu sua fora de vendas, os distribuidores preocupavam-se com o possvel declnio dos lucros. Previam os analistas que a organizao da IBM era capaz de cobrir 60% de suas vendas no varejo, o que cortava dos varejistas, que dependiam das vendas de IBM, metade do mercado. Parte da estratgia comercial da IBM sempre fora criar temor, incerteza e dvida [TID] nos concorrentes, mas os equvocos negativos, causando reviravolta de 180 graus, colocaram a IBM na mira do TID. A IBM, durante anos a fio, usara o TID com muito xito contra os concorrentes, e, embora a infra-estrutura do computador pessoal ainda quisesse fazer negcios com a Grande Azul, evitava depender muito dela. A IBM cometera o mesmo erro da Apple: fazer tanto segredo do produto que as firmas correlatas no puderam preparar o necessrio material de apoio. O contratempo da IBM foi a oportunidade da Apple, mas claro estava que a empresa no teria condio de tomar as providncias necessrias na gesto vigente. Jobs rechaara grande parte da infra-estrutura com sua arrogncia e exigncia, mas nem por isso a diretoria o entregara guilhotina, pois era valioso como figura herica na mente do pblico, ou, usando as palavras de um diretor, como a alma da Apple. Auxiliada por Jobs e pelas Guerras Scotty, a diretoria comeou a lanar olhares inamistosos sobre Michael Scott. Scott fora o primeiro empregado contratado pelo triunvirato de Markkula, Jobs e Wozniak, quando a Apple se transformara em empresa. Era um presidente obstinado e prtico que agia como influncia moderadora nos planos de Markkula, freqentemente caticos e pouco prticos. O nico meio que

Scott tinha para enfrentar os mtodos autoritrios de Jobs era submet-lo com palavras, tarefa nada fcil. Tentar conversar com Steve Jobs, diz o ex-gerente de publicidade da Apple, Fred Hoar, era o mesmo que querer tomar um gole dgua numa mangueira de incndio. Scott, que fora a primeira experincia de Jobs diante de uma autoridade inquebrantvel, granjeou a inimizade eterna de Jobs. O papel de Scott, no incio, era ser a voz repressora capaz de amortecer a polmica de Steve Jobs. Vigiava os cofres da empresa como uma guia e procurava garantir para a empresa um crescimento no to rpido quanto o desejado por Jobs e Markkula. Scotty era a influncia moderadora na empresa, diz Trip Hawkins. Se tivssemos feito tudo o que Markkula e Jobs queriam, teramos crescido to rpido que no conseguiramos cumprir nossos compromissos. Scotty mantinha a empresa numa perspectiva realista. Apesar do empenho de Scott, a Apple crescia em cadncia resfolegante. Por volta de 1978, a empresa, expandindo-se alm dos limites de sua sede original, de dois andares, mudara-se para local algumas vezes maior, e, apenas trs meses depois, j ocupava espao adicional nos prdios da vizinhana imediata. A empresa tinha 90 empregados em fins de 1978, e precisou de nmero maior para fazer frente aos compromissos, seguindo-se verdadeira orgia de contrataes urgentes, conhecida internamente como Exploso Bozo, em esforo pouco ou nada ordenado. Alguns empregados ela foi procurar em empresas concorrentes; outros, contratou por intermdio de firmas de seleo. As coisas aconteciam com tal rapidez que Scott mal tinha tempo de organiz-las. Os aumentos salariais, por exemplo, eram dados a esmo. Para tentar controlar a produo, Scott implantou um sistema computadorizado de inventrio, mas muitos aspectos da atividade da empresa caam em fendas profundas, em virtude do crescimento extensivo da Apple. A Exploso Bozo reuniu engenheiros e tcnicos que tinham ascendido nos escales da empresa e universitrios recmformados e imberbes. Os engenheiros mais jovens viam com desprezo seus pares mais velhos e reclamavam que a maioria deles podia ser encontrada nos filmes de Gary Grant. Os mais

velhos, por sua vez, aborreciam-se com as idias extravagantes que os recm-chegados traziam para o campo da computao. Jobs, que tinha seus preferidos num e noutro grupo, pactuava com a inimizade j existente, atacando ora um, ora outro, garantindo assim, ao acaso do processo, a continuidade da rixa. Scott teve muita dificuldade em dominar a situao neste perodo de crescimento, em parte porque Jobs aproveitava qualquer oportunidade para lhe usurpar o poder. Perdia muito tempo tentando control-lo, enquanto, por outro lado, devia pr ordem na empresa. Quanto mais se empenhava, porm, mais Jobs dificultava. Scott vinha tentando organizar o rpido crescimento da empresa, e Jobs parecia querer criar anarquia. Scott procurou dar aspecto ordenado Apple em 1980 e organizou a empresa em divises, o que se demonstrou grande erro de clculo, porque os chefes dos departamentos, fustigados pelas exigncias volteis de Steve Jobs, queriam estrangular-se uns aos outros. Em vez de cooperarem entre si, tomaram-se adversrios, e a Apple envolveu-se em sangrenta guerra civil. Em virtude da turbulncia interna, Steve Wozniak, relutante, viu-se emaranhado na poltica empresarial. Eu tinha sorte de contar com duas horas por dia para trabalhar, diz. Quanto aos recm-chegados, torciam o nariz para o Apple II, a espinha dorsal da empresa. Os jovens engenheiros diziam que O Apple II no um computador, uma piada. O racha e o atrito entre as divises eram mais visveis quando a presso se voltava para as projees previstas. Os gerentes nacionais diziam: Vamos entregar essa porcaria assim mesmo, dane-se o cliente!, diz um ex-executivo da Apple. A filosofia manifesta da empresa fora influenciada originalmente pela Hewlett-Packard, generoso empregador e honrada pessoa jurdica. Na Apple, a filosofia foi encostada. Jobs apregoava-a verbalmente, mas no a praticava. As secretrias ganhavam mal, as mulheres encontravam dificuldade em serem promovidas, e a empresa era notadamente parcimoniosa em suas contribuies beneficentes e civis. O chauvinismo da Apple, no incio para com as mulheres, foi reforado por cruel enigma apresentado por Markkula numa reunio dos gerentes. Pergunta: Por que Deus inventou a mulher?

Resposta: Porque os cordeiros no sabem datilografar. Havia caos por todo canto na empresa. Apesar do trajar informal e de os gerentes serem chamados pelo primeiro nome, no havia dvida quanto a quem mandava. S de entrarem numa seo. Jobs, Markkula e Scott inspiravam medo. Stephen Wozniak, depois de breve temporada como secretrio da diretoria, recusou-se a aceitar um cargo administrativo na empresa da qual era co-fundador. Diria vrias vezes: No quero tomar parte nesta politicagem empresarial! Com o atrito solto entre os vrios departamentos, havia constantes vias de fato no estacionamento da empresa. Scott ingressara na Apple porque queria fazer nome como executivo de empresa. Mas queria conservar a Apple pequena e foi um dos que resistiu abertura do capital. Quando formou as divises, o que fez foi acenar a bandeira de rendio s foras que eram mais poderosas do que seus desejos. Com o crescimento contnuo, a Apple passou a precisar de um tipo quase burocrtico de administrao, diz Tim Bajarin, vice-presidente do grupo de pesquisa de microcomputadores da Creative Strategies, em San Jose. Jobs e Scott no estavam aptos a administr-la. Jobs s conseguia tomar decises unilaterais, e, na ocasio (quando as divises foram formadas), ficou estropiado. Comeou a mexer em todos os aspectos da empresa e rechaava todos, porque queria governar por intimidao. No incio, ele e Wozniak eram amigos, mas a amizade explodiu quando comearam a se envolver com a administrao do negcio. Scott comeou a expedir constantes memorandos, e Jef Raskin guardou consigo uma gaveta de arquivo da poca. Um deles tinha cabealho atrevido: MELHOR LER. Noutro, o departamento jurdico disciplinava o uso do nome da empresa por parte dos empregados. O nome jurdico da empresa Apple Computer, Inc. (notem a vrgula). Por favor, no ponham a perder o nosso esforo, usando indevidamente e a esmo os smbolos da empresa. Havia memorandos exigindo parcimnia, insistindo na importncia de treinamento por meio de circuito fechado de televiso, nos horrios dos nibus especiais e na necessidade de esgotar o papel de correspondncia em estoque

antes de fazer novo pedido. E outros para explicar a importncia dos memorandos. O labirinto burocrtico era to complicado, que um autor annimo fez uma pergunta hipottica: Quantos empregados so necessrios para trocar uma lmpada na Apple? E respondeu: Um para arquivar a carta do usurio informando que a lmpada queimou. Um para revisar as especificaes do interface do usurio. Um para reprojetar a lmpada. Um para construir o prottipo. Um para aprovar o projeto. Um para vazar a notcia para a imprensa. Um responsvel do setor para coordenar o projeto. Um gerente de projeto. Dois gerentes de marketing de produto. Um pra elaborar o plano de reviso do produto lmpada. Um para analisar a lucratividade da lmpada. Um para negociar o contrato com o fornecedor. Sete para aplicar lmpada o teste alfa. Um para revisar o sistema operacional da lmpada. Um para obter o certificado da Comisso Federal de Comunicaes. Um para escrever O manual. Um para fazer as tradues estrangeiras. Um para desenvolver o pacote de treinamento do produto lmpada. Um para fazer a arte-final. Um para desenhar a embalagem. Um para escrever a folha de especificaes. Um para escrever o demonstrativo de como operar a lmpada. Um para registrar a lmpada nas marcas e patentes. Um para inscrever a lmpada no Servio de Cooperao Econmica. Um para prever o uso. Um para lanar o nmero da pea no computador. Um para encomendar cada lmpada. Um para sondar o que o mercado acha da lmpada.

Um para distribuir a lmpada. Um para esmiuar a nova lmpada para os fornecedores. Um para organizar a festa de lanamento do produto. Um para redigir o comunicado imprensa. Um para explicar a lmpada comunidade financeira. Um para anunciar a lmpada equipe de vendas. Um para anunciar a lmpada s concessionrias. Um para treinar o pessoal de manuteno. E um tcnico de manuteno para vender o projeto da lmpada para terceiros. A estrutura burocrtica, diz Raskin, simplesmente aniquilava as boas idias antes mesmo de serem consideradas em seu todo. Era o mesmo que tentar puxar um trem com uma corda, diz. O trem no anda. Regis McKenna observa que a estrutura burocrtica ficou to massacrante, que era preciso atravessar vrias camadas para conseguir uma entrevista com algum que se costumava travar contatos pessoais. A atritada rivalidade entre as divises gerava ineficincia, desperdcio e animosidade. Diz um gerente da diviso de produo que seu pessoal tinha medo de se relacionar com quem no fosse da diviso. E, pior ainda, disse que os gerentes que no eram da produo no davam a mnima para a produo. Os executivos da empresa, queixou-se, pareciam estar em guerra com os escales inferiores. Num empenho de criar conceito da cultura empresarial, os executivos da Apple expediram um boletim: Os valores da Apple so a qualidade, os clientes, o padro e os princpios que a empresa como um todo considera desejveis. Formam a base do que fazemos e como fazemos. Juntos, identificam a Apple como uma empresa exclusiva. O boletim, a seguir, descrevia a misso da Apple, quase to detalhada quanto uma bula papal: Empatia com os clientes/usurios (Ns oferecemos um produto superior que satisfaz necessidades reais e gera valores duradouros. Nossa concorrncia leal, e cedemos muito aos nossos clientes e fornecedores.) Realizao/agressividade (Estabelecemos metas agressivas e nos empenhamos em cumpri-las. Reconhecemos que estamos

diante de oportunidade nica, pois nossos produtos iro mudar a maneira de trabalhar e viver do pblico. uma aventura, e nela estamos unidos.) Contribuio social positiva (Como pessoa jurdica, queremos ser um ativo econmico, intelectual e social nas comunidades onde operamos.) Inovao/viso (Aceitamos os riscos inerentes a perseguir nossa viso e trabalhamos no sentido de desenvolver produtoslderes que proporcionem as margens de lucro almejadas.) Desempenho individual (Esperamos compromisso e desempenho individuais acima do padro em nosso ramo. Cada empregado pode e deve, por si s, diferenciar-se, pois, no cmputo final, so os indivduos que determinam o carter e a fora da Apple.) Esprito de equipe (O trabalho em equipe essencial ao xito da Apple, pois a tarefa grande demais para ser executada por uma nica pessoa. Para vencer, precisamos de todos ns. Apoiamo-nos uns aos outros e, juntos, compartilhamos das vitrias e recompensas.) Qualidade/excelncia (Introduzimos nos produtos da Apple nvel de qualidade, desempenho e valor que ir granjear o respeito e a lealdade de nossos clientes.) Recompensa individual (Reconhecemos as contribuies de cada um para o xito da Apple e dividimos as recompensas financeiras oriundas do bom desempenho. Reconhecemos tambm que as recompensas devem ser psicolgicas, alm de financeiras, e lutamos por um ambiente onde cada indivduo possa compartilhar da aventura e da emoo de trabalhar na Apple.) Boa administrao (As atitudes dos gerentes para com seu pessoal so de importncia fundamental. Os empregados devem poder confiar nas motivaes e na integridade de seus supervisores. responsabilidade da administrao criar um ambiente produtivo onde floresam os valores da Apple.) Markkula procurou criar atmosfera igualitria, estimulando o pessoal a procur-lo com quaisquer queixas que tivesse sobre

a empresa. Na outra extremidade do espectro, as portas de Scott e Jobs permaneciam muito bem fechadas. Nenhum dos dois tinha habilidade ou inclinao para tratar com pessoas no nvel pessoal. No que diz respeito extensa lista de diretrizes, com exceo de poucas, todas foram ignoradas. Por exemplo, jamais houve cooperao e boa vontade entre os chefes de diviso ou entre os gerentes de departamentos. Raskin considerava Jobs difcil de engolir, mesmo antes de Jobs arrancar para si o comando supremo do Macintosh. Gostava de dizer que Jobs daria um excelente rei da Frana, citao colhida num artigo da revista Time. No Dia de AnoNovo, ele me telefonou s sete da manh, recorda Raskin. Ora, no fica bem telefonar para uma pessoa, quem quer que seja, no Ano-Novo. Minha mulher atendeu ao telefone, me acordou e disse que era Jobs. Ainda sonolento, respondi: Bom dia. Vossa Majestade! Ele no fez qualquer comentrio; apenas aceitou como um dever do ofcio. Raskin escreveu tambm um longo memorando a Scott que se intitulava Trabalhando para/com Steve Jobs, e sugeriu que Jobs deveria receber treinamento gerencial para aprender a administrar. Observou tambm a ampla lacuna existente entre aquilo que Jobs dizia ser sua filosofia administrativa e seus atos reais. Se, por um lado, as posies declaradas de Jobs quanto s tcnicas administrativas so muito nobres e dignas, na prtica ele um pssimo administrador. um exemplo infeliz de algum que verbaliza as idias corretas, mas no acredita nelas e nem as executa na hora em que preciso tomar uma atitude... Jobs falta regularmente aos compromissos. No d crdito a quem ou ao que merece. Tambm tem seus peixinhos, que nunca erram - e os outros que nunca acertam. Gosta de interromper e no ouve. No cumpre as promessas. um exemplo clssico do gerente que aceita o crdito das programaes otimistas, mas culpa os empregados se os prazos no so cumpridos. Raskin fora, no passado, um dos maiores confidentes de Jobs, mas a amizade deteriorava e se transformara em animosidade. Muitas amizades de Jobs, ao longo do tempo, viram os elos se romperem. As pessoas falavam coisas

horrveis, diziam que ele usava as pessoas e as intimidava, diz Trip Hawkins. Infelizmente, era tudo verdade. Scott, constantemente sitiado por Jobs e pela presso do explosivo crescimento, comeou a mudar. Sempre fora temperamental, mas as polmicas restringiam-se de modo geral aos seus encontros com Jobs. Aos poucos, porm, com o fiasco do computador Apple III, seu lado sombrio comeou a emergir. Para fabricar o equipamento, a Apple expandira seu quadro de pessoal e ficou sobrecarregada depois do fracasso. Scott, autorizado por Jobs e Markkula, demitiu 41 empregados alguns meses depois da abertura do capital. A demisso fora precedida de boatos, e o medo tomou conta da empresa. Fred Hoar observa que o tom elevado do boletim que ps em destaque os valores empresariais da Apple se esvaiu. A crueldade o substituiu, diz. Antes de demitir, Scott pedira aos gerentes de departamento que indicassem quem guilhotinar, e recebeu uma lista de 80 e poucos nomes, que circulou novamente pedindo que fosse reduzida a 41. O dia das demisses foi apelidado de Quarta-Feira Negra, e o desnimo do dia nublado combinou com a melancolia reinante na Apple. Os infelizes empregados foram convocados sala de Scott e ali demitidos. Os que sobreviveram ao expurgo alegam que a Apple fez o que pde para no indenizar as rescises. Scott convocou uma reunio na empresa, naquela mesma tarde, para tranqilizar os demais empregados, mas no logrou xito. Nas semanas que se seguiram Quarta-Feira Negra, parecia manifestar maldoso prazer, insinuando que a sangria talvez no tivesse terminado. Os empregados, que sempre se sentiram seguros na boa nave Apple, de repente, com o sacolejo, caram na realidade de que seus empregos ali j no eram mais seguros do que em outra empresa qualquer. Pior de tudo, as demisses no foram justificadas com bons motivos. Um empregado indignado, que no fora demitido, reclamou com Jobs que no era assim que uma empresa devia ser administrada. Jobs, que parecia to confuso quanto os demais, perguntou-lhe: E como que voc administraria uma empresa? Algumas semanas depois da Quarta-Feira Negra, um memorando apareceu no mural da Apple, de autor annimo:

Estamos constituindo o Sindicato dos Profissionais de Computador (CPU) para pr na linha os dirigentes da Apple. O que eles mais temem a ao conjunta dos empregados. As tticas que usam so dividir para conquistar e as ameaas de represlia econmica. Mas nada vo conseguir se nos unirmos! A Apple j foi um bom lugar onde trabalhar. Os dirigentes querem pregar o Esprito da Apple; pois vamos mostrar-lhes que esprito esse e faz-los engoli-lo. A direo conservara a Apple afastada dos sindicatos, com exceo da fbrica da Irlanda, e queria mant-la assim. O memorando fora ameaa velada que no se materializou. Jobs, que se opunha especificamente aos sindicatos, jurou que, no dia em que a Apple se sindicalizasse, Eu peo minha demisso! Scott era conhecido extra-oficialmente como o presidente tirano bem antes da Quarta-Feira Negra, em grande parte por causa de suas brigas devastadoras com Jobs. Logo no incio da Apple, quando a empresa tinha poucos empregados, a maioria era de jovens que se identificavam mais com Jobs do que com Scott, mais maduro, e admiravam-no por ser um dos fundadores da empresa, enquanto Scott era um simples empregado. Mais prximos da gerao de Jobs, eram mais suscetveis sua influncia do que de Scott. Mas havia uns poucos empregadoschave para quem a fama de tirano de Scott no passava de produto de uma campanha de cochichos e politicagem, detonada, acreditavam muitos, por Jobs. Acho que aquilo de presidente tirano era conseqncia da poltica velada de Jobs, diz Trip Hawkins. Markkula e Jobs eram meio idealistas. Se Mike Scott no os controlasse, a Apple poderia ter crescido depressa demais, gasto dinheiro demais ou rolado a ribanceira. Scotty era uma pessoa muito forte, capaz de impedir que ultrapassassem os limites. Mas Scott jamais se recuperou do dano que a Quarta-Feira Negra lhe causou. Os empregados estavam ressentidos com ele, que, alm disso, vinha sofrendo presses da diretoria para retirar a empresa do abismo em que cara com o fracasso do Apple III e o ingresso tempestuoso da IBM no mercado dos computadores pessoais. Padecia tambm de sria infeco nos olhos que,

segundo os mdicos, poderia deix-lo cego, sem contar o assdio de que era vtima por parte de Jobs, que queria o poder. Acho que ele ficou meio por fora, diz Trip Hawkins. A empresa cresceu depressa demais, indo alm de sua competncia administrativa. Tambm estruturou a empresa em divises, o que, apesar de ser til em algumas, obviamente no funcionou na Apple. Seja por que motivos fossem, Scott criou fama de ser cruel, no mnimo com os empregados mais jovens. Parte dos mais velhos, com idade e filosofia profissional mais prximas sua, considerou-o, durante algum tempo, uma espcie de anjo da guarda, mas este apoio foi retirado em razo de seu comportamento durante a Quarta-Feira Negra. Nas reunies administrativas, no tinha muita pacincia para problemas corriqueiros e irritava-se com as discusses que procuravam resolver, por exemplo, se os empregados teriam direito ao caf normal e tambm ao caf descafeinizado. Enfurecia-se porque os executivos viajavam de primeira classe em vez de classe econmica e porque os vendedores usavam carros grandes em vez de compactos. Para provar que era o chefe, s vezes adiava a assinatura de cheques urgentes e, certa vez, chegou a pedir a demisso de todos os vice-presidentes. Scotty estava muito sobrecarregado, diz Trip Hawkins. Eu nem sempre concordava com ele, mas o respeitava. Ele estava esgotado, isso. Scott demitira o vice-presidente de engenharia pouco antes da Quarta-Feira Negra, e vinha chefiando o departamento alm de cuidar de suas demais responsabilidades. A ponto de estourar, seu lado sombrio fez dele uma figura carrancuda, agourenta, que chegava quase a alegrar-se quando cochichava com um ou outro sobre as futuras demisses. Sempre impaciente, comeou a maltratar todos, e costumava parar junto de alguma mesa, lanar olhar frio ao ocupante e perguntar: Voc est trabalhando mesmo? Os empregados da Apple temiam-no, e uma campanha de cochichos, zumbindo por toda a empresa, chegou diretoria. A empresa exaurira sua capacidade e experincia, diz Trip Hawkins. Ele comeou a agir de forma estranha e chegou a

afastar-se de muita gente na empresa. Mike Markkula passou a sofrer muita presso para tomar providncia. Markkula estava num dilema. Por volta de 1981, os quatro anos que dedicara empresa chegavam ao fim e ele planejava retomar a aposentadoria interrompida. J passava semanas a fio fora da empresa, distanciando-se do quotidiano, mas, tal a dissidncia causada por Scott, foi forado a tomar uma atitude. O afastamento de Scott foi uma obra-prima da poltica empresarial. Quando estava no Hava, em frias, a diretoria retirou-o da presidncia e rebaixou-o vice-presidncia. Markkula, relutante, ocupou a presidncia, sabendo muito bem que no tinha competncia para o cargo. Por outro lado, deixou de ser diretor-presidente e passou a ser vice-diretor-presidente, enquanto Steve Jobs, que sempre quisera o poder, passou a diretor-presidente. O ajuste foi explicado num memorando que circulou pela empresa, informando que aquilo fazia parte de um plano global que visava conservar flexvel a administrao. Mas, na realidade, Scott estava acabado. Fingiu conformar-se, por algum tempo, e a seguir detonou furiosa carta de demisso que denunciava hipocrisia, vaquinhas de prespio, planos temerrios, o comportamento cada um por si e os criadores de imprios. Scott, de to deprimido, trancou-se em casa, com as cortinas fechadas, e assim permaneceu semanas a fio. Na Apple, o pessoal ficou preocupado, e Jobs diz que, cada vez que o telefone tocava, temia ouvir que Scott se suicidara. O fim da carreira de Scott na Apple criou um misto de alegria e raiva, dependendo do que os empregados pensavam dele. Muito poucos perceberam a monumental tarefa que realizara ao manter a Apple coesa durante um perodo de crescimento explosivo, apesar dos sanguinrios gerentes de divises, do repdio infra-estrutura do computador pessoal e dos constantes problemas que tinha com Jobs. A sada de Scott foi uma vitria de Jobs, pois, apesar da experincia gerencial de Scott, Jobs conseguiu manobr-lo politicamente. O jovem Jobs, com pouca experincia tanto em tecnologia quanto em administrao, era o novo diretor-presidente de uma empresa de dois bilhes de dlares.

Com Scott fora de cena e Markkula na presidncia, a Apple enfrentou uma srie de problemas, entre os quais encontrar novo presidente, o que no foi caf pequeno, tendo, inicialmente, a empresa contratado uma firma de seleo por 60 mil dlares, sem xito. A seguir, a diretoria comeou a notar um homem enrgico, com 40 e poucos anos, que galgara excelente reputao em marketing. Era John C. Sculley, o presidente da Pepsi Cola. Captulo 15 O NAMORO John C. Sculley, o homem que a diretoria da Apple queria para presidente e executivo mximo, era, sob todos os aspectos, a anttese de Jobs. Galgara os escales da PepsiCo e tornara-se presidente da Pepsi Cola USA, uma diviso da empresa. Steve Jobs, quando comeara, no tinha qualquer experincia, e era, ento, diretor-presidente de uma empresa de dois bilhes de dlares. Sculley tambm acreditava em fazer alianas estratgicas com outros ramos ao contrrio de Jobs, que criara para a Apple relao antagnica com toda a infra-estrutura do computador pessoal. Fora aluno brilhante na escola secundria, e colara grau de tcnico universitrio e bacharel, enquanto Jobs, que nunca se interessara pelas aulas, no terminara sequer o primeiro ano universitrio, tendo optado por buscar a iluminao junto a grupos como os Hare Krishnas. o Filho de um advogado formado em Princeton, Sculley foi presidente de turma durante seis anos na Escola St. Mark, uma escola seleta, com ensino voltado para as universidades, em Southborough, Massachusetts. Foi capito do time de futebol do colgio e, aos 14 anos, tentou patentear uma vlvula de raios catdicos, descobrindo que algum j o fizera semanas antes. Quando se formou em St. Mark, foi homenageado na qualidade de ultimanista que mais se empenhou em prol da turma. Era artista de ndole romntica e, ao terminar a escola secundria, ingressou na Universidade Brown, onde cursou histria da arte e arquitetura. Jovem gil, enrgico, saiu-se bem.

Ali conheceu Ruth Kendall, filha adotiva de Donald M. Kendall, diretor-presidente da PepsiCo, e, no penltimo ano, desposou-a. Apesar de manter-se inalterado o sonho de Sculley de ser arquiteto, Kendall comeou uma sutil campanha para introduzir o jovem no mundo dos negcios. Desde criana, quis ser construtor, diz Sculley. Jerry Roach, o caador de executivos que travou com ele, em nome da Apple, o contato inicial, diz: Kendall convenceu John de que a arquitetura empresarial era mais divertida do que a arquitetura civil. Sculley no abandonou seu sonho de imediato e, para consolidar sua formao, colou grau de bacharel em arquitetura e tambm em administrao, na Universidade da Pensilvnia, tendo feito o curso de administrao na respeitada Escola Wharton. O destino o levaria PepsiCo depois de trabalhar algum tempo como desenhista industrial e, a seguir, em curtssima temporada, como contato publicitrio. Era homem denso, dedicado ao trabalho com fervor evanglico que se tornou sua marca registrada. Depois Sculley foi para a PepsiCo, mas, na poca, j estava divorciado de Ruth, e Kendall, em demonstrao de confiana, continuou seu amigo ntimo. Ns conseguamos separar o negcio da vida particular, recorda Sculley. Uma das primeiras incumbncias de Sculley foi dirigir a diviso de lanches da PepsiCo em So Paulo, Brasil. O produto era batata frita, e o negcio estava instalado num prdio de trs andares. Sculley supervisionava todas as operaes e queria envolver-se com tudo. s vezes ajudava a descascar batatas, numa copa impregnada do cheiro de amido, ou ficava assistindo s mulheres revolvendo as batatas em enormes tinas de leo de cozinha. Era trabalhador incansvel, para quem era preciso dar mxima liberdade aos que o assistiam. Em trs anos, aumentou as vendas da diviso de lanches de um para 40 milhes de dlares anuais e, a seguir, foi chamado de volta aos Estados Unidos a fim de trabalhar na Pepsi Cola USA. Apesar do pistolo, Sculley no ganhou sala de executivo quando ingressou na Pepsi Cola. Foi trabalhar no engarrafamento, na rea de carregamento, para aprender o

negcio de baixo para cima. Sculley dedicou-se funo com o zelo caracterstico e ainda ajudava a carregar as caixas de refrigerantes nos caminhes de entrega. No era atribuio do cargo, diz Charles V. Mangold, vice-presidente snior da PepsiCo, na poca chefe de Sculley. Mas ele queria fazer a coisa bem feita, queria experincia total. Sculley era baixo, mas mantinha a forma, correndo oito quilmetros todas as manhs ao acordar. noite, ia religiosamente ao IMCA,1 onde levantava peso a fim de ficar em forma para carregar as pesadas caixas de refrigerantes. Teve rpida ascenso ao longo de vrios escales e, em poucos anos, era presidente da Pepsi Cola e membro da diretoria da PepsiCo, a empresa-me. Criou fama de chefe sereno. Eu consigo trabalhar melhor quando estou sob presso, principalmente nos momentos mais difceis, diz. Eu no achava muita graa quando as coisas estavam muito fceis na Pepsi. Tenho grande capacidade de concentrao e de mudar de um assunto para outro, como se fosse um computador alterando o programa. O estresse no me incomoda. Quando no consigo controlar uma coisa, no me aborreo. S me sinto estressado quando acho que meu pensamento est confuso. A maior realizao de Sculley na Pepsi Cola, a que despertou a ateno da Apple, foi sua atuao inovadora no marketing durante a Guerra das Cola, entre a Pepsi e a Coca. Em vez de anunciar a Pepsi como produto, atreveu-se, em gesto ousado, a enfatizar a imagem da empresa. Foi o pai do conceito gerao Pepsi, que, com o tempo, forou a Coca-Cola a mudar a frmula de seus refrigerantes, usada durante uma centena de anos. H 15 anos, eu e alguns outros rompemos com a escola clssica de marketing, a da marca, diz Sculley. As novas atividades, como refrigerantes, cervejas e redes de TV precisavam de um conjunto diferente de regras mercadolgicas bsicas. A Pepsi e a Coca eram, segundo ele, produtos que diferiam muito pouco um do outro. Como a diferena era to pequena, concebeu anncios voltados mais para a imagem do
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Associao Crist de Moos (ACM). [N.T.]

que para o produto, que funcionaram muito melhor do que ele e tantos outros esperavam. Hoje a Coca-Cola anuncia a imagem, na trilha da Pepsi. Como presidente da Coca-Cola, Sculley tinha direito a uma pletora de adornos da empresa, incluindo enorme sala, ornamentada com quadros caros, e um jato particular da firma. Sempre que enfrentava uma platia, irradiava intensidade e a conduzia na palma da mo. Sinto-me muito confiante quando estou num palco, porque acredito nas minhas idias, diz. Sou movido a idias. Uso as palestras para administrar, como um meio de comunicar estratgia. Sou uma pessoa muito visual, e escrevo no mximo dois ou trs memorandos por ano. Que diferena do que acontecia na Apple, onde os memorandos circulavam como flocos de neve na tempestade! Sculley atuava tambm em funes comerciais e cvicas. Era membro da diretoria do Keep America Beautiful [Conserve a Amrica Linda] e dava palestras semanais em sua alma mater, a Escola Wharton, da Universidade da Pensilvnia. Apesar da figura pblica exposta, sua vida particular era assunto estritamente pessoal. Vejam o Michael Jackson, disse Sculley certa vez. Como tmido! A inferncia bvia: timidez e sucesso no combinam. O estilo de lder de Sculley era tambm diametralmente oposto ao de Steve Jobs, da Apple. Liderana muito mais importante do que administrao, dizia Sculley. Gosto de organizao descentralizada onde voc pode delegar aos melhores o mximo possvel de autoridade e deix-los tocarem o barco. Eu sou basicamente um romntico que descambou para o mundo dos negcios. Sculley era um gnio do marketing, reconhecido nacionalmente, apto a orientar grandes empresas no sentido da lucratividade, quando foi abordado pela Apple. Era executivo poderoso de importante empresa, com perspectivas de ascender ainda mais. Recebeu com cautela os assdios tentadores da Apple, pois sabia, como a maioria dos executivos da Amrica empresarial, que era quase impossvel travar relacionamento de trabalho com Steve Jobs. Preocupava-o, quando comeou a considerar a proposta, se conseguiria ou no relacionar-se com

Jobs. Eu sabia que minha ida para a Apple s iria funcionar se Steve e eu tivssemos um bom relacionamento, disse. Este ponto, pensando bem, discutvel. Alguns dos teimosos empresrios integrantes da diretoria da Apple, como Arthur Rock, sabiam muito bem que muitos dos problemas contundentes da empresa eram produto direto do estilo de Jobs, no apenas na empresa, mas tambm para com toda a infraestrutura do computador pessoal, que se tornava cada vez mais importante para a sade de todo aquele setor da indstria. A diretoria queria despedir Jobs e contratar Sculley, diz um anaUsta da Apple. Disseram a John, mas ele achava que seria melhor se conseguisse contornar Jobs. Todos esperavam que Jobs, enfim, crescesse. Para mitigar os temores de Sculley com relao a Jobs, os diretores da Apple marcaram vrias reunies entre os dois num perodo de quatro meses. Encontraram-se durante longas visitas Costa Leste, onde caminharam pelo Central Park e foram a alguns museus, usando trajes informais, jeans azuis e veludo cotel, sem falar de computadores. Sculley falava de arte, e Jobs, recordando sua poca de hippie, de filosofia e poesia. Quando ficou patente que Sculley iria para a Apple, a mquina de relaes pblicas da empresa, to decisiva quando popularizou a histria dos dois Steves, provou mais uma vez que no perdera seu toque de criadora de imagens favorveis. As reportagens sobre o excelente relacionamento de Jobs e Sculley exalavam superlativa boa vontade. A imprensa foi informada de que os dois se encontravam com muita freqncia para se certificar de que a qumica iria funcionar, detalhe que era pisado e repisado. Sculley, segundo uma citao, dissera: Ns passamos muito tempo juntos, usando jeans, para nos conhecermos. Jobs acrescentou: Contratei algum com quem posso aprender. Aceita a lisonja, Sculley retribuiu: Steve vai aprender muita coisa comigo, e eu vou aprender muita coisa com Steve. As notas divulgadas na imprensa falavam de dois homens muito prximos um do outro, de um relacionamento s vezes fraterno, s vezes filial. Um conclui a frase do outro, diz Jobs. Segundo a propaganda da Apple, que visava, com a mesma

intensidade, a seus irrequietos empregados e ao pblico em geral, eram duas almas gmeas em harmonia instantnea. Em vista do que estava para acontecer dois anos depois, nestas reunies de boa vontade mais pareciam dois elefantes machos cercando-se, cautelosa e furtivamente, avaliando foras e fraquezas. Depois de um namoro que durou quatro meses e meio, Sculley concordou em tornar-se presidente e executivo-chefe da Apple. Resolvi mudar de vida e ir para a Apple por causa de minha admirao por Steve e pelo que fizera, diz Sculley. Como muita gente, embarquei no pndulo do carisma de Steve. Ao tomar a deciso, Sculley sem dvida levou em conta os dourados chamarizes que a Apple Computer, Inc., desesperada, lhe acenava. Recebeu um abono de 2,5 milhes de dlares na assinatura do contrato, salrios e abonos garantidos de 330.329 dlares, em 1983, e um salrio de dois milhes de dlares, em 1984, que, somado ao abono, proporcionou, nesse ano, o rendimento de 2,2 milhes. A Apple concordou tambm em adquirir a residncia de Sculley em Connecticut por 1,3 milhes de dlares (ao revend-la, posteriormente, perdeu 378 mil dlares) e contribuiu com dois milhes de dlares adicionais para a construo de uma casa nas colinas da serra que cerca o Vale do Scio. Seria preciso muita fora de vontade para resistir a tal pacote. As vinhas da Apple j ocultavam sussurros sobre Sculley antes de eje assumir a presidncia e a chefia executiva em 1983. Diziam que era um homem frio e que traria mentalidade marcial ao mundo renegado da Apple. Sua chegada era esperada com apreenso e desconfiana, porque os empregados da Apple geralmente detestavam administradores profissionais e desprezavam todo aquele que lia o The Wall Street Journal e gostava. A ironia a respeito desse temor que todos ali, que tinham aes, liam o Journal avidamente para saber como andava o valor de seu patrimnio, e havia quem afixasse boletins no mural para que todos, num rpido olhar, pudessem tomar conhecimento das oscilaes do mercado acionrio.

Sculley teve a perspiccia de perceber uma empresa habitada por empregados que pareciam pensar que sua misso era fazer um mundo melhor. Chegou na Apple usando camisa em xadrez escocs, cala esporte e mocassins. John jamais se dirigia aos empregados da Apple de terno, diz Sue Espinosa, uma gerente da empresa. Ele trocava a indumentria. No, no era espontneo, era de calculista intuio. Costumava aparecer na sala dos vrios gerentes para conversar sobre os projetos em andamento e, ao contrrio de Jobs, ouvia com ateno. A ausncia de euforia era visvel. Havia muito medo e disse-me-disse antes de Sculley chegar, lembra-se um gerente que estava na Apple desde o incio. A partir da Quarta-Feira Negra, a Apple era um lugar terrvel de se trabalhar. Agarramo-nos ao que podamos para no sermos mandados embora. Quando Sculley apareceu de caqui, pensei que fosse fachada, e levei umas seis semanas para perceber que o sujeito no ia piorar ainda mais as coisas. Sculley pouco conhecia de high tech, mas passava horas a fio estudando o assunto. Cometia gafes notveis, nas reunies da equipe, com os termos tcnicos. Numa delas, provocou murmrios de espanto quando falou que o Apple III, com os novos aprimoramentos, teria memria de 150 megabytes e, por isso, a mesma potncia de um computador central. Em questo de meses, porm, j conseguia conversar com os melhores engenheiros sobre a tecnologia do computador pessoal. Chegou a contratar um jovem programador prdigo para ensinar-lhe programao. Dedicava-se ao trabalho com o mesmo fervor com que carregara as caixas de refrigerantes quando era ainda jovem executivo da Pepsi Cola. Toda sexta tarde, a Apple se reunia para uma cervejada, e Sculley fazia questo de aparecer com o mesmo traje informal de todos. Conversava em tom amistoso, procurando conhecer todos e dar-se a conhecer. No demorou, comeou a falar com fervor evanglico que provocava a imaginao dos empregados. Aqui na Apple, dizia, temos a chance de mudar o mundo, precisamente o tipo de afirmao caro aos zelotes da empresa. Quando Sculley chegou, foi investigado no microscpio, diz

Joanna Hoffman, gerente de marketing da Apple. Mas ele conseguiu misturar-se bem empresa. Apesar da aparente informalidade, Sculley era homem objetivo. Estava numa caixa de marimbondos, tudo volta sendo desordem, atrito, inveja e dissidncia. Os gerentes de diviso estrangulavam-se uns aos outros, enquanto a diviso Macintosh, chefiada por Steve Jobs, irritava e provocava todos de fora do grupo. A diviso Macintosh, com seu produto ainda por criar, Jobs a enaltecia, e chegou a iar na sede uma bandeira com um crnio e um par de ossos cruzados. Os empregados da Apple no ligavam muito para o horrio do expediente, nem para horrios de modo geral. No tinham horrio rgido, desde que fizessem o trabalho, e os prazos eram de somenos importncia, porque Jobs, rotineiramente, recusava todo e qualquer projeto. Sculley comeou a dar o exemplo. Acordava todas as manhs s 4h30min, corria oito quilmetros, chegava sua escrivaninha s 7h30min e s saa depois da hora do jantar. Os empregados comearam a notar, principalmente quando Sculley comeou a classific-los em A, B ou C, alertando todos de que no havia, na Apple, lugar para aqueles que cassem nas categorias B e C. Comeou a reorganizar a empresa, lentamente no incio por causa de seu medo inato de crescer rpido demais, e criou pequenos grupos para tratar de problemas especficos. Poucas semanas aps sua chegada, j substitura trs chefes de diviso e vinha fazendo planos de longo prazo para realizar mudanas ainda mais devastadoras. Com o fracasso das vendas do Apple III, demitiu rapidamente 400 empregados. Via muita sobreposio de responsabilidades nas vrias divises, que se digladiavam entre si. O ano em que Sculley chegou comeou promissor. A ao da Apple subiu para 63,75 dlares, e o Lisa foi, enfim, apresentado durante uma reunio de acionistas em 1983. O Lisa, como j mencionado, tinha muitos defeitos, e corriam boatos assustadores de que a IBM levaria a Apple falncia ou de que a Apple seria incorporada por outra empresa. Sculley agiu rpido. Reduziu drasticamente o preo do Lisa, oferecendo assim vrios modelos numa faixa de preos de

3.495 a 5.495 dlares. A manobra, segundo estimado na poca, custara empresa cerca de 15 milhes de dlares em lucros, mas evitara que a Apple fosse desnecessariamente derrubada no ringue. Sculley observa: Vamos sacrificar os lucros de curto prazo em prol da estabilidade de longo prazo. Desde o incio, acreditava que sua funo mais importante era ensinar Apple comercializar produtos e formar Steve Jobs em administrao e comercializao. A comercializao dos produtos da Apple era item dos mais importantes, pois aquele ano, que comeara to bem, quase acabara em desgraa. Nos ltimos meses de 1983, o fundo se abriu para as aes da Apple, que chegaram ao mnimo de 17,24 contra o mximo de 63,75 dlares. A presena da IBM no mercado de computadores pessoais tambm vinha custando caro, e havia o temor de que a Apple no conseguisse atravessar 1984. O Lisa, embora reconhecido como equipamento inovador no plano tecnolgico, era imprestvel. Era equipamento excelente, diz Bruce Tognazzini, programador snior da Apple. Mas no conseguamos vend-lo. A IBM anunciara tambm o Peanut, e as vendas da Apple titubearam em vista desse novo ingresso no mercado. E, para piorar, anunciara a inteno de gastar 500 milhes de dlares, em 1984, em seus computadores individuais. Quanto Apple, sua tentativa de estabelecer uma cabea-de-ponte no campo de batalha empresarial falhara, e a IBM aumentou sua participao no mercado, de 18,4%, em 1982, para 30%, em 1983, enquanto a fatia da Apple diminuiu, e os lucros claudicaram. Os lucros da Apple ficaram muito aqum da expectativa, caindo para 5,1 milhes sobre vendas de 273,2 milhes de dlares, no ltimo trimestre de 1983, contra 18,7 milhes sobre vendas de 175 milhes de dlares, no ltimo trimestre de 1982. A IBM, em sua cadncia, ampliou sua fatia do mercado internacional, subindo 3% em 1981, quando entrou na batalha dos computadores pessoais, para 38% em 1983. A presena da IBM abalara os alicerces da Apple, onde a ameaa de falncia era muito real.

Antes de Sculley, tambm a administrao da Apple estava um desastre. O caos vigorava, diz um gerente snior da empresa. Ningum sabia o que estava fazendo, e o mais surpreendente era que, com todo o medo que tnhamos da IBM, ainda nos mostrvamos muito arrogantes. Fazamos pouco da IBM, e ela estava nos derrubando. Ns nos achvamos muito melhores do que os outros. Sculley colocou nossos. ps no cho, criou uma perspectiva diferente. Sculley tinha diante de si amarga tarefa. A prpria sobrevivncia da Apple, como empresa independente, estava em jogo, e ele percebeu que era preciso unific-la, corrigir a lacuna em relao infra-estrutura do computador pessoal e conseguir nova abordagem mercadolgica. Medidas drsticas seriam necessrias com vistas sobrevivncia da empresa e sua manuteno enquanto fora vivel. O resultado destas providncias foi a eliminao de 1.200 empregados e maior distanciamento em relao a Steve Jobs. Captulo 16 DESFAZENDO O DANO Quando conheceu Jobs, antes de assinar o contrato com a Apple, Sculley disse-lhe que continuaria a dirigir a empresa de maneiras no-convencionais, mas, tendo descoberto em questo de semanas que a administrao no-tradicional ali criara muita rixas, rechaando clientes, concessionrios e toda a infraestrutura do computador pessoal, tratou de se desfazer da idia, que obviamente no funcionara, e comeou a tomar medidas devastadoras e caracterizadamente tradicionais. A estrutura divisional funciona em algumas empresas, mas obviamente no funciona na Apple, diz Trip Hawkins. Todos perceberam que no teve a eficcia esperada, por motivos os mais variados, mas a verdade que as divises fizeram o possvel para se prejudicarem umas s outras. Era loucura, mas foi esse o tipo de clima que Jobs fomentou. Sculley comprometeu-se a pr ordem numa casa dividida contra si mesma e a restabelecer a aproximao com toda a infra-estrutura do computador, que estava em frangalhos. Uma

empresa do porte da Apple precisa no apenas de grandes conceitos, mas, tambm, de estar atenta ao que o mercado quer, repetia Sculley. As diferentes partes da organizao tm que estar muito bem afinadas umas com as outras. A maior concorrente da Apple ela mesma, e temos que encontrar meios de funcionar como empresa. O ramo competitivo demais para usarmos nossas energias contra ns mesmos. Sculley era homem de palavra. A estrutura organizacional da Apple era to frouxa que vinha se desmantelando, e ele estava determinado a apert-la e a pr fim s guerras internas. Seu plano inicial, de 1983, propunha fundir as nove divises, que eram excessivamente descentralizadas e tinham, na maioria, ampla responsabilidade sobre os produtos de linha, e construir uma organizao estruturada segundo as funes, como engenharia, marketing e produo. Um grupo de marketing cuidaria da promoo e propaganda de todos os produtos da Apple. Em trs meses, Sculley consolidou em trs as nove divises engalfinhadas. Antes, as divises operavam como feudos, mais interessadas em competir entre si do que em cooperar. Na gesto de Sculley, a nova estrutura forava a cooperao. Na gesto de Jobs, a Apple parecia voltar-se desvairadamente para os novos produtos, e Jobs gostava de chamar de loucos de to excelentes os novos computadores que a Apple iria fabricar. Sculley percebeu que, com a drstica mudana do mercado nos ltimos meses de 1983, querer seduzir os clientes potenciais com nova tecnologia no bastaria para garantir as vendas. O fracasso do Lisa, que incorporava tecnologia modernssima, era melanclico exemplo. Sculley comeou a concentrar-se no marketing e na propaganda para criar uma imagem que devolveria Apple a sua posio de lder em tecnologia ou, no mnimo, a colocaria em igualdade de condies com a IBM, que lhe vinha dando verdadeira surra. Descobriu que a publicidade do Lisa conferia certo ar esquizofrnico empresa. Por um lado, voltava-se para a publicidade institucional, onde a Apple vinha tentando instituir uma cabea-de-ponte em sua guerra contra a IBM, enquanto os demais anunciantes almejavam o usurio domstico. O Lisa

visava ao mesmo mercado do Macintosh, que seria lanado em 1984, e usava basicamente as mesmas tcnicas. Reinava a confuso. Sculley remodelou a propaganda, reduzindo-a aos nveis de 1983, e ficou espera de que o to esperado Macintosh apresentasse bom pique no ano seguinte. Ainda mais, apertou os cintos da empresa. Interrompeu a participao nos lucros, que gerava queixas e problemas no moral dos vrios escales, e anunciou que a Apple no pagaria dividendos em 1984. Apesar de contar com reserva de caixa da ordem de 400 milhes de dlares e de no ter dvidas de longo prazo, Sculley achava que era melhor us-la para gerar produtos, aumentar a propaganda e melhorar a produo. E congelou as contrataes. Os analistas de Wall Street viram com olhos favorveis a ttica de combate de Sculley, mas se mantiveram cautelosos, porque a Apple ainda estava atolada em problemas. O San Jose Mercury observou que Sculley deu respeitabilidade aos aougueiros cerebrinos, que faziam computadores pretensiosos e eram administrados por um gonzo. A Apple contratara Sculley devido sua abordagem mercadolgica da empresa. Sua fama de promotor de produtos e de gerador de lucros para as grandes empresas era respeitvel. A Apple, enfim, percebera que a mudana radical no mercado de computadores pessoais exigia nova abordagem, significando, em poucas palavras, que a empresa teria que reconhecer o fato de que seus computadores pessoais teriam que ser, o quanto antes, compatveis com a IBM, ou, no mnimo, aceitar perifricos manufaturados pela infra-estrutura. As necessidades do usurio final tambm tinham que ser levadas em conta no desenvolvimento dos computadores pessoais. A mudana no mercado de computadores pessoais deixou-o quase idntico ao ramo dos computadores centrais, onde a IBM lder. McKenna alertou a Apple de que a empresa que no correspondesse ao mercado estaria engendrando a prpria queda. Quando as pessoas tomam ares de onipotncia e acham que so infalveis... quando no querem ouvir, no querem mudar..., esto concorrendo consigo mesmas.

Isto era especialmente irnico, pois para McKenna, que a Apple conservara como consultor de propaganda e marketing, os relacionamentos eram uma das estratgias mais importantes de uma empresa. No se cansara de preg-los, observando que se pagavam no longo prazo, mas Jobs no dera ateno ao conselho. Steve, observa McKenna, parecia ouvir apenas a si mesmo. Sculley precisava aparar algumas arestas com a infraestrutura do computador pessoal. Gastou muito tempo em visitas, fazendo s vezes trs ou quatro palestras por dia para analistas do mercado acionrio e concessionrias. Comprometeu-se tambm a fazer alianas estratgicas entre a Apple e terceiros. Dedicava-se cooperao, enquanto Jobs os tinha prejudicado, insultado e atemorizado. A Apple quer manter relaes de cooperao, dizia Sculley. Queremos contar com empresas que fabriquem produtos para ns e faam acordos de venda conjunta conosco. Esperem e vero. Notcias revigorantes para o ramo dos computadores e para Wall Street j h muito cansados da estreiteza mental e da pretenso de Jobs, Sculley tambm percebera, antes de Jobs, a mudana do mercado dos computadores pessoais. A IBM vinha golpeando a Apple no mercado porque ouvira os desejos do pblico e fizera alianas estratgicas com a infraestrutura do computador pessoal. A Grande Azul, j muito observada por sua orientao voltada para os servios, dedicava muita ateno s necessidades do mercado antes de lanar novos produtos, que deviam realar o que j existia. Dezenas de empresas produziam programas compatveis com os equipamentos da IBM, enquanto os computadores da Apple operavam apenas com seus prprios programas. A Apple tentava vender computadores como se fosse empresa voltada para o pblico consumidor, embora o mercado exigisse, visivelmente, abordagem diferente. Por ironia, foi John Sculley, com seu lastro em bens de consumo, que o percebeu, diz McKenna. Steve, que tinha todo um lastro tcnico, no percebeu a tempo. Sculley levou para a Apple a abordagem de mestre de administrao de empresas. Isto, por si s, nem sempre bom, diz Tim Bajarin, analista da Apple. Mas ele conseguiu

conservar a personalidade da Apple e vincul-la a significativas qualificaes gerenciais, que puseram a empresa no caminho da vitria. Antes de Sculley, a Apple era frouxa e indisciplinada, e, quando ele veio para ajust-la, encontrou muita resistncia por parte dos funcionrios rebeldes. Procurou dar Apple nvel mais elevado de responsabilidade e conseguir melhores relaes internas e externas. As coisas aos poucos comearam a mudar. Sculley, durante as reunies, tomava muitas notas e falava pouco. Jamais erguia a voz. Era novidade na Apple ser ouvido com educao, diz um gerente snior. Antes de Sculley, ir a uma reunio era o mesmo que sair num temporal. Sculley dizia aos gerentes: Ns dependemos das foras uns dos outros, declarao que mereceu boa acolhida de todos, acostumados a se digladiarem, mas causou pouco efeito em Steve Jobs. Durante a reorganizao de Sculley, em 1983, Jobs conseguiu manter a diviso Macintosh sob controle e, na qualidade de diretor-presidente e maior acionista da empresa, gozava de poder desproporcional. Continuava achando que os produtos da Apple II eram verdadeiros dinossauros, e dizia aos gerentes de marketing da diviso que a rea em que trabalhavam era troncha e antiquada. A reorganizao de Sculley deixara Jobs ainda mais poderoso do que antes, embora alguns achem que Sculley estava apenas dando corda suficiente para Jobs se enforcar. Era condescendente com Jobs, o que aborrecia muita gente da diviso Apple II, sempre alvo de suas provocaes quando, na verdade, gerava a maior parte dos lucros da empresa. Sculley passava tanto tempo com Jobs que o pessoal da diviso Apple II, desdenhoso, comeou a chamar o relacionamento de caso de amor, diz um programador snior. Ouvia as idias de Jobs, com toda educao, e muitas vezes concordava. Scotty gritava com ele e o derrubava, mas Jobs, na poca, ao que parece, conquistara os ouvidos do presidente e executivo-chefe da empresa. Esta avaliao era provavelmente imprecisa em vista do que estava por acontecer. A diretoria da Apple, cansada do comportamento catico de Jobs, instrura Sculley no sentido de atrel-lo. Sculley respondera: Isto muito difcil, principalmente quando o chefe da diviso tambm o diretor-presidente da empresa. O conflito entre a

diviso Macintosh, de Jobs, e a Apple II j vinha dilacerando a empresa, mas piorou. Sculley estava ciente, mas muito ocupado com outras coisas; no podia tomar atitude drstica. Sculley vira 1983 comear bem, mas acabar numa srie de fracassos para a Apple. A promessa do Apple III no se materializou, tampouco a do Lisa, e Sculley estava preocupado com a possibilidade de a aura da empresa, j maculada, perder definitivamente o brilho. Como observou McKenna, O fracasso de um produto gera a probabilidade de fracasso do produto seguinte. As providncias que Sculley vinha tomando na Apple estavam sendo consideradas positivas por outras empresas fabricantes de computadores pessoais, que, no rastro da Apple, comearam a contratar administradores profissionais, expresso que Sculley detesta. O Vale do Silcio apressou-se em contratar profissionais de marketing. A Atari contratou James Morgan, aliciando-o Phillip Morris, e a Osborne Computer contratou Robert Jaunich, retirando-o da Consolidated Foods. Para a Osborne, j era tarde demais, pois a empresa faliu em 1984, motivo de satisfao para Jobs, que contava com prazer a seguinte conversa com Osborne. Qual o nvel de qualidade do Macintosh?, perguntara Osborne, segundo Jobs. to bom, respondeu Jobs, que voc vai querer comprar um para os seus filhos, mesmo depois de j termos tirado voc do mercado h muito tempo. A Apple empenhou-se com unhas e dentes durante 1983, apenas para sobreviver. Foi um ano de terrvel turbulncia. Os preos caram e a concorrncia aumentou, comprimindo os lucros do ramo. Os lucros trimestrais caram pela primeira vez na histria da Apple. Havia o medo de que a Apple, na pior das hipteses, no conseguisse sobreviver e, na melhor, perdesse sua credibilidade, e o mercado passasse e v-la como perdedora. Houve uma clareira naquele ano. A amaldioada diviso Apple II lanou o Apple II e vendeu mais de 700.000 unidades, cerca de 400.000 a mais do que no ano anterior. A IBM assombrava a Apple, cuja participao no mercado caiu de 21 para 19% e, ao anunciar que gastaria milhes em sua linha de

computadores pessoais, abalou-a. Com o fracasso do Lisa, o lanamento do Macintosh em 1984 ganhava importncia muito maior. No final de 1983, Sculley e Jobs tiveram a primeira divergncia sria. Sculley queria fundir as divises Lisa e Macintosh, e Jobs resistia, porque queria adiar a fuso para depois do lanamento do Macintosh, em janeiro. Sculley insistiu. Jobs cedeu, provavelmente porque seu aguado instinto de sobrevivncia dizia-lhe que a diretoria estava com Sculley. Quanto deciso de Sculley, diria pouco depois da fuso: Ele estava certo. A fuso das duas divises deveria ter dado bom impulso ao Macintosh, pois usavam essencialmente a mesma tecnologia; mas, enquanto Sculley pregava o novo evangelho do Apple, o de cooperao com terceiros. Jobs no colaborava, procurando afastar os possveis colaboradores e, em sua obsesso pelo Macintosh, configurando-o de tal modo a no permitir que usasse os programas feitos para o Lisa. O Macintosh acabou sendo equipamento solitrio. Mesmo assim, o astral estava alto na Apple quando o Macintosh foi apresentado reunio anual dos acionistas, em janeiro de 1984.0 habitual fervor evanglico que marcava o lanamento dos produtos da Apple foi ainda maior no caso do Macintosh - para o pessoal da diviso, que ocupou as primeiras filas e mereceu o destaque de elite, de o futuro da Apple, enquanto os elementos da venervel diviso Apple II, desanimados, em outro aposento, assistiam a tudo por circuito fechado de televiso Porm, tanto Sculley, que ainda era relativamente novo no emprego, como Jobs contavam que o Macintosh devolvesse a popularidade da empresa. Sculley vira muitos pontos fracos na Apple e ajudara a corrigi-los, consolidando divises e submetendo a empresa a um programa de austeridade. No estava no cargo o tempo suficiente para ser especialista em produtos, e mostrava-se esperanoso, tanto quanto Jobs, com o Macintosh. Com Jobs, formulara macio programa de publicidade, de 100 milhes de dlares, para lanar o Mac, visando ao mercado comercial.

O Macintosh exigiu imensa avalanche junto aos meios de comunicao, que totalizou 15 milhes de dlares nos primeiros trs meses aps o lanamento do computador. A Apple imprimiu 10 milhes de exemplares de um anncio do Macintosh, de 20 pginas, inserindo-os em vrias revistas, e colaborou com mais de 10 revistas especializadas na criao de capas que exibiam o computador. Alm disso, postou centenas de pacotes para a imprensa, em formato de marmita, contendo informao sobre o equipamento, e uma camiseta do Macintosh. Jobs e Sculley deram mais de 60 entrevistas pelo pas, atraindo vultosa cobertura da imprensa. Todas as trs redes de televiso mencionaram o lanamento do computador em seus noticirios. Em Nova York, onde Jobs comprara um apartamento de dois milhes de dlares com vista para o Central Park, o diretorPresidente da Apple Computer deu um Macintosh ao cantor de rock Mick Jagger, dos Rolling Stones. O frenesi da Apple ia a pleno vapor, e quase todos na diviso Mac estavam eufricos. Os reprteres, seduzidos, afluram em massa a Cupertino e improvisaram rapsdias ao redor dos engenheiros inteligentes, impetuosos e videntes que criaram aquela maravilha da nova tecnologia. Houve um anncio notvel, de 60 segundos, que apareceu durante a grande final do campeonato de boliche, em janeiro de 1984, quando os Washington Redskins vinham levando verdadeira surra dos Oakland Raiders, de 38 a 9. O anncio do Macintosh, que apareceu uma nica vez, mostrava seres humanos, que mais pareciam autmatos, sentados em frente a um enorme computador que visava a representar a IBM. Uma menina entra correndo em cena, atira um objeto no computador e vaporiza-se num lampejo de luz. A menina, claro, era a Apple. Uma voz envolvente diz: Acabaram-se os hipnotizadores e torturadores. Alegrem-se todas as clulas! Voc ver por que 1984 no ser igual a 1984. Os criadores do comercial, da Chiat-Day Publicidade, foram ovacionados pela diretoria da Apple durante uma reunio realizada no domingo seguinte ao do final do campeonato. O comercial no foi repetido. O programa de publicidade que a Apple traou para o Macintosh foi considerado obra de gnio. A Apple posicionou-

se diretamente contra a IBM, num lindo lance de marketing, diz um analista que trabalhava para a firma International Data Corporation, de pesquisa de mercado. A Apple gerou a idia de que era to grande e onipresente quanto a IBM. Sculley defendeu o vultoso oramento publicitrio, dizendo: Como a Apple tomava rumo divergente em tecnologia, ningum iria sab-lo, a menos que fssemos to ousados e inovadores em nosso marketing como o ramos com nosso produto. Das outras, a nica que sabia fazer isso era a IBM. A Apple, ainda subestimando a fora da IBM, queria concorrer de igual para igual com o gigante de Armonk. Queramos nos destacar como uma alternativa IBM, disse Sculley na poca. No amos nos contentar em existir sombra do gigante. E reforou a estocada no corao da IBM quando contratou William V. Campbell, homem de marketing e extcnico de futebol, trazendo-o da Eastman Kodak. Campbell desempenhou a rdua tarefa de contratar 360 pessoas e trein-las em dois meses para aumentar as vendas da Apple junto s concessionrias. Os analistas esperavam que os vrios ramos de negcios adquirissem, no mnimo, dois teros dos 14,5 bilhes de dlares que representavam o mercado de computadores pessoais em 1984. A Apple, que no conseguia expandir sua penetrao, contava com o Mac, mas vinha encontrando dificuldades. No incio de 1984, um analista escreveu que o mercado das pessoas jurdicas seria disputado por dois cavalos, a IBM e o Macintosh, mas que a Apple pouco fizera para atrair os apostadores. Ainda no ficou provado que se pode usar um Apple no escritrio, sem ter que, durante o transcurso das mudanas no setor, pagar caro por isso, diz Doug Cayne, analista de ttulos mobilirios do Grupo Gartner de Stamford, Connecticut. Jobs, mais do que ningum, parecia atrelado euforia da grande campanha de promoo e propaganda do Macintosh. Emocionado, proclamou que a Apple tem chances de ser a segunda maior empresa de computadores do ramo por volta da dcada de 1990, acrescentando que queria Macintizar o resto da empresa. S que o que o resto da Apple queria mesmo era ver o couro de Steve Jobs pendurado num gancho. Steve

Wozniak estava to revoltado com a ateno dada ao Macintosh e com o descaso para com o Apple II, que parou de ir ao trabalho, indo pilotar avies e promover consertos multimilionrios de rock que resultaram em perdas multimilionrias de dlares. Em meio algazarra que cercava o Macintosh, quase ningum de fora da Apple notou a sada de Wozniak. O Macintosh j estava com problemas srios quando a Apple promoveu uma reunio de vendas, sob o sol tropical do Hava, em outubro de 1984, qual dedicou o mesmo empenho do esforo de publicidade e relaes pblicas para levar ao delrio o seu contingente de 100 vendedores. Durante a apresentao, a equipe de vendas berrou, torceu e gargalhou ao tempo da exibio de um vdeo, em telo, no qual um homem tentava usar um enorme computador que jorrava lodo. A Apple criara sua prpria verso do tema musical do filme Ghostbusters [Caadores de Fantasmas] e, medida que o lodo jorrava, os alto-falantes alardeavam: A quem vamos pedir socorro?, e a platia respondia, aos gritos: Aos Caadores de Azuis. Os azuis, claro, eram a IBM. Apesar da euforia da reunio de outubro, a Apple j sabia que estava com srios problemas com o Macintosh e no vinha conseguindo penetrar no mercado empresarial. O esforo macio para conquistar este mercado resultou numa nica venda de vulto, para a Peat, Marwick, Mitchell Co., uma das oito grandes firmas de contabilidade, que comprou e instalou 4.500 Macintosh, o mximo que a Apple conseguiu de sua investida neste mercado. Jobs, no incio, dissera a Trip Hawkins que a Apple iria vender cinco milhes de Macintosh nos primeiros dois anos. Gabava-se disto e dizia que o computador poderia ser vendido a preo baixo porque a Apple iria comprar peas em grandes quantidades. A previso de Jobs, porm, de to imprecisa, foi uma afronta, pois a Apple, na verdade, vendeu apenas 200.000 Macintosh desde a poca do lanamento at o fim de novembro de 1984. O equipamento tinha problemas graves, principalmente porque Jobs no dera ouvidos s pesquisas, para saber o que o mercado queria, e rechaara, inflexvel, a participao de

fabricantes externos. E, pior ainda, no era compatvel com a IBM. As demais fbricas de computadores pessoais, de uso domstico ou comercial, j tinham percebido que, para sobreviver, era preciso aprender a conviver com a IBM, e comearam projetando computadores pessoais aptos a operar os programas da IBM. A culpa pelo lapso no cabe s a Jobs, mas tambm a Sculley, quando bradara: Ou continuamos lderes ou vamos para o breu da mediocridade. O Macintosh, por mais estonteante que fosse a nova tecnologia a ele incorporada, no impressionava os usurios comerciais, e teve sucesso, na melhor das hipteses, medocre. Jobs insistira em fazer tudo sozinho ao criar o Macintosh, e foi sua palavra final em todos os aspectos do computador. Nunca fora gnio em tecnologia, mas insistira em autorizar cada detalhe do Macintosh e em ditar as caractersticas que queria incorporar ao equipamento. A conseqncia foi um computador condenado ao fracasso desde o nascedouro. Jobs insistira num Macintosh amigo do usurio, isto , fcil de usar, e, para garantir esta amizade ao usurio, acabou tendo programao interna complicada e produo cara. Jobs, por causa de sua obsesso com a elegncia no aspecto, negou a instalao de ventilador no equipamento, o que o impossibilitava de usar uma unidade pesada de disco, necessria ao uso comercial continuado. O computador era lento, tinha memria limitada, e inexistiam acrscimos capazes de aumentar ou dar maior rapidez memria. Lapso quase impossvel de compreender foi Jobs no ter criado uma impressora de alta qualidade para o Macintosh, outra necessidade para os usurios comerciais. Para cada programa que vinha sendo escrito para a Apple, no mnimo cinco eram escritos para a IBM. No havia na casa um nico cnico capaz de enfrentar Steve Jobs e dizer: uma tolice muito grande querer vender um computador comercial sem uma impressora de alta qualidade, diz Tom Warrick, advogado em Washington e presidente de um grande clube de usurios do Apple. Regis McKenna diz que o mal de Jobs era ter muitas vaquinhas de prespio sua volta.

Eu disse a ele que no havia ningum na empresa capaz de enfrent-lo e retrucar: No, Steve, no assim que o mundo real funciona, diz McKenna. O problema destes comentrios, porm, que Steve Jobs no permitia que ningum lhe dissesse no. O Macintosh vendia razoavelmente bem junto a pessoas fsicas, mas, no que dizia respeito ao seu alvo - as empresas -, passava longe da meta. Os jornalistas, at bem pouco tempo assombrados com a nova tecnologia dos computadores pessoais, estavam, ento, mais sofisticados. Muitos jornais e revistas tinham editores j especializados em computadores pessoais que no mais se deslumbravam com a nova tecnologia. Faziam perguntas incisivas e sabiam quando estavam sendo embromados com o jargo tcnico. Logo perceberam as limitaes do Macintosh e escreveram artigos sobre os problemas da Apple, para infelicidade da empresa, artigos estes que ensejaram um memorando de Fred Hoar, ento vicepresidente de comunicaes, a todos os encarregados da Apple, dizendo: Publicidade Negativa A Apple tem sido, recentemente, alvo de certas matrias na imprensa que no podem ser consideradas vaporosas... isto , so reportagens das mais negativas... e diz o esquema das coisas que as ms notcias se imprimem melhor do que as boas, e que muitos reprteres, seno a maioria, no tm facilidade para informar sutilezas e complexidades, muito menos seus editores. Os gerentes da Apple conscientizaram-se, porm, de que, apesar do desprezo da mdia, os problemas da empresa no eram motivados pela imprensa e sim pelo prprio Macintosh. William Campbell observou: Muitas empresas ainda no aceitaram que j temos um produto comercial srio. Esther Dyson, editora de um respeitvel informativo do ramo, escreveu: A Apple no vai conseguir entrar pela porta da frente, ter que se infiltrar. Um desolado usurio do Macintosh resmungou: o mesmo que ter

uma Maserati com um tanque de cinco litros de gasolina. Um gerente da Apple se queixou: O Mac era visto como uma dondoca, um equipamento ftil para os yuppies ou seus filhos e no um equipamento comercial ou o lder tecnolgico que . Wall Street, percebendo a situao, reduziu sua estimativa dos lucros da Apple para 1985. O lucro por ao, anteriormente previsto em 2,50 dlares pelos analistas, foi reduzido, com otimismo, para 2,25, O preo da ao da Apple caiu quatro dlares. Sculley reagiu situao prometendo que o Macintosh no seria um sistema fechado, que aceitaria acrscimos, e recuou de sua posio de combater a IBM de igual para igual. Prometeu que o novo Macintosh aceitaria os programas da IBM. Com efeito, admitiu que a Apple no mais podia querer desbancar a IBM: tinha, sim, que aprender a coexistir com um adversrio que, alm de mais poderoso, era mais gil. Jobs recebeu ordem de aprimorar o Macintosh em 1984, mas no cumpriu o prazo. O novo cronograma foi prorrogado para determinado ms de 1985 e Jobs levou a primeira bronca de Sculley, sempre impaciente com quem no cumpria prazos. Sculley estava tambm aborrecido porque, enquanto vinha prometendo colaborar com os fornecedores externos. Jobs fechara-se, criando um Macintosh que no permitia acrscimos fabricados por outras empresas do campo dos computadores pessoais. Jobs, sentindo que tinha recebido uma bronca e no um aviso de alerta, reduziu sua projeo otimista de vendas para o Macintosh. Se antes falara em vender dois milhes de unidades em dois anos, agora esperava vender 200.000 durante o Natal, normalmente a melhor poca para os computadores domsticos, visando claramente ao mercado consumidor e no ao empresarial, o alvo original do Macintosh. Mesmo assim, a projeo ficou 50.000 unidades aqum do previsto e continuou a declinar em mdia de 19.000 unidades por ms. Alm disso, o alto custo de produo e lanamento do Macintosh desgastou seriamente os lucros. Ocorria o primeiro racha no relacionamento de Sculley e Jobs.

O Macintosh era a primeira tentativa de Jobs em criar um computador e foi um fracasso. Mesmo assim. Jobs continuou apegado tecnologia e filosofia do Mac, apesar do declnio nas vendas, e aumentou suas dificuldades com a Apple, procurando proteger ainda mais o Macintosh e descarregando suas frustraes na diviso Apple II. Sculley, procurando melhorar o moral da empresa, consolidara as divises, sem a participao de Jobs, que sentia cimes intensos do sucesso contnuo do Apple II e lamentava seu fracasso com o Macintosh. E os cimes, somados ao fracasso num homem de ego monumental, poderiam gerar enormes reaes negativas. Jobs comeou a atacar maldosamente o grupo Apple II, reiterando a saturada ladainha de que o pessoal do grupo vinha criando equipamentos tronchos, antiquados e deselegantes. Ns todos tentvamos nos afastar dele, diz Bruce Tognazzini. No Apple II, costumvamos dizer que Deus estava do lado da diviso Macintosh. O moral no grupo Apple estava muito baixo. Um elemento da diviso Apple II, que j no se importava muito com seu futuro na empresa, presenteou Jobs com um exemplar de Miss Manners [Miss Educao], mas Jobs ficou indiferente ironia, dizendo: No sou uma pessoa discreta. E um integrante da diviso Macintosh comentou: Ele [Jobs] nos protegia tanto, que, sempre que reclamvamos de algum de fora da diviso, era o mesmo que soltar um doberman. Steve pegava o telefone e espinafrava tanto o sujeito, que a nossa cabea rodava. Apesar de dividir a empresa em duas e no lograr xito em sua prpria diviso. Jobs empavonava-se como um ditador. Steve Jobs est no poder, disse Trip Hawkins. Quanto mais a Apple crescia, mais ele inchava. Quando assumiu o controle da diviso conjunta Lisa e Macintosh, ficou impossvel. Detinha muito poder unilateral. Sculley devia ter apertado as rdeas muito antes. Mas Sculley enfrentava paradoxal problema. De um lado. Jobs, como gerente de diviso, era seu subordinado e, por outro, como diretor-presidente, era seu chefe. John estava numa

posio muito difcil, diz um gerente da Apple. Estava com as mos muito bem atadas. Jobs insistia em lealdade absoluta na diviso Macintosh, mas conseguiu granjear grande quantidade de inimigos em seu prprio domnio. Quem no estivesse com ele, estava contra ele, diz Bruce Tognazzini. E ns estvamos todos contra ele. de estranhar, porm, que Jobs no desse ouvidos aos problemas que vinha causando e quantidade cada vez maior de pessoas, incluindo a diretoria, que vinha se voltando contra ele. medida que Steve ficava mais arrogante e exigente, tanto maior era a quantidade de gente que o queria pegar, diz um exexecutivo da Apple. Para aumentar a frustrao da diretoria e de Sculley, depondo a favor da diviso Apple II, o venerado Apple II teve desempenho recorde em 1984. Com Jobs nos calcanhares dos gerentes da diviso e recusando-se a permitir que o Apple II fosse anunciado como produto da empresa para no competir com o Macintosh, mesmo assim a diviso vendeu 800.000 Apple II e Apple II portteis. Gerou receita de quase um bilho de dlares, representando no mnimo dois teros dos lucros da empresa. O alto custo do lanamento do Macintosh, somado s desvantagens do computador e aos problemas de produo, arrancou boa fatia dos lucros da empresa. Jobs vinha descumprindo prazos cruciais e importunando cada vez mais a diviso Apple II, cujos integrantes tinham que usar crachs para entrar na rea do Macintosh, onde, certa vez, escoltou a cantora popular Joan Baez, por quem nutrira breve atrao, durante visita produo do Mac. Improvvel espi industrial, a visita de Joan Baez feriu as sensibilidades do grupo Apple II. Sculley, j no era sem tempo, reconheceu o problema e tentou dar soluo. Para levantar o moral, promoveu uma cervejada, fixou o Dia Eterno do Apple II e convenceu Wozniak a voltar para a diviso. A volta de Wozniak melhorou os nimos alquebrados do grupo, mas no bastou. Delbert W. Yocum, gerente que galgara os vrios escales da empresa e se tornara chefe do grupo de produtos Apple II, assumiu a responsabilidade por no conseguir maior participao mental para a diviso, o que, na linguagem dos computadores, quer

dizer ateno. Comprometeu-se a dedicar maior empenho no sentido de obter maior cobertura da imprensa para o Apple II e poro maior da ateno de Sculley. Este no precisava ser instigado por Yocum. A empresa estava dividida, e o vazio crescia a cada dia que passava. Jobs, alm de criar furor, falhava lamentavelmente em sua primeira tentativa de entregar um produto, desempenho nada bom para ele que, na poca, vinha sendo promovido como o inventor do primeiro computador Apple, e fazia exigncias absurdas ao pessoal. Durante todo o ano de 1984, Sculley empenhou-se em assegurar a todos que a Apple queria estreitar os laos com a infra-estrutura do computador pessoal e maior participao de terceiros. Prometeu que os computadores seriam compatveis com a IBM e acessveis aos acoplamentos de outras empresas. Jobs, entrementes, teimoso, resistia a envolver a infra-estrutura com o Macintosh. Steve ficou obcecado com o conceito Macintosh de produo, embora o Apple II fosse o responsvel pelo fluxo de caixa da empresa, observa o analista Tim Bajarin. Ele dividiu a empresa em duas. Em vez de ser uma empresa com diferentes produtos, era como se o grupo Apple II fosse uma empresa, e a diviso Macintosh, outra. Todos andavam perguntando quem mandava na Apple, Jobs ou Sculley? Sculley comparou seu mandato na empresa a seu emprego anterior de presidente da Pepsi Cola: Ele [Kendall] e eu deixamos de lado nossa amizade pessoal. Ele dirigia a empresa e eu dirigia uma diviso. Aqui, Steve e eu estamos dirigindo a empresa ao mesmo tempo. O empenho de Sculley em aparar as arestas com os fornecedores, concessionrias e terceiros vinha sendo frustrado por Jobs. A Apple tinha em mos oportunidade de ouro para se fortalecer, porque as concessionrias e demais empresas estavam chocadas com a IBM, que comeara a produzir grande parte de seus prprios programas e a vender mais computadores por intermdio de sua prpria equipe de vendas. A infraestrutura do computador, que passara a depender da IBM, andava cata de uma alternativa para a Grande Azul, ao que Sculley agora favorecia, abandonando os planos de criar na

Apple uma diviso prpria de programas, medida recebida com suspiros de alvio. O sucesso da Apple interessa aos fornecedores independentes porque nos apresenta um alvo de oportunidades, disse Fred M. Gibbons, presidente da Software Publishing. As concessionrias tambm deram as boas-vindas Apple, como alternativa IBM, quando o gigante de Armonk resolveu vender mais computadores por venda direta. O relacionamento da Apple com os concessionrios fora dos mais rduos, mas Sculley prometia reparar os erros. A Apple no quer competir conosco, disse Norman Dinneson, presidente da Computer Land, de San Diego. Outro concessionrio observou: No estou ganhando muito dinheiro vendendo computadores Apple, mas gosto desta alternativa IBM. Sculley conseguiu tambm convencer os varejistas, como a BusinessLand e a Sears Business Systems, de terem em estoque computadores Apple. Entrementes, a recusa de Jobs em cooperar com as promessas de Sculley vinha gerando aspereza em relao infra-estrutura. A AST Research, maior fabricante mundial de extenses para o IBM PC, criou em meados de 1984 uma Diviso de Acrscimos do Apple, para grande surpresa de muita gente do ramo dos computadores, que via na Apple uma empresa dividida. Ash Jain, chefe da diviso da AST que fabricava os acrscimos do Apple, estava chocado porque Jobs no vinha colaborando com as promessas de Sculley, mas no achava que a situao fosse perdurar. Ns queramos depender menos da IBM, disse. A situao na Apple no ia nada bem. As vendas estavam fracas, e tinham seguidos insucessos. O Apple III foi um fracasso, o Lisa tambm. Jobs lanou o Macintosh em janeiro de 1984, e o equipamento foi muito criticado em todo o ramo. O desempenho no era bom, tratando-se, tambm, de uma caixa fechada que no permitia acrscimos. Foram fracassos de toda sorte. Os observadores do ramo perguntavam-se por que a AST iria criar uma diviso para fabricar melhoramentos para os computadores da Apple, se esta no queria cooperar e acreditavam que a sobrevivncia da empresa estava ameaada. Todos nos diziam que o futuro da Apple era dos mais incertos,

diz Jain. Nossa posio era a de que a Apple era uma grande empresa, mas, independente do status, todos cometem erros de vez em quando. Achvamos que a Apple, mais cedo ou mais tarde, daria uma reviravolta, e nossa diviso estaria a postos, atenta para tirar proveito do mercado. A diviso de produtos de Jain foi criada no vero de 1984, quando o Macintosh j vinha se constituindo em fracasso, e Jobs, alm de ficar ainda mais arrogante no trato com as empresas externas, vinha dividindo a empresa. O Macintosh foi exemplo contundente da incapacidade de Jobs em ouvir os outros. A nica coisa que voc podia fazer era lig-lo na tomada e usar, diz Jain. Se quisesse mais energia, no conseguia. Mais memria, impossvel. Mais velocidade, tambm impossvel conseguir. Voc tinha que se contentar com o que a Apple lhe dava. Jain estabeleceu um contraste entre o Macintosh e o IBM PC, este capaz de executar muitas funes com maior rapidez, de incorporar memria maior e de se comunicar com outros computadores compatveis com a IBM. O Macintosh era muito restrito e por isso as pessoas no se ligaram, diz Jain. Jain foi um dos crticos mais eloqentes de Steve Jobs durante 1984, mas no o nico. Suas crticas eram representativas das ressalvas disparadas contra Jobs. Em fins de 1984, Jain fez trs previses sobre a Apple e Steve Jobs, que, acreditava, iriam ocorrer no final de 1985: primeira, que Jobs provavelmente no mais estaria na empresa; segunda, que a Apple seria adquirida e deixaria de ser independente se continuasse com Jobs; e, terceira, que a empresa teria que criar um Macintosh que aceitasse acrscimos e fosse compatvel com a IBM. Alguns analistas, como Tim Bajarin, vinham dizendo publicamente que Se no fosse por John Sculley, a Apple no teria atravessado 1983 e, muito menos, 1984. O lao apertava-se no pescoo de Jobs, cujos atos continuavam a desafiar Sculley, e a amizade dos dois, to divulgada, evaporou-se durante o ano de 1984. Houve mais gente na Apple, alm de Jobs, Sculley e a diretoria, que percebeu o spero jogo de poder que vinha sendo travado entre

Jobs e Sculley. Todos estavam muito mais preocupados com os boatos de demisses em massa em 1985. A diretoria, que queria pr fim quilo, aulou Sculley, vrias vezes em 1984, a tomar uma atitude com respeito a Steve Jobs. Sculley relutava. Segundo os que observavam a Apple de perto, Sculley pretendia dar um jeito em Jobs porque achava que a empresa precisava de um heri popular no recinto, e Wozniak, mais uma vez desiludido, estava em vias de sair. O momento decisivo ocorreu no final de 1984, quando a Apple previa seu primeiro prejuzo trimestral. Vrios membros da diretoria da empresa, incluindo Arthur Rock, homem nada sentimental, procuraram Sculley. John, diziam, hora de comear a pensar em se livrar de Steve. Capitulo 17 JOGO DE PODER Steve Jobs parecia ignorar o aperto do lao. Continuava comprometido com a nova tecnologia do Macintosh e desdenhava a contribuio da diviso Apple II. Promoveu, para o pessoal do Macintosh, uma verdadeira festana de Natal, enquanto o pessoal do Apple II s encontrou carvo em suas meias. A reunio anual dos acionistas foi um insulto ao j ferido grupo do Apple II. Os favoritos de Jobs ocuparam as primeiras fileiras para ouvi-lo pregar o evangelho do Macintosh, enquanto o pessoal do Apple II, mais uma vez num aposento separado, teve que assistir em circuito fechado de televiso. At mesmo John Sculley, que tinha conhecimento dos problemas do moral da empresa, aderiu ao oba-oba do Macintosh, que fracassara no ano anterior, ainda que, ao mesmo tempo, viesse planejando extinguir a diviso. A equipe do Apple II desconhecia isto, assim como Steve Wozniak, que voltara Apple alguns meses antes para trabalhar no grupo Apple II. Logo depois da reunio de acionistas, Wozniak viu que havia muita gente do Apple II disposta a pedir demisso, muitos com as cartas j entregues a Sculley, e resolveu enfrent-lo na qualidade de porta-voz dos queixosos.

Fui ver Sculley e disse-lhe que o pessoal do Apple II estava sendo discriminado, lembra Wozniak. Sculley respondeu: Isto no verdade. Mas pressionei, porque era eu o segundo maior acionista da empresa. Sculley estava em posio difcil. J formulara um plano para reorganizar a empresa e eliminar a diviso Macintosh, mas no podia anunci-lo para no abalar o moral. Planejava eliminar 1.200 cargos e retirar o poder operacional de Jobs. Wozniak, sem saber disto, largou a empresa exasperado, porque j estava cansado de discutir, chegando a vender todas as suas aes da Apple, sem, contudo, demitir-se da empresa, em cuja folha de pagamento permaneceu, apesar de ter montado outra firma, a Cloud 9, que tinha por objetivo fabricar um produto no-especificado. Os demais empregados da Apple II, que no contavam com a mesma proteo financeira de Wozniak, continuaram na empresa, onde recebiam a solidariedade de Wozniak Toda vez que amos a uma reunio importante da empresa, era um tal de Macintosh para c, Macintosh para l, diz Wozniak O pessoal do Apple II pensava: O que estamos fazendo aqui? Eles simplesmente no acreditavam. Trip Hawkins, seguindo o exemplo de Wozniak vendeu todas as suas aes da Apple e se demitiu. Havia muitos problemas de moral, porque o pessoal do Apple II, responsvel por toda a receita, no era reconhecido, diz Hawkins. Sculley estava determinado a pr fim ao conflito e a criar uma Apple, substituindo Jobs na chefia da diviso Macintosh por um gerente mais experiente. Com a queda continuada das vendas do Macintosh, a diretoria o vinha pressionando a tomar as rdeas e dirigir a empresa, mas Sculley relutava em se apressar, temeroso das conseqncias de mudana to radical. Mas Sculley enfrentou Jobs, como um sargento-instrutor que admoesta um soldado, e disse-lhe para pr ordem na Macintosh. Quando Jobs percebeu que Sculley falava srio, respondeu que Sculley nada conhecia da Apple e era inapto para dirigir uma empresa de alta tecnologia. Os dois entraram em renhido atrito, diz Trip Hawkins. Steve, durante muito tempo, contou com o apoio da diretoria e

sentia-se confiante. A diretoria dizia que a empresa estava ferrada e precisando de uma perspectiva diferente. Quando a empresa comeou a cair, pensou: Sabem, preciso fazer alguma coisa. Sculley tentou trabalhar as mudanas junto com Steve, mas, como este resistisse, decidiu: Pois que se dane! Eu sou o presidente, e sou eu quem vai ser responsabilizado se a empresa no ganhar dinheiro. A responsabilidade minha! Com o apoio da diretoria, Sculley contratou Jean-Louis Gassee, de 41 anos de idade, antigo diretor da Apple, na Frana, para eventualmente substituir Jobs na chefia da diviso Macintosh reorganizada. Gassee era um matemtico obstinado, mas erudito, que construra sua prpria calculadora aos 14 anos de idade. Na chefia da Apple, na Frana, transformou-a na diviso estrangeira de crescimento mais rpido e mais rentvel da empresa. Ao contrrio de Jobs, trilhara carreira convencional com experincia de gesto na Hewlett-Packard e Data General. A inteno de Sculley era nome-lo diretor de marketing do Macintosh e, com o tempo, depois de transferir Jobs para um cargo indefinido, promov-lo chefia da Macintosh. Jobs resistia idia de entregar sua diviso a quem quer que fosse, principalmente a Gassee, um administrador convencional. Steve uma pessoa muito dominadora, diz David J. Larson, gerente de marketing que lanou o Apple IIe e IIc. Estava de fato preocupado com o xito do Mac e, por isso, preocupado com a chegada de um administrador de empresas que no entendesse de tecnologia moderna. No queria algum que no pudesse controlar. Havia ondas de choque na diretoria da Apple, referentes ao duelo entre Jobs e Sculley, mas de surpreender que fossem do conhecimento de to poucos, at mesmo dos executivos do alto escalo, mais preocupados com os boatos do plano de reorganizao, temerosos de perder o emprego. Entre Jobs e Sculley o atrito era enorme, e os dois concordaram em pr de lado a amizade. No era uma luta de personalidades, dizia Sculley, eram dois indivduos disputando a melhor maneira de dirigir a empresa. A luta pelo poder, entre Jobs e Sculley, culminou numa reunio da diretoria de 11 de abril de 1985, que durou trs horas.

O tema da discusso era o plano de reorganizao da Apple e que papel caberia a Jobs na empresa. A diretoria achava que a Apple precisava de um gerente mais experiente na Macintosh. Jobs, incomumente hesitante, titubeava, ora concordando, ora discordando, com os pensamentos aparentemente desorganizados. Manifestou-se possivelmente interessado em dirigir um novo departamento de pesquisa e desenvolvimento, e a seguir insinuou que talvez continuasse diretor-presidente e se candidatasse ao Congresso. A ltima opo era um delrio, j que Jobs nem ttulo de eleitor tinha, o que seria importante ponto fraco em qualquer campanha poltica. A diretoria, enfim, concordou em contratar Gassee, sem estabelecer prazo para passar-lhe a Macintosh, e disse a Jobs, em termos nada dbios, que era Sculley, e no Jobs, quem dirigia a empresa. Todos deixaram muito claro que Steve teria que se afastar das operaes dirias, lembra Hawkins. Ele o diretorpresidente, afirmou Sculley, tempos depois, mas est bem claro que meu subordinado. Se a diretoria, por sua vez, no fixou prazo para afastar Jobs da gerncia da diviso Macintosh, Gassee tinha outros planos, e pediu garantia por escrito da data em que assumiria a gerncia geral. Jobs, alm de ficar furioso com a exigncia, sentiu-se trado por Sculley e pela diretoria. Achava que Sculley o apanhara de surpresa e o esfaqueara pelas costas, diz uma fonte ligada a ele. Jobs logo se preocupou em ter que abrir mo do poder sob a nova estrutura organizacional. Comeou dizendo aos amigos da diviso Macintosh que a Apple no comportava sua presena e a de Sculley ao mesmo tempo, e que a diretoria teria que escolher um ou outro. A seguir, reuniu seus principais subordinados e perguntou-lhes se podia contar com seu apoio num confronto com Sculley. Apesar da considervel falta de entusiasmo, todos concordaram. Jobs, a esta altura, j devia saber que no tinha chance de xito, mas iniciou imediatamente a campanha para demitir Sculley. Telefonou para cada diretor da comisso executiva em busca de apoio, dizendo-lhes que Sculley no entendia do intricado riscado de uma empresa como a Apple, envolvida com

a alta tecnologia. O pedido de Jobs no mereceu solidariedade, e um dos diretores chegou a dizer-lhe que ele precisava parar de ser criana e crescer. Mas Jobs, determinado, convenceu-se de que ainda tinha alguma chance de vencer a luta pelo poder. Sculley, tomando imediato conhecimento da trama de Jobs para dep-lo, convocou reunio de emergncia da comisso executiva no dia seguinte, e no fez rodeios. Disse aos executivos o que Jobs estava fazendo e foi incisivo: Quem manda na Apple sou eu! Jobs ficou perplexo quando percebeu que quem estava no poder, de fato, era Sculley, ainda que, nem por isso, ele ou a comisso executiva tenha pensado em afast-lo da futura reorganizao. A conversa durou trs horas, todos procurando um meio de conserv-lo em alguma funo operacional. Em vo, pois Jobs, ao que parece, cedeu, e disse que ia tirar longas frias durante o processo de reestruturao. Jobs deixou a reunio, convocou os executivos da Macintosh e disse-lhes, com lgrimas nos olhos, que estava demissionrio da Apple. A seguir deu meia-volta e dirigiu-se porta, mas foi interrompido por dois assessores. A equipe implorou que ficasse, dizendo que a vida de todos ali, bem como a do prprio Jobs, e a histria da Apple, seriam, alteradas irrevogavelmente com sua sada. Depois de longa reunio, conseguiram convenc-lo de que ainda havia futuro para ele na Apple. Jobs falou novamente com Sculley sobre uma possvel posio operacional na empresa, mas Sculley, taxativo, disse-lhe que estava fora de questo. Na noite seguinte. Jobs deu uma festa em casa, base de pizza, mas o clima era de desnimo. Presentes estavam seus principais assistentes e Mike Markkula, seu velho mentor e amigo. A conversa girou em torno do futuro da Apple, e Jobs tentou convencer Markkula de que deveria exercer uma funo operacional no futuro da empresa, solicitando sua ajuda para conseguir o apoio da diretoria. Markkula, que outrora considerava Steve Jobs um jovem inteligente e de futuro como executivo, ouviu sem compromisso, enquanto comia cerejas, e comentou apenas que a diretoria iria levar frente os planos de Sculley de reorganizar a empresa. Estava claro que Jobs perdera tambm o apoio de Markkula. Na noite seguinte, Sculley

telefonou a Jobs e reiterou que ele no ocuparia cargo operacional na nova Apple. Sculley esperava reorganizar lentamente a empresa e liberar Jobs da maneira menos dolorosa possvel. Diziam os amigos que Sculley estava dividido entre tomar a melhor deciso para a empresa e seus sentimentos por Jobs. Foi uma deciso torturante para ele, diz um amigo. No vinha dormindo bem, mas estava muito lcido. No queria magoar Steve, mas tinha que atender ao interesse da Apple. Muito antes do esperado, entretanto, Sculley teve que tomar uma atitude, em parte por causa do empenho de Jobs em derrub-lo, de sua contnua politicagem no sentido de conseguir um cargo operacional e tambm de um pequeno semanrio especializado, chamado San Jose Business Journal. Nick Arnett, reprter de high tech e colunista dos computadores pessoais do American City Business Journals, ouvira boatos sobre a luta pelo poder na Apple. Arnett, profissional denso e inteligente, soubera da briga por meio de seus informantes na Apple. H alguma coisa acontecendo na Apple, disse ao seu editor. Parece que Steve Jobs est para sair. Arnett estava ao mesmo tempo empolgado e cauteloso, pois no queria divulgar notcia equivocada, principalmente sobre heri popular do porte de Steve Jobs. O editor tambm se mostrou cauteloso. Boatos no bastam, concordou. Horas depois, Laurie Kretchmeyer, outra reprter de high tech do mesmo jornal, apareceu na redao afobadssima. Jobs vai sair, e a empresa est planejando uma reorganizao, disse ela ao editor. Houve uma reunio apressada entre o editor, Arnett e Laurie e, vrias horas depois, os trs regozijaram... algo de monumental acontecia na Apple. Vamos publicar, disse o editor. Era dia de fechamento do jornal, e a equipe trabalhou at altas horas da noite para imprimir a notcia do rompimento. Na manh seguinte, o Journal publicou matria de ponta sobre a luta pelo poder entre Jobs e Sculley e a futura reorganizao da Apple. A matria forou Sculley a agir muito antes do planejado, e, dois dias depois, convocou reunio de emergncia da diretoria, aprovando o plano de reorganizao. Jobs ficou ao

desamparo. Ainda era diretor-presidente, mas sem poder. No dia seguinte, o San Jose Mercury News estampou a seguinte manchete na primeira pgina: APPLE REBAIXA JOBS. A batalha entre Jobs e Sculley foi feroz, sugando a ambos fsica e emocionalmente. Assim como o co Gingham e o gato Calico, figurativamente, devoraram-se um ao outro. O derradeiro confronto entre os dois, que dizia respeito ao rebaixamento de Jobs do cargo de gerente-geral da diviso Macintosh, foi rspido e se deteriorou em embate verbal. Jobs estava na sala do presidente, tentando convenc-lo a permitir que continuasse chefiando a diviso. Sculley recusou, e, a seguir. Jobs surpreendeu Sculley, propondo que invertessem os papis: Jobs seria o presidente e executivo-chefe, e Sculley passaria posio de diretor-presidente. Sculley respondeu que a proposta era impossvel, porque Jobs no tinha a experincia necessria para dirigir uma empresa. Jobs explodiu. Se Sculley era to bom administrador assim, perguntou, por que a empresa estava com tantos problemas? Jobs acusou Sculley de incompetente para dirigir a Apple, disse que era ele. Jobs, a nica pessoa capaz de salvar a empresa, e voou porta afora. Sculley, muito conturbado com o violento confronto, ficou abalado em sua autoconfiana. Ser que Jobs tinha razo? Seria o homem errado para a Apple? E parecia afogar-se num mar de fracassos. A empresa enfrentava srias dificuldades, e sua situao pessoal parecia desastrosa. Devia muito, tomara muito dinheiro emprestado para comprar aes da Apple que valiam muito menos do que quando as comprara. Ainda mais, se fracassasse na Apple, teria uma chance em um milho de ser contratado por outra empresa para ocupar cargo de alto nvel. Sentia-se falido. Quando Jobs saiu da sala, Sculley acuou-se num canto, exausto at os ossos e chorou de pesar e frustrao. Naquela noite, resolveu pedir demisso da Apple, e pediu a um amigo para telefonar aos diretores informando-os da deciso. Depois explicou a situao esposa Leezy e foi dormir. Por mais estranho que possa parecer, o sofrimento por que passara no escritrio durou apenas um dia e uma noite. Depois de uma boa noite de sono, ainda no estava completamente recuperado,

mas j se sentia muito forte e disposto a prosseguir no comando da Apple. Quando telefonou ao amigo a quem pedira para informar sua demisso diretoria, soube que a ordem no fora cumprida e cancelou-a. A lesiva coliso entre Jobs e Sculley afetou tambm Leezy, que no gostava de Jobs nem confiava nele. Achava que Jobs sentia cimes do tempo que o marido dedicava a ela e, vendo-o to abalado, sentiu-se compelida a enfrentar Jobs. Descobriu que Jobs estava almoando com alguns amigos no Good Earth e foi at l. Em vez de fazer um escndalo no interior do restaurante, esperou-o no estacionamento. Quando ele saiu com os amigos, ela o chamou, pedindo-lhe para conversar em particular. Jobs, lembra ela, parecia surpreso em v-la, mas avisou aos amigos que os veria mais tarde. Leezy aproximou-se e espinafrou Steve Jobs. Perguntoulhe se se dava conta da sorte que tinha de simplesmente conhecer um homem da bondade de Sculley. Lembra-se de que estava afrontada e furiosa, mas com pleno domnio de si mesma. Disse a Jobs que o marido fora seu amigo, mas que ele s iria reconhecer o fato no leito de morte. Enquanto o agredia com palavras, afirma Leezy, Jobs mantinha-se cabisbaixo, e ela exigiu que ele a encarasse. Ele o fez, e ela mandou-o afastar o olhar. Quando o fitou nos olhos, disse-lhe, nada viu, no havia alma, apenas uma zona morta, um poo sem fundo. Terminada a fala, Leezy declarou a Jobs que sentia pena dele e foi-se. Na Apple houve um pandemnio, principalmente na diviso Macintosh, que via seu gerente-geral ser demitido. O pandemnio alastrou-se entre os escales inferiores, e at mesmo os altos executivos ficaram aturdidos. Diz um gerente da Macintosh: Eles arrancaram o corao da Apple e puseram um artificial. Vamos ver se funciona. Jobs, quase reduzido a zero, ainda assim nutria esperanas, mesmo tendo ido parar noutro prdio, numa sala afastada que sua secretria chamava de Sibria. Disse a seus poucos amigos da Apple que perdera a batalha, mas no a guerra. O San Francisco Examiner especulou que Jobs, a quem chamou de habilidoso combatente no campo de batalha empresarial, talvez ainda contasse com alguns trunfos na manga, e alguns

analistas acreditavam num possvel regresso. Mike Murphy, editor do California Technology Stocks Newsletter, reparou na maleabilidade de Jobs no passado. No comeo, ops-se ao Macintosh e combateu-o durante alguns meses, mas, quando viu que no iria derrot-lo, passou a ser seu maior advogado. a cruz de sua funo: dedicar-se a criar idias novas, opor-se a algumas delas e agarrar-se s boas que sobreviverem ao assdio. Sculley, sabendo que Jobs era muito teimoso, estocoulhe o corao, alguns dias depois, ao dizer a um grupo de analistas que Steve Jobs no ter cargo operacional na Apple, hoje ou no futuro, mas acrescentou que ainda era a alma da Apple. O mercado de aes, h muito cansado de Jobs, reagiu com alta de dois pontos. Da Sibria, Jobs telefonou a todos os executivos da Apple oferecendo ajuda e certificando-se de que todos tinham o nmero de seu telefone. O telefonema no teve resposta, e Jobs descobriu que no vinha recebendo os memorandos importantes da empresa. Sabia que fora desnudado, um terrvel golpe contra seu orgulho. Voc provavelmente j levou um soco no estmago. O ar sai todo, voc no consegue respirar, disse Jobs. Quanto mais voc tenta, menos consegue. Para respirar de novo, preciso relaxar. Se eu tentasse pensar no que fazer de minha vida, seria o mesmo que tentar respirar fundo. Sculley afirma que procurou em vo interessar Jobs em pesquisa e desenvolvimento. Jobs queria um cargo operacional com autoridade. Tinham-no isolado e mandado para o pasto, diz um gerente da Apple. No momento ele no percebeu. Jobs, banido e sem poder, recorda: Estava muito claro que nada me restava a fazer. Eu preciso de um objetivo para me estimular. Infelizmente, quando encontrou este objetivo, sua natureza vingativa subiu-lhe cabea causando-lhe, em ltima instncia, ainda mais dor e pesar. A luta pelo poder, travada entre Jobs e Sculley, em termos de importncia para os empregados da Apple, no chegou aos ps da futura reorganizao, que gerou muito medo, principalmente na diviso Macintosh. Grande carnificina estava por acontecer, e todos o sabiam. J haviam tirado as facas do

armrio e as estavam afiando, lembra uma fonte prxima empresa. Achava que veramos muitos currculos da Apple sobrevoando o Vale. A profecia foi precisa. Em um ms, a partir da demisso de Jobs da gerncia geral da Macintosh, Sculley implantou mudanas devastadoras. Anunciou que a empresa ia fechar para sempre trs de suas seis fbricas antes do final de 1985. Alm disso, demitiu 1.200 empregados, a maioria do marketing, entre eles muitos que tinham sido contratados e treinados no ano anterior. A Apple estava aturdida. Diz algum que visitou a empresa: Vi muitas caras compridas. Apesar da demisso de 1.200 empregados, foi muito diferente da sangria da Quarta-Feira Negra. Bruce Tognazzini, que sobreviveu aos dois expurgos, observou: Houve uma grande diferena entre a Quarta-Feira Negra e a atitude de Sculley. A Quarta-Feira Negra foi um dia no qual muita gente foi demitida com base no gosto pessoal dos supervisores. J a reorganizao de Sculley foi muito planejada. J nos dizia, no incio de 1984, que a Apple estava muito sobrecarregada no departamento de marketing, e no podia se dar ao luxo de superpor responsabilidades. Quando demitiu as pessoas, foi com toda sensibilidade e humanidade possveis. Durante o massacre da Quarta-Feira Negra, a Apple fizera o possvel para no indenizar as rescises, mas, quando Sculley dispensou os 1.200, a maioria do marketing, todos receberam no mnimo um ms de salrio a mais, a contar do ltimo dia de trabalho. Sculley descarnara a Apple at os ossos, e o mercado acionrio reagiu com nova alta. A queda de Jobs da chefia da Macintosh foi recebida com entusiasmo pelos integrantes do grupo Apple II, felizes por terem sobrevivido nmese e, mais ainda, porque Sculley os transferiu do Edifcio Triangle, a certa distncia, para a sede. O grupo Apple II andara meio distanciado, no plano fsico, afirma Sculley, o que s reforava o seu tratamento como cidados de segunda categoria. A reorganizao de Sculley fez da Apple uma empresa mais funcional e eliminou a competio, fomentada por Jobs, que quase a destrura. Delbert W. Yocum passou a ser o

encarregado de toda a engenharia, produo e distribuio da Apple. Gassee, encarregado do desenvolvimento de produtos, subordinado diretamente a Yocum; e William Campbell recebeu a chefia de todo o marketing e vendas nos Estados Unidos. A Apple, enfim, estava solidificada, j no era mais uma empresa dividida contra si mesma. Jobs, entrementes, concordava em ser uma espcie de embaixador sem autoridade. Enviado a vrios pases, investigava as possibilidades de comercializao. No passava, na verdade, de testa-de-ferro, e, depois de passar o vero lambendo as feridas, relativamente quieto, procurou vingana. Durante o vero de 1985, longo e solitrio para ele, Steve Jobs lanou-se ao encontro de sua alma. Com uma caneta e um bloco de papel, passava horas a fio anotando coisas importantes e foi, aos poucos, percebendo que poderia comear outra empresa e ainda continuar diretor-presidente da Apple. Num quente dia de agosto, encontrou Paul Bird, prmio Nobel em gentica, da Universidade de Stanford. No almoo, os dois discutiram sobre a pesquisa de Bird, e Jobs teve uma idia sbita: por que no distribuir o material de Bird, por computador, a outras instituies, inserindo-o no currculo? Bird respondeu que a maioria das universidades do pas no dispunha dos programas e do equipamento necessrio a tal empreendimento. Jobs j se interessara por educao quando estava na Apple, e o encontro com Bird trouxe-lhe um lampejo da antiga autoconfiana e o renascimento de esprito. Comecei, ento, a pensar no assunto e a entrar em ao, disse. Jobs comeou a discutir a nova empresa com vrios contatos seus na diviso Macintosh. A empresa que vislumbrava, embora ainda nebulosa, teria a ver, de algum modo, com computadores pessoais e educao. As pessoas com quem conversava entusiasmavam-se com o projeto, mas alertavam-no de que era preciso informar sua inteno diretoria da Apple. Como a rispidez entre Jobs e Sculley j quase se esvara no tempo. Jobs contou-lhe o plano, em termos vagos, garantindo que no ia competir com a Apple.

Sculley acatou a palavra, e informou diretoria que Jobs queria iniciar uma nova empresa. A diretoria, em vista da garantia de que o novo negcio no ia competir com a Apple, concordou, e Sculley, depois da reunio, teve o prazer de informar a Jobs a anuncia da diretoria. Alm disso. Jobs foi convidado a permanecer na diretoria da empresa e informado de que a Apple tencionava financiar 10% do novo empreendimento. Como os planos de Jobs eram vagos, na melhor das hipteses, Sculley sugeriu reunir-se com ele e Markkula na semana seguinte para discutirem detalhes. Jobs, entretanto, estava muito impaciente para esperar. Naquela mesma noite, reuniu-se com seu grupo e explicou a situao, e todos concordaram em que queriam montar o negcio sozinhos, sem laos com a Apple. Resolvemos cortar o cordo umbilical e continuar, disse um dos contatos de Jobs. No dia seguinte. Jobs encontrou-se com Sculley para inform-lo de que continuaria na diretoria da Apple, mas que sua nova empresa, que decidiu chamar NeXT, no tinha interesse na participao financeira da Apple. E entregou a Sculley uma folha de papel contendo a lista dos empregados da empresa que queria levar. Segundo o relato de Jobs, Sculley concordou, trocou com ele um aperto de mos e desejou-lhe boa sorte. Ao sair, lembra Jobs, sentiu uma fasca da velha amizade. Sculley evoca a reunio de maneira inteiramente diferente. Fiquei sem ao quando Steve entrou com aquela lista. Disselhe que aquelas pessoas eram peas-chave, muitas delas decisivas. E logo convocou uma reunio de emergncia da diretoria para inform-la da inteno de Jobs. A diretoria sentiu-se lograda, diz Sculley. Ele [Jobs] dissera que ia levar pessoal dos escales inferiores, que no estava envolvido com o que a Apple considerava importante. Um dos que Jobs queria levar era Rich Page, o engenheiro que fora o ponta-de-lana do desenvolvimento do Macintosh, e ficou claro para todos que Jobs ia competir diretamente com a Apple. A diretoria votou demitir Jobs e process-lo. Naquela noite. Jobs foi casa de Markkula e, num encontro que deve ter sido doloroso para ambos, apresentou sua demisso da Apple. Jobs relembra com amargura. Ns procuramos garantir que no

tnhamos planos de usar segredos industriais ou tecnolgicos, disse. No podemos dizer-lhes o que tencionamos fazer porque, honestamente, no sabemos. Tudo o que queremos uma separao limpa em relao Apple para podermos montar nossa prpria empresa. A dispensa de Jobs da presidncia da diretoria reverberou por toda a empresa e todo o Vale do Silcio. O processo aberto pela diretoria atraiu a ateno da mdia internacional, e os reprteres caram sobre a Apple e Jobs, que se refugiara em sua residncia monstica. Sculley reclamou que o assunto vinha merecendo mais ateno do que um captulo da Dynasty [Dinastia], e declarou: Todos entendemos que comear uma empresa faz parte de nossa cultura, mas Steve Jobs estava indo forra, e no apenas comeando uma coisa nova. O processo da Apple alegava que Jobs vinha usando segredos industriais, aliciando pessoas-chave da empresa e abrindo concorrncia direta contra a Apple, usando tecnologia que fora desenvolvida na empresa. As coisas esquentaram para valer, diz um gerente da Apple. Durante o arrastar do processo. Jobs vendeu 21 milhes de dlares em aes da Apple, mas, mesmo assim, ainda era o maior acionista da empresa. A placa de seu carro, que registrava, orgulhosa, APPLE I, teve que ser substituda por outra. Embora poucos gostassem de Jobs na Apple, os empregados estavam em estado de choque. Eu no fazia idia de que Steve ia montar uma firma, diz William V. Campbell. Perder toda aquela gente [na reorganizao] foi chocante, mas perder o diretor-presidente foi mais ainda. J outros achavam que Jobs planejara sua sada de modo a causar o mximo de problemas para a Apple, pois vrios projetos crticos tiveram que parar, e a fria que a demisso e o processo desencadearam dificultou a contratao de novos empregados, que estavam vidos em busca de projetos de porte. Quem ficou mesmo muito aborrecido foram os vice-presidentes, afirma algum de dentro da Apple. Seus planos foram todos atingidos. Na maioria, os empregados da empresa, ao que parecia, estavam aliviados por Jobs ter, enfim, sado de cena. A imprensa especulara sobre um possvel xodo em massa com a demisso

de Jobs, mas no percebeu que eram muito poucos os amigos de Jobs na empresa. Quase ningum pediu demisso, e Wall Street, em resposta ao bombardeio de Jobs, subiu mais um ou dois pontos. A maioria dos investidores profissionais gostou da sada de Jobs, aponta Don Sinsabaugh, scio de Squaregold, Chefits e Sinsabaugh. Muitos em Wall Street estavam irritadssimos com sua prepotncia. E o mais importante que Sculley teria liberdade para dirigir a Apple. Com Jobs absolutamente fora de cena, Steve Wozsniak voltou mais uma vez ao seio da empresa que ajudara a fundar, e, por desprezar a poltica interna, no quis vincular seu retorno sada de Jobs. Era uma reviravolta na minha vida, lembra. Eu estava meio entediado e na poca me interessei de novo. Cheguei a escrever uns programas de computador para algumas revistas especializadas. Enquanto Jobs vendia suas aes, Wozniak, que antes vendera todas as suas, recomprava 100.000. Bem, achei que precisava comprar algumas. Recusou-se peremptoriamente a envolver-se na disputa entre Jobs e Sculley, mas anunciou que o Apple II estava no apogeu de sua forma. Disse ainda que Era impossvel saber a verdadeira posio de Steve Jobs. Ele podia afirmar que era contra matar gente, mas o que deixava transparecer era que queria mandar algum para a cmara de gs. Sculley no assim. O que ele diz e o que voc ouve so precisamente a mesma coisa. Havia quem acreditasse que a diretoria contratara Sculley na inteno de livrar-se de Jobs. Gostaria de que fosse verdade, diz Trip Hawkins. Mas infelizmente no acho que seja. Bruce Tognazzini acha que era sincera a amizade entre Sculley e Jobs e no apenas uma euforia de relaes pblicas. Numa reunio executiva, logo depois da sada de Jobs, Sculley falou cinco minutos sobre sua sada e depois 20, dizendo que esperava que aquilo no destrusse a amizade entre os dois, afirma Tognazzini. Ficou muito bvio que estava sendo sincero. O processo contra Jobs foi enfim resolvido fora dos tribunais, a favor da Apple. Jobs foi proibido de contratar empregados da Apple durante trs anos e de fabricar produtos concorrentes da Apple. Alm disso, todo produto desenvolvido

na Next teria que ser autorizado pela Apple antes de ser comercializado. Jobs, em derradeiro desafio, vendeu todas as suas aes da empresa, menos uma. Sculley foi nomeado diretor-presidente da Apple Computer em janeiro de 1986 e, numa reunio de acionistas, acenou um ramo de oliveira para Steve Jobs. Espero que todos os nossos fundadores, incluindo Steve Jobs, sintam-se bem-vindos casa, como o so Steve Wozniak e Mike Markkula. Jobs respondeu por meio de um porta-voz: Joni Mitchell foi quem melhor descreveu a situao: Parece, no mesmo?, que ns nunca sabemos o valor do que temos at que o perdemos. Dan Kottke, velho amigo de Jobs, afirmou o que talvez fosse um epitfio: s vezes ele um caos, mas tem idias interessantes. Depois que toda a fumaa se dissipou, Sculley declarou: No vim para a Apple a fim de tir-la de Steve Jobs. Tentei dar-lhe o mximo de latitude possvel. Com 30 anos de idade. Jobs, deposto por renhida luta pelo poder, comeava de novo. A Apple, por sua vez, vislumbrava sem ele um futuro muito mais promissor. Captulo 18 DEPOIS DA QUEDA A Apple comeou 1987 na condio de empresa de dois bilhes de dlares, totalmente impregnada da marca pessoal de John Sculley. Steve Jobs, embora ainda lembrado, nunca mencionado oficialmente. absolutamente proibido, diz um analista de computadores pessoais. Ningum parece ligar, pois Jobs evoca lembranas de uma administrao atabalhoada. As pessoas de dentro e fora vem a Apple como organizao estvel que vem, enfim, agindo altura de uma grande empresa. Acho que o que tentamos realizar est comeando a se pagar, reflete Sculley. Tentamos conservar as melhores caractersticas da Apple em termos de cultura, mas tambm reconhecemos que nossa juventude precisa crescer e amadurecer em outros aspectos. Outrora empresa com speras lutas internas entre os escales, a Apple hoje est unificada. O novo lema Uma

Apple, que os empregados apregoam sem vergonha ou pieguice. Hoje a brincadeira se chama trabalho em equipe. Jobs costumava nomear seus bozs e superastros, mas isto tambm mudou. Quem implanta merece a mesma admirao de quem projeta, avalia Sculley. As equipes, a mesma admirao que os superastros. Um engenheiro da empresa observou: A empresa hoje reflete a vontade da maioria, enquanto na gesto de Jobs refletia a vontade de alguns poucos escolhidos. Ao unificar a Apple, Sculley conseguiu pr fim renhida luta interna entre as divises e dar empresa rumo mais definido. Antes, costumvamos receber mensagens confusas daqueles que dirigiam, lembra Douglas Solomon, gerente de informaes de mercado da Apple. Hoje j no so tantas as mensagens confusas. Estamos tentando nos organizar melhor, planejando mais e pensando mais a longo prazo. Sculley uma rocha. Ns sabemos o que estamos fazendo. Erich Ringewald, engenheiro de programas, constata: Hoje h mais gente satisfeita na Apple do que antes. O divisionismo, que tanto tumulto criou, a malhao pelas costas e o sigilo j no esto em evidncia na Apple desde a reorganizao de Sculley. No mais preciso ocultar coisas dos outros engenheiros da Apple, diz um engenheiro da empresa. Quando Jobs estava por l, se o grupo Apple II fizesse um projeto que ele no autorizara, ele o cancelava. Havia um medo genuno, que levava os empregados a ocultarem dos outros o que se passava. Sculley gastou muito tempo em visitas, em 1985 e 1986, procurando reparar os danos que Jobs causara s relaes da Apple junto infra-estrutura do computador pessoal. Afirmou inmeras vezes que a Apple no mais queria fazer tudo sozinha maneira de Jobs, e estimulou terceiros a desenvolverem programas e acrscimos para a Apple. Ash Jain, chefe da Diviso de Acrscimos do Apple, da AST Research, disse: A Apple hoje muito mais fcil para se trabalhar do que na poca de Jobs. Sculley levou a empresa ao compromisso de trabalhar com terceiros, e a Apple, na minha opinio, a melhor empresa para se trabalhar.

Sculley estava ciente tambm, para seu doloroso pesar, dos defeitos no desempenho dos computadores na gesto de Jobs, que construra computadores com recursos que queria impor ao mercado, em vez de consultar os desejos da clientela, e Sculley acabou logo com isso. Estou tentando abrir canais que estavam fechados ou negligenciados, afirmou. Uma empresa do porte da Apple no precisa apenas de grandes conceitos, mas tambm de tomar conscincia do que o mercado quer. As diferentes partes da organizao tm que estar muito bem afinadas umas com as outras. Nem tudo foram rosas na Apple desde a demisso de Jobs e da reorganizao da empresa. Em 1985, o moral era problema srio, ao ponto de um engenheiro observar que Estamos beira da histeria. Sculley admitiu: O estresse era nosso maior problema em 1985, e todas as funes na organizao mudaram de uma ou outra forma. Foi um ano de muito medo na empresa, entre os escales, at que as medidas de Sculley, no sentido de reduzir custos, comearam a surtir efeito positivo. Ele conseguiu re-implantar a participao nos lucros, que fora cortada em seu programa de austeridade. As queixas acabaram quando os primeiros cheques, com as participaes nos lucros, chegaram, lembra Brian McGhie, engenheiro de programas. A Apple divulgou pequeno lucro em 1985, devido, porm, mais s drsticas medidas de reduo de custos de Sculley do que ao desempenho das vendas. Mesmo assim, era to slido o caminho da Apple que Sculley avaliou para um grupo de analistas de Wall Street que os lucros trimestrais da empresa iriam triplicar em relao ao mesmo trimestre do ano anterior. Sua previso superava em mais de 50% a dos analistas, e o anncio provocou salto de trs dlares em cada ao da Apple. O lucro trimestral resultou de trs fatores: o aumento das vendas do Macintosh Plus, computador que substituiu o Macintosh original, um verdadeiro fracasso; a intensificao das vendas internacionais; e o programa de austeridade de Sculley. As vendas internacionais, porm, foram conseqncia mais da desvalorizao do dlar do que de algum engenhoso programa de marketing. Tim Bajarin foi forado a reconhecer: Eles parecem firmes. Est claro que Sculley agarrou o touro pelos

chifres. A Apple est mais inteligente no marketing e no mais se contradiz na propaganda. O xito do Macintosh Plus deve ter sido um golpe para o ego de Steve Jobs. O Macintosh original, por ele lanado, fora um fracasso, e, alm disso. Jobs no conseguira cumprir os prazos dos acrscimos necessrios. Com o afastamento de Jobs, a Apple conseguiu produzir as melhorias necessrias ao computador pessoal, cujas vendas no pararam de crescer, enquanto, com Jobs no leme, no haviam parado de cair. A Apple vendeu 174.000 Macintosh em 1984, 245.000 em 1985 e 480.000 em 1986. O Mac j no mais considerado um computador incondizente com o mercado empresarial, que antes o acolhera com frieza. O Macintosh Plus tinha muito mais recursos, diz Bajarin. Antes era muito limitado. Logrou muito xito tambm com o novo fenmeno da edio de textos e com as impressoras a laser. Sculley abandonou o esquema de combater a IBM e anunciou melhorias, criadas por terceiros, que deixavam o Apple II e o Macintosh compatveis com a IBM em fins de 1987. H dois anos atrs, eu diria que a Apple jamais conseguiria penetrar o mercado empresarial, confessa Bajarin. Vendo-a hoje, com as novas aplicaes e recursos, no h dvida de que vai entrar para o grupo das empresas importantes. A Apple orgulha-se de ter produtos para cada segmento do mercado, desde a educao e o lar s pequenas e grandes empresas. Sculley afastou a Apple da concorrncia direta com a IBM em 1985, mas renovou sua investida ao mercado empresarial, dominado pela IBM. Em vez de desafi-la diretamente, lanou no mercado empresarial produtos que no concorriam diretamente com a Grande Azul. Sculley parou de esnobar a IBM, diz um analista, e convenceu os gerentes da Apple de que era preciso descobrir a maneira de conviver com ela. J no temos mais tanto medo da IBM, diz Bruce Tognazzini. Finalmente superamos aquela terrvel arrogncia que percorria a Apple. Sculley, falando num simpsio patrocinado por Hembrech and Quist, em San Francisco, em maio de 1986, sublinhou sua determinao de coexistir lado a lado com a IBM.

Todos perceberam que no existe esta batalha filosfica entre a IBM e a Apple, pois um dos lados ter que ser arrastado pelos ps. No h mais os frenticos altos e baixos que assolaram a Apple nos dois primeiros anos de existncia. A empresa est mais firme, e os empregados, mais satisfeitos. Tem hoje rumo e enfoque que faltavam na gesto de Steve Jobs, embora os empregados ainda usem jeans e camisetas no trabalho. O traje informal no corresponde disciplina exigida por Sculley, disciplina, porm, que no parece ter amortecido a criatividade. Sculley conservou o esprito da Apple, mas deu empresa o senso do pragmatismo empresarial, reflete Bill Krause, executivo-chefe da 3Com Corporation, em Mountain View. Sculley reconhecia temer que o esprito inovador da Apple fosse sufocado por clima menos indulgente. A Apple hoje uma empresa mais disciplinada e amadurecida, disse. Todos aprenderam a reconhecer que a disciplina no ameaa a inovao. O trabalho de Sculley na Apple parece t-la colocado em terreno mais slido do que antes. A empresa divulgou vendas liquidas de 1,9 bilhes, em 1986, e renda lquida de 154 milhes de dlares. Sculley ainda tentou aberturas pacficas junto a Steve Jobs em meados de 1986. S porque Jobs e eu no somos mais amigos no quer dizer que no me importo com as coisas que fizemos, disse. Muitas idias dele - o Mac e a editora a laser esto comeando a deslanchar. Muitas coisas que Steve e eu conversamos eram bastante vlidas. O problema era a implantao, a chance de transformar o sonho em realidade. Eu sei o que preciso para se alcanar o sucesso. Com a Apple a passos largos e vencida a luta pelo poder com Jobs, Sculley est contente. Agora que tudo est correndo bem, estou me divertindo beca, diz com sorriso vitorioso. No acho que teria outra coisa melhor a fazer em todo o mundo. Steve Jobs, abandonado pelas graas da Apple, estava arrasado. Pouco depois de perder o poder de chefe da diviso Macintosh, era visto perambulando altas horas da noite em seu

antigo conjunto de salas. s vezes parava e, amoroso, acariciava um computador Macintosh. Quando foi demitido da presidncia da diretoria, retirou-se para sua solitria manso de dois milhes de dlares. Estava amargo, zangado e, principalmente, magoado. A virulncia do processo que a Apple moveu contra ele eclipsou sua angstia pessoal, sofrida quase toda em silncio. Os reprteres acampavam do lado de fora de sua residncia, esperando uma chance de entrevist-lo, mas Jobs permaneceu isolado. Um reprter da MacWorld, revista de amadores usurios do computador Macintosh, chegou a esperar dias a fio, mas, quando Jobs enfim apareceu, tinha o aspecto to lgubre que o reprter bateu em retirada. Jobs, entretanto, chegou de fato a dizer aos reprteres: No estou amargo. No estou amargo. Em outra ocasio, berrou, impulsivo: Eu estou bem! Alguns achavam que seus protestos j eram demasiados. Ele se tornou uma figura trgica, diz Bruce Tognazzini. Os outros dois co-fundadores, Markkula e Wozniak, esto contentes, mas ele est trgico. Jobs teve tempo de refletir sobre a vida, a Apple, e consolou-se no pensamento, adquirido em seus estudos da filosofia oriental, de que a jornada era mais importante do que o destino. Ele se achava liquidado, informa um antigo empregado da Apple. Acabado. Disse que seria um idiota se tentasse superar o que fizera na Apple. Jobs, com o tempo, foi saindo da casca, e era bvio que, apesar da queda, sentia muita afinidade com a Apple. A Apple existe na alma das pessoas que trabalham para ela e na filosofia e objetivo que lhes ajudam no caminho profissional, divagou. Se estou a um milho de quilmetros de distncia, e aquela gente, ainda assim, acha que vale a pena e continua trabalhando para fabricar mais um computador pessoal, eu sinto que meus genes ainda esto por l. Se a Apple se tornar um lugar onde os computadores passem a ser mercadoria, onde no haja mais romance, a sim, vou achar que a perdi. O Vale do Silcio est repleto de gente que quer trabalhar para ele na NeXT, a nova empresa que fundou. Um fluxo constante de gente esperanosa lhe bate porta, e Jobs recebe

uma enxurrada de correspondncia. Um dos integrantes do quadro da NeXT questiona: Quem no quer participar de uma nova empresa? Apesar do interesse, todos sabem muito bem que Jobs pessoa difcil de ligar. Pondera um analista: O estilo de administrar de Steve difcil de lidar em termos dirios. Mas, no conjunto, ele vale muito dinheiro e uma fora propulsora de peso. Quem se envolve com ele num projeto tem chance de ganhar muito dinheiro. A nova empresa de Jobs, segundo era esperado, deveria lanar seu produto no outono de 1987, mas no cumpriu o prazo. Apesar de o produto no ser ainda especificado, todos o esperavam com grande interesse por causa do homem que estava por trs. A NeXT descumprira vrios prazos de lanamento, ensejando a piada de que a empresa trocaria de nome, passando a se chamar Qualquer dia. Jobs anunciou, em fins de 1987, que no mais faria previses quanto data do lanamento, alegando que era mais importante lanar um produto perfeito do que cumprir prazos arbitrrios. Apesar dos detratores, que pareciam dispostos a cravar-lhe uma estaca no corao. Jobs ressurgiu para a vida, como Lzaro. H. Ross Perot, bilionrio texano, figura ainda mais lendria do que Jobs, investiu 20 milhes de dlares na NeXT, adquirindo 6% da empresa. Perot, fundador da Electronic Data Systems aos 32 anos de idade, vira Jobs na televiso falando de sua nova empresa e ficara impressionado com seus 31 anos e com o que dissera. Os dois se encontraram e juntaram foras. Ele me disse que amos tirar algum do jogo, relatou Jobs. Com Perot na diretoria, so muito maiores as chances de mais um grande sucesso de Jobs. Perot leva consigo muitos anos de xitos e experincia no mundo dos negcios, sendo astro ainda maior do que aqueles que a Apple atraiu quando se preparava para abrir o capital. Pouco antes de investir na NeXT, vendeu 700 milhes de dlares em aes da General Motors, entrou para a diretoria daquela empresa (onde era, segundo informes, um moscardo), da qual se demitiu em 1987. A revista Forbes o menciona como um dos homens mais ricos na Amrica, com patrimnio pessoal que vale no mnimo 2,9 bilhes de dlares, soma que a Forbes conhece, pois, se Perot

for igual maioria dos empresrios, deve ter outros investimentos substanciais que no v motivo para divulgar. Perot est muito envolvido com Steve Jobs e a NeXT, mas aparentemente no se preocupa com os 20 milhes de dlares que investiu na empresa embrionria. A NeXT empresa capaz de gerar grandes retornos, talvez 10 vezes o que eu investi, disse a um reprter da Forbes. O que no l grandes coisas no momento, no verdade? Com no mnimo 2,9 bilhes de dlares no bolso, 20 milhes parecem alguns trocados para o milionrio texano. Perot conta com a respeitabilidade e reputao necessrias para atrair outros importantes capitalistas de risco para a NeXT, embora muitos achem que Jobs inflacionou o preo da empresa ainda sem produto no incio de 1988 - ao fix-lo em 121 milhes de dlares. Afinal, Perot no s um simples homem de negcios, um autntico heri nacional. Tornou-se popular, h alguns anos, num best seller intitulado On Wings of Eagles [Nas Asas das guias] e escrito pelo conhecido romancista Ken Follet. O livro de no-fico, transformado em minissrie de alto nvel para a televiso, conta o empenho de Perot em formar equipe de elite, composta de homens de negcios que trabalhavam para ele, a fim de salvar alguns empregados seus, presos no Ir, aps a subida ao poder do Aiatol Khomeini. A despeito do perigo de ser preso, Perot arriscou a prpria vida quando, usando nome falso, foi ao Ir para motivar seus empregados encarcerados. Embora muito leal aos colegas de negcios, no capataz frouxo. Espera resultados e, de modo geral, os consegue. Jobs talvez no o julgue diretor propenso a aceitar um estilo de administrao delirante. Por outro lado, segundo reportagens do New York Times, Jobs j no tem aquele mesmo estilo catico de administrar, alvo de tantas crticas em sua poca na Apple. Claro, hoje ele supervisiona o trabalho de poucas pessoas, que no so mais as 600, mais ou menos, que tentava comandar na diviso Macintosh. Ao que parece, aprendeu e cresceu com sua provao na Apple, passando a reconhecer o valor do planejamento e da aparncia, sem, contudo, nada perder de seu

entusiasmo criativo. Perot, j tendo passado por sua cota de conflito ao longo dos anos, parece ter certa pacincia e respeito por aquele punhado de jovens gnios da NeXT. A NeXT no uma tpica empresa iniciante. A Apple comeou com poucos dlares, enquanto a NeXT recebeu infuso inicial de sete milhes de dlares, seguidos dos 20 milhes de Perot. As Universidades de Carnegie Mellon e Stanford investiram um total de 1,3 milhes. Jobs, co-fundador da Apple numa garagem, instalou a NeXT em elegante escritrio em Paio Alto, logo aps a criao da empresa. Entre os 10 primeiros empregados que contratou estava um projetista de interiores, tendo contratado tambm arquitetos para projetar sales de venda atraentes que planeja construir em vrias cidades do pas quando e se a NeXT deslanchar. H os cticos que se perguntam se o NeXT no ser apenas mais um computador ou se existir de fato este novo computador. Em fins de 1987, alguns executivos-chave, segundo divulgado, foram assistir a uma demonstrao do computador, mas o equipamento no estava funcionando. Dizem estes mesmos cticos que o computador usa um microprocessador de altssimo nvel da Motorola, uma unidade poderosa, dotada das tcnicas mais modernas, usado por outras empresas. A questo que se coloca se h chances de ser melhor, mesmo em uma unidade de grandeza, diz algum do ramo. Ele s tem mais um lance, e o mercado est predisposto a dizer E da? O computador NeXT encontrar renhida concorrncia no mercado da educao superior visado por Jobs. Algumas empresas j esto entrincheiradas, incluindo a IBM, o castigo de Jobs quando estava na Apple. Quando Jobs fundou a Apple, no tinha concorrentes no incio, mas, com a NeXT, a situao ser diferente, como tratam de salientar os crticos. Steve j no mais o primeiro, diz Scott McNealy, presidente da Sun Microsystems. Como Jobs relutou em mostrar o computador, possvel que carea de programas, um dos problemas que tinha na Apple. Ser preciso criar programas para o computador NeXT, porque

Jobs diz que o equipamento ir aceitar os programas existentes. Para serem [os computadores NeXT] verdadeiramente revolucionrios, diz ele, no podem funcionar com programas j existentes. Jobs raramente concede entrevistas atualmente, limitando suas palestras a platias seletas, para quem, mesmo assim, pouco fala do computador. Todo este sigilo parte de plano muito bem orquestrado, engendrado com a arte de um misterioso assassinato, criado por John D. MacDonald, que visa a gerar senso de urgncia e suspense sobre o novo computador. A estratgia funciona, apesar de o interesse brotar mais do fascnio inesgotvel que o pblico sente por Steve Jobs do que da nova empresa que montou. O fato de toda a reputao de Jobs estar em jogo, com o sucesso ou fracasso da NeXT, enseja o enredo de um drama real encenado no palco de high tech do Vale do Silcio. Nos ltimos anos, o Steve Jobs herico e muito mstico criado pela Agncia Regis McKenna reduziu-se a propores mais humanas. A importncia de seu papel na Apple vem sendo questionada, e muitos acham que a empresa logrou xito apesar de sua presena e no por causa de suas contribuies. A pergunta que percorre o Vale do Silcio : Ser que Steve Jobs capaz de repetir a faanha? Jobs responde dizendo que j logrou xito duas vezes, primeiro com a Apple e depois com o Macintosh. Mas, apesar disso, aparenta ter dvidas que o incomodam. Imagine-se comparado a Henry Ford, diz Michael Murray, que trabalhou para Jobs na Apple e ainda seu amigo. E de repente tudo desaparece. Voc se pergunta: Fui eu mesmo que fiz tudo aquilo ou foi apenas um passageiro do nibus? Jobs nada perdeu de seus poderes de persuaso quando negocia com fornecedores ou enfrenta uma platia. Fechou impossvel negcio quando convenceu um fornecedor de programas a aceitar pequeno honorrio em vez de royalties. Declara o fornecedor que Jobs dava a entender que estava prestando um servio humanidade. Ele me provocou um

sentimento de que eu devia pagar para ele usar o meu programa. Diante de uma platia, Jobs mgico. Hipnotiza a multido, parece um maestro regendo uma sinfonia, conduzindo o pblico a um mundo criado por sua viso interior. A viso que expe hoje, quando fala, indica computadores que simulam laboratrios de experimentao multibilionrios e que do vida s eras histricas. Jobs chamou-os ambientes de aprendizados, ao descrev-los para uma platia de educadores de grmios comunitrios. As pessoas aprendem mais num ambiente de aprendizado, o que significa que, idealmente, preciso oferecer a um estudante de fsica um acelerador linear pessoal, ou um passeio num trem que viaje velocidade da luz, disse. preciso levar um estudante de bioqumica a um laboratrio de DNA equipado com cinco milhes de dlares. Voc pode mandar um aluno de histria do sculo XVII de volta poca de Lus XIV. Sempre que aparece diante de um grupo de intelectuais sofisticados. Jobs recebe a mesma adulao frentica com que os adolescentes tratam os astros do rock. As pessoas apressamse ao plpito para conversar com ele ou toc-lo, na esperana de conseguir para si um pouquinho daquela mgica. A trao que exerce sobre engenheiros e tcnicos a de um m sobre limalhas de ferro. Heidi Roizen, presidente de uma empresa de material de apoio ligada a Jobs, tem um adesivo da NeXT no vidro do automvel. Certo dia, numa estrada, um carro aproximou-se dela, e o motorista gritou e acenou. Ela parou, e um jovem saltou apressado. Voc trabalha na NeXT?, ele perguntou. Eu trabalho na IBM, mas gostaria de trabalhar na NeXT. Captulo 19 O CAPTULO NEXT* Jobs deixou de cumprir o prazo de lanamento do computador NeXT durante um perodo de trs anos e foi alvo de muitas piadas no Vale do Silcio. Na Apple, havia um empregado que usava um alfinete com a inscrio NeVER**,

num gracejo satrico ao logotipo NeXT e incapacidade de Jobs em cumprir as previses de produo. Acreditavam os seus detratores que Jobs ainda cultivava os mesmos inconvenientes administrativos que provocaram seu afastamento da Apple, estando seu novo empreendimento condenado desde o nascedouro. O pblico investigou-o intensamente depois que perdeu a luta pelo poder para Sculley. A imprensa malhou-o com reportagens que revelaram seus defeitos e destruram a imagem mtica, superior vida, criada pelo poderoso aparato de relaes pblicas da Apple. Qualquer um, sem a segurana de Jobs, teria sido completamente destrudo nesta desastrosa volta da vida, mas sua personalidade to dominante, que permaneceu no centro das atenes no Vale do Silcio, mesmo quando no exlio. Hollywood pensava em realizar um filme sobre sua vida, e a imprensa publicava reportagens regulares sobre ele. Steve Jobs podia estar desaparecido, mas no fora esquecido. Em 1987, Sculley publicou um livro, onde contava sua verso da disputa com o co-fundador da Apple, que pareceu parte de uma campanha destinada a transformar Sculley em figura to formidvel quanto Jobs. O empenho logrou xito em dar maior notoriedade a Sculley, que, mesmo assim, porm, ainda era John Sculley e no Steve Jobs. O livro no apenas contava sua vida e sua poca, inclua tambm o que Sculley chamava de tutelares gerenciais que visavam a ajudar os executivos a gerirem suas empresas. Poucos anos antes da edio do livro de Sculley, um analista do ramo dos computadores do Vale do Silcio dissera que, sem Jobs, a Apple era apenas mais uma empresa. O prprio Sculley declarara que Steve Jobs era a alma da Apple. Apesar dos defeitos, quando Jobs deixou a Apple, levou consigo a graa, o glamour e a fervorosa convico de que seus empregados poderiam mudar o mundo. A Apple rumou para aquele ambiente empresarial cinzento que Jobs tanto desprezava. Todo o ramo dos computadores, segundo a Newsweek, ficou montono sem Jobs. Sculley empenhou-se em manter acesa a cultura que Jobs e Wozniak criaram. Vez por outra, segundo revela o livro, ia alm das medidas. Algumas leituras que recomenda so muito

estranhas, na melhor das hipteses, e tem-se a impresso de que Sculley pretende superar Jobs como mstico e filsofo. Entre os livros recomendados para os administradores figurava a intrigante obra do psiclogo Julian Jaynes, The Origin of Consciousness in the Breakdown of the Bicameral Mind [A Origem da Conscincia na Exposio da Mente Bicameral]. A pressagiosa obra expe a hiptese do autor de que, at alguns sculos atrs, a humanidade no tinha conscincia de si mesma, e de que, quando o homem pensava, no sabia que estava pensando, mas acreditava estar falando com Deus ou deuses, dependendo de em que parte do mundo vivia. Quando o homem evoluiu e conquistou a conscincia de si mesmo como ser, percebeu que estava pensando e no trocando intimidades com algum ser sobrenatural. Tudo muito interessante, embora seja difcil imaginar que validade ter para melhorar as tcnicas que os administradores usam em suas empresas, a no ser que estejam com problemas para determinar se esto pensando ou conversando com Deus. Quem no sabe diferenar uma coisa da outra no deveria, antes de mais nada, ser administrador de empresa. Enquanto os boatos tomavam conta do Vale do Silcio, Jobs, sigilosamente, estava tratando de seus negcios ao seu inimitvel feitio. Continuava um perfecionista que rejeitava as limitaes tecnolgicas apontadas pelos engenheiros como impossveis de transpor, insistindo em que descobrissem algum jeito de dominar a tecnologia. David Kelley, engenheiro mecnico, afirma que no havia meios de ganhar uma discusso com Jobs. Se voc tentasse usar a voz da razo, lembra, dizendo: Steve, vai sair muito caro, ou Isto impossvel de fazer, ele respondia: Voc um palerma, e voc se sentia um pensador menor. Wozniak costuma dizer que, apesar de Jobs no ser engenheiro, seus instintos nos assuntos tcnicos quase sempre esto certos. Jobs jamais abriu mo de senso de estilo e esttica e, s vezes, parecia obcecado com mincias que outros consideravam triviais. Os que o criticavam deram risinhos de deboche quando gastou 100.000 dlares para encomendar o logotipo de uma empresa que ainda nem tinha produto. Mas Jobs h muito tempo

aprendera a importncia do estilo e da aparncia com Mike Markkula, que lhe mandou comprar seu primeiro temo. Jobs recusou os esforos de mais de meia dzia de projetistas antes de se voltar para Paul Rand, um dos designers mais respeitados no mundo. Por ironia, foi Rand quem criou o logotipo da IBM, a empresa que representava, segundo Jobs, tudo o que havia de errado na Amrica empresarial. Paul Rand, com 72 anos de idade, era contratado da IBM h trs dcadas, e teve que pedir permisso empresa para trabalhar com Jobs. A IBM abenoou o designer, e Rand ps mos obra. Alguns meses depois, Rand apresentou a Jobs um lbum de desenhos. Jobs estudou um por um, cuidadosamente, lendo tambm os textos que os explicavam. Quando chegou ltima pgina, viu um cubo caracterstico, equilibrado num vrtice, onde se liam, em duas linhas, as letras Ne, na superior, e XT, na inferior. O emocional Jobs ficou to transtornado que deu um salto e abraou Rand. Jobs queria que a Frogdesign, empresa alem ocidental que trabalhara com a Apple, fizesse a prova da marca de Rand num cubo tridimensional, o que tambm era irnico, pois a empresa desenhara o Apple IIc e ainda estava trabalhando com a Apple. A Frogdesign precisava da autorizao da Apple para trabalhar com a NeXT. No incio, Sculley negou o pedido, mas cedeu ante o apelo pessoal de Harmut Esslinger, da Frogdesign. Esslinger, que sabia que trabalhar com Jobs tinha o mesmo potencial explosivo que atravessar um campo minado, concordou em realizar o projeto, desde que recebesse carta branca. s vezes preciso engrossar com Steve, explica Esslinger. Jobs concordou e cumpriu sua parte no trato. No que diz respeito ao edifcio de Paio Alto onde instalou a sede da empresa, o estilo foi determinante. Jogou tudo no cho e remodelou-o de cima a baixo, com soalho reluzente de madeira e animado aspecto futurista que lhe deu a decorao com moblia branca. Espalhou cactos de quatro metros de altura no local e instalou uma geladeira com toda sorte de sucos de frutas para os empregados. Chegou a pensar em montar uma cozinha para fazer pizzas, porque as comerciais, que eram enviadas ao

escritrio, no condiziam com seus padres. Era idia muito avanada para a poca, e Jobs descartou-a. Alm dos prazos no cumpridos, os crticos dispensaram o computador que Jobs vinha criando porque, segundo os informes que vazavam do ultra-secreto grupo NeXT, a tecnologia usada estava disponvel para qualquer pessoa. verdade, mas os componentes que Steve Wozniak usou para criar seu primeiro computador Apple tambm eram encontrados nas prateleiras das lojas eletrnicas-s que ningum sabia o que fazer com eles. Jobs tinha viso prpria e sabia que a tecnologia de ponta tinha usos to amplos e variados que a nica coisa a limitar suas aplicaes era a imaginao pessoal, e disto j estava cansado. As crticas no o incomodavam, diz ele, mas difcil imaginar que no o ferissem, tal a intensidade dos ataques. Havia mais coisa em jogo do que criar um novo computador, pois Jobs procurava reconquistar sua reputao e o respeito do ramo. Sabamos que alguma coisa mgica estava acontecendo, diz, e era apenas uma questo de colocar os ps no cho. Quando foi convidado para falar na reunio anual da Associao de Editores de Programas, em abril de 1988, ainda no conseguira dominar aquela coisa mgica com que vinha lutando. Esperava falar do novo computador, mas desperdiou as palavras. Parecia cansado e, em vez de fazer a palestra, transformou o evento numa sesso de perguntas e respostas que produziu mais perguntas do que respostas. Jobs tinha motivos para estar cansado. Embora dotado de fonte aparentemente inesgotvel de energia, estava morando praticamente na fbrica e no escritrio da NeXT, quando no fazia viagens comerciais. Sua casa ainda no estava toda mobiliada, e um casal de caseiros tomava conta do lugar, onde Jobs s aparecia em fins de semana eventuais, geralmente em companhia de uma amiga que encontrava ocasionalmente h anos. Noventa horas de trabalho semanais no eram incomuns para os 150 empregados da NeXT, e Jobs trabalhava at mais. Sua fama de chefe exigente bem merecida, e os empregados, para lograrem xito, tm que fazer do trabalho o centro de suas

vidas. Jobs demitia, rapidamente, e demitia, todo aquele que, segundo ele, no d o mximo de si o tempo todo. Seus ataques podem ser brutais. Queimar a mufa experincia comum entre os que trabalham para Jobs, e um engenheiro da NeXT que se demitiu exausto e revoltado diz: Estava cansado de andar naquela montanha-russa cheia de heris babacas. Outros nutrem por ele um sentimento de amor/dio. Dizem que um patro impossvel, mas que trabalhariam com ele novamente porque fabrica os computadores mais empolgantes do mundo. Durante o vero de 1988, Jobs andou muito ocupado contratando gente, viajando pelo pas para colher opinies sobre o que os acadmicos queriam no computador, examinando a tecnologia mais recente e encomendando o projeto e a construo de uma montadora robotizada no Japo. Esteve tambm com vrios designers em busca de carcaa ou invlucro elegante para o computador e, enfim, encontrou um na Europa. Alguns meses depois, a firma telefonou, sugerindo que entrasse no primeiro avio e fosse ver o empolgante e revolucionrio design. Jobs viajou para a Europa com muitas esperanas. Quando viu a caixa proposta para o novo computador, porm, achou-a, na melhor das hipteses, aqum da expectativa. Fizeram um projeto realmente fantstico, diz, e todos os computadores seriam iguais. Era uma cabea humana, e as vrias unidades seriam ligadas pela parte traseira do crnio. Contratamos outro designer. Jobs usava encanto, lisonja e chave-de-brao para conseguir os empregados que queria e era to sigiloso a respeito do computador da NeXT que nem lhes dizia o que iriam fazer, no lhes permitindo ver o trabalho feito no equipamento, informando-lhes apenas que estamos desenvolvendo um computador que ir revolucionar a educao superior. Era considerado erro grosseiro recusar trabalhar para Jobs. Susan Barnes, executiva-chefe da rea financeira da NeXT, diz que a empresa esperava dos empregados uma transio de f quando assinavam o contrato de trabalho. Queremos que as pessoas venham a ns por causa da qualidade do produto com que iro trabalhar, diz ela, e no por causa do produto.

Centenas de pessoas, atradas pela mstica de Jobs, clamavam por trabalhar para ele, que as procurava com entusiasmo, acenando a cenoura dos muitos dlares com a proposta de receberem em aes. Se quisesse um projetista, chamava a pessoa e comeava assim a conversa: Ouvi dizer que voc o melhor projetista do planeta! Ele tocava o ego da pessoa, assombrava-a ao ponto de deix-la ronronando como um gato saciado. Quando algum empregado potencial no assinava imediatamente o contrato. Jobs recorria ao que um deles chamou de fascismo emocional, e que consistia em faz-lo sentir-se culpado e egosta por no entrar para o time. Uma vez na folha de pagamento, a paparicao acabava. Os empregados eram forados at o limite e alm do limite, nem sempre em funes para as quais eram contratados. Um exemplo refere-se cor do equipamento robotizado que iria montar os circuitos impressos dos computadores NeXT. Mandei [os japoneses] pintarem sete ou oito vezes, e eles no acertavam, recorda Jobs. Quando o equipamento chegou Califrnia, Jobs ainda no ficou satisfeito, tendo contratado dois engenheiros seniores para pint-lo durante um fim de semana. Pintaram-no trs vezes at Jobs aceitar a uniformidade do preto e cinza. Esta devoo despojada empresa tornou-se parte da cultura empresarial da NeXT, e os empregados sobreviventes consideraram-se membros de um grupo de elite. William Y. Arms, vice-presidente dos servios acadmicos em CarnegieMellon, um dos chefes de torcida mais entusisticos e observou com prazer que todos os empregados so primasdonas. H. Ross Perot manifestou estes mesmos sentimentos com igual orgulho. Diz um engenheiro que trabalhava freqentemente para a NeXT que a empresa mais parecia uma seita, com Steve Jobs no papel de guru-chefe. Os empregados so muito bem treinados, diz o engenheiro. Quando estou por l, aquilo parece o Hare Krishna. No h esprito rebelde. A falta de rebeldia novidade num empreendimento que envolve Steve Jobs, que, na diviso Macintosh, da Apple, desfraldara a bandeira com o crnio e os ossos cruzados. Na NeXT, no havia contra o que se rebelar.

O sigilo em torno da NeXT servia para realar o interesse naquilo a que Jobs se propunha. Formou um painel, composto de 24 homens de negcios e acadmicos, que o orientaram quanto s caractersticas que gostariam de ver no computador, uma virada de 180 graus no comportamento de Jobs, sempre to criticado no passado por no dar ateno aos desejos do mercado. Segundo Jobs, o comportamento de lobo solitrio chegara ao fim. Para definir a prxima leva de computadores, contamos com a colaborao do grupo mais adverso e exigente entre os usurios de computadores do mundo, e descobrimos que o que o pessoal da educao superior queria era um computador central pessoal. Apesar da retrica elevada, o novo esprito de colaborao talvez no correspondesse ao que era alardeado. Voc entra com os seus dois centavos, diz David C. Paulson, ex-empregado da NeXT, e Jobs entra com seus 50 dlares. A equipe de consultores jurou sigilo, mas os vazamentos, que podem muito bem ter sido planejados, insinuaram que Jobs estava metido em algo de porte. Jobs no falou sobre detalhes, mas afirmou que provocaria mais uma revoluo nos computadores. Crescia a especulao ante a aproximao da nova data prevista para o lanamento, e era tanta a publicidade que, quando Jobs telefonou para um contato publicitrio do The Wall Street Journal a fim de encomendar o anncio, o contato respondeu: Nem preciso se incomodar! Os analistas do Vale do Silcio que acompanham o ramo dos computadores especulavam sobre a possibilidade de Jobs retardar propositadamente os lanamentos e esconder, por trs daquela nuvem de fumaa acadmica, suas verdadeiras intenes. Ningum acreditava no fato de que Jobs, acostumado a pensar em termos de centenas de milhes de dlares, ficaria satisfeito em vender computadores para um pequeno mercado educativo. Ele est ganhando tempo, diz um analista da Data Quest Inc., firma de San Jose que acompanha o mercado de computadores. O mercado universitrio no d nem para comear. Steve tem planos maiores. A teoria mais aceita era a de que Jobs visava ao mercado das redes, que emergia com grandes perspectivas para a dcada de 1990.

Rede o termo usado para descrever um computador de mesa capaz de executar vrias tarefas simultaneamente e vincular-se a outras bases de dados para criar uma rede de compartilhamento de informaes. Os computadores em rede precisam ter velocidade e potncia bem superiores s dos computadores centrais, mas precisam ser pequenos a ponto de caberem sobre uma escrivaninha, do tamanho aproximado de uma mquina de escrever. Precisam tambm de preo inferior ao dos computadores centrais de 65 mil dlares para que possam ser adquiridos. O mercado de computadores em rede valia 2,6 bilhes de dlares em 1987, e a Data Quest esperava que ultrapassasse o marco dos seis bilhes por volta de 1991. As dicas emanadas a respeito do computador NeXT pareciam encaixar muito bem no sistema de redes. Jobs homem complexo, capaz de ser rspido ou charmoso, que pode mudar de humor quando algum deixa cair o chapu, e com fama lendria de bom vendedor e negociante esperto. Sempre parece realizar algo memorvel nos lugares onde aparece. Katherine Granam, proprietria do Washington Post, convidou-o e a Perot, entre outros astros, para a festa de seu septuagsimo aniversrio. Perot, que conversava com o Rei Juan Carlos, da Espanha, apresentou-o a Jobs. Eis um homem que Vossa Excelncia precisa conhecer, disse Perot. Depois de apresentar os dois, Perot afastou-se, mas, do outro lado da sala, viu Jobs conversando entusiasmado e fazendo gestos vibrantes diante do rei hipnotizado. Quando o rei se afastou, parecendo meio tonto, Perot apressou-se ao encontro de Jobs e perguntou: O que houve? E Jobs respondeu: Acabei de vender um computador! Jobs estabeleceu outro contato importante no aniversrio, embora na poca no o tivesse percebido. Fora apresentado a John F. Akers, executivo-chefe da IBM, empresa que Jobs ainda via com desconfiana, desdm e espanto. Os dois conversaram brevemente sobre negcios. Primeiro, Jobs e, depois, Perot mencionaram um sistema operacional que fora desenvolvido

para o NeXT, e, alguns meses depois. Jobs recebeu o telefonema de um executivo da IBM dizendo que a empresa estava interessada em obter licena da NeXT para usar o programa que discutira com Akers na festa de Katherine Graham. A desconfiana de Jobs com relao IBM era hbito difcil de romper, mas, enfim, concordou, acrescentando que teria que ser simples e rpido. Instantes depois, um executivo da IBM foi ao encontro de Jobs com um contrato de 125 pginas de palavrrio jurdico. Jobs olhou-o por um instante, deixou-o cair sobre a mesa e disse: Nada feito! E saiu da sala. Era um comportamento caracterstico de Jobs, mas que ensejou telefonemas frenticos dos executivos seniores da IBM, sugerindo que o prprio Jobs redigisse o contrato. Jobs concordou, escreveu um contrato simples, de poucas pginas, e enviou-o IBM, que o aprovou. O lucro inicial para a NeXT era estimado em, no mnimo, 10 milhes de dlares, com enorme potencial de se multiplicar com o correr dos anos. O programa concedido IBM chama-se NeXTStep e to fcil de usar que qualquer iniciante capaz de programar nele. O NeXTStep usa uma srie de cones animados que representam vrias funes, cada um deles utilizvel ou apagvel quando circulado por um mouse. Quando o operador quer apagar alguma coisa, basta enfiar o cone apropriado num buraco negro giratrio na tela, que o engole. H muita gente que quer usar computadores, diz Jobs, mas no quer aprender a us-los. Este est ao alcance dos simples mortais. Jobs lutara pelo conceito dos computadores amigos do usurio na Apple, aplicando-o ao Macintosh, que ainda um dos computadores mais amistosos disposio. As redes da IBM eram histria inteiramente diferente. Usavam um sistema chamado Unix, menos amistoso do que um touro enfurecido, e acessvel apenas aos operadores mais ousados, o que limitava a capacidade de a IBM penetrar no mercado. O NeXTStep era compatvel com o Unix, valendo os programas nele escritos para os computadores IBM que usavam o Unix. De modo inverso, os programas gerados em Unix eram compatveis com o NeXTStep, e as implicaes disto eram

enormes, pois aumentava a fora competitiva da IBM e dava imediata respeitabilidade NeXT no ramo. Enquanto a IBM e Jobs no confirmavam o contrato de licena, os boatos do trato reverberavam no Vale do Silcio. Era notcia das piores para as demais fbricas de computadores em rede e os pesquisadores de programas. A unio da IBM com Jobs era uma combinao assustadora. Na Apple, um executivo queixava-se de que o acordo com a IBM, que acreditava ser verdade, transformara a NeXT de piada em potencial lder do ramo. Se Jobs era sovina ou negociante esperto era questo de perspectiva. Quando voc compra, gostaria de que Jobs o fizesse por voc, mas, quando voc vende, ele um terror. Ao que se sabe, ningum jamais ganhou qualquer parada de Steve Jobs. Um bom exemplo desta pujana nas negociaes foi o trato que fez com a Canon, gigantesca empresa japonesa, uma das maiores do mundo. Jobs queria usar no novo computador o disco tico da empresa, que registra e l informao por meio de raio laser. O disco a laser daria ao computador da NeXT desconcertante poder, mas seu preo no varejo era de 6.000 dlares, e o computador deveria custar 6.500 dlares. A disparidade parecia insupervel, mas Jobs tanto martelou que a Canon cedeu, proporcionando negcio to bom que o disco a laser pde ser usado sem aumentar o preo do computador. O lanamento de um computador evento to importante que pode promover ou destruir o produto no nascedouro. Para Jobs, era episdio muito significativo, pois, alm de lograr xito com o computador, precisava provar que no fora apenas um simples passageiro na Apple. Por isso no deu sopa para o azar. Contratou um artista polivalente de nome George Coats para preparar o lanamento no Davis Symphony Hall, em San Francisco, para meados de outubro de 1988. Seria o dia mais importante de sua vida, e Jobs sabia disso. Uma semana antes. Jobs ainda ensaiava a apresentao num ginsio de escola secundria, em Berkeley. Aquele homem, conhecido como o enfant terrible, o John MacEnroe do mundo dos computadores, estava surpreendentemente calmo em vista do que estava em jogo. Usava jeans e uma camisa xadrez

vermelha e falava por um microfone, enquanto o computador NeXT e outros acessrios audiovisuais amparavam a apresentao. De repente, ante um engasgo do programa, os empregados da NeXT ali presentes esperaram ouvir uma erupo vulcnica e temperamental do patro, mas Jobs, em vez disso, deu de ombros, dizendo que no se preocupassem, seria consertado. No palco. Jobs capaz de criar fervor quase evanglico e despertar curiosidade como um vendedor de parque de diverses. Uma figura contundente: esbelto, com mos delicadas que usa com preciso de bailarino e cabelos alongados que lhe do aspecto juvenil, mesmo quando usa ternos elegantes. Seu entusiasmo natural contagiante. Jobs confia tanto em seu computador e em si mesmo que, a poucos dias do lanamento, fez uma afirmao ousada imprensa: Construmos o melhor computador do mundo. Todos os computadores, de hoje em diante, sero diferentes. No havia como recuar em relao a esta declarao, pois Jobs j descalara a luva e estava arriscando tudo. Se falhasse, talvez jamais fosse levado a srio novamente, e seu sucesso na Apple poderia ser considerado obra do acaso. Era, sob todos os aspectos, um ato de coragem. No dia do lanamento, trs mil convidados, do lado de fora do Davis Symphony Hall, esperavam sob os cuidados de guardas de segurana uniformizados. Cochichavam entre si, especulando sobre o que, ao que j se esperava, seria aquele computador modernssimo. A maioria esperava que Jobs cumprisse a promessa e voltasse ao leito do mundo dos ) computadores. Um reprter da Popular Science escreveu que quase todos torciam por ele, porque Jobs representa o apogeu do esprito empreendedor americano. Era um romntico incurvel, cujo fracasso ningum desejava. Um reprter, ansioso para presenciar o lanamento, chegou a adiar a operao de amgdalas do filho, marcada para a mesma hora. Nem todos os convidados apareceram. A ausncia mais notada foi a de William Gates, de 32 anos de idade, diretorpresidente da Microsoft, grande empresa de programas. Gates mantivera tempestuoso relacionamento com Jobs ao longo dos anos. Steve gosta de gritar comigo, diz. s vezes positivo e

s vezes negativo. Recusara-se a desenvolver programas para o NeXT e, por causa disso. Jobs gritara com ele, que ainda estava magoado. Steve Jobs o nico capaz de conseguir uma tal publicidade para um computador que tem um monitor em preto e branco, observou. O motivo para no comparecer? Minha presena daria credibilidade excessiva. O equipamento nada tem de revolucionrio. Assim pensava Gates. Pairou um murmrio de expectativa quando a platia se posicionou. O momento, tantas vezes adiado durante trs anos, enfim, chegara, e a cabea de Steve Jobs estava no cepo de corte. A questo era: iriam soltar a guilhotina? No palco vazio, apenas um cubo negro e as cortinas tambm negras. E, ento. Jobs fez uma entrada dramtica, sorrindo e acenando entre o frentico aplauso daquela gente que ali estava apenas para v-lo ganhar mais uma competio. O desempenho de Jobs foi impecvel, e o novo computador, com seu aspecto esguio e sua inacreditvel potncia, deixou a platia atnita. Superava em muito as expectativas. O monitor de 17 polegadas mostrava imagens to ntidas e definidas que mais pareciam fotografias do que criaes embaadas de uma tela de computador. O microchip estereofnico do equipamento declamava o comovente discurso de Martin Luther King, Eu tenho um sonho, na prpria voz de Martin, enquanto a tela do monitor mostrava imagens do falecido lder dos direitos civis, desempenho que gerou murmrios de admirao na platia. Jobs levou uma cadeira at o computador, sentou-se como quem se prepara para dar um concerto. Vou mostrar-lhes o que isso faz, disse. A palavra instvel fora usada para descrever Jobs, que, caoando s suas prprias custas, consultou-a no dicionrio do computador. Hummm, disse. Caracterizado por mudanas imprevisveis no estado de nimo. No to mal assim. A seguir, invocou uma citao das obras completas de Shakespeare, armazenadas no disco tico do computador: Que outro computador permite que voc se sente e percorra toda a obra completa de William Shakespeare em questo de alguns segundos?, perguntou.

Jobs afastou as cortinas e mostrou parte dos componentes do computador. Ergueu um pedao de plstico de 10 centmetros. H dois anos, vimos uma nova tecnologia e resolvemos correr o risco de criar uma empresa para lan-la num prazo em que todos achavam impossvel, disse. Ei-la, o primeiro disco tico apagvel de leitura e escrita. O computador vem com 250 megabytes de armazenagem de massa removvel. O pequeno disco contm mais informao do que 300 computadores de mesa IBM ou Apple juntos. Em termos mais compreensveis, carregado com programas e informao, incluindo o Ninth Collegiate Dictionary, da Webster (com ilustraes), o Collegiate Thesaurus, da Webster, o Dicionrio Oxford de Citaes, um programa para processamento de palavras e um programa de matemtica - e ainda h espao para 100 exemplares, palavra por palavra, de Moby Dick. Um telo exibia uma fita da to decantada montadora robotizada, enquanto Jobs segurava um circuito impresso de 40 centmetros, o corao da mquina, onde alguns circuitos guardavam entre si a distncia da espessura de um fio de cabelo. o circuito mais bonito que j vi na vida. o uso mais agressivo que j se deu tecnologia de impresso, construdo sem qualquer contato de mos humanas. A platia riu em apreo, visivelmente impressionada com o que via e ouvia, pois exigia soldas limpssimas. Aprendemos a ser um pouco humildes, disse. Estamos na casa dos 30 anos de idade, e no temos que ficar reinventando tudo. O que queremos criar a prxima revoluo na computao. Queremos descerrar o manto. Estava claro que Jobs conseguira sua vitria. A caixa do computador era elegante, conforme esperado, mas a platia no estava preparada para o que Jobs lhe mostrava. Alguns se recordaram de Jobs, quando, aos 28 anos de idade, acariciando uma Mercedes esporte, dissera que um dia os computadores teriam aquela mesma graa. O corao do computador um cubo de magnsio negro, de 40 centmetros, que pode ser colocado no cho para no ocupar espao na escrivaninha. O magnsio atraente e funcional, reduz a gerao

de calor durante o funcionamento. O teclado pode ser encaixado sob o monitor em cantilver, quando no for usado. Todo o invlucro uma obra de arte, ao menos segundo o Instituto Nacional de Artes, que solicitou uma unidade, para exibir. Entre suas muitas funes, o computador NeXT pode ser usado como fac-smile e secretria eletrnica. A fcil programao, somada aos componentes de som e memria, permite at mesmo aos amadores projetar usos ainda no vislumbrados. A este respeito, lembra o primeiro computador em um chip e, segundo seus criadores, tem tantas possibilidades que so impossveis de relacionar. Jobs sempre se interessou pelo aspecto de um computador, mas, quando foi lanado, o primeiro Macintosh era elegante na frente e uma maaroca de fios e soquetes atrs. Alan Kay, associado da Apple e depois mentor de Sculley, alegava que era perfeito reflexo da cabea de Jobs, limpa e ordenada na frente e embaralhada por dentro. Jobs derrubou esta imagem com o computador NeXT, cujas conexes para os acrscimos estavam organizadas de maneira incomumente caprichosa. O prprio Kay teve que admitir que o computador era elegante sob todos os ngulos. Jobs, ainda no computador, deve ter sentido maldoso prazer quando digitou trs teclas e surgiram no telo as trs letras mais temidas no mundo dos computadores: IBM. verdade, disse Jobs, confirmando os boatos, ns concedemos licena IBM para usar os nossos programas, que, assim, vo servir aos dois equipamentos. O computador, apesar de muito impressionante, foi eclipsado pela confirmao do acordo NeXT-IBM, uma verdadeira bomba. Significava que a IBM seria concorrente ainda mais forte e que o computador da NeXT poderia usar amplo sortimento de programas j existentes no mercado. O anncio assinalava o fim da guerra que Jobs travara com a IBM durante mais de 10 anos e revelava novo esprito de cooperao. Jobs encerrou a apresentao com um violinista da Sinfnica de San Francisco tocando um dueto com o computador, cujo som estereofnico era to ntido a ponto de ser impossvel discernir que som era ao vivo e que som era gerado

pelo computador. Jobs foi ovacionado de p e, terminada a apresentao, disse: bom estar de volta. Um regresso estelar de Jobs. Com lance de mestre, derrubou as crticas que apontavam como acidental o seu sucesso na Apple, e insinuavam que a empresa lograra xito apesar de sua influncia negativa. O lanamento foi noticiado para o cenrio internacional, e Jobs, com seu computador, apareceu em dezenas de revistas, a maioria delas tendo experimentado dificuldades em evitar a hiprbole. A Newsweek e a BusinessWeek puseram-no na capa de suas edies de 24 de outubro de 1988. A Newsweek usou linhas floreadas em negrito: Mr. Chips - Steve Jobs devolveu o arrebatamento aos computadores. O texto, a seguir, dizia que, a julgar da reao inicial, Jobs logrou xito em produzir um computador que talvez seja o mais empolgante por muitos anos. A BusinessWeek imprimiu Steve Jobs em caixa alta, logo abaixo do nome da revista, e perguntou: Ser que ele consegue repetir a faanha? A maioria achava que a nova faanha j era fato consumado, mas alguns no se convenceram to facilmente. Richard Shaffer, editor da respeitvel Computer Letter, disse: Eu queria estragar a festa... [Agora] estou louco para conhecer o equipamento. Outro editor de um informativo disse: Cheguei descrente e fui embora convertido. H. Ross Perot estava radiante: Eles passaram muito tempo em busca da perfeio. Ele repetiu a faanha. E, depois de observar que j investira 20 milhes de dlares, acrescentou: E investiria muito mais, com todo prazer. Por volta da mesma poca. Jobs mereceu reconhecimento algo diferente quando a revista Playgirl colocou-o na lista dos 10 homens mais sensuais da Amrica. Os analistas logo observaram que o computador NeXT, ao que era esperado, s iria evoluir no mnimo a partir de 1991. Quase todos concordavam em que Jobs, ao forar ao limite a tecnologia moderna, criara um computador cujo todo era maior do que a soma de suas partes. Jobs no engenheiro, diz um analista, e assim, como no sabe o que est fazendo, faz. O

computador estava ao preo de 6.500 dlares, enquanto outros sem a mesma competncia eram vendidos a 20.000 dlares. Dizem os analistas que Jobs, ao lanar seu computador, criou um novo padro de excelncia que os concorrentes teriam que igualar - e j estavam sendo pressionados neste sentido, porque ia custar caro e era preciso pressa. A Apple, John Sculley observou que Jobs aumentou a parada. Por mais espetacular que fosse seu regresso triunfal. Jobs ainda ocultava surpresas na manga, pois, em sigilo, vinha negociando acordos que o elevariam a patamares ainda mais altos. Embora ainda insistisse, em janeiro de 1989, em que o computador estaria limitado ao mercado educativo, era difcil de acreditar para quem sabia do que o equipamento era capaz. A fim de verificar os boatos. Jobs usou, imaginem, a premiao do Hollywood Academy. Milhes de americanos, e outros mundo afora, estavam ligados no programa da entrega dos Oscar, da ABC, no dia 29 de maro de 1989. Era improvvel que Steve Jobs fosse mencionado em tal cenrio, mas foi, pois sua produtora, Pixar, ganhou um Oscar por seu curta, de animao computadorizada. Tin Toy [Brinquedo de Lata], e Jobs foi mencionado por ter contribudo para o xito da pelcula. Valendo-se da onda de publicidade. Jobs convocou uma entrevista coletiva no dia seguinte e disparou uma salva de 100 milhes de dlares. Anunciou que firmara contrato com a BusinessLand para vender maior rede de lojas de computadores pessoais da nao 100 milhes de dlares em computadores NeXT no perodo de um ano. BusinessLand uma empresa de 1,2 bilhes de dlares, cuja diretoria presidida por David A. Norman, homem muitssimo respeitado como hbil negociante. Norman confirmara que Jobs almejava o mercado das redes de computadores e viu que a BusinessLand podia ajudar. Precisamos comear por baixo, disse Norman, acrescentando que o acordo daria maior firmeza empresa na rea dos computadores em rede. Como a NeXT compatvel com as redes da IBM, Jobs j saa na dianteira na corrida daquele rico

mercado. A BusinessLand, praticando dumping, derrubou as redes da Sun Microsystem e fechou com a NeXT. Se ainda havia dvidas quanto ao regresso de Jobs, o fato foi um choque de realidade. A NeXT almejava a disputa internacional. Todos levam Jobs a srio, disse Mark D. Stahlmann, analista de Sanford C. Bernstein & Co. A NeXT pode chegar ao mundo no incio da dcada de 1990. A poeira ainda no assentara desde o anncio da BusinessLand, e Jobs lanou bomba ainda maior que, no mnimo, dispersou os concorrentes. Anunciou que vendera 13,5% das aes da NeXT Canon por 100 milhes de dlares, isto , alm dos acordos amistosos firmados com a IBM e a BusinessLand, Jobs tinha agora, como parceiro, o gigante japons. Assim como mtico fnix. Jobs renascera das prprias cinzas. J no mais se falava em fracasso, a questo agora era a altura que Jobs seria capaz de alcanar. A participao da Canon dava NeXT mais um salto frente da concorrncia, pois contava agora com um distribuidor no Extremo Oriente. O lance de Jobs criava, alm disso, difcil obstculo para as demais empresas que tentavam faturar o mercado de redes, pois j vinham sendo pressionadas a dar saltos qualitativos em seus computadores para conseguir acompanhar Jobs. Uma coisa era certa: os computadores da concorrncia precisariam de um disco tico semelhante ao usado no NeXT. Jobs conseguira o disco tico a preo muito barato, mas a Canon no vai querer vend-lo concorrncia. Ao colocar o disco tico em seu computador. Jobs criou um novo ramo, assim como, juntamente com Wozniak e Mike Markkula, criara o ramo dos computadores pessoais. Edward Rothschild, diretorpresidente da Rothschild Consultores, em San Francisco, observou: Este item d o chute inicial para o ramo da unidade de disco tico reprogramvel. Na edio do dcimo aniversrio, a revista Inc. chamou Jobs de o Empreendedor da Dcada, deciso, dizem os editores, que levou apenas cinco minutos para ser tomada. Eram muitos os candidatos de destaque, mas os editores diziam que estavam todos um corpo e meio de luz atrs de Jobs, acrescentando que suas realizaes empalidecem quando

comparadas ao feito de Jobs, o de ter criado, quase sozinho, um novo ramo que mudou o mundo dos negcios e que pode, em ltima instncia, mudar nossa maneira de viver. Jobs parecia indiferente homenagem, pois, no mesmo instante em que era coroado, esquivava-se. Insultado com o que considerava uma questo pessoal, debochara: Afinal a People ou a Inc.? Os editores da Inc., apesar de tudo o que ouviram a respeito de Jobs, e de seus prprios infortnios, disseram que a maior surpresa, quando o encontraram pela primeira vez, foi que de fato gostaram dele. No perodo que se estende a partir de sua demisso da Apple, Jobs, ao que parece, amadureceu com a provao do fogo. Ainda um perfeccionista que provoca todos de vez em quando e tem acessos de raiva, mas, enfim, conseguiu articular, numa entrevista dada Inc., alguns dos motivos justificadores daqueles traos que misturavam o amigo e o algoz. Sobre no dar ouvidos ao mercado. Jobs defende-se, dizendo: Ser que Alexander Graham Bell fez alguma pesquisa de mercado para inventar o telefone? Claro que no! Diz que as pessoas que usam um produto muitas vezes s vo saber do que precisam depois que o produto lhes oferecido. E, mais, em se tratando de algo to tcnico quanto os computadores pessoais, as pessoas em geral no tm conhecimento suficiente para fazer sugestes realistas. Sobre ser um chefe autoritrio. Tento criar um ambiente de excelncia, fazer emergir o que h de melhor nas pessoas. Jobs explica. Muita gente no est acostumada a trabalhar numa empresa onde se espera excelncia. Jobs diz que, quando os engenheiros lhe dizem que alguma coisa no vai funcionar, ele lhes diz que voltem ao trabalho e faam com que funcione. Isto os leva a empenho ainda mais criativo no sentido de extrair o mximo da tecnologia. Sobre sua ateno ao detalhe. H quem pense que no importante ter um circuito impresso bem feito. Jobs postula, porque o usurio no o ver. Mas Jobs acredita que o interior do equipamento deve ser to agradvel, no plano esttico, quanto o exterior. Quando o usurio sabe disso, eleva as expectativas que

tem de si mesmo porque sabe que est trabalhando com o melhor equipamento existente. Sobre o capricho. Dizem alguns que Jobs obcecado com o capricho, e citam o exemplo da pintura dos braos robotizados de montagem, que teve que ser feita e refeita vrias vezes. Jobs diz que exige capricho porque, antes de mais nada, os clientes potenciais visitam a fbrica, e o ambiente de baguna pode cancelar vendas. Ao contrrio, ver que a empresa trabalha em ordem ajuda a criar confiana no produto. No plano puramente prtico. Jobs acha que a limpeza importante durante a montagem porque a poeira, mesmo os pequenssimos gros, pode causar defeitos. E, enfim, sente que um ambiente assim contribui para o pensamento ordeiro dos empregados, ajudandoos a dar o melhor de si. So respostas firmes a crticas especficas. possvel que seja chefe autoritrio, mas que cliente vai queixar-se da empresa que d tanta nfase qualidade? Jobs ainda precisa provar que bom administrador quando a NeXT comear a fabricar computadores em grandes quantidades. A falta de capacidade administrativa um dos fatores crticos que a Apple aponta como motivo de sua expulso. A robtica da fbrica pode produzir com preciso grandes quantidades de circuitos impressos e eliminar a necessidade de treinamento e gerncia no setor, mas, se a NeXT ocupar posio de liderana, como esperado, ainda assim a administrao ser crucial. No h dvida, entretanto, de que Steve Jobs est de volta, maior do que nunca. Quando deixou a Apple, seu patrimnio valia 100 milhes de dlares. Investiu 15 milhes na NeXT e, trs anos depois, o patrimnio da empresa era avaliado em 800 milhes de dlares, e no tinha ainda produzido dois mil computadores. O investimento inicial de Jobs na NeXT vale hoje cerca de 500 milhes, e os 20 milhes de Perot transformaram-se, no mnimo, em 100 milhes. Alguns cticos ainda duvidam de que Jobs capaz de lograr xito fabricando computadores, mas esquecem-se de que ele pode contratar um administrador. Na Apple, queria controlar tudo e, na NeXT, pode fazer o mesmo, ainda que a equipe conte

com um administrador de operaes. E Jobs tem outro s na manga, pois, se no se sair bem com os computadores, o que no parece provvel, pode seguir os passos de H. Ross Perot, que se tornou multibilionrio fabricando sistemas de apoio para o setor de computadores centrais. Os acordos que a NeXT fechou com a IBM e a Canon parecem refletir a influncia de Perot e indicam que Jobs no colocou todos os ovos numa s cesta. Dizem alguns que Jobs ainda amarga ter sido expulso da Apple por John Sculley. Este telefonou-lhe para cumpriment-lo quando do lanamento, mas foi uma conversa dura e breve, a ttulo apenas de cortesia profissional. Jobs diz que a maior lio que aprendeu na Apple foi: Tenha sempre 51 % das aes, pois, assim, ningum poder enxot-lo. O possvel rancor de Jobs por Sculley, contudo, no extensivo Apple. Ainda gosto de saber quando entregam um Mac, diz Jobs. O xito da NeXT vem provando, fora de qualquer dvida razovel, que Jobs um empreendedor inovador capaz de fazer emergir o que h de melhor nas pessoas e de estabelecer novos padres para um ramo de atividade. Por determinao prpria, superou a humilhao pblica e imprimiu seu nome como figura das mais importantes no mundo dos negcios americanos, apagando para sempre o rtulo de milionrio por acaso. FIM

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