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UM DIÁRIO RUSSO

Anna Politkovskaya

1
UM DIÁRIO RUSSO

Prefacio de JON SNOW

Tradução de NIVALDO MONTIGELLI JR.

Sumário

Nota do tradutor da edição em inglês 7


Prefácio de Jon Snow 9
PARTE UM
A morte da democracia parlamentar russa
Dezembro de 2003 a março de 2004 13
PARTE DOIS
A grande depressão política da Rússia
De abril a dezembro de 2004 121
PARTE TRÊS
Nossos invernos e verões de insatisfação
De janeiro a agosto de 2005 225
Será que estou com medo? 350
Glossário 353

2
Nota do tradutor da edição em inglês

Algumas das entradas do diário de Anna incluem comentários


que ela acrescentou posteriormente e estão separadas por um
asterisco centralizado. Os comentários entre parênteses são dela
mesma. Devido a seu assassinato quando a tradução estava
sendo concluída, a edição final teve de prosseguir sem sua
ajuda. As informações acrescentadas pelo tradutor estão entre
colchetes. Um asterisco no texto indica uma entrada no
glossário.

Prefácio

Ler Um diário russo, de Anna Politkovskaya, conhecendo seu


terrível fim - nas mãos de um assassino na escadaria do seu
prédio em Moscou — parece prognosticar que não lhe seria
permitido viver. O que ela revela aqui, e demonstrou em seus
escritos anteriores, são verdades tão contundentes e arrasadoras
sobre o regime do presidente Vladimir Putin, que alguém, mais

3
cedo ou mais tarde, iria matá-la. De certa forma, é um milagre
que ela tenha vivido tanto tempo.
Mais milagroso ainda é o fato de, em meio às reviravoltas pós-
soviéticas, ter surgido uma jornalista que trouxe quase sozinha à
atenção do mundo a escandalosa tragédia da Tchetchênia e
muitos outros crimes da Rússia moderna. O comportamento que
ela expôs e continua a expor neste registro representa uma
grande quantidade de abusos sistêmicos, políticos e dos direitos
humanos. Este é o diário que ela manteve durante o período
entre as eleições parlamentares fraudadas de dezembro de 2003
até o final de 2005 e as conseqüências do cerco à escola de
Beslan.
Ao ler Um diário russo, eu me perguntava para que temos
embaixadas na Rússia. Como foi que nossos líderes ignoraram
tão categoricamente o que sabiam que Putin pretendia? Seria
pela sede de combustível? Pelas riquezas da vergonhosa
liquidação pós-comunista dos ativos do Estado russo e seus
recursos de fabricação, por meio da qual nossas instituições
financeiras tiveram participação na ascensão dos oligarcas
ladrões? Ou teria sido o desejo cego de manter a Rússia "ao
nosso lado", qualquer que fosse o custo para sua população
empobrecida?
Foi para falar com essas pessoas e representá-las que Anna
Politkovskaya viajou enormes distâncias. Os riscos que ela
correu foram assustadores, mas a intensa realidade que ela
mostra é de tirar o fôlego. Depois do atentado a bomba no metrô
de Moscou em 2004, no qual 39 pessoas foram mortas, ela visita
alguns dos lares das vítimas. E descobre que a "causa da morte",
em vários atestados de óbito, está simplesmente riscada —
mesmo na morte, escreve ela, "o Estado russo não consegue

4
deixar de ser desonesto. Nem uma palavra a respeito de
terrorismo".
Graças ao jornalismo de Anna, ela passou a ser um ponto de
referência para as pessoas a quem o Estado fez sofrer. Certa
noite, depois das 23:00, ela recebe um telefonema angustiado da
Inguchétia. "Alguma coisa terrível está acontecendo aqui! E
uma guerra", gritavam mulheres ao telefone. "Ajude-nos! Faça
alguma coisa! Estamos deitadas no chão com nossos filhos!"
Os anos de formação de Anna como jornalista foram vividos
sob o jugo do comunismo. Ela vinha de campanhas radicais
quando, em 1991, a URSS transformou-se na Federação Russa,
liderada pelo presidente Bóris Ieltsin. Á medida que os novos
países da antiga União Soviética começaram a caminhar por
seus próprios pés, irromperam várias guerras internas. Uma das
mais sérias foi a Primeira Guerra Tchetchena (1994-6), quando
rebeldes tchetchenos predominantemente islâmicos tentaram
fundar um Estado independente. Anna foi uma das pessoas cujas
reportagens criaram as circunstâncias que possibilitaram o
acordo de paz e a retirada das tropas russas. De fato, ela
identifica a cessação dessa guerra como à maior realização da
mídia durante os anos relativamente livres do governo Ieltsin.
A chegada de Vladimir Putin ao Kremlin e sua iniciação na
Segunda Guerra Tchetchena, em 1999, elevaram as apostas
militares e também jornalísticas. Aproveitando seu passado no
serviço secreto, Putin tomou medidas para garantir que a mídia
não conseguisse embaraçá-lo com reportagens das brutais
atividades da Rússia na Tchetchênia. Anna visitou a
Tchetchênia em mais de cinqüenta ocasiões. O jornal para o
qual ela trabalhava, o Novaya gazeta, permaneceu como uma
das poucas publicações que não se curvavam à pressão do
Kremlin para reduzir ou moderar sua cobertura.
5
Em 2002, Putin estava usando ao máximo a "guerra ao terror"
de Bush-Blair como cobertura para a tomada de posição de
Moscou na Tchetchênia. Anna ficou cada vez mais isolada. Ela
reportou as mortes, os sequestros, estupros, as torturas e os
desaparecimentos extrajudiciais que caracterizavam os métodos
das forças russas na sua luta para conter a Guerra Tchetchena.
Cada vez mais, Anna sentia - e escrevia publicamente - que a
política de Putin alimentava ativamente os mesmos terroristas
que supostamente deveria derrotar. Visível nesses relatos era sua
profunda convicção de que o caminho de Putin à presidência foi
construído em torno do conflito tchetcheno e dele dependia. Ela
até estabelece ligações entre algumas das práticas específicas de
tortura que descobriu na Tchetchênia e aquelas enaltecidas pela
KGB e seu sucessor, o FSB, em seus manuais de treinamento.
O relato de Anna sobre a reeleição de Putin em 2003 é sur-
preendente, tanto pela bravura da autora quanto pelos fatos
revelados. O desaparecimento de Ivan Ribkin, um dos
candidatos que desafiavam Putin, poderia parecer ficção se não
fosse tão sério. Depois de desaparecer de Moscou, onde disse ter
sido drogado, Ribkin reaparece em Londres. Como observa
Anna, "um candidato presidencial que foge é inédito em nossa
história”. Mas ela tem certeza de que foi a cultura política
engendrada pelos partidários de Putin que levou a este estado de
coisas.
Pouco depois da eleição, um jovem advogado ativista, Stanislav
Markelov, é espancado por cinco jovens no metrô de Moscou.
Anna os descreve gritando para ele: "Você fez discursos
demais!... Estava pedindo por isto." Aquele era um prenúncio da
sujeira que estava por vir. Como registrou Anna, é desnecessário
dizer que a polícia recusou-se a abrir um processo criminal e

6
ainda não sabemos quem atacou Markelov, nem quem deu a
ordem.
Em setembro de 2004, Anna foi vítima de um veneno colocado
numa xícara de chá a bordo do avião que a levava até Rostov.
Ela estava a caminho do cerco à escola de Beslan. Desse ponto
em diante, a combinação do seu isolamento com a crescente
pressão das "autoridades" levou Anna para além das
reportagens, para campanhas e lutas pelos direitos das pessoas
que, para ela, eram vítimas da política do Kremlin.
Durante o cerco ao teatro em Moscou, em outubro de 2002,
Anna havia assumido papel ativo como intermediária entre as
autoridades e os seqüestradores. Sua intenção era de fazer o
mesmo em Beslan. E neste ponto que alguns jornalistas
poderiam julgar que ela havia cruzado o Rubicão entre repórter
objetiva e guerrilheira. Mas a Rússia vivia um estado de
evolução pós-comunista, se não revolução. Anna via o respeito
pelos direitos humanos como o Rubicão. Como o regime Putin
— para ela - estava comprometido com o total desrespeito pelos
direitos humanos naTchetchênia, ela achava que não tinha
alternativa a não ser opor-se a ele.
Porém, Anna será julgada pelo conjunto da sua obra. Que inclui
este livro extraordinário. Nele, como em todos os seus escritos,
brilha seu incansável compromisso com a obtenção da verdade,
mas também são visíveis os riscos possivelmente fatais que ela
correu para fazer suas reportagens.
Para os muitos de nós que continuam a aspirar aos mais altos
padrões de jornalismo, Anna Politkovskaya permanecerá um
farol brilhando forte, uma referência pela qual integridade,
coragem e comprometimento serão medidos. Quem a conheceu
ao longo dos anos pode atestar que ela nunca permitiu que seus

7
pés deixassem o chão, nunca desejou fama ou celebridade. Ela
permaneceu modesta e despretensiosa até o fim.
Quem matou Anna e quem está além dele não sabemos. Seu
assassinato roubou, de muitos de nós, fontes de informações e
contatos absolutamente vitais. Contudo, ele pode ao menos ter
ajudado a preparar o caminho para o desmascaramento das
forças sombrias que estão no centro do atual regime russo.
Devo confessar que acabei de ler Um diário russo sentindo que
ele deveria ser jogado do ar em enormes quantidades por todo o
território da Mãe Rússia, para que todo o seu povo o lesse.
* Jon Snow é jornalista, foi correspondente internacional e é
âncora do telejornal inglês Chanel 4 News, produzido pela ITN
(Independent Television News). Ao longo de sua carreira,
recebeu conco ptêmios da Royal Television Society.

PARTE UM

A morte da democracia parlamentar russa

8
Dezembro de 2003 a março de 2004

Como Putin conseguiu ser reeleito?

De acordo com o censo de outubro de 2002, há 145,2 milhões de


pessoas vivendo na Rússia, tornando-a o sétimo país mais populo-
so do mundo. Apenas pouco menos de 116 milhões de pessoas,
79,8% da população, descrevem-se como etnicamente russas.
Temos um eleitorado de 109 milhões de pessoas.

7 de dezembro de 2003
Dia das eleições parlamentares à Duma.* o dia em que Putin* ini-
ciou sua campanha para a reeleição como presidente. Pela manhã,
ele falou aos povos da Rússia em um distrito eleitoral. Estava
alegre e um pouco nervoso. Aquilo era incomum: em geral ele é
mal-humorado. Com um sorriso largo, informou às pessoas à sua
volta que sua amada cadela labrador, Connie, havia tido filhotes
naquela noite. "Vladimir Vladimirovitch estava muito
preocupado", disse a sra. Putin atrás dele. "Estamos com pressa de
voltar para casa", acrescentou ela, ansiosa para voltar à cadela
9
cujo senso de oportunidade político havia dado aquele presente ao
partido da Rússia Unida.
Na mesma manhã, em Iessentuki, um pequeno hotel no norte do
Cáucaso, as 13 primeiras vítimas de um ataque terrorista a um
trem local estavam sendo enterradas. O ataque foi perpetrado ao
trem da manhã, conhecido como trem dos estudantes, e os jovens
estavam a caminho da escola.
Quando, depois de votar, Putin voltou-se para os jornalistas,
parecia que certamente iria expressar suas condolências às
famílias dos mortos. Talvez até pedir desculpas pelo fato de o
governo ter mais uma vez fracassado na proteção dos seus
cidadãos. Em vez disso, ele lhes contou como estava satisfeito
com os novos filhotes da labrador.
Meus amigos me telefonaram. "Desta vez ele meteu os pés pelas
mãos. Agora os russos nunca votarão no partido da Rússia Unida."
Porém, por volta da meia-noite, quando começaram a chegar os
resultados, inicialmente do Extremo Oriente, depois da Sibéria,
dos Urais e assim por diante, de leste para oeste, muitos ficaram
em estado de choque. Todos os meus amigos e conhecidos que
eram partidários da democracia estavam novamente ligando uns
para os outros e dizendo: "Não pode ser verdade. Nós votamos em
Iavlinski; entretanto... Alguns haviam votado em Khakamada."
Pela manhã, não havia mais incredulidade. A Rússia, rejeitando as
mentiras e a arrogância dos democratas, havia se rendido silen-
ciosamente a Putin. A maioria tinha votado no partido da Rússia
Unida (RU), um fantasma cujo único programa político era apoiar
Putin. O partido reunira os burocratas russos em torno da sua ban-
deira - todos os antigos funcionários do Partido Comunista
Soviético e da Liga Comunista Jovem, agora empregados por inú-
meros órgãos governamentais — e eles haviam, em conjunto,
alocado enormes quantias para promover suas farsas eleitorais.
10
Relatórios que recebemos das regiões mostram como isso foi
feito. Perto de um distrito eleitoral em Saratov, uma senhora
estava distribuindo vodca de graça a uma mesa com uma bandeira
com os dizeres "Vote em Tretiak", o candidato do RU. Tretiak
venceu. Os deputados da Duma de toda a província foram
derrotados por candidatos do partido da Rússia Unida, com
exceção de uns poucos que haviam entrado para o partido pouco
antes das eleições. A campanha eleitoral em Saratov foi marcada
pela violência, em que candidatos não aprovados pelo Rússia
Unida eram espancados por "assaltantes não identificados",
optando por deixar a disputa. Um deles, que continuou a
campanha contra um proeminente candidato do RU, por duas
vezes teve sacos plásticos com partes de corpos atirados por sua
janela: duas orelhas e um coração. A comissão eleitoral da
província dispunha de uma linha telefônica para receber denúncias
de irregularidades durante a campanha e a eleição, mas 80% das
chamadas eram simplesmente tentativas de chantagear as
empresas locais de serviços públicos. Havia quem ameaçasse não
votar, a menos que os vazamentos em seus encanamentos fossem
reparados ou seus radiadores consertados. Isto funcionou muito
bem. Os habitantes dos distritos de Zavod e Lenin conseguiram o
conserto de suas instalações de aquecimento e água. Várias aldeias
no distrito de Atkar finalmente tiveram sua eletricidade e seus
telefones religados depois de vários anos de espera. As pessoas
foram seduzidas. Mais de 60% do eleitorado da cidade votou e na
província o número foi 53%. Mais que suficiente para validar as
eleições.
Uma das observadoras dos democratas em um distrito eleitoral em
Arkadak viu pessoas votando duas vezes, uma vez na cabine e
uma segunda preenchendo uma cédula sob a orientação do presi-

11
dente da comissão eleitoral local. Ela correu para ligar o telefone
de denúncia, mas foi puxada pelos cabelos para longe do aparelho.
ViatcheslavVolodin, um dos principais funcionários do RU em
Balakov, venceu por ampla margem, com 82,9% dos votos; uma
vitória sem precedentes para um político destituído de carisma,
renomado somente por seus discursos incoerentes na televisão em
apoio a Putin. Ele não havia anunciado nenhuma política específi-
ca para promover os interesses da população local. Em toda a pro-
víncia de Saratov, o RU teve 48,2% dos votos, sem necessidade de
publicar ou defender um manifesto. Os comunistas tiveram
15,7%, os liberais democratas.* (o partido de Vladimir Jirinovski)
8,9%, o partido nacionalista Rodina (Terra Natal) * 8,9%. O único
embaraço foi que mais de 10% dos votos foram para "Nenhum
dos nomes anteriores". Um décimo dos eleitores tinha ido até o
distrito eleitoral, bebido a vodca e dito a todos que fossem para o
inferno.
De acordo com os números da Comissão Eleitoral Nacional,
naTchetchênia, um território sob total controle militar, foram apu-
rados votos em número 10% superior ao número de eleitores.
São Petersburgo manteve sua fama de cidade mais progressista e
com maior tendência democrática da Rússia. Porém, até mesmo lá
o RU obteve 31% dos votos e o Rodina, cerca de 14%. A União
de Forças de Direita* e o partido Iabloko* (Maçã) tiveram somen-
te 9% cada; os comunistas, 8,5%, e os liberais democratas, 8%. Os
candidatos independentes Irina Khakamada, Alexander Golov,
Igor Artemiev e Grigori Tomtchin, democratas e liberais
conhecidos em toda a Rússia, sofreram uma ignominiosa derrota.
Por quê? As autoridades estatais estão esfregando as mãos de
alegria, dizendo que "os democratas só podem culpar a si
mesmos" por ter perdido sua ligação com o povo. As autoridades
supõem que agora têm o povo do seu lado.
12
Aqui estão alguns resumos de trabalhos escritos por alunos da
escola de São Petersburgo sobre os temas "Como minha família
vê as eleições" e "A eleição de uma nova Duma ajudará o
presidente em seu trabalho?"
Minha família desistiu de votar. Eles não acreditam mais em
eleições. Elas não vão ajudar o presidente. Todos os políticos
prometem tornar a vida melhor, mas infelizmente... Eu gostaria de
mais honestidade...
As eleições são uma besteira. Não importa quem é eleito para a
Duma, porque nada muda, porque não elegemos pessoas que irão
melhorar as coisas no país, mas pessoas que roubam. Essas
eleições não vão ajudar a ninguém — nem o presidente, nem os
mortais comuns.
Nosso governo é simplesmente ridículo. Eu gostaria que as
pessoas não fossem tão loucas por dinheiro, que houvesse pelo
menos algum sinal de princípios morais em nosso governo e que
eles enganassem as pessoas o mínimo possível. O governo é o
servidor do povo. Nós o elegemos, e não o contrário. Para falar a
verdade, não sei por que nos pediram para escrever esta redação.
Só interrompeu nossas aulas. De qualquer maneira, o governo não
vai ler.
Como minha família vê as eleições? Eles não estão interessados
nelas. Todas as leis que a Duma aprovou foram sem sentido e
nada fizeram de útil para o povo. Se tudo isto não é para o povo,
para quem é?
As eleições irão ajudar? É uma pergunta interessante. Teremos de
esperar e ver. É muito provável que elas não ajudem em nada. Não
sou político, não tenho a educação necessária para isso, mas o
principal é que precisamos combater a corrupção. Enquanto
13
tivermos bandidos nas instituições estatais do país, a vida não vai
melhorar. Sabe o que está acontecendo agora no exército? Só uma
intimidação interminável. Se no passado as pessoas costumavam
dizer que o exército transformava garotos em homens, hoje ele os
transforma em deficientes. Meu pai diz que se recusa a permitir
que seu filho vá para um exército como esse. "Para meu filho ser
um aleijado depois do exército, ou ainda pior - para morrer numa
trincheira na Tchetchênia, lutando sem um motivo claro, para que
alguém possa ganhar poder sobre a república?" Enquanto o atual
governo estiver no poder, não vejo saída para a presente situação.
Não agradeço a eles por minha infância infeliz.
Parecem idéias de idosos, não dos futuros cidadãos da Nova
Rússia. Aqui está o custo real do cinismo político - a rejeição pela
geração mais nova.

8 de dezembro
Pela manhã, enfim fica claro que, embora a ala esquerda tenha
mais ou menos sobrevivido, a "ala direita" liberal e democrata foi
derrotada. O partido labloko e o próprio Grigori Iavlinski não
conseguiram chegar à Duma, nem a União de Forças de Direita
com Bóris Nemtsov* e Irina Khakamada, nem nenhum dos
candidatos independentes. Hoje não há no Parlamento russo quase
ninguém capaz de defender os ideais democráticos e fazer uma
oposição construtiva e inteligente ao Kremlin.
Mas o pior não é o triunfo do RU. Lá pelo fim do dia, com quase
todos os votos contados, fica evidente que, pela primeira vez
desde o colapso da URSS, a Rússia favoreceu particularmente os
nacionalistas radicais, que prometeram aos eleitores que iriam
enforcar todos os "inimigos da Rússia”.

14
E claro que isto é terrível, mas talvez seja o que se deve esperar
num país onde 40% da população vivem abaixo até mesmo da
nossa medonha linha de pobreza oficial. Estava claro que os
democratas não tinham interesse em estabelecer contato com esse
segmento da população. Eles preferiram se concentrar nos ricos e
nos membros da emergente classe média, defendendo a
propriedade privada e os interesses dos novos proprietários de
imóveis. Os pobres não possuem propriedades e assim os
democratas os ignoraram. Os nacionalistas não.
Como era de se esperar, esse segmento do eleitorado afastou- se
dos democratas, ao passo que os novos proprietários trocaram
Iabloko e a União de Forças de Direita pelo RU tão logo
perceberam que Iavlinski, Nemtsov e Khakamada pareciam estar
perdendc influência junto ao Kremlin. Os ricos fugiram para onde
havia uma concentração dos funcionários públicos, sem os quais
as empresas russas que em sua maioria são corruptas e apóiam e
alimentam a corrupção oficial, não podem prosperar.
Pouco antes dessas eleições, os altos representantes do RU diziam
abertamente: "Temos muito dinheiro! As empresas doaram tanto
que não sabemos o que fazer com ele!" Eles não estavam se
vangloriando. Tratava-se de suborno, que significava: "Não se
esqueçam de nós depois das eleições, está bem?" Em um país
corrupto as empresas são até mais inescrupulosas do que nos
países, onde a corrupção ao menos foi reduzida a um nível
tolerável e não socialmente aceitável.
Que outra necessidade tinham eles do Iavlinski ou da União de
Forças de Direita? Para nossos novos-ricos, liberdade nada tem a
ver com partidos políticos. Liberdade é a liberdade para tirar
ótimas férias Quanto mais ricos ficam, maior a freqüência com a
qual podem voar para longe e não para Antalia na Turquia, mas
para o Taiti ou Acapulco. Para a maioria deles, liberdade equivale
15
a acesso ao luxo. Eles acham mais conveniente não fazer lobby
por seus interesses por intermédio dos partidos e movimentos pró-
Kremlin, cuja maioria simplesmente é corrupta. Para esses
partidos, cada problema tem seu preço; você paga o dinheiro e
consegue a legislação de que necessita ou a questão é levada por
um deputado da Duma ao Gabinete do Procurador-geral. As
pessoas até começaram a falar de “denúncias de deputados". Hoje
em dia, esse é um meio eficaz para tirar seus concorrentes dos
negócios.
A corrupção também explica o crescimento do chauvinista Partido
Liberal Democrata, liderado por Jirinovski. Esta é uma oposição"
populista, que, na realidade, não é uma oposição porque apesar de
sua propensão a explosões histéricas sobre todos os tipos de
questões, sempre apóa a linha do Kremlin. O partido recebe
doações substanciais das nossas completamente cínicas e
apolíticas empresas de porte médio por defender interesses
privados no Kremlin e territórios adjacentes como o Gabinete do
Procurador-geral, o Ministério do Interior, o Escritório Federal de
Segurança, o Ministério da Justiça e os tribunais. Eles usam a
técnica das denúncias de deputados.
Foi assim que Jirinovski entrou na Duma nas duas últimas elei-
ções. Agora ele tem invejáveis 38 assentos.
O partido Rodina é outra organização chauvinista, liderada por
Dimitri Rogozin* e criada pelos doutores do Kremlin especi-
ficamente para esta eleição. O objetivo era tirar os eleitores mode-
radamente nacionalistas dos Bolcheviques Nacionais, mais extre-
mistas. O Rodina também se saiu bem, com 37 assentos.
*
Em termos ideológicos, a nova Duma era orientada para o tradi-
cionalismo russo e não para o Ocidente. Todos os candidatos pró-
Putin haviam forçado rigidamente esta linha. O R corajou a visão
16
de que o povo russo tinha sido humilhado pelo Ocidente, com
propaganda abertamente antiocidental e anticapitalista. Na
lavagem cerebral anterior às eleições, não havia nenhuma menção
a "trabalho árduo", "concorrência" ou "iniciativa", exceto em con-
textos pejorativos. Por outro lado, falava-se muito em "tradições
nativas russas".
O eleitorado recebeu uma variedade de patriotismo para todos os
gostos. O Rodina ofereceu um patriotismo heróico; o RU,
patriotismo moderado, e o Partido Liberal Democrata, o
chauvinismo absoluto. Todos os candidatos favoráveis a Putin
fizeram grandes demonstrações de oração e persignação sempre
que localizavam uma camera de televisão, beijando a Cruz e as
mãos dos sacerdotes ortodoxos.
Tudo aquilo era risível, mas as pessoas gostaram. Os partidos
favoráveis a Putin tinham agora a maioria absoluta na Duma. O
RU, partido criado pelo Kremlin, conseguiu 212 assentos. Outros
65 "independentes" também eram pró-Kremlin, para todos os efei-
tos. O resultado foi o advento de um sistema de um partido e
meio, um grande partido do governo e vários pequenos partidos de
orientação similar.
Os democratas falavam muito da importância da criação de um
autêntico sistema pluripartidário na Rússia. Foi um assunto pelo
qual Ieltsin tinha interesse pessoal, mas agora tudo aquilo estava
perdido. A nova configuração da Duma excluía a possibilidade de
fortes discordâncias.
Pouco depois das eleições, Putin chegou ao ponto de nos informar
que o Parlamento não era um lugar para debates, mas para limpeza
legislativa. Ele estava gostando do fato de a nova Duma não ser
dada a debates.
Os comunistas, como partido, obtiveram 41 assentos, além de 12
por intermédio de comunistas individuais independentes. Sofro em
17
dizer que hoje os deputados comunistas são as vozes mais
moderadas e sensatas na Quarta Duma. Eles foram derrubados há
somente 12 anos, contudo, no final de 2003, já haviam sido
transfigurados na grande esperança branca dos democratas russos.
Nos meses que se seguiram, a aritmética na Duma mudou um
pouco, com deputados migrando de um partido para outro. Tudo
que a administração presidencial queria que fosse aprovado era
aprovado pela maioria dos votos. Embora em dezembro de 2003 o
RU não houvesse obtido uma maioria suficiente para mudar a
Constituição (essas mudanças exigem 301 votos), isto não chegou
a ser um problema. Em termos práticos, o Kremlin "planejou"
uma maioria constitucional. Escolhi a palavra com cuidado. As
eleições foram cuidadosamente planejadas e executadas. Foram
realizadas com numerosas violações à legislação eleitoral e, neste
aspecto, foram forjadas. Não havia nenhuma possibilidade de se
questionar legalmente qualquer aspecto delas, porque os
burocratas já haviam assumido o controle do judiciário. Não
houve uma única sentença contra os resultados por qualquer
instituição judicial, da Suprema Corte para baixo, por mais
inequívocas que fossem as evidências. Esta sanção judicial da
Grande Mentira foi justificada "para evitar desestabilizar a
situação do país".
Os recursos administrativos do Estado entraram em ação nessas
eleições exatamente da mesma forma com que entravam no perío-
do soviético. Isto também foi verdade nas eleições de 1996 e
2000, para garantir a eleição e Ieltsin, embora ele estivesse velho e
decrépito. Desta vez, porém, nada deteve a administração
presidencial. Os funcionários se uniram ao RU com o mesmo
entusiasmo que tinham com o Partido Comunista da União
Soviética (PCUS). Putin reviveu o sistema soviético como nem
Gorbatchov ou Ieltsin haviam feito. Sua realização única foi o
18
estabelecimento do RU, para regozijo dos funcionários públicos
satisfeitíssimos por se tornarem membros do novo PCUS. Eles
haviam sentido a falta do Big Brother, que sempre pensava por
eles.
Porém, o eleitorado russo também estava sentindo falta do Big
Brother, pois não ouvira palavras de conforto por parte dos demo-
cratas. Não houve protestos. Os slogans eleitorais do RU foram
roubados dos comunistas e falavam de ricos sanguessugas
roubando nossa riqueza nacional e nos deixando em andrajos. Os
slogans se mostraram tão populares precisamente porque agora
não eram os comunistas que os estavam proclamando.
Também deve ser dito que, em 2003, pelos esforços dos membros
do RU, a maioria dos nossos cidadãos apoiou sinceramente a
prisão do oligarca Mikhail Khodorkovski,* dirigente da empresa
de petróleo Iukos. Conseqüentemente, embora a manipulação dos
recursos administrativos do Estado para fins políticos fosse um
abuso, os políticos tinham apoio do público. Era apenas uma ques-
tão de o governo não deixar nada ao acaso.

8 de dezembro
Logo cedo os analistas políticos se reuniram no programa Livre
Debate para discutir os resultados à medida que chegassem. Eles
estavam tensos. Igor Bunin falou de uma crise do liberalismo
russo, de como o caso da Iukos havia subitamente provocado uma
onda de sentimento antioligárquico durante a campanha. Eles
falaram do ódio que havia se acumulado no coração de muitas
pessoas, "especialmente pessoas decentes que não podiam apoiar
Jirinovski", e do fato de o eclético RU ter conseguido unir todos,
dos mais liberais aos mais reacionários. Ele previu que o
presidente não iria aceitar os liberais na elite dirigente.
19
No mesmo programa, Viatcheslav Nikonov, neto de Molotov,
sugeriu que os jovens não haviam votado e que esta seria a princi-
pal razão para a derrota dos democratas. "Ivan, o Terrível e Stalin
são mais do gosto do povo russo."
O programa continuou à tarde. O clima era funéreo, com a
sensação de uma tempestade iminente. Aqueles que estavam no
estúdio pareciam mais inclinados a pedir abrigo do que a lutar.
Georgi Satarov, ex-conselheiro do presidente Ieltsin, insistia que o
resultado fora decidido pelo “voto nostálgico" das pessoas
saudosas da URSS. Os democratas entraram com muito
estardalhaço. O escritor Vasili Aksionov reclamou que os liberais
haviam deixado de explorar a ilegalidade do caso da Iukos. Ele
tinha razão. Os democratas deixaram de assumir uma posição,
para um lado ou para o outro, sobre a questão do tratamento dado
a Khodorkovski.

O Livre Debate logo foi tirado do ar pela NTV, sobre o que Putin
comentou: "Quem precisa de um programa para políticos perde-
dores?" Sem dúvida ele se referia a Iavlinski, Nemtsov e outros
liberais e democratas derrotados.
Viatcheslav Nikonov iria se transformar, poucos meses depois, em
partidário ferrenho de Putin. Haveria muitas conversões entre os
analistas políticos.
Assim, para onde iríamos? Nossas liberdades nos foram conce-
didas de cima para baixo e os democratas continuaram a correr ao
Kremlin em busca de garantias de que não seriam eliminados,
aceitando de fato o direito do Estado de regular o liberalismo. Eles
continuaram a ceder terreno e agora não tinham para onde correr.
Em 25 de novembro, 13 dias antes das eleições, vários de nós
jornalistas haviam conversado por cerca de cinco horas com
20
Grigori Iavlinski, do partido Iabloko. Ele parecia muito calmo e
confiante, quase arrogante, de que conseguiria se eleger para a
Duma. Suspeitamos de que algum pacto tinha sido fechado com a
Administração Presidencial; a provisão de recursos
administrativos para apoiar o Iabloko em troca do "enterro" de
várias questões durante a campanha. Para mim e para muitos
outros que costumavam votar no Iabloko, aquilo deu arrepios.
Iavlinski não tinha tempo para a idéia de uma aliança entre o
Iabloko e a União de Forças de Direita.
"Acho que a União de Forças de Direita teve enorme importância
na solução da guerra na Tchetchênia. Era o único partido que
poderia, de algum modo, ser descrito como democrático e a favor
da sociedade civil; contudo, eles preferiram dizer que o Exército
Russo estava renascendo na Tchetchênia e que qualquer pessoa
que pensasse de outra forma seria um traidor que estava
esfaqueando pelas costas as tropas russas."
"Com quem então o Iabloko pode se unir contra a guerra na
Tchetchênia?"
"Agora? Não sei. Se a União de Forças de Direita admitisse que
estava errada, poderíamos discutir a possibilidade de uma aliança
com ela. Mas, enquanto Nemtsov fingir ser uma pomba da paz e
Tchubais* estiver falando do ideal liberal, você terá de me descul-
par, mas não estou preparado para discutir essa possibilidade.
Com quem mais poderíamos nos unir, eu não sei."
"Mas não foi a União de Forças de Direita que iniciou a segunda
Guerra na Tchetchênia?"
"Não, foi Putin, mas a União o apoiou como candidato à
Presidência e, incidentalmente, legitimou-o como líder guerreiro
aos olhos da elite intelectual e de toda a classe média."
"O senhor está em luta contra a União de Forças de Direita. Não
quer uma aliança com ela, mas fez várias concessões ao presidente
21
e seu gabinete para obter algum apoio administrativo para sua
campanha. No meu entender, e tem havido muitos boatos a este
respeito, a guerra na Tchetchênia é precisamente a concessão em
questão. O senhor concordou em não fazer muito barulho a
respeito da questão tchetchena e, em troca, garantiram-lhe a por-
centagem de votos necessária à sua eleição para a Duma."
"Não confie em boatos. Esta é uma abordagem completamente
errada. Também há boatos sobre seu próprio jornal. Nenhum
jornal pode escrever a respeito da Tchetchênia, mas o seu não foi
fechado por fazê-lo. O boato é que eles lhe dão esse espaço para
que possam ir a Estrasburgo e sacudir seu jornal para mostrar que
temos uma imprensa livre. Vejam o que está sendo escrito sobre a
Tchetchênia na Novaya gazeta Não creio, nem por um momento,
que as coisas sejam realmente assim..."
"Mesmo assim, dê uma resposta direta, por favor."
"Eu nunca fechei nenhum acordo deste gênero, nem concordei em
fazer concessões. Isto está fora de questão."
"Mas o senhor teve conversações com o governo?"
"Não, nunca. Eles falaram de nos dar dinheiro em setembro de
1999."
"De onde vinha aquele dinheiro?"
"Não chegamos a esse tipo de detalhe, porque eu disse que aquilo
era inaceitável. Eu disse que não era contra Putin - só o conhecia
de vista -, mas dizer que eu endossaria tudo o que ele iria fazer
com seis meses de antecedência era impossível. A resposta que
me deram foi: “Então, neste caso, também não podemos chegar a
um acordo com você.” Mais tarde, depois das eleições, quando os
líderes dos partidos foram convidados ao Kremlin e receberam
lugares de acordo com sua porcentagem da votação, um dos
convidados mais bem colocado disse: “E você poderia estar

22
sentado aqui...” Eu respondi: “Bem, é assim que as coisas são.
“Desta vez eles nem ofereceram."
"Quando o senhor falou com Putin pela última vez?"
"Em 11de julho, a respeito do caso de Khodorkovski e as buscas
na Iukos."
"A seu pedido?"
"Sim. Eles reuniram todo o Conselho de Estado e os líderes dos
partidos políticos no Kremlin para discutir programas econômicos
etc. A reunião terminou às dez e meia da noite e eu disse a Putin
que precisava falar urgentemente com ele. Às onze e meia,
encontrei-me com ele na sua casa. Discutimos vários problemas,
mas o principal foi Khodorkovski."
"O senhor compreendeu que Khodorkovski seria preso?"
"Não havia como saber com antecedência, mas estava claro que o
caso era levado muito a sério. Percebi que algo de ruim iria
acontecer a Khodorkovski quando o Financial Times de Londres
publicou um enorme artigo com fotos de Khodorkovski, Mikhail
Fridman* e Roman Abramovitch, sob uma grande manchete, coisa
que o jornal normalmente não faz. A matéria dizia que aqueles
oligarcas estavam transferindo suas riquezas para o Ocidente e se
preparando para vender tudo lá. Havia citações de Fridman,
dizendo que era impossível criar empresas modernas na Rússia,
que, apesar de eles serem realmente gerentes muito bons, não
havia como, em meio a toda a corrupção, criar empresas
adequadas em nosso país."
"O senhor já aceitou o fato de que Putin vencerá uma segunda
eleição?"
"Mesmo que eu não aceite, ele o fará."
"Como o senhor avalia realisticamente suas chances?"
"Como vou saber? Nossa pesquisa nos diz que temos oito ou nove
por cento, mas estamos falando de eleições em que os votos são
23
somados aqui, somados ali, e eles chamam isso de ‘democracia
administrada’. As pessoas simplesmente desistem."
"Tenho a impressão de que o senhor também está desistindo.
Afinal, o povo da Geórgia rejeitou os resultados de eleições
fraudadas e utilizou métodos extraparlamentares para alterar a
situação. O senhor deveria fazer o mesmo? Todos nós
deveríamos? Está preparado para recorrer a métodos
extraparlamentares?"
"Não, não tomarei esse caminho, porque sei que na Rússia isso
terminaria em derramamento de sangue e não o meu."
"E quanto aos comunistas? Acha que poderão ir às ruas?"
"Todos estão recebendo gradualmente a informação de que
receberão entre 12 e 13%. Isto já se tornou pensamento
convencional. Não descarto essa possibilidade, porque
politicamente Putin os tem enganado com sucesso. O RU
dificilmente irá às ruas porque recebeu 35% e não 38 e não há
outros partidos de massa. Eles simplesmente não existem. Depois
de 1996, a formação de uma oposição política na Rússia tornou-se
uma impossibilidade prática. Em primeiro lugar, carecemos de um
judiciário independente. Uma oposição precisa poder apelar para
um sistema judiciário independente. Em segundo, carecemos de
mídia de massa independente. E claro que me refiro à televisão e
principalmente aos canais Um e Dois. Em terceiro lugar, não há
fontes independentes de financiamento para nada de substancial.
Na ausência desses três fundamentos, é impossível criar uma
oposição política viável na Rússia."
"Hoje não existe democracia na Rússia, porque democracia sem
oposição é impossível. Todos os pré-requisitos para uma oposição
política foram destruídos quando Ieltsin derrotou os comunistas
em 1996 e em grande parte nós permitimos que eles fossem

24
destruídos. Hoje não existe nem mesmo a possibilidade teórica de
uma manifestação em qualquer parte da Rússia.
"Uma peculiaridade do atual regime é que ele não esmaga
brutalmente a oposição, como se fazia na era do totalitarismo.
Naquela época, o sistema simplesmente destruiu as instituições
democráticas. Hoje, as autoridades do Estado estão adaptando
todas as instituições civis e públicas aos seus propósitos. Se
alguém tenta resistir, é simplesmente substituído. Caso a pessoa
não queira ser substituída, é melhor que tome cuidado. Noventa e
cinco por cento de todos os problemas são resolvidos usando essas
técnicas de adaptação ou substituição. Se não gostamos do
Sindicato dos Jornalistas, criaremos o Mediasoiuz. Se não
gostamos da NTV com este proprietário, nós a reinventaremos
com um proprietário diferente.
"Se eles começarem a demonstrar um interesse indesejado pelo
seu jornal, sei perfeitamente o que acontecerá. Eles começam
comprando seu pessoal, criam uma rebelião interna. Isso não
acontece rapidamente, você tem uma boa equipe, mas
gradualmente, usando dinheiro e outros métodos, convidando as
pessoas para virem para mais perto do poder, apertando os
parafusos, acomodando, tudo começa a se desmanchar. Foi o que
fizeram com a NTV. Gleb Pavlovski declarou abertamente que
eles haviam assassinado a política pública. Era verdade. As
autoridades também deliberadamente criam pares, de forma que
todos possam ser trocados. O Rodina pode assumir os comunistas,
a União de Forças de Direita pode assumir o Iabloko; o Partido do
Povo pode assumir o RU."
"Mas, se eles estão dispostos a usar todos esses truques, do que
têm medo?"

25
"De mudanças. As autoridades do Estado agem de acordo com
seus interesses corporativos. Não querem perder poder. Isso as
colocaria numa situação muito perigosa e elas sabem disso."
Iavlinski não conseguiu se eleger para a Duma.
Estávamos vendo uma crise da democracia parlamentar russa na
era Putin? Não, estávamos testemunhando sua morte. Em primeiro
lugar, como colocou com precisão Lilia Chevtsova, nossa melhor
analista política, os ramos legislativo e executivo do governo
tinham se fundido e isto havia significado o renascimento do
sistema soviético. Em conseqüência desse fato, a Duma era pura-
mente decorativa, um fórum para aprovação das decisões de Putin.
Em segundo lugar - e é por isso que este foi o fim e não mera-
mente uma crise -, o povo russo deu seu consentimento. Ninguém
se levantou. Não houve manifestações, protestos em massa, nem
atos de desobediência civil. O eleitorado aceitou o embuste e con-
cordou em viver, não apenas sem Iavlinski, mas sem democracia.
Concordou em ser tratado como um idiota. De acordo com uma
pesquisa de opinião oficial, 12% dos russos pensavam que os
representantes do RU se saíram melhor nos debates anteriores às
eleições pela televisão. Isto apesar do fato de os representantes do
RU terem se recusado terminantemente a participar de qualquer
debate pela televisão. Eles nada tinham a dizer, a não ser que seus
atos falavam por eles. Como observou Aksionov, “0 grosso do
eleitorado disse: “Vamos deixar as coisas como estão.”
Em outras palavras, voltemos à URSS — meio retocada, polida,
modernizada, mas a boa e velha União Soviética, agora com o
capitalismo burocrático onde o funcionário público é o principal
oligarca, muito mais rico do que qualquer proprietário de terras ou
capitalista.
O corolário foi que, se voltássemos à URSS, Putin iria claramente
vencer em março de 2004. Esta era uma conclusão obrigatória. A
26
administração presidencial concordou e perdeu todo o senso de
vergonha. Nos meses que se seguiram até 14 de março de 2004,
quando Putin de fato foi eleito, os limites dentro do Estado
desapareceram e a única restrição era a consciência do presidente.
Infelizmente, a natureza humana e a natureza da sua profissão
anterior indicavam que isto não era o bastante.

9 de dezembro
Às 10:53 de hoje uma mulher-bomba suicida explodiu a si mesma
diante do Nationale Hotel em Moscou, no outro lado da praça
onde está a Duma e a 145 metros do Kremlin. "Onde fica a Du-
ma?”, perguntou ela a um transeunte antes de explodir. Durante
muito tempo, a cabeça de um turista chinês que estivera ao lado
dela ficou no asfalto, sem o corpo. As pessoas gritavam por ajuda,
mas, embora não haja carência de policiais nessa área, eles só se
aproximaram do local da explosão 20 minutos depois, temendo
outra explosão. Meia hora depois do incidente, chegaram as
ambulâncias. E a polícia fechou a rua.

10 de dezembro
Há poucos comentários sobre o incidente terrorista ou sobre por
que esses atos ocorrem.
A Câmara Alta da Rússia, o Soviet da Federação, anunciou a data
da posse de Putin para o segundo mandato. Ele imediatamente
acelera suas atividades, usando todos os tipos de aniversários e
datas especiais para se apresentar, ao país e ao mundo, como o
maior perito da Rússia em qualquer coisa que esteja sendo
comemorada. No Dia do Criador de Gado, ele é nosso mais ilustre
27
criador de gado, no Dia dos Construtores, nosso primeiro
empreiteiro. É bizarro, é claro, mas Stalin fazia o mesmo jogo.
Hoje é o Dia Internacional dos Direitos Humanos e Putin con-
vocou nossos quatro mais destacados defensores dos direitos
humanos (selecionados por ele) ao Kremlin para uma reunião da
Comissão Presidencial dos Direitos Humanos. Começou às 18:00
e foi presidida por Ella Parnfilova,*, uma democrata da era de
Ieltsin.
O pediatra dr. Leonid Rochal falou por um minuto a respeito de
quanto ama o presidente; Liudmila Alexeieva, do Moscow
Helsinki Group, falou por cinco minutos do uso impróprio de
recursos do Estado durante eleições (o que Putin não negou); Ida
Kuklina, da Liga de Comitês de Mães de Soldados, falou por três
minutos da exploração de soldados como escravos e outros horro-
res do exército; Valeri Abramkin, do Centro pela Reforma do
Sistema de Justiça Criminal, falou por cinco minutos das coisas
que acontecem nas casas de detenção (o presidente pareceu gostar
mais do discurso dele do que dos outros); Ella Pamfilova falou
extensamente das péssimas relações entre os defensores dos
direitos humanos e órgãos de aplicação da lei; Svetlana
Gannuchkina, do Memorial de Direitos Humanos, teve três
minutos para explicar as implicações das novas leis sobre a
cidadania; Tamara Morcht-chakova, conselheira do Tribunal
Constitucional, teve sete minutos para apresentar propostas para
tornar publicamente responsáveis as autoridades do Estado;
Alexei Simonov falou por três minutos da liberdade de falar e da
desagradável situação dos jornalistas, e Sergei Borisov e
Alexander Auzan, da Associação de Consumidores, falou da
necessidade de proteger as pequenas empresas.
Alinhados contra eles estavam o chefe e o subchefe da admi-
nistração presidencial; o procurador-geral da Rússia, Vladimir
28
Usti-nov; o ministro do Interior, Boris Grizlov; o ministro da
Justiça; o ministro da Imprensa. O presidente dos Tribunais
Constitucional, Supremo e de Arbitragem de Negócios. Nikolai
Patrushev, diretor do FSB,* também estava presente no início,
mas saiu pouco depois.
Todos os oradores atacaram o procurador-geral Ustinov. Entre os
ataques, Putin também lhe fez uma reprimenda e o acusou de
decisões injustificáveis. Tamara Morchtchakova fez um
comentário legal sobre o que estava sendo dito, recomendando,
por exemplo, que um assistente social deveria estar presente
durante o interrogatório de menores e suas aparições nos tribunais.
Esta é uma prática-padrão em muitos países, mas para o Kremlin
parecia radicalmente nova. Ustinov defendeu-se, afirmando que
isso seria contrário às leis russas, e Morchtchakova mostrou que
as leis por ele citadas simplesmente não existiam. Isto significava
que o procurador-geral não conhecia as leis, algo claramente
impensável, ou estava deliberadamente iludindo seus ouvintes.
Com Putin presente, isso também era impensável, o que levou de
volta à primeira possibilidade, que era incompatível com um
ocupante da Procuradoria-geral.
"É somente quando eles têm experiência pessoal direta de alguma
coisa que se pode chegar a algum lugar", contou-me Svetlana
Gannuchkina. ”Enquanto o presidente falava com Bush ao
telefone, fui até Viktor Ivanov, subchefe da administração
presidencial e presidente de um grupo de trabalho sobre legislação
para migração. Constatei inesperadamente que ele também nutria
sentimentos negativos com relação ao visto residencial. A mulher
de Ivanov recentemente havia ficado cinco horas numa fila para
obter vistos temporários para amigos que vieram ficar com eles
em Moscou. Isso a deixou furiosa."

29
Isso estimulou Ivanov a reconhecer a loucura de reviver o visto
residencial e ele jurou combatê-lo. Como general do FSB, ele se
ofereceu para formar um grupo de trabalho conjunto com Gannu-
chkina para reformar o visto. "Ligue para mim", disse ele. "Faça
uma lista de membros para o grupo. Trabalharemos juntos nela."
Outro exemplo do triunfo do envolvimento pessoal sobre a inércia
burocrática veio quando Valeri Abramkin, um defensor dos
direitos dos prisioneiros, contou ao presidente uma história
terrível a respeito de duas menores que haviam sido presas
injustamente. Sua situação de menores de idade foi ignorada tanto
pelo tribunal quanto pelas autoridades da prisão e só foi
descoberta depois de que as jovens tinham sido levadas sob
custódia até o exílio, quando foram libertadas. Inesperadamente,
Putin reagiu fortemente ao fato. Algo de humano brilhou em seus
olhos. Acontece que sua família havia passado por um incidente
semelhante, envolvendo duas garotas que tinham sofrido por
desrespeito à lei e às quais sua mulher estava dando apoio. Parece
realmente que alguma experiência pessoal é um pré-requisito para
o governo se concentrar nas vítimas de injustiças.
"Tem-se a impressão de que, em certas áreas, as informações do
presidente são de baixa qualidade e incompletas. E ele nada faz a
este respeito", foi a reação de Svetlana Gannuchkina.
Na maior parte do tempo, Putin ouviu o que estava sendo dito e,
quando falou, colocou-se do lado dos oradores. Fingiu ser um
defensor dos direitos humanos. Evidentemente, agora que os
democratas foram silenciados, ele irá representar o Iabloko e a
União de Forças de Direita para nós. A previsão dos analistas polí-
ticos na noite das eleições parlamentares se realizou.
Este era provavelmente o principal objetivo de Putin ao reunir os
defensores dos direitos humanos: mostrar-lhes quais eram suas
preocupações. Ele é um excelente imitador. Quando é necessário,
30
é um de vocês; quando não é, ele é seu inimigo. Ele é perito em se
colocar no lugar das outras pessoas e muitas são cativadas pelo
seu desempenho. Os defensores dos direitos humanos também se
enterneceram com a personificação deles por Putin e, a despeito
das suas visões fundamentalmente diferentes sobre a realidade,
renderam-se a seus encantos.
Em certo momento, alguém revelou que eles sentiam que Putin os
compreendia muito melhor do que os funcionários da segurança.
Putin foi descarado e rebateu na hora: "É porque, no coração, eu
sou um democrata."
Nem é preciso dizer que depois disso a alegria de todos aumentou.
O dr. Rochal pediu para falar apenas por um momento. "Vladimir
Vladimirovitch", disse ele, "gosto muito de você..." Ele já dissera
isso antes. Vladimir Vladimirovitch baixou os olhos para a mesa.
O médico prosseguiu.”... e não gosto de Khodorkovski." Vladimir
Vladimirovitch subitamente enrijeceu. Só Deus sabia para onde
aquele pediatra estava indo. E sua canoa certamente estava indo
diretamente para os recifes. "Embora goste de você e não de
Khodorkovski, não estou preparado para prendê-lo. Afinal, ele
não é um assassino. Para onde achamos que ele poderia fugir?"
Os músculos faciais do presidente estavam tensos e os presentes
morderam a língua. Depois daquilo, ninguém voltou a mencionar
o nome de Khodorkovski, como se Putin fosse um pai moribundo
e Khodorkovski seu filho pródigo. Os defensores dos direitos
humanos não levaram adiante o ataque, como se poderia esperar,
mas puseram o rabo entre as pernas. O céu escureceu e somente
uma pessoa ousaria, depois do lapso sobre a Iukos, levantar outro
tópico que os assessores do presidente sempre pedem que não seja
mencionado, por temerem que ele se descontrole. Svetlana Gannu-
chkina levantou a questão da Tchetchênia.

31
Concluindo seu curto discurso sobre os problemas de migração, os
quais haviam sido resolvidos pelo governo, Gannuchkina
prosseguiu dizendo que não podia esperar que o presidente falasse
da Tchetchênia e queria simplesmente presenteá-lo com um livro
que havia acabado de ser publicado pelo Centro Memorial de
Direitos Humanos, Aqui vivem pessoas: Tchetchênia, uma
história de violência.
Aquilo foi inesperado. Os assessores não tiveram tempo para
intervir. Putin pegou o livro e, também de forma inesperada,
demonstrou interesse por ele. Ficou folheando o livro até o encer-
ramento da reunião, às 22:30. No fim, ele mesmo começou a falar
da Tchetchênia.
"Em primeiro lugar", lembra Gannuchkina, "ele tem certeza de
que é certo atropelar os direitos humanos no decorrer da cam-
panha contra o terrorismo. Há fundamentos que justificam a não
observância da lei, circunstâncias nas quais a lei pode ser
desprezada. Em segundo lugar, folheando o livro, Putin comentou.
‘Está mal escrito. Se você escrevesse de forma que as pessoas
pudessem entender, elas a seguiriam e você poderia exercer
influência real sobre o governo. Mas, da maneira como as idéias
estão apresentadas, isto será impossível.’ “
E claro que o que ele tinha em mente não era a Tchetchênia, mas a
derrota do Iabloko e da União de Forças de Direita nas eleições.
"Putin tem razão", acredita Gannuchkina. Ela é há muito tempo
membro do Iabloko e trabalhou na Duma assessorando os
deputados do partido. "Somos incapazes de explicar às pessoas
que não estamos em um lado nem em outro, mas defendendo
direitos."
Depois a conversa passou para o Iraque. Os defensores dos direi-
tos disseram que não havia comparação: os tchetchenos eram
cidadãos russos, ao contrário dos iraquianos. Putin respondeu,
32
dizendo que a Rússia deu uma melhor impressão de si mesma do
que os Estados Unidos, porque investigou as acusações contra
militares que cometeram crimes na Tchetchênia com muito maior
freqüência do que os Estados Unidos contra seus criminosos de
guerra no Iraque.
O procurador-geral entrou na conversa: "Mais de seiscentos
casos." Os defensores dos direitos humanos não deixaram aquilo
passar: quantos daqueles casos tinham levado a sentenças de fato?
A pergunta ficou no ar, sem resposta.
Liudmila Alexeieva, líder do Moscow Helsinki Group e uma
espécie de decana extra-oficial dos defensores russos dos direitos
humanos, uma pessoa que as autoridades do Estado haviam eleva-
do à posição de ícone, ao menos para o Kremlin, propôs a convo-
cação de uma mesa redonda com os mesmos participantes para
discutir os problemas da Tchetchênia com o presidente.
"Precisaremos pensar nisso", murmurou Putin enquanto se
despedia, o que significava: "Isso nunca irá acontecer."
*
De fato, não aconteceu a discussão sobre a Tchetchênia entre
Putin e os defensores dos direitos humanos, mas depois da reunião
de dezembro alguns deles, juntamente com alguns democratas,
decidiram transferir sua lealdade dos derrotados Iavlinski e
Nemtsov para o novo democrata Putin, que para eles seria
igualmente bom.
O mesmo aconteceu com vários jornalistas conhecidos.
Reputações foram comprometidas diante de nossos olhos. Vimos
quando Vladimir Soloviov, um conhecido apresentador de rádio e
televisão, um dos mais ousados, bem informados e democráticos
repórteres, que há não muito tempo havia revelado a maldade do
governo no caso do ataque químico no desastre ocorrido na apre-
sentação do musical Nord-Ost (em que 912 espectadores de um
33
musical foram feitos reféns pelos tchetchenos), de um momento
para outro proclamou publicamente seu apaixonado apoio a Putin
e ao Estado russo.
Isso aconteceu porque ele foi trazido para mais perto do Kremlin e
"adoçado". Ele se transformou. Este é um problema recorrente
russo: a proximidade com o Kremlin torna as pessoas lentas para
dizer não e também menos seletivas. O Kremlin sabe muito bem
disso. Quantas pessoas já foram por ele asfixiadas? Em primeiro
lugar, elas são gentilmente trazidas para o peito das autoridades.
Na Rússia, a melhor maneira de subjugar até mesmo a pessoa
mais recalcitrante não é o dinheiro, mas tirar as pessoas do frio lá
de fora, inicialmente a uma certa distância. Os rebeldes logo
começam a ceder. Vimos isso com Soloviov, com o dr. Rochal e
agora até os admiradores de Sakharov* e de Ielena Bonner* estão
começando a falar do carisma de Putin, dizendo que ele lhes dá
motivos para ter esperança.
É claro que essa não é a primeira vez na história recente em que
vemos esta aproximação entre o regime e defensores dos direitos
humanos, o regime e os democratas. Porém, é certamente a pri-
meira vez em que isso tem sido tão destrutivo para os antigos
dissidentes. Que esperança existe para o povo russo se uma parte
da oposição foi eliminada e a outra, quase tudo o que resta, está
sendo posta de lado para uso posterior?

11 de dezembro
Nesta manhã, aconteceu de novo, uma reputação destruída pelo
abraço do Kremlin. Andrei Makarevitch era um músico de rock
unerground no período soviético, um dissidente, um opositor da
KGB,* que costumava cantar com paixão "Não baixe sua cabeça
diante do mundo incerto. Um dia esse mundo irá baixar sua cabe-
34
ça para nós". Esse era o hino dos primeiros anos de democracia
sob Ieltsin. Hoje, na televisão estatal Canal Um, ele está
recebendo uma medalha "Por Serviços à Pátria".
Makarevitch saiu em apoio ao RU e tomou parte das primeiras
reuniões pré-eleitorais. Ele realmente baixou a cabeça para Putin e
para o partido. E contou às pessoas como Vladimir Vladimirovitch
era um bom sujeito e, surpresos, agora o vemos recebendo favores
oficiais; um ex-dissidente que não ficou constrangido por se juntar
ao partido do Kremlin.
Putin deu uma recepção aos líderes dos partidos da Duma, pois
hoje é o último dia da Terceira Legislatura. Ele falou de aconteci-
mentos nas relações entre os ramos do poder do Estado. Iavlinski
sorriu ironicamente.
Pouco tempo depois, no prédio da Duma em frente ao Kremlin,
foi realizada a última sessão do Parlamento que saía. Quase todo
mundo estava lá. O RU estava bem-humorado e não tentava ocul-
tar o fato. Por que fariam isso? Todos os dias, deputados recém
-eleitos por outros partidos estavam se bandeando para o RU, para
mais perto de Putin. O RU está inflando como um balão de ar
quente.
Iavlinski permaneceu afastado de todos, sempre sozinho. Ele
estava intratável e taciturno. O que havia para aplaudir? A destrui-
ção da democracia parlamentar russa foi realizada no décimo ani-
versário da Primeira Duma, sob a presidência de Ieltsin. Amanhã,
12 de dezembro, também é o décimo aniversário da nova Cons-
tituição "Ieltsin" da Rússia.
Nemtsov está tentando dar tantas entrevistas quanto possível
enquanto as pessoas ainda estão interessadas nele. E explica: “A
União de Forças de Direita e o Iabloko estão fazendo o impossível
uma coisa que antes de 7 de dezembro parecia uma fantasia: esta
mos tentando nos unir." As pessoas não acreditam totalmente nele.
35
Todos os eleitores a favor da democracia estavam rezando para
que eles se unissem antes de 7 de dezembro para ter impacto nas
eleições, mas eles simplesmente não estavam interessados.
Gennadi Selezniov, o orador, faz um discurso de despedida que
ninguém ouve. Ele sabe que seus dias de orador estão encerrados
porque no futuro o ocupante da posição não será eleito pelo
Parlamento, mas nomeado pelo Kremlin. E todos sabem quem se
ele: Boris Grizlov, amigo de Putin e um de seus cúmplices m;
leais, líder do RU e ministro do Interior. É inquestionavelmente
um momento histórico. Ao darmos adeus à Terceira Duma,
estamos dando adeus a uma época política. Putin esmagou o
Parlamento argumentativo.
As exigências dos partidos não fizeram com que o Kremlin
negligenciasse assuntos ligados a dinheiro. O ataque à Iukos cor
nua, com nosso mundo dos negócios tentando pôr as garras em
partes da empresa enquanto tudo ainda pode ser agarrado. O
Tribunal de Arbitragem de Iakutia decidiu em favor da
Surgutnefteftegaz uma empresa que perdeu para a Sakhaneftegaz,
posteriormente comprada pela Iukos, em um leilão de direitos de
exploração petróleo e gás realizado em março de 2002. O
veredicto afastou Iukos do campo de Talakan, com suas reservas
de petróleo de milhões de toneladas e 60 bilhões de metros
cúbicos de gás, e concedeu à rival uma licença perpétua para
explorar a concessão central do campo.
O Tsentrobank registra outro recorde na recuperação das reservas
de ouro e moedas estrangeiras. Até 5 de dezembro, elas são de
US$70,6 bilhões. Mas isto é um triunfo? Uma das principais
razões pelas quais as empresas estão se desfazendo dos seus lucros
em moeda estrangeira é a grave situação da Iukos, acusada pelo
Estado de ter ocultado seus ganhos visando a uma evasão fiscal.
As outras não estão provocando o destino e convertem seus lucros
36
em rublos. A confusão sobre a Iukos não está prejudicando em
nada o Estado, motivo pelo qual ele pode pagar sua dívida
externa. O povo russo se alegra sem ter idéia do que está
acontecendo.
Hoje também é o nono aniversário do início das últimas guerras
da Rússia contra os tchetchenos. Em 11 de dezembro de 1994, os
primeiros tanques entraram em Grozni e vimos os primeiros sol-
dados e oficiais queimados vivos dentro deles. Hoje não houve
menção a este fato em nenhum dos canais de televisão. O
aniversário foi eliminado do calendário da Rússia.
Essa unanimidade das estações de televisão não pode ser fortuita e
deve refletir instruções da administração presidencial, o que
significa que podemos ter certeza de que a campanha presidencial
de Putin excluirá todas as menções à Tchetchênia. É assim que ele
age: como não sabe o que fazer a respeito da Tchetchênia, esta
não entrará em sua agenda.
A noite, houve um debate na TV entre Valeria Novodvorskaia,
uma democrata até a medula, e Vladimir Jirinovski. Ela falou da
monstruosa irresponsabilidade da guerra na Tchetchênia, do
sangue e do genocídio. A resposta de Jirinovski foi gritar
histericamente: "Saia do país! Nunca cederemos a eles!" Na
votação depois do programa, os telespectadores deram 40 mil
votos a favor de Jirinovski e 16 mil para Novodvorskaia.

12 de dezembro
Dia da Constituição. É feriado. Moscou está inundada de homens
da guarda nacional e agentes em trajes civis. Há cães por toda
parte, farejando em busca de explosivos. O presidente deu uma
grande recepção no Kremlin para a elite política e oligárquica e
fez um discurso sobre direitos humanos, baseado na idéia de que
37
eles haviam triunfado na Rússia. Ieltsin estava presente, com
aparência mais saudável e jovem, mas com problemas mentais
evidentes por toda a face. Ele estava lá porque a Constituição foi
adotada durante seu governo. Normalmente ele não é convidado
ao Kremlin de Putin.
Uma pesquisa revelou que somente 2% dos russos têm idéia do
que de fato diz a Constituição. Quarenta e cinco por cento pensam
que sua principal garantia é o "direito ao trabalho" e somente 6%
mencionaram a liberdade de expressão como uma coisa
fundamental para seu modo de vida.

18 de dezembro

Um programa de perguntas na televisão. Uma grande ocasião em


que Putin se encontra com o povo. Foi anunciado que mais de um
milhão de perguntas tinham sido apresentadas. O diálogo virtual
do presidente com o país teve como seus apresentadores os
favoritos Sergei Brilev, do canal Rossia, e Iekaterina Andreieva,
do Canal Um.
Andreieva para Putin: Esta é a terceira vez em que você se
apresenta nesta linha direta. Eu também. Está nervoso?
Putin: Não. Não prometa o que você não pode cumprir e não
minta; assim você não tem nada a temer.
Brilev, cheio de alegria: É parecido com nosso trabalho...
Putin: Tudo o que a Rússia tem conseguido foi obtido com muito
trabalho. Tem havido muitas dificuldades e reveses, mas a Rússia
mostrou ser um país que se mantém firme sobre seus pés e está se
desenvolvendo rapidamente. Trouxe comigo algumas estatísticas.
Em 2002, nossa taxa de crescimento era de 4,3%. Para este ano,
foram projetados 5%, mas atingiremos 6,6 ou mesmo 6,9. Os
38
pagamentos da nossa dívida externa foram reduzidos. Pagamos 17
bilhões de dólares e o país nem sentiu. As reservas em ouro e
moedas estrangeiras eram de US$11 bilhões. Em 2003, elas
subiram para US$20 bilhões e hoje são de US$70 bilhões. Estas
não são estatísticas vazias. Muitos fatores estão envolvidos. Se
continuarmos com nossa atual política econômica, não haverá
mais evasão de divisas. Por outro lado, no início de 2003, havia 37
milhões de pessoas cuja renda estava abaixo do nível de
subsistência. No terceiro trimestre de 2003, esse número tinha
caído para 31 milhões, mas isso ainda é humilhante. O nível
médio de subsistência é 2.121 rublos [cerca de US$80] por mês, o
que é muito baixo, e 31 milhões de pessoas vivem abaixo desse
nível.
Uma pergunta de Komosomolsk-on-Amur, da região de
Khabarov: Nossa cidade é a terceira maior no Extremo Oriente da
Rússia, um enorme centro industrial, uma cidade de jovens, mas
muito distante de Moscou. Meu nome é Kirill Borodulin. Trabalho
no estaleiro do Amur. Hoje ainda estamos trabalhando para expor-
tação. Quando teremos pedidos da indústria da defesa russa?
Queremos ser necessários à Rússia.
(As perguntas não dão a impressão de ser espontâneas e as res-
postas parecem ter sido preparadas. Putin lê estatísticas de suas
anotações, embora a pergunta tenha sido feita "ao vivo". É
evidente que ele só responderá às perguntas que quiser.)
Putin: O fato de vocês estarem trabalhando para exportação é
inteiramente positivo. Está sendo travada uma batalha pelo merca-
do de armas e a Rússia não está se saindo de todo mal. Temos um
programa de aquisição de armamentos para até o ano 2010 e ele
está sendo totalmente financiado. É claro que há problemas;
sempre gostaríamos de alocar mais recursos às nossas Forças
Armadas. As prioridades são decididas pelo Ministério da Defesa,
39
que colocou novos aviões na oitava posição de sua lista de
prioridades, apesar das guerras de hoje serem travadas com
aviões. Vocês podem ter certeza de que seus serviços serão
exigidos.
Katia Ustimenko, estudante: Votei pela primeira vez. O que
podemos esperar da nova Duma?
Putin: Nenhum Estado civilizado pode viver sem uma instituição
legislativa. Muitas coisas dependem da Duma. Esperamos um
trabalho eficiente e sistemático.
Alexander Nikolaevitch: Moro em Tula, na mesma casa em que
meu pai viveu antes de mim. As fundações estão cedendo.
Estamos numa área de escavações. Por que o Estado fala tanto,
mas ainda não resolve o problema de acomodações do solo?
Putin: Estive em Tula e fiquei surpreso com o estado das residên-
cias. Existem maneiras e meios. Quais são? Até há poucos anos, o
Estado não alocava praticamente fundo nenhum. Em 2003, pela
primeira vez destinamos fundos para corrigir este problema: 1,3
bilhão de rublos [pouco mais de US$49 milhões] do orçamento
federal. A mesma quantia deveria ser alocada dos orçamentos
municipais. A saída é desenvolver empréstimos hipotecários. Caso
as hipotecas tivessem sido introduzidas, você teria conseguido
fazer uso delas. Qual é seu salário mensal? Você trabalha numa
região eficiente.
Alexander Nikolaevitch: São 12.000 rublos [US$450].
Putin: Você teria direito a uma hipoteca. Precisamos fazer algu-
mas mudanças legislativas.
Iuri Sidorov, Kuzbass: Trabalhar como mineiro é perigoso. Por
que a pensão dos mineiros foi reduzida à taxa estatutária? Que
tipo de pensão é esse?
Putin: O salário médio dos mineiros é de 12.000 rublos mensais e
o salário médio nacional é de 5.700 rublos [US$216]. A lógica da
40
reforma das pensões reflete diretamente as contribuições feitas a
partir do salário. Sua pensão irá diferir positivamente da média;
ela será mais alta. Esta mudança já foi introduzida. O fundo
nacional de pensões está abrindo uma rede de centros de consultas
em todo o país e nos locais de trabalho. Converse com eles.
Valentina Alexeievna, de Krasnodar: O senhor ainda não anun-
ciou o que pretende propor nas eleições presidenciais. Quais são
seus planos?
Putin: Farei um pronunciamento oficial em futuro próximo.
Alexei Viktorovitch, estaleiro de reparos navais, província de
Murmansk: Não estamos recebendo salários nem férias desde
agosto. Quando isso será corrigido?
Putin: No que diz respeito ao orçamento, já tratamos das questões.
Os atrasos salariais não devem exceder dois dias. Mas, na parte
relativa às indústrias, existem diversas variações. Há empresas
estatais, algumas das quais estão sendo reclassificadas como
empresas financiadas pelo orçamento. Várias estão com graves
problemas financeiros. Em outros casos, os responsáveis são os
proprietários e gerentes.
Pergunta de Brilev: O que o senhor acha de ter sua foto em
escritórios do governo?
Putin: O presidente é um símbolo do Estado; portanto, não há
nada de terrível nisso. Tudo é bom com moderação. Quando ela é
esquecida, dá lugar a preocupações.
Sargento Sergei Sergeivitch, base militar russa em Kant,
Kirghizia: Os americanos conseguiram capturar Saddam Hussein,
mas haverá no Iraque um segundo Vietnã. Todos irão fugir. O
caos afetará a todos.
Putin: Sergei Sergeievitch, não é de nosso interesse nacional ver
os Estados Unidos derrotados numa luta contra o terrorismo
internacional. Quanto ao Iraque, é uma questão à parte. Não houve
41
lá nenhum terrorismo internacional sob Saddam Hussein. Sem a
sanção do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a invasão
não pode ser considerada legal, para dizer o mínimo. Porém, em
todas as eras, grandes impérios tiveram ilusões a respeito da sua
invulnerabilidade, um senso de grandeza e infalibilidade. Isto
invariavelmente causou muitos problemas. Espero que isto não
aconteça com nossos parceiros americanos.
Vitali Potapov, eletricista, Borovitchi, província de Novgorod:
Antes das eleições para a Duma, sua cadela teve filhotes. Como
vão eles?
Putin:Vão bem. São cheios de vida, mas ainda não abriram os
olhos. Quanto ao futuro deles, temos recebido muitas solicitações
de pessoas que desejam adotá-los. E meus filhos e minha mulher
precisamos pensar nisso. Temos que saber bem a quem iremos
doá-los.
Balkarov, kabardiniano, Nalchik: Trabalho no teatro russo. Os
abkhazianos (moradores de uma parte em disputa da Geórgia)
estão ligados aos kabardinianos (que são cidadãos da Rússia). Será
que devemos trazer a Abkhazia para a Federação Russa* e evitar
uma nova guerra?
Putin: Essa é uma pergunta muito séria, para a Rússia como um
todo e, em especial, para o sul do nosso país. Manter a integridade
territorial do Estado era recentemente um dos nossos principais
problemas, um dos mais prioritários. Essa tarefa em grande parte
foi concluída. Seguindo esses princípios, não podemos nos recusar
a aplicá-los aos nossos vizinhos. Somos membro das Nações
Unidas e cumpriremos com nossas obrigações internacionais.
Existem peculiaridades ligadas ao fato de a família dos povos
montanheses constituir uma comunidade especial, com laços de
parentesco que remontam a muitos séculos. Não estamos
indiferentes ao destino desses povos. Depois do colapso da URSS,
42
surgiram muitos conflitos, em Ossétia do Sul, Karabakh,
Abkhazia. Seria um erro supor que todos eles podem ser
resolvidos pela Rússia. Eu digo, acertem as questões entre vocês e
agiremos como um avalista honesto. Ficaremos de olho no
problema da Abkhazia, mas respeitamos a integridade territorial
da Geórgia.
Akhmad Sazaev, escritor balkariano: Fomentar atritos étnicos é
proibido por lei, mas, durante a campanha eleitoral, alguns
partidos agiram sob o slogan "A Rússia para os russos”. Por que
se permitiu que esses partidos divulgassem esses sentimentos pela
televisão?
Putin: Qualquer pessoa que diz "A Rússia para os russos" é um
idiota ou um encrenqueiro. A Rússia é um país multinacional. O
que querem eles, divisão? O desmembramento da Rússia? É muito
provável que essas pessoas sejam malandros em busca de ganhos
fáceis, que querem mostrar o quanto são radicais. Quanto à
campanha eleitoral, não vi isto na televisão. Mas, se aconteceu,
falarei com o procurador-geral. É preciso tomar providências.
Natalia Kotenkova, Krasnoiarsk: Não está na hora de acabar com
a privatização e iniciar a renacionalização?
Putin: Essa pergunta não é nova e tenho minhas próprias opiniões
sobre o assunto. Quando o país iniciou a privatização, supunha-se
que os novos proprietários seriam mais eficientes. E isso era
correto. Porém, as economias desenvolvidas possuem um sistema
de administração bem estruturado. Ao receber a tributação sobre
as receitas das empresas privadas, o Estado resolve problemas
sociais para seus cidadãos. Mas nós esbarramos numa dificuldade.
O aparelho administrativo não existia e os recursos necessários
não vieram para o Tesouro. Estou certo de que é necessário
fortalecer as instituições e a legislação do Estado e melhorar nosso
sistema de administração, e não parar a privatização.
43
Dimitri Iegorov, 25 anos: Gosto de rock pesado. De que tipo de
música o senhor gosta?
Putin: Gosto de música clássica ligeira e de música russa com
letra.
Alexei, província de Sverdlovsk: O senhor foi muito severo na
criação de suas filhas?
Putin: Não, infelizmente. Minhas filhas cresceram independentes,
com senso do próprio valor. Acho que deu um bom resultado.
Irina Mojaiskaia, professora: Nos últimos três anos, houve 12
ataques terroristas em Staropolie. Quarenta e cinco pessoas foram
mortas em Iessentuki. Como isto pode ser impedido?
Putin: Qual é a origem do problema? É um problema proveniente
não só da Tchetchênia. Existem pessoas no mundo que acham que
têm o direito de influenciar o destino daquelas que aderem ao
islamismo. Elas pensam que têm o direito de assumir o controle de
territórios densamente povoados por muçulmanos. Isto é
extremamente relevante para nosso país. "Terroristas internacio-
nais" é o nome que damos para esse tipo de gente. Eles têm explo-
rado os problemas da desintegração da URSS, os quais estão rela-
cionados com o que aconteceu na Tchetchênia, mas têm outros
objetivos. Eles querem não a independência da Tchetchênia, mas a
secessão de todos os territórios com grande população islâmica.
Seria terrível se começasse a balcanização da Rússia. Precisamos
combater isso. A ameaça vem do exterior. Os grupos islâmicos
extremistas do Daguestão* são constituídos por 50% de estrangei-
ros. A única saída é não ceder à pressão deles, não entrar em pâni-
co. Devemos agir de forma firme e sistemática e os organismos de
cumprimento da lei precisam melhorar seu modo de trabalhar.
Anatoli Nikitin, província de Murmansk: Os Escritórios de
Assuntos Internos e a agência de combate ao tráfico de drogas

44
parecem pensar que estão trabalhando para ter lucro. O senhor
está plenamente informado do que acontece nessas agências?
Putin: Neste ano, houve mais de 19 mil irregularidades nas áreas
de responsabilidade do Ministério do Interior e, destas, mais de
2.600 foram violações diretas à lei. Muitos funcionários públicos
enfrentaram acusações criminais. Os serviços de segurança serão
mais fortalecidos. Para lhe dar uma resposta direta, sim, estou
ciente da situação real nos órgãos de imposição da lei.
Sergei Tatarenko: O Estado pretende impedir a migração de
chineses para o Extremo Oriente?
Putin: Não impedir, mas regular. Precisamos saber onde, quantos
imigrantes e de que espécie necessitamos e descobrir uma maneira
de atrair a mão-de-obra de que precisamos. Nesta esfera, o nível
de corrupção é muito alto.
Lidia Ivanova, Khimki, província de Moscou: Será criado um
mecanismo para o combate à corrupção nos escritórios dos procu-
radores e nos tribunais? E nas instituições executivas do Estado?
Putin: Além de endurecer as investigações nesta questão, preci-
samos introduzir mudanças fundamentais. Precisamos iniciar uma
reforma administrativa verdadeira. Quanto menos oportunidades
os funcionários tiverem para interferir na tomada de decisões,
melhor. O sistema judicial deve ser independente, mas
transparente - responsável perante a sociedade. Os juizes já
possuem um sistema de auto-regulamentação. Espero que comece
a funcionar.
Iveta, estudante, Universidade Pedagógica, Nijni Novgorod:
Dizem que o senhor é um pupilo político de Anatoli Sobtchak, um
dos fundadores do movimento democrático. Qual é sua atitude
com relação à derrota das forças da direita política?
Putin: Sobtchak foi meu professor na universidade. A derrota das
forças da direita não me dá prazer nenhum. Todas as vozes polí-
45
ticas do país devem estar representadas em nosso Parlamento. Sua
ausência é uma grande perda, mas é um resultado da política
delas. Elas cometeram erros nas táticas e na estratégia da sua
campanha política. Tinham acesso a recursos administrativos – a
Tchubais está no comando de todo o sistema de eletricidade da
Rússia. As forças de direita tinham tudo, exceto a compreensão
daquilo que o povo espera de um partido político. Também houve
falta de vontade política por parte das várias forças de direita para
chegar a um acordo sobre um curso de ação conjunto. Espero que
essa derrota não resulte no desaparecimento da direita no mapa
político. Também devemos ajudá-los. Teremos discussões com a
União de Forças de Direita e com o Iabloko e tentaremos fazer uso
dos seus recursos humanos.
Vladimir Bikovski,Tchuvachia: O senhor se permite ter emoções?
Putin: Sim, infelizmente.
Dobroslava Diatchkova, aposentada, Viborg: Trabalho em um
Centro de Esperança para idosos e incapacitados e converso muito
com as pessoas que lá estão. Muitas têm parentes e amigos nos
Estados Bálticos. Por que a Rússia não toma providências mais
positivas para defender a população russa nos Estados Bálticos?
Putin: Nos últimos anos, nosso Ministério das Relações Exteriores
tem dedicado cada vez mais atenção a isto. Muitas coisas naqueles
Estados são causa de preocupação para nós. Não se pode dizer que
aquelas pessoas estejam em plena posse de seus direitos e
liberdades. Estamos tentando ajudá-las, diplomaticamente e nos
tribunais em vários níveis, mas alguns padrões europeus,
considerados adequados em outras áreas em situação difícil,
também devem ser válidos para os Estados Bálticos. Se, na
Macedônia, a Organização para Segurança e Cooperação na
Europa e a Comunidade Européia acreditam que deve haver
representação para a população albanesa no sul do país, por que
46
este princípio não é aplicável a Riga, onde 25% da população são
russos? Por que há padrões diferentes? Para não fazer mais mal do
que bem aos nossos compatriotas, devemos abordar este assunto
com cautela.
Anna Novikova, professora universitária: Os traficantes de drogas
deveriam ser condenados à prisão perpétua?
Putin: Propus mudanças para tornar as penas mais severas. A
Terceira Duma aprovou-as, o Soviet da Federação as apoiou e, há
uma semana, as emendas foram transformadas em lei por mim. Há
um aumento considerável na severidade - até vinte anos de prisão
para determinadas categorias. Considero este um melhoramento
importante.
Em seguida, Putin leu uma pergunta que havia escolhido pes-
soalmente dentre aquelas enviadas por e-mail: Qual é sua atitude
em relação ao aumento do mandato para presidentes?
Putin: Sou contra.

Imediatamente depois desta comunhão com o povo, Putin contou


à imprensa: "Nosso sistema estatal ainda não está totalmente
implantado. Na Rússia, tudo ainda está evoluindo. A comunicação
direta com os cidadãos é extremamente útil."
Foi assim que Putin encerrou o evento e isto pode explicar por que
compareceu ao programa: "Fortalecer a democracia tem
importância política na Rússia. Desenvolveu-se uma situação que
nos irá permitir criar um sistema pluripartidário único, com uma
ala de centro-direita forte, a social-democracia à esquerda, aliados
em ambos os lados e também com representantes de grupos e par-
tidos marginais. Agora esta é uma meta que pode ser atingida."
Uma declaração estranha, que não reflete a realidade.
Se considerarmos o programa de perguntas e respostas do ponto
de vista pré-eleitoral, os principais elementos da plataforma de
47
Putin em 18 de dezembro pareceriam ser: combate à pobreza,
defesa da Constituição, criação de um sistema pluripartidário,
combate à corrupção e ao terrorismo e a implantação de uma
carteira de empréstimos hipotecários.

Quanto disso tem probabilidade de ser implantado pelo nosso


presidente virtual?

20 de dezembro
Hoje é Dia do Agente da Polícia Secreta. A OGPU-Cheka-MGB-
KGB-FSB está aí há 86 anos. Nos noticiários da televisão, este é
o item mais importante. Terrível. O tom das reportagens é isento,
como se milhões de vidas não tivessem sido sacrificadas a este
serviço sanguinário. O que mais podemos esperar em um país
cujo líder admite abertamente que, mesmo ocupando o posto de
presidente, permanece "na reserva ativa da ‘Firma’”?
Ultimo resumo oficial dos resultados das eleições parlamentares:
RU, 37,55% (120 assentos); Partido Comunista, 12,6% (40
assentos); Partido Liberal Democrata, 11,45% (36 assentos); o
Rodina obteve 29 assentos. Em três áreas, as províncias de
Sverdlovsk e Ulianovsk e também em São Petersburgo, serão
realizadas novas eleições em 14 de março porque na última vez o
candidato de maior sucesso foi "nenhum dos nomes anteriores".
A partir de amanhã, os partidos poderão apresentar seus
candidatos presidenciais.
Deputados estão correndo para entrar para o RU. Particularmente
dolorosa é a deserção de Pavel Krachenninikov, eleito como
candidato independente, mas conhecido anteriormente pelo elei-
torado como liberal e membro da União de Forças de Direita. A
Duma está se tornando um espetáculo de um só partido.
48
21 de dezembro
Iavlinski recusou-se a ser candidato presidencial da Iabloko.
Também declarou que eles “criariam um grande partido
democrata", mas fez o anúncio com a expressão arrogante que
leva todos a desistirem de votar nele. Uma prova, como se fosse
necessária alguma, de que precisamos de novas caras e novos
líderes. Os de hoje são incapazes de formar uma oposição
democrata.
Khakamada também anunciou que a União de Forças de Direita
não apresentaria candidato. Sua explicação foi convincente: "Da
maneira pela qual as pessoas votaram, fica claro que elas não nos
querem governando o país." Os Comunistas também disseram
que não querem participar da eleição.
Um boicote à eleição presidencial pela oposição à direita e à
esquerda: será esta a única maneira que lhes restou para ter um
papel na política do país depois das eleições de dezembro?

22 de dezembro
Hoje Putin apresentou à Comissão Eleitoral Central pedidos de
um grupo de eleitores que desejam começar a colher assinaturas
em apoio à sua candidatura. A pesquisa de opinião pública do
Kremlin indica que 72% do eleitorado votaria em Putin se a elei-
ção fosse hoje.
Quem está contra ele? Neste momento, a única alternativa a Putin
é Gherman Sterligov, um fabricante de caixões. Ele não tem
nenhum partido atrás de si, só muito dinheiro e "O Ideal Russo".
É um estranho à política. Outro possível candidato é Vladimir
Jirinovski. Ele declarou que o Partido Liberal Democrata terá um

49
candidato. Também é um estranho, mas fez sua parte para
conseguir trânsito no Kremlin. Putin parece ridículo em tal
companhia. É possível que, nas próximas semanas, o governo
consiga reunir um grupo de candidatos mais respeitáveis para
Putin derrotar.
Ninguém acredita que Khodorkovski venha a ser considerado
culpado. A maioria das pessoas acha que tudo não passa de um
truque do Kremlin que será deixado de lado depois que Putin for
reeleito. Em 30 de dezembro, expirará o prazo para a detenção de
Khodorkovski, mas foram providenciadas audiências no Tribunal
Basmanni em Moscou para prorrogar sua prisão.
Esta noite, ficou claro que o Gabinete do Procurador-geral está
pedindo que Khodorkovski permaneça detido até 25 de março.
Isto é, ele verá da prisão a reeleição de Putin. Khodorkovski só
foi trazido ao tribunal às 16:00. Algum tempo depois das 18:00,
quando todos os outros juízes, funcionários públicos,
testemunhas, queixosos e acusados em outros casos já tinham
saído, as portas do Tribunal Basmanni se fecharam e teve início a
audiência do caso dele.
Do que eles têm tanto medo? Khodorkovski é realmente o
homem mais perigoso da Rússia? Nem terroristas recebem esse
tratamento e Khodorkovski tem somente sete acusações de irregu

laridades financeiras. Ele foi levado de volta ao presídio


Matroskaia Tichina por volta das 22:00. O pedido do Gabinete do
Procurador-geral foi atendido.
Alguns resultados das eleições de governadores do último
domingo: na província de Tver, 9% do eleitorado votaram em
"Nenhum dos nomes anteriores”. Na província de Kirov, foram
10%.

50
Aqueles que votam "contra" são hoje os verdadeiros democratas
da Rússia. Eles cumpriram seu dever, recusando-se a votar e são,
em sua maioria, pessoas criteriosas com aversão por todos
aqueles que estão agora no poder.

23 de dezembro
Estão ocorrendo assassinatos rituais em Moscou. Uma segunda
cabeça decepada foi encontrada nas últimas 24 horas, desta vez
no distrito de Golianovo, no leste da cidade. Ela estava numa lata
de lixo na rua Altaiskaia. Ontem à noite, foi encontrada uma
cabeça em um saco plástico sobre uma mesa no pátio diante do
Bloco de Apartamentos 3 na rua Kranoiarskaia. Ambos os
homens foram mortos 24 horas antes de ser descobertos. Nos
dois casos, as circunstâncias foram quase idênticas: as vítimas
eram do Cáucaso, com idades entre trinta e quarenta anos e
tinham cabelos escuros. As identidades são desconhecidas. As
cabeças estavam a um quilômetro de distância uma da outra.
Estes são os resultados da propaganda racista na corrida às elei-
ções parlamentares. Nosso povo é muito suscetível à propaganda
fascista e reage prontamente a ela. Em Moscou, mais no início
deste mês, o partido Rodina, de Dimitri Rogozin, obteve 15% dos
votos.
A União de Forças de Direita e o Iabloko revelaram seu novo
projeto conjunto: o Conselho Democrata Unido, um órgão inter-
partidário para o qual cada partido irá nomear seis membros. No
anúncio, nem mesmo os funcionários dos partidos pareciam acre-
ditar muito que a união iria durar. O público em geral parece
totalmente desinteressado no que fazem Iavlinski, Nemtsov e os
luminares do partido Iabloko.

51
Putin realizou uma reunião com a elite empresarial, ou melhor,
houve uma reunião do Conselho da Câmara de Comércio e
Indústria, à qual compareceu o Presidente.
Putin favorece a câmara com relação à URIE, a União Russa de
Industriais e Empresários, considerada um sindicato de oligarcas.
Foi na URIE que Anatoli Tchubais falou em defesa de
Khodorkovski pouco depois de sua prisão. Ele não usou meias-
palavras, falando de "uma escalada das ações das autoridades e
órgãos de imposição da lei com relação às empresas russas". Ele
alertou que a confiança da comunidade de negócios no governo
tinha sido abalada: "As empresas russas não mais confiam no
atual sistema de aplicação da lei, nem naqueles que o dirigem."
Foi uma acusação direta, pelo sindicato dos oligarcas, de que as
forças sob o comando de Putin estavam desestabilizando a
sociedade. Tchubais pediu que Putin adotasse uma "posição clara
e inequívoca". Foram palavras de uma dureza sem precedentes
dirigidas pelas empresas ao governo.
A resposta de Putin foi dizer-lhes publicamente que "deixassem
de histeria" e aconselhar o governo a "não se deixar atrair para
aquela discussão". Ele ignorou o conteúdo da queixa dos
oligarcas e expressou sua completa confiança nos órgãos de
imposição da lei. Quando, em janeiro, Boris Grizlov foi nomeado
orador da Duma, Putin promoveu Rachid Nurgaliev, um dos mais
odiosos chefes de milícias, a ministro do Interior. Esta também
pode ter sido uma reação a boatos da época a respeito de uma
suposta fraqueza de Putin como líder, uma tentativa de
demonstrar a robustez do regime.
Mas a reunião de Putin com a Câmara de Comércio e Indústria
foi bastante diferente. Ele acredita que a câmara pertence a uma
categoria diferente daquela da URIE. O presidente da CCI,
Ievgeni Primakov, uma velha e astuta raposa soviética, fez seu
52
discurso e citou Putin em cinco ocasiões, prefaciando suas
palavras: "Como observou corretamente Vladimir
Vladimirovitch...” Primakov garantiu a Putin que "um oligarca e
um grande empresário são coisas muito diferentes (...). A palavra
oligarca soa pejorativa. Afinal, o que é um oligarca? Uma pessoa
que enriquece por meio da manipulação desonesta dos impostos a
pagar, entre outras coisas, que pode enganar seus sócios ou tentar
interferir na política, corrompendo funcionários, partidos,
deputados (...)” e assim por diante. Todo o discurso de Primakov
foi uma demonstração de servilismo soviético e Putin claramente
gostou dele.
A seguir, vieram as perguntas. Naturalmente, indagou-se se
haveria uma revisão dos resultados da privatização. Apesar de
aquela não ser uma reunião do sindicato dos oligarcas, o caso da
Iukos estava na mente de todos.
De repente, Putin se pôs a vociferar como um feirante ou car-
cereiro. "Não haverá nenhuma revisão de privatizações! As leis
eram complicadas, confusas, mas era perfeitamente possível
respeitá-las! Não havia nada impossível a este respeito e quem
queria privatizar, conseguiu! Se cinco ou dez pessoas não
conseguiram cumprir as leis, isto não significa que todas
deixaram de fazê-lo! Aqueles que cumpriram as leis estão
dormindo tranqüilamente, mesmo que não tenham ficado tão
ricos! As pessoas que desrespeitaram a lei não devem ser tratadas
da mesma maneira como aquelas que a respeitaram."
"Estar dormindo tranqüilamente" também é um eufemismo russo
para estar no túmulo.
Depois da explosão de Putin, tudo prosseguiu sem incidentes. Os
empresários fizeram seus relatórios a Putin e assumiram "res-
ponsabilidades socialistas" para com o cumprimento de várias
metas, exatamente como nos dias da URSS. Primakov
53
prosseguiu, fazendo o que ninguém havia feito desde o advento
de Gorbatchov, isto é, lamber as botas do líder do país e jurar que
nenhuma palavra podia ser mais profunda que as dele.
(Em dezembro de 2003, isso feria os ouvidos e muitas pessoas
ficaram consternadas com o comportamento de Primakov. Mais
tarde, ficou claro que ele foi apenas o primeiro a ver para que
lado o vento estava soprando. Em pouco tempo, todos os que
faziam discursos na presença de Putin estavam citando-o
copiosamente — como era a prática no tempo de Brejnev — e
não lhe faziam perguntas inadequadas.)
Valeria Novodvorskaia, líder do partido União Democrática,
recebeu o Prêmio Starovoitova em São Petersburgo "por sua con-
tribuição para a defesa dos direitos humanos e o fortalecimento
da democracia na Rússia". O prêmio tem o nome de Alina
Starovoitova, líder do RU, que foi assassinada por homens de
Operações Especiais do Diretorado da Agência de Inteligência do
Exército (GRU) na entrada da sua casa. Na cerimônia,
Novodvorskaia disse: "Não estamos em oposição, mas em
confronto com o presente regime. Não participaremos das
próximas eleições. Iremos boicotá-las, apesar de isto não mudar
nada."
A oposição na Rússia é feita basicamente por palavras, mas
Novodvorskaia as usa com excepcional precisão e é a primeira a
atacar o Estado.
O Tribunal Municipal de Moscou aumentou a indenização
concedida a Alia Alianka, uma das vítimas do atentado durante a
apresentação do musical Nord-Ost, cujo marido, um empresário,
morreu no cerco ao teatro em 26 de outubro de 2002, em dois
copeques (alguns centavos).

24 de dezembro
54
Primeira reunião do Conselho Democrático Unido do Iabloko
com a União de Forças de Direita, na qual o principal assunto é a
perspectiva da sobrevivência política conjunta. Foi eliminado da
pauta um item a respeito do lançamento de um candidato à
Presidência que representasse uma frente democrática unida.
Trecho de uma entrevista com Gregori Iavlinski:
"Por que o Iabloko está se recusando a participar da eleição
presidencial?"
"Porque nossas eleições não são nem mesmo relativamente
democráticas."
"Por que então o senhor participou das eleições parlamentares?"
"Foram precisamente os resultados questionáveis das eleições
parlamentares que deixaram claro que as coisas não podiam
continuar como estão. Durante as últimas eleições, o
envolvimento político não autorizado das empresas foi
esmagado. Hoje nenhuma empresa ousa contribuir para uma
causa política sem a permissão do Kremlin."
"Como vê o futuro do Iabloko?"
"É o mesmo do resto da Rússia. É provável que eles montem um
partido paralelo pseudodemocrático ou que nos combatam até a
extinção. Não acredito nem por um instante que seremos deixa-
dos em paz para nos preparar para as próximas eleições."
"Uma Duma de um único partido? Mas o Partido Comunista
ainda está lá."
"Formalmente, sim. Mas, se você pegar cinco pessoas dos par-
tidos restantes, colocá-las em salas diferentes e lhes fizer
perguntas cruciais como: ‘O que deve ser feito na Tchetchênia?
Como o
Exército deve ser reformado? O que deve ser feito a respeito de
educação e saúde? Como devem ser nossas relações com Europa
e América?’, todos eles darão as mesmas respostas. Temos um
55
parlamento falsamente pluripartidário, eleições supostamente
livres e justas, um judiciário pseudo-imparcial e uma mídia de
massa pseudo-independente. Todo o cenário é uma fachada, uma
dissimulação."
"O senhor acha que isto irá durar muito tempo?"
"As coisas estão mudando rapidamente e qualquer um que pense
que isso irá durar muito tempo está enganado. Mas para você e
para mim talvez pareça tempo demais."
Tenho interesse no que Iavlinski tem a dizer quase que por força
de hábito. Outros jornalistas não se interessam nem um pouco.
Em Moscou, o vitorioso RU realiza sua assembléia. Boris
Grizlov, o recém-nomeado orador da Duma, declara: "Mais de
37% dos cidadãos da Rússia, mais de 22 milhões de pessoas,
votaram em nós. Conseguimos a maioria na Duma, o que
significa uma grande responsabilidade para nós, e eu não acredito
em fugir às responsabilidades. Apresentei a Putin uma solicitação
e ele providenciou minha transferência para a Duma. Permitam
que eu expresse minha gratidão especial ao presidente Vladimir
Vladimirovitch Putin. Seguindo seu curso, nossa vitória foi
assegurada. Nosso candidato para as próximas eleições já é
conhecido –Vladimir Vladimirovitch Putin. É nosso dever
garantir que ele vença de forma decisiva."
Depois da assembléia, ocorreu a primeira reunião do RU. Grizlov
nos contou a respeito da sua visão do papel político da Duma. O
debate político é tagarelice e deve ser eliminado. Para Grizlov, a
Duma sem debates significará um passo à frente.
A Comissão Eleitoral Central registrou um grupo de eleitores que
propunham a candidatura de Putin. Agora eles podem fazer sua
campanha oficialmente, como se não a estivessem fazendo até
agora.

56
26 de dezembro

A décima quinta assembléia do ilusoriamente denominado


Partido Liberal Democrata tem início em Moscou com o slogan
"Os russos estão cansados de esperar!". Jirinovski não irá
concorrer à
Presidência. "Apresentaremos um total desconhecido, mas eu
liderarei pessoalmente o partido durante a eleição presidencial",
anunciou ele. A assembléia escolheu Oleg Malichkin, um
treinador de luta livre que é guarda-costas de Jirinovski e um
completo imbecil. Em sua primeira entrevista como candidato
presidencial, ele teve alguma dificuldade para lembrar qual era
seu livro favorito.
Putin não carece apenas de concorrentes contra os quais com-
petir. Todo o cenário no qual a eleição está sendo organizada é
um deserto intelectual. O assunto não tem lógica, nem razão, nem
uma centelha de pensamento sério. Os candidatos não têm
manifestos e é impossível imaginá-los com capacidade para
conduzir um debate político.
o que podemos fazer? As campanhas eleitorais foram criadas por
sociedades democráticas em parte para fornecer à população
informações para que ela decida seu futuro e dar aos candidatos
conselhos e instruções.
Mandaram que nos calássemos. O candidato n° 1 conhece melhor
as necessidades de todos e, assim, não precisa dos conselhos de
ninguém. Não existe ninguém para moderar sua arrogância. A
Rússia foi humilhada.

27 de dezembro

57
Sterligov, o fabricante de caixões, teve sua candidatura
desqualificada pela Comissão Eleitoral Central. Viktor Anpilov,
um palhaço do Partido dos Trabalhadores da Rússia, ofereceu-se
prontamente. A situação não melhorou.

28 de dezembro
Finalmente encontraram um oponente válido para Putin: Sergei
Mironov,* orador do Soviet da Federação, foi proposto pelo
Partido da Vida (outro dos partidos anões montados por Vladimir
Surkov,* subchefe da administração presidencial). Mas ele anun-
ciou imediatamente: "Apoio Putin."
Está acontecendo a assembléia do Partido Comunista Russo. Foi
proposto o nome de Nikolai Khariotonov, um homem estranho e
falador que trabalhou na KGB. Maravilhoso!
Ivan Ribkin anunciou que irá concorrer. Ele é cria de Boris
Berezovski,* o principal oponente de Putin, hoje exilado no exte-
rior. Ribkin foi orador da Duma e presidente do Conselho
Nacional de Segurança. Quem é ele hoje? O tempo dirá.
Enquanto isso, Moscou está paralisada. Os ricos não têm preo-
cupações; estão todos no exterior, em férias. Moscou é uma
cidade muito rica. Todos os restaurantes, até os mais
dispendiosos, estão lotados ou fechados para festas de empresas.
As mesas estão repletas de iguarias que estão além da
imaginação do restante da Rússia. Milhares de dólares são gastos
numa noite. Será esta a última folia da Nova Política Econômica
do século XXI?
29 de dezembro
Primeira sessão da nova Duma. Putin declarou que o Parlamento
"precisa lembrar que o poder emana do povo. Nossa maior priori-
dade é, antes de mais nada, nos concentrarmos nas questões que
58
afetam a qualidade de vida dos nossos cidadãos (...). Foram
precisos tempo e um esforço consideráveis para afastar a Duma
do confronto político e trazê-la para o trabalho construtivo (...). É
essencial abrir caminho em todas as frentes (...). Temos todo o
direito de dizer que esta época presencia o fortalecimento da
democracia parlamentar na Rússia (...). Todo debate é inútil
(....)”.
Vladislav Surkov, da administração presidencial, também estava
presente. Ele é a pessoa a quem o RU deve sua maioridade
constitucional, um projetista de partidos políticos, escorregadio e
perigoso.
Vladimir Rizkhov,* candidato independente da região de Altai,
anunciou que pretende questionar a composição da Duma nos
tribunais. "O eleitorado não deu ao RU um mandato para uma
maioria constitucional." É mesmo? Bem, e o que você vai fazer a
este respeito? Vivemos em uma época em que as autoridades do
Estado não têm vergonha nenhuma.
Sergei Choigu, ministro para Situações de Emergência e alto
funcionário do RU, e certamente não um dos mais estúpidos, pro-
pôs subitamente que "o RU deve se tornar o partido que dê
respaldo público para o cumprimento das decisões do
presidente".
Afinal, Irina Khakamada poderá concorrer à presidência.Todos
os democratas e liberais estão condenando-a antecipadamente,

dizendo que o governo lhe ofereceu um acordo para que haja


pelo menos um oponente inteligente para Putin derrotar. Viktor
Gerachenko, ex-diretor do Tsentrobank e hoje deputado pelo par-
tido Rodina, também decidiu concorrer.

59
30 de dezembro
Irina Khakamada confirmou sua candidatura. Ela pensou durante
24 horas depois que um grupo lobista lhe fez a proposta. Será que
o grupo foi enviado pelo Kremlin?
Ela tem até 28 de janeiro para colher dois milhões de assinaturas.
Viktor Gerachenko não precisará colher assinaturas, porque o
Rodina é um partido com assentos na Duma. O Rodina foi criado
por Vladislav Surkov e é financiado por vários oligarcas. Sergei
Glaziev, também do Rodina, concorrerá como candidato
independente.
Putin precisava de concorrentes e os recebeu como presente de
Ano-novo. Os novos candidatos declararam prontamente que o
importante não é vencer, mas participar.

31 de dezembro
Uma triste despedida de 2003. As eleições para a Duma foram
uma grande vitória para o absolutismo de Putin, mas por quanto
tempo se podem construir impérios? Um império conduz à
repressão e finalmente à estagnação e é para ela que estamos
caminhando. Nossos cidadãos foram exauridos pelos
experimentos políticos e econômicos a eles impostos. Eles
querem muito ter uma vida melhor, mas não querem ter de lutar
por ela. Eles esperam que tudo lhes venha de cima e, se o que
vier for repressão, irão aceitá-la com resignação. A piada mais
popular na Internet: "É noite na Rússia. Anões lançam sombras
enormes."
Os telespectadores do programa Livre Debate da NTV votaram
para o Russo do Ano. Entre os nomes votados, estavam o de
Vladislav Surkov (por causar a esmagadora vitória do RU); o
acadêmico Vitali Ginzburg (prêmio Nobel em 2003, pelo
60
trabalho em física quântica); o diretor Andrei Zviagintsev (cujo
primeiro filme, O retorno, ganhou o Leão de Ouro no Festival de
Cinema de Veneza); Georgi Iartsev (treinador da seleção russa de
futebol, que levou a equipe à vitória contra o País de Gales) e
Mikhail Khodor-kovski (por criar a empresa mais honesta e
transparente da Rússia, tornando-se o homem mais rico do país e
acabando na cadeia).
Os telespectadores escolheram Ginzburg. Surkov acabou em
último lugar.
No final do programa, o apresentador Savik Chuster revelou a
classificação dos escolhidos numa pesquisa antes encomendada
ao serviço de pesquisa de opinião pública Romir. Nessa pesquisa,
Ginzburg também foi o primeiro colocado e Surkov o último.
Isso mostra uma divergência entre o modelo de realidade do
governo Putin e aquilo que realmente existe.
O mundo virtual das emissoras oficiais de televisão é muito
diferente. O Vremia, o principal noticiário do país, também
realizou uma pesquisa de popularidade para 2003. Putin ficou em
primeiro lugar, Choigu em segundo e Grizlov em terceiro.
Agora, quase na hora dos sinos do Kremlin tocarem à meia-noite,
um pensamento final para o ano: por que tantas pessoas estão
emigrando? No ano passado, o número de nossos cidadãos que se
inscreveram para viver no Ocidente aumentou em 56%. De acor-
do com o Gabinete do Alto Comissário da ONU para Refugiados,
a Rússia está à frente de todos os outros países do mundo em
número de cidadãos que buscam asilo em outros países.
4 de janeiro de 2004
A assembléia do Partido da Vida confirma a candidatura de
Sergei Mironov. Ele repete que espera que Putin vença.

61
Mironov é um dos suportes para a candidatura de Putin. Não
deixar nada ao acaso é uma das principais características desta
campanha. Por que eles estão tão preocupados?
Na vila tchetchena de Berkat-Iurt, soldados russos seqüestraram
Khasan Tchalev, que trabalha para a milícia tchetchena. Seu
destino é desconhecido.

5 de janeiro
Putin realiza uma reunião do gabinete. "Precisamos explicar as
prioridades do governo aos deputados da Duma", insiste ele repe-
tidamente. Ele não está de bom humor. A Revolução da Rosa*
triunfou na Geórgia e Saakachvilli* está comemorando a vitória.
Resultados provisórios sugerem que ele conquistou cerca de 85%
dos votos. Este é um apelo ao despertar para os dirigentes dos
outros países da Comunidade de Estados Independentes.* Todos
em volta da mesa com Putin estão muito conscientes disso. Há
um limite para o tempo em que se podem pisar as pessoas.
Quando elas querem realmente mudanças, não há nada que se
possa fazer para impedi-las. Será que é disso que eles estão com
medo?

6 de janeiro
Ultimo dia para que os candidatos apresentem seus documentos.
Kharitonov, Malichkin, Gerachenko e Mironov foram propostos
por partidos com assentos na Duma. Há agora seis candidatos
independentes (Putin, Khakamada, Glaziev, Ribkin, Aksentiev e
Brindalov). Khakamada tem problemas com seus colegas
políticos de direita. Nem a União de Forças de Direita nem o
62
Iabloko estão com pressa para apoiá-la ou ajudar na coleta de
assinaturas. Isso faz dela uma espécie de pária, fato que pode
levar os russos a votarem nela. Gostamos de párias, mas também
de vitoriosos. As pessoas admiram Putin pela maneira como ele
consegue enganar todas as pessoas. Perdem aqueles que estão no
meio.
Hoje é a véspera do Natal ortodoxo russo, quando as pessoas
tradicionalmente dão presentes e fazem boas ações (mas não em
público). Putin foi de helicóptero para Suzdal. Ele precisa vencer
uma eleição e assim sua vida pessoal é propriedade pública. Em
Suzdal, ele caminhou pelas igrejas antigas, ouviu o canto das
noviças em um dos conventos e posou para as câmeras de
televisão e, sem dúvida, o bando de jornalistas no início do
serviço de Natal. A filmagem da televisão foi arranjada para
mostrar Putin sozinho com a congregação de criancinhas e
mulheres com seus lenços na cabeça. Nenhum guarda-costas à
vista. Ele se persignou. Graças a Deus, há um progresso no
mundo; hoje em dia ele faz o sinal-da-cruz com muita
competência.
Outra tradição russa é que aqueles que estão no topo e na base da
nossa sociedade parecem viver em planetas diferentes. Exibir
Putin entre pessoas comuns no Natal não significa que a vida irá
mudar para elas. Saio para ver os menos privilegiados de todos,
em um lugar onde ninguém da elite põe os pés: o Orfanato
Psiconeurológico n° 25, na periferia de Moscou.
A periferia de Moscou não é como o centro da cidade, que hoje
em dia é improvavelmente opulento. A periferia é silenciosa e
faminta. Não há benfeitores com brinquedos e presentes, livros e
fraldas Pampers. Nem mesmo no Natal.

63
"Vamos ver as crianças", diz a sábia Lidia Slevak, diretora do
orfanato para as crianças mais novas, em um tom de voz que
sugere que isto irá responder a todas as minhas perguntas.
O pequeno Danila está esticado como uma vela nos braços
adultos de uma funcionária. Ele parece estar com você, quase pôs
os braços à sua volta, mas também não está, solitário, distante. O
mundo deixou-o para trás, ele está só. Ele mantém as costas
muito retas, como um praticante de ioga. Seus cabelos crespos
parecem a chama de uma vela. Uma leve brisa que entra pela
porta faz brilhar seus cachos sedosos. Ele é um anjo, um milagre
do Natal.
A única pergunta é: a quem pertence este anjo? Ninguém pode
adotá-lo, devido às nossas leis idiotas. A situação oficial de
Danila é um problema para o qual não há solução. Sua mãe
natural não renunciou oficialmente aos seus direitos maternos
antes de fugir. A polícia deveria localizá-la, mas tem coisas mais
importantes com que se preocupar. Isso significa que ele não
pode ser adotado, apesar de ser uma pequena maravilha. Quanto
mais cedo for adotado, melhores serão suas chances na vida,
mais cedo irá se recuperar e esquecer tudo o que lhe aconteceu.
Mas o Estado também tem coisas mais importantes com que se
preocupar.
O ambiente é aquecido e limpo, como em uma boa creche. Uma
placa sobre a porta nos diz que o grupo ao qual Danila e outros
onze garotinhos pertencem se chama Bebês Estorninhos. Quem
cuida deles são mulheres bondosas, muito cansadas, que tra-
balham demais. Tudo lá é bom, só que as crianças não choram.
Elas ficam em silêncio ou uivam. Ninguém ri. Quando não está
cerran-

64
do os dentes, o pequeno Danila, de 15 meses, fica em silêncio,
olhando atentamente para os estranhos que chegaram. Ele não
olha para as pessoas da maneira com que se espera de um bebê
de 15 meses; ele espreita dentro dos olhos, como um
interrogador. Ele tem uma experiência catastroficamente limitada
de ternura humana.
É véspera de Natal no orfanato da rua Ieletskaia e um presente
acabou de ser entregue. Seu nome é Dmitri Dmitrievitch e ele
sofre de severas insuficiências hepática e renal. Nasceu em
dezembro de 2002 e, em maio de 2003, sua mãe o "esqueceu" na
entrada de um prédio. Surpreendentemente, a polícia conseguiu
localizá-la e ela redigiu a declaração necessária: "Renuncio aos
meus direitos maternos."
Dmitri foi trazido do hospital para o orfanato. Ele passou metade
da sua vida em unidades de tratamento intensivo e não tem
cabelos na nuca, porque fica sempre deitado de costas. O novo
garoto do grupo está sentado em um andador especial e estuda
este lugar desconhecido. Há chocalhos e brinquedos diante dele,
mas Dmitri Dmitrievitch parece mais interessado nas pessoas.
Ele examina a consultora. Ele quer dar unia boa olhada nela, mas
ainda não sabe como usar suas perninhas, as quais, pelo fato de
ter ficado preso ao leito por tanto tempo, não o estão ajudando a
girar o andador para ficar de frente para Lidia Konstantinovna.
Ela não intervém. Quer que ele aprenda a conseguir o que quer.
"Venha, Dmitri Dmitrievitch", diz ela.”Agarre a vida! Reaja!"
Sem ajuda, Dmitri Dmitrievitch reage e, alguns minutos depois,
vence e está encarando Lidia Konstantinovna.
"Que tipo de trabalho você acha que faz aqui? O trabalho de
Madre Teresa ou de alguém que precisa limpar nossa sociedade?
Ou você apenas sente muito pelas crianças?"

65
"As crianças não precisam de piedade", diz Lidia.” Esta é a lição
mais importante que aprendi. Elas precisam de ajuda. Estamos
ajudando-as a sobreviver. Devido ao trabalho que fazemos, elas
podem esperar encontrar pais adotivos. E meu pessoal nunca
chama este lugar de orfanato na frente delas. Chamamos de
creche para que mais tarde, numa vida muito diferente se elas
forem adotadas, as crianças não venham a ter nem mesmo uma
lembrança subconsciente de ter estado em um orfanato."
"Vocês estão trabalhando para que as crianças sob seus cuidados
venham a ser adotadas?"
"É claro que sim. Essa é a coisa mais importante que posso fazer
por elas."
"O que você acha da adoção por estrangeiros? Nossos políticos
patriotas exigem que acabemos com isso."
"Acho que a adoção por estrangeiros é uma coisa muito boa.
Também há algumas histórias de terror a respeito de famílias
adotivas russas, só que não são mencionadas. Neste momento,
estão falando em tirar uma das nossas crianças dos pais adotivos
russos. Ela não voltará para cá. Outro problema é que os pais
adotivos russos não pegam crianças da mesma família. Os
estrangeiros gostam de fazer isso, o que significa que irmãos e
irmãs não são separados. Isto é muito importante. Tivemos uma
família de seis crianças adotadas na América. Natasha, a mais
nova delas, nos foi trazida embrulhada com papel de parede. Seu
irmão de seis anos embrulhou-a para impedir que ela congelasse,
porque não havia mais nada para usar na casa. Então, que mal há
no fato de todas as seis estarem agora nos Estados Unidos? Fico
muito feliz quando vejo a foto que me mandaram de lá. Ninguém
acreditaria no estado em que se encontravam aqui. Só nós nos
lembramos disso. No ano passado, 15 das 26 crianças que foram
adotadas do nosso orfanato foram levadas por pais adotivos
66
estrangeiros, principalmente dos Estados Unidos e da Espanha.
Havia três pares de irmãos e irmãs. Os russos não as adotariam."
"Não adotariam porque não querem ou porque não poderiam se
dar a este luxo?"
"Não iam querer. E, como regra geral, na Rússia os ricos não
adotam crianças."
Que espécie de pessoas elas serão quando crescerem, da maneira
com que nosso país se transformou?
A onda de doações a instituições de caridade na Rússia parou em
2002, quando o governo Putin revogou os privilégios fiscais para
aquelas instituições. Até 2002, as crianças em nossos orfanatos
eram cobertas de presentes no Ano-novo. Hoje os ricos não as
presenteiam mais. Os aposentados lhes trazem suas mantas
velhas e rasgadas.
O Banco Mundial tem um programa especial denominado Uma
Chance para Trabalhar, que dá a crianças com problemas
experiência de trabalho e uma oportunidade para adquirir
valiosas qualificações. Se alguém fizesse isso em nossa
sociedade, provavelmente seria visto com suspeita. "O que ele
está ganhando com isso?”, perguntariam os vizinhos.
São os próprios órfãos que mostram compaixão. Nádia deixou o
orfanato quando ficou velha demais para lá permanecer e recebeu
um quarto da autoridade municipal, como manda a lei. Ela
imediatamente alojou lá quatro outros órfãos. Completamente
alheios às coisas do mundo, eles haviam trocado seus quartos por
telefones celulares e ficaram na rua.
Agora Nádia os está alimentando, mas ela não tem dinheiro.
Nenhum deles encontra emprego. Sua atitude é de verdadeira
caridade. Ela não tenta abordar os bancos e outras instituições
ricas, pois sabe que não conseguiria passar nem mesmo pela
segurança.
67
Enquanto isso, nossos novos-ricos neste Natal estão esquiando
em Courchevel. Mais de dois mil russos, cada um ganhando mais
de meio milhão de rublos [US$20.000] por mês, reúnem-se lá
para a "estação russa" nos Alpes suíços. O cardápio oferece oito
espécies de ostras, a carta de vinhos inclui garrafas a US$3.000 e,
no séquito de cada novo-rico, você certamente encontrará
funcionários do governo, nossos verdadeiros oligarcas, que
propiciam essas vastas rendas a dois mil favorecidos. Nas
reportagens da televisão sobre Courchevel, não se diz em
nenhum momento que o trabalho árduo os fez amealhar essas
fortunas. A conversa é sobre sucesso, o momento em que tudo se
encaixou, do pássaro da felicidade apanhado pela cauda, de
merecer a confiança das autoridades do Estado. A "caridade" aos
funcionários públicos, conhecida em outros lugares como
corrupção, é o caminho mais rápido para Courchevel. Trata-se de
uma versão moderna da história de Ivan, o Tolo, que não
conseguia empobrecer por mais que fosse enganado pelos
irmãos: apenas pague ao Kremlin e riquezas e poder virão até
você.

8 de janeiro

O guarda-costas de Jirinovski foi registrado pela Comissão Elei-


toral Central como o primeiro candidato em 2004 à Presidência
da Rússia. Hip-hip-hurra! Jirinovski tem uma procuração de
Malichkin.
Na região de Krasnoiarsk, os camponeses estão sendo pagos com
bezerros doentes. O potentado que manda naquela região é
Vladimir Potanin, o oligarca mais próximo de Putin e, na
verdade, seu representante. Há mais de três anos, nenhum salário
68
é pago em dinheiro na fazenda de laticínios em Ustiug; em vez
disso, os camponeses recebem bezerros. Todo o maquinário foi
vendido para saldar dívidas. O veterinário foi demitido há muito
e assim não há ninguém para cuidar do gado doente.

9 de janeiro
Isto realmente é novidade para nós. Os internos do Orfanato
Internacional em Ivanovo estão fazendo greve de fome. O orfana-
to foi fundado em 1933 para cuidar de crianças de muitos países
diferentes, cujos pais estavam em campos de prisioneiros de
estados "com regimes reacionários ou fascistas".
As crianças estão exigindo que o Orfanato Internacional seja
deixado em paz, que não seja dividido nem privatizado e que seu
prédio não seja vendido. (Elas tiveram sucesso.)

10 de janeiro
Na aldeia tchetchena de Avturi, soldados não identificados rapta-
ram de sua casa Alan Davletukaev, defensor dos direitos
humanos. Os seqüestradores fugiram em três veículos blindados
de transporte de pessoal e dois jipes blindados UAZ.

13 de janeiro
Hoje é o Dia da Imprensa Russa. Em expectativa, o Instituto
Romir de pesquisa da opinião pública perguntou às pessoas: "Em
que instituições sociais você mais confia?" Nove por cento
confiam na mídia, 1% confia em partidos políticos, 50% confiam
em Putin, 28% não confiam em ninguém, e 14% confiam na
Igreja Ortodoxa Russa. O governo e o exército ficaram com 9%

69
cada. Os governos municipais e os sindicatos ficaram com 3% e
as forças da lei conseguiram 5%. É claro que as pessoas tinham
liberdade para escolher mais de uma instituição e algumas o
fizeram.
Vítimas de atos terroristas nos últimos anos enviaram uma carta
aberta a todos os candidatos presidenciais. Ela diz:
"A eleição presidencial é uma ocasião para se rever o passado e
para que as autoridades que estão saindo prestem contas do que
fizeram na vigência dos seus mandatos. Deve haver na Rússia
poucas pessoas que sofreram mais do que nós neste período.
Perdemos entes queridos quando prédios foram explodidos em
1999 e quando o teatro em Dubrovka foi tomado por terroristas
em 2002. Apelamos a vocês para que incluam em seus
manifestos a investigação desses atos terroristas.
“(...) Gostaríamos de saber o que cada um de vocês fará caso seja
eleito.
"Você irá instaurar inquéritos independentes e imparciais, ou
continuará a conspiração do silêncio que cerca a morte de nossos
entes queridos? Tentamos em vão obter explicações dignas de
crédito das autoridades do Estado. O atual presidente da
Federação Russa tinha obrigação de responder, não só em virtude
de sua posição, mas simplesmente por uma questão de
consciência. Afinal, a morte de nossos entes queridos estava
diretamente relacionada com sua carreira política e decisões por
ele tomadas. A explosão de prédios convenceu o povo russo a
apoiar sua linha dura com a Tchetchênia durante a última eleição
presidencial e ele deu pessoalmente a ordem para o uso do gás
em Dubrovka."
A seguir os signatários apresentam aos candidatos uma lista de
perguntas, as quais foram antes dirigidas a Putin sem nenhuma
resposta.
70
A respeito da explosão dos prédios:
1. Por que as autoridades obstruíram a investigação dos eventos
em Riazan, quando agentes do FSB foram apanhados
preparando-se para explodir um prédio de apartamentos?
2. Como é possível que o orador da Duma tenha feito uma
de-
claração a respeito da explosão do prédio em Volgodonsk três
dias antes de ela ocorrer?
3. Por que não foi investigada a descoberta de um potente
explosivo (hexogen) em sacos rotulados como "açúcar" na base
do exército em Riazan no outono de 1999?
4. Por que, sob pressão do FSB, foi encerrada a investigação
sobre
a transferência de hexogen de depósitos do exército para
empresas fictícias, através do Instituto de Pesquisa
Roskonversvzrivtsentr?
5. Por que o advogado Mikhail Trepachkin foi preso depois
de
descobrir a identidade do agente do FSB que alugou as
dependências para a colocação da bomba no prédio na rua
Gurianov?

A respeito do cerco em Dubrovka (a tomada como reféns das


pessoas que assistiam ao musical Nord-Ost):

1. Por que foi tomada a decisão de iniciar um ataque a gás no


mesmo instante em que havia surgido uma oportunidade de
negociar a libertação dos reféns?
2. O fato de as autoridades terem decidido usar um gás de
ação

71
lenta, que poderia ter dado tempo para que artefatos explosivos
fossem detonados, indica que elas já sabiam que os terroristas
não tinham com eles explosivos reais?
3. Por que todos os terroristas, inclusive os incapacitados,
foram
mortos, quando poderiam ter sido presos e fornecer provas para
um inquérito?
4. Por que as autoridades ocultaram o fato de que
K.Terkibaev,
que, depois que seu nome foi conhecido, morreu em um acidente
de carro, era um agente do FSB que participou da tomada do
teatro?
5. Por que, quando o ataque foi planejado, não foi feita
nenhu-
ma tentativa de organizar a assistência médica no local para os
reféns, uma negligência que resultou nas mortes de 130 pessoas?

As únicas respostas vieram de Irina Khakamada e de Ivan


Ribkin. Ela apoiou as vítimas do incidente Nord-Ost desde o
início. No total, Khakamada está começando a parecer a mais
normal entre os candidatos. Tudo o que ela disse até aqui merece
ser ouvido. Ela vem dizendo que, com Putin, o país não pode
progredir. Irina Khakamada:
Como não analisei as explosões em Moscou eVolgodonsk,
responderei somente às perguntas a respeito dos eventos em
Dubrovka.
A decisão de efetuar o ataque foi tomada no terceiro dia do cerco.
Eu estive dentro do prédio no primeiro dia e estou respondendo
com base no que aconteceu naquele dia. Minha impressão é de
que, no primeiro dia, teria sido possível libertar os reféns por
meio de negociações. Acredito que o objetivo do ataque foi fazer
72
uma demonstração de força e que salvar a vida das pessoas não
era uma prioridade alta.
Ainda é um mistério para mim como foi possível matar todos os
terroristas, que estavam localizados em diferentes partes do
prédio e do auditório; e por quê, depois do ataque com gás, todos
os terroristas morreram, enquanto algumas pessoas próximas a
eles morreram e outras sobreviveram. Suspeito que tenham sido
eliminados porque, como testemunhas, eles poderiam ter
declarado que os reféns poderiam ter sido libertados. Enfatizo
que se trata de uma suspeita, porque deveria haver a presunção
de inocência.
Nós, da União de Forças de Direita, organizamos uma
investigação por conta própria e chegamos à conclusão de que
ninguém pensou em tentar salvar os reféns. Nada foi planejado e
o resultado foi um desastre. O aspecto militar foi considerado o
mais importante da operação e ninguém sequer foi designado
para cuidar dos civis.
Posso acrescentar por minha conta que, depois da tragédia de
Dubrovka, o sr. Putin enganou o mundo todo. Respondendo à
pergunta de um jornalista do Washington Post. ele disse:
"Aquelas pessoas não morreram em conseqüência do gás, porque
ele era inofensivo. Era inofensivo e podemos dizer que, no
decorrer da operação, nenhum refém foi prejudicado" (pelo gás).
Enquanto Putin e seus asseclas estavam tremendo de medo no
Kremlin, não pela vida de seus cidadãos, mas de perder poder,
várias pessoas tiveram a coragem de tentar salvar os reféns, indo
voluntariamente aos terroristas para tentar libertar pelo menos as
crianças. Agradeço a Deus por ter tido, sendo mãe de duas
crianças, coragem e determinação para entrar e negociar com os
terroristas.

73
Anteriormente não tornei pública grande parte do que vi no
Complexo de Teatros de Dubrovka nem, em particular, como o
presidente e os membros do seu governo reagiram ao meu
esforço para salvar vidas. Eu pensei, erroneamente, que o
presidente Putin iria ajudar a esclarecer a verdade e pediria
desculpas pela ordem que deu para o uso de um gás letal. Porém,
ele permanece em silêncio e não responde às pessoas que
perderam seus entes queridos. O presidente fez sua opção e
decidiu ocultar a verdade. Também fiz minha opção e contarei a
verdade. Em conseqüência de minhas negociações com os
terroristas no teatro, em 23 de outubro de 2002, e daquilo que
aconteceu a seguir, cheguei à conclusão de que os terroristas não
tinham a menor intenção de explodir o Complexo de Teatros e
que as autoridades não tinham a menor intenção de tentar salvar
todos os reféns.
Os eventos mais importantes ocorreram depois que retornei da
negociação com os terroristas. Alexander Volochin, o dirigente
da administração presidencial, ameaçou-me e ordenou que eu não
interferisse mais.
Pensando no ocorrido, cheguei à inescapável conclusão de que
aquele ato terrorista ajudou a reforçar a histeria antitchet-chena, a
prolongar a guerra na Tchetchênia e a manter o alto índice de
aprovação do presidente. Estou convencido de que os atos de
Putin para ocultar a verdade constituem um crime contra o
Estado. Comprometo-me a, quando me tornar presidente, fazer
com que os cidadãos da Rússia saibam a verdade a respeito da
explosão do prédio de apartamentos, da tragédia no Complexo de
Teatros e de muitos outros crimes cometidos pelas autoridades.
Recentemente, muitos amigos meus tentaram me dissuadir de
participar da eleição presidencial. Em público, eles declaram que
estou quase traindo os interesses dos democratas, que pedem o
74
boicote das eleições, mas em particular alertam que serei
simplesmente assassinada se contar a verdade. Não tenho medo
deste regime terrorista. Apelo para que ninguém seja intimidado
por ele. Nossos filhos precisam crescer livres.
Ivan Ribkin também respondeu:
Tanto a explosão dos prédios de apartamentos quanto os eventos
em Dubrovka são uma conseqüência da "operação antiterrorista"
e, mais exatamente, da Segunda Guerra Tchetchena travada no
norte do Cáucaso. O presidente Putin entrou no Kremlin na crista
desta onda, prometendo restaurar a ordem, mas mostrou-se
incapaz de fazê-lo. Há gente morrendo em toda parte em ataques
terroristas. A guerra prossegue sem trégua e dela Putin e seus
assessores imediatos são culpados. Até hoje, há muitas coisas
completamente obscuras e inexplicáveis a respeito de todas essas
tragédias.
Sobre a explosão dos prédios:
Acredito que o crime foi cometido pelos órgãos de segurança.
Mesmo que aceitemos a alegação de que os agentes do FSB
descobertos plantando explosivos em Riazan estavam
empenhados em "exercícios", todas as regras e instruções oficiais
foram ignoradas.
Como Selezniov, o orador da Duma, sabia do atentado? Isto não
é apenas estranho, é pavoroso. Depois de fazer aquela declaração,
ele deveria passar por uma investigação criminal e revelar onde
conseguiu a informação, para que possamos ver claramente quem
de fato ordenou e quem de fato levou a cabo esta atrocidade...
As abordagens e o treinamento que as forças de segurança estão
recebendo no decorrer da Guerra Tchetchena estão sendo
extrapolados para toda a Rússia. Elas são totalmente insolentes e

75
acreditam que o resultado final é a única coisa que importa. Isto é
extremamente perigoso.
Sobre Dubrovka:
Todo o comportamento das autoridades do Estado apontam para
o fato de que, quando ficou claro que havia uma possibilidade
real de libertação dos reféns, eles decidiram realizar um ataque.
Em Moscou e em toda a Rússia, todos estão falando de o ataque
ter sido ordenado para ocultar a realidade a respeito do que lá
aconteceu.
O governo estava informado? Acho particularmente desagradável
responder a essa pergunta, porque, durante os eventos em
Budionnovsk, numa reunião secreta, as forças de segurança
contradisseram tudo que o governo tem afirmado. Fui informado
de que aquele gás e outros meios químicos não poderiam ser
usados em um ônibus com reféns porque os terroristas teriam
tempo para detonar seus explosivos. Enquanto perdiam a
consciência, eles também poderiam começar a atirar a esmo.
Como o gás foi usado, está claro que o governo sabia que não
haveria nenhuma explosão.
Os terroristas foram mortos enquanto estavam inconscientes
porque teriam tido muitas coisas interessantes para contar em um
inquérito independente. Toda a Rússia está perguntando por que
pessoas inconscientes foram mortas; identificadas, abordadas e
mortas a tiros na cabeça.
As autoridades não conseguiram manter o agente do FSB
Terkibaev longe do público e por isso ele foi morto. Agora sei o
quanto as pessoas estavam irritadas, porque sabiam que
Terkibaev tinha autorização da administração presidencial. Ele
mesmo jactou-se do fato de ter conseguido redirecionar o ataque
do líder terrorista Baraev da Duma para Dubrovka.
76
A falta de assistência às pessoas que sofreram durante o ataque
foi uma barbárie e está totalmente na consciência dos res-
ponsáveis pela fase final. Há uma tentativa de desviar para o
prefeito de Moscou a ira pública pela falta de assistência médica
oportuna, mas ele não é responsável pelo combate ao terrorismo;
isto é trabalho do FSB.
A cascata de medalhas e estrelas nos peitos e nas dragonas das
forças de segurança, que deveriam ter sido punidas por permitir
que a unidade de Baraev passasse, não confere honra aos
condecorados, nem aos indivíduos que os condecoraram. Mais
uma vez, precisamos de um inquérito independente.
Não sou daqueles que acreditam que virá o tempo em que os
arquivos serão abertos e descobriremos a verdade. Esse dia nunca
virá. Precisamos de uma investigação agora, para que essa
atrocidade nunca se repita, para que nunca haja uma repetição
deste pavoroso ato de crueldade contra nossos cidadãos.
Enquanto isso, em conseqüência de deserções, o RU conquistou
na Duma maioria suficiente para mudar a Constituição.
Gennadi pediu hoje para entrar para o partido, elevando o
número de partidários de Putin no Parlamento a 301.
A apatia é cada vez mais palpável; as pessoas estão certas de que
não se pode esperar nada de bom. A eleição presidencial é
discutida na televisão, mas, fora de lá, ninguém diz uma palavra
a seu respeito. Todos já sabem como irá acabar. Não há debate,
nem entusiasmo.
Nesta noite, em Moscou, os mais conhecidos defensores russos
dos direitos humanos comemoraram o Velho Ano-novo
[Ortodoxo Russo] à sua maneira. Eles se reuniram no Museu e
Centro Social Andrei Sakharov para tentar formar ou uma frente
democrática ampla ou um Clube Democrático (como está
77
sugerindo Vladimir Rizkhov) e fazê-lo fora das instituições
democráticas tradicionais da União de Forças de Direita e do
Iabloko.
As propostas mais práticas foram feitas por Ievgeni Iasin: "Se
quisermos realmente uma união ampla, precisamos de um
programa limitado. Precisamos de poucas exigências para reunir
o máximo possível de pessoas. Nosso único objetivo deve ser
defender os ganhos da democracia russa, enfrentar o regime
autoritário do Estado policial."
Perto do fim de uma acalorada discussão que durou muitas horas,
chegaram notícias da prisão ao Centro Sakharov. A advogada
Karina Moskalenko chegou diretamente da prisão Matroskaia
Tichina, onde tivera uma reunião com Mikhail Khodorkovski,
seu cliente. Ela transmitiu os bons votos de Khodorkovski a
todos os defensores dos direitos humanos e a notícia de que o
único ideal que o entusiasma hoje é a defesa dos direitos
humanos. Caso consiga sair da prisão, ele está determinado a se
dedicar exclusivamente ao aperfeiçoamento da sociedade.
Conseguiram trazer um oligarca à consciência cívica. Os ativistas
aplaudiram como crianças numa festa de Natal.

14 de janeiro
O Tribunal Basmanni de Moscou, como sempre no bolso do
Kremlin, continua a refinar a arte da justiça seletiva, onde o
importante não é a lei, mas a pessoa a quem ela está sendo
aplicada. Se essa pessoa for um inimigo de Putin, os juízes do
Basmanni são meticulosos; se for um favorito, eles não perdem
tempo com detalhes, nem mesmo exigem que compareça às
audiências.

78
Hoje o juiz StanislavVoznesnski estava analisando a reivindica-
ção de Nadeja Buchmanova, da província de Riazan, mãe de
Alexander Slesarenko, um soldado morto na Segunda Guerra
Tchetchena. Alexander estava combatendo na Unidade Armavir
de Operações Especiais do Ministério do Interior.
Em setembro de 1999, no início da Segunda Guerra Tchetchena,
esta unidade foi incluída em um grupo de operações especiais
sob o comando de Viktor Kazantsev, na época comandante do
Distrito Militar do Norte do Cáucaso. Kazantsev cometeu um
erro e Alexander, entre muitos outros, foi morto. Eis o que
aconteceu.
Tudo começou em 5 de setembro, oficialmente o primeiro dia da
guerra, quando Putin emitiu um decreto para o início de uma
"operação antiterrorismo”. Havia combates em aldeias no
Dagues-tão. Por volta das 17:00, os combatentes ocuparam a
aldeia de Novolakskoie, na fronteira da Tchetchênia, e uma tropa
da Unidade de Operações Especiais da Milícia Lipetsk viu-se
cercada em seu quartel. Ela precisava ser resgatada. Na noite de 5
de setembro, os 120 homens da Unidade de Operações Especiais
foram convocados para a ação. Entre eles, estava Alexander
Slesarenko. Em 6 de setembro, a unidade estava na base Mozdok
do exército, em Ossétia do Norte. Em 7 de setembro, eles foram
enviados à aldeia de Batash-Iurt e, em 8 de setembro, a
Novolakskoie. Àquela altura os homens da Armavir ficaram sob
o comando de Kazantsev. Ele havia sido encarregado de toda a
operação para limpar as regiões de Novolakskoie e Khasaviurt do
Daguestão e todas as categorias de tropas estavam sob seu
comando.
Em 8 de setembro, Kazantsev ordenou que o general-de-divi-são
Nikolai Tchekachenko, seu subcomandante das Tropas do
Interior, apresentasse um plano para a tomada das colinas
79
adjacentes, de acordo com a instrução geral de Kazantsev. Em 9
de setembro, Kazantsev aprovou o plano e, às 21:30, o major Iuri
Iachin, oficial-comandante da unidade Armavir, recebeu a ordem
de atacar, ocupar e manter as colinas até a chegada de reforços,
para que o fogo pudesse ser dirigido do alto para Novolakskoie.
Os homens da Armavir fizeram o que lhes foi ordenado e se
movimentaram em velocidade máxima, surdos e nus, como se diz
no exército, sem meios seguros de comunicação, usando somente
rádios portáteis de canal aberto, com as baterias descarregadas
porque não houvera tempo para recarregá-las. A quantidade de
munição que eles deveriam levar não havia sido calculada,
porque não lhe haviam dito por quanto tempo deveriam manter
suas posições. Eles eram descartáveis e, de qualquer maneira,
nem mesmo pertenciam às forças regulares de Kazantsev.
A guerra no Cáucaso é muito estranha. Todas as tropas federais
supostamente estão do mesmo lado, mas a realidade é muito dife-
rente. Os soldados sob o Ministério da Defesa são adversários do
FSB e as Tropas do Interior não gostam nem daquelas do Minis-
tério do Interior, nem das do exército. Quando os oficiais dizem
"As baixas não foram nossas", isso significa, na linguagem do
exército, que aqueles que caíram eram milicianos ou soldados
das Tropas do Interior. É por isso que é travada uma batalha
antiga a respeito de quem deve chefiar o Comando Conjunto de
Forças e Recursos no Norte do Cáucaso. Se um homem do
exército estiver no comando, seu pessoal não receberá a munição
e os rádios de campanha de que necessitam.
Foi o que aconteceu naquela ocasião. Kazantsev, um homem do
exército, estava no comando de homens de outras armas. Por
volta de 1:00 de 10 de setembro, 94 homens de operações
especiais - não pertencentes ao exército — haviam ocupado as
colinas sem sofrer baixas. Ás 6:00, o general-de-divisão
80
Tcherkachenko recebeu um relatório confiante do major Iachin e
passou a informação a Kazantsev, que imediatamente saiu, certo
de que as colinas tinham sido tomadas. Ele esteve ausente até as
8:40, mas, precisamente às 6:20, Iachin viu-se subitamente
enfrentando uma batalha. Às 7:20, os combatentes tchetchenos
começaram a cercar os homens de Operações Especiais. Iachin
pediu ajuda pelo rádio, mas Tcherkachenko, deixado para
representar Kazantsev no posto de comando, não foi capaz de
ajudar. Ele sabia que outro grupo das Tropas do Interior,
comandado pelo general-de-divisão Grigori Terentiev, já havia
tentado chegar até o destacamento de Iachin, mas tinha sido
repelido por uma forte oposição. Catorze homens haviam
morrido e havia muitos feridos, inclusive o próprio Terentiev.
Nas ladeiras das colinas, cinco carros blindados de transporte de
tropas estavam em chamas.
Além do destacamento de Terentiev, nenhum outro iria em ajuda
de Iachin, porque eram homens do exército e porque Kazantsev
estava dormindo. Às 8:30, Iachin avisou a Tcherkachenko que
seus homens tinham só um pente de munição cada e precisavam
recuar. Tcherkachenko concordou. Às 8:40, Kazantsev, tendo
acordado, chegou ao posto de comando. Ele não conseguiu
entender por que Iachin estava recuando, pois lhe havia ordenado
que mantivesse a posição a qualquer custo.
Àquela altura, o contato com Iachin estava perdido. As baterias
dos rádios haviam se descarregado. O major estava "surdo" e
inteiramente só. Iachin dividiu a unidade em grupos, ficou com o
comando de um e confiou o outro ao tenente-coronel Gaduchkin
e, por volta das 11:00, reunindo suas forças, eles começaram a
descer as colinas. Era a única maneira pela qual a unidade
poderia esperar sobreviver. Kazantsev estava no posto de
comando e observava pessoalmente os movimentos. Então ele
81
deu ordens de bombardear as colinas. Por quê? Porque tinha seu
plano e já havia comunicado "a escalões superiores" a hora em
que os combatentes nas colinas seriam eliminados.
Às 15:00, dois aviões de ataque SU-25, voando baixo, surgiram
no céu acima de Iachin e bombardearam as tropas do Ministério
do Interior que tentavam escapar ao cerco. O responsável pela
designação do alvo, seguindo ordens específicas de Kazantsev,
foi o oficial-comandante do Quarto Exército Aéreo e das Forças
de Defesa Antiaérea, major-brigadeiro Valeri Gorbenko. Quando
as bombas foram lançadas, esses dois heróis, Kazantsev e
Gorbenko, estavam em um ponto de observação e viram com
seus próprios olhos que o grupo de Iachin estava lançando sinais
luminosos para indicar onde as bombas não deveriam ser
jogadas.
Por que a Unidade Armavir de Operações Especiais foi punida
daquela maneira em 10 de setembro? Porque aquilo havia sido
preparado. Eles foram sacrificados para proteger Kazantsev e seu
plano idiota. Eles foram convidados a morrer como heróis em
vez de escapar ao cerco, mas não aceitaram. Esse é o método dos
nossos responsáveis pela segurança, mais tarde empregado
muitas vezes na Tchetchênia e em outros lugares. O caso Nord-
Ost foi uma clara demonstração da mesma coisa. Esse é um
método sancionado repetidamente por Putin. Se você sobrevive,
deve ser caluniado e punido.
O Escritório do Procurador Militar do Distrito Militar do Norte
do Cáucaso é, sob nosso monstruoso sistema judicial, efeti-
vamente dependente do oficial-comandante do distrito, neste
caso Kazantsev, pela concessão de promoções, favores e
privilégios. Ele analisou a possibilidade de um processo criminal
na chacina dos homens da Armavir, pedido pelos parentes dos
mortos. O tribunal inocentou Kazantsev de todas as acusações.
82
Mais do que isso, descreveu-o como um herói cercado por
covardes. Aqui está uma citação dos registros do tribunal:
Na verdade, as Tropas do Interior estavam se retirando desorde-
nadamente. A situação era quase crítica. Kazantsev tomou a
decisão de avançar ele mesmo para o setor de frente. Ele deteve
pessoalmente as subdivisões das Tropas do Interior que estavam
fugindo em desordem e identificou pessoalmente uma nova
missão para eles, tentando distribuí-los para cercar os inimigos.
Kazantsev é um herói do exército e as Tropas do Interior são
covardes. Esse é o veredicto do tribunal.
Os soldados certamente estavam em fuga, mas de uma armadilha
mortal na qual tinham sido postos. Eles tentaram sobreviver ao
bombardeio da melhor maneira, o qual estava sendo dirigido a
eles pelas ordens de imbecis. Eles estavam arrastando seus
feridos, pedindo ajuda para recuperar os corpos dos que tinham
sido mortos, e Kazantsev assistiu a tudo isso.
O preço final daquele bombardeio traiçoeiro das colinas às 15:00
por dois SU-25 foi de oito mortos e 25 feridos. Somente um
soldado foi morto em combate com os tchetchenos.
As perdas totais das Tropas do Interior no decorrer da operação
de Kazantsev em 9-10 de setembro foram de "mais de 80
homens", de acordo com o inquérito. Nenhum outro detalhe está
disponível. Os soldados do condenado destacamento do major
Iachin continuaram a voltar para suas próprias linhas durante
vários dias. O corpo de Alexander Slesarenko foi encaminhado à
sua família, na província de Riazan, duas semanas depois, em um
caixão lacrado. Os caixões eram enterrados nos cemitérios da
Rússia e o Estado cravava nas suas sepulturas o memorial mais
barato de todos, um insulto aos homens que jazem sob eles.

83
Superando a tristeza, a mãe de Alexander apelou para o Tribunal
Basmanni, sob cuja jurisdição está o Ministério da Defesa. O juiz
Voznesenski ordenou que o Tesouro pagasse a ela 250.000
rublos [US$9.400] como indenização. Não é preciso dizer que o
dinheiro não saiu dos bolsos de Kazantsev, que era então um
favorito do presidente e representante pessoal de Putin no norte
do Cáucaso. Kazantsev foi coberto por Putin de medalhas, ordens
e títulos por sua participação na chamada operação
antiterrorismo, por levar a Tchetchênia à posição na qual o
presidente a queria.
O juiz Voznesenski é um homem jovem, dinâmico e moderno e
não se fecha à menção de interferência administrativa no proces-
so judicial. Ele sabe exatamente do que você está falando. Eu o
conheço bem. É brilhantemente educado e apimenta sua
conversação com expressões em latim, revelando um nível de
erudição inédito entre os juízes russos. Porém, Voznesenski não
se aprofundou muito nos detalhes da morte do soldado
Slesarenko, nem se deu ao trabalho de convocar o general Viktor
Kazantsev, aquele "herói da Rússia", ao seu tribunal.
Assim, mais uma vez, os contribuintes russos pagam sem recla-
mar a conta da Segunda Guerra Tchetchena e as idiotices dos
seus generais, além de todos os outros gastos das sucessivas
escapadas militares no norte do Cáucaso.
Por quanto tempo isto irá continuar? A tragédia da Segunda
Guerra Tchetchena foi o trampolim para a carreira estelar de
todos os nela implicados como camaradas em armas do atual
presidente. Quanto mais sangue derramado, mais alto eles
ascendem. E quem assume a responsabilidade? Simplesmente
não importa quantas pessoas Kazantsev envia para a morte; não
importa a freqüência com a qual ele desaba bêbado nos braços de
outras pessoas, inclusive jornalistas. Nada acontece. A única
84
coisa que importa na Rússia hoje é a lealdade a Putin. A devoção
pessoal ganha uma indulgência, uma anistia antecipada, para
todos os sucessos e fracassos da vida. Competência e
profissionalismo não contam no Kremlin. O sistema que evoluiu
sob Putin corrompe profundamente os funcionários públicos,
tanto civis quanto militares.
A mãe de Alexandre me conta: "Nunca aceitarei o fato de que
meu Sasha foi sacrificado pela ambição de um general. Nunca."

15 de janeiro
Em Moscou, há uma discussão sobre um novo livro-texto de
história. Membros do RU estão querendo que Putin exija que
sejam incluídos o "orgulho pelos acontecimentos" da Guerra
Russo-fin-landesa de 1939 e a coletivização da agricultura por
Stalin. Ele; insistem em que nossos filhos devem ler, mais uma
vez, o comportamento soviético na Segunda Guerra Mundial e o
papel supostamente positivo desempenhado por Stalin. Putin está
concordando com isso. O Homo sovieticus está fungando em
nossos cangotes. Ao mesmo tempo, outro livro didático foi
banido por incluir um comentário do acadêmico Ianov dizendo
que a Rússia corre o risco de se tornar um Estado nacional-
socialista equipado com armas nucleares.
Parentes das vítimas de Nord-Ost têm uma reunião, no Gabinete
do Procurador-geral em Moscou, com Vladimir Kaltchuk, o
investigador de Crimes Hediondos que dirige o inquérito sobre a
tomada de reféns no teatro. Eles me pediram que os
acompanhasse para reduzir a probabilidade de Kaltchuk enganá-
los ou insultá-los. Quando não há estranhos presentes, Kaltchuk
insulta constantemente os parentes dos mortos e nunca foi punido
por isso. Ele tem instruções pessoais de Putin para fraudar a
85
investigação e garantir que as informações sobre o gás sejam
suprimidas.
"Passaportes sobre a mesa!", grita Kaltchuk, sinalizando o início
da reunião. "Associação Nord-Ost. O que é isso? Quem reco-
nheceu esta organização?"
"Será que podemos falar como seres humanos civilizados?",
pergunta Tatiana Karpova. Ela é mãe de Alexander Karpov, um
dos reféns que morreram, e presidente da Associação Nord- Ost.
"Quantos terroristas foram mortos? Quantos conseguiram
escapar?"
"De acordo com nossos dados, todos os terroristas no prédio
foram mortos, mas é impossível dar uma garantia de 100%”
"Por que foram todos mortos?"
"Bem, eles foram e é tudo. Essas coisas são decididas pelas
forças de segurança. Eles estão arriscando a vida quando entram
e não cabe a mim lhes dizer quem deveriam ou não matar. Tenho
minha "opria opinião como ser humano e tenho como advogado."
"O senhor considera que um vídeo publicado de um tiroteio gere
que qualquer dos reféns poderia ter sido morto dessa maneira?"
(Tatiana está se referindo às imagens da manhã de 26 de tubro de
2002, imediatamente depois do ataque à entrada do complexo de
teatros, que mostram uma mulher não identificada, vestindo um
uniforme militar de camuflagem, apontando uma pistola — e
possivelmente atirando — para um homem não identificado cujas
mãos estão amarradas atrás das suas costas.)
"Ninguém está ‘acabando’ com ninguém nesse filme. Os jor-
nalistas gostariam de fazer com que fosse visto como um
assassinato. Nós o analisamos. O que há é um cadáver sendo
arrastado de um lugar para outro e a mulher está meramente
indicando onde ele deve ser colocado. Sabemos de quem é aquele
corpo."
86
"De quem?"
"Se eu lhe contar, você dirá que é tudo mentira."
"É o corpo de Vlakh?" (Gennadi Vlakh foi um moscovita que
entrou no prédio ocupado por iniciativa própria, para procurar
seu filho.)
"Sim, é. O exame demonstrará isso."
Kaltchuk sabe perfeitamente que o filho de Vlakh e sua ex-
mulher estudaram cuidadosamente a gravação e negaram
categoricamente que a pessoa que estava sendo arrastada fosse
Gennadi. Nada encaixa: a estrutura do corpo, os cabelos ou as
roupas.
Tatiana continua: "O senhor admite que houve pilhagem no
saguão depois do ataque?"
"Sim. As forças de segurança estavam lá e, se viam uma bolsa,
colocavam-na no bolso. Eles são apenas humanos. É o tipo de
país em que vivemos. Os salários deles são miseravelmente
baixos."
"Estão investigando a pilhagem?"
"Ora, faça-me o favor... É claro que não."
"Queremos desesperadamente saber a verdade a respeito de como
morreram nossos parentes. Vocês pretendem registrar acusações
contra algum funcionário por não ter providenciado auxílio
médico após o ataque?"
"Se todos vocês recebessem um milhão de dólares, como fazem
no Ocidente, se calariam imediatamente. Vocês deveriam chorar
um pouco e depois simplesmente calar a boca."
Vladimir Kurbatov, pai de uma menina de 13 anos que era
membro do elenco de Nord-Ost, que morreu:
"Eu não me calarei. Buscarei a verdade sobre quando e onde
minha filha morreu. Até agora, ninguém sabe."
Liudmila Trunova, uma advogada presente à reunião:
87
"Como foi que o corpo de Grigori Burban, um dos reféns mortos,
veio a ser descoberto na avenida Lenin?"
"Quem disse? Não sei." Tatiana
Karpova:
"Por que o corpo de Gennadi Vlakh foi cremado, como se ele
fosse um dos terroristas?"
"Isso não é da sua conta. Por que você não faz perguntas a res-
peito do seu pai?"
"Uma pergunta a respeito de Terkibaev..."
"Terkibaev nunca esteve lá. Politkovskaia não nos ajudou. (Es-
crevi no meu jornal a respeito do papel do oficial do FSB
Terkibaev naquele cerco.) Ela se recusou a nos dar informações a
respeito dele. Disse apenas que não sabia de nada."
"Alguém chegou a ser acusado em conexão com este caso?"
"Não."
Kaltchuk é um típico representante dos oficiais de segurança e da
lei da nova era de Putin. Eles são ativamente encorajados a tratar
as pessoas de forma dominadora.
Enquanto isso, em Magadan grandes quantidades de recrutas
adoeceram a caminho de suas unidades. Putin reage instantanea-
mente, dizendo que aquela é "uma forma criminosa de tratar pes-
soas". Os recrutas ficaram enfileirados em uma pista de pouso
por várias horas usando somente roupas leves e mais de oitenta
foram internados com pneumonia. Um dos soldados,Volodia
Beriozin, da província de Moscou, morreu de hipotermia em 3 de
dezembro. Beriozin eram um rapaz forte e saudável, que foi
selecionado para servir no regimento do presidente. Seus pais,
como todos os outros, estão exigindo do presidente uma
explicação de como uma coisa dessas pode acontecer.
Já é 15 de janeiro eVolodia Beriozin foi enterrado há nove dias,
mas a Rússia ficou indignada somente depois que Putin
88
expressou sua ira. Soldados são poeira sob as botas dos seus
oficiais. E assim que as coisas são aqui e Putin, ele mesmo a
encarnação de um estereótipo, aceita isso.

16 de janeiro
O corpo de Aslan Davletukaev, seqüestrado em sua casa em 10
de janeiro, foi encontrado apresentando sinais de tortura. Ele
levara um tiro na nuca. O corpo foi achado na periferia de
Gudermes.
Aslan era um conhecido defensor tchetcheno dos direitos huma-
nos. (Apesar da intervenção de organizações internacionais, a
investigação do assassinato foi infrutífera.)
Glória ao nosso czar! Está em andamento uma investigação sobre
o caso dos soldados congelados. Seu tratamento desumano
começou no aeroporto militar de Tchkalov, na província de
Moscou. O tempo estava frio e os novos recrutas foram amontoa-
dos por 24 horas em um depósito de armas sem calefação,
dormindo sobre caixas ou no piso frio. Foram transportados em
um avião cargueiro à temperatura de -30 graus Celsius, como
troncos, e ficaram congelados até a medula. Quando desceram
em Novosibirsk, foram forçados a permanecer em pé na pista por
duas horas a -19 graus. No aeroporto de Komsomolsk-on-Amur,
permaneceram quatro horas com roupas leves a -25 graus. Em
Petropavlovsk, ficou óbvio que alguns estavam gravemente
doentes, mas os oficiais que os escoltavam ignoraram a situação.
Nos alojamentos onde foram acomodados depois do vôo, a
temperatura era de +12 graus. Aquela altura, quase cem deles
estavam doentes. Não havia instalações para tratá-los. Os
médicos do exército tinham somente antibióticos vencidos em

89
meados da década de 1990 e não havia nenhuma agulha
hipodérmica. Os médicos lhes deram remédios para tosse.
O Gabinete do Procurador Militar anunciou que em pouco tempo
irá interrogar o coronel Vasili Smirnov, chefe do Conselho Geral
de Logística do Ministério da Defesa, a respeito do caso dos
soldados congelados. Esta é uma liberdade sem precedentes,
imaginável somente se eles receberam sinal verde de cima. Vinte
e dois generais já foram interrogados, a primeira vez em que
generais foram questionados sobre alguma coisa acontecida com
recrutas. É maravilhoso ver o presidente atuar como o principal
defensor dos direitos humanos da Rússia, mas será que ele estará
usando a mesma máscara depois da eleição presidencial?
Nossa democracia continua em declínio. Nada na Rússia depende
do povo; tudo depende de Putin. Há uma crescente centralização
de poder e de perda de iniciativa pelos funcionários públicos.
Putin está ressuscitando nosso antigo estereótipo: "Vamos
esperar até que nosso senhor, o barin, retorne. Ele nos dirá como
tudo deve ser." É preciso admitir que é assim que o povo russo
gosta, o que significa que logo Putin irá tirar a máscara de
defensor dos direitos humanos. Ele não precisará mais dela.
Para onde foram todos os democratas? Alexander Jukov, antigo
democrata e hoje membro do RU, considera que. “É uma boa
coisa quando há um partido dominante no Parlamento. O
eleitorado vê claramente quem é o responsável por tudo. Nas três
Dumas anteriores, isso não aconteceu. Está claro que o RU
estimulará uma economia de mercado baseada na redução da
carga fiscal, no desenvolvimento da livre empresa e na redução
do papel do Estado, na reforma dos monopólios naturais,
trazendo a Rússia para o mercado mundial, e reformas do bem-
estar social, que não está hoje funcionando satisfatoriamente.
Não há motivos para nos preocuparmos com esta Duma. Os
90
procedimentos democráticos estão sendo melhor observados do
que nas suas antecessoras."
(Jukov pouco depois foi nomeado vice-primeiro-ministro.)

17 de janeiro
Continuam os rompimentos políticos e deserções. O Partido do
Renascimento da Rússia, outro partido anão, chefiado por
Genna-di Selezniov, decidiu apoiar Putin na eleição e deixar de
lado Sergei Mironov, presidente do Soviet da Federação e líder
do Partido da Vida, com quem tinha uma aliança durante as
eleições parlamentares. A decisão foi tomada depois de uma
análise dos resultados do partido nas eleições. Em conjunto, os
partidos desses dois líderes conseguiram apenas 1,88% dos
votos.
A televisão mostra Putin reiterando: "Não precisamos de uma
Duma barulhenta." Os membros do RU garantem ao país que a
tomada do Parlamento que fizeram é "mais honesta" com os
eleitores. Estão se tornando cada vez mais óbvias as regras
disciplinares militares dentro do RU. Nenhum dos deputados
pode dar entrevistas a jornalistas ou votar de acordo com sua
consciência. Hoje o partido tem 310 deputados. Estes ainda estão
se unindo e jurando lealdade.
A campanha eleitoral para a Presidência é realmente muito es-
tranha. Na realidade, não existe nenhuma necessidade de
comentaristas favoráveis. Todos já preferem Putin, mesmo
aqueles que estão contra ele. Malichkin, o guarda-costas idiota, já
admitiu isto. Houve algo na televisão a respeito da mãe de
Malichkin, que mora na província de Rostov numa casa sem água
corrente. Ela diz que vai votar em Putin porque está muito
contente com ele. Mironov chegou a perguntar com espanto: "Por
91
que ainda somos candidatos? Deveríamos formar ombro a ombro
com ele."
Sergei Glaziev, outro pseudocandidato, declara ao povo: ”Gosto
de Putin. Tenho muita coisa em comum com ele. O que não
gosto é de como as decisões são implementadas."
O fracasso dos democratas e liberais em lançar um candidato
conjunto assemelha-se cada vez a um suicídio político.
Em Grozni, à luz do dia, tropas russas raptaram Khalid
Edelkhaev, 47, um motorista de táxi, na estrada que vai até a vila
de Petrovpavlovskaia. Seu paradeiro é desconhecido.

18 de janeiro
A Comissão Eleitoral Central está começando a receber
assinaturas dos defensores dos candidatos sem partido, mas ainda
existe alguém de fato contra Putin? Só Irina Khakamada.
Dentro do Partido Comunista, há um conflito entre os líderes,
Ziuganov e Semigin, e eles não têm tempo para uma batalha polí-
tica contra Putin. Rogozin, do Rodina, diz que quer apoiar Putin.
Glaziev ainda está indeciso.
O prazo final para a apresentação de assinaturas é 28 de janeiro e
faltam 35 dias para as eleições.

19 de janeiro
O Comitê 2008, uma organização que defende eleições justas,
mas só espera consegui-las em 2008, publicou um manifesto no
qual diz que atualmente é "repugnante" viver na Rússia. Como se
já não o soubéssemos! O presidente do comitê é Gari Kasparov,
o ex-campeão mundial de xadrez. Ele é inteligente e
autoconfiante, o que é um bom começo.

92
20 de janeiro
Durante a noite, pistoleiros mascarados em carros Jiguli brancos
e sem placas — a marca registrada das forças de Kadirov —
raptaram
Milana Kodzoeva da sua casa na aldeia tchetchena de Kotar-Iurt.
Milana é viúva de um insurgente tchetcheno e tem dois filhos
pequenos. Seu paradeiro é desconhecido.

21 de janeiro
Irina Khakamada fez um apelo público por fundos junto à elite
empresarial russa. Leonid Nevzlin, amigo de Khodorkovski,
ofereceu-lhe apoio. Tchubai recusou.
Aqueles que sobreviveram ao Cerco de Leningrado estão
começando a receber medalhas e pagamentos para marcar o sexa-
gésimo aniversário da suspensão do cerco. Estão recebendo entre
450 e 900 rublos [US$16 e 34].Os sobreviventes são pobres e em
São Petersburgo houve fila durante muitos dias para receber. No
total, cerca de 300 mil pessoas tinham o direito de receber esta
ninharia, mas somente 15 mil conseguiram. Os sobreviventes
detestam as novas medalhas, que contêm a inscrição "Residente
na Leningrado Sitiada" e "Pela Defesa de Leningrado". A
Fortaleza de Pedro e Paulo é mostrada de uma perspectiva
inimaginável e armadilhas para tanques, que nunca existiram,
aparecem nos aterros. Tudo foi feito ao estilo soviético. Goste
dele ou agregue-o.

24 de janeiro

93
Em Grozni, pessoas não identificadas vestindo roupas de
camuflagem e dirigindo um jipe militar UAZ raptaram Turpal
Baltebiev, 23 anos, do ponto de ônibus do Hipódromo. Seu
paradeiro é desconhecido.

27 de janeiro
Putin está em São Petersburgo. Sua campanha eleitoral continua
com o pano de fundo do sexagésimo aniversário da suspensão do
Cerco de Leningrado. Ele voou até Kirovsk, local da lendária
Cabeça-de-ponte do Neva, onde seu pai, Vladimir Spiridonovitch
Putin, combateu e foi gravemente ferido. Foi a partir da Cabeça-
de-ponte do Neva que, em 18 de janeiro de 1943, foi levantado o
Cerco de Leningrado. Durante o cerco, o irmão mais velho de
Putin morreu de fome. Sua mãe mal sobreviveu. Entre 200 mil e
400 mil soldados morreram tentando avançar. O número exato e
os nomes de muitos deles são desconhecidos até hoje, porque
quase todos eram simplesmente voluntários de Leningrado que
morreram antes de poder ser alistados como soldados. A cabeça-
de-ponte tem um quilômetro e meio de extensão e várias
centenas de metros de largura. Mesmo hoje, as árvores não
crescem no lugar. Putin depositou um buquê de rosas vermelhas
no monumento.
Em homenagem à chegada de Putin, foi realizada uma sessão do
Presídio do Conselho do Estado. Essa é uma instituição pura-
mente consultiva, mas altamente cerimoniosa, criada por Putin
para manter satisfeitos os governadores das províncias russas.
A sessão daquele dia era dedicada aos problemas dos aposenta-
dos, dos quais há mais de 30 milhões na Rússia. Cerca de vinte
foram reunidos para um encontro com Putin, vestindo velhos ter-
nos e suéteres rasgados. Eles eram da província de Leningrado e
94
falaram da sua qualidade de vida terrivelmente baixa. Putin ouviu
todos, não interrompeu ninguém e disse: "É essencial que pense-
mos em como poderemos proporcionar uma vida digna na velhi-
ce. Esta é uma tarefa crucial para o Estado." As palavras “tarefa
crucial" são ouvidas constantemente, mas, dependendo do
público, é o bem-estar dos trabalhadores rurais ou a melhoria dos
serviços de saúde que é crucial. É a conversa habitual de um
agente da KGB, mas as pessoas parecem não perceber. Desta
vez, Putin prometeu dobrar o valor pelo qual as pensões serão
indexadas em 2004. O acréscimo médio mensal chegará a 240
rublos [US$9], quantia com a qual eles poderão comprar meio
quilo de carne de boa qualidade.
Khakamada publicou seu manifesto:
Nos últimos quatro anos, as autoridades eliminaram toda a
oposição política e destruíram a mídia de massa independente;
O partido do governo na Duma não tem programa, nem idéias;
Se em quatro anos, por volta de 2008, aqueles que apóiam a
democracia não se tiverem feito ouvir, a Rússia voltará de forma
irreversível ao autoritarismo;
Desafio Putin para um debate, porque quero ouvir dele
exatamente que espécie de Rússia quer construir;
Colhi quatro milhões de assinaturas em apoio à minha
candidatura;
Estou preparada para ser a rolha que salta da garrafa que confina
o espírito da vontade dos cidadãos russos.
Um bom manifesto, mas Putin não se abalou diante de nenhuma
das declarações, como se elas não tivessem sido feitas. Ninguém
insistiu para que ele respondesse. Nossa sociedade está doente.
Em sua maioria, as pessoas sofrem da doença do paternalismo,

95
que é como Putin escapa de tudo, o motivo pelo qual ele é
possível na Rússia.

28 de janeiro
Às 18:00, a Comissão Eleitoral Central deixou de aceitar
assinaturas de partidários dos candidatos presidenciais. Putin,
Mironov e Ribkin já haviam apresentado as suas. Khakamada
entregou a dela às 15:00. O empresário Anzori Azsentiev enviou
uma carta retirando sua candidatura.
Há alternativas: Khakamada para os favoráveis ao Ocidente,
Kharitonov para os comunistas, Malichkin para os radicais
políticos e rufiões, Glaziev para aqueles que acreditam no nosso
status de superpotência.

29 de janeiro
Vladimir Potanin continua tentando se posicionar como "bom"
oligarca — isto é, não comparável a Khodorkovski. Está
propondo uma reforma no sindicato dos oligarcas: "As empresas
constituem uma força construtiva. Precisamos de um diálogo
novo e significativo com as autoridades do Estado. As empresas
devem levar em conta as necessidades da sociedade, devem
explicar quem somos." Ele também fala de moderar as ambições
dos oligarcas e diz que as grandes empresas não necessitam de
representação nos principais conselhos do país.
Potanin recebeu horário nobre na televisão para dizer isso. Todos
acham que ele recebeu a bênção do próprio Putin.
2 de fevereiro
Pela televisão, Putin reduz o preço do pão usando o velho
método soviético de parar as exportações de grãos. Por que
96
estamos exportando, se o país está com fome? Não há ninguém
para fazer essa pergunta, pois a oposição não tem acesso à mídia.
Putin ouve relatórios de que em muitas regiões o custo do pão
dobrou no último mês e exige que essas altas de preços
descontroladas sejam detidas imediatamente.
Na televisão, ele promete analisar os pagamentos de pensões para
pessoas incapacitadas na infância durante a Segunda Guerra
Mundial. Zurabov, o ministro da Saúde e do Bem-estar Social,
diz-lhe que está bastante seguro de que a legislação necessária
será rapidamente aprovada em todos os trâmites na Duma. É
como se a Duma não tivesse outras leis para aprovar. Tudo que
interessa são as exigências do presidente para sua campanha
eleitoral, que parece consistir em uma constante distribuição de
esmolas.
Ao mesmo tempo, Zurabov fala com Putin sobre pensões para
padres. Putin tem um grande interesse pelo bem-estar dos padres!
Zurabov lembra que, antes da queda da URSS, os padres não
tinham direito a pensões.
Em vez de verdadeiros debates pré-eleitorais, temos mais um
episódio da novela política que é o partido Rodina: uma furiosa
briga entre Rogozin e Glaziev em vez de debates sobre o futuro
do país. Rogozin ofende Glaziev, este responde com um
amontoado de bobagens e ninguém fala do que Putin poderia ter
a oferecer em um segundo mandato. Quase nenhum dos
candidatos supostamente oponentes de Putin tem alguma idéia.
Em Moscou, Ielena Tregubova quase foi morta por uma pequena
bomba plantada em seu prédio. Teria sido obra de desordeiros?
Ela publicou recentemente um livro anti-Putin, Tales of a
Kremlin Digger (Contos de um escavador do Kremlin). Acredita-
se que Tregubova tenha sido amante de Putin. Ela foi membro da
equipe de imprensa do Kremlin, mas então viu a luz e escreveu
97
um livro a respeito da vida íntima do Kremlin, que mostra os
fatos sob uma luz desfavorável. [Tregubova emigrou da Rússia
pouco tempo depois].
3 de fevereiro
Por volta das 17:00, houve um ataque terrorista em Vladikavkaz
Cadetes militares tiveram seu carro Jiguli explodido quando
ultrapassavam um caminhão. Uma mulher morreu e 10 pessoas
ficaram feridas. Um dos cadetes está em estado crítico.

4 de fevereiro
Em Grozni, homens armados não identificados, usando máscaras
e roupas de camuflagem, raptaram Satsita Kamaeva, 23 anos, de
sua residência na rua Aviatsionnaia. Seu paradeiro é
desconhecido.
Enquanto isso, em Moscou, dizem que o quartel-general da
campanha eleitoral de Putin foi montado, mas é tão virtual
quanto o próprio Putin. O endereço é Praça Vermelha, 5, só que
ninguém pode entrar. Putin nomeou como líder de sua equipe
eleitoral Dmitri Kozak, primeiro subchefe da administração
presidencial e encarregado das reformas judiciária e
administrativa. Kozak tem a fama de ser o membro mais
inteligente do governo, depois de Putin, é claro. Como Putin, ele
é formado na Faculdade de Direito da Universidade de
Leningrado. Lá ele trabalhou no Gabinete do Procurador e na
Prefeitura de São Petersburgo e, em 1989, foi vice-governador de
São Petersburgo. Em outras palavras, pertence à Brigada de Putin
de São Petersburgo.
A Liga de Comitês de Mães de Soldados formará um partido
político. Na Rússia, os partidos nascem por três motivos: porque
há muito dinheiro em algum lugar, porque alguém não tem nada
98
de melhor para fazer ou porque alguém foi levado ao desespero.
O Partido das Mães de Soldados é inteiramente fruto das eleições
parlamentares de 7 de dezembro, nascido na selva de uma
política russa destituída de todas as forças democráticas.
"Agora estamos suficientemente maduras para fundar um par-
tido", diz Valentina Melnikova, presidente do comitê
organizador.
Temos conversado a este respeito há muito tempo, mas anterior-
mente podíamos contar com o apoio da União de Forças de Di-
reita e do Iabloko na nossa campanha pela reforma do Exército,
para ajudar soldados, pela abolição do serviço militar obrigatório
e por iniciativas do legislativo. Iavlinski e Nemtsov ainda
participavam, mas agora tudo está em ruínas. Estamos em meio a
uma Hiroshima política, mas ainda temos problemas que
precisam ser resolvidos. Não há ninguém a quem possamos
recorrer, ninguém em quem possamos depositar nossas
esperanças. Todos os atuais partidos políticos são uma
continuação do Kremlin por outros meios. Suspeitamos de que os
deputados da Duma correm todas as manhãs à Praça Vermelha
para receber instruções do Mausoléu de Lenin e a seguir vão
fazer o que lhes foi ordenado. Foi por isso que decidimos formar
nós mesmas um partido."
Portanto, o Partido das Mães de Soldados é um partido de
desespero, nascido da completa desesperança política que é a
soma dos quatro últimos anos de tristeza. Numa época em que
tudo está sob o controle do Kremlin, essa é uma iniciativa direta
de cidadãos comuns, que surgiu sem o benefício de "recursos
administrativos", na qual Vladimir Surkov, o ubíquo subornador
político da Rússia, não teve participação nenhuma.
A decisão de criar o partido foi tomada de uma forma muito
simples: depois das eleições para a Duma, mulheres de Miass,
99
Nijni Novgorod, Sochi e Nijni Tagil telefonaram para o escritório
de Moscou da Liga de Comitês de Mães de Soldados. Os comitês
daquelas cidades foram a força motriz por trás da criação de um
novo partido político.
Os remanescentes do Iabloko e da União de Forças de Direita são
um triste espetáculo, mas ao mesmo tempo surgem iniciativas
públicas de pessoas profundamente comprometidas com um
imenso potencial de dissidência. Putin quer tudo isso podado
rente, mas de sua atitude com relação à oposição está brotando
algo de positivo. Aproxima-se um tempo de novas iniciativas. A
devastação da arena política incentiva aqueles que se recusam a
viver sob os velhos clichês soviéticos e pretendem lutar. Para
sobreviver em território inimigo, quando mais ninguém luta por
você, é preciso reunir sua determinação e começar a lutar por si
mesmo. Na linguagem das mães de soldados, isso quer dizer lutar
pela vida dos soldados contra a máquina de recrutamento do
exército, que os devora.
A última gota foi um incidente envolvendo Ida Kuklina e Putin.
Ida trabalha há dez anos no comitê de Moscou e hoje é membro
da Comissão Presidencial de Direitos Humanos. Ela dedicou
muita energia para conseguir um aumento na pensão paga a
soldados recrutados que foram reduzidos ao estado de invalidez
Categoria I (a pensão atual é de 1.400 rublos ou cerca de US$52
por mês). Os inválidos de Categoria I tiveram membros amputa-
dos, foram condenados ao leito por ferimentos na coluna ou estão
confinados a cadeiras de rodas.
Ida Kuklina entregou pessoalmente uma petição a Putin numa
das reuniões da sua comissão. Ele escreveu nela uma
recomendação animadora, apesar de não muito específica – "A
questão está corretamente apresentada. Putin” – e enviou-a ao
governo e ao departamento de pensões.
100
Galina Karelova, vice-primeira-ministra do Bem-estar Social,
respondeu sarcasticamente que haveria uma revolta dos inválidos
caso fosse feita uma tentativa de elevar o nível das pensões de
soldados que haviam sido incapacitados durante a Segunda
Guerra Mundial, a guerra no Afeganistão e outras guerras locais.
Para ela, isso seria antiético.
Mais uma vez, Ida abordou Putin; mais uma vez, recebeu uma
resposta positiva e, mais uma vez, teve seu pedido recusado pelos
funcionários. Isso aconteceu três vezes seguidas. Foi nesse ponto
que as mães decidiram que a única solução era elas mesmas se
tornarem legisladoras. Sua intenção é ter deputados do Partido
das Mães de Soldados na Duma depois das eleições
parlamentares de 2007.
"Quem será o líder do seu novo partido? Vocês convidarão
algum político experiente?"
"Será uma das nossas", responde enfaticamente Valentina
Melnikova.
Conversando com as mães de soldados a respeito do futuro,
ouvimos sobre uma nova atrocidade dentro do exército. O
soldado Alexander Sobakaev foi brutalmente torturado na
Divisão Dzerjinski de Operações Especiais das tropas do
Ministério do Interior. A última vez em que sua família ouviu sua
voz ao telefone foi na noite de 3 de janeiro. Alexander, com vinte
anos incompletos, estava no seu segundo ano no exército e já
havia sido promovido a cabo no batalhão de sapadores. Tinha
telefonado para dizer que tudo estava bem. Eles recordaram o dia
em que o viram sair de casa para ir para o exército e riram à idéia
de que logo estariam comemorando seu retorno. Naquela mesma
noite, nas primeiras horas de 4 de janeiro, se acreditarmos nos
documentos que acompanhavam o esquife de zinco, Alexander
enforcou-se com o próprio cinto, "na ausência de circunstâncias
101
suspeitas". Em 11 de janeiro, seu corpo foi levado para sua casa
na pequena aldeia de Velvo-Baza, a 290 km de Perm. Os
representantes da divisão, que levaram o caixão, explicaram aos
pais que "foi suicídio". Não havia atestado de óbito. Os pais não
acreditaram e exigiram que o caixão fosse aberto. Os primeiros a
recuar horrorizados foram seus colegas de serviço. O corpo não
só estava coberto de escoriações e cortes de lâmina de barbear,
mas a pele e os músculos dos pulsos estavam cortados até os
ossos, expondo os tendões. Um médico do hospital local foi
chamado e, na presença dos policiais locais, de um fotógrafo da
CID e representantes do comissariado do distrito militar,
registrou que aquela mutilação havia ocorrido enquanto
Alexander ainda estava vivo.
Os pais recusaram-se a enterrar o filho, exigindo um inquérito. A
mãe ficou em casa, mas o pai foi direto a Moscou, à Divisão
Dzerjinski de Operações Especiais e aos jornais da capital. Foi
assim que o escândalo veio à luz.
Putin não reagiu ao caso. De fato, se ele fosse reagir a cada atro-
cidade no exército, faria isso quase todos os dias e o eleitorado
começaria a se perguntar por que aquelas ocorrências eram tão
comuns e por que o comandante-em-chefe - isto é, Putin — nada
fizera antes a esse respeito.
Conseqüentemente, nada foi feito pela identificação dos assas-
sinos de Alexander. O Gabinete do Procurador Militar fez tudo o
que pôde para assegurar que a verdade permanecesse oculta.
Alexander se saiu pior que Volodia Beriosin, por cuja morte por
frio e fome oficiais responderão no tribunal, graças somente ao
fato de a campanha eleitoral de Putin ter acabado de começar e
de ele ter posto suas mãos na história.
A investigação da morte de Alexander está acontecendo sem
urgência nenhuma. Embora seus pais não quisessem enterrar o
102
corpo até que um inquérito independente tornasse pública a ver-
dade a respeito da sua morte, isso foi recusado. A família ficou
sem dinheiro para manter o corpo no necrotério do distrito de
Kudimkr e Alexander foi enterrado como suicida. Quantos mais
de nossos filhos terão de ser sacrificados antes que uma grande
campanha conjunta e pública leve à reforma completa deste
exército? £sta é uma pergunta que se recusa a desaparecer.
Será que estamos vendo uma mudança no humor da sociedade
desta sociedade civil que começa medrosamente a emergir das
cozinhas da Rússia da mesma maneira pela qual, depois de um
expurgo na Tchetchênia, as pessoas, em silêncio e com cautela,
deixam seus porões e suas tocas?
Ainda não, embora muitos estejam começando a se dar conta do
que as pessoas na Tchetchênia perceberam, depois de ser sujeitas
à "operação antiterrorista": é preciso confiar em você mesmo
para sobreviver; se ninguém mais o defende, defenda-se você. O
aumento de violência da burocracia está mais descontrolado do
que nunca depois do triunfo do RU e ainda há muito poucas
iniciativas públicas.
Com a aproximação do dias da eleição, os boletins noticiosos da
televisão se parecem cada vez mais com despachos animadores
sobre as realizações de Putin. A maior parte do noticiário é
ocupada por burocratas se reportando a Putin diante das cameras,
mas sem nenhuma semelhança com comentários independentes.
Hoje, Sergei Ignatiev, presidente do conselho do Tsentrobank,
falava com ele sobre o improvável crescimento das reservas de
ouro e moedas estrangeiras.
Para acompanhar muitas conversas políticas sobre o bem-estar do
povo, a Quarta Duma está aprovando leis motivadas por lobistas
de forma ainda mais gritante do que a Terceira Duma. Por exem-
plo, há uma proposta para uma redução significativa do Imposto
103
sobre Valor Agregado para agentes imobiliários. Isso é
simplesmente risível, porque na Rússia os agentes imobiliários
são milionários. Nin guém levanta o assunto na mídia de massa,
embora se cochiche muito a este respeito. Os jornalistas praticam
uma autocensura rigorosa. Eles nem mesmo propõem essas
matérias aos jornais ou às emissoras de televisão, por ter certeza
de que elas serão cortadas.
Terminou o Oitavo Encontro Mundial dos Povos da Rússia. Foi
saudado como o grande evento de fevereiro e foi quase igual a
um congresso do RU, com a participação de todos os altos buro-
cratas do governo. Estranhamente, ninguém consegue lembrar
quando ocorreu o Sétimo Encontro Mundial.
No encontro, Sergei Pugatchev, o banqueiro oligarca do presi-
dente, sentou-se à direita do patriarca da Igreja Ortodoxa Russa.
Pugatchev é um dos oligarcas de Putin que substituíram os
oligarcas de Ieltsin e o governo chega ao ponto de se referir a ele
"como um banqueiro ortodoxo russo". A pedido de Pugatchev, o
encontro adotou um tipo estranho de decálogo para empresários,
chamado Um Código de Regras e Princípios Morais para a
Condução de Empresas.
O código pontifica sobre assuntos como riqueza e pobreza,
nacionalização, evasão fiscal, propaganda e lucros. Um dos
mandamentos nos informa que "a riqueza não é um fim em si.
Ela deve servir para criar uma vida boa para o indivíduo e para o
povo". Outro alerta que "ao empregar mal propriedades, deixar
de respeitar bens comunitários, deixar de dar uma recompensa
justa a um trabalhador pelo seu trabalho ou ao enganar um sócio,
a pessoa transgride a lei moral, prejudicando a sociedade e a si
mesma". Além disso, sobre o assunto da evasão fiscal, deixar de
pagar seus impostos é "roubar dos órfãos, dos idosos, dos
incapacitados e outros menos aptos a se protegerem".
104
"Transferir parte da renda de uma pessoa através da tributação
para prover as necessidades da sociedade deve deixar de ser uma
obrigação pesada cumprida de má vontade, e às vezes não
cumprida, e passar a ser uma questão de honra, merecedora da
gratidão da sociedade." Sobre os pobres. “O pobre também tem a
obrigação de se comportar de forma digna, de se esforçar para
trabalhar de forma eficiente, de elevar suas qualificações
vocacionais para sair da sua condição de pobreza." Mais uma
vez: "A veneração da riqueza é incompatível com a retidão
moral."
O código contém alusões a Khodorkovski, a Berezovski e
Gusinski. "Deve haver separação entre os poderes político e
econômico. O envolvimento de empresas na política e sua
influência na opinião pública sempre deve ser transparente e
aberta. Toda assistência material dada por empresas a partidos
políticos, organizações públicas e à mídia de massa deve ser de
conhecimento público e monitorada. Apoios clandestinos dessa
natureza devem ser condenados publicamente como imorais."
É claro que, neste caso, toda a campanha eleitoral do RU foi
imoral, assim como o fato de o oligarca de Putin ser senador.
Tudo isso pretende reforçar a idéia de que é certo e honrado ser
um "bom" empresário no bolso de Putin, mas se a pessoa tentar
ser independente, passa a ser má e deve ser destruída. O código é
manifestamente anti-Iukos. Apesar de ser supostamente
voluntário, ele é, como tudo hoje na Rússia, "compulsoriamente
voluntário". Não é preciso entrar para o RU, mas se você não o
fizer, sua carreira não irá a lugar nenhum. O metropolita kiril,
cotado como sucessor do atual patriarca, em rápido declínio e
constantemente doente, presidiu a sessão em que o código foi
discutido. Ele disse abertamente: "Iremos a todos e os
convidaremos a assinar. Caso algum deles se recuse, nós nos
105
certificaremos de que seu nome seja conhecido por todos." Belo
sacerdote!
De qualquer maneira, quem está pregando esta moralidade para
nós? A mesma Igreja Ortodoxa Russa que dá sua bênção para a
guerra à Tchetchênia, para o tráfico de armas e para a luta fratri-
cida no norte do Cáucaso. A adoção desse código de princípios
morais para empresários é uma extraordinária oferta da Igreja
Ortodoxa Russa, que está desestabilizada, para se envolver nas
políticas interna e externa. O URIE comentou que "A Igreja em
si precisa ser reformada. Sua estagnação é a razão pela qual ela
se sai com fantasias tão bizarras".
ViktorVekselberg, um oligarca que, segundo os rumores, será o
próximo a ser aprisionado por Putin, anunciou subitamente que
está comprando a coleção de ovos Fabergé que pertenceu à
família de Nicolau II, nosso último imperador. Ninguém duvida
que Vekselberg esteja simplesmente tentando pagar seu resgate
para escapar de problemas, demonstrando que está "do lado da
Rússia", e que o governo aceite isso como uma forma codificada
de dizer: "estou ao lado de Vladimir Vladimirovitch."
Vekselberg insiste que "o retorno desses tesouros à Rússia é para
mim um assunto pessoal. Quero que minha família, meu filho e
minha filha tenham uma compreensão diferente dos seus lugares
na vida. Quero que as grandes empresas participem de forma
inteligente de obras públicas. Não estou buscando vantagens,
nem quero provar nada a ninguém, nem compensar qualquer
erro".
Acho que o oligarca fala demais.
5 de fevereiro
Em Tcheremkhovo, na província de Irkutsk, 17 trabalhadores do
Setor n° 1 da Administração de Serviços Residenciais Comunais
entraram em greve de fome. Eles exigem o pagamento de seus
106
salários, que estão seis meses atrasados. Têm a receber um total
de cerca de 2 milhões de rublos [US$75.000]. Estão seguindo o
exemplo de seus colegas em outro setor, que tiveram de recorrer
a uma greve de fome por três dias para conseguir receber os
salários atrasados.
Houve em Moscou uma reunião do Fórum Aberto, um evento
com a participação de analistas políticos; não necessariamente os
mais importantes, mas pessoas respeitáveis que estiveram
envolvidas, como conselheiros políticos, em todas as eleições
nacionais e regionais. Eles concordaram em um ponto
importante: nos quatro anos do governo Putin, a modernização da
Rússia foi superada pela meta de fortalecer o poder de uma
pessoa. Aqueles a ela associados não constituem uma classe nem
um partido, mas apenas pessoas que estão "em sintonia com
Putin". Os analistas também concordaram que o modelo de
democracia gerenciada não funciona.

6 de fevereiro
8:32: três meses depois do ataque terrorista perto do Nationale
Hotel, houve uma explosão no metrô de Moscou, na interseção
entre as linhas Paveletskaia e Avtozavodskaia-Zamoksvoretskaia.
O trem se dirigia ao centro da cidade durante o horário de rush
quando uma bomba explodiu perto da primeira porta do segundo
vagão. O dispositivo havia sido colocado 15 cm acima do nível
do piso, dentro de um saco. Depois da explosão, o impulso do
trem ainda o fez percorrer mais 300 metros e teve início um forte
incêndio.Trinta pessoas morreram no local e outras nove
morreram mais tarde em conseqüência das queimaduras. Há 140
feridos. Há dezenas de pequenos fragmentos de corpos, não
identificáveis. Mais de 700 pessoas saíram do túnel, tendo
107
providenciado elas próprias a evacuação, na ausência de qualquer
assistência. Nas ruas, há caos e medo, as sirenes uivantes dos
serviços de emergência, milhões de pessoas aterrorizadas.
Ás 10:44, mais de duas horas depois da explosão, foi implantado
o Plano Contingencial Volcano-5 para capturar os culpados.
Quem eles pensam que irão capturar? Se houvesse algum cúmpli-
ce teria fugido há muito. Ás 12:12, a polícia começou a buscar
por um homem com idade entre 30 e 35 anos, "de aparência
caucasiana". Muito útil. Ás 13:30,Valeri Chantsev, prefeito em
exercício de Moscou enquanto Lujkov está nos Estados Unidos,
anunciou que as famílias das vítimas irão receber 100 mil rublos
[US$3.700] de indenização e os feridos receberão a metade desta
quantia.
Terroristas com explosivos podem se movimentar por Moscou
sem obstáculos, apesar dos poderes extraordinários concedidos
ao FSB e à polícia, e mesmo assim o povo apóia Putin. Ninguém
sugere uma mudança da política na Tchetchênia, apesar dos dez
atos terroristas envolvendo homens-bombas no último ano. Hoje
a Praça Vermelha está fechada a visitantes quase
permanentemente. A palestinização da Tchetchênia é óbvia. Uma
hora depois da explosão, foi feita uma declaração pelo
"Movimento Contra a Imigração Ilegal", uma organização criada
pelas forças de segurança. Seu líder, Alexander Belov, disse:
Nossa primeira exigência é proibir os tchetchenos de viajar para
fora da Tchetchênia. Até hoje, nos EUA e no Canadá, existem
reservas especiais para pessoas inadequadas. Se um grupo étnico
não quer viver como seres humanos civilizados, deixemos que
eles vivam atrás de uma barreira. Dêem o nome que quiserem:
uma reserva, uma cerca. De algum modo, precisamos nos
defender. Não podemos mais fingir que os tchetchenos, cuja
maioria está de uma forma ou outra ligada à resistência
108
tchetchena, sejam cidadãos no mesmo sentido que os chuvaches,
buriats, carelianos ou russos. Para eles, isto é uma continuação da
guerra. Eles estão se vingando. Os tchetchenos que moram na
Rússia, inclusive os empresários, constituem um viveiro de
terroristas. Estou somente dizendo o que pensam 80% dos russos.
Ele está certo. É exatamente isso que pensa a maioria. A socie-
dade está caminhando para o fascismo.
Só uns poucos membros das autoridades do Estado continuam
tentando pensar. O general Boris Gromov, governador da provín-
cia de Moscou e herói da União Soviética pelos serviços
prestados no Afeganistão, falou: "Quando ouvi a respeito da
explosão no metrô, meu primeiro pensamento foi que tudo isso
começou lá no Afeganistão. A decisão dos líderes da URSS de
enviar tropas ao Afeganistão foi irresponsável ao extremo, assim
como a decisão posterior dos líderes da Rússia de enviar tropas à
Tchetchênia. Estes são os frutos daquelas decisões. Eles disseram
que estavam indo atrás de gângsteres, mas em conseqüência
disso estão sofrendo pessoas inteiramente inocentes. E isto
continuará por muito tempo."
Nos canais da televisão estatal, continuam a dizer ao povo que o
terrorismo é uma doença da liberal-democracia; se você quer
democracia, deve esperar atos terroristas. Eles ignoram o fato de
que Putin esteve no poder durante os últimos quatro anos.
Putin, apesar da explosão, está mantendo conversações com
Ilkhan Aliev, presidente do Azerbaijão, que está em Moscou.
Putin mencionou de passagem: "Eu não me surpreenderia se isto
viesse a ser explorado mais perto da eleição, como meio para
pressionar o atual chefe de Estado. Há uma grande coincidência
entre o atentado e o fato de que planos de paz para a Tchetchênia
nos estejam sendo mais uma vez apresentados do exterior. Nossa

109
recusa em manter negociações de qualquer espécie com
terroristas..."
Que negociações? Homens-bomba explodem a si mesmos. Ele
estava ansioso, seus olhos piscavam, traindo um homem histérico
que não sabe o que fazer a seguir.
Nos próximos dias, haverá um escrutínio das listas de assinaturas
dos candidatos sem partido: Ivan Ribkin, ex-chefe do Conselho
de Segurança da Federação Russa; Sergei Glaziev, líder do
partido Rodina, e Irina Khakamada. As ações das autoridades
revelam a pessoa que mais as preocupa, apesar de sua pontuação
nas pesquisas de opinião ser praticamente zero. Alexander
Vechniakov, dirigente da Comissão Eleitoral Central, declarou,
antes do escrutínio, que uma verificação preliminar das listas de
Ribkin mostrou que 26% das assinaturas são inválidas.
Precisamente 26% — não 27, nem 24,9, porque a lei diz que, se o
número de assinaturas inválidas exceder 25%, o registro do
candidato poderá ser recusado. As pessoas riem e dizem que pelo
menos o número não é 25,1%.
Onde, na verdade, está a campanha eleitoral? Até aqui, não há
nada para se ver. Os candidatos a candidatos não estavam com
pressa para se apresentar e a maioria deles não está com pressa
de vencer. Ninguém parece preocupado com isso, nem os
candidatos, nem seus partidários. Quanto ao Candidato n°l, ele
não faz nenhuma tentativa de lutar, debater e vencer. Irina
Khakamada está convencida de que o Kremlin conseguiu
persuadir a todos de que eles não podem derrotar uma
conspiração. “Não há nenhuma luta aberta. Ninguém acredita que
irá ajudar."
O partido Rodina continua suas lutas internas. E também não
quer vencer a eleição. Dmitri Rogozin, que também é o vice-ora-
dor da Duma, chegou a anunciar que irá apoiar Putin na eleição e
110
não Glaziev, o vice-presidente do seu próprio partido. Eles
constituem um bando muito estranho. Será que já pensaram nos
seus partidários? Eles dão a impressão de que aquilo que os
eleitores pensam não tem importância e que tudo será decidido
sem consultá-los. Rogozin até pede que a eleição presidencial
seja cancelada e seja declarado um estado de emergência, devido
aos atos terroristas.

7 de fevereiro
Foram abertos nove centros de doação de sangue em Moscou. Há
uma necessidade urgente de todos os grupos sangüíneos para as
128 vítimas da bomba que permanecem hospitalizadas.
Mas onde estão os detectores de explosivos no metrô? Onde
estão as patrulhas? Nós, russos, somos irresponsáveis por
natureza, sempre vendo conspirações contra nós. Nunca nos
incomodamos em acompanhar qualquer coisa até sua conclusão;
apenas esperamos pelo melhor. A polícia verifica passaportes no
metrô, mas sem dúvida os terroristas certificam-se de que seus
documentos estejam em ordem. A polícia prende um tajique
faminto, que não consegue emprego na sua terra natal e veio
cavar nosso solo congelado porque não queremos fazer isso. Os
soldados lhe tiram seus últimos 100 rublos e deixam-no ir. Onde
estão os órgãos de segurança que deveriam responder pelo fato
de o ataque ter tido sucesso? Onde esta o pessoal de segurança?
Milhares de recrutas famintos das Tropas do Interior foram
trazidos para guardar Moscou. Isso é bom. Pelo menos eles serão
pagos e poderão comer. Pelo menos não estão em seus quartéis.
Mas "medidas" como essas são ineficazes, são uma mera reação.
Tão logo as pessoas comecem a esquecer esse pesadelo, tudo
111
voltara a ser como antes. O escritor e jornalista Alexander
Kabakov comenta: "Ainda estamos vivos somente porque
aqueles que encomendam esses atos carecem de pessoas para
levá-los a cabo. Mas por que aqueles que encomendam atos
terroristas ainda estão vivos é outra questão."
Putin não demitiu Patruchev, o diretor do FSB. Ele é seu amigo
pessoal. Quantos outros atos de terrorismo terão de ser bem-
sucedidos antes de Putin concluir que seu amigo não serve para a
tarefa?
O Centro Memorial dos Direitos Humanos publicou uma
declaração:
Lamentamos por aqueles que morreram e simpatizamos pro-
fundamente com os feridos. Não pode haver justificativa para
aqueles que planejaram e executaram este crime. O presidente e
organismos da lei estão afirmando que foi obra dos tchetchenos,
embora não tenha surgido nenhuma evidência neste sentido. Caso
essa especulação se mostre correta, infelizmente esta tragédia
terá sido previsível. A recusa, pelos líderes do país, de tomar
quaisquer providências no sentido de um acordo — real e não
decorativo - para o fim do conflito somente fortaleceu a posição
dos extremistas. Nossos líderes não estabeleceram nenhuma meta
política decente, com base na qual um acordo seria possível. Nos
últimos anos, as associações de direitos humanos e muitos
representantes públicos e políticos têm alertado repetidamente
que os atos brutais das forças federais na Tchetchênia
representam perigo para todas as pessoas que vivem na Rússia.
Por muito tempo, centenas de milhares de pessoas vêm vivendo
todos os dias em um ambiente letal. Elas estão sendo forçadas a
viver além dos limites de uma vida civilizada. Milhares de
pessoas humilhadas, cujos parentes e amigos foram mortos,
seqüestrados, aleijados física e psicologicamente, representam,
112
para os cínicos e inconscientes líderes de grupos terroristas, uma
fonte da qual recrutam seus seguidores, homens-bomba e aqueles
que cometem atentados terroristas. A paz e a tranqüilidade para
os cidadãos da Rússia só poderão ser alcançadas por meio de
uma mudança resoluta na política.
Ivan Ribkin desapareceu. Finalmente um pouco de ação na
eleição: um dos candidatos não está em lugar nenhum. Sua
mulher está enlouquecendo. Em 2 de fevereiro, Ribkin criticou
Putin em termos muito duros e sua mulher acredita que isso selou
seu destino. Em 5 de fevereiro, Ksenia Ponomariova,
coordenadora do grupo de apoio a Ribkin, alertou que uma
"maciça sabotagem" estava sendo preparada contra ele. Sua sede
central havia recebido, por uma semana, relatos regionais a
respeito de interrogatórios não autorizados dos seus partidários.
A polícia visitou as casas das pessoas que coletaram assinaturas e
tomou seus depoimentos. Os policiais queriam saber por que elas
estavam apoiando Ribkin. Em Kabardino-Balkaria, os estudantes
que colhiam assinaturas foram ameaçados de que a polícia iria
informar a reitoria da universidade e considerar se seria adequado
que lhes fosse permitido continuar seus estudos.

9 de fevereiro
Ainda não foram dados detalhes sobre o tipo de bomba usado no
metrõ, nem da composição do seu explosivo. Putin continua
repetindo, como fez depois do desastre de Nord-Ost, que
ninguém dentro da Rússia era responsável. Tudo foi planejado no
exterior.
Foi decretado um dia de luto para os que morreram, mas as
emissoras de televisão não o observam. Músicas populares em
volume alto e comerciais marcadamente alegres nos deixam
113
envergonhados. Cento e cinco pessoas ainda estão hospitalizadas.
Duas das que morreram estão sendo enterradas hoje. Uma delas é
Alexander Ichumkin, um tenente das Forças Armadas de 25 anos,
nascido na província de Kaluga, onde será enterrado. Formou-se
na Universidade Bauman e começou a servir como oficial. Em 6
de fevereiro, estava voltando a Naro-Fominsk, onde sua unidade
está estacionada. Ele havia vindo a Moscou para conseguir peças
de reposição para um veículo e tinha aproveitado a oportunidade
para visitar alguns amigos da universidade. Naquela manhã, ele
pegou o metro para ir à Estação Kiev, com uma baldeação em
Paveletskaia. Como Alexander não voltou, sua mãe supôs que ele
tivesse perdido o trem - pouco antes de ir para o metrô, ele havia
telefonado para dizer que estaria de volta às 11:00. Seu tio
Mikhail, que não conseguia acreditar naquilo, identificou o corpo
no necrotério. O pai de Alexander havia sido morto sete anos
antes e, desde então, o tio tinha assumido o papel de chefe da
família. Sua mãe lamentou: "É como se minha alma tivesse sido
arrancada de mim. Ele tinha me prometido netos." Nem mesmo
na emissão do atestado de óbito, o Estado consegue conter sua
desonestidade: o espaço para "causa da morte" foi riscado. Nem
uma palavra a respeito de terrorismo.
A outra pessoa que está sendo enterrada hoje é Vânia Aladin, um
moscovita de apenas 17 anos. A procissão da família e dos cole-
gas de turma de Vânia se estende por metade do cemitério. Ele
era um garoto cheio de vida, alegre e simpático que as pessoas
chamavam de "Furacão Vânia". Três dias antes, havia
conseguido um emprego de mensageiro e, em 6 de fevereiro,
estava a caminho do trabalho. Em 16 de fevereiro, ele teria
comemorado seu décimo oitavo aniversário. Ribkin ainda está
desaparecido. Gennadi Gudkov, vice-presidente do Comitê de
Segurança da Duma e coronel reformado do FSB, diz que ele
114
está em segurança. Mas onde está ele? O Estado não tem
obrigações especiais para com os candidatos à Presidência?
Albina Nikolaevna, mulher de Ribkin, insiste em que ele foi
raptado. O Gabinete do Procurador do Distrito de Presnia abriu
inesperadamente uma investigação criminal pelo artigo 105,
assassinato premeditado, mas o Diretorado Central de Assuntos
Internos começou a insistir em que há bons motivos para supor
que Ribkin está vivo. Uma hora depois, o gabinete de Presnia
mudou de idéia a respeito do inquérito, por ordem do Gabinete
do Procurador-geral. O que está acontecendo?
Os comentaristas políticos concordam com o fato de que foi
criada uma aparência de competição, salvando a eleição de ser
uma farsa completa, como teria sido se os únicos adversários de
Putin fossem um fabricante de caixões e um guarda-costas. Risco
zero, é claro, mas muito constrangedor. É claro que foi por isso
que eles registraram todos os candidatos e decidiram que apenas
21% das assinaturas de Ribkin eram inválidas, apesar de, na
véspera, terem dito que eram 26%. O único problema era que
Ribkin tinha desaparecido.
A idéia de boicotar as eleições, proposta pelos liberais e demo-
cratas, perdeu força. Eles não se esforçaram muito.

10 de fevereiro
Em Moscou, foram enterradas mais 13 pessoas mortas na
explosão no metrô. Outras 29 permanecem em estado grave. O
número de mortos subiu para 40; mais uma pessoa morreu nas
últimas 24 horas.
Ribkin foi encontrado. Um episódio muito estranho. Ao meio-
dia, ele rompeu o silêncio na rádio e anunciou que estava em
Kiev. Disse que havia tirado uns dias de folga com amigos e que,
afinal, um ser humano tem o direito a uma vida privada! Ksnia
115
Ponomariova prontamente demitiu-se da liderança da sua equipe
eleitoral. Sua mulher está chocada e recusa-se a falar com ele.
Tarde da noite, ele viajou para Moscou, parecendo um semimorto
e não uma pessoa que se divertira com alguns dias de folga.
Ribkin observou que a folga havia sido mais dura do que
negociar com os tchetchenos. Ele usava óculos femininos e
estava escoltado por um enorme guarda-costas.
"Quem o estava detendo?”. perguntaram, mas não houve res-
posta. Ribkin também se recusou a falar com os investigadores
do Gabinete do Procurador que andaram procurando por ele.
Enquanto pegava o avião de volta para casa, sua mulher deu uma
entrevista à agência noticiosa Interfax dizendo que "sentia pena
de um país que tinha pessoas como aquela como seus líderes".
Ela estava se referindo ao marido.
Mais tarde, foi anunciado que Ribkin poderia retirar sua can-
didatura.
O novo livro de Gregori Iavlinski, Capitalismo periférico (na
Rússia), foi lançado em Moscou. Foi publicado em russo, mas
com dinheiro ocidental. O livro trata do "modelo autoritário de
modernização", que Iavlinski considera inviável. Apesar desse
livro, Iavlinski efetivamente desistiu da luta contra Putin.
Em São Petersburgo, skinheads esfaquearam até a morte a
menina Khurcheda Sultanova, de nove anos, no pátio do prédio
onde morava sua família. Seu pai, Iusuf Sultanov, com 35 anos,
um tajique, trabalhava em São Petersburgo havia muitos anos.
Naquela noite, ele estava trazendo os filhos do parque Iusupov
quando alguns jovens agressivos começaram a segui-los. Em um
trecho escuro perto do prédio, os jovens os atacaram. Khurcheda
levou onze facadas e morreu imediatamente. Alabir, de onze
anos, sobrinho de Iusuf, escapou na escuridão, escondendo-se
sob um carro estacionado. Alabir disse que os skinheads
116
continuaram a esfaquear Khurcheda até terem certeza de que ela
estava morta. E eles estavam gritando. “A Rússia para os russos!"
Os Sultanov não são imigrantes ilegais. São registrados oficial-
mente como cidadãos de São Petersburgo, mas os fascistas não
estão interessados em carteiras de identidade. Quando os líderes
da Rússia falam publicamente em conter a entrada de imigrantes
e trabalhadores convidados, incorrem na responsabilidade por
tragédias como esta. Quinze pessoas foram detidas pouco depois,
mas logo liberadas. Muitos eram filhos de pessoas empregadas
por forças da lei em São Petersburgo. Hoje, 20 mil jovens
daquela cidade pertencem a organizações fascistas ou racistas
extra-oficiais. Os skinheads de São Petersburgo estão entre os
mais ativos do país e estão constantemente atacando
azerbaijanos, chineses e africanos. Ninguém é punido, porque as
forças da lei estão infestadas de racismo. Basta você desligar seu
gravador para que os policiais comecem a dizer que
compreendem os skinheads, e que quanto àqueles
negros...etc.etc. O fascismo está na moda.

11 de fevereiro
Continua a novela O Candidato Ribkin. Ele faz declarações cada
vez mais espantosas. Um exemplo. “Durante aqueles dias,
experimentei a Segunda Guerra Tchetchena." Ninguém acredita
nele. Os brincalhões perguntam: "Há um direito humano a dois
dias de vida privada em Kiev?"
Antes disso, Ribkin era considerado uma pessoa meticulosa,
avessa a farras, altamente responsável, que bebia pouco e era até
um pouco chata. "Dois dias em Kiev" não se encaixam no
personagem. Então o que realmente aconteceu na Ucrânia?* E foi
lá que aconteceu? Ribkin disse que, depois que desapareceu,
117
passou algum tempo na província de Moscou, no Retiro
Woodland, uma casa para hóspedes da administração
presidencial. Depois foi levado de lá e, quando de novo pôde
contar onde estava, era Kiev. Ribkin também disse que aqueles
que o controlavam forçaram-no a ligar para Moscou de Kiev e
falar de modo despreocupado a respeito de ter direito a uma vida
privada.
*
Então, o que estava acontecendo? Qual era o motivo? Não houve
inquérito sobre o caso Ribkin e, assim, dou estas sugestões:
Como sabemos, Putin recusou-se a participar de debates públi-
cos, alegando que o povo supostamente já sabia em quem votar.
Isso era claramente uma desculpa. Putin não é bom em diálogos,
em especial quando o assunto o deixa pouco à vontade. Tem sido
demonstrado em viagens ao exterior, quando o governo não pode
controlar os repórteres; os jornalistas fazem perguntas que o
presidente considera inadequadas e com as quais se descontrola.
O gênero preferido de Putin é o monólogo, com as principais per-
guntas preparadas antecipadamente.
Permitimos que nosso firmamento se configure de tal forma que
hoje existe somente um astro. Ele é infalível e goza de alta
popularidade, que parece invulnerável a tudo, exceto ao próprio
homem e seu passado turvo.
Mas então, da multidão de candidatos reunidos pelo Kremlin, na
semana anterior a 5 de fevereiro, Ribkin se destaca e começa a
falar de material comprometedor que desacreditam o astro e seu
ilustre passado, sendo óbvia a sugestão de que ele irá revelar
parte dele. Além disso, Ribkin teve a audácia de descrever Putin
como oligarca, uma declaração completamente fora de contexto,
uma vez que a campanha de nosso astro se baseia em mostrar às

118
pessoas como são maus os oligarcas que "não estão do nosso
lado".
Ribkin estava começando a dar ao nosso candidato nº 1 motivos
para uma séria inquietação. Além disso, havia a sombra de Boris
Berezovski por trás de Ribkin. Talvez ele tivesse realmente
alguma coisa.
Na semana anterior ao rapto, Ribkin estava começando a parecer
um míssil armado com material que poderia prejudicar seria-
mente o Kremlin.
Mas o que eles poderiam fazer? Foi por isso que precisaram
empregar drogas psicotrópicas, que são hoje tão sofisticadas que
a pessoa não consegue se conter e revela tudo o que sabe. A
principal fonte de informações era o próprio Ribkin e não os que
o cercavam, não seus assessores, mas seu cérebro. É provável
que o próprio Ribkin não tenha idéia do que contou a eles
naqueles dias ou a quem o fez.
Também há o Retiro Woodland, um local isolado e convenien-
temente fechado a estranhos, e Kiev e a grosseira desmoralização
sofrida por Ribkin depois que reapareceu, quando utilizaram até
sua mulher indignada, falando a uma agência oficial de notícias.
Vejamos os detalhes e aspectos práticos da operação. O fato de
Ribkin ter sido levado ao Retiro Woodland é evidência de que a
administração presidencial estava ciente do rapto, assim como o
FSB. O Secretariado do Presidente é um grupo há muito descrito
como uma subdivisão do FSB. Essas duas organizações são as
principais gerentes da Rússia e não trabalham meramente em
associação, mas funcionam como uma entidade única. Além
disso, o fato de Ribkin ter sido visto no Retiro Woodland foi
revelado por Gudkov, que evidentemente havia obtido a
informação por antigos contatos ou por outros meios.

119
Imediatamente depois que Gudkov abriu a boca, a administração
do retiro negou que Ribkin estivesse lá.
E de fato ele não estava mais lá. Seu retorno via Kiev já estava
sendo arranjado. Um detalhe importante é que o candidato presi-
dencial foi contrabandeado da Rússia para a Ucrânia. (Não há
registro alfandegário ou de passaporte de sua passagem pela
fronteira.) Tecnicamente, isso é possível; existem furos na
fronteira e não é segredo o fato de trabalhadores ucranianos
entrarem na Rússia por eles, que são grandes o suficiente para a
passagem de veículos, quando querem evitar encontros
desnecessários com funcionários que precisam ser subornados.
Porém, o que é interessante no caso Ribkin não é a técnica usada
para transferi-lo pela fronteira, mas o fato de ele ter sido levado
da casa de hóspedes do Secretariado da Administração do atual
presidente para apartamentos de luxo em Kiev, controlados pelo
governo do atual presidente da Ucrânia. Leonid Kutchma* é
íntimo do governo Putin porque é cúmplice dos seus crimes e,
em troca, poderemos ajudá-lo da mesma forma, caso ele venha a
necessitar. Essa também é a razão pela qual o Estado quer
desenvolver a Comunidade de Estados Independentes, não para
tornar suas fronteiras demasiadamente impermeáveis e sim para
que ex-colegas na KGB da URSS possam realizar operações
especiais conjuntas lá e aqui.
Vejamos a seguir as personalidades. Quem poderia dar a ordem
de arrancar informações de Ribkin depois de desligada sua mente
consciente? Cui bono? Nosso astro, é claro.
Obviamente, não estamos falando de ordens escritas. Agora
sabemos como nossos mandachuvas realizam suas vontades. Eles
precisam apenas erguer a sobrancelha, indicando seu augusto
desprazer, para que seus servos corram imediatamente para
realizar seus desejos. Em nosso País das Maravilhas político, esse
120
erguer de sobrancelha tem até um nome: é conhecido como "o
efeito Patcha Gratchev", referindo-se à época em que o ex-
ministro da Defesa ficou muitíssimo irritado com o fato de
Dmitri Kholodov, um jornalista, estar desenterrando seus
segredos sombrios. O então ministro da Defesa sugeriu aos
amigos militares o quanto Kholodov o estava aborrecendo e o
jornalista foi reduzido a pedaços. Até hoje, muitos e muitos anos
depois, ninguém conseguiu fazer com que aquele erguer de
sobrancelha fosse incluído nas exposições sobre o assassinato.
Não há dúvida de que o efeito Gratchev também esteve em ação
neste caso. Graças a Deus, Ribkin não foi assassinado, mas só
porque uma intervenção tão grosseira do Anjo da Morte nas elei-
ções teria sido contrária aos interesses do Candidato n°1.
São atos criminosos desse tipo, completos, com drogas psico-
trópicas, que vemos quando um candidato, que por acaso é o
atual presidente, é simplesmente incapaz de um bom desempenho
nos debates pré-eleitorais, é incapaz de discutir, tem um medo
irracional da oposição e, além disso, passou a acreditar em seu
próprio messianismo. Não somos estúpidos ao ponto de acreditar
que Ribkin estava fugindo da mulher.
Assim, as aparências indicam que Ribkin possuía relativamente
pouco material comprometedor. A novela terminou. Todos se
esqueceram dele, inclusive Putin. O resultado final, péssimo para
uma sociedade carente de alternativas, foi que Ribkin não conse-
guiu confrontar publicamente o regime.
Durante todo o mês de janeiro, pessoas eram raptadas na
Tchetchênia e seus corpos eram encontrados mais tarde. O núme-
ro de raptados é comparável ao número de mortos em 6 de feve-
reiro no metrô de Moscou. Na Tchetchênia, todos estão em guer-
ra contra todos. Há homens armados por toda parte, as chamadas
"forças de segurança tchetchenas". A expressão mais comum na
121
cara das pessoas é de tristeza. Há um grande número de adultos
traumatizados e semi-enlouquecidos. As crianças, que só se
assemelham a crianças na aparência física, vão para a escola. Os
carros blindados de transporte de pessoal passam com arrogância
e deles os soldados apontam suas submetralhadoras para você
com o desprezo de sempre. Aqueles para quem eles olham
devolvem os olhares, de forma não menos impiedosa. Á noite, há
tiroteios, "suavizados" por fogo de artilharia, batalhas e
bombardeios no sopé das montanhas. De manhã, há novas
crateras de bombas. É uma guerra empatada. Queremos acabar
com ela ou, na verdade, ela não nos incomoda tanto assim?
Não houve na Tchetchênia nenhuma manifestação considerável
contra a guerra durante toda a campanha da eleição presidencial.
O incrível e prolongado sofrimento de nosso povo é que permite
a continuidade do horror que é Putin. Não se pode achar outra
explicação.
Por que ninguém "reclama" a responsabilidade pela explosão no
metrô em 6 de fevereiro? Aqui estão duas possíveis explicações:
Ou as forças de inteligência estavam por trás do atentado, não
importando quantas pessoas usaram, o que poderia explicar a
ausência de exigências ou admissões de responsabilidade;
Ou terroristas individuais se envolveram em uni ato de vingança
pessoal por parentes que foram mortos, por sua honra e sua terra
natal espezinhadas. Esta é uma explicação tão vergonhosa e
deprimente quanto aquela que envolve a cumplicidade dos
serviços de inteligência.

12 de fevereiro

122
Putin está elevando em 250% a remuneração daqueles que
"trabalham dentro da zona da operação antiterrorista”. Talvez
isso conduza a menos pilhagens na Tchetchênia.
Ribkin ainda está oscilando. Foi a Londres consultar Berezovski.
Ele parece determinado a concluir sua implosão política à vista
do público. Por que na Rússia é tão fácil derrubar a oposição
democrática? É alguma coisa na própria oposição. Não é que o
adversário que ela está confrontando seja forte demais, embora
este seja um fator importante. O principal é que a oposição
carece de uma determinação inflexível para se opor. Berezovski é
um mero jogador não um combatente, e aqueles que se alinham
com ele também não são combatentes. Nemtsov está apenas
jogando e Iavlinskisempre parece ter sido ofendido por alguma
coisa.
Alexander Litvinenko, em Londres, e Oleg Kalugin, em
Washington, dois ex-agentes da KGB/FSB que receberam asilo
político no Ocidente, sugeriram que uma substância psicotrópica
denominada SP117 pode ter sido usada em Ribkin. Esse compos-
to era usado nas seções de contra-inteligência do FSB e em
unidades de combate ao terrorismo, mas somente em casos
excepcionais com "alvos importantes". O SP117 é um soro da
verdade que age em partes específicas do cérebro, impedindo que
a pessoa tenha pleno controle de sua mente. Ela conta tudo o que
sabe. De acordo com Litvinenko, "Quando uma pessoa está sob a
influência do SP117, você pode fazer com ela o que quiser e ela
será incapaz de lembrar em detalhes ou explicar de forma
coerente o que aconteceu, com quem esteve ou o que disse. O
SP117 consiste em dois componentes, a droga e o antídoto.
Primeiro, é ministrada a droga. Duas gotas são adicionadas a
qualquer bebida e, quinze minutos depois de tê-la ingerido, a
vítima perde completamente o controle de si mesma,
123
possivelmente por várias horas. O efeito pode ser prolongado por
pequenas doses adicionais da droga. Quando as informações
necessárias foram extraídas, a vítima recebe o antídoto, dois
comprimidos dissolvidos em água, chá ou café. Depois de cerca
de dez minutos, ela volta à normalidade. Há uma total perda de
memória. A vítima sente-se abalada. Se a droga tiver sido
ministrada durante vários dias, a pessoa pode sentir pânico e
choque pelo fato de aquele período de sua vida ter sido obliterado
da sua memória e será incapaz de entender o que lhe aconteceu".
Essas declarações de Livtinenko e Kalugin não salvarão a car-
reira política de Ribkin. Putin venceu esse embate contra
Berezovski, hoje seu inimigo jurado, mas grande amigo no final
da década de 1990.
Hoje, precisamente um dia depois da remoção efetiva de Ribkin
da corrida eleitoral e de sua declaração de que não irá participar
de debates, é a largada oficial da campanha eleitoral. Cada um
dos candidatos tem direito a quatro horas e meia na televisão nos
canais estatais e essa concessão é para transmissões ao vivo.
Ribkin, a única pessoa com material comprometedor contra
Putin, abriu mão voluntariamente da oportunidade de aparecer na
televisão, exatamente como queria o Kremlin.
Ás 14:00, Putin teve uma reunião na Universidade de Moscou
com mais de 300 assessores e partidários. Ele prestou contas do
que fez durante seu primeiro mandato. Todos os repórteres da
mídia impressa e da TV foram convidados, mas, como
enfatizaram as principais emissoras estatais de televisão ao
divulgar o evento, "Putin estava falando como pessoa física". Ele
se recusou a participar de debates pela TV e aquele discurso foi
tão insípido quanto eram no passado os relatórios dos secretários-
gerais aos congressos do Partido Comunista. Seu público na
Universidade de Moscou despertou quando ele pronunciou suas
124
últimas palavras e o aplaudiu loucamente. Portanto, no decorrer
da transmissão, um candidato à Presidência falou por um período
de tempo no valor de 9 milhões de rublos (US$330.000). A tarifa
oficial do canal Rossia para 30 segundos de propaganda de
campanha varia entre 90 mil e 166 mil rublos. Putin pagou isso?
Foi um caso flagrante de abuso de recursos do Estado para
proveito eleitoral e uma clara violação à lei eleitoral.
Seiscentos jornalistas cobriram o evento. Eles foram reunidos no
centro de imprensa do Ministério do Exterior às 9:30 e o registro
continuou até o meio-dia. Todos foram revistados antes de entrar
nos ônibus. Um membro da equipe de campanha do presidente,
que parecia ser - e certamente era - agente do FSB, nos dizia
periodicamente: "Repito mais uma vez: ninguém deve fazer per-
guntas! Todos vocês ouviram?" Os jornalistas foram levados à
reunião em 23 ônibus verdes com escolta policial, como são
transportadas na Rússia crianças até um acampamento. Depois da
reunião, os jornalistas foram novamente levados de volta nos
ônibus. Nada de sair da linha! Aquela era uma reunião particular
entre um indivíduo e seus amigos, para buscar maneiras de
assegurar um futuro melhor para seu país?
Olga Zastrojnaia, uma das secretárias da Comissão Eleitoral
Central, declarou que a transmissão pela TV do discurso do
presidente era "uma violação direta às regras eleitorais, porque a
transmissão foi inquestionavelmente um elemento de campanha
política e não informativo". Alexander Ivantchenko, diretor do
Instituto Eleitoral Independente e ex-secretário da Comissão
Eleitoral, comentou claramente: "A campanha eleitoral de Putin
está muito aquém dos padrões eleitorais civilizados. Em termos
técnicos, houve uma deslegitimização dos procedimentos
eleitorais. A eleição presidencial deveria ser declarada inválida,
mas a Comissão Eleitoral Central é impotente."
125
Não houve reação pública à transmissão. Gleb Pavlovski, um
indivíduo totalmente cínico, diretor da Fundação de Política
Eficaz e um dos principais assessores de imprensa do Kremlin,
chegou a dizer publicamente: "O eleitorado não se importa com
quem obtém quantos minutos a mais no ar!”
A televisão continua sua lavagem cerebral por intermédio de
transmissões otimistas. Hoje, o primeiro-ministro Kasianov
registrou que a produção agrícola aumentou 1,5% por cento e
que, com Putin, existem todas as condições para o
desenvolvimento bem-sucedido do agronegócio na Rússia.
"Estamos determinados a recuperar nossa posição proeminente
nos mercados mundiais de grãos", garantiu-nos Kasianov. É
pouco provável que seu servilismo o salve. Ele será afastado
logo. Putin sente-se pouco à vontade com políticos que sobraram
da era Ieltsin, que o fazem se lembrar de uma época em que ele
era um mero fantoche, e da história de como veio a ser escolhido
como sucessor de Ieltsin.
No decorrer da campanha eleitoral, ouvimos que somos líderes
mundiais em praticamente tudo, de vendas de armas e exporta-
ções de grãos até a exploração do espaço. Por enquanto não estão
afirmando que somos líderes mundiais na fabricação de carros.
As costas dos altos funcionários evidentemente ainda não
esqueceram a experiência de andar em nossos Jigulis.

13 de fevereiro
Será que a Duma tem alguma influência? Putin quis que ela
elegesse Vladimir Lukin, ex-Iabloko e liberal conhecido, como
ombudsman de Direitos Humanos antes da eleição presidencial.
O RU eliminou todos os obstáculos e, embora o Rodina e o
126
Partido Comunista tivessem dito que iriam boicotar a votação, a
nomeação foi aprovada.
Lukin foi candidato único; os outros foram simplesmente
excluídos. Ele está feliz. "Quero muito trabalhar nesta área",
disse ele. Mas e quanto àqueles cujos direitos precisam ser
defendidos?
(Lukin mostrou ser um ombudsman medíocre, carecendo de
iniciativa e, sob o comando do Kremlin jamais indo além dos
limites do permissível. Por exemplo, a Tchetchênia nunca foi
uma das suas prioridades.)
No Qatar, Zelimkhan Iandarbiev, ex-vice-presidente da
Tchetchênia e colega dos presidentes Dudaev e Maskhadow,* foi
morto por uma bomba aparentemente colocada sob seu jipe. Ele
deixou a Tchetchênia no início da Segunda Guerra Tchetchena.
Esse foi, quase certamente, um trabalho das agências de
inteligência russas — o Diretorado Central de Inteligência do
exército ou o Bureau Federal de Segurança, mais provavelmente
este último.
Ivan Ribkin anunciou que não voltará de Londres. Um candidato
presidencial que deserta era inédito na nossa história. Ninguém
mais duvida de que ele foi drogado pelo regime.
Um apelo às redações dos nossos jornais, supostamente de "um
amigo" nos serviços de inteligência. "Passem para Londres, como
sabemos que vocês podem, que, se Ribkin apresentar qualquer
material contra Putin em debates pela televisão, haverá outro ato
terrorista. O presidente terá de desviar de alguma forma a atenção
da opinião pública."
Passamos adiante a mensagem, mas Ribkin já havia desistido da
eleição. Ele teme por sua vida.
Os eleitores liberais parecem indecisos. Khakamada convocou
uma reunião de seus partidários em Moscou e eu compareci.
127
Muitas pessoas disseram claramente: "Se não apoiarmos
Khakamada, não teremos opção a não ser votar contra todos eles
ou não votar."
Rogozin e Glaziev continuam a jogar perigosamente com as
emoções daqueles que têm uma sensação enfraquecida de
nacionalidade.

14 de fevereiro

Uma nova tragédia em Moscou. O teto do Aqua Park em


Iasenevo desabou. O desastre ocorreu à noite, quando as
comemorações do
Dia de São Valentim estavam no auge. Setenta e cinco por cento
da cúpula, uma área do tamanho de um campo de futebol, caíram
sobre a piscina. Oficialmente, havia 426 pessoas no Aqua Park,
mas extra-oficialmente o número é mais próximo de mil. O
prédio ficou envolto em vapor. Pessoas em trajes de banho
pulavam para 20 graus negativos. Na área mais afetada, também
havia um restaurante, uma pista de boliche, casas de banho,
saunas, salas de exercício e uma área familiar com uma piscina
aquecida para crianças. Vinte e seis corpos foram encontrados
imediatamente, mas há muitas partes de corpos. As autoridades
dizem que não se trata de um ato terrorista.
Os funcionários públicos começaram a dificultar a vida para o
novo Partido das Mães de Soldados. O Ministério da Justiça, res-
ponsável pelo registro de partidos, alega não ter recebido nenhum
documento do partido; mas os documentos não só foram
entregues ao Ministério, como o partido também possui um
recibo oficial dos mesmos. Os burocratas estão tentando todos os
tipos de armadilhas, na esperança de levar o novo partido a
128
infringir as turvas e onerosas leis de formação de partidos e assim
livrarem-se dele. Até agora, as mulheres estão fazendo tudo
certo, verificando cada passo.
Ievgeni Sidorenko, o porta-voz do Ministério da Justiça, decla-
rou: "Não estou certo de que iremos registrar este partido. Um
partido político não pode limitar seus membros a um
determinado grupo da população. E se alguém que não é mãe de
soldado quiser entrar para o partido? Um pai de soldado, por
exemplo?"
Ele deve ser um adivinho. Os pais querem entrar. Em nosso
Saara político, o Partido das Mães de Soldados é tão atraente que
muitos homens nele ingressaram apesar do nome e é claro que
ninguém tem nenhuma intenção de impedi-los. Além disso,
oficiais da ativa têm telefonado para os Comitês de Mães de
Soldados perguntando se também haverá lugar para eles quando
a estrutura do partido estiver definida. Estes são oficiais
honrados, que se recusam a aceitar a idéia de um exército que é
pouco mais do que um mecanismo para tirar a vida de jovens. O
Partido das Mães de Soldados esta começando a parecer um meio
real de resgatar o exército e criar responsabilidade pública para
nossas forças armadas.

15 de fevereiro
A família Sultanov, da garotinha Khurcheda, assassinada por ski-
nheads em São Petersburgo, abandonou a Rússia e voltou para o
Tadjiquistão. Eles levaram um pequeno esquife contendo os
restos da criança.
O FSB está encarregado de investigar a explosão no metrô.
Exigiu imediatamente novos poderes, comparando a situação
com a dos Estados Unidos depois de 11de setembro.

129
Nossa guerra do norte contra o sul continua. Ninguém imagina
que esse seja o último ataque terrorista, nem duvida de que os
tchetchenos estiveram por trás dele. A maioria das pessoas apóia
represálias. Setenta e cinco por cento dos russos são a favor da
expulsão de todos os caucasianos. Mas para onde? O Cáucaso
ainda faz parte da Rússia.
Hoje é o décimo quinto aniversário da nossa retirada do
Afeganistão. A data é vista como o marco do fim da Guerra
Afegã, mas já havíamos lançado as sementes para o
desenvolvimento do terrorismo. Exatamente como os americanos
com Bin Laden: ele é o que é hoje porque a Guerra Afegã foi o
que foi.

16 de fevereiro
Foram montados centros para doação de sangue para as vítimas
do desastre do Aqua Park. Estamos começando a saber o que
fazer nessas situações.
Os acionistas da Iukos declararam estar preparados para resgatar
Khodorkovski do Estado. Leonid Nevzlin (braço direito de
Khodorkovski na Iukos), que fugiu para Israel, anunciou que
estão dispostos a entregar suas participações em troca da
liberdade para ele e Platon Lebedev (CEO do Menatep Bank, que
era o principal acionista da Iukos, que cumpre sentença de oito
anos por alegação de evasão fiscal).
O próprio Nevzlin possui 8% das ações do Menatep Group. Ele
disse que a oferta também é apoiada por Mikhail Brudno (7%) e
Vladimir Dubov (7%).
Khodorkovski expressou do presídio sua indignação e recusa-se a
ser resgatado. Ele decidiu beber sua taça até o fim.

130
17de fevereiro
A rede de televisão NTV está se recusando a liberar tempo no ar
para a campanha eleitoral e os debates dos "outros" candidatos
presidenciais. Ela alega que eles estão com baixa classificação
nas pesquisas de opinião e ninguém assistirá aos programas.
Pode ser que um país tenha os candidatos que merece, mas eles
pelo menos deveriam ter o direito de falar. Não há dúvida de que
a decisão da empresa foi tomada por pressão do Kremlin.
Em Moscou, o comitê de apoio a Khakamada se reuniu no
elegante e caro Berlin Club. Khakamada disse. “Estou partindo
para esta eleição como se fosse para o cadafalso e com um único
objetivo: mostrar às autoridades do Estado que existem pessoas
normais na Rússia, que sabem exatamente o que querem." Isso é
bom. Ela está procurando mostrar que o medo ainda não
conquistou a Rússia, o que seria uma vitória incondicional de
Putin.
O RU também realizou uma reunião da “intelligentsia demo-
crática" em apoio a Putin que, disseram, está sofrendo ataques de
seus oponentes. Entre os defensores de Putin estavam a veterana
cantora Larisa Dolina, o diretor de cinema e teatro Mark
Zakharov, o ator Nikolai Karatchentsev e a diretora de circo
Natalia Durova. Eles haviam recebido uma carta pedindo que
"defendessem a honra e a dignidade do presidente" e
obedientemente responderam ao apelo. Foi mencionado de
passagem que o número de membros do RU chegou a 740 mil e
que mais de dois milhões de "partidários" foram registrados,
embora não tenha sido dada nenhuma explicação quanto ao que
isso significa. O RU enfatizou que seu propósito como partido
político é dar apoio ao presidente. Nada de políticas, nem ideais,
nem programas de reformas: apenas um indivíduo.

131
A Comissão Eleitoral Central registra alegremente que mais de
200 observadores internacionais já foram oficialmente
credenciados Para a eleição de 14 de março. No total, são
esperados cerca de 400.
A Duma contribui com sua parcela para as tentativas patéticas de
combate ao terrorismo. Os poderes da polícia secreta e dos
espiões serão ampliados e foram adotadas emendas ao Código
Penal para elevar as punições para homens-bomba. Agora eles
poderão pegar prisão perpétua! Parece pouco provável que essa
medida possa dissuadir quem queira acertar desta maneira suas
contas com a vida. A Quarta Duma é o cérebro coletivo da
estúpida burocracia russa de hoje.
A Duma está jogando de acordo com os serviços de inteligência
porque é disso que Putin gosta. Não há menção aos três bilhões
de rublos adicionais [US$111 milhões] concedidos aos serviços
de inteligência pouco depois de Nord-Ost para o combate ao
terrorismo. Para onde eles foram e por que o número de ataques
terroristas não decresceu? A Quarta Duma deu sua bênção
legislativa para uma luta puramente virtual contra o terrorismo. A
eficiência dos serviços de inteligência nem mesmo é questionada
e o problema da Tchetchênia, que está na origem de tudo, não é
mencionado.

19 de fevereiro
Sergei Mironov participou pela primeira vez dos debates pela
tele-visão.Todos imediatamente se concentraram nele, como se
ele fosse Putin, mas Mironov recusou-se a ser sacrificado.
"É claro que você é Putin!”, disse Khakamada. “Por que, depois
de todos os atos terroristas, Grislov foi promovido, quando
deveria ser demitido?"
132
"Não sou representante do candidato Putin!”, respondeu
Mironov.
"Então responda como a terceira pessoa na hierarquia de poder
do Estado", prosseguiu Khakamada.
Mas Mironov recusou-se a responder. Esse é d tipo de debate que
temos. Ninguém os leva a sério. Eles são transmitidos de manhã
muito cedo.
A Comissão Eleitoral Central recusou permissão a Ribkin para
participar de debates de Londres. Ninguém permitirá que Ribkin
lave a roupa suja de Putin ao vivo na televisão.

21 de fevereiro
Em Voronej, Amat Antoniu Lima, 24 anos, aluno do primeiro
ano na Academia Médica de Voronej, morreu depois de ser
esfaqueado 17 vezes. Ele era de Guiné-Bissau. É o sétimo
assassinato de um estudante estrangeiro em Voronej nos últimos
anos. Os assassinos são skinheads.
o slogan de Jirinovski nas eleições parlamentares foi "Estamos
com os pobres! Estamos com os russos!”. Foi encampado pelo
RU e também pelo Avalista da Constituição. E pelos skinheads.

22de fevereiro
Há uma especulação crescente de que todos os candidatos, com
exceção de Malichkin e Mironov (e Putin), poderão se retirar
simultaneamente da eleição. Glaziev já anunciou sua retirada.
Ribkin está prestes a fazê-lo e também Khakamada. A imprensa
favorável a Putin diz que se trata de um plano para salvar sua
imagem política, porque eles terão porcentagens diminutas da
votação em 14 de março.
133
24 de fevereiro
Putin demitiu seu ministério ao vivo na televisão, 19 dias antes
da eleição. De acordo com a Constituição, o presidente recém-
eleito nomeia um novo ministério e, neste ponto, o ministério
anterior se retira. A razão para a demissão não foi revelada. O
ministério não foi acusado de nada, embora haja muitas razões
para isso, e a única explicação dada é que Putin quer ir para o
eleitorado sem máscaras, para que todos saibam com quem ele
irá trabalhar depois da eleição. Os ministros demitidos falam na
televisão da alegria com a qual encheram seus corações quando
souberam da demissão. O Kremlin demonstrou para o eleitorado
que nossas eleições são um completo fingimento e que o
ministério é puramente ornamental. A qualquer momento, por
opção do assessor de imprensa, ele pode ser afastado.
E importa alguma coisa quem Putin nomear para primeiro-
ministro, no lugar de Kasianov, ou quem está no ministério? Não.
Tudo no país depende da administração presidencial. A demissão
pareceu uma operação especial. Ela foi feita em sigilo total. Não
houve vazamentos. Foi como se eles estivessem efetuando um
ataque militar a um alvo específico e não apenas demitindo
ministros. Em sua maioria, os ministros souberam que estavam
demitidos pela televisão.
A demissão do ministério dessa maneira demonstra o estabeleci-
mento da Oligarquia Política na Rússia. Com esse ato, todos os
oligarcas financeiros, que até agora tinham um dedo na torta,
estão fora.
Os canais oficiais de televisão explicam que "o presidente está
otimizando a substituição de ministros ineficazes para que o povo

134
russo saiba quem fará parte do governo depois de 14 de março".
É como se a eleição já houvesse acontecido.
O primeiro mandato de Putin chegou hoje efetivamente ao fim. É
o término da era Ieltsin, da qual Kasianov era o último rema-
nescente. Agora Putin passará seu segundo mandato
distanciando- se completamente das políticas de Ieltsin.
Ielena Bonner* fez um apelo aos candidatos presidenciais numa
carta aberta enviada da América:
Mais uma vez, apelo aos candidatos presidenciais Irina
Khakamada, Nikolai Kharitonov e Ivan Ribkin para que em
conjunto se retirem da eleição. Permanecendo como candidato,
cada um de vocês procurou tornar seu programa conhecido do
eleitorado e demonstrar à sociedade russa e à opinião mundial a
desonestidade desta eleição. Deixem o candidato n°1, Putin,
sozinho com seus fantoches e peçam que os grupos que os
apóiam e os eleitores comuns boicotem a eleição. Quem não
gostar da palavra boicote poderá, se preferir, descrever isso como
um apelo à abstenção. Assim, não terá importância a por-
centagem com a qual eles sonham para o resultado final. O
importante é que as autoridades saberão o número real.
Ainda mais importante é que todos aqueles que deliberadamente
deixarem de votar ganharão respeito próprio por não participar
desta farsa patrocinada pelo Estado. Mais importante, recusando-
se a participar, vocês indicarão claramente sua meta, uma meta
compartilhada, nos próximos quatro anos, por políticos de direita
e de esquerda e seus partidários políticos. Essa é a batalha para
restaurar a instituição das eleições reais na Rússia, no lugar da
contrafação que está sendo imposta hoje ao país. Mais tarde, em
2007 e 2008, se em conjunto fizerem com que as eleições deixem
de constituir uma grande mentira, vocês voltarão a ser oponentes
políticos e competidores na luta pelos votos. Neste momento,
135
porém, somente sua recusa conjunta a participar das eleições e
seu apelo aos eleitores para que não participem são estratégica e
moralmente justificáveis.
Não houve nenhuma reação ao apelo de Bonner. Nenhum
comentário, nem raios e trovões. Nada.

26 de fevereiro
As pessoas estão começando a rir baixinho de Putin, até mesmo
na televisão. Hoje ele está em Khabarovsk, parecendo pomposo e
imperial como um rei de contos folclóricos. Pela manhã, ele
inaugurou a rodovia Khabarovsk-Tchita. Depois disso, conversou
com alguns veteranos de guerra, que lhe pediram mais dinheiro;
assim, ele elevou o suplemento do norte para pensões. Depois,
passou algum tempo com jovens jogadores de hóquei em um
novo estádio de patinação no gelo.Viktor Fiodorov, o
comandante da Frota do Pacífico, havia expressado alarme diante
da possibilidade de reduções da força; assim, Putin também
anunciou que a Frota do Pacífico não seria reduzida, porque
"nosso punho no Pacífico precisa ser forte". Ele também
prometeu apoio para a base de submarinos em Kamtchatka. (Ele
deveria procurar ir até lá para ver pessoalmente as condições da
vila dos oficiais em Petropavlovsk-Kamtchatski.) A seguir, o
ministro em exercício dos Transportes, Vadim Morozov, pediu a
Putin quatro bilhões e meio de rublos [US$165 milhões] para
uma ligação ferroviária entre a Ferrovia Trans-Siberiana e a
Rodovia Baikal-Amur, e foi atendido. Sergei Darkin, empresário
e governador de Primorie, pediu três bilhões de rublos [US$109
milhões] para novos navios. Viacheslav Shtirov, o presidente de
Iakutia, pediu fundos para um oleoduto e gasoduto de Irkutsk até
o Extremo Oriente e Putin prometeu concedê-los.
136
Nenhuma indicação foi dada de quem será o novo primeiro-
ministro. Os boatos estão circulando.
Alguns dizem que Putin irá se autonomear primeiro-ministro;
outros dizem que será Grislov ou talvez Kudrin.
Naquela noite, a NTV transmitiu o programa de debates Ao
Limite! Os debatedores eram Vladimir Rijkov, um deputado da
Duma de mentalidade independente, e Liudmila Narusova, a
viúva de Anatoli Sobtchak, professor e chefe de Putin. A questão
em discussão era por que Putin havia demitido seu ministério.
Rijkov estava brilhante e irônico, sem ser malicioso. Ele
ridicularizou Putin de uma forma simpática e condescendente.
Durante o programa, os telespectadores foram convidados a votar
em Narusova ou Rijkov.
Narusova insistiu em que o presidente estava sempre certo a
respeito de tudo, mas não conseguiu explicar nada além disso.
Isso é muito típico dos partidários de Putin. O resultado foi uma
retumbante vitória de Rijkov, que recebeu 71 mil votos contra os
19 mil de Narusova pela defesa de Putin. Narusova, garantindo a
todos que Putin estava indo para a eleição com a mais pura das
intenções, foi derrotada.

27 de fevereiro
A votação antecipada na eleição já começou para aqueles que
estarão em alto-mar, em aviões, em expedições ou que moram
em regiões remotas e inacessíveis. Apesar dos resultados serem
declarados somente em 14 de março, as maiores fraudes irão
ocorrer com essas urnas de votos antecipados. É muito fácil.

29 de fevereiro

137
Durante toda a semana, ouvimos que o presidente estava consul-
tando as principais figuras do RU a respeito de quem indicar para
primeiro-ministro. Quase todas as pessoas têm certeza de que
isso é apenas relações públicas e que ninguém está sendo
consultado a respeito de nada.
Em Moscou, foi realizada uma "eleição presidencial" por men-
sagens de texto. O resultado foi 64% para Putin, 18% para
Khakamada e 5% para Glaziev.

2 de março
Putin é exibido em todos os canais de televisão conversando com
o ator e diretor Iuri Solomin, a respeito do 250° aniversário, cm
2006, da ordem de Catarina, a Grande, sobre a criação de teatros
na
Rússia. Putin continua perguntando como a ocasião deverá ser
comemorada e continua interessado por um longo período.
O novo primeiro-ministro da Rússia é Mikhail Fradkov*
Ninguém sabe quem ele é. Aparentemente, era um funcionário do
Ministério do Comércio Exterior e trabalhou em várias embaixa-
das; ocupou vários cargos em vários ministérios no período pós-
soviético e trabalhou na Polícia Fiscal quando esta estava em seu
ponto mais baixo. Voando de volta de Bruxelas, Fradkov disse
que ainda não sabe o que é um "primeiro-ministro técnico". Isto
é, ele não sabe para que posição foi escolhido por Putin. Até para
nós, um primeiro-ministro tão desinformado é muito incomum.

5 de março
Tudo está sendo reduzido ao absurdo. A nomeação de Fradkov
como primeiro-ministro pela Duma merece um verbete no Livro
138
Guinness dos Recordes: 352 votos em favor do homem que,
quando lhe perguntaram quais eram seus planos para o futuro, só
conseguiu murmurar: "Acabei de sair da sombra para a luz."
Fradkov é um homem das sombras porque é um espião.Temos
um primeiro-ministro de terceira classe. Ele é até careca. Sua
aparência revela que se trata de um truque político. Ele foi
escolhido para que Putin, e só Putin, seja a figura de autoridade.
Nada irá mudar. Putin continuará a decidir.
Então, qual é a nova política? A resposta é: nada. Fradkov é um
executivo modesto, sempre pronto para realizar as tarefas ditadas
pelo Partido. Nada mais, nada menos.
Ribkin retirou sua candidatura, sem dar nenhuma explicação
clara sobre o porquê. Continua dando a impressão de estar
mentalmente perturbado.
Khakamada viajou a Nijni Novgorod, Perm e São Petersburgo.
Nas suas aparições públicas, ela parece irritada e exausta, mas se
esse* o estado em que está, ela faria melhor se não saísse.
Kharitonov foi a Tula. Malichkin está em Altai, mas mal pode
juntar suas palavras. Mironov está em Irkutsk, mas não é capaz
de dizer nada sem anotações.
Quase todos os comentários na televisão a respeito dos
candidatos dizem que é um escândalo eles ousarem competir com
nosso Candidato Principal. Há uma atrofia gradual do órgão
responsável pela percepção democrática da realidade. A
propaganda mostra que, no período soviético, as pessoas
votavam em um candidato único e tudo estava bem. É possível
que, nas próximas eleições, esses assuntos nem mesmo venham a
ser debatidos. Haverá um candidato de oposição oficialmente
escolhido e a sociedade retomará seu rumo. O país está
afundando em um estado de inconsciência coletiva, na
irracionalidade.
139
8 de março
Dia Internacional da Mulher. De acordo com uma velha tradição
do Kremlin, Putin reúne mulheres que trabalham. Deve haver
uma motorista de trator, uma cientista, uma atriz e uma
professora. Discurso decorado, uma taça de champanhe, câmeras
de televisão.
É o último momento para os candidatos se retirarem da corrida.
Ninguém o fez e seis permanecem na cédula: Malichkin, Putin,
Khakamada, Glaziev e Kharitonov. Muita cobertura de televisão
é dedicada aos primeiros votos por criadores de renas e pessoas
que trabalham em postos de fronteira.

9 de março
A partir de hoje é proibido fazer campanha e realizar pesquisas
de opinião pública, mas todos desistiram de fazer campanha
depois da nomeação de Fradkov. Parecia uma inutilidade.

10 de março
Putin está em todos os canais de televisão reunido com
esportistas para lhes perguntar do que necessitam para vencer nos
Jogos Olímpicos de Verão. Eles necessitam de mais dinheiro.
Putin promete dá-lo.

11 de março
Há cinqüenta anos, Khruschov lançou a campanha pelo cultivo
das terras virgens da Sibéria e do Cazaquistão. Putin recebe
figuras públicas proeminentes em sua residência e pergunta do
140
que elas necessitam. Elas necessitam de mais dinheiro. Putin
promete que elas o terão. A formação do "novo" governo não
parece promissora. Houve conversas a respeito da redução do
número de burocratas de alto nível, mas, na verdade, o número
cresceu. Todos os ministros supostamente demitidos foram
reintegrados como vice-ministros em ministérios combinados, o
que quer dizer que temos um novo burocrata mais dois antigos.
No total, dos 24 antigos ministérios e departamentos, criaram 42
novos. O governo é exatamente o mesmo, com exceção de
Kasianov. Um governo oligárquico, controlado por oligarcas
diferentes, próximos não do Ministério das Finanças e do
Ministério da Propriedade, mas de Putin. Putin é um oligarca
político. Em outros tempos, seria chamado de imperador.

12 - 13 de março
Silêncio e apatia. Ninguém se incomoda em ouvir as besteiras na
televisão. Vamos apenas acabar com isso.

14 de março
Então, ele foi eleito. A votação foi muito elevada, como exigia a
administração presidencial. Boris Grizlov, o orador da Duma,
saindo da cabine de votação, disse aos jornalistas: "Hoje é
proibido fazer campanha, mas antecipando sua curiosidade, direi
que votei na pessoa que, nos quatro últimos anos, tem assegurado
o desenvolvimento estável da economia da Rússia. Votei em
políticas claras como o dia de hoje."
A noite, Alexander Vechniakov, diretor da Comissão Eleitoral
Central, informou ao povo russo que somente uma infração à lei
eleitoral havia sido observada durante a eleição: "Estavam
141
vendendo vodca em um ônibus próximo dos distritos eleitorais
em Nijni Tagil."
Em Voronej, o Conselho Central de Saúde emitiu a Ordem nº
114, alertando que nenhum hospital deveria admitir, durante o
horário de votação, ninguém que não estivesse de posse do
atestado de voto fora do domicílio eleitoral. Todos os pacientes
apresentaram o atestado, para que lhes fosse permitido estar
doentes. O mesmo processo se repetiu em Rostov-on-Don. No
departamento

de doenças contagiosas do hospital municipal, as mães foram


proibidas de ver seus filhos, a menos que tivessem o atestado.
Em Bachkortostan, o presidente Rakhimov apurou 92% dos
votos para Putin; no Daguestão, 94%; em Kabardino-Balkaria,
96; em Ingushetia,* 98. Havia uma competição? Durante os 13
anos da nossa nova vida pós-soviética, esta é a quarta vez em que
a Rússia elegeu um presidente. Em 1991, foi Ieltsin; em 1996,
novamente Ieltsin; em 2000, Putin; em 2004, novamente Putin.
Para os cidadãos russos, o eterno ciclo se repete, de uma onda de
esperança à total indiferença em relação ao Candidato n°1.

15 de março
Agora temos os números oficiais: Putin obteve 71,22%. Vitória!
(Embora de Pirro.) Khakamada obteve 3,85; Kharitonov, 13,74;
Glaziev, 4,11; Malichkin, 2,23; Mironov, 0,76. A candidatura de
Mironov se deveu totalmente à sua lealdade canina a Putin. Seu
resultado reflete isso. De modo geral, o conceito de dirigir o país
pelos mesmos métodos usados na condução da "operação antiter-
rorismo" foi justificado: L'Etat Cest Putin.

142
PARTE DOIS

A grande depressão política da Rússia

De abril a dezembro de 2004

Da reeleição de Putin à Revolução Ucraniana

Uma terrível sensação de tédio pairou sobre nossas cidades e


aldeias depois da reeleição de Putin. Tudo parecia tedioso e
desprezível, como nos dias da União Soviética. Até aqueles que
haviam apoiado os derrotados pareciam incapazes de ficar com
raiva. Parecia que o povo simplesmente tinha desistido, como se
dissesse: "Quem se importa com o que vai acontecer agora?" A
Rússia recaiu na hibernação sociopolítica, em um novo período
de estagnação cuja profundidade pode ser julgada pelo fato de
nem mesmo a tragédia de Beslan, um cataclisma de proporções
bíblicas, conseguir perturbá-la.

6 de abril
Em Nazran, capital da Inguchétia, o presidente Murat Ziazikov*
sofreu um atentado a bomba em sua Mercedes, mas sobreviveu.
Ele e um dos apadrinhados de Putin e foi "eleito" há dois anos de
uma forma muito original. Agentes do FSB invadiram a
república, sem se incomodar em esconder que estavam agindo
por ordens diretas de Putin. Este foi extremamente perspicaz ao
assegurar que, mesmo que tivesse de ser pelo voto popular, o
poder na Inguchétia deveria estar nas mãos de alguém sob seu
controle. A Inguchétia faz fronteira com aTchetchênia.
Ninguém realmente imagina que a eleição do general Ziazikov
do FSB, tenha sido legítima, mas não havia como prová-lo
legalmente. Os tribunais da república não aceitarão ações contra
Ziazikov mais que os tribunais de Moscou aceitam processos
contra Putin e, quando não há como o vapor escapar, tem-se uma
explosão de terrorismo.
Ziazikov sobreviveu ao ataque graças ao seu Mercedes blindado.
Ele o classificou como um ultraje ao povo da Inguchétia. Não
havia nenhuma simpatia por ele, mas interessa pelo que havia por
trás do ataque. Um motivo possível é que tenha sido provocado
pela corrupção que floresceu mais do que nunca sob Ziazikov e
Ruslanbi Ziazikov, seu primo e principal guarda-costas. Durante
o inverno anterior à tentativa de assassinato, Ruslanbi estava
sendo alertado, por pessoas que incluíam parentes do presidente,
de que ele deveria controlar seus delitos. O mesmo estava sendo
dito a Ziazikov. Quando essas palavras não tiveram efeito, o
novo jipe de Ruslanbi foi queimado em março no centro de
Nazran, diante dele. Naturalmente, a destruição de um jipe
pertencente ao principal guarda-costas do presidente foi abafada.
Nem Ruslanbi nem Ziazikov criaram caso com aquilo. A
explicação de que era um alerta aos oficiais que haviam se
descontrolado é levada muito mais a sério em Nazran do que a
idéia de uma tentativa de assassinato.
A segunda explicação está relacionada com uma série recente de
raptos na Inguchétia. Sob a gestão de Ziazikov, os raptos come-
çaram a ocorrer de acordo com o padrão estabelecido na Tchet-
chênia. As vítimas eram dominadas por "soldados mascarados
não identificados" e levadas a local desconhecido em veículos
sem placas. Até agora, há quarenta nomes numa lista compilada
por seus familiares. Ziazikov nega categoricamente a ilegalidade
do Estado nesta escala e impôs o silêncio nas informações a
respeito dos raptos. Eles não podem ser relatados dentro das
fronteiras da Inguchétia e, no Gabinete do Procurador e no
Ministério do Interior, os funcionários só falam com os parentes
extra-oficialmente.
Naturalmente, as famílias estão fazendo suas próprias investiga-
ções e isso as encoraja a enfrentar os problemas por conta
própria, como na Tchetchênia. Onde não há justiça, há a justiça
bruta. As pessoas perdem a paciência.
Batem à minha porta. Estou em um hotel em Nazran. Fora há
uma fila de idosos. São as mães e os pais dos desaparecidos da
Inguchétia. Contam que as pessoas estão sendo mortas como
galinhas. Destacamentos não identificados de tropas federais
percorrem as ruas dia e noite. Mahomed Yandiev, aposentado de
Karabulak, perdeu seu filho Timur, um conhecido programador
de computador popular entre os jovens. Foi no começo da noite.
Timur estava saindo do seu escritório pouco depois das 17:00 em
16 de março quando homens armados, usando máscaras e
uniformes de camuflagem, o puseram em um carro Neva branco
sem placa e fugiram. O Neva tinha a cobertura de um Giselle,
também sem placa. Os seqüestradores prosseguiram sem
tropeços até a Tchetchênia pelo posto de fronteira do Cáucaso, o
mais importante na fronteira entre a Inguchétia e a Tchetchênia.
Ali, mostraram seus passes: todos estavam registrados na Sede
Regional da Operação Antiterrorismo. Essas são as constatações
da família Yandiev. Os órgãos da lei nada fizeram.
"Estive em toda parte", diz Mahomed chorando. Ele ficou
arrasado com o que aconteceu. "Perguntei a todo mundo: ao
Gabinete do Procurador, ao Ministério do Interior, ao FSB.
Implorei que me dissessem por que ele foi levado.
Independentemente do que ele fez, eu deveria saber. Em
resposta, tive o silêncio. Tenho muitas perguntas. Aqueles
mascarados são superiores aos órgãos da lei? Quem são eles?
Nosso Ministério do Interior tem seis mil funcionários. É muito
para uma república de somente 300 mil habitantes. Esses seis mil
funcionários não podem policiar o território da república? Ou
estão permitindo que indivíduos que não podem ser identificados
raptem pessoas? Estou horrorizado com o fato de o presidente
Ziazikov não ter dito nada em público a respeito do problema.
Como não está dizendo nada, ele sabe onde estão as pessoas
raptadas e está dando cobertura para os seqüestradores. Eles
deflagraram uma guerra contra seu próprio povo. A Tchetchênia
é uma base para trazer de volta o stalinismo para toda a Rússia; a
Inguchétia é a seguinte depois da Tchetchênia, porque somos o
povo mais próximo deles. Detesto Putin e sua cria, Ziazikov."
Mahomed Yandiev sai e seu lugar é tomado por Tsiesh Khazbiev
e seu filho Islam. Em 2 de março, bem na sua frente, "soldados
mascarados não identificados" mataram a tiros sua filha Madina,
de 24 anos. Naquele dia, elas estavam vindo de Nazran para
visitar a avó na aldeia de Gamurzievo.
Foi pouco antes de chegarmos a Gamurzievo", chora Tsiesh. Os
carros à nossa frente frearam e bloquearam a estrada. Fomos
forçadas a parar.Vimos soldados mascarados arrastarem um
jovem para fora do carro da frente. Jogaram-no ao chão e
atiraram, apesar
de ele não estar oferecendo resistência nenhuma. Naturalment
comecei a gritar: ‘O que vocês estão fazendo?!’ Em resposta,
atiraram em nós. Acertaram minha filha na carótida. Ela nem
teve tempo de sair do carro. Meu marido foi gravemente ferido
no ombro e na perna. Ele sobreviveu, mas os médicos não
conseguiram retirar os fragmentos dos ossos. Hoje quase não saio
de casa e tenho muito medo das pessoas. As autoridades não
expressaram condolências. Nada foi dito a este respeito nos
jornais ou na televisão. Pelo que mostram na televisão, dá para
pensar que vivemos em um paraíso. Não vejo por que minha
Madina tinha de morrer. Quem é o responsável por terem atirado
nela?"
Mais tarde, procurei Idris Artchakov, o investigador para o caso
da morte daquela garota inocente. Ele pouco tinha a dizer. Estava
aterrorizado com a verdade e ficava se explicando. "Você precisa
entender... quero trabalhar..." Na Inguchétia, hoje o medo está em
todos, do camponês ao procurador, como um dragão que olha a
todos de cima. Estou falando com Idris como se estivéssemos em
um encontro secreto, sentados em um carro emprestado com o
motor ligado.
Aqui está um breve resumo das palavras do investigador
Artchakov, nas quais havia mais covardia e medo do que
qualquer desejo de executar os deveres da sua posição. Madina
foi morta por um dos esquadrões da morte federais que
incursionam regularmente pela Inguchétia. Em 2 de março, eles
estavam encarregados de matar Akhmed Basnukaev, um
comandante de campo.
"Por que precisavam liquidar Basnukaev atirando em todas as
pessoas na área? Basnukaev era da ala moderada da Resistência
tchetchena. Ele não só não resistiu quando foi preso, mas
também morava abertamente havia muito tempo na Inguchétia e
tinha, por solicitação das autoridades tchetchenas favoráveis a
Moscou, tentado fazer a mediação entre Grozni e alguns dos
comandantes a respeito de eles entregarem suas armas
voluntariamente."
"É claro que aquilo foi desnecessário, mas ninguém liga para o
que dizemos. Os federais fazem o que querem. Você sabe, eles
têm medo da própria sombra. Para eles, é mais fácil atirar para
matar do que pensar e ver a realidade."
"E o que você vai fazer quando tiver certeza de que as tropas
federais foram as responsáveis?"
"Nada. Ficarei quieto, como todo mundo. Como Putin venceu ele
tem o poder e isso significa que temos que ficar de cabeça baixa.
Arquivarei o caso do assassinato de Madina. Seus pais irão
chorar por algum tempo, mas depois se acalmarão. Eles são
pessoas simples. Não vão começar a escrever para o Gabinete do
Procurador-geral. E mesmo que o façam, receberei
agradecimentos por não ter investigado muito de perto."
A atitude de Artchakov é típica dos nossos tempos.
A família Khazbiev sai e entra a família Mutsolgov. Se existe
alguma coisa com a qual isso tudo pode ser comparado, é a
Tchetchênia: somente lá um jornalista atrai instantaneamente
uma fila do tamanho daquelas que víamos nas lojas de alimentos
na era soviética. São os parentes de vítimas de execuções
extrajudiciais ou, de acordo com a descrição do Gabinete do
Procurador, "forças especiais necessárias na luta contra o
terrorismo". São os parentes de todas as pessoas que foram
"desaparecidas", arrastadas e assassinadas por "soldados
mascarados não identificados, usando uniformes de
camuflagem". As famílias nunca conseguem encontrar os
responsáveis, nem qualquer indício dos desaparecidos. Eles não
estão em nenhuma instituição do Estado, seja sob interrogatório
ou aprisionados.
Adam Mutsolgov é o pai de Bashir, um professor de 29 anos da
cidade de Karabulak. Seu filho foi jogado para dentro de um
Neva branco diante da sua casa, em plena luz do dia. Os dois
outros filhos de Adam também fizeram uma investigação
independente.
(Mais tarde, descobririam que os responsáveis pelo rapto eram
agentes da Diretoria do FSB para a Inguchétia, sob o comando do
general Sergei Koriakov, um amigo do presidente Ziazikov. O
general Koriakov estava pessoalmente envolvido. Os irmãos
obtiveram evidências de que Bashir havia passado a primeira
noite depois do rapto no prédio do DFSB em Nazran (ou Magas,
como a cidade foi rebatizada), bem atrás do palácio presidencial.
Pela manhã, ele foi levado, em um veículo do DFSB, para a base
militar de Hankala, a principal base russa na Tchetchênia, mas
depois disso eles não conseguiram descobrir mais nada. O
informante deles era membro do DFSB. Aqueles que haviam
visto Bashir Mutsolgov em Hankala também contaram a Adam
que ele estava mal, mostrando sinais de torturas terríveis.)
Adam Mutsolgov me entrega a lista de quarenta nomes de pes-
soas que foram raptadas nos últimos meses. É uma lista extra-ofi-
cial, compilada por suas famílias. O Gabinete do Procurador
recusou-se a aceitá-la. A única opção que eles têm é se unir e
trabalhar em conjunto. A lista, que no final de fevereiro era muito
mais curta, foi entregue, pouco antes da eleição de Putin, a
Rashid Ozdoev, assistente do Procurador da Inguchétia. Os
deveres oficiais de Rashid eram monitorar a legalidade das ações
do DFSB em Inguchétia. Na mesma ocasião, ele estava
acompanhando o que havia acontecido com as pessoas raptadas e
também tinha concluído que estavam ocorrendo execuções
extrajudiciais com o conhecimento dos serviços de segurança da
república. Rashid apresentou um relatório ao procurador-geral da
Federação Russa, Vladimir Ustinov, apresentando provas de
atividades ilegais, principalmente pelo general Koriakov e pelo
DFSB.
Em 11 de março, Rashid Ozdoev foi visto pela última vez
entrando em seu carro no estacionamento do palácio presidencial
em Nazran. Vinte e quatro horas depois, seu carro foi visto,
coberto por uma lona, no pátio do DFSB de Inguchétia. Mais
tarde, ele foi observado em Hankala, como descobriram seus
parentes, apresentando sinais de ter sido espancado e torturado.
Eles sabem somente que ele não está mais lá.
"Cada dia que passo sem saber, eu enterro meu filho", diz Boris
Ozdoev, pai de Rashid, balançando a cabeça. Ele é juiz aposen-
tado e muito conhecido na Inguchétia. E está longe de ser jovem.
"Seu filho lhe contou o que havia no relatório dele ao procurador-
geral?"
"Sim. Ele escreveu sobre o uso de força extrajudicial e quem era
culpado desse uso. Eu lhe disse: ‘Não faça isso. Essa é uma orga-
nização terrível! Por que você quer assumir esse risco?’ Ele
respondeu: ‘Se você quiser, largo este emprego. Mas, se sou o
promotor cuja função é monitorar o DFSB e se a organização que
estou monitorando está envolvida com assassinato e seqüestro,
então eu sou a única pessoa na república que tem o direito legal
de exigir um retorno à legalidade. Se não usar esse direito agora,
Deus nunca irá me perdoar.’ Discutimos o assunto por muito
tempo e ele se perguntou: ‘Bem, o que podem fazer eles? Plantar
drogas ou armas em mim? Isso não pegaria: tenho imunidade
como procurador.
Todos sabem que não aceito suborno.’ Ele não considerou a
possibilidade de poder ser raptado. Depois de seu
desaparecimento, fui ao presidente Ziazikov e fiquei, um idoso,
um juiz, esperando por uma hora e meia. Ele me fez esperar e
depois simplesmente passou o recado, pela secretária, de que
nada tinha a dizer para mim. Isto sem dúvida significa que ele
sabe quem raptou Rashid."
No fim, os chefes de família cujos filhos tinham sido raptados
convocaram uma reunião e exigiram que Ziazikov lhes dissesse
onde eles estavam e quem era o responsável pelos raptos. Porém,
exatamente naquele momento, Ziazikov estava a caminho de um
encontro com Putin em Sotchi, para relatar como a Inguchétia
estava florescendo e lhe contar que 98% do eleitorado haviam
votado "em você, Vladimir Vladimirovitch".
A conseqüência direta da colocação, na presidência da
Inguchétia, de um general do FSB que havia trabalhado para a
KGB soviética foi a organização da ilegalidade em grande escala
e sancionada pelo Estado. Ziazikov não é um fiador da lei mais
digno de confiança do que Putin, fato que, aliás, frustrou as
esperanças de muitas pessoas na Inguchétia, que estavam
cansadas de desordem. Em vez disso, Ziazikov tem presidido um
afastamento da democracia, não apenas no sentido da autocracia,
mas do terrorismo de Estado e da barbárie medieval.
Fui até meus colegas jornalistas locais para saber como funciona
o sistema de censura da mídia nessas regiões distantes da admi-
nistração de Putin em Moscou. Por que, por exemplo, não há na
mídia local uma só palavra a respeito das execuções
extrajudiciais, quando ocultar o problema só pode fazê-lo piorar?
Essa discussão mostrou-se difícil. Em primeiro lugar, ninguém
falaria oficialmente. Em segundo, só podíamos falar em um
carro, longe de olhares curiosos, como nos dias da União
Soviética. A pessoa com quem falei vivia um estado de profunda
depressão, que Parece ser universal. Era o subeditor-chefe de um
dos dois jornais publicados na Inguchétia.
Por que todas essas precauções?’, perguntei. Se descobrirem que
abri a boca, não conseguirei emprego nem de motorista de
trator", respondeu ele, um homem grisalho, inteligente, um
jornalista profissional.
"O que aconteceria se você escrevesse a respeito dos raptos, da
corrupção, dos ‘98%’de Putin? A respeito das fraudes nas urnas
nas últimas eleições parlamentares em dezembro?"
"Se eu escrevesse sobre isso, seria demitido quando a matéria
chegasse aos censores. Artigos desse gênero simplesmente não
são publicados e eu seria incapaz de encontrar trabalho no futuro.
Meus parentes também perderiam seus empregos, apesar de eles
nada terem a ver com jornalismo."
Meu colega contou-me do mecanismo de censura que apóia o
mito da "estabilização da Inguchétia". Cada coluna dos jornais é
lida pessoalmente, no estágio de prova, por Issa Merjoev,
secretário de Imprensa do presidente. Essa é a lei. Ele elimina
tudo que considera prejudicial, qualquer coisa que possa
prejudicar o "processo de estabilização”. Qualquer tipo de
informação negativa é censurada caso se relacione, mesmo
indiretamente, aos atuais ocupantes do poder. Não se pode propor
artigos sobre corrupção se houver parentes de Ziazikov
envolvidos. Sobre a guerra na Tchetchênia, só se pode escrever
sobre as mortes de combatentes tchetchenos e a "reacomodação
voluntária de refugiados". Os esquadrões da morte são tabu,
assim como as atividades extrajudiciais.
O mesmo vale para o rádio e a televisão. Merjoev verifica pes-
soalmente os programas do ângulo político e verifica antecipada-
mente todos os tópicos a serem cobertos.
Mas pôr quê? As pessoas não têm ar para respirar, elas estão em
completo desespero. Quem pode querer aqui uma repetição do
cenário tchetcheno? Ninguém na Inguchétia, nem mesmo
Ziazikov. Ele não é como Ruslan Auchev, seu competente
antecessor. Se houver uma crise, ele estará completamente
perdido. Porém, uma outra Tchetchênia pode ser algo de que
Moscou necessita e Ziazikov depende inteiramente de Moscou.
Sua ascensão à Presidência foi acertada por Moscou e o Kremlin
impôs duas condições, das quais as pessoas na Inguchétia sabem:
que ele não crie objeções caso a "operação antiterrorismo" seja
estendida à Inguchétia e que garanta a lealdade de seu pessoal.
Em segundo lugar, que ele não exija a devolução da região de
Prigorodni à Inguchétia pela Ossétia do Norte. E Ziazikov faz sua
parte, ele e seus cúmplices. Se permitissem à mídia refletir a
realidade, em pouco tempo ficaria claro que as pessoas querem a
correta demarcação da fronteira com a Tche
tchênia e a devolução da região de Prigorodni, que lhes foi tirada
quando Stalin deportou toda a população da Inguchétia para o
Cazaquistão em 1944.
"É por isso que estamos sob pressão", diz o jornalista. "Eles
precisam dar a impressão de que na Inguchétia todos estão felizes
com a política do Kremlin e com o que Ziazikov está fazendo."
"Vocês podem desobedecer a Merjoev?"
"Até hoje, nenhum dos editores-chefes ousou tentar."
"Quem pode resistir?"
"Ninguém. Só se pode resistir deixando a Inguchétia ou, melhor
ainda, emigrando da Rússia."
"Como você descreveria o que está acontecendo hoje na
Inguchétia?"
"O sistema soviético com muito derramamento de sangue."
É claro que a estabilidade soviética também era uma grande
realização — os caixões contendo soldados mortos no
Afeganistão não podiam ser identificados como tais; dissidentes
eram aprisionados em campos de trabalho e em hospitais
psiquiátricos; 99,9% da população votavam a favor de tudo; os
chefes do partido temiam somente a Comissão de Controle do
Partido; os bem treinados artistas do cinema faziam filmes
politicamente corretos em que todos tinham uma fé inabalável no
futuro. O Ocidente deu apoio financeiro a Brejnev porque não
queria que tudo se esfacelasse. Essa era a realidade, disfarçada de
estabilidade. Agora, em abril de 2004, estamos de volta ao ponto
de partida. A realidade é apresentada para dar a impressão de
estabilidade, tanto na Inguchétia quanto em toda a Rússia. Mais
uma vez, o Ocidente nos lança uma crosta. Sabemos tudo a
respeito de recorrência eterna.
Muitas vezes, me pergunto por que nosso povo se assusta tanto
com qualquer indicação de uma ameaça de repressão. Se o povo
protesta, é só anonimamente, explodindo uma Mercedes
presidencial e não de forma civilizada e aberta, pela oposição no
Parlamento ou exigindo que sejam anulados os resultados de uma
eleição fraudulenta.
Só pode ser uma questão de tradição. A tradição russa é de
capacidade para planejar e realizar o trabalho árduo de oposição
sistemática. Se vamos fazer alguma coisa, é preciso que
possamos fazê-la aqui e agora e depois disso a vida estará
ordenada. Como não é assim que as coisas funcionam, a vida não
é ordenada.
Também me pergunto por que Ziazikov, como Putin (porque
Ziazikov é um mero clone), não pode fazer nada de maneira
decente, humana, democrática. Por quê, para permanecer no
poder, eles precisam mentir, torcer e distorcer, apoiar
funcionários corruptos, evitar contato pessoal com seu próprio
povo, temê-lo e, em conseqüência disso, não ter amor por ele?
Penso que o problema subjacente deve ser que eles não foram
adequadamente preparados para a liderança. Eles são indicados
para a Presidência à maneira soviética, quase por acaso. O
Partido dá suas ordens e o ávido Jovem Comunista responde:
"Sim, camarada comissário!" Durante algum tempo, é provável
que ele goste de ser presidente, mas, depois da posse e de todas
as comemorações, depois dos fogos de artifício, ele se vê diante
do trabalho rotineiro de ser presidente: dirigir a economia,
manter as tubulações de água e as estradas, enfrentar terroristas,
guerras e funcionários desonestos. É quando ele se dá conta de
que é incapaz de fazer tudo, exceto franzir as sobrancelhas com
ar severo, fingir ser Tallairand, guardar silêncio e atribuir a culpa
de seus fracassos aos inimigos que estão à espreita em todos os
cantos.
Ziazikov, na Inguchétia, copia seu chefão em Moscou em tudo,
mas particularmente em sua abordagem fundamental. O que
importa não é resolver os problemas, mas controlar o que é dito
na televisão; não a realidade, mas a virtualidade; a censura como
forma de evitar assuntos difíceis. A desvantagem é que, devido à
censura ubíqua e à constante duplicidade, não se tem nenhuma
oposição visível com a qual debater as questões diariamente.
Onde estão as vozes discordantes, que podem criticar e trazer
idéias alternativas? Não é possível ouvi-los, porque eles não
existem. Nem em Moscou, nem na Inguchétia.
Durante muito tempo, os únicos opositores na república de
Ziazikov eram Musa Ozdoev e algumas pessoas próximas a ele.
Musa chegou a pertencer à equipe de Ziazikov e foi seu
conselheiro por algum tempo.
Musa Ozdoev tentou questionar os resultados das eleições para a
Duma. No tribunal, apresentou registros de distritos eleitorais em
que votos haviam sido escritos no registro, uma estranha lista de

eleitores na qual pessoas com nomes diferentes tinham o mesmo


passaporte, ou em que uma pessoa votou várias vezes usando o
mesmo nome, mas passaportes diferentes. Aqui estão alguns
exemplos que explicam como a oposição foi "derrotada" nas
eleições de dezembro e como o partido de Putin, o RU,
conseguiu sua impressionante vitória.
A Seção Eleitoral 68 fica na aldeia de Barsuki, nos arredores de
Nazran, a terra natal de Murat Ziazikov. É lá que vivem seus
parentes e é lá que, na mais alta colina, está sendo construído o
"Castelo de Alface" do presidente. É um grande edifício
desajeitado de aspecto feudal, mas a cor verde funciona
surpreendentemente bem e espera-se que ele se mude logo para
lá. Naturalmente, de acordo com as piores tradições caucasianas,
os supervisores da votação nas seções eleitorais de Barsuki eram
parentes de Ziazikov, seus vassalos, trabalhadores na construção
do castelo, fornecedores e assessores.
Estudei o registro eleitoral, que havia sido oficialmente certifi-
cado e trazia todas as assinaturas e selos exigidos. Ele nos diz
quem recebeu cédulas eleitorais em 7 de dezembro na Seção 68.
Constatamos que pelo menos três cidadãos diferentes votaram
usando o passaporte n° 26 01010683: Timur Khamzatovitch
Balkhaev, da rua Alkhan-Tchurtskaia, 15; Tamerlan Magomedo-
vitch Dzortov, da rua Ziazikov (de outra família), e Beslan
Bagaudinovitch Galgoev, da rua Kortoev, 5.
Mais uma vez, o mesmo passaporte n° 26 01032665 aparente-
mente pertence a quatro cidadãos de Barsuki, três homens e uma
mulher. Três deles vivem na rua Yujnaia, 13. Há dezenas de
exemplos de votação, dupla, tripla e quádrupla, usando o mesmo
passaporte. A seguir, encontramos uma coluna de assinaturas
idênticas em sucessão, pretendendo certificar as identidades de
diferentes pessoas.
Comparando os registros de Barsuki para as eleições de 7 de
dezembro e 14 de março (quando Putin foi eleito), constatamos
que a mesma pessoa tem dois passaportes. No registro das
eleições parlamentares de 7 de dezembro, o passaporte n° 26
02098850 foi apresentado por Akhmed Tagirovitch Ajigov, da
fazenda de Tibi-Khi (parte de Barsuki), mas, em 14 de março, a
mesma pessoa votou usando o passaporte n° 26 03356564. Então,
quem é Ajigov? Ele existe? Foi impossível localizá-lo em Tibi-
Khi, um lugarejo onde todos se conhecem. Ninguém jamais havia
ouvido falar dele.
Há muitos Ajigovs, porque as comissões eleitorais foram desa-
vergonhadamente criativas em seus esforços para garantir o
resultado correto. Porém, o resultado de tudo isso não é
engraçado: provocou a queda não só da democracia russa, mas
também da sociedade russa. Na Inguchétia, Musa Ozdoev
protestou contra isso e, em cada cidade, podem ser encontrados
um ou dois Musa Ozdoev. Em geral, eles são considerados
loucos. As pessoas mais sensatas lhes dão tapinhas nas costas e
dizem: "Vá em frente, faça uma tentativa. Vamos observar e ver
o que acontece."
Se o maluco da cidade de repente matasse o dragão, milhões se
reuniriam para dividir sua glória e gozar os frutos de sua vitória.
Este é um velho e deplorável costume soviético: não faça nada,
fique parado no lodo da margem do rio e espere uma nova e
maravilhosa vida flutuar até você.
Mas, voltando à fraude eleitoral, por que ela foi necessária?
A resposta é simples: porque um número insuficiente de pessoas
votou realmente em Putin em 14 de março ou no RU em 7 de
dezembro. O Ocidente acredita nos resultados, mas as porcenta-
gens estão infladas. Os 98% da Inguchétia apenas nos mostram o
quanto Ziazikov estava desesperado para mostrar serviço ao
Kremlin.
Foi o que aconteceu. Foi por isso que os cúmplices de Ziazikov
puseram pessoas de joelhos, torceram os braços de membros das
comissões eleitorais, perverteram, ameaçaram, torturaram e
enredaram pessoas numa conspiração de mentiras. E elas
cooperaram.
Em sua maioria, os membros de comissões eleitorais com quem
consegui falar disseram que estavam com medo. Eles tinham
famílias que podiam ser raptadas. Era mais fácil acrescentar
votos falsos do que perder entes queridos. Quem pode dizer que
não estamos retornando aos métodos stalinistas com Putin? Há
uma memória hereditária em ação, lembrando as pessoas como
devem viver, se quiserem sobreviver. Nadem com a maré.
Todo esse sistema de juízes desonestos, eleições fraudulentas,
presidentes que têm somente desprezo pelas necessidades do seu
povo só pode funcionar se ninguém protestar. Essa é a arma
secreta do Kremlin e a mais chocante característica da vida atual
na Rússia. Este é o segredo da genialidade de Surkov: apatia,
baseada na certeza, quase universal na população, de que as
autoridades do

Estado prepararão tudo, inclusive as eleições, para seu próprio


proveito. As pessoas só reagem quando alguma coisa as afeta
pessoalmente: o velho juiz Boris Ozdoev, quando seu filho
Rashid foi seqüestrado, assim como a família Mutsolgov. Até
então, se minha cabana está segura, por que vou me preocupar?
Nós saímos do socialismo como pessoas totalmente centradas em
nós mesmas.
E esse é o pano de fundo para a tentativa de assassinato de
Ziazikov.

7 de abril
Hoje, Igor Sutiagin, perito militar e acadêmico no Instituto EUA-
Canadá da Academia Russa de Ciências, autor de centenas de
artigos sobre armas estratégicas e desarmamento, foi sentenciado
a 15 anos de prisão por "trair a Pátria". Putin cuidou
pessoalmente do caso quando era diretor do FSB.
Sutiagin foi preso em outubro de 1999, acusado de passar
informações secretas a serviços de inteligência estrangeiros. Na
verdade, seu trabalho consistia exclusivamente em analisar
informações à disposição do público e chegar a conclusões com
base em fontes não classificadas. Ele nem mesmo tinha acesso a
segredos de Estado. O FSB só demonstrou que, pelo uso de
dados à disposição do público, Sutiagin chegou a conclusões
secretas. Foi obviamente um julgamento preparado para fazer de
uma pessoa um exemplo para as outras.
"Fazer um exemplo" está se tornando cada vez mais comum nos
tribunais como demonstração de lealdade ao Kremlin. Como o
instigador do caso Sutiagin está agora no Kremlin como
presidente da Rússia, foi impossível não o considerar culpado.
Além disso, o caso Sutiagin está sendo usado para instilar na
mente do público o conceito de "repressões justificáveis", de que
as autoridades sabem melhor que ninguém quem é o inimigo e,
assim sendo, têm o direito de perseguir determinados indivíduos
mesmo que seus crimes não sejam provados.
E elas o fizeram bem. A sociedade aceitou a idéia das repressões
justificadas. Além dos defensores dos direitos humanos, poucos
vieram em auxílio a Sutiagin. Algum tempo atrás, o público
exigiu um outro "espião", o oficial naval Grigori Pasko, fosse
libertado, mas ele supostamente respondeu, de seu confinamento
solitário, que não queria receber clemência. Porém agora, com o
veredicto de culpado em seu julgamento-espetáculo tipicamente
stalinista, o FSB venceu a batalha pelo próprio futuro.
O caso Sutiagin revelou outro dos nossos problemas, o julga-
mento por um júri. Na Rússia, tudo que é civilizado parece se
tornar subvertido ou pervertido, transformando-se em seu oposto.
Nossos júris são compostos por cidadãos comuns que não se
importam em ficar sem pão desde que os "inimigos da Pátria"
sejam confinados por muito tempo. Foi o juiz Mironova quem
determinou a duração da sentença, mas foi o júri que considerou
Sutiagin culpado, apesar da total ausência de provas. Por quê?
Porque está gravado nos cérebros de todos que a KGB e a FSB
sempre estão certas. O júri de Sutiagin demonstrou até que ponto,
como sociedade, ainda trazemos conosco um modo de pensar
repressivo. Não aprendemos nada. A crueldade é mais respeitada
do que a misericórdia e a compreensão. É melhor derrubar a
floresta do que se preocupar com as lascas de madeira. É melhor
condenar do que refletir.
O Comitê 2008 denunciou o veredicto: "O julgamento por júri
está se tornando puramente ornamental, usado apenas para dis-
tinguir minimamente a natureza profundamente antidemocrática
da máquina de repressão do Estado. O veredicto injusto de hoje é
um ataque das autoridades à própria fundação de um sistema
democrático constitucional."
Isso não é verdade. É uma pequena mentira democrática típica. O
júri não é um filtro: o júri é o problema. O júri somos nós.
A Duma aprovou uma lei impressionante de tão draconiana
proibindo todas as reuniões de protesto nas imediações de
instituições do Estado. Isto é, elas poderão ser realizadas somente
onde ninguém, exceto os participantes, irá ouvi-los ou vê-los.
Entre os que votaram a favor da lei estão o ex-líder sindical
Andrei Isaev, que mais de uma vez liderou pessoas até as praças
em meados dos anos 90, mas agora tornou-se um atarefado
funcionário do RU e intérprete das idéias de Putin na televisão.
Em contraste, Alexei Kondaurov, deputado do Partido Comunista
e antigo general da KGB, votou contra, descrevendo a lei como
"um ataque aos direitos e liberdades dos cidadãos". O Partido
Comunista está se tornando o mais progressista de todos. Como é
viver na Rússia entre a Scilla de Putin e a Charibdis dos
comunistas?
(É interessante o fato de Putin ter esperado pelo momento certo e
então se manifestado sobre a lei contra reuniões de protesto "Isso
é ir longe demais! Precisamos de algo mais brando." A Duma
prontamente reformulou e abrandou a lei, tudo ao vivo na tele-
visão, sob os olhos de toda a nação. Mais uma vez é permitido
realizar reuniões perto de instituições do Estado e em praças
centrais.)

12 de abril
Trabalho na Novaya gazeta e publiquei imagens de um vídeo
feito em março de 2000 por um soldado russo na Tchetchênia,
que de algum modo chegou às minhas mãos.
O vídeo mostra combatentes tchetchenos que tinham se rendido.
O ataque à aldeia de Komsomolskoio em fevereiro-março de
2004 foi, depois do cerco a Grozni no inverno de 1999-2000, a
segunda maior operação da Segunda Guerra Tchetchena.
Naquela ocasião, retirando-se de Grozni, o comandante de campo
Ruslan Gelaev liderou mais de 1.500 homens até sua aldeia natal
de Komsomolskoio.
Teve início um cerco terrível, usando todos os tipos de tecno-
logias militares e levando à morte a maioria das pessoas na
aldeia. Quando Komsomolskoio estava quase que completamente
destruída, Gelaev e alguns de seus homens escaparam
milagrosamente através das linhas russas. Aqueles que restaram
receberam a promessa de anistia, caso se rendessem; 72 homens,
como anunciou oficialmente o comando em março de 2000,
receberam anistia do Governo Federal.
Eles foram "anistiados", mas presos logo em seguida. Desde
entao, somente as famílias de três deles sabem de seu paradeiro:
os outros não voltaram. O vídeo mostra esses homens
"anistiados" sendo transferidos de dois caminhões de prisioneiros
para um vagão de carga na estação tchetchena de Tchervlenaia. A
transferência foi registrada por oficiais de uma unidade de
Operações Especiais do Ministério da Justiça russo.
O vídeo parece um filme sobre um campo de concentração
fascista. E precisamente assim que os guardas se comportam,
com seus fuzis de assalto prontos, alinhados numa colina, no
sopé da qual espera o vagão. Os soldados mantêm suas armas
apontadas para aqueles que estão sendo retirados dos caminhões.
Entre eles, vemos duas mulheres. Elas estão vestidas e, ao
contrário dos homens, não foram espancadas. São imediatamente
separadas.
Os restantes, homens e rapazes (um deles tem claramente 15 ou
16 anos), são jogados dos caminhões ou pulam para o chão.
Todos estão em péssima forma, alguns são carregados pelos
companheiros. Todos estão feridos. Alguns sem pernas, outros
sem braços; a orelha de um está pendurada, quase cortada.
Podem-se ouvir os comentários dos soldados fora de cena: "Veja,
não arrancaram direito a orelha daquele." Muitos estão
completamente nus, descalços e cobertos de sangue. Suas roupas
e seus calçados são atirados separadamente dos veículos. Eles
estão completamente exaustos. Alguns não entendem o que
querem deles e tropeçam em confusão. Alguns enlouqueceram.
No vídeo, os soldados os espancam de forma rotineira e auto-
mática, como se o fizessem só por força de hábito. Não há
médicos à vista. Alguns dos combatentes mais fortes recebem a
ordem de tirar dos caminhões os corpos dos que morreram
durante a transferência e arrastá-los para um lado. No final do
vídeo, há uma montanha de cadáveres dos prisioneiros anistiados
ao lado dos trilhos.
Os federais não tocam fisicamente os prisioneiros, usando
somente suas botas e os canos dos fuzis. Eles estão simplesmente
revoltados com os prisioneiros. Usam as pontas das botas para
virar os rostos dos mortos para olhar para eles; ao que parece, por
curiosidade. Ninguém está anotando nada, nem registrando as
mortes. Nenhum documento está sendo compilado. No fim, há
uma discussão entre os federais, acompanhada por risos: "Eles
disseram que eram 72, mas temos 74. Tudo bem, dois de
reserva."
O que aconteceu quando foram publicadas as imagens desse
registro do nosso Abu Ghraib? Nada. Ninguém mexeu uma
palha, nem o público, nem a mídia, nem o Gabinete do
Procurador. Muitos jornalistas estrangeiros me tomaram o vídeo
emprestado e, na Polônia, a manchete sobre a foto era "O Abu
Ghraib Russo”. Na Rússia, houve silêncio.
O que acontece na Inguchétia reflete o que acontece em Moscou.
Depois da reeleição de Putin, houve um completo expurgo de
fontes de informações, refletindo o expurgo da arena política
Agora quem não quiser saber não precisará saber. A maioria pre-
fere assim.

14 de abril
Na Ucrânia, o primeiro-ministro Ianukovitch foi declarado suces-
sor do presidente Kutchma. Será o candidato das autoridades na
eleição presidencial. Será que Putin realmente apoiará
Ianukovitch? Não dá para acreditar.
O advogado Stanislav Markelov foi atacado à meia-noite no
metrô de Moscou por cinco jovens. Eles gritavam: "Você fez dis-
cursos demais!" e "Você provocou isto" enquanto o espancavam,
roubaram seus documentos e sua carteira de advogado, ignorando
os bens de valor.
Markelov é um advogado jovem e muito ativo. No caso contra o
ex-coronel Budanov, ele defendeu os interesses da família tchet-
chena de Elsa Kungaeva, estuprada e morta por Budanov. Por
isso, ficou sujeito a ataques constantes de "patriotas". Ele atuou
na acusação do "Caso do Cadete" contra um soldado federal,
Sergei Lapin, cujo codinome na Tchetchênia era "O Cadete".
Pela primeira vez em nossa história recente, um oficial foi
condenado a 12 anos de prisão pelo rapto de um tchetcheno em
Grozni, que a seguir "desapareceu".
A polícia recusou-se a abrir um caso criminal para o ataque a
Markelov. Seus agressores e quem ordenou o ataque continuam
desconhecidos.

16 de abril
Há novas evidências sobre o rapto de Rashid Ozdoev, procurador
assistente da Inguchétia, pouco antes da reeleição de Putin.
Foi enviada uma carta aVladimir Ustinov, procurador-geral da
Rússia, por Igor Onischenko. Ela foi recebida e registrada como
Item 1556 pela Secretaria do Gabinete do Procurador-geral para
o distrito Federal Sul em 16 de abril de 2004.
"Esta carta lhe foi enviada por um agente do FSB Regional de
Stavropol. Eu vinha trabalhando para o FSB da Inguchétia numa
missão especial. Ela terminou e voltei para casa. Trabalhei como
agente do FSB por quase 12 anos, mas nunca imaginei que
ficaria tão atormentado.
"Koriakov, diretor do FSB da Inguchétia, é uma pessoa terrível
para termos em nosso sistema, embora ele afirme ter sido
enviado para esse trabalho pessoalmente por Patruchev (o chefe
nacional do FSB) e Putin. Esse parasita desprezível destrói
pessoas exclusivamente porque são inguches ou tchetchenas. Ele
tem algum ressentimento e as odeia.
"Koriakov forçou a mim e a meus colegas — havia cinco de nós
trabalhando para ele - a espancar sistematicamente todas as
pessoas que prendíamos, fingindo ser agentes do ROSh. Tudo era
planejado: roupas especiais, máscaras, documentos falsos,
camuflagem, veículos (que pertenciam a pessoas presas, mas
com as placas trocadas), passes especiais. Embora fingíssemos
levar as pessoas para fora (de Nazran), normalmente dávamos
uma volta e retornávamos ao nosso prédio em outros carros, para
espancá-las. Tudo isso era feito à noite. Durante o dia, nós
dormíamos. Koriakov precisava reportar a Moscou que o tra-
balho estava prosseguindo e justificar a patente de general, que
recebera recentemente. Para isso, havia um plano exigindo o
processamento de pelo menos cinco pessoas por semana. No
início de 2003, quando eu tinha acabado de chegar, nós pren-
díamos pessoas que realmente tinham alguma culpa. Mas, depois
que Koriakov se irritou com o que chamava de "aquele
procurador", começamos a pegar pessoas sem motivo nenhum, só
pela sua aparência. Koriakov dizia que não fazia diferença, eram
todas piolhos. Pessoalmente, Sergei e eu incapacitamos mais de
cinqüenta pessoas. Enterramos cerca de 35.
"Hoje retornei à minha casa. Fui recompensado por um serviço
impecável devido à última operação para eliminar o procurador
local, porque ele possuía materiais comprometedores sobre
Koriakov. Destruí a carteira de identidade e a arma do procurador
e quebrei todos os seus membros. Naquela noite, Koriakov deu
ordens para que pessoas diferentes se livrassem dele.

"Sou culpado e estou envergonhado. É a pura verdade. Igor N.


Onishchenko."
(Mesmo depois da publicação desse documento monstruoso,
nada mudou. Não houve protesto popular e o Gabinete do
Procurador limitou-se a deixar que ele fosse esquecido.)

22-23 de abril
Reunião entre Kutchma e Putin na Criméia. É o momento em que
Putin decide se apoia ou não Ianukovitch. Até o momento, parece
que não irá fazê-lo, graças a Deus. Ianukovitch não foi convidado
para a reunião, embora esperasse sê-lo o tempo todo.

28 de abril
Às 11:20, na rua Staraia Basmannaia, em Moscou, um pistoleiro
profissional atirou em Georgi Tal à queima-roupa. Tal era um
filhote do ninho de Ieltsin e havia sido, de 1997 a 2001, diretor
do Serviço Federal para Recuperação Financeira e Falências. Ele
morreu no hospital esta noite, sem recuperar a consciência. Seu
assassinato faz parte de um processo de destruição dos
envolvidos na redistribuição dos principais ativos industriais da
Rússia por meio de um sistema organizado de falência de
empresas. Durante os anos de Tal como diretor, houve uma
realocação de propriedades por este meio, principalmente nos
setores de petróleo e alumínio. Com Putin, muitas falências
criminosas começaram a ser investigadas. Esse é um componente
no caso da Ukos. O objetivo das investigações é realizar uma
nova redistribuição em favor de partidários de Putin.
Na verdade, o sistema de falências no governo Ieltsin era per-
feitamente legal e foi explorado por todos aqueles que são hoje as
pessoas mais ricas do país, os oligarcas que fizeram suas fortunas
com Ieltsin. Putin detesta a maioria deles. Poucas pessoas
duvidam de que Tal tenha sido assassinado para evitar que
falasse dos princípios sob os quais operava o Serviço de
Falências. Ele simplesmente sabia demais daqueles que hoje são
muito influentes. O assassinato de especialistas em insolvências
por pistoleiros fazia parte do ramo de falências na Rússia.
Tal era um profissional importante no gerenciamento dos bens de
empresas falidas. Depois de 2002, passou a chefiar uma parceria
sem fins lucrativos denominada Organização Auto-
regulamentada Inter-regional de Administradores Profissionais
de Insolvências. A organização existia sob a égide da União
Russa de Industriais e Empresários e aconselhava os membros do
conselho da URIE sobre quem deveria falir e quando, para que a
empresa pudesse ser posta sob sua administração. Estes são
nossos oligarcas: Oleg Deripaska, Vladimir Potanin, Alexei
Mordachev, Mikhail Fridman e outros. Porém, é improvável que
a morte de Tal fosse do interesse dessas pessoas.
O assassinato não causou surpresa na sua própria organização, na
URIE, entre as grandes empresas ou na burocracia do governo. A
população em geral ficou ainda menos surpresa. E foi excelente.
Fim de abril
Passamos por abril com a sensação de estar constantemente enga-
nados, uma sensação que satisfez a muitas pessoas, que queriam
exatamente isso.
Também vivemos a expectativa de outra afronta, arranjada para 7
de maio: a posse de Putin para o segundo mandato. Não se podia
dizer exatamente que o ar estava cheio de expectativa. A maioria
da população, na verdade, não se interessa pela cerimônia de
posse, nem quer saber se ela acontece ou não.
Na véspera de eventos oficiais importantes, é tradicional a Rússia
fazer uma pausa e refletir sobre o futuro. Seria de se esperar que
uma posse levasse os principais participantes políticos a nos
contar quais são seus planos para o período entre hoje e 2007.
Não há nada disso. O silêncio total da oposição nos diz que ela
desabou. O fracasso para gerar qualquer novo movimento nos
conta que a "velha" oposição não estará em condições de lutar
por assentos na Duma em 2007, nem de indicar candidatos
presidenciais dignos de crédito em 2008 Também ninguém
acredita numa revolução.
ATsIOM, unidade de pesquisa social do Kremlin, perguntou ao
público: "Se houvesse manifestações de massa em sua região em
defesa dos seus direitos, você participaria?" Somente 25%
responderam “sim". Sessenta e seis por cento disseram "não".
Não teremos uma revolução tão cedo.

7 de maio
Posse de Putin no Kremlin. Uma demonstração do poder autocrá-
tico e da magnificência de nosso Primeiro Cidadão, de sua
separação e do seu distanciamento.
Até mesmo da própria esposa. Durante a transmissão ao vivo
pela televisão, os comentaristas chegaram a dizer: "Entre os
convidados para a cerimônia solene da posse do presidente Putin
está a esposa de Vladimir Vladimirovitch, Liudmila Putina." É
risível, é claro, e as pessoas riram, mas não com muita alegria.
Durante toda a cerimônia, ela permaneceu na áreaVIP, atrás de
uma cerca ao lado da qual Putin caminhou pelo tapete vermelho.
Ele chegou só, passou pela mulher a caminho do pódio e depois
voltou à Varanda do Czar para assistir à parada militar. O tempo
todo sozinho. Nada de amigos, nem família. O homem está
louco. Esse é um sinal seguro de que ele não confia em ninguém,
uma característica fundamental da regra de Putin. A conclusão é
a certeza de que somente ele, Putin, sabe o que é melhor para o
país.
Na realidade, nós não sabemos como é a posse de um líder em
outros países. É uma ocasião de comemoração popular? Ou será
que é, como na Rússia, meramente um embaraço?

9 de maio
Akhmed-hadji Kadirov, o principal apadrinhado de Putin na
Tchetchênia, foi assassinado. Ele havia comparecido à posse de
Putin e ontem pegou um avião de volta à Tchetchênia, sem ocul-
tar seu desprazer com o lugar a ele destinado pela equipe de
Putin. Ele ficou no segundo salão, não nas primeiras filas dos
convidados mais importantes, e considerou isso um preocupante
esfriamento do PrimeiroCidadão em relação a ele.
Ele tinha bons motivos para ficar nervoso. Putin era sua única
esperança de poder e sobrevivência. Kadirov havia presidido o
processo de “tchetchenização” do conflito na sua república, o
início de uma guerra civil entre tchetchenos, com o Kremlin
apoiando os "bons", que se alinham com Kadirov e Putin, contra
aqueles que "não estão do nosso lado" e devem ser exterminados.
Kadirov foi morto enquanto assistia à parada do Dia da Vitória
no Estádio do Dínamo em Grozni. O dispositivo explosivo foi
concretado nos suportes sob a tribuna principal.

Houve boatos constantes de que Kadirov foi morto por "nossa


gente". Seu esquema de segurança nos últimos meses de sua vida
indicava que ninguém, a não ser "nossa gente", poderia chegar
perto dele. Sempre que aparecia em público, tudo era isolado
com muita antecedência e verificado repetidamente em busca de
explosivos. Os responsáveis pelo assassinato de Kadirov nunca
foram encontrados, independentemente da freqüência com a qual
nos mostravam na televisão o quanto todos estavam se
esforçando.
Quem é "nossa gente" neste contexto? Agentes das unidades de
Operações Especiais Federais atuando na Tchetchênia.
Assassinos a soldo do Estado. Soldados da Diretoria Central de
Inteligência do Exército, as GRU; o Centro de Missões Especiais
da Agência Federal de Segurança e subseções secretas do FSB
para a execução de missões particularmente delicadas, que
normalmente significam assassinatos.
Em 9 de maio, parecia que a morte de Kadirov, não importando
pelas mãos de quem, significava o fim da tchetchenização e, com
ele, da política imbecil de Putin no norte do Cáucaso. Kadirov,
supunham as pessoas, havia sido eliminado para que a política
acabasse. Essa suspeita durou pouco. Na noite de 9 de maio,
Ramzan Kadirov,* o filho mais novo do presidente assassinado,
um psicopata extremamente estúpido, foi, contrariando toda
lógica, elevado à proeminência na Tchetchênia. Ramzan fora
encarregado da segurança pessoal do pai, para a qual havia
trazido a escória criminosa da Tchetchênia, atraindo-os com
promessas de imunidade contra acusações.
Putin recebeu Ramzan no Kremlin naquela noite. Este apareceu
com um agasalho de malha azul vivo e garantiu a Putin que
continuaria com a política de tchetchenização iniciada pelo pai.
O encontro foi exibido em todos os canais de televisão e foi visto
em toda a Tchetchênia, deixando claro que as gangues de
Kadirov estavam recebendo imunidade para agir como antes. Por
alguma razão, o governo Putin havia suspeitado de que, depois
da morte do pai, Ramzan iria fugir para as montanhas para se
juntar aos insurgentes. Em vez disso, ele recebeu permissão para
continuar a aterrorizar a população da república.
Isso produziu ainda mais discórdia e violência na Tchetchênia em
apoio à posição do vazio Ramzan Kadirov. A resistência armada
foi fortalecida pela entrada de novos voluntários depois da morte
de Kadirov pai, mas, em pouco tempo, as pessoas estavam se
curvando diante do novo idiota e logo ele se iludiu, achando que
era realmente importante.

26 de maio
Putin fez seu discurso anual à Assembléia Federal. É assim que o
povo russo é informado dos planos do presidente para o ano
seguinte. Ele estava em ótima forma e agressivo. Falou da
sociedade civil com completo desprezo, afirmando que ela era
toda corrupta e que os defensores dos direitos humanos eram
uma quinta coluna financiada pelo Ocidente. Esta é uma citação
literal: "Para algumas dessas organizações (da sociedade civil),a
prioridade é conseguir financiamentos de fundações estrangeiras
influentes... Quando há um problema com violações básicas dos
direitos humanos, de transgressão dos reais interesses do povo, as
vozes dessas organizações algumas vezes não são ouvidas. Isto
não surpreende ninguém. Elas não podem morder a mão que as
alimenta."
E claro que, daquele momento em diante, o ataque absurdo de
Putin aos defensores dos direitos humanos foi assumido pelos
funcionários do seu governo, em especial por Vladislav Surkov,
seu principal ideólogo e homem de imprensa. Depois disso, os
defensores dos direitos humanos, quando compareciam a
manifestações de protesto contra a guerra na Tchetchênia,
levavam cartazes com °s dizeres: "Sou a quinta coluna do
Ocidente."
Depois do discurso de 26 de maio de Putin, as autoridades do
estado começaram a montar uma nova variedade de "associações
de direitos humanos" sob seu patrocínio. Isso não deu em nada,
mas a idéia era que aquela sociedade civil paralela, "do nosso
lado", deveria ser financiada pelas empresas russas, pelos
oligarcas. Eles se recusaram, sem dúvida pensando no destino de
Khodorkovski, que estava preso por ter financiado organizações
não-governamentais.
Por que Putin montou de repente esse assalto às associações de
direitos humanos? No verão de 2004, depois do colapso dos
partidos democráticos e liberais, parecia claro que, se a oposição
fosse se cristalizar em algum lugar, seria em torno da
comunidade de direitos humanos, como no período soviético. Foi
por isso que Putin difamou essas organizações na sua mensagem;
porque estava ansioso para desacreditá-las.
Em maio, os democratas permaneceram quietos. A ascensão de
Ramzan Kadirov à proeminência na Tchetchênia foi o principal
acontecimento do mês, ofuscando a posse de Putin, mas eles não
fizeram nenhum protesto. Na verdade, não fizeram comentário
nenhum.

1º de junho
Leonid Parfionov, um brilhante jornalista de televisão, foi
demitido da emissora NTV. Em seu popular programa de análise
de notícias, O Outro Dia, ele exibiu uma entrevista com a esposa
de Zelimkhan Iandarbiev, o líder tchetcheno assassinado no
Qatar. A entrevista nada tinha de especial, em que a viúva não
disse nada de particularmente impressionante, mas ela estava
inconsolável. Porém, o assunto não era permitido.
Parfionov não é um apresentador agressivo e buscou um meio
termo entre o que queriam as autoridades e o que ele queria mos-
trar em seu programa. Sua demissão é uma censura política da
NTV.
Kakha Bendukidze, um acadêmico da Geórgia que também é um
oligarca industrial russo, foi nomeado ministro da Indústria da
nova Geórgia. Saakachvili imediatamente fez dele um cidadão da
sua república.
Bendukidze foi persuadido a assumir o cargo por Zurab Jvania,
primeiro-ministro da Geórgia. Ele anunciou que pretende
introduzir "reformas ultraliberais" em sua velha terra natal. E
evitou cuidadosamente qualquer comentário sobre a natureza das
reformas que poderão ser necessárias, mas sua partida fala por si
só. É evidente que não há lugar para ele como liberal na Rússia
de Putin. Mesmo antes da Revolução da Rosa em Tbiliso.
Bendukidze havia falado, em público e em particular, de sua
decepção com o desenvolvimento econômico russo e de seu
desejo de deixar os negócios. Ele já estava providenciando a
venda de seus interesses russos nos negócios.
Em Moscou, a Comissão Eleitoral Central está iniciando uma
campanha de propaganda para fazer com que o eleitorado aceite a
abolição do direito de voto nas eleições à Duma para candidatos
individuais, em favor do voto em partidos mediante um sistema
de representação proporcional. Esse é um direito pelo qual
lutamos para conquistar e é fundamentalmente importante em
nossa sociedade pós-comunista. O objetivo do Kremlin é permitir
que as pessoas votem somente em listas de partidos. Ele também
pretende elevar a parcela de votos exigida para que um partido
possa ter representação no Parlamento. Em outras palavras, só os
grandes partidos poderão participar de eleições.
Um sistema assim nos levaria de volta ao passado soviético. Ele
tornaria impossível a formação de novos partidos parlamentares e
os novos partidos não parlamentares seriam marginalizados. O
efeito seria possibilitar que o Kremlin negocie somente com dois
ou três "velhos" partidos, que já tenham se mostrado dispostos a
fazer grandes concessões. O Partido Comunista, o Partido Liberal
Democrata e, com algumas reservas, o partido Rodina operariam
sob o comando daquele partido inchado de burocratas, o RU.
O objetivo subjacente é possibilitar que o Kremlin acabe com a
imprevisibilidade das eleições. O resultado planejado será o
resultado real. Os partidos democráticos serão instantaneamente
marginalizados, porque o apoio ao Iabloko e à União de Forças
de Direita está abaixo do limiar de 7%, no qual insiste a
administração Presidencial. E ssa proposta foi considerada
imediatamente um acordo fechado por Alexander Vechaniakov,
diretor da Comissão, que está longe de ser independente.
Vechaniakov explicou que eleições baseadas na representação
proporcional poderão passar a ser lei em junho de 2005 pela
introdução de emendas na lei "Sobre Garantias Básicas de
Direitos Eleitorais e o Direito de Participar de um Referendo de
Cidadãos da Federação Russa".
Foi exatamente isso que aconteceu. Foi explicado que o novo sis-
tema era "mais responsável". Não houve manifestações de
protesto e somente os defensores dos direitos humanos tentaram
alertar os líderes da Assembléia Parlamentar do Conselho da
Europa de que a Rússia não tinha mais um sistema eleitoral
democrático. Os europeus observaram que não acontecera
nenhum protesto popular e também aceitaram o sistema.

2 de junho
Na Tchetchênia, foi enterrado Zelimkhan Kadirov, o filho mais
velho de Akhmed-hadji Kadirov. Era notório o fato de que era
viciado em drogas e ele morreu de um ataque cardíaco três sema-
nas depois do assassinato do pai. Parentes disseram que
Zelimkhan se opunha totalmente à política brutal do pai e do
irmão mais novo e procurou refúgio na heroína.

19 de junho
Em São Petersburgo, Nikolai Girenko foi morto a tiros em seu
apartamento. Trata-se de um assassinato político de um
conhecido defensor dos direitos humanos e acadêmico
antifascista. O assassinato foi executado por fascistas russos, que
não fizeram segredo do fato. Foi uma demonstração de força da
parte deles. Primeiro publicaram na Internet uma "sentença de
morte" para Girenko; as autoridades a ignoraram e depois
Girenko foi morto de acordo com a "sentença".
Quem era Girenko? Era um etnógrafo acadêmico, proeminente
pesquisador do Museu de Antropologia e Etnografia Pedro, o
Grande, da Academia Russa de Ciências. Havia sido convocado
como testemunha técnica nos poucos processos levados aos
tribunais contra organizações fascistas. Ele analisava os textos de
publicações nacionalistas radicais e os manifestos de grupos
neonazistas e demonstrava que eles eram muito extremistas. Suas
análises judiciais eram precisas e eruditas e com freqüência
constituíam a base para a condenação dos neonazistas. Esses
julgamentos são raros. Em 2003, de 72 crimes identificados
como de motivação racial, só onze chegaram aos tribunais. Os
outros casos fracassaram quando os investigadores se mostraram
incapazes ou, mais comumente, relutantes para provar a
motivação racial.
Os neonazistas odiavam Girenko porque, quando ele era teste-
munha, com freqüência eles eram sentenciados à prisão, em vez
de conseguir perdão ou suspensão da sentença, os casos mais
comuns. Ele foi testemunha, no início deste mês, em um
julgamento em Novgorod de membros de um ramo local do
partido da Unidade Nacional Russa.
Hoje poucos acadêmicos se dispõem a testemunhar abertamente
em julgamentos como este, porque temem retaliações pelos
fascistas, que gozam do apoio das autoridades e de uma parcela
significativa da população. Eles não podem confiar em esquemas
de proteção de testemunhas, porque os próprios órgãos
responsáveis pelo cumprimento da lei estão repletos de
chauvinismo e xenofobia. Sempre estiveram, mas o governo
Putin e a Segunda Guerra Tchetchena viram a elevação de um
temor histérico das pessoas originárias do Cáucaso.
"Quando ouvi falar do assassinato de Girenko, tive certeza de que
haveria uma onda de protesto social", comentou a escritora Alla
Gerber, presidente da Fundação Holocausto. Até dezembro, ela
era deputada na Duma e havia muitos mandatos, pela União das
Forças de Direita. Porém, mais uma vez, não houve protesto
nenhum, somente uma onda de satisfação social quando os
websi-tes de organizações nacionalistas veicularam a alegre
notícia do assassinato de Girenko. "Os nacionalistas ficaram
jubilosos ao ouvir a notícia da morte deste acadêmico!" O Partido
da Unidade Nacional Russa anunciou que "soube do
desaparecimento deste antifascista com uma sensação de alívio".
A União Eslava (cujas iniciais em russo são SS) exibiu um pôster
que, disseram eles, havia sido preparado antes do assassinato. Ele
mostra um jovem com o uniforme das tropas de assalto com uma
pistola. A legenda diz: "In memoriam Girenko." Ninguém os
deteve. O Gabinete do Procurador nada tinha a dizer, menos
ainda tomar as providências requeridas por lei. Nenhum dos sites
foi fechado. Seus proprietários não enfrentarão acusações
criminais.
Ao mesmo tempo, uma lista de "inimigos do povo russo" foi
exibida no website de outra organização ultranacionalista, o
Partido da Rússia Maior. A lista contém 47 nomes, inclusive o de
Svbetlana Gannuchkina, diretora da Ajuda aos Cidadãos, a maior
organização de assistência a refugiados e pessoas forçadas a
adotar um novo endereço. Também está o nome de Alla Gerber,
presidente da Fundação Holocausto, conhecida defensora na luta
contra o anti-semitismo na Rússia. E o de Andrei Kozirev, ex-
ministro do Exterior, por sua inclinação pró-ocidental; também
do apresentador de televisão Nikolai Svanidze, porque é da
Geórgia, e, incidentalmente, o de uma parente de Stalin, Ielena
Khanga, porque sua mãe foi casada com um africano. Também
está o nome da autora destas linhas.
A União Eslava afirma: "É fato bem conhecido que numerosas
chamadas associações de direitos humanos, geralmente
compostas por defensores não russos e venais dos direitos
humanos e sobrevivendo de doações vindas do exterior, de
fundações ligadas à CIA, ao MI6 e ao Mossad, estão compilando
dossiês contra militantes russos." Em outro trecho, Dmitri
Demuchkin, líder do SS, ameaça abertamente as pessoas que
estão na lista: "A Noite das Facas Longas está próxima!"
Não há dúvida de que essa vilania foi provocada pelo assassinato
de Girenko — que as autoridades relutaram em revelar e procu-
raram silenciar — e também pelo exemplo de cima sobre como
se deve lidar com "defensores venais dos direitos humanos". Em
seu Discurso à Assembléia Federal, Putin usou quase as mesmas
palavras do SS.

21-22 de junho
Durante a noite, a "operação antiterrorismo", que já dura cinco
anos, atingiu sua apoteose quando os rebeldes assumiram o
controle da Inguchétia.
Pouco depois das 23:00, comecei a receber telefonemas da
Inguchétia, onde tenho muitos amigos. "Uma coisa terrível está
acontecendo aqui! É uma guerra!”, gritavam as mulheres ao
telefone. "Ajude-nos! Faça alguma coisa! Estamos deitadas no
chão com nossos filhos!" Eu podia ouvir o barulho de tiros de
fuzis automáticos e muitas pessoas gritando: "Allahu Akbar! Alá
é grande!"

A guerra virtual pelo telefone varou a madrugada, com a noite


inteira repleta de uma sensação de impotência. Em Moscou, à
noite, não há nada que se possa fazer para ajudar alguém. As
emissoras de televisão estão fechadas, o pessoal dos serviços de
notícias foi para casa. O pessoal dos órgãos de imposição da lei
desligou seus celulares e foi dormir. Você pode matar se quiser,
pode roubar, mas os generais só darão ordens pela manhã.
Foi isso que aconteceu na Inguchétia. Quando os rebeldes
começaram a sair de madrugada, os soldados, dos quais a
Inguchétia e as regiões adjacentes estavam repletas, finalmente
deixaram suas "posições de desdobramento permanentes" e
começaram a organizar uma perseguição. Helicópteros
trovejavam nos ares, surgia apoio aéreo.
Era tarde demais. Os rebeldes já tinham ido. Havia corpos nas
ruas, de civis e militares. A grande maioria dos mortos era de
policiais do Ministério do Interior da Inguchétia, do Gabinete de
Assuntos Internos de Nazran e do Departamento de Polícia de
Karabulak. Procuradores e agentes do FSB também foram
mortos. Funcionários de nível médio dos órgãos de segurança
foram mortos, veículos e prédios foram queimados. Ficou claro
que mais de 200 rebeldes haviam conseguido assumir o controle
completo de Nazran e que tinham ocorrido ataques simultâneos
na cidade de Karabulak e na aldeia de Sleptsovskaia. Eles
colocaram bloqueios nas estradas e mataram todas as pessoas que
chegavam aos bloqueios portando carteiras de identidade que
indicavam que elas trabalhavam para órgãos ligados ao
cumprimento da lei, juntamente com outras que caíam em suas
mãos. Testemunhas disseram que os defensores dos bloqueios
eram tchetchenos, inguches e "pessoas de aparência eslava" e que
eles estavam com Shamil Basaev.*
Então Basaev consegue reunir um grupo de 200 combatentes,
quando todos os órgãos de segurança, inclusive da Tchetchênia,
vem reportando aos seus superiores nos últimos três anos que não
restaram mais que cinqüenta rebeldes, ou talvez vinte ou trinta?
Foi uma operação de guerrilha brilhantemente organizada da qual
os serviços de inteligência não deram alerta, uma operação que
não enfrentou a resistência nem do retardado Kadirov e seu
regimento (que pode assustar o Kremlin, mas evidentemente não
assusta Basaev); nem dos milhares de soldados russos em
Hankala, nem dos outros milhares de reserva em Mozdak, nem
do 58° Exército, sediado em Ossétia, de onde vieram alguns dos
rebeldes. E também há mais de 14 mil policiais na Tchetchênia e
seis mil na Inguchétia.
Mas os serviços de inteligência realmente existem? E o regi-
mento de Kadirov? E os 14 mil policiais, mais outros seis mil na
Inguchétia? E Hankala e Mozdok, existem realmente?
O ataque na Inguchétia prova que, como força de segurança
efetiva, não existem. Nosso sistema de defesa é tão virtual quanto
Putin, criado puramente para fazer um espetáculo de combate,
mas não para combater. É por isso que todos aqueles milhares de
pessoas desaparecem sem deixar traços depois que se encontram
com "soldados mascarados não identificados vestindo uniformes
de camuflagem". Alguém precisa enviar aos seus superiores um
novo relatório "antiterrorista”. Resultados são necessários. Essas
"forças" somente são capazes de seqüestrar e saquear
furtivamente. É para isso que servem hoje o exército e as forças
de segurança da Rússia.
E houve pessoas que deixaram suas casas à noite e foram até os
bloqueios nas estradas para pedir aos rebeldes que deixassem
claro que os "invasores" eram inguches e tchetchenos.
Quando começaram os raptos em larga escala, no inverno ao
último ano, e jovens da Inguchétia começaram a ir para as
montanhas em vez de continuar resistindo, as autoridades
tornaram um inferno a vida daqueles que diziam abertamente que
aquilo era muito perigoso e levaria a uma escalada da guerra.
Elas continuaram a insistir na sua própria estabilidade. Em 22 de
junho, esse mito custou quase cem vidas. Os policiais que se
defendiam e, à espera de ajuda, morreram em batalha, cumpriram
seu dever até o fim. Mas quem assume a responsabilidade pelas
mortes de civis?
Os rebeldes, evidentemente, têm plena responsabilidade criminal
por todas aquelas mortes, mas as chamadas autoridades do
Estado são igualmente culpadas. Elas nunca se cansam de nos
dizer que "assumem a responsabilidade por tudo". As autoridades
mentiram, nada fizeram, preocupando-se somente com sua
permanência no poder e com isso condenaram inocentes à morte.
E onde estava Ziazikov naquela noite? Ele fugiu disfarçado de
mulher. Dispensou seu guarda-costas para não ser identificado e
só voltou quando o perigo havia passado, quando as pessoas
estavam buscando seus entes queridos em meio aos cadáveres.
Foi um comportamento nunca visto antes em um homem e não
apenas no Cáucaso. Enquanto todas essas grandes tolices
perdurarem, com Ziazikov como parte condigna do sistema, e
enquanto Putin não mudar sua política enlouquecida na
Tchetchênia, que não tem futuro nenhum, tragédias como a de 22
de junho serão inevitáveis. Nossas mentiras coletivas ao longo de
muitos anos a respeito da Guerra Tchetchena, nossa incapacidade
até mesmo de aprender com a tragédia de Nord-Ost, causaram
esses eventos monstruosos na Inguchétia.
Precisamos simplesmente buscar uma saída política para esse
impasse.

23 de junho
Vinte e quatro horas depois da tragédia, enquanto aconteciam
funerais em toda a Inguchétia, Alu Alkhanov, ministro do
Interior da Tchetchênia, anunciou na televisão que seria
candidato ao cargo de presidente da Tchetchênia. Alkhanov é um
dos responsáveis pelo fracasso na captura de Basaev, mas mesmo
assim está sendo repetidamente apresentado como o candidato
preferido de Putin. Adiantando-se, Alkhanov disse que esperava
muito por "eleições pacíficas em 29 de agosto" e que agora o
mais importante era consolidar a agricultura tchetchena. Ele
parecia ignorar o quanto era inadequado dizer tudo aquilo um dia
depois da catástrofe na Inguchétia.

1° de julho
Houve um debate no Mosteiro Sivato-Danilovski, em Moscou,
sobre o tema "Liberdade e Dignidade Pessoal: As Visões
Ortodoxa e Liberal". Rostilav Chafarevitch estava lá; no passado
ele fora colega e amigo de Andrei Sakharov, mas hoje é um
terrível reacionário e defensor de Putin. Ella Pamfilova, diretora
da Comissão Presidencial para o Desenvolvimento da Sociedade
Civil e dos Direitos manos, também estava. Estavam presentes
também o diácono Andrei Kuraev e o vigário Vsevolod Tchaplin.
A mesa redonda tratou de elaborar o conceito de Vladislav
Surkov de um modelo russo para a defesa dos direitos humanos:
em primeiro lugar, seria financiado por empresas russas; em
segundo, seria baseado na ética ortodoxa russa.
E quanto àqueles que não são ortodoxos? Muçulmanos? Judeus?
Eles serão excluídos da defesa dos direitos humanos? O
movimento pelos direitos humanos é, por sua própria natureza,
supranacional e supra-religioso. De qualquer maneira, se
acreditarmos em Dostoiévski, o russo é um "homem universal”.
Mas as coisas não são bem assim. Putin instruiu a Igreja Or-
todoxa Russa a revelar que ele falaria, no seu Discurso à
Assembléia Federal, a favor da substituição da defesa "ocidental"
dos direitos humanos pela defesa "ortodoxa" dos direitos
humanos. Para provar mais uma vez sua lealdade às autoridades e
em troca de ter sido tornada por Putin a principal religião do
Estado, a Igreja Ortodoxa Russa concordou. O metropolita kiril
fez um discurso emocionado sobre a necessidade de se
encontrarem novos líderes para o movimento dos direitos
humanos, "que amam nosso país". Ele parece não compreender
que simplesmente não é possível "encontrar novos líderes para o
movimento dos direitos humanos". Ou eles existem, gerados pela
própria vida, ou não.
Ella Pamfilova também falou. Anteriormente ela era uma
democrata entusiasmada, que fazia campanhas contra os
privilégios dos figurões do partido. Agora apoiava
entusiasticamente Putin e sua nova atitude em relação aos
defensores dos direitos humanos. Ela disse: “Não concordo que
haja uma crise de ideologia no movimento pelos direitos
humanos. Não pode haver uma crise de algo que por definição
não pode existir! Existe uma crise em determinadas associações
de direitos humanos cujos líderes, em muitos aspectos, ainda
estão no século passado, tentando combater um Estado totalitário
que há muito desapareceu. Eles estão acostumados a apelar para
os líderes de Estados ocidentais para que tentem influenciar
nossas autoridades. Repito, não devemos associar todo o
movimento por direitos humanos na Rússia a cinco ou dez
pessoas muito conhecidas, a maioria das quais dos velhos
tempos, que há muito confundiram fazer campanhas pelos
direitos humanos com política, que ainda confundem uma coisa
com outra, defendem radicalmente posições que não têm o apoio
da maior parte da população ou do público bem informado. Não
creio que elas representem um grande perigo para nós. Acredito
que estamos testemunhando hoje o nascimento de um movimento
por direitos humanos de uma nova qualidade na Rússia (...) e que
há muitos jovens líderes de organizações pelos direitos humanos
que estão trabalhando pelos interesses do nosso povo(...).”
Certamente há, mas eles não irão alegrar o coração de Pamfilova.
A radicalização dos jovens é um fato óbvio. Os filhos dos
derrotados partidários do Iabloko e da União das Forças de
Direita se juntarão ao partido de Limonov,* o Partido
Bolchevique Nacional.
Começou o ato final da destruição da Yukos. Na noite de 1º para
2 de julho, as contas da empresa foram congeladas. A extração de
petróleo cessou, fazendo com que seu preço subisse muito nos
mercados mundiais. A Yukos ofereceu um pacote de ações da
empresa Sibneft Oil para pagar por suas novas dívidas. O Estado
recusou a oferta, insistindo na liquidação daYukos. Esta é uma
calamidade equivalente ao que Putin gosta de chamar de "acabar
com eles". Ninguém se importa.

6 de julho
Uma assembléia na aldeia tchetchena de Sernovodskaia, para
exigir o retorno do último grupo de homens raptados pelos
federais, foi dispersada a tiros. Mulheres da aldeia vizinha de
Assinovskaia e da cidade de Akhchoi-Martan bloquearam a
rodovia com a mesma exigência: parar com os raptos arbitrários
de seus filhos, maridos e irmãos. Nada mudou. Só os defensores
dos direitos humanos da própria Rússia apoiaram esses protestos.

7 de julho
Na cidade tchetchena de Chali, houve um encontro das mães dos
raptados. Elas declararam estar preparadas para fazer uma greve
de fome de duração indefinida, pois sua paciência se esgotou
diante da incapacidade dos organismos legais para buscar as
vítimas. Elas pedem que os defensores europeus de direitos
humanos e as organizações internacionais ouçam seu grito de
desespero por uma simplificação dos procedimentos para a
concessão do status de refugiados aos tchetchenos. "Fomos
expulsos da Inguchétia, estamos sendo mortas e nossos filhos
raptados na Tchetchênia e na Rússia. Somos cidadãs de segunda
classe." Essa foi a resolução do encontro.
Na mesma noite, forças federais continuaram furtivamente a
arrancar homens de suas casas em Grozni, Nazran e Karabulak.
Há uma inundação de cartas da Tchetchênia até Estrasburgo.
9 de julho
A mais recente morte atroz de um soldado russo pelo exército
russo. Soldados morrem no exército por muitos motivos; o
exército torna fácil eles serem mortos. Você pode estar ansioso
por servir, pode se alistar antes do prazo, como levgeni
Fomovski, mas isso não irá salvá-lo. Haverá um mau elemento
que não gostará de você, do seu tamanho, ou do tamanho dos
seus pés, e ele o matará.
"Seus amigos de escola estavam fazendo as provas finais
enquanto meu filho estava sendo enterrado", contou-me a mãe de
Ievgeni, Svetlana. Ela é da cidade de Iarovoie, na região de Altai.
"Ievgeni fez todos os exames mais cedo para poder se alistar no
exército na primavera."
"Por quê?"
"Para acabar de servir mais depressa, sem ser incomodado pelo
Comissariado Militar, e depois ir para a faculdade."
Não foi o que aconteceu. A carreira de Ievgeni Fomovski no
exército durou de 31 de maio até 9 de julho, menos de um mês e
meio. Ele chegou à sua unidade de guardas da fronteira do FSB
nos arredores de Priargunsk, na província de Tchita, em 8 de
junho. Em 4 de julho, fez o juramento de lealdade. Em 6 de
julho, esse siberiano grandalhão e saudável foi enviado às
montanhas, para um campo de treinamento a 12 quilômetros de
Priargunsk. Na madrugada de 9 de julho, foi encontrado
enforcado por dois cintos amarrados em um prédio semi-
arruinado a 100 metros das tendas do campo de treinamento. Às
nove da noite do mesmo dia, o carteiro chegou à rua Altaiskaia,
em Iarovoie, com um telegrama que dizia: "Seu filho Ievgeni
Anatolievitch cometeu suicídio em 9 de julho de 2004.
Comunique imediatamente local do enterro. A data de despacho
do caixão será comunicada separadamente. Oficial Comandante
da Unidade Militar(...).”
Mas o que aconteceu? Ievgeni era forte e bem preparado para ser
um soldado. Era um bom esportista e, na época, tinha 18 anos e
havia adquirido várias qualificações militares. Porém, o exército
não precisa de recrutas educados, ele quer colaboradores. A
origem da tragédia foi que o soldado Ievgeni Fomovski calçava
botas tamanho 47 e tinha 1,96 de altura. Ele recebeu botas
tamanho 44 e foi obrigado a usá-las durante uma corrida diária de
5 km sob um calor de 40 graus.
Torturar recrutas é um meio de vida no exército russo. No dia
anterior ao do "suicídio", Ievgeni só conseguia andar usando chi-
nelos.
"Quando o vimos no necrotério, o dedão do pé estava gasto até o
osso", contou-me Iekatarina Mikhailovna, a tia dele.
A Rússia é um país grande. Quando a mãe e a tia de Ievgeni
iniciaram a jornada de cinco dias até Priargunsk para visitá-lo,
não unham idéia do que as esperava. “Chegamos tarde demais",
lamenta a mãe. "Chegamos a Priargunsk em 10 de julho e ele
morreu no dia 9." Priargunsk é uma pequena cidade na distante
fronteira da Rússia com a China e a Mongólia. O necrotério é um
prédio anexo ao Hospital Distrital.
"Quando estávamos no necrotério, eu vi Ievgeni", contou-me a
tia. "Havia uma marca no pescoço, aparentemente de um laço.
Havia cortes no pulso esquerdo. Nos disseram que ele antes
tentou cortar os pulsos. Todo seu corpo fora espancado, a cabeça
estava coberta de escoriações. Ela estava mole ao toque, como se
não tivesse ossos; todos tinham sido quebrados. Na nuca havia
uma marca clara de um objeto pesado. Seus órgãos sexuais
estavam esmagados: eles eram uma enorme escoriação preta.
Suas pernas estavam inchadas, com um ferimento atrás do outro,
como se ele tivesse sido arrastado. Não havia pele nas costas,
também como se ele tivesse sido arrastado. Havia uma
queimadura no pé. Havia ferimentos nos ombros, como se eles
tivessem sido fortemente pressionados. Acho que ele foi
torturado e depois pendurado para ocultar o assassinato."
Ievgeni não quisera se submeter ao tormento de suas botas de
numero menor e tinha exigido botas do tamanho certo.
Decidiram ensinar-lhe uma lição, de acordo com uma antiga
prática do exército: com o assentimento dos oficiais, isso é
executado pelos
"vovôs" — sargentos, soldados em seu segundo ano de serviço,
soldados veteranos. Os oficiais esperam que eles "mantenham a
ordem" nos alojamentos. O fato de Ievgeni ter sido assassinado
foi mais tarde confirmado por outros recrutas, que disseram que
seus torturadores não pretendiam matá-lo, só ensinar-lhe uma
lição para que ele não tentasse aparecer. Eles exageraram e
Ievgeni morreu. Então os assassinos decidiram fingir que ele
havia cometido suicídio.
A tragédia do soldado Fomovski, 18 anos, morto porque seus pés
eram grandes demais, não causou nenhum clamor público em
particular diante de tal selvageria no exército. Ninguém insistiu
para que o ministro da Defesa, Sergei Ivanov, e o diretor do FSB,
Nikolai Patruchev, fizessem algo para garantir no futuro, para
nossos soldados, um ambiente organizado, com alimentos,
roupas e calçados adequados para seres humanos; ou que eles
assumissem responsabilidade pessoal pela vida dos jovens que
recrutamos.
Tudo continuou como antes, até o próximo assassinato de um
soldado.
Na mesma noite, Paul Klebnikov, editor-chefe da edição russa da
revista Forbes, foi mortalmente ferido. Klebnikov era descenden-
te de Puchkin, um veterano da revolução de dezembro de 1825 e
amigo de Alexander Puchkin; era americano e havia muito
estudava o desenvolvimento da oligarquia na nova Rússia. Seu
assassinato era um mistério e a sugestão, pelos órgãos de
segurança, de que os assassinos eram tchetchenos vingando-se de
um livro mal escrito sobre o aventureiro Hoj-Akhmed Noukhaev
é um completo absurdo. Os órgãos de segurança estavam em
apuros porque não conseguiam solucionar um crime que havia
causado ampla indignação internacional. Noukhaev é uma figura
estranha, contraditória. Tendo sido comandante de campo, ele
deixou a Resistência e começou a se apresentar como filósofo,
coisa que não era. Sua autoridade nunca foi grande entre os
tchetchenos e é difícil imaginar alguém matando em seu nome.
Mukhamed Tsikanov foi nomeado vice-presidente da Yukos-
Moscou, a holding da Yukos. Ex-vice-ministro do
Desenvolvimento Econômico, Tsikanov é na realidade um
emissário do Estado inserido para garantir uma venda "correta".
Nem é preciso dizer que ele está no bolso das autoridades. Antes
disso, se engajou na "restauração da Tchetchênia”, um
empreendimento reconhecidamente fracassado, apesar de todo o
dinheiro gasto. O encarregado de tudo isso goza a vida sem
conseqüências, tendo sido até promovido.
10 de julho
A última edição do programa Livre Debate, de Savik Chuster, foi
transmitida pela NTV. O único talk show político da televisão
nacional russa foi cortado. Assim como o programa Negócios
Pessoais, também na NTV. Tratava-se de um programa semanal
de análise de notícias, dirigido por Alexander Gerasimov, vice-
diretor geral para noticiários da NTV, que do mesmo modo está
de saída. O esmagamento do livre pensamento e da
imprevisibilidade na televisão russa é um fait accompli.

16-17 de julho
Na aldeia tchetchena de Sernovods, na fronteira da Tchetchênia
com a Inguchétia, soldados chegaram em carros blindados e
raptaram seis homens: os dois irmãos Indarbiev, um deles major
da polícia; os três irmãos Inkemirov, com idades entre 15 e 19
anos, e o aleijado Anzor Lukaev. Um protesto organizado pelas
mulheres das famílias das vítimas para exigir seu retorno foi
dispersado por tiros de alerta. Os primeiros a atirar foram os
guarda-costas de Alu Alkhanov, o "presidente do Comitê Público
para a Restauração da Tchetchênia". Ele é o principal candidato
presidencial, membro da polícia e ministro do Interior — o
mesmo Alu Alkhanov que nunca se cansa de nos dizer na
televisão que "a onda de raptos está declinando, tivemos sucesso
nisso". É mais fácil fazer essa afirmação quando se atira em
qualquer um que afirma que isso não é verdade.

20 de julho
Por volta das 4:00, em Galachki, na Inguchétia, Beslan
Arapkhanov, motorista de trator, foi espancado diante da mulher
e de sete filhos pequenos antes de ser morto a tiros. Por engano.
As forças de segurança estavam tentando prender o rebelde
Ruslan Khutchbarov. De acordo com informações altamente
secretas, naquela noite, Khutchbarov estava dormindo na rua
Partizanskaia, n°11.
Porém, por algum motivo, os soldados vieram e mataram
Arapkhanov, inocente, no n° 1 da mesma rua. Imediatamente
depois do assassinato, um funcionário entrou na casa de Arap-
khanov, apresentando-se para a chocada mulher como o
investigador Kostenko, do FSB, e apresentou um mandado de
busca para a "rua Partizanskaia n° 11". Naquele ponto, o erro
ficou evidente, mas Kostenko não se desculpou para a chorosa
viúva.
Essa é a realidade da nossa "operação antiterrorismo". O que
farão os sete filhos de Beslan Arapkhanov a este respeito? Qual é
a probabilidade de eles esquecerem e perdoarem?

Kostenko também não se desculpou às mães das crianças que


morreram na atrocidade terrorista subseqüente na Primeira
Escola da Cidade de Beslan, comandada pelo mesmo
Khutchbarov que ele não conseguiu prender.

23 de julho
A equipe que investigava o caso dos reféns de Nord-Ost foi
desfeita. Dentro de três meses, será o segundo aniversário
daquela tragédia e o público cansou-se de ouvir a respeito dela.
Foi precisamente por isso que a investigação terminou, apesar de
ainda não ter identificado a maioria dos terroristas, nem
estabelecido a composição do gás que envenenou as pessoas,
nem descoberto quem tomou a decisão de usá-lo.
Um inquérito que era de crucial importância para o progresso
político do Estado russo foi posto na geladeira. De toda a equipe,
supostamente "um grupo de nossos melhores investigadores
trabalhando para resgatar uma dívida de honra", como disseram
nossos porta-vozes oficiais, restaram apenas o sr.V. I. Kaltchuk e
salas vazias no Gabinete do Procurador de Moscou.
Kaltchuk se reúne com as pessoas que sofreram — reféns sobre-
viventes e parentes dos que morreram — e as faz ler suas
descobertas: não houve culpa criminal por parte do pessoal dos
órgãos de segurança, que utilizaram um gás letal para simplificar
a "operação de resgate", ao custo de 129 vidas e da saúde de
centenas de outras pessoas.

Suas constatações são de um cinismo chocante. No documento


toda a culpa é atribuída a Basaev:
O investigadorV. I. Kaltchuk determinou que Basaev, depois de
1995 (...) planejou (...) comprometeu (...) selecionou (...) delegou
(...)*. Um mandado internacional de busca foi emitido através da
Interpol em 5 de maio de 2003(...). Sob o pretexto de combater
pela liberdade e independência do Estado ilegal e
autoproclamado de Itchkeria (...) no período indicado, para levar
as instituições estatais da Federação Russa a tomar a decisão de
retirar suas tropas do território da República Tchetchena, onde
uma operação antiterrorismo está sendo realizada, conspirou com
os líderes de um grupo armado ilegal e de separatistas
tchetchenos não identificados pela investigação para provocar
explosões em lugares densamente povoados e socialmente
importantes e tomar um grande número de pessoas como reféns
(...).
É razoável esperar que o relatório conclua que foi Basaev o
culpado por não deixar, aos serviços de segurança, nenhuma
opção a não ser usar um produto químico letal. Porém, a culpa de
Basaev é descrita somente no preâmbulo. Não há uma só palavra
a respeito dele na seção de conclusões, que considera a questão
da culpa.
Nos vários estágios dos preparativos para cometer os atos ter-
roristas, Basaev e outros organizadores do grupo criminoso
selecionaram nada menos que 52 pessoas, que se tornaram
membros do grupo. Para realizar a tomada de reféns, os seguintes
foram recrutados e treinados:
Um terrorista não identificado pela investigação... corpo n° 2007,
Um terrorista não identificado pela investigação... corpo n° 2028,
Um terrorista não identificado pela investigação... corpo n°
2036...
Quem são eles? Só Deus sabe. Contudo, uma das razões para a
abertura do inquérito foi ligar um nome e um sobrenome a cada
um daqueles indivíduos não identificados. Como podemos ver a
partir de suas constatações, Kaltchuk sabe o nome de um ou dois
terroristas. São aqueles cuja identidade é conhecida de todos,
cujos nomes foram publicados nos jornais e divulgados na
televisão.
"Diante de uma séria ameaça à vida e à saúde do grande número
de reféns, os órgãos competentes da Federação Russa decidiram
efetuar uma operação de resgate." Mas quais eram esses "órgãos
competentes"? Constatamos que a pergunta mais importante a
respeito de Nord-Ost — quem tomou a decisão de usar o gás e,
portanto, quem é o responsável por todas aquelas mortes - é
totalmente deixada de lado. Isso só aumenta a suspeita de que a
competência mencionada era principalmente em ocultar o que
realmente aconteceu, matando todos os terroristas.
Esta é a conclusão final:
A morte de quase todos os reféns foi causada por colapso res-
piratório e cardiovascular agudos, resultantes de uma combina-
ção letal de fatores adversos surgidos durante o período em que
eles ficaram presos. A multiplicidade dos fatores causadores de
morte (...) exclui uma ligação causal direta entre o efeito, sobre o
organismo, de uma substância química gasosa e a morte(...). Não
há fundamentos objetivos para supor que o uso de uma
substância química possa ter sido a única causa de morte.
Como é possível dizer qualquer coisa a respeito de "fundamentos
objetivos", se a composição do gás permaneceu desconhecida?
Essas constatações, assinadas pelo sr. Kaltchuk, contêm muito
poucos fatos. O momento mais detalhado vem quando o autor
procura explicar por que todos os terroristas, sem exceção, foram
mortos, apesar de ter sido declarado oficialmente que uma impor-
tante realização da operação foi o fato de todos eles terem ficado
inconscientes. Kaltchuk não fala disso. "Eles responderam ao
fogo usando 13 fuzis de assalto e oito pistolas."
Aqui está o grand finale: "Em conseqüência de uma decisão
tomada corretamente pelos órgãos competentes da Federação
Russa e das ações de operadores qualificados dos serviços de
inteligência, a atividade criminosa dos terroristas foi eliminada e
uma catástrofe muito maior foi evitada, a qual poderia ter
colocado em risco a autoridade da Rússia na arena internacional."
É terrível quando os cidadãos de um mesmo Estado têm opiniões
fundamentalmente diferentes sobre o valor da vida humana.
Foi isso que levou à vitória dos bolcheviques e à ascensão de
Stalin e essa característica maligna de nossa vida nacional está
voltando implacavelmente à moda entre aqueles que decidem se
devemos viver ou morrer.
Há mais: "A solicitação de acusações criminais contra os agentes
dos serviços especiais que libertaram os reféns está indeferida. O
caso criminal sobre os terroristas que capturaram e detiveram os
reféns está encerrado."
O governo recebeu uma indulgência do procurador, tanto para si
mesmo quanto para suas forças de operações especiais, que exis-
tem para nos proteger dos terroristas e de seus ataques no futuro.
Que haverá mais ataques, poucos duvidam.

27 de julho
Igor Setchin, a eminência parda do Kremlin, foi nomeado presi-
dente do Conselho de Administração da Rosneft, a empresa
estatal de petróleo. Ele supervisionou pessoalmente o
desmantelamento e a destruição da Yukos e a prisão de
Khodorkovski. Sua nomeação para comandar a Rosneft, que
reivindica as melhores partes da Yukos, prova que o Kremlin
destruiu aquela empresa em proveito próprio. Sua ideologia exige
a formação de uma "economia estatal", supostamente dirigida em
benefício do povo. Na realidade, trata-se de uma economia
burocrática cujo principal oligarca é o representante do governo.
Quanto mais alto o representante, maior o oligarca.
Esse ideal de oligarquia estatal agrada a Putin e a seu círculo
exclusivo. O conceito subjacente é o de que as principais receitas
da Rússia provêm da exportação de matérias-primas, e assim o
Estado deve controlar os recursos naturais e “L'État, c'est moi”.
Eles pensam ser as pessoas mais espertas do país, acham que
sabem melhor o que é bom para nós e portanto para que aquelas
receitas devem ser usadas. Para atender aos supermonopólios
como a Rosneft e a Gazprom, conglomerados financeiros
monstruosos, como o Vneshtorgbank e o Vneshekonombank,
estão sendo ampliados e estão conquistando novos territórios
com a ajuda da administração presidencial.
Esses supermonopólios são controlados por ex-agentes da polícia
secreta, que hoje são oligarcas. Putin só confia nesses oligarcas
Chekistas,* acreditando que, devido à sua origem comum nos
serviços de inteligência, eles entendem quais são os melhores
interesses do povo. Tudo deve passar pelas suas mãos. O círculo
imediato de Putin e, aparentemente, ele próprio acreditam que
quem controla os mercados de recursos naturais tem o monopólio
do poder político. Enquanto estiverem nos negócios, eles estarão
no poder.
Há alguma verdade nisso. Muitas juntas militares latino-ameri-
canas permaneceram no poder assegurando-se de que as institui-
ções de repressão e o governo — que fazia parte daquelas
instituições - controlassem todas as grandes empresas. O detalhe
negligenciado pelo regime de Putin é que aquelas juntas foram
invariavelmente derrubadas por outras juntas, muitas vezes em
pouco tempo.
Em nossa junta, não há lugar para a ala jovem do Iabloko ou os
jovens bolcheviques nacionais. Em Moscou, a "Juventude
Iabloko" organizou uma manifestação, que durou vários
segundos, diante do edifício do FSB na praça Lubianka. Os
jovens democratas estão cada vez mais independentes dos
"velhos".
A manifestação não foi oficialmente sancionada. Os jovens ati-
raram rolimãs pintados de vermelho na placa memorial que
mostra Iuri Andropov (o novo culto a Andropov, como autor do
plano para reformar o sistema soviético sem destruí-lo, está
sendo meticulosamente promovido pelo governo Putin) e vestiam
camisetas pretas com o slogan "Abaixo o Big Brother!”.
Carregavam placas com uma foto rabiscada de Putin e a frase
"Abaixo a autocracia policial!” e cantavam: “Vamos demolir a
Lubianka e esmagar o regime!" e "Abaixo o poder dos
chekistas!"
A manifestação foi rapidamente dispersada; sempre há muitos
policiais na praça Lubianka. Nove militantes foram levados para
o FSB antes de ser transferidos para o posto policial de
Meschanski. Por volta das 20:00, oito deles foram libertados.
Dois estão hospitalizados: IrinaVorobioka, 21 anos, e Alexei
Kojin, 19. Eles foram levados numa ambulância chamada para a
recepção do FSB. O presidente da ala jovem do Iabloko, Ilia
Yachin, afirmou que Kojin havia sido espancado pelo tenente
Dmitri Streltsov, do FSB. Os militantes disseram que, quando
começaram a se dispersar depois da manifestação, foram
emboscados nas ruas laterais por pessoas em trajes civis, que os
atacaram. Vários jornalistas da NTV, da EchoTV e da
Nezavisimaia gazeta também foram detidos e os policiais
ameaçaram confiscar suas câmeras. Os jornalistas foram
liberados somente depois de tudo o que haviam filmado lhes ter
sido tirado.
*
O protesto da Juventude Iabloko foi um dos raros exemplos de
resistência política ao Estado policial autocrático na Rússia. No
verão de 2004, a dissidência havia sido reduzida a apenas duas
variedades: a dos muito ricos e a dos muito pobres. O colapso da
Yukos, a descarada tomada do Guta-Bank e o ataque ao Alfa-
Bank escandalizaram a elite dos negócios, que está enviando seu
capital para o exterior. A segunda variedade vem dos muito
pobres, à medida que o governo reduz os benefícios do bem-estar
social para os mais vulneráveis. Também esta tem motivação
financeira, não sendo uma dissidência política.
Em julho, a Rússia viu manifestações, apesar de fracas, contra
Putin, por ex-combatentes irritados pela iminente eliminação dos
seus benefícios, essenciais à sobrevivência da maioria, mas
também vistos como provas materiais de respeito. Alguns dos ex-
combatentes ameaçavam boicotar a comemoração do sexagésimo
aniversário da vitória na Segunda Guerra Mundial, que será um
grande evento. Os incapacitados pelo acidente nuclear em
Tchernobil realizaram uma marcha de Rostov a Moscou para
protestar contra a proposta de pagamento uma indenização de
1.000 rublos [US$38] mensais no lugar dos medicamentos
gratuitos, sem os quais eles não podem sobreviver e que custam
muito mais de 1.000 rublos. Há descontentamento no exército,
também devido à perda de benefícios.
Por enquanto, os estratos sociais entre os mais ricos e os mais
pobres estão adormecidos. Quem não foi atingido em seu bolso
não tem nada a dizer.

1º de agosto
Aqui está como o Kremlin elimina os candidatos a eleições que
ele desaprova.
Malik Saidullaev acabou de ser desqualificado para concorrer na
eleição presidencial da República Tchetchena por ter um passa-
porte "inválido". Ele era o rival mais sério de Alu Alkhanov, que
o Kremlin decidiu que será o próximo presidente, embora a
eleição só vá acontecer em 29 de agosto. Saidullaev
foidesqualificado porque seu local de nascimento está escrito de
forma incorreta no passaporte: "Alkhan-Iurt, Tchetchênia"
deveria ser "Alkhan- Iurt, ASSR Tchecheno-Inguche", uma vez
que, quando ele nasceu, a aldeia de Alkhan-Iurt ficava em um
território denominado CI ASSR.
Está correto, exceto pelo fato de que não foi Malik Saidullaev
quem preencheu seu passaporte, mas um funcionário do
Diretorado Balachikin de Assuntos Internos, na província de
Moscou, quando os velhos passaportes ao estilo soviético foram
substituídos. "É claro que eu esperava que eles encontrassem um
meio para me impedir", disse Malik Saidullaev numa entrevista à
Novaya gazeta, "mas não um tão ridículo. Quando ouvi a
alegação de que o passaporte era inválido, não a levei a sério."
"O senhor pretende questionar a decisão da Comissão Eleitoral?"
"Não. A quem deveria questionar? Eles recebem ordens de
Moscou. O mesmo grupo de cinco pessoas está de volta, os
antigos membros da Comissão Eleitoral Central da Federação
Russa, que atuou na eleição anterior. Eles foram instruídos a
encontrar uma maneira de me desqualificar e foi o que fizeram,
só que no processo eles se transformaram em objeto de riso
internacional. A Federação Internacional de Helsinque está
preparando um protesto. Eles me telefonaram ontem para avisar
que não permitiriam que eu me candidatasse. Quando cheguei a
Grozni e fui registrar minha candidatura na Comissão Eleitoral
Central, a sede e eu fomos cercados por homens armados. Cerca
de cem deles."
"Dentro de escritórios do governo, com segurança própria? Quem
eram esses homens?"
"Tropas de Kadirov, membros da OMON.* Estavam sob o
comando de Sultan Satuev, o vice-ministro do Interior; Ruslan
Alkhanov, outro vice-ministro, também estava lá. Exigiram que o
registro da candidatura fosse destruído e que eu saísse. Fui ver
Arsakhanov, o presidente da Comissão. Homens armados
tiraram-no da sua poltrona. Ele fugiu e foi substituído por Taus
Dzabrailov (nomeado por Ramzan Kadirov ‘presidente do
Conselho de Estado da República Tchetchena’).Taus disse:
‘Neste lugar, o que dizemos vale.’”

"E o que eles disseram?"


"Disseram que eu saísse. Houve uma discussão acalorada. Eles
perceberam que nada poderiam fazer comigo pela força.
Tentaram desarmar meus seguranças, mas isso era impossível e
então eles tiveram de recuar. Avisaram-me várias vezes que
retirariam meu nome de qualquer maneira. Três dias antes da
saga do passaporte, recebi um telefonema da Comissão Eleitoral
Central me convidando a retirar voluntariamente minha
candidatura, porque ela seria retirada de qualquer forma. Recusei.
Essa desqualificação é o início da fraude da eleição de 29 de
agosto. Sei também que já foram encomendadas duzentas mil
cédulas extras em gráficas do Daguestão, a seis rublos a unidade.
Elas serão usadas para fraudar a eleição em favor de Alkhanov."
"Além desses jogos eleitorais, o que o senhor acha que aconte-
cerá na Tchetchênia no outono e no inverno?"
"Haverá problemas. Todas essas gangues legalizadas que estão
atualmente fazendo confusão pela Tchetchênia são incapazes de
fazer oposição às forças que executaram essa operação na
Inguchétia. A população está a favor daqueles que estão nas
montanhas. As pessoas que tomaram o poder aqui fizeram o
possível para que isso acontecesse."
"Estão dizendo na Tchetchênia que será inevitável uma terceira
guerra. As pessoas estão escavando novos porões e construindo
abrigos, baseadas na experiência com a Segunda Guerra. Esta
tem sido uma das principais preocupações neste verão. Até que
ponto o senhor leva isso a sério?"
"Muito a sério, porque sei que é verdade. Depois da reeleição de
Putin, eu disse que haveria operações importantes dos rebeldes, a
menos que fosse dado um basta. É a mesma coisa, só que pior.
Os rebeldes não ficarão inativos neste verão, especialmente
porque anteriormente não contavam com o apoio que têm hoje.
Eles irão forçar o outro lado a ir à mesa de negociações. Isso
parece sério para mim." Qual será o destino de Ramzan
Kadirov?" Não vale a pena falar nisso. Ele não tem nenhum lugar
sério na república."
É difícil concordar com isso."
E claro que, do ponto de vista criminal, ele é importante, mas é
um analfabeto. Não teve nem mesmo a educação elementar. Se
tiver a sorte de sobreviver e o povo perdoar seus pecados,
Ramzan deveria receber um bom tratamento psiquiátrico e
educação.”

2 de agosto
Um grupo de bolcheviques nacionais entrou no edifício do
Ministério da Saúde e do Desenvolvimento Social na rua
Neglinnaia, no centro de Moscou. Eles subiram as escadas,
fecharam-se no gabinete do ministro, Mikhail Zurabov; jogaram
sua poltrona na rua e começaram a gritar das janelas slogans
contra a reforma dos benefícios do bem-estar social. Eles
exigiam as renúncias de Zurabov e Putin.
*
Os manifestantes logo foram presos e, no tribunal, foi declarado
que a poltrona custava US$30.000. Como é que um Ministro do
Bem-estar Social tem uma poltrona tão cara? Inicialmente eles
receberam uma sentença severa sem precedentes, de cinco anos
em campos de trabalhos forçados, por distúrbio político. A
seguir, a Suprema Corte reduziu a pena a três anos e meio, a
serem cumpridos na companhia de assassinos e criminosos
reincidentes.
Está claro o que o Estado pretende, mas aqui está a posição dos
prisioneiros políticos. Um deles, Maxim Gromov, disse o
seguinte no tribunal: "É importante o fato de ter sido mencionado
o nome do terrorista Ivan Kaliaev na argumentação do promotor.
Há cem anos, uma série de julgamentos políticos sangrentos
também precedeu a emergência de Ivan Kaliaev. As coisas que
estavam acontecendo no Estado naquela época garantiram o
surgimento da organização de combate de Boris Savinkov.
Estamos sendo julgados por um protesto político pelo artigo 213,
mas, de acordo com este artigo, todos os bajuladores na Duma
deveriam ser julgados. Durante muitos anos, seus membros têm
conspirado para mostrar seu manifesto desrespeito pela
sociedade. Neste caso, eles mostraram desrespeito por milhões de
pessoas incapacitadas, pensionistas e ex-combatentes e mulheres.
Isso é simplesmente uma desgraça para a Rússia e para a
sociedade de hoje, que nada teve a dizer a esse respeito."
Ele tem razão. A aprovação da lei que aboliu benefícios materiais
e privilégios não provocou indignação nenhuma. Não ouvi-

mos exigências de demissão de Zurabov. Os bolcheviques nacio-


nais são os primeiros a defender os grupos prejudicados pela lei.
Gromov prosseguiu: "Em um Estado policial, tentar combater a
injustiça sem acabar na prisão é tão inútil quanto tentar atirar em
mosquitos com um canhão. Tenho orgulho de estar preso nesta
época cruel e ainda mais pelo fato de não estar sozinho. Tenho
comigo meus companheiros de luta... Adeus, amigos! Espero que
mais cedo ou mais tarde rompamos o gelo que prende nosso país.
Pela liberdade da nossa pátria, devemos ir para a prisão."
Existe aqui algo de que eu discorde? Não, endosso cada palavra.
Hoje os bolcheviques nacionais constituem um grupo de jovens
idealistas que entendem que a geração de oposicionistas mais
velhos deixou de ter impacto. É natural que radicalizem
rapidamente.
O que eu descobri de mais perturbador, conversando com eles e
seus pais, cuja maioria é de ex-partidários do Iabloko e da direita
liberal, foi que os pais dizem exatamente o que dizem os pais na
Tchetchênia a seu próprio respeito e dos seus filhos. Também lá
os jovens estão rapidamente se tornando radicais e isto costuma
acontecer com os melhores e mais idealistas deles.
Aqui está uma conversa recente na Tchetchênia, com a mãe de
um dos jovens que fugiram para as montanhas, como dizem
quando os jovens vão se juntar a Basaev e Maskhadov* em sinal
de protesto contra os bandidos "Novos Tchetchenos" que
tomaram o poder e contra as atrocidades das tropas federais. A
mãe era uma professora, uma mulher instruída:
Penso da mesma maneira com que meu filho", disse ela emo-
cionada. "É melhor fazer algo do que esperar que eles venham à
noite e levem seus filhos para onde ninguém sabe. Os federais
são tropas de ocupação e as gangues de Kadirov são
colaboradoras brutais. Não falamos abertamente sobre isso, mas
todo mundo sabe. Os adultos simplesmente se calam, mas os
jovens se recusam a aceitar a situação. Um dia, meu filho
desapareceu. Fiquei em pânico. Achei que tivesse sido raptado e
escrevi uma declaração para a polícia. Depois fiquei sabendo que
ele e seus companheiros tinham fugido Para as montanhas, para
lutar por nós, seus pais. Concordo plenamente com ele."
Liudmila Kalachnikova é a mãe de Ivan Koroliov, um
bolchevique nacional. Ela é moscovita e pesquisadora do
Instituto de Estudos Orientais da Academia Russa de Ciências e
disse exatamente a mesma coisa:
"Pelo que meu Ivan está lutando? Por nós, pelos seus pais."
Devo dizer que Liudmila não é bolchevique nacional, nem
comunista. É uma mulher comum, metropolitana e instruída. Na
década de 1990, apoiava o Iabloko.
"Diga-me, Limonov é um ídolo para Ivan?"
"Eu não diria isso. Ivan é um rapaz inteligente, mas a posição de
não concordar com o mal tem muito apelo para ele."
Eu havia perguntado à mãe tchetchena:
"Seu filho idolatra Basaev?"
"Não, nunca ouvi dele nada deste gênero, mas foi para Basaev
que ele foi. Para onde mais poderia ir? Os rapazes idealistas
como ele são levados, pelos longos anos de vida nas
circunstâncias que temos aqui, em meio a todas as mentiras, aos
derramamentos de sangue, sequestros e assassinatos, a
reconhecer Basaev como comandante."
Limonov e Basaev tornaram-se os líderes dos jovens que não
conseguem aceitar a existência oferecida por Putin, uma vida em
condições de total injustiça e desrespeito catastrófico pela vida
humana. São Liminov e Basaev que mantêm viva a esperança em
nossos filhos, de que algum dia eles poderão sentir que são seres
humanos decentes. É espantoso, mas é assim que as coisas estão.
As pessoas ficam escandalizadas quando começo a falar assim.
Elas dizem que é tolice, falam para eu calar a boca e que irei
atrair o olho do mal. Quando escrevi sobre este assunto para meu
jornal, o editor-chefe cortou o parágrafo porque, embora pudesse
concordar com o que eu estava dizendo, não poderia imprimir
aquilo.
Este é nosso estilo, fechar os olhos à realidade até que ela nos
atinja como um tufão. Como a maioria das pessoas, acho
assustador que nossos filhos tenham sido reduzidos a isto, mas
sei como as coisas estão hoje. Mas o que querem nossas
autoridades? Será que são suicidas? Será que estão esperando
calmamente pela aparição de novos Kaliaevs, Zasulitches e
Savinkovs, aqueles terroristas cujo advento foi provocado pelos
czares?
Ou será que eles são simplesmente estúpidos, vivendo para o
momento? Hoje, enquanto estão no poder, estão se enchendo de
dinheiro e não pensam no amanhã. Então o melhor a fazer é agar-
rar-se à mina de ouro pelo máximo de tempo possível? Estar no
poder na Rússia nada mais significa do que tirar o máximo possí-
vel de dinheiro? Acho que eles são estúpidos.
9 de agosto
Está reunido em Moscou o que há de melhor do movimento russo
pelos direitos humanos, a fina flor da nação, congregada no
Centro Andrei Sakharov. Alguns anos atrás, eles formaram um
grupo de trabalho denominado Ação Conjunta para se reunir e,
em tempos de crise nacional, tentar chegar a uma posição
comum.
Hoje não estão discutindo o protesto dos bolcheviques nacionais,
nem por que ele ocorreu; a reunião é para analisar por que a
culpa está sendo atribuída ao movimento pelos direitos humanos,
um exercício de olhar para o próprio umbigo muito típico da
nossa sociedade civil.
Em torno da mesa, estão muitas das pessoas a quem Putin cri-
ticou em seu Discurso à Assembléia Federal em 26 de maio, cha-
mando-as de quinta coluna que come da mão do Ocidente, acu-
sando-as de estarem mais preocupadas com a obtenção de fundos
do Ocidente do que com ajudar pessoas. O debate foi longo, mas
não chegou a nenhuma conclusão. Uma nota alarmante foi que
alguns dos participantes imaginam que Putin está sendo
enganado, que não lhe passaram o verdadeiro quadro. O czar é
bom, mas seus assessores são maus. Uma velha história russa.
E uma pena. Os ativistas não mais estão ativos. Restou neles
pouca paixão. Eles aprenderam demais com experiências
amargas e tem pouco desejo de ir em frente. Isso vale para a
maioria, mas não para todos.
Além de discutir sua desagradável situação, eles decidiram que o
movimento pelos direitos humanos deveria boicotar as próximas
eleições presidenciais na Tchetchênia, o que significa que eles
não iriam atuar como observadores.
(Apesar da resolução, tomada por votação, alguns dos presentes à
reunião compareceram às eleições na Tchetchênia, viram o que
aconteceu e fizeram suas declarações.)
Aliás, 9 de agosto é o quinto aniversário da proclamação, por
Ieltsin, de Putin como primeiro-ministro em exercício — isto é,
seu sucessor. Uma guerra estava em fermentação no Daguestão.
Basaev estava promovendo tumultos nas aldeias das montanhas e
as tropas russas permitiram que ele entrasse no Daguestão e
saísse de novo. Milhares de refugiados deixaram as montanhas,
mas nenhum dos assessores de Ieltsin concordava com o início
de operações militares em escala total — uma Segunda Guerra
Tchetchena. A primeira havia lhes custado muito caro.
Bem, na verdade, havia um homem que teria concordado: Putin.
Então diretor do FSB, sob cuja gestão Basaev havia conseguido
escapar e Hattab (um militante saudita de origem palestina) havia
sido deixado livre na Tchetchênia para ensinar a todos os jovens
que vinham para ouvi-lo. Putin ficava em Moscou, via tudo —
não podia deixar de ver — e nada dizia. Ele permitiu o amadure-
cimento dos frutos do mal.
Em agosto de 1999, ele decidiu que estava na hora de destruir os
resultados das suas atividades antes que elas fossem descobertas.
Acredito que esta seja a única razão pela qual ele concordou em
iniciar a Segunda Guerra Tchetchena. Foi assim que Ieltsin, em
rápida deterioração, veio a nomear Putin inicialmente primeiro-
ministro em exercício, depois primeiro-ministro e finalmente pre-
sidente da Rússia. Desde agosto de 1999, Putin não tem deixado
de atormentar seus concidadãos nem de derramar o sangue não
só daqueles que vivem na Tchetchênia.
É meio-dia e o sol brilha em Verkhni Tagil, uma pequena e
silenciosa cidade na província de Sverdlovsk, nos Urais. Além
dela, fica a impenetrável floresta da taiga. Aqui é o coração da
Rússia. Um velho meio cego e andrajoso está na entrada de um
prédio alto. É Vladimir Kuzmitch Khomenko, cujo filho Igor,
oficial do Regimento de Pára-quedistas que morreu na
Tchetchênia, foi declarado Herói da Rússia. A porta do
apartamento térreo de Vladimir está aberta. "Entre, por favor,
entre", diz ele, como se fôssemos velhos amigos. Ou Vladimir
está muito satisfeito em nos ver ou é muito solitário. No corredor,
Liudmila Alexeievna, sua mulher e mãe do Herói, beija todos
com calor e nos conduz à sala. Um canto inteiro dela está cheio
de retratos, flores, imagens e velas. É um memorial ao filho
deles. O capitão Igor Khomenko foi um dos primeiros enviados
ao norte do Cáucaso sob o decreto assinado pelo recém-nomeado
primeiro-ministro em exercício, V.V. Putin. Seu regimento abriu
as hostilidades da Segunda Guerra Tche-
chena, que, na ocasião, ainda estava limitada à fronteira entre
Tchetchênia e o Daguestão. Quando chegaram, eles entraram em
combate imediatamente e, em 19 de agosto, Igor Khomenko
realizou um feito notável. Para localizar as posições de fogo dos
rebeldes, ele conduziu um grupo de reconhecimento a uma
montanha das proximidades.
Khomenko descobriu as posições, passou a informação ao seu
regimento e permaneceu, juntamente com seu sargento, para dar
cobertura à retirada do grupo e travar uma batalha que ele sabia
que seria desigual. Foi lá que os dois morreram, tendo salvado a
vida de muitos homens. Seu corpo foi encontrado pelos
camaradas três dias depois, mas eles não conseguiram se
aproximar dele devido ao tiroteio intenso. A pátria do capitão
reconheceu seu ato, con-cedendo- lhe o título de Herói da Rússia.
No momento da morte do filho, seus pais tinham acabado de se
tornar cidadãos da Ucrânia. Eles viviam numa casa modesta na
província de Dnepropetrovsk.
A história deles é de uma família soviética típica. Até hoje cos-
tuma ser difícil determinar a cidadania pós-soviética de uma pes-
soa. Igor cresceu em Iakutia, no extremo norte russo, para onde
seus pais haviam sido enviados depois de formados para
construir uma usina de enriquecimento de minério. A conclusão
do período prescrito de serviço em Iakutia lhes deu o direito a
uma pensão antecipada e eles decidiram retornar ao calor do sul,
como faziam quase todos na sua situação. Eles escolheram a
Ucrânia, com seu clima maravilhoso. Quando deixou a escola,
Igor mudou-se da Ucrânia soviética para o Cazaquistão soviético,
onde havia uma prestigiosa academia militar. Tendo se formado
em 1988, com a URSS ainda intacta, ele foi enviado a vários
pontos de conflito. Ele era para-quedista e os problemas estavam
sempre surgindo. Logo a URSS se fragmentou e os pais de Igor
se tornaram cidadãos da Ucrânia, enquanto ele se tornava
cidadão da Rússia, porque, no momento da fragmentação, ele
estava ligado a uma unidade militar cujo quartel-general ficava
em território russo. O capitão morreu com a região de Stavropol
(Rússia), registrada como local de nascimento. Seu túmulo fica
lá, perto da unidade militar.
Depois do funeral do filho, Liudmila e Vladimir decidiram se
mudar para perto do túmulo do filho, na Rússia. Venderam sua
cabana pelo melhor preço que puderam conseguir, o que era
muito pouco, mas, quando chegaram a Stavropol, as autoridades
se recusaram até mesmo a registrá-los como candidatos à
residência permanente. Eles insistiram, escreveram petições e
durante meses fizeram a ronda diária dos escritórios da
administração distrital. Finalmente, o dinheiro da venda da
cabana acabou e eles ficaram na miséria. Os pais do Herói foram
a Verkhni Tagil, nos Urais, onde Liudmila fora criada e ainda
tinha alguns parentes, ainda que distantes. Eles foram bem
recebidos, mas seus parentes também eram muito pobres, como
todo mundo na província de Sverdlovsk, e lá não havia lugar para
eles viverem.
"Estamos sem teto. Aqui só nos permitem viver da bondade das
pessoas." Liudmila nos mostra o apartamento. "Não temos nada,
não temos onde viver. Só tenho este ferro de passar roupa e esta
máquina de costura. E a televisão. Os jovens são bondosos, eles
nos ajudam muito. Sem eles, já teríamos morrido. Eles cuidam de
nós por causa de Igor, apesar de nunca o terem conhecido."
Os "jovens" em fila junto à parede olham para o chão e nada
dizem. São "tchetchenos" de Berkhni Tagil, soldados e oficiais
que combateram na Tchetchênia, e eles formaram uma
associação local de ex-combatentes.
"Nosso objetivo é muito simples", contou-me Ievgeni Boz-
makov, presidente da associação."É ajudar uns aos outros a
sobreviver. Essa é nossa única missão e é por isso que ajudamos
os pais do Herói Khomenko."
"Foram eles que conseguiram a cidadania russa para nós",
prossegue Liudmila. "Eles visitaram todos os escritórios por nós,
caso contrário não teríamos uma pensão." Assim são as regras da
vida russa. Uma pessoa que não seja cidadã russa, mesmo que
tenha trabalhado a vida inteira na URSS, não tem direito a
pensão.
Liudmila começa a chorar, silenciosa e tristemente. Vladimir
abraça seus ombros e ela diz, agora falando com ele: "Não, não,
está tudo bem, eu sei. Vou parar de chorar. Só quero contar a ela.
O que será de nós?"
Ela nos mostra uma pilha de papéis, a correspondência entre os
pais de um Herói da Rússia e várias organizações oficiais e com
o Ministério da Defesa. As cartas dos funcionários estão cheias
de desdém.
"Como parentes de um Herói da Federação Russa morto na
Região Norte do Cáucaso da Federação Russa, vocês têm direito
a uma melhoria nas suas condições de vida através de recursos do
Fundo Militar Nacional. Ao mesmo tempo, devo informá-los de
que, em conseqüência da falta de contribuições voluntárias, o
programa ‘Habitações para Combatentes’ está suspenso. V.
Zvezdilin, Diretor em Exercício da Diretoria de Bem-Estar dos
Militares do Conselho Central das Forças Armadas da Federação
Russa."
Enviamos pessoas ao campo de batalha, depois as enterramos
com pompa e cerimônia, concedemos medalhas póstumas — e
nos esquecemos delas. É uma tradição russa evitar a
responsabilidade por nossas dívidas. Nunca ocorreu a Putin —
pelo menos nunca o ouvimos admitir — que ele é responsável
por aqueles que pagaram com a vida pela decisão dele de iniciar
a Segunda Guerra Tchetchena.
Fui a Verkhni Tagil com Liudmila Leonidovna Polimova, mãe de
outro soldado morto na Tchetchênia, outra mãe a quem o Estado
esqueceu depois de tirar a vida do seu filho. Ela passou mal ao
ver a cena na casa dos Khomenko. "Meu rapaz morreu prote-
gendo um oficial com seu corpo. Eles lhe deram postumamente a
Ordem do Mérito." Ela diz que todos precisam unir seus
esforços. Em Iekaterinburg, onde mora, Liudmila já criou uma
associação chamada Mães Contra aViolência.
No dia seguinte, Viacheslav Zikov, presidente da Associação de
Ex-combatentes de Iekaterinburg, outro soldado "tchetcheno",
leva Liudmila até Bolchaia Retchka, uma cidadezinha nos
arredores de Iekaterinburg onde fica o cemitério militar. Lá estão
enterrados os restos do seu filho, o soldado Ievgeni Polimov, que
ela mesma precisou encontrar numa montanha de corpos de
soldados em Rostov-on-Don. Os generais não vão procurá-lo por
você, nem qualquer outra pessoa. Os pais precisam viajar
pessoalmente em Rostov-on-Don e procurar os cadáveres dos
seus filhos no necrotério do Distrito Militar do Norte do Cáucaso.
Um cortejo funerário avança em nossa direção, deixando o ce-
mitério. Eles acabaram de enterrar um oficial morto na Tchet-
chênia. Pelas janelas do ônibus, vemos mulheres de preto.
"O último", comenta Liudmila, que segue sozinha até o túmulo
do filho. Ela não pede que nos juntemos a ela. Carrega seu sofri-
mento sozinha e procura ajudar outros na mesma situação.
Muitos jovens foram levados da província de Sverdlovsk para
lutar na Tchetchênia e mais de 20 mil ex-combatentes "tchetche-
nos" vivem lá hoje. A região está pontilhada de placas e
monumentos em memória daqueles que lá morreram. Ao lado do
Clube dos Oficiais, na praça central de Iekaterinburg, eles já
acrescentaram uma seção tchetchena ao memorial Tulipa Negra,
uma espécie de anexo ao monumento aos homens dos Urais que
morreram no Afeganistão na última guerra da era soviética. Esta
nova seção já tem 412 nomes gravados em ouro. Há obeliscos em
branco para aqueles que certamente irão morrer.
Quantos mais desses caixões iremos tolerar? Quantos novos
aleijados, sem pernas e braços? Cada soldado morto ou mutilado
na Segunda Guerra Tchetchena aumenta a responsabilidade do
Estado, quando este ainda não está pagando suas dívidas
existentes. Como entidade falida, ele começa a atrasar os
pagamentos, tentando ocultar sua falência com medidas como a
desprezível reforma nos benefícios. Ele tira até mesmo os
pequenos privilégios dos incapacitados, dos "tchetchenos", das
mães de soldados que foram mortos, privilégios estes que eram
um gesto de compensação pela sua aventura no norte do
Cáucaso.
O número daqueles para quem o Estado tem dívidas é de
milhões, motivo pelo qual vimos Putin e Zurabov dizendo que o
número de pessoas com privilégios na Rússia é artificialmente
alto. Nenhum outro país tem tantos requerentes; assim sendo,
"alguma coisa precisa ser feita". É claro que o número é
artificialmente alto, devido às constantes políticas agressivas do
nosso Estado, que produzem baixas de guerra como cogumelos
depois da chuva.
"Muitas pessoas do nosso povo acabam na cadeia", diz Vitali
Volkov. Ele preside a Associação Verkhniaia Salda de Ex-
combatentes da Tchetchênia, que tem 200 membros. "Estamos
sem um centavo. Não conseguimos emprego. Muitos dos que
voltam da Tchetchênia começam a roubar e a etapa seguinte é a
prisão. E quem sai de nossas prisões ainda como ser humano? Se
antes da prisão você esteve na Tchetchênia e antes daTchetchênia
você era criança?"
Essas associações dirigidas por Liudmila Polimova,VitaliVolkov
e Viatcheslav Zikov foram fundadas quando o infortúnio atingiu
pessoalmente seus fundadores. Eles admitem que nunca imagina-
ram que acabariam se envolvendo em atividades de bem-estar
social, nem que começariam a combater a máquina do Estado.
Suas organizações não têm objetivos políticos. São um produto
do desespero e existem puramente para ajudar pessoas a
sobreviver. A sobrevivência é tão difícil que não deixa tempo
para mais nada.
Por quanto tempo o povo agüentará isso? Essa é a pergunta
decisiva para a Rússia, como é para a Ucrânia.

29 de agosto
Na Tchetchênia, prosseguia a eleição do próximo presidente de
Putin. Não é preciso dizer que o candidato do Kremlin teve a
maioria esmagadora dos votos. Alu Alkhanov pode ser nominal-
mente o novo presidente, mas o verdadeiro chefe é o perturbado
Ramzan Kadirov, o filho de 27 anos do antecessor assassinado de
Alkhanov que, por sua vez, também havia sido eleito com uma
"esmagadora maioria dos votos”.
Quem é Ramzan? Durante o último ano e meio, ele cuidou da
segurança do pai. Depois do assassinato do presidente, talvez sur-
preendentemente, ele não foi demitido por seu lapso, mas promo-
vido pessoalmente por Putin ao alto posto de primeiro vice-pri-
meiro-ministro do Governo Tchetcheno, com responsabilidade
especial pela segurança. Hoje ele está encarregado da polícia, de
todas as subdivisões de Operações Especiais e da OMON tchet-
chena. Apesar de não ter instrução, ele tem o posto de capitão da
polícia. Isto é surpreendente, porque ele não é policial e na
Rússia, para ser capitão, é exigida educação superior. De
qualquer maneira, hoje ele tem o direito de dar ordens a coronéis
e generais de carreira. E eles obedecem, porque sabem que ele é
o favorito de Putin.
Que espécie de pessoa é Ramzan? De que tipo de qualificações
você necessita para ser um favorito de Putin? Ter esmagado a
Tchetchênia sob seus pés e forçado a República inteira a lhe pres-
tar tributo como a um bei asiático é certamente meritório.
Ramzan raramente é visto fora da sua aldeia de Tsentoroi, uma
das mais feias da Tchetchênia, hostil e repleta de mal-encarados
armados. A aldeia é um conjunto de ruas estreitas e empoeiradas,
confinadas por cercas enormes. Atrás da maioria delas, vivem
membros da família Kadirov e as famílias dos guarda-costas e
soldados do "Serviço de Segurança Presidencial".
Há cerca de dois anos, os habitantes de Tsentoroi em quem
Kadirov não confiava foram simplesmente expulsos e suas casas
dadas aos brutamontes do Serviço de Segurança, que é ilegal,
mas bem equipado com armamento federal. Como não está
formalmente ligado a nenhum dos ministérios de segurança, ele é
uma "formação armada ilegal"; sua situação não difere daquela
das tropas de Basaev, exceto pelo fato de ser comandado por um
favorito de Putin. Então, tudo bem.
Os homens de Kadirov participam de operações de combate
como se fossem soldados do Ministério da Defesa; prendem e
interrogam pessoas como se fossem agentes do Ministério do
Interior. E mantêm pessoas prisioneiras nos seus porões em
Tsentoroi e as torturam como se fossem gângsteres.
Nenhum procurador questiona nada disso.Tudo é abafado. Eles
sabem onde não devem meter o nariz. Tsentoroi está acima da
lei, por vontade de Putin. As regras que se aplicam às outras
pessoas não se aplicam a Ramzan. Ele pode fazer o que quiser,
porque dizem que combate terroristas usando seus próprios
métodos. Na verdade, ele não está combatendo ninguém. Está no
ramo de roubo e extorsão, disfarçado de "luta contra o
terrorismo".
A capital da Tchetchênia foi efetivamente transferida para a
propriedade de Ramzan. Funcionários tchetchenos pró-russos vão
até lá para se curvar diante desse tolo degenerado, para pedir
qualquer permissão de que necessitam ou quando são
convocados. E todos vêm, inclusive Sergei Abramov, o jovem
primeiro-ministro da Tchetchênia que supostamente é
subordinado direto do primeiro-ministro da Rússia e não de
Ramzan Kadirov.
Na realidade, porém, é em Tsentoroi que as decisões são toma-
das. Lá foi tomada a decisão de indicar Alkharov para a
Presidência e hoje ele é o presidente.
Ramzan raramente viaja até Grozni, porque teme ser assassinado.
A viagem leva uma hora e meia. É por isso que Tsentoroi é a
fortaleza que é, com um sistema de segurança em seus acessos
que faria inveja ao Kremlin: uma série de postos de controle, um
depois do outro. Passo por todos eles e me vejo naquela que os
homens armados que me cercam descrevem como "casa de
hóspedes". Sou detida aqui por seis ou sete horas. Cai a tarde. Na
Tchetchênia, isso significa que não se deve perder tempo para
encontrar abrigo. Quem quiser ficar vivo se esconde na sua toca.
"Onde está Ramzan?”, pergunto. Ele concordou em me ver.
"Logo, logo", resmunga o guardião da casa de hóspedes e agora
meu guardião.
Sempre há alguém comigo. Vakha Visaev se apresenta como
diretor da Iugoilprodukt, a nova refinaria de petróleo em Guder-
mes, a segunda maior cidade da Tchetchênia. Ele se oferece para
me mostrar a casa de hóspedes. Ela não está mal montada. Há
uma fonte no pátio, feia, mas ainda assim uma fonte. Móveis de
bambu adornam um terraço aberto com pilares. Vakha faz muita
questão de mostrar as etiquetas, que indicam que os móveis vêm
de Hong Kong. É muito provável que tenha pago por eles. As
pessoas não medem esforços para presentear Ramzan, para
suborná-lo.Todos se lembram de que o chefe da região vizinha de
Chali, Akhmed Gutiev, não pagou o tributo exigido a Ramzan.
Ele foi seqüestrado, torturado e sua família precisou pagar um
resgate de US$100.000. Akhmed emigrou prontamente e um
novo candidato ao suicídio foi indicado para governar a região de
Chali. Conheci Gutiev. Era um jovem promissor, que respeitava
Putin e achava que a escolha de Ramzan era certa nas
circunstâncias, uma vez que a maior prioridade deveria ser
eliminar os Wahhabis.* Pergunto-me se ele ainda pensa assim.
Mas voltemos à propriedade de Ramzan. Na parede oposta à
entrada principal, há uma lareira de mármore cinza-esverdeado.
A direita, fica uma sauna, uma banheira de hidromassagem e
uma piscina. Mas o destaque fica para os dois enormes quartos,
equipados com camas tamanho estádio. Um é azul, o outro rosa.
Por toda parte, há móveis pesados, escuros e opressivos, todos
com as etiquetas de preço à vista, em milhares de "unidades con-
vencionais" (isto é, dólares). Há uma etiqueta de preço no
espelho do banheiro, no vaso sanitário, no porta-toalhas.
Evidentemente, esta é a moda em Tsentoroi.
A excursão inclui uma visita ao modesto escritório de Ramzan,
muito escuro, ao lado de um dos quartos. Sua principal peça de
decoração é um tapete de parede daguestani mostrando, ao estilo
do realismo socialista, o falecido Akhmed Kadirov vestindo um
chapéu de astracã contra um fundo preto. Ele é retratado com
uma expressão angelical no rosto, seu queixo apontando para a
frente.
Depois que escurece, surge Ramzan, rodeado por homens
armados. Eles estão por toda parte: no pátio, no balcão, nas salas.
Pouco depois, alguns se envolvem em nossa conversa,
comentando em voz alta e de forma agressiva. Ramzan se
esparrama numa poltrona e cruza as pernas.
"Queremos restaurar a ordem não só na Tchetchênia, mas em
todo o norte do Cáucaso", começa Ramzan. “Para que possamos
ir a qualquer momento até Stavropol ou Leningrado.
Combateremos em qualquer parte da Rússia. Tenho uma diretiva
para operar em todo o norte do Cáucaso. Contra os bandidos."
"Quem o senhor chama de bandidos?"
"Maskhadov, Basaev e outros como eles."
"O senhor acredita que a missão de suas tropas é encontrar
Maskhadov e Basaev?"
"Sim. Isto é o principal: destruí-los."
"Tudo o que foi feito em seu nome até agora é destruir e liquidar.
Não acha que já houve combates demais?"
"É claro que sim. Setecentas pessoas já se renderam a nós e hoje
têm uma vida normal. Pedimos aos outros que desistam dessa
resistência insensata, mas eles continuam lutando. É por isso que
precisamos exterminá-los. Hoje pegamos três. Matamos dois.
Um deles era um grande emir, Nachkho, do grupo de Doku
Umarov. Ele era importante lá. Mas nós o matamos. Na
Inguchétia. Todos estão enterrados lá."
"Mas que direito vocês têm de matar alguém? Ainda mais na
Inguchétia, quando formalmente vocês são o Serviço de
Segurança do presidente da Tchetchênia?"
"Temos todo direito. Realizamos essa operação em conjunto com
o FSB da Inguchétia. Temos todas as permissões oficiais neces-
sárias." (Mais tarde foi provado que isso era uma mentira.)
"Atualmente, dentro da Tchetchênia, além das suas tropas, há em
operação tropas de Kokiev, de Iamadev etc."
"Você não deve chamar essas tropas pelos nomes de seus
líderes.”
"Por que não? O senhor não acha que há muitos deles?"

“O quê, de tropas? O OMON tchetcheno tem somente trezentos


homens. Em outras regiões, o OMON chega a setecentos ou
oitocentos. Os homens de Kokiev são do exército. Logo serão
retirados."
"Em março, pouco antes de Putin ser reeleito, Khambiev (o
ministro da Defesa da Itchkeria) rendeu-se ao senhor. O que ele
está fazendo agora? Também está recrutando tropas?"
"Você quer que eu o traga aqui? Se eu der a ordem, ele será
trazido."
"Não é um pouco tarde? Ele deve estar dormindo."
"Se eu der a ordem, ele será despertado. Nós o usamos como
negociador com os bandidos. Eles o conhecem. Ele era bom
nisso anteriormente, por exemplo, com Turlaev.Você quer que eu
também mande trazer Turlaev? [Chaa Turlaev era o chefe da
guarda pessoal de Maskhdov. Também se rendeu quando foi
gravemente ferido.] Khambiev também não terá mais homens.
Nós seremos os únicos com tropas."
"Na imprensa, Khambiev admitiu que era um traidor."
"Isso é mentira. Apenas escreveram isso. Ele não é um traidor."
"Como descreve pessoalmente a rendição de Maskhadov? Ele
virá ao senhor e dirá: ‘Aqui estou eu’?”
"Sim."
"Ele não pode fazer isso. A diferença de idade entre vocês é
grande demais. O senhor é um garoto, comparado com ele."
"Talvez. Que escolha ele tem? Se não vier por conta própria, nos
iremos buscá-lo.Vamos colocá-lo numa jaula."
"Recentemente o senhor publicou um ultimato para aqueles que
ainda não tinham se rendido. Era dirigido a Maskhadov?"
‘Não, esse foi para garotos de dezessete e dezoito anos que não
sabem de nada. Eles foram enganados por Maskhadov e foram
para as florestas. Suas mães estão chorando e me implorando:
‘Ajude- nos, Ramzan, a ter nossos filhos de volta.’ Elas
amaldiçoam Maskhadov. Portanto, este é um ultimato para as
mulheres vigiarem seus filhos mais de perto. Estou dizendo a elas
que encontrem seus filhos depressa ou não nos culpem depois...
Aqueles que não se renderem serão exterminados. É claro."
Mas talvez esteja na hora de parar de exterminar pessoas e sentar
para negociar."
"Com quem?"
"Com todos os tchetchenos que estão lutando."
"Com Maskhadov? Ele não é ninguém aqui. Ninguém obedece a
suas ordens. A figura principal é Basaev. Ele é um guerreiro
poderoso, sabe combater, é um bom estrategista. E um bom
tchetcheno. Mas Maskhadov é um velho ridículo, incapaz de
fazer qualquer coisa." (Ele gargalha, relinchando como um
cavalo. Todos os presentes o imitam.) "Ele tem somente dois
garotos que o seguem. Posso provar isso e escrevo. Atualmente,
Maskhadov tem mulheres. Eu as conheço. Elas me disseram: ‘Se
nos recusássemos, seríamos mortas. Não tínhamos emprego e ele
nos deu dinheiro.’”
"Está dizendo que Maskhadov tem um batalhão de mulheres?"
"Não. Nós quebramos Maskhadov. Agora ele tem outras
pessoas."
"Percebo um desrespeito por Maskhadov em suas palavras, mas
um claro respeito por Basaev."
"Respeito Basaev como guerreiro. Ele não é covarde. Rezo a Alá
para que possamos nos encontrar em combate aberto. Um
homem sonha em ser presidente, outro em ser piloto, um outro
em ser motorista de trator - mas meu sonho é lutar contra Basaev
em campo aberto. Minhas tropas contra as dele. Ele no comando,
eu no comando."
"E se ele vencer?"
"Impossível. Em batalha, eu sempre venço."
"Na Tchetchênia, falam muito de sua rivalidade com a família
Iamadev." (Irmãos de Gudermes. Khalid é deputado na Duma
pelo Rússia Unida e Salim é subcomandante militar da República
Tchetchena. Eles controlam tropas poderosas. Dizem que
Ramzan trabalha para o FSB, ao passo que os Iamadev trabalham
para a Diretoria Central de Inteligência do Exército.)
"Não é uma boa idéia ser meu rival. Faz mal à saúde."
"Que aspecto de sua personalidade o senhor considera mais
importante?"
"O que você quer dizer? Não entendi a pergunta."
"Quais são seus pontos fortes? E seus pontos fracos?"
"Não tenho pontos fracos. Sou forte. Alu Alkhanov foi eleito
presidente porque eu o considero forte e confio totalmente nele.
Você acha que o Kremlin decide isso? As pessoas escolhem. Esta
e a primeira vez que me dizem que o Kremlin tem voz ativa em
alguma coisa."
Estranho, mas foi o que ele disse.
Menos de uma hora depois, Ramzan estava dizendo que abso-
lutamente tudo era decidido pelo Kremlin, que as pessoas eram
apenas gado e a presidência da Tchetchênia lhe havia sido
oferecida no Kremlin imediatamente depois do assassinato do
seu pai, mas ele tinha recusado porque queria combater.
"Se vocês nos deixassem em paz, nós, tchetchenos, teríamos nos
reunido há muito tempo."
"O que você quer dizer com ‘vocês’?”
"Jornalistas, pessoas como você. Políticos russos. Vocês não nos
deixam escolher as coisas.Vocês nos dividem. Vocês ficam entre
os tchetchenos. Vocês são o inimigo. Vocês são piores do que
Basaev."
"Quais são seus outros inimigos?"
"Não tenho inimigos. Só bandidos para combater."
"O senhor pretende ser presidente da Tchetchênia?"
"Não."
"O que o senhor mais gosta de fazer?"
"Lutar. Sou um guerreiro."
"Já matou alguém?"
"Não. Sempre estive no comando."
"Mas o senhor é jovem demais para sempre ter estado no
comando. Alguém deve ter lhe dado ordens um dia."
"Somente meu pai. Mais ninguém me deu ordens, nem dará."
"Já deu ordens para matar?"
"Sim."
"Isso não é horrível?"
"Não sou eu, é Alá. O Profeta disse que os Wahhabis devem ser
destruídos."
"Ele disse isso realmente? E quando não houver mais
Wahhabis, quem o senhor irá combater?"
Criarei abelhas. Já tenho abelhas, gado de corte e cães de briga."
Não fica triste quando os cães se matam?"
Não. Gosto de ver. Respeito meu cão Tarzan como a um ser
humano. Ele é um cão pastor caucasiano. São os cães de melhor
cabeça que existem."
"Que outros passatempos o senhor tem? Cães, abelhas, lutar... e?"
"Gosto muito de mulheres."
"Sua mulher não se importa?"
"Eu não conto a ela."
"Que nível de instrução o senhor tem?"
"Superior, advocacia. Estou terminando. Estou fazendo exames."
"Que exames?"
"Como assim, que exames? Os exames, é isso." "Qual é a
faculdade em que o senhor estuda?" "É uma filial do Instituto de
Administração de Moscou. Em Gudermes. É uma escola de
direito." "Em que está se especializando?" "Direito."
"Mas que tipo de direito? Criminal? Civil?"
"Não me lembro. Alguém escreveu o tópico para mim num
pedaço de papel, mas esqueci. Ando muito ocupado."
Naquele momento, Chaa Turlaev é trazido até Ramzan, o ex-
comandante da segurança de Maskhadov, um major da Guarda
Presidencial que havia recebido as ordens tchetchenas "Orgulho
da Nação" e "Herói da Nação". É um homem completamente
grisalho aos 32 anos, a perna esquerda amputada até a coxa. É
mantido sob guarda em Tsentoroi, como refém, mas não está
sendo espancado nem torturado. Mais tarde, também aparece
Mahomed Khambiev. Mahomed fala comigo em russo, mas Chaa
aparentemente foi proibido de falar em russo com jornalistas.
Ramzan diz que ele não fala russo, mas mais tarde pessoas que
conheciam Chaa me disseram que ele falava um russo excelente.
Khambiev é insolente e orgulhoso, ao passo que Chaa parece
assustado, mas digno. Khambiev continua concordando com
Ramzan, enquanto Chaa permanece orgulhosamente em silêncio.
Suas palavras, traduzidas, são: "Lutei desde 1991. Até 2003, eu
estava na força de segurança de Maskhadov. Faz um ano e meio
que não o vejo. Fiquei com um ferimento na perna por dois anos.
Havia um médico lá. Eu poderia ter ficado, mas não quis, mesmo
antes de ser ferido, porque Ramzan e eu havíamos lutado juntos
no passado. Quando Ramzan enviou a mim pessoas da minha
aldeia, elas disseram: ‘Siga Ramzan. O caminho dele é certo.
Maskhadov é fraco Não se vê força nele. Ele está só, tem
somente vinte ou trinta pessoas.’”
“Ele tem um batalhão de mulheres?"
Chaa não responde. Ele abaixa a cabeça e a sacode. Não está
claro se aquilo significa sim ou não. A conversa é tensa. Pouco
depois da chegada de Chaa, aparece uma pessoa mais velha com
um boné redondo e senta-se à direita de Ramzan. Ele se
apresenta como Nikolai Ivanovitch, provocando sorrisos gerais,
indicando que, qualquer que seja seu nome, não é Nikolai
Ivanovitch. Ramzan ordena-lhe que traduza as palavras de Chaa
para o russo. Logo fica claro que, quando Chaa diz duas ou três
palavras, “Nicolai Ivanovitch" as desdobra em várias frases a
respeito de como Chaa reconhecia a natureza ruinosa da guerra
de Maskhadov.
Reclamo indignada da "interpretação" e Nicolai Ivanovitch,
como um cão sem coleira, ataca-me e me insulta. Ninguém o de-
tém. Ramzan ri. Seu verdadeiro passatempo é colocar as pessoas
uma contra a outra e ninguém na mesa pode rivalizar com ele,
com seu entusiasmo por lutas de cães.
A conversa fica mais animada. "Você está defendendo os ban-
didos", "Você é um inimigo do povo tchetcheno", "Você deveria
ter uma resposta para isto" — tudo dirigido a mim. Ramzan está
gritando, pulando na sua poltrona, e Nicolai Ivanovitch o está
incitando. Estamos sentados em torno de uma grande mesa oval e
a cena se parece cada vez mais com uma convenção de ladrões.
Ramzan se comporta de forma cada vez mais estranha, como se
fosse a pessoa mais velha na casa, embora seja de fato a mais
jovem. Ele ri em momentos inadequados e se coça. Ele ordena
aos seus seguranças que lhe cocem as costas. Ele se curva,
balança e continua fazendo observações irritantes e sem sentido.
Tento falar com Chaa, mas Ramzan realmente não gosta que
Chaa ouça mais perguntas que ele e o proíbe de falar mais. Está
na ora de terminar. Faço uma última pergunta e é a única que
Chaa responde sozinho.
“Qual foi a melhor época da sua vida?" Não
existiu essa época."
Ramzan interrompe até isto: "Você sabia que Khambiev votou
em Putin?"
Khambiev acena concordando, com o sorriso zombeteiro de um
mentiroso. “Sim. Ele é durão e quer ordem na Tchetchênia."
"O que está faltando", pergunto a Khambiev, "para haver ordem
completa na Tchetchênia?"
"Muito pouco. Iandarbiev foi eliminado. Se Berezovski e os
homens de Maskhadov, Zakaev* e Udugov, forem eliminados
haverá ordem. Eles estão puxando os cordões. Basaev executa
seu desejos. Basaev não está lutando pelo bem do povo
tchetcheno."
"Pelo que vocês estão lutando e vivendo?"
"Por nós mesmos. Pelo povo."
"Em que o senhor se vê servindo ao povo?"
"No que Ramzan decidir."
"Por que Ramzan é quem decide?"
"Ele é o primeiro entre os tchetchenos. Ramzan está prometendo
me fazer presidente da Federação de Luta Livre."
"Quantos anos o senhor tem?"
"Quarenta e dois."
"Como se sente a respeito do fato de o pessoal de Ramzan ter
seqüestrado seus parentes para forçá-lo a se render?"
"Nenhum problema. Meus parentes estavam errados e foram
capturados."
"De que eles eram culpados?"
"Eles me trouxeram mensagens de Maskhadov em fitas cassete e
pão."
Ramzan, satisfeito, ri de forma insolente. Ele se inclina para trás
e decide assistir à televisão. Ele está muito satisfeito e comenta
sobre a maneira de andar de Putin: "Ele tem mesmo classe!" Ele
declara que Putin caminha como um montanhês.
Lá fora é noite. A temperatura está subindo aqui e está na hora de
eu ir embora. Ramzan ordena para que eu seja levada de volta
Grozni. Musa, um ex-lutador de Zakan-Iurt, senta-se à direção e
há dois guarda-costas. Entro no veículo e penso que em algum
lugar do caminho, com postos de controle por toda parte, serei
obviamente morta. Mas o ex-lutador de Zakan-Iurt está apenas
esperando que Ramzan saia. Ele quer expor sua alma e, quando
começa a me contar a história da sua vida, de como havia sido
um lutador, por que juntou-se a Ramzan, sei que ele não irá me
matar. Ele que que o mundo ouça sua história.

Entendi isso, mas sentei-me lá chorando de medo e ódio. "Não


chore", disse-me o lutador de Zakan-Iurt. “Você é forte."
Quando a conversa termina, e em Tsentoroi eles não com-
preendem o significado da palavra, tudo o que resta são lágrimas.
Lágrimas de desespero por alguém assim poder existir, pelo fato
de os caprichos da história terem criado, de todas as pessoas,
Ramzan kadirov. Ele tem realmente poder e governa de acordo
com suas idéias e habilidades. Ninguém, nenhum dos homens
presentes em Tsentoroi, ousou detê-lo. Foi Ramzan Kadirov que
recebeu um telefonema do Kremlin, de "Vladislav Iurievitch” -
em outras palavras, do subchefe da Administração de Putin,
Vladislav Surkov. Foi essa a única vez em que Ramzan parou de
se comportar mal, de se coçar, gritar, assobiar e rir.
Este é um velho enredo, repetido muitas vezes em nossa história:
o Kremlin promove um filhote de dragão, que depois precisa ali-
mentar para impedi-lo de pôr fogo em tudo. Houve um total
fracasso dos serviços de inteligência russos na Tchetchênia, algo
que eles tentam apresentar como uma vitória e uma "restauração
da vida civil". Mas e quanto ao povo da Tchetchênia? Eles têm
que viver com o filhote de dragão. Primeiro o Kremlin tentou
mostrar aos tchetchenos que era inútil resistir a Putin. Isso
funcionou mais ou menos; a maioria deles desistiu. Então foi a
vez do resto da Rússia.

1° de setembro
A censura e a autocensura na mídia de massa atingiram novos
extremos e aumentaram a probabilidade de que centenas de adul-
tos e crianças na Escola n° 1 em Beslan, que foi tomada por
terroristas, viessem a morrer.
A autocensura hoje significa tentar adivinhar o que se deve dizer
e o que não deve ser mencionado. A finalidade da autocensura e
manter suas mãos em um salário muito alto. A opção não é entre
ter emprego ou ficar desempregado, mas entre ganhar uma
fortuna e uma ninharia. Qualquer jornalista tem a opção de passar
Para publicações na Internet, as quais são mais ou menos livres
para dizer o que querem, e ainda há alguns jornais que também
gozam de relativa liberdade. Porém, onde há liberdade há salários
baixos e pagos de forma irregular. Quem paga bem é a mídia de
massa, que se entende com o Kremlin.
Os apresentadores de televisão que insistem em mentir, que
mantêm fora do ar qualquer coisa que possa irritar as autoridades
do Estado, fazem isso por medo de perder um salário de vários
milhares de dólares por mês. Eles enfrentam a opção entre conti-
nuar a vestir Gucci e Versace ou usar roupas velhas. A questão
não é de compromisso ideológico: o único compromisso deles é
com o próprio bem-estar financeiro. Nenhum jornalista tem fé
em Putin há muito tempo.
O resultado é que a emissora NTV transmite cerca de 70% de
mentiras. Nas emissoras oficiais, RTR e Ostankino, a proporção
de 90%. O mesmo vale para a rádio estatal.
Se durante a tomada de reféns em Nord-Ost a televisão
mostro”metade da verdade, durante Beslan ela nada transmitiu a
não ser mentiras oficiais, a maior das quais foi a afirmação de
que havia somente 354 reféns na escola. [O número real estava
próximo de 1.200.] Isso enfureceu tanto os terroristas que eles
pararam de permitir que crianças fossem ao banheiro ou
bebessem qualquer coisa.
Na NTV, sabiam perfeitamente que o número era falso. Os
diretores da empresa suprimiram um relato do seu próprio corres
pondente na cena, que havia sido informado de fonte confiável
sobre o verdadeiro número de reféns. Como disse mais tarde
Leonid Parfionov, demitido da NTV em 1º de junho, somente
uma palavra verdadeira foi dita na NTV durante a crise de
Beslan. Foi depois de iniciado o ataque, quando crianças mortas
e feridas estavam sendo levadas para fora e pedaços de carne
humana eram vistos por todo o lugar; o repórter que falava à
câmera naquele momento disse um sonoro palavrão russo, que
caracterizou com precisão o que estava acontecendo.
Beslan foi o ponto mais baixo desta autocensura traiçoeira.
Traiçoeira porque traiu pessoas que pagaram com a vida pelas
mentiras. Moradores de Beslan atacaram repórteres da televisão
estatal porque suas mentiras, hoje habituais na era Putin, haviam
começado a custar a vida de mulheres e crianças que eles
conheciam. Antes, isso fora vivido somente por pessoas que
moravam na Tchetchênia. Agora estava na hora de os outros
entenderem.

3de setembro
Há 331 mortos em conseqüência da tomada de reféns em Beslan.

4 de setembro
Raf Tchakirov, editor-chefe do Izvestia, foi demitido. Ele era um
carreirista: não era um revolucionário, nem dissidente, nem um
defensor dos direitos humanos. Foi demitido por ter deixado, em
apenas uma ocasião, de intuir a nova ideologia do Estado, uma
coisa que supostamente não se precisa enunciar. O Izvestia
publicou uma reportagem fotográfica brutalmente honesta de
Beslan, a respeito do ataque à escola. As autoridades reclamaram
que a matéria era demasiadamente chocante.
O Izvestia não é um jornal estatal - ele pertence ao oligarca
Potanin -, mas nuvens de temporal estavam se agrupando sobre
Potanin, como aquelas que haviam se reunido sobre
Khodorkovski. Demitindo Tchakirov, Potanin espera ter se
reconciliado com Putin e com o Kremlin.
*

Depois de Beslan, houve finalmente movimentos de oposição ao


regime de mentiras e covardia das autoridades. Entre dezembro
de 2003 e setembro de 2004, só o que se percebia era uma
dissidência relutante, meio abafada, mas, depois do massacre,
começou a surgir algum tipo de protesto público. Até 1º de
setembro, ninguém queria reconhecer que os serviços de
inteligência só estavam interessados em dividir os despojos da
nação. Depois do banho de sangue de 3 de setembro em Beslan,
muitas pessoas finalmente perceberam que estavam
desprotegidas. Elas podiam continuar fingindo que o presidente
tinha um alto índice de aprovação ou podiam ter segurança para
seus filhos.

10 de setembro
O que está emergindo na Rússia não é uma classe média estabili-
zadora, mas uma nova classe composta por pais cujos filhos
morreram em atos terroristas. Eles já quase constituem um
partido político, cujo manifesto é exigir um inquérito rigoroso
sobre a tragédia ocorrida na Escola n°1.
Os primeiros a chegar a Beslan depois da catástrofe foram os pais
dos reféns que morreram em Nord-Ost. O moscovita Dmitri
Milovidov estava entre eles. Em outubro de 2002, ele perdeu
Nina, a filha de 14 anos, no Teatro Dubrovka. Ele levou a Beslan
um punhado de terra de Nord-Ost e trouxe cinzas da escola. Ele
me mostrou a mistura numa caixa transparente.
"Peguei um pouco daquilo que ainda está no piso da escola. Você
pode ver cápsulas e balas dundum, apesar de serem proibidas, um
lápis cuidadosamente apontado, as páginas carbonizadas de um
livro. Tudo isso está coberto por uma cinza verde-escura e é
melhor não perguntar do que pode ser aquela cinza."
"Por que os pais de Nord-Ost foram lá? Deve ter sido muito
difícil para vocês."
"Nós juntamos dinheiro e decidimos levá-lo pessoalmente.
Achamos que nossa triste experiência de como sobreviver à
morte dos filhos poderia ser útil. Nós mal sobrevivemos,
dependendo exclusivamente de nossos próprios recursos,
abandonados pelo Estado.
"Há outro motivo: há pouco mais de um ano eu estava conver-
sando com Tânia Khazieva - seu marido era um músico que
participava do musical Nord-Ost e morreu, deixando-a com as
filhinhas Sônia e Tânia. Ela foi a primeira a ganhar uma
indenização num tribunal. Tânia disse, em junho de 2003:
‘Preciso saber se amanhã URV de minhas filhas for tomada
como refém numa escola, sua vida custará tão caro que nem o
FSB nem o Estado poderão me pagar por tê-la deixado morrer.’
Sabe de uma coisa, hoje sentimos que não conseguimos evitar
Beslan. Eu o vejo como um final alternativo para Nord-Ost:
‘Olha, veja o que lhe teria acontecido se você estivesse trancada
naquele teatro e nós não tivéssemos usado o gás.’ Foi como se
eles quisessem ensinar uma lição à Rússia. Fomos a Beslan para
dizer às pessoas: ‘Nos perdoem por não fazer o suficiente par
evitar sua tragédia.’”
"De que você acha que as pessoas mais precisam em Beslan?
Dinheiro?"
"Não. Compreensão.
“Existem tão poucos psiquiatras?"
"Existem em número suficiente nos hospitais, mas em geral são
os jovens recém-formados que vão à casa das pessoas. É difícil
abrir seu coração a eles. O problema das pessoas em Beslan é o
mesmo que enfrentamos. Muita gente não quer conselhos. Quer
sofrer sozinha."
"Mas acha que, como pessoas que passaram por um sofrimento
semelhante, vocês estavam mais próximas delas do que os psi-
quiatras?"
"É claro. Elas queriam conversar conosco, mas não para chorar
conosco. Elas perguntavam a que conclusões chegou o inquérito
sobre Nord-Ost. Houve uma resposta adequada à pergunta de
como uma coisa daquelas podia ter acontecido? Já é óbvio que
essa tragédia não irá simplesmente desaparecer. Há pichações nas
cercas: "Morte dos inguches" e mais fortes que isso. Ninguém as
apaga. Em toda parte vi pessoas jurando vingança. Houve uma
reunião de jovens enquanto estávamos lá e esse era claramente o
tema. Eles tinham as piores coisas a dizer a respeito do seu
presidente, Dzasokhov, e o que eles disseram a respeito de Putin
não dá para repetir."
"É verdade que os sentimentos com relação aos jornalistas
também são ruins?"
"Sim. Nós tivemos os mesmos. Nos primeiros meses depois de
Dubrovka, ao vermos um jornalista, nós dizíamos: ‘Lá vêm os
abutres.’ Só muito tempo depois foi que começamos a vê-los não
como abutres, mas como dissecadores, sem os quais nunca
teríamos ouvido a verdade a respeito do afundamento do
submarino Kursk ou a realidade de Nord-Ost.“
Quem as pessoas em Beslan esperam que irá realizar um
inquérito adequado?"
Elas só confiam em suas famílias. Elas esperam que haja um
inquérito mas, como muitas dizem, ele ‘virá da Rússia’ - em
outras palavras, do Estado. Mas nós já passamos por Nord-Ost.
Sabemos que nada irá acontecer."
Qual foi a principal impressão que você trouxe de Beslan?"
Estávamos em Moscou, uma grande cidade. Beslan é uma cidade
inteira de luto."

13 de setembro
Depois de Beslan, os órgãos de segurança do norte do Cáucaso,
tendo deixado de evitar o ultraje terrorista, estão agora fazendo
uma grande demonstração de combate ao terrorismo. Estão
matando ou prendendo qualquer pessoa que, para eles, pode estar
envolvida com terrorismo.
Como fazem? O sucesso ou fracasso da caçada humana é medido
principalmente por quantos "terroristas" são apanhados. Direitos
humanos e respeito pela lei saíram pela janela. Uma confissão é
prova de culpa e, se um suspeito foi morto, nem isso é
necessário. É uma repetição exata do que aconteceu quando uma
"operação antiterrorista" foi lançada depois do assassinato de
Sergei Kirov, o líder do Partido Comunista, em 1º de dezembro
de 1934. Assim como naquela ocasião, qualquer tentativa de
sugerir que alguma coisa está errada e que talvez deva haver mais
respeito pela lei é tratada pelos partidários dos "métodos radicais
e eficazes" como o desejo de proteger criminosos.
Os representantes do Comitê Internacional da Cruz Vermelha
não podem visitar as celas da prisão onde os "terroristas" estão
detidos. Não há supervisão legal pelo procurador e certamente
não há um judiciário independente para cuidar desses casos
rápidos de "antiterrorismo". Ninguém investigará se uma unidade
de Operações Especiais tinha justificativas para matar alguém.
Essa é uma área completamente fora da lei, incapaz de punir os
culpados e absolver os inocentes. A principal onda de
"antiterrorismo" pós-Beslan abateu-se sobre a Inguchétia, porque
havia muitos inguches no grupo que tomou de assalto a escola. E,
nem é preciso dizer, sobre a Tchetchênia.
O resultado previsível foi que, durante o outono, reagindo contra
este "antiterrorismo", o verdadeiro submundo terrorista ficou
muito fortalecido. O assassinato ou a condenação rápida dos
inocentes deixa os verdadeiros criminosos livres para planejar
novos crimes, precisando apenas aperfeiçoar seus métodos de
conspiração. Além disso, o submundo está repleto de pessoas que
sofreram injustamente ou que procuram vingar seus parentes.
Para outros, pegar em armas é um protesto pessoal contra a
ilegalidade das forças d segurança.

Chame isso do que você quiser, mas não de operação


antiterrorismo. Ela reúne as formas mais monstruosas de terror.
O quadro verdadeiro é que, depois que os rebeldes tomaram a
Inguchétia por uma noite em junho de 2004, as forças de
segurança enlouqueceram, assassinando e aprisionando uma
multidão de pessoas inocentes que lhes caíam nas mãos, e o
resultado foi Beslan.
Enquanto isso, as autoridades tchetchenas estão comemorando. A
algumas dezenas de quilômetros de distância estão enterrando as
vítimas de Beslan, mas Alu Alkhanov, o presidente "recém-
eleito", decidiu comemorar o nascimento de um filho do
primeiro-ministro com um dia de corrida de cavalos.
Em Tsentoroi, por trás de uma intensa segurança, os atuais
favoritos tchetchenos de Putin estão gozando a vida. Seus
seguidores satisfazem todos os seus desejos. Raramente se passa
um dia sem algum tipo de entretenimento para demonstrar que a
paz voltou à Tchetchênia. Nem mesmo Beslan pode estragar a
diversão, nem a morte de todas aquelas crianças, que está na
consciência da nada sagrada trindade de Kadirov, Alkharov e
Abramov. Afinal, foram eles que garantiram a Putin e a todos,
até 1º de setembro, que praticamente não havia mais bandidos na
Tchetchênia e que Basaev seria apanhado a qualquer momento.
Beslan nos mostrou a verdadeira situação.
Uma das razões para os males sociais da Rússia é este diabólico
cinismo por parte das autoridades, que vendem uma realidade
completamente falsa. Os cidadãos russos não se insurgem contra
esse cinismo. Eles se recolhem às suas conchas, tornando-se
indefesos, mudos e inertes. Putin sabe disso e utiliza o cinismo
insolente como a técnica anti-revolucionária que melhor funciona
na Rússia.
Os funerais não acabaram, mas Putin já está ocupado. Ele infor-
mou ao governo e ao país que, no futuro, os líderes regionais não
serão eleitos, mas indicados por ele. A indicação precisará ser
ratificada pelos parlamentos regionais, mas se por duas vezes os
deputados locais deixarem de aprovar seu candidato, o próprio
parlamento estará sujeito à dissolução.
Houve por algum tempo boatos a respeito do desejo de Putin de
abolir a eleição direta de governadores, alguns dos quais têm
opiniões próprias. Um dos métodos para a oposição permanecer
eficaz era alcançar um entendimento nas regiões, caso isso se
mostrasse impossível com a administração presidencial em
Moscou.
Putin afirma que a razão para a abolição da eleição dos gover-
nadores é a ameaça do terrorismo. Esta exploração cínica do
cataclisma de Beslan para resolver suas dificuldades puramente
políticas e práticas é inesperada, mesmo de Putin. Praticamente
não houve protestos.

16 de setembro
A única reação veio do Comitê 2008, que publicou a seguinte
declaração,”A Ameaça de um Golpe de Estado na Rússia":
O Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, anunciou que
pretende realizar um golpe de Estado na Rússia. Seu discurso de
13 de setembro de 2004, numa sessão prolongada do governo,
contém uma proposta detalhada para desmantelar instituições
fundamentais da democracia na Rússia.
"A Rússia é um Estado democrático, federal, regido pela lei...”,
de acordo com o primeiro artigo da Constituição. Agora o
Kremlin pretende liquidar as três bases do Estado russo.
A Rússia de Putin não será um Estado democrático, uma vez que
seus cidadãos serão privados do direito a eleições livres que, de
acordo com a Constituição, são a "mais alta e direta expressão do
poder do povo". A Rússia de Putin não será um Estado
federalista, uma vez que suas regiões serão governadas por
funcionários nomeados pelo centro que se subordinam somente a
ele. A Rússia de Putin não será um Estado regido pela lei, porque
o Tribunal Constitucional da Federação Russa tomou uma
decisão, há oitenta anos, que proíbe explicitamente qualquer
"reforma" como essa, a qual estará sendo desprezada.
Pedimos ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, que de atenção
especial ao artigo 3 o, inciso IV, da Constituição, que diz:
"Ninguém deverá se apropriar do poder na Federação Russa. A
tomada do poder ou a apropriação da autoridade do Governo será
processada de acordo com a lei federal."
O Estado e as autoridades ignoraram tudo isso. Ninguém pro-
testou.
27 de setembro
As autoridades estão muito preocupadas com a possibilidade de
os defensores dos direitos humanos mais uma vez se tornarem
dissidentes, uma vez que é deles, e não dos políticos da oposição,
que vem o perigo. Assim sendo, elas estão construindo um
movimento paralelo pelos direitos humanos para operar sob um
rígido controle do Estado. Putin está assinando uma diretiva para
criar um "centro internacional dos direitos humanos". A diretiva
é caracteristicamente intitulada "Medidas Adicionais de Apoio do
Estado ao Movimento pelos Direitos Humanos na Federação
Russa".
A força motriz por trás desta diretiva é Ella Pamfilova, presidente
da Comissão Presidencial sobre Direitos Humanos. Ela insiste
para todos que estiverem dispostos a ouvir:"Rejeito
completamente as alegações grosseiras de que uma das tarefas do
Centro Internacional de Direitos Humanos é introduzir o controle
centralizado do movimentos pelos direitos humanos. Essa
diretiva é de grande ajuda para nós. Será mais fácil, para os
líderes de organizações de direitos humanos, se conhecerem (no
Kremlin? - AP). Seremos capazes de ampliar o alcance de nossos
conhecimentos. Essa idéia é uma iniciativa dos próprios
defensores dos direitos humanos. Tenho recebido telefonemas
dos representantes de muitas associações de direitos humanos, de
pessoas que ligaram das regiões. Todos são a favor. Eles dizem
que esta é uma pequena vitória para nósAcima de tudo,
precisamos garantir os direitos dos próprios defensores dos
direitos humanos de ajudar as pessoas de forma eficaz."
Dificilmente alguém acredita nos invariáveis protestos de
Pamfüova, da natureza benévola e das credenciais democráticas
de Putin.
Ielena Bonner teve isto a dizer numa entrevista ao Iejenedelni
Jurnal:
Existem a filosofia e o ponto de vista dos defensores dos direitos
humanos e existem a filosofia e o ponto de vista daqueles que
representam o poder do governo. Eles têm objetivos e missões
diferentes. O objetivo do movimento pelos direitos humanos e
defender a sociedade das autoridades do Estado e formar uma
sociedade civil. O objetivo de qualquer autoridade do
Estado é consolidar seu próprio poder. Estou preocupada e¡ ver
tantos conhecidos defensores dos direitos humanos aderindo ao
Estado. Se o fizerem, eles deixarão efetivamente de se defensores
dos direitos humanos. Eles querem se unir às autoridades do
Estado. Isso testifica uma crise no movimento pelos direitos
humanos.
Aquele que hoje na Rússia é chamado de movimento pelos
direitos humanos, assim como os políticos a quem chamamos de
oposição e que por muitos anos vacilaram entre dois cursos de
ação, perderam o barco. Perdemos a oportunidade de agir por
meios legais. Hoje, explorando a tragédia de Beslan, estão sendo
feitas tentativas para destruir a independência dos tribunais.O que
isso deixa para a sociedade? Somente revolta e rebelião.
Não estou incitando à revolução. Não vejo líderes capaze de
liderá-la, nem preparo para ela no país. Assim, a Rússia seguirá o
caminho para ela traçado pelo sr. Putin. O que mais ela pode
fazer? As eleições locais foram eliminadas, o direito referendo
foi tirado, a responsabilidade das instituições eleitorais perante a
população terminou há muito.Vejo essa diretiva como outro
truque. O Estado está criando um movimento paralelo por
direitos humanos.
No presente, não vejo como retornar a um caminho democrático.
Não estou dizendo que tivemos uma democracia, mas havia uma
tendência nessa direção que poderia ter se desenvolvido se
existisse uma mídia de massa livre. Precisavamos de um sistema
eleitoral adequado; a última coisa de que precisávamos era da sua
destruição. As eleições há muito for; transformadas em fraude e
eleições são a instituição fundamental para qualquer democracia.
"Todos os três ramos do poder na Rússia, o executivo, o
judiciário e o legislativo, foram alterados para que se adequas
sem ao presidente. Deixamos de ser uma democracia ou, diri eu,
até mesmo um Estado republicano. Formalmente, as eleições
presidenciais devem acontecer (em 2008). Isso, é claro, s o país
que está sendo construído por Putin sobreviver até lá -Todos os
canais para uma alteração legal e pacífica da situação foram
eliminados. Assim, esta caldeira lacrada irá se aquecer ate
explodir. Isso pode ocorrer de várias maneiras diferentes."

*
O "Centro Internacional pelos Direitos Humanos" de Putin nunca
saiu do papel. Foram alocados fundos do orçamento e alguém
sem dúvida pôs as mãos neles, mas nada mais aconteceu.
A autoridade de Putin baseia-se exclusivamente no fato de não
haver alternativa a ele dentro do seu círculo, que ele tornou sem
rosto e estúpido. Seus partidários chamam isso de "a solidão de
Putin". Não há na sua equipe ninguém que possa substituí-lo
numa emergência. Todos são pigmeus com complexo de
Napoleão, ou nem mesmo isso.
Estaria à vista um novo partido pró-ocidente? Vladimir Rijkov
poderia ser seu líder. Ele amadureceu muito. Esse partido poderia
ter sucesso na conclusão da revolução liberal-democrática.
Porém, o problema de nossa elite política, tanto aqueles que estão
no poder como aqueles da oposição, é que eles preferem deixar
que as coisas continuem como estão.

28 de setembro
Putin não nos fez esperar muito tempo. Sem nenhum debate polí-
tico, apresentou à Duma emendas à lei eleitoral abolindo a
eleição direta de governadores. O eleitorado está sendo
bombardeado com garantias de que ainda não está
suficientemente maduro para escolher o líder local correto. Isso
não significa que eles também ainda não estão maduros o
suficiente para eleger Putin?

29 de setembro
Vários deputados da Duma escreveram ao presidente do Tribunal
Eleitoral, Valeri Zorkin, pedindo-lhe que reveja os atos do presi-
dente como um assunto de urgência.

Zorkin preferiu não o fazer. Os deputados receberam uma


resposta puramente formal. A sensação de desesperança era tão
profunda quanto nos últimos anos da URSS.

5 de outubro
Em Grozni, teve lugar a risível cerimônia de posse de Alui Alk-
hanov, o presidente imposto ao povo da Tchetchênia pelo
Kremlin Foi erigida uma marquise dentro do conjunto fortificado
do governo e Alkhanov fez lá seu juramento, falando um
tchetcheno ruim. Ele parecia indisposto, com grandes olheiras.
As medidas de segurança foram sem precedentes, como se eles
estivessem esperando Putin, que não compareceu, mas enviou
cumprimentos. No interesse da segurança, três locais haviam sido
preparados e até o último momento ninguém sabia exatamente
onde seria a posse.
Que tipo de vida pacífica isto sugere? Alkhanov mostrou a toda a
Tchetchênia como está com medo de morrer. Agora ninguém o
levará a sério.

6 de outubro
A Ação Conjunta, uma associação das principais organizações de
direitos humanos, também publicou uma declaração intitulada
"Um Golpe de Estado na Rússia", pedindo a convocação de um
Congresso dos Cidadãos que evoluiria para um fórum nacional
independente envolvendo os direitos humanos, ecológicos e
outras associações públicas, sindicatos livres, partidos
democráticos, acadêmicos, advogados e jornalistas.
É uma peculiaridade da Rússia que os defensores dos direitos
humanos - dos quais vários, como Liudmila Alexeieva, Sergei
Kovaliov e Iuri Samodurov, são antigos dissidentes soviéticos —
sejam muito mais resolutos e progressistas do que os partidos e
os políticos. Eles estão encorajando os políticos: pelo amor de
Deus, façam alguma coisa!
Uma psicologia servil domina mais uma vez o país e cerca
qualquer um que seja menos servil. Com que malevolência a tele-
visão russa ataca quando Iuschenko comete um erro na Ucrânia
e, assim como Saakachvili, ele é a besta negra do Kremlin. A
Geórgia é nosso maior inimigo entre os países da antiga URSS.

7 de outubro
Em Vladimir, o primeiro caso criminal foi levantado contra os
Comitês de Mães de Soldados. A presidente do Comitê Vladimir,
Liudmila Iarilina, é acusada de "cumplicidade na evasão ao
serviço militar”, uma acusação que pode implicar uma sentença
de três a sete anos de prisão.
Qual é a base da acusação? Por meio da persistente defesa de
recrutas e soldados, Liudmila tornou-se muito impopular com o
Comissariado Militar e com o Gabinete do Procurador Militar.
Ela concorda com que, na província de Vladimir, muitos
soldados são considerados inadequados para o serviço militar. A
área é conhecida pelo alcoolismo. É um lugar onde as pessoas
bebem mais do que trabalham; assim, a saúde dos seus filhos é
ruim. Metade deles é de inválidos, mas o Comissariado Militar
toma medidas extraordinárias para conseguir sua cota de recrutas,
falsificando atestados de saúde e enganando os jovens de outras
maneiras.
Entre quatrocentas e quinhentas pessoas consultam o Comitê a
cada ano: recrutas, soldados e seus pais. Em sua maioria, eles
querem ser salvos das brutalidades dos "avós", os soldados mais
velhos; da morte; das doenças e de uma máquina estatal que não
se interessa por investigar maus-tratos.
Quando Dmitri Iepifanov veio ao Comitê, ele já havia servido
varios meses na Tchetchênia e tinha sido ferido e queimado
dentro de um tanque. Ele recebeu uma licença e, de volta
aVladimir, queixou-se aos seus pais de constantes dores de
estômago. Ele sofria delas antes de ir para o exército, mas a
comissão de recrutamento decidiu que não representavam
nenhum problema e ele foi enviado para combater na
Tchetchênia.
Dmitri veio perguntar como poderia ir a um hospital durante sua
licença. Isso foi tudo. O sistema na Rússia é absurdo: se um sol-
dado em licença estiver doente, não será admitido para
diagnóstico no hospital militar mais próximo; ele precisará voltar
à sua unidade, onde um servente ou médico militar decidirá se
ele será hospitalizado ou está fingindo uma doença. Porém, se
um soldado puder apresentar um diagnóstico por escrito, poderá
ser admitido no hospital local.
Liudmila começou a telefonar para os médicos que conhecia e
um deles, um endoscopista da Clínica de Câncer de Vladimir,
concordou em examinar Dmitri e, se necessário, realizar uma
gastroscopia. Esta revelou uma úlcera e ele foi hospitalizado.
Depois Dmitri foi enviado de Vladimir para um hospital em
Moscou e de lá para uma comissão do exército. Os médicos
militares na capital dispensaram o soldado Iepifanov do exército
porque ele tinha uma úlcera no duodeno.
Isto está apresentado no processo da seguinte forma:
L. A. Iarilina, sendo presidente da seção regional de Vladimir do
Comitê de Mães de Soldados, com o pretexto de prover assis-
tência para conseguir isenção do serviço militar, com a assis-
tência de médicos de vários hospitais na cidade de Vladimir,
conspirou para criar, em cidadãos sujeitos ao recrutamento para o
serviço militar e também em pessoal já de serviço, uma doença
fictícia (falsa), uma úlcera duodenal, pelo que recebeu
remuneração.
É claro que nunca apresentaram qualquer evidência para cor-
roborar a alegação a respeito de receber dinheiro, que era
totalmen te falsa, mas o processo continuou mesmo assim e a
imaginação dos investigadores do Gabinete do Procurador
Militar mostrou-se ilimitada. O capitão Golovkin, procurador
militar assistente d Guarnição de Vladimir, descreveu o processo
pelo qual a úlcera duodenal "falsa" havia sido produzida com a
cumplicidade de Iarilina:
Com a assistência de um endoscopista, Iarilina ajudou na reali-
zação de uma biópsia no bulbo do intestino duodenal, com a
subseqüente termocoagulação do local com o objetivo de la criar
uma cicatriz, que uma criteriosa investigação endoscópica
subseqüente avaliou como pós-ulcerosa — isto é, uma doença
fictícia, uma condição ulcerosa do intestino duodenal.
É a Conspiração dos Médicos de Stalin novamente, com dissi-
dentes como seus cúmplices.
"O processo parece indicar que você assistiu o endoscopista.
"É claro que não. Só pedi por telefone que ele examinasse rapaz",
responde Liudmila.
Então Iepifanov estava se fingindo de doente? Ninguém o está
acusando de evasão ao serviço militar. O médico o feriu delibera-
damente? Ninguém está tentando acusá-lo. A única pessoa sob
investigação criminal é a defensora dos direitos humanos
Liudmila Iarilina. Produzir casos criminais contra aqueles que
causam problemas ou são apenas demasiadamente ativos faz
parte da vida sob Putin, tanto em Moscou, onde Khodorkovski e
Lebedev estão na prisão, quanto em províncias como Vladimir.
Os "bons" defensores dos direitos humanos são aqueles que
tentam ajudar as pessoas, colaborando com as autoridades em
vez de através de confrontos constantes, pessoas como
Pamfilova. Para os mais defensores, a técnica é procurar
marginalizá-los e, se necessário, usar "termocoagulação" para
destruí-los.
O método de termocoagulação começa com uma investigação
enervante e questionável. Esta leva a um julgamento seguido,
para os mais rebeldes, pela prisão.

20 de outubro
Dmitri Kozak, representante de Putin no sul da Rússia, indicou
Ramzan Kadirov seu conselheiro de segurança para todo o
Distrito Federal Sul. Se, antes disso, Kadirov Júnior era capaz de
atropelar a lei e a Constituição somente na Tchetchênia e na
Inguchétia, agora ele poderá dividir sua experiência e dar
conselhos aos diretores dos Serviços de Segurança em toda a
região norte do Cáucaso a respeito de como se comportarem da
mesma maneira e irá supervisionar as atrocidades que eles
cometem em nome do sr. Kozak.
Isso custará muitas vidas. Ramzan quase não tem miolos e está
em seu elemento somente onde há guerra, terror e caos. Sem eles,
ele literalmente não sabe o que fazer.
A promoção de Ramzan dá seqüência à política suicida que
conduz inexoravelmente a futuros atos terroristas e à
consolidação de poder nas mãos de pessoas que parecem querer
fazer o que podem para garantir que o atentado ao metrô seja
seguido por sequestros de aviões e depois disso pelo assalto a
uma escola.
Não há nenhum significado especial neste ato de Putin. Ele não
tem idéia do que precisa ser feito a seguir. É uma tragédia
conhecida da Rússia ter altos líderes políticos incompetentes, que
chegaram a seus cargos por acaso e por sua vez promovem
pessoas sem expressão a posições de grande poder.

23 de outubro
Em Moscou, ocorreu uma grande manifestação de protesto contra
a guerra na Tchetchênia e em homenagem às vítimas dos atos ter-
roristas. A reunião aconteceu às 17:00 e desde as 10:00 havia
uma fila de manifestantes na praça Puchkin. As pessoas que
sofreram o cerco em Nord-Ost lá estavam pela primeira vez,
porque hoje é o segundo aniversário da tomada de reféns.
A reunião não foi "oficial". Depois de Beslan, uma onda de
reuniões antiterrorismo, oficialmente organizadas, rolou sobre o
país por iniciativa da administração presidencial. As autoridades
de Moscou haviam concordado com uma manifestação de até
quinhentas pessoas, mas apareceram cerca de 3 mil e as
autoridades alertaram que esse número era superior ao permitido.
O segundo motivo era que os slogans nas bandeiras não eram
somente contra a guerra, mas também contra o governo. Mas
quem está conduzindo a guerra?
Muitos dos que compareceram chegaram em carros caros,
membros da classe média que normalmente não comparecem a
reuniões. Caía uma chuva fria e pesada, mas as pessoas vieram e
permaneceram, o que é importante. Como disse Boris Nadejdin,
membro do Comitê 2008 e co-presidente da União de Forças de
Direita: "Esta é uma manifestação de pessoas que não querem ser
mantidas reféns de um medo gerado ideologicamente, que lhes
esta sendo imposto depois de Beslan(...).A Tchetchênia é uma
ferida terrível, que causou Nord-Ost e Beslan. Em 1999, foi
oferecido a Rússia um médico que prometeu curar o país e ele foi
eleito presidente. Ele não teve sucesso. Hoje, quando não temos
uma mídia de massa livre nem parlamento na Rússia, resta
somente uma maneira de pressionar as autoridades; que os bons
saiam às ruas para fazer manifestações."
Os bons permaneceram na praça debaixo de chuva, carregando
cartazes que diziam "Somos a Quinta Coluna do Ocidente, numa
alusão à entrevista dada por Vladislav Surkov ao komsomolskaia
Pravda, na qual ele teve a ousadia de dizer que a oposição era
um segmento da sociedade "irremediavelmente perdido como
parceiro”; que a Rússia estava sitiada; que os liberais e
nacionalistas eram uma quinta coluna financiada pelo Ocidente;
que não havia urna Rússia de Putin, mas "somente a Rússia", e
quem não acreditasse nisso era um inimigo.
Esta não é mais uma ideologia neo-soviética: é o regime sovié-
tico puro e simples. Logo que se livrou de obstáculos como o
decaído Comitê Central do Partido e conseguiram oportunidades
ilimitadas de enriquecimento, a elite comunista começou a
ressuscitar as estruturas ideológicas do passado. Surkov é visto
hoje como o principal ideólogo de Putin.
Estamos no outono de 2004, mas um inverno político já se ins-
talou e deixa seu sangue frio.

25 de outubro
A revista Itogi pergunta à governadora de São Petersburgo: "A
Rússia poderia ser uma república parlamentar sem presidente?"
Valentina Matvienko, uma aliada próxima de Putin, responde:
"Não, isso não daria certo para nós.A mentalidade russa prefere
um mestre, um czar, um presidente. Em outras palavras, um
líder." Matvienko só é capaz de repetir aquilo que ouve no
círculo imediato de Putin.
A Associação de Direitos Humanos respondeu:
Estamos ultrajados com este pronunciamento, que é um insulto à
dignidade nacional do povo russo. O sentido dessas palavras é
claramente de que o povo russo é constituído por servos que não
podem viver sem um mestre, criaturas covardes que não
sobrevivem sem um czar. A adição da palavra "presidente"
somente deixa claro que a nova elite dominante vê o chefe de
Estado, não como um líder democrático, mas como um potentado
autoritário. Esta afirmação do servilismo inato do povo russo e
racista. Na realidade, a governadora de São Petersburgo
expressou sua discordância com as premissas da Constituição das
liberdades democráticas invioláveis(...). A idéia de nossa
inferioridade nacional e do servilismo inato do povo russo está
no cerne das principais teorias russofóbicas. Foram doutrinas
como essas que os ideólogos do nazismo alemão usaram para
sustentar sua atitude agressiva com relação à Rússia. É particu-
larmente repreensível o fato de essas opiniões partirem da pessoa
responsável pela Heróica Cidade de Leningrado. Exigimos a
exoneração imediata de Valentina Matvienko.
Ninguém achou necessário responder. A nova elite dominante
não mais considera necessário ocultar sua verdadeira atitude com
relação à maioria de seus compatriotas e aos princípios da demo-
cracia constitucional.

28 de outubro
Uma divisão pública no partido Iabloko. A ala jovem pode ser
vista nas principais estações de televisão discordando de
Iavlinski.
Reuniões em apoio a Putin, organizadas pelo RU, estão ocor-
rendo em muitos lugares. A maior é em Moscou e foi lá que
falou o líder da ala jovem.
Estudantes e aposentados formam a principal sustentação das
reuniões de protesto organizadas pela oposição. Pela primeira
vez, o Partido Comunista, o Iabloko e a União de Forças de
Direita estão se unindo para realizar protestos anti-Putin.

29 de outubro
As autoridades do Estado permanecem no curso para o abismo,
levando-nos a todos com elas. O procurador-geral, Vladimir
Usti-nov, anunciou na Duma que, na opinião da principal
instituição encarregada de supervisionar os direitos dos cidadãos
e na opinião dele, é urgentemente necessário adotar uma lei que
regulamente as medidas a serem tomadas em caso de ataques
terroristas. Suas propostas mais importantes são que sejam
introduzidos procedimentos judiciais sumários para suspeitos de
terrorismo; que os parentes de terroristas sejam detidos como
contra-reféns; que os bens de terroristas sejam confiscados.
Parece improvável que a possibilidade de ter um gravador vídeo,
um televisor ou mesmo um carro confiscado detenha aqueles que
estão dispostos a cometer suicídio e assassinar outras pessoas. A
idéia do procurador-geral, de introduzir procedimentos sumários
para suspeitos de terrorismo, é uma repetição direta daqueles que
sob Stalin eram conhecidos como "expurgos em massa"; ou, mais
recentemente, para usar a linguagem da "operação
antiterrorismo","limpezas". Todos esses procedimentos
simplificados são muito conhecidos na Tchetchênia e na
Inguchétia, onde têm estado em uso há mais de cinco anos. Os
órgãos de segurança (todos eles: Ministério do Interior, FSB, a
Diretoria Central de Inteligência do Exército e outros) prendem
quem querem, algumas vezes depois de receber informações
operacionais, mas na maior parte dos casos sem elas. Elas
espancam, incapacitam e torturam como querem, extraindo
confissões de atividades terroristas ou pelo menos de simpatia
pelos terroristas, embora, na realidade, nem precisem das
confissões.
Há dois resultados possíveis: se a vítima ficou seriamente muti-
lada, ela é morta e enterrada, ou, se a família conseguiu pagar su-
borno, ela vai a julgamento. Ninguém se interessa por provas. Na
"zona da operação antiterrorismo", os casos de procedimentos
judiciais sumários são a única alternativa possível. Acusação
Você é membro de um grupo armado ilegal: de 15 a 20 anos. A
presença de um advogado e um promotor no julgamento é
puramente decorativa, para dar um verniz de legalidade às
estatísticas de terroristas condenados e atos terroristas evitados.
Os advogados em geral nada mais fazem do que persuadir o
acusado a confessar tudo; a tarefa do promotor é dizer à família
que reclamar só irá piorar as coisas.
Os planos declarados do nosso procurador-geral iriam efetiva-
mente abolir a presunção de inocência. Na "zona da operação
antiterrorismo" na Tchetchênia e na Inguchétia, tem predominado
a Presunção de culpa há vários anos, que se estenderá ao restante
da Rússia. Nos últimos cinco anos, a maioria das pessoas supôs
que o terror da ilegalidade extrajudicial por parte das instituições
do Estado afetava somente rebeldes distantes, o que não
constituía motivo para preocupação; o resto da Rússia estava de
algum modo imune a isso. Infelizmente, milagres não acontecem.
Em algum momento, a prática iria se generalizar.
A proposta do procurador-geral, de deter parentes como contra-
reféns, é sem dúvida inovadora. Ele explicou aos deputados da
Duma que deteríamos os parentes dos terroristas, mostraríamos
o que poderi a lhes acontecer e, em seguidaos terroristas
libertariam seus reféns e se entregatriam.
Esse método também foi usado na Tchetchênia, particularmente
durante a Segunda Guerra Tchetchena, quando as forças de
Kadirov se tornaram poderosas. Torturar parentes para que as
pessoas procuradas se entregassem passou a ser sua marca
registrada Porém, a tomada de reféns ao estilo de Kadirov
também era praticada em nome do Estado com a bênção do
Gabinete do Procurador-geral no norte do Cáucaso e com
completo desprezo pela lei e pela Constituição por parte dos
procuradores.
Agora nos vemos numa situação desastrosa. Por cinco anos, o
Gabinete do Procurador-geral tem estimulado uma onda de terro-
rismo no norte do Cáucaso, executada de acordo com os desejos
do presidente da Rússia. Com freqüência, os procuradores
estavam presentes durante as sessões de tortura e execuções,
publicando depois garantias de que tudo ocorrera de acordo com
a lei.
Que tipo de argumentos poderão agora ser encontrados para
convencer pessoas como ele? Como pode alguém que é, na reali-
dade, um antiprocurador-geral, ser convencido a retirar da Duma
suas propostas de inovações sedentas de sangue? O Gabinete do
Procurador-geral está interessado exclusivamente na sua sobrevi-
vência institucional, em promoções e recompensas, em ocultar a
verdade a respeito dos atos de que foi cúmplice. As autoridades
do Estado se agarram ao poder ao preço de nossas vidas. É
simples.
O discurso do procurador-geral à Duma foi interrompido -por
aplausos. Nosso Parlamento considerou a idéia ótima. O presi-
dente Putin, que jurou proteger a Constituição, não exonerou um
procurador-geral que propôs enormes violações à lei.
O ano de 1937 marcou o auge do terror de Stalin. Hoje, o 1937
da Tchetchênia está se transformando em outro 1937 para os
russos em geral, quer compareçamos ou não a encontros no
memorial das vítimas de Stalin em Solovi Rock. Agora qualquer
um de nós pode sair para comprar pão e não voltar ou voltar vinte
anos depois. Na Tchetchênia, por via das dúvidas, as pessoas dão
adeus antes de ir ao mercado.
Em 29 de outubro de 2004, como sempre, o povo russo per-
maneceu em silêncio, esperando que quem seria apanhado fosse
o vizinho.
3 de novembro
O Soviet da Federação aprovou a abolição das eleições locais de
governadores.

6 de novembro
Mikhail Iuriev, um ex-jornalista que agora trabalha no Kremlin,
publicou um artigo em nome da administração presidencial na
Komsomolskaia gazeta, dando conselhos sobre como diferenciar
entre quem é útil para o presidente e quem é um inimigo da
Rússia. A falsa antítese é gritante e deliberada. De acordo com
Iuriev, qualquer pessoa que critique Putin é um inimigo da
Rússia. Aqueles que falaram em favor de negociações durante
Beslan, ou contra o uso de armas químicas no ataque em Nord-
Ost, são inimigos; assim como aqueles que comparecem a
reuniões de protesto contra a guerra na Tchetchênia ou as
organizam. Da mesma forma, aqueles que pedem por
conversações de paz sobre a Tchetchênia e a cessação da guerra
civil.
Os Comitês de Mães de Soldados formaram seu próprio partido
político. O congresso de fundação do partido não é um aconte-
cimento acidental. Ele resulta da completa destruição de nosso
cenário político depois das eleições à Duma, quando todos os
deputados em quem elas poderiam confiar para fazer lobby por
reformas militares e pelos interesses dos recrutas perderam seus
assentos. Como presidente do partido, Valentina Melnikova
disse: O programa do nosso partido estabelece como metas
básicas garantir que o Estado assuma uma atitude responsável
com relação a seres humanos e crie uma estrutura segura para a
vida na Rússia. Provocar uma transformação democrática das
forças armadas russas é somente uma parte dessa tarefa maior.
Em termos de economia, somos um partido que tende para o
liberalismo e, no que diz respeito às responsabilidades do Estado
perante a sociedade, nós tendemos ao socialismo."
O Partido das Mães de Soldados é a primeira organização polida
na Rússia a declarar que lutará para proteger nossa vida. Os
eleitores russos não contam com opções tão boas. Nossos
políticos podem nos dar cem rublos antes do dia das eleições,
mas não têm tempo para lutar pelas questões que nos afetam de
forma vital. Eles estão ocupados demais lutando por seu próprio
lugar ao sol.
O congresso de fundação teve lugar a bordo do navio Konstantin
Fedin, ancorado para o inverno no Porto Fluvial Norte d Moscou.
Por que um navio? Porque ninguém cederia um auditório por
medo da reação do regime.
O partido foi criado por 154 representantes de mais de cin qüenta
regiões, todas membros de um movimento que salvou vida de
milhares de recrutas desde sua fundação em 1989. O movimento
começou na URSS. No final dos anos 1980, as mulhere que
tentavam proteger seus filhos da brutalidade dos veteranos d
exército e do recrutamento universal começaram a se organizar
em comitês. Em 1989, elas conseguiram convencer Gorbatchov a
dispensar antecipadamente 176 mil soldados do exército para que
eles continuassem os estudos. Em 1990, ele também publicou
diretivas "Sobre a Implantação de Propostas do Comitê de Mães
d Soldados" e sobre os benefícios do seguro estatal para os
recrutas. Em 1991, os Comitês conseguiram que Ieltsin
concedesse um anistia aos soldados desertores e em 1993-4 sua
persistência garantiu a instauração de um inquérito sobre a morte,
de fome, doença e torturas, de mais de duzentos marinheiros na
ilha de Russkoi Entre 1994 e 1998, elas foram a primeira
organização de direit humanos da Rússia a exigir a cessação
imediata da guerra n Tchetchênia, conseguiram que o presidente
Ieltsin perdoasse qui nhentos soldados que haviam
conscientemente se oposto a partici par da Primeira Guerra
Tchetchena, forçaram uma anistia para todos os participantes - de
ambos os lados - da Guerra Tchetche e conseguiram incluir no
orçamento do Estado um item para busca e identificação dos
restos mortais dos soldados falecidos Tchetchênia. Desde 1999,
os Comitês de Mães de Soldados têm se manifestado contra a
Segunda Guerra Tchetchena, realizando uma campanha pública
contra a falsificação do verdadeiro número baixas e compilando e
publicando listas dos mortos e dos que desa pareceram sem
deixar rastro.
O principal objetivo dos Comitês passou a ser acabar com
escravidão do recrutamento universal e substituí-lo por um exér
to totalmente profissional. Todos os partidos democráticos apoia
ram e, com o passar do tempo, a idéia de um exército profissional
foi aceita por altos oficiais e por sucessivos ministros da Defesa,
cujos discursos eram freqüentemente tirados palavra por palavra
dos seus folhetos. Mas na implantação, tudo foi distorcido: os
contratos eram assinados de forma "compulsória voluntária", os
salários não eram pagos e os recrutas eram enviados diretamente
para a Tchetchênia. Depois das eleições em dezembro último,
não sobrou ninguém no Parlamento para falar em favor de
projetos legislativos democráticos.
No final de janeiro de 2004, os Comitês de Mães de Soldados
decidiram que estava na hora de criar seu próprio partido. Dez
meses se passaram, porque a criação de um novo partido envolve
um volume enorme de burocracia e é extremamente dispendiosa.
Durante esse período, elas foram estigmatizadas como uma
quinta coluna, apoiada pelo Ocidente para solapar a capacidade
de combate da Rússia. Isto é, elas eram "inimigas internas" num
período de tensão militar.
A força política das mães, que irá assegurar sua sobrevivência, é
que suas políticas vêm do coração. Até agora, as pessoas aqui se
tornaram políticas pela vontade de suas mentes. As paixões
partidárias ferviam principalmente sobre quem iria comandar e
não sobre o que poderia ser feito pelo eleitorado. Em 2003, as
autoridades do Estado usaram isto com muito sucesso e
concessões sórdidas solaparam qualquer confiança que o povo
ainda tinha na oposição. No fim, nenhum democrata ou liberal
conseguiu ser eleito para a Duma.
A maior força do Partido das Mães de Soldados é a paixão que
elas têm para defender seus filhos e nossa confiança de que o
farão com toda a sua capacidade. Elas não têm nenhum outro
capital político. Sua compulsão maternal varre tudo que está à
frente, como ficou evidente depois de conversar menos de dois
minutos com qualquer uma das delegadas fora e dentro do
auditório. Em pouco tempo, nos vimos discutindo o destino de
algum soldado que necessitava de ajuda: "Veja o que está
acontecendo em nossa região", disse Liudmila Bogatenkova, de
Budionnovsk, puxando da sua mala uma pilha de testemunhos de
soldados a respeito de maus-tratos. Ela os trouxe para entregar ao
Gabinete do Procurador Militar.
Porque desde que existe o serviço obrigatório, o soldado no
exército é um ninguém", diz Liudmila indignada. "Ele pode ser
usado para qualquer coisa. Pode ser usado como trabalhador não
remunerado. Milhões de nossos concidadãos são hoje escravos e
nossa missão é abolir essa escravidão. Não pode haver
concessões a este respeito!"
A principal discussão no Congresso dizia respeito à redação do
manifesto. Deveriam elas fazer campanha pela abolição do
serviço militar obrigatório ou deixá-la de lado por algum tempo?
Em termos mais gerais, deveria o novo partido seguir o habitual
caminho russo de desafiar quando ninguém está olhando, dizendo
que é contra o serviço militar obrigatório, mas deixando isso fora
do seu programa para não irritar a administração presidencial e
facilitar o registro do partido? Ou elas devem ser completamente
honestas e se preocupar somente de conquistar o respeito do
povo russo?
Nessa importante questão de princípio, venceu a segunda
abordagem. Uma convicção apaixonada não é possível sem a
total honestidade. A abolição do serviço militar obrigatório
entrou para o manifesto. Elas lutarão por ela e graças a Deus por
isto, porque a confiança do eleitorado será seu maior ativo. Se
começassem tentando conseguir "meios-termos sensatos", seriam
enganadas pelas autoridades, que sabem como manipular
negociantes de meios-termos, e os eleitores as abandonariam.
"Sim, é importante que nossas mulheres entrem para a Duma",
explica Liudmila Bogatenkova. "Caso contrário, será impossível
forçar a abolição do serviço militar obrigatório. Se estivermos na
Duma, também será mais simples ajudar soldados e recrutas em
determinadas situações e evitar que as autoridades obstruam
votações quando um crime foi cometido."
Uma das poucas maneiras de exercer influência, depois do res-
surgimento da burocracia, é a questão parlamentar. O questiona-
mento de um deputado pode produzir resultados rápidos e signifi-
cativos e a velocidade costuma ser essencial. A maior parte dos
casos em que soldados foram salvos exigiu investigações e ações
imediatas. Quando uma história ganha notoriedade e um
deputado chega ao Gabinete do Procurador-geral, alguém no
mundo fechado do exército tem uma chance de sobreviver. A
ausência dessa oportunidade em geral significa morte. Um dos
primeiros brindes levantados depois da criação do partido foi:"A
2007! Cuidado Duma, aqui vamos nós!"
O Partido das Mães de Soldados tem uma lição para ensinar ao
mundo. Ele terá de criar seu próprio futuro com a paixão sincera
ela qual vivem as mulheres em seus Comitês. Por muito tempo,
ouvimos que quanto mais esperto é um político democrático,
mais eficaz ele é. Isso se mostrou uma inverdade. Nosso povo
não liga para esperteza, nem para quem carece de paixão. Essa é
a espécie de povo que somos. Primeiro a paixão, depois o
raciocínio claro e direto. Nunca o contrário.

9 de novembro
O diretório do partido Iabloko em Kaluga exigiu um referendo
sobre a retenção de benefícios em espécie para trabalhadores
aposentados, vítimas da repressão soviética e aqueles que
trabalharam em casa durante a Segunda Guerra Mundial. Os
benefícios em questão são o direito de andar de graça nos ônibus
suburbanos e assistência médica gratuita. As autoridades da
província de Kaluga pretendiam abolir todos os benefícios em
espécie em troca de um ridículo suplemento mensal às pensões
de 200-300 rublos [US$8-10]. Até agora, as autoridades não
deram atenção aos protestos, mas um referendo poderá forçá-las
a repensar o assunto. Este tema é muito sensível. Quem terá
direito a benefícios depois de 1° de janeiro de 2005? A
“monetarização" dos benefícios pretendia reduzir o número de
requerentes, que nos dizem chegar à metade dos habitantes do
país. Certamente há espaço para uma racionalização.
A idéia do referendo não deu em nada. Os democratas a
abandonaram porque sentiram que a resistência era grande
demais.
11 de novembro
Crise em Karatchevo-Tcherkessia. Uma multidão ocupou o
gabinete de Mustafa Batdiev, o presidente, e exige sua
exoneração. O motivo é um caso envolvendo o seqüestro,
assassinato e destruição de corpos de sete jovens homens de
negócios com quem o cunhado de Batdiev estava envolvido. Ele
já foi preso.
As autoridades estão numa situação pouco invejável. Se Batdiev
for exonerado, poderá haver uma reação em cadeia. O próximo
será certamente Murat Ziazikov, na Inguchétia. Batdiev escapou
dos problemas, assim como Ziazikov meses antes, mas devolvido
a eles por Kozak, representante de Putin no Distri Federal Sul.
Kozak veio para falar com as pessoas em Tcherkessk horas
depois, as emissoras de televisão estavam anunciando a b notícia:
o "golpe" havia fracassado. Kozak havia persuadido a multidão a
deixar o gabinete de Batdiev, este voltaria e seu governo
continuaria como antes.
Foi outro desastre para a política de recursos humanos Putin. Os
líderes locais, controlados pelo Kremlin, são incapazes liderar ou
de assumir qualquer responsabilidade. Ao menor sinal perigo,
correm para salvar a própria vida. As autoridades, por s vez,
reagem a multidões. Kozak não teria ido a lugar nenhum s
multidão não tivesse tomado o gabinete de Batdiev pela força. Se
pessoas tivessem solicitado um encontro com ele, teriam de espe
uns seis meses, por mais sério que fosse o assunto.

26 de novembro
Faz um ano que Khodorkovski foi preso. As autoridades ignoram
data. Nos tempos da União Soviética, o mediador entre a
sociedade e o Estado era a KGB, que fornecia às autoridades
informações distorcidas a respeito do que estava acontecendo, e
isso acabou levando ao colapso da URSS.
Hoje o FSB também distorce seriamente as informações que vão
para cima, mas Putin desconfia de todas as outras fontes. A aorta
será devidamente bloqueada novamente. Esperamos que, desta
vez, não tenhamos de aguardar setenta anos.

11 de dezembro
Que velocidade! O presidente já assinou a lei abolindo a eleição
de governadores. Esta foi a aprovação mais rápida de uma lei
neste país e, a partir de 1o de janeiro, Putin não terá que discutir
assuntos com os governadores, nem se preocupar com a
possibilidade de eles serem pouco cooperativos. Um czar deve
ter servos, não parceiros. Algumas das crianças massacradas em
Beslan ainda precisam ser identificadas e enterradas, mas isto
não é prioridade. Cada vez mais, cabe aos pais tomar esta decisão
sozinhos. O que é realmente importante é transformar a estrutura
do Estado em algo mais cômodo para Putin.
Quanto a Beslan, a cidade está enlouquecendo rapidamente. O
outono que começou em 1o de setembro já terminou e a chegada
do inverno certamente não fez ninguém se sentir melhor. Sem
dúvida as famílias cujas crianças ainda não foram encontradas,
que não têm filho, não têm funeral nem sepultura onde possam
prantear. Jorik Agaev, Asían Kisiev, Zarina Normatova, todos
nascidos em 1997, e Aza Gumetsova, de onze anos, ainda não
foram encontrados. Zifa, a mãe de Jorik Agaev, quase nunca sai
de casa. Ela permanece lá à espera dele.
"E se ele voltar e eu não estiver aqui? Que recepção terá ele?",
diz Zifa. Sua boca está torta, pois ela foi ferida na escola. "Sei
que as pessoas nesta cidade pensam que estou louca, mas não
estou. Apenas estou certa de que meu Jorik está vivo. Ele está
detido em algum lugar."
As famílias cujas crianças estão na lista de desaparecidos se divi-
dem em dois grupos. Algumas, como Zifa, acreditam que estão
detidas como reféns. Outras acreditam que estão mortas e que
seus corpos foram enterrados por engano.
A estranheza de Zifa tem várias causas, que peço a Deus que
você nunca experimente. Ela é a refém que deixou que as
crianças no ginásio mamassem no seu próprio peito. Ela o deu a
todas que estavam sentadas por perto. Mais tarde, ela espremeu o
líquido vital gota a gota numa colher, que foi passada entre as
crianças.
“Jorik voltará e tudo será como antes. Sabe, em 3 de setembro, o
saguão estava silencioso. Quase todos os terroristas haviam
saído, somente uns poucos estavam conosco. Já estávamos nos
arrastando para onde não devíamos, sem nos importar com
eles.Tive uma alucinação; imaginei que estava em um caixão. A
seguir, imaginei que tinha ouvido um terrorista chamar: ‘Agaeva,
trouxeram água para você; tome-a.’ Devo ter assustado Jorik,
porque ele se arrastou para longe de mim."
Subitamente Agaeva foi atirada pela janela devido a uma
explosão. Todos os que estavam sentados perto dela morreram
queimados.Metade de do seu rosto foi mutilado; ela passou por
várias cirurgias e haverá outras.Quatro fragmentos não podem ser
removidos.

"As cicatrizes e os fragmentos não importam. O importante é


Jorik. Quando ele voltar, vamos comemorar seu renascimento",
diz ela repetidamente. "E como irei gritar: "Vejam todos! Jorik
voltou!” Nunca mais deixarei que ele se afaste... Jorik está
vivo!"A esta altura ela está desesperada. "Jorik dentro de um
saco? Nunca."
Em Beslan, um "saco" significa restos humanos trazidos do
necrotério militar de Rostov-on-Don após a identificação. Os res-
tos de Jorik não foram identificados, embora haja restos de meni-
nos da idade dele. O que está acontecendo?
Agora Zifa fala baixo e está calma; sua voz é a de uma mãe
devastada pela perda do filho: "Quando Jorik voltar, eu o levarei
ao presidente Dzasokov e ao presidente Putin e direi: ‘Vejam.
Este é o anjo que vocês nem tentaram salvar!’”
Depois, num sussurro: "Nunca mais comerei geléia de fram-
boesa. Nas primeiras duas horas, estávamos com muito medo.
Quando Jorik gritou ‘Ele o matou!’,eu disse: ‘É só um filme que
eles estão fazendo’ e Jorik perguntou ‘Mas porque parece tão
real? E o que é isso que está escorrendo pelo chão?’ Eu respondi:
‘É só geléia de framboesa.’”
Marina Kisieva tem 31 anos e vive na aldeia de Khumalag, a
meia hora de carro de Beslan. Ela perdeu o marido Artur e o filho
Aslan na atrocidade. Aslan tinha sete anos e estava na Classe 2.
Agora Marina só tem a filha Milena, de cinco anos, que nunca
pergunta para onde foi o irmão. Ela se recusa a ir para a creche e
costumava desmaiar sempre que as mulheres no seu bloco de
apartamentos começavam a se lamentar.
Raisa Dzaragasova-Kibizova, professora de Aslan, disse mais
tarde que Artur "era o melhor pai da classe". Foi ele que insistiu
para que Aslan fosse para a melhor escola de Beslan e era ele que
o levava para a escola, apesar de ter seu emprego e também
estudar direito no campus de Piatigorsk da Universidade Russa
de Comércio e Economia. Na véspera de 1o de setembro, Artur
voltou de Piatigorsk para levar ele mesmo o filho à escola.
Marina também pretendia ir e ficou em casa por acaso.
"Por que não fui? Eu o teria tirado do ginásio! Aslan era um
garotinho magro e engraçado. Todos gostavam dele. Ele era
muito tímido", diz Marina, tentando não chorar na frente de
Milena.
Artur foi morto quase imediatamente. Atiraram nele em 1o de
setembro, quando os terroristas levaram os homens para trabalhar
fortificação do prédio e pendurar explosivos. Aparentemente,
teria dito "Vocês acham que vou matar crianças com minhas
próprias mãos? e eles o mataram.
Aslan foi deixado no ginásio sem seu pai. Ele se arrastou até a
professora, Raisa Kibizova, e ficou perto dela quase até o fim,
perguntando constantemente: "Onde está Artur?" Raisa Kibizova
tem 62 anos. Em 1o de setembro, ela havia completado quarenta
anos de magistério. “Como poderia ter imaginado que passaria
aquela data sem receber flores, mas sob uma chuva e balas?"
Como muitos professores experientes, Raisa Kibizova senta-se
ereta e mantém a cabeça erguida, mesmo agora que começou
uma campanha em Beslan - fomentada deliberadamente pelos
serviços de inteligência e por agentes do Gabinete do Procurador-
geral - para buscar "os matadores" entre os professores
sobreviventes.
"Sim, estão tentando jogar a culpa em nós, como se dissessem:
‘Eles não podem ter cumprido seu dever para com as crianças se
sobreviveram e as crianças, não.’ Não imaginei que alguém
pudesse ter feito qualquer coisa para salvar alguém, antes ou
depois da explosão. Não havia nada a ser feito. O dever dos
professores que lá estavam era de ser um amigo mais velho, dar
exemplo e dar força às crianças. Foi exatamente o que eles
fizeram até a explosão. Depois ela, nada mais havia a fazer. Em 3
de setembro, todos estavam completamente confusos, tendo
alucinações. Esforcei-me para proteger Aslan, mas no fim não fui
capaz de fazê-lo.
Em 1º de setembro, estávamos entre os primeiros a ser mandados
para o ginásio porque nossa classe, a 2A, ficava perto das portas
da escola. Fiquei sentada no saguão na frente da minha turma.
Atrás de mim, estavam os alunos e seus pais. Os explosivos
estavam pendurados acima da minha cabeça. Artur Kisiev estava
com seu filho. Os terroristas disseram: ‘Todos os pais venham
para a frente, por favor.’Cinco minutos depois, eles atiraram nos
pais no corredor. Foi assim que dois alunos meus perderam os
pais, Misikov e Kisiev. Eu disse aos meus alunos: ‘Eles não vão
atirar em crianças.’
Aslan estava deitado aos meus pés e disse que estava com fome.
Fiz o que pude para alimentá-lo. Na primeira noite, havia uma
jovem mãe perto de nós, com um filhinho que não parava de
chorar. Ela o estava embalando, mas a criança não parava. No
início, um terrorista apontou seu fuzil para ela, como que
ordenando que mantivesse a criança quieta. A seguir, ele deu um
profundo suspiro e pegou uma garrafa de água. ‘Esta é minha
água. Dê para a criança. E aqui estão duas barras de chocolate.
Dê para ele chupar através de um pedaço de pano.’ A mãe teve
medo de ser veneno mas eu lhe disse: ‘De qualquer maneira, não
sairemos daqui vivas. Pelo menos deixe que a criança se aquiete.’
Ela quebrou um pedaço de uma das barras e deu ao filho através
de um pedaço de pano. O restante, uma barra e meia, eu escondi
atrás de mim. Quebrei um pedacinho para Aslan e dei o restante
às crianças da minha classe.
"Na segunda noite, quando todos estavam com uma sede terrível
e eles não estavam deixando que as crianças fossem ao banheiro,
eu disse: ‘Façam simplesmente no chão.’ Elas relaxaram e come-
çaram a fazer o que sugeri. Os garotos receberam garrafas
cortadas para urinar. Eu lhes disse que bebessem a urina. As
crianças não queriam, então bebi um pouco da urina do aluno
mais velho. Nem tampei o nariz, para que elas vissem que não
era tão ruim. Depois disso, elas começaram a beber e também
Aslan. Na manhã de 3 de setembro, Karina Melikova, uma aluna
do quinto ano, pediu inesperadamente para ir ao banheiro. Eles
permitiram e sua mãe, que também é professora, disse-lhe que
arrancasse algumas folhas das plantas do escritório, porque
permitiram que ela fizesse lá suas necessidades, pois tinham
aberto um buraco no piso. Karina conseguiu trazer algumas
folhas, ocultas entre as páginas de um caderno. Demos as folhas
às crianças. Karina e sua mãe foram mortas. De quem é a culpa?
Perdi Aslan no último momento.
"Imediatamente antes do ataque, muitas pessoas estavam se
sentindo muito mal. Algumas jaziam inconscientes e estavam
sendo pisoteadas. Taisia Khetagurova, outra professora, não
estava bem. Arrastei-me para empurrá-la para a parede, para que
não fosse pisoteada, e deixei Aslan por um momento. E foi isso.
Não ouvi a explosão, nem o tiroteio. O mundo simplesmente
desapareceu. Voltei a mim quando homens de Operações
Especiais pisaram em mim. Comecei a sentir as coisas
novamente e me arrastei para fora. Havia corpos ao meu lado,
empilhados um sobre o outro. Por que eu sobrevivi e eles não?
Por que sete dos meus alunos morreram quando eu, que tenho 62
anos, não morri? E onde está Aslan? Eu o vejo na minha frente
todas as noites, arrastando-se na minha direção como um
ratinho. Sei que sua mãe está meio morta. Eu a vi.” Marina mexe
nos livros escolares de Aslan. Tem sido sua principal ocupação
neste outono. Ela foi até a escola e encontrou os livros de Aslan
do primeiro ano e também aqueles que Raisa Kibizova havia
preparado para os alunos que estavam entrando no ensino médio.
Durante horas Marina lê e relê as cinco linhas da única prova de
ditado que seu filho estava destinado a fazer: "É 18 de maio. No
jardim, uma rosa silvestre está crescendo. O jardim tem lindas
flores..." Atrás de Marina, há uma cama sobre a qual estão as
coisas favoritas de Artur: um maço de cigarros, seu histórico
escolar, o cartão de registro, seus trabalhos. E sua foto. Ele
parece muito severo, mas tem um olhar pensativo. Milena fica
em completo silêncio quando se move diante do retrato.
"Nos primeiros dois meses, eu fiquei completamente paralisada.
Não saía. Não cuidava da casa. Não queria fazer nada com minha
filha. Eu estava totalmente isolada. Não suportava abrir a
torneira, não suportava ouvir o som de água corrente. Por que
eles não deixaram que as crianças bebessem? Eu ficava irritada
pelo fato de as pessoas continuarem a comer e beber depois de 1º
de setembro. Eu estava ficando louca; ainda estou."
Marina mostra-me uma carta que foi levada à sua casa junta-
mente com uma nova mochila, um presente "dos alunos de São
Petersburgo".
Por que fizeram isso, quando todos sabem que nosso filho
morreu?"
Há uma carta "de Irucha, 14 anos". Ela diz: "Você sobreviveu
àqueles dias terríveis. Você é uma heroína!" Segue-se um convite
para a troca de cartas.
Como nosso endereço foi parar na lista errada?”, pergunta
Marina chorando pela dor causada por aquele terrível ato de
insensibilidade. ‘A mochila foi insuportável. Era exatamente o
oposto do que precisávamos. Compreendo agora que ninguém irá
me ajudar. Onde está esse Putin? Ocupado demais com alguma
besteira de ordenar que todos os corpos sejam identificados o
mais rápido possível, aqueles que puderem ser. Pelo menos
assim, alguns dos pais poderão ter paz e um túmulo para cuidar."

Sacha Gumetsov e Rimma Tortchinova são os pais de


Gumetsova. Sacha está fora de si de tristeza. Não consegue
dormir à noite, culpando-se por não ter conseguido salvar a filha.
Ele tem olheiras escuras e não se barbeia há muitos dias. Sacha e
Rimma estão indo heroicamente de casa em casa em Beslan,
tentando convencer mães e pais que enterraram seus filhos a
exumar seus corpos.
"No início, acreditávamos que Aza estava detida como refém.
Aos poucos tivemos que reconhecer que não era isso que
acontecia. Em 4 de setembro, os pais estavam identificando seus
filhos pelas calças que estavam usando, porque não era possível
identificá- los por mais nada. Eles levaram corpos queimados
para identificação do DNA no laboratório legista em Rostov, mas
eram tantos que muitos foram simplesmente deixados lá, sem
identificação. As pessoas os levaram de volta para suas casas.
Esta é uma cidade pequena, não temos butiques elegantes e
muitas das criança tinham roupas iguais, compradas no mercado.
Foi assim que tudo ficou confuso. Vimos isso quando fomos aos
necrotérios, olhando dentro de cada saco, examinando cada
dedo."
"Como vocês agüentaram fazer isso?"
Nem um músculo se mexe no rosto de Rimma.
"Eu disse a mim mesma: nada poderá ser pior do que aquilo pelo
que as crianças passaram naquela escola. Não tenho direito a
autopiedade. Agora a única pergunta para nós é como enterrar
nossa filha, como cumprir nosso último dever para com Aza. No
necrotério, há o corpo de uma menina não identificada com idade
semelhante à da nossa filha, mas não é ela. Isso quer dizer que
outra pessoa tem nossa filha em um túmulo. Podem ser os pais da
menininha que está no necrotério. É claro que entendemos que a
corrente de quem pertence a quem poderá se mostrar muito
longa-Sabemos muito bem disso."
"A corrente de exumações?"
"É claro. Na lista que recebemos do Gabinete do Procurador, há
38 endereços de pessoas que podem ter enterrado a criança
errada. Trinta e oito meninas mais ou menos da mesma idade e
constituição. O principal é que estamos no caminho certo: se o
número total de restos mortais em Rostov for igual ao número de
crianças então trata-se simplesmente de erros de identificação.
Todos foram encontrados, só que foram misturados."
Em 1° de setembro, Aza foi sozinha à escola pela primeira vez,
como suas melhores amigas de turma e ela, que estavam
começando a crescer, tinham concordado em fazer. Uma delas
era Sveta Tsoy, uma garota coreana, que foi identificada somente
em 27 de setembro pela análise do DNA, porque suas pernas
haviam sido explodidas e seu corpo não podia ser identificado.
Outra amiga, Emma Khaeva, era cheia de energia. Quando estava
correndo para a escola pela manhã, sempre encontrava tempo
para dizer bom dia a todos os vizinhos e perguntar às senhoras
idosas do caminho como estavam se sentindo. Seus pais tiveram
sorte. Ela também foi morta, mas pôde ser enterrada num caixão
aberto.
E havia Aza, a filha única e adorada de Rimma e Sacha. Rimma
deu a Aza todas as oportunidades que Beslan tinha a oferecer:
dança, canto, idiomas. "Eu costumava dizer a mim mesma que as
três eram pessoas do século XXI", prossegue Rimma. "Não eram
como nós. Tinham uma atitude positiva perante a vida. Elas que-
riam muito. Aza tinha opinião própria a respeito de tudo. Era
uma filósofa."
Tudo que sabemos é que Emma, Sveta e Aza foram inicialmente
separadas no ginásio, mas no terceiro dia conseguiram se reunir.
Elas decidiram comemorar o aniversário de Madina Sazanova,
outra colega, e da última vez em que foram vistas estavam
sentadas sob a janela cuja parede foi detonada para criar um
buraco por onde as crianças escapassem.
“Não ouvi falar de ninguém que estivesse perto daquela parede e
tenha sobrevivido", conclui Rimma. “Tudo que nos resta agora e
enterrar Aza. Percorremos os endereços da lista como se fosse
um trabalho. Tentamos fazer com que as pessoas concordem."
Que respeito se pode ter por uma máquina estatal que reproduz
loucamente esses eventos cataclismicos por seus cidadãos?
Primeiro Nord-Ost, depois Beslan. O Estado se recusa a admitir
responsabilidade por qualquer coisa e furtivamente também se
esquiva de todos os seus outros deveres. Deve haver exumações?
Deixe que os mais vulneráveis se preocupem com isso. Vamos
colocá-los contra os outros, as famílias que enterraram seus
mortos e aquelas que não têm mortos para enterrar, e assim todos
se esquecerão de protestar contra Dzasokhov e Putin. Por muito
tempo os pais não exigirão um inquérito verdadeiro. Eles terão
outras coisas com que se preocupar.
O Estado se distanciou de tudo que aconteceu em Beslan
abandonando a cidade à loucura em seu isolamento. Mais
ninguém na Rússia quer saber do assunto.

12 de novembro
Em Moscou, o Congresso Nacional de Cidadãos reuniu
delegados de todas as partes da Rússia. Havia esperanças de que
ele se transformasse numa frente de salvação nacional, mas isso
não funcionou. A razão é simples: Georgi Satarov e Liudmila
Alexeieva, que organizaram o evento, não querem pisar nos calos
do Kremlin. Assim, sentados na mesa diretora, eles reprimem as
críticas "excessivas" a Putin e, em conseqüência disso, no final
das sessões, não há quase ninguém no auditório. Quando Gary
Kasparov, o líder da oposição que está começando a deixar sua
marca, subiu ao pódio para falar, as pessoas gritaram: "Kasparov
para presidente!" Os organizadores ficaram tão irritados com
aquilo, que marginalizaram Kasparov pelo resto do Congresso.
O centro do palco foi tomado pelas mesmas velhas figuras, que
reduziram tudo a uma conversa entre amigos, moldando o
Congresso à sua própria imagem.
A pergunta é: pode existir uma oposição democrática extrapar-
lamentar no presente? Caso venha a existir, ela será capaz de
manter a cabeça acima da água numa sociedade corrupta onde
somente aqueles que podem intermediar junto às autoridades
conseguem levantar fundos dos "patrocinadores"?
De qualquer maneira, quem poderia apadrinhá-la? Somente os
oligarcas e, como está aberta a temporada de caça aos oligarcas,
nenhum deles o faria, exceto Berezovski. Um elo financeiro com
ele enviaria eleitores para a direção oposta.
Há outro problema. O ódio não funciona como plataforma para
eleições parlamentares e luta política na Rússia. Os democratas
não podem construir sua campanha com base no ódio.
Com base em que eles podem construir, se não têm nenhuma
idéia positiva? Bem, eles precisam tê-las! A expectativa média de
vida na Rússia é de 58 anos e seis meses. Por que não tornar o
item principal da nossa plataforma eleitoral a exigência de fazer
com que as pessoas vivam pelo menos até os setenta anos?
Os liberais e os democratas estão chegando ao ano novo de 2005
como sonâmbulos políticos. Neste ano que se passou, desde que
foram massacrados nas eleições parlamentares, eles nem mesmo
conseguiram uma avaliação realista das razões pelas quais foram
derrotados.
Dissidentes e democratas tentaram por tempo demais fazer com
que o povo acreditasse que Ieltsin era um verdadeiro democrata.
Chegou um momento em que esse conto de fadas tornou-se
insustentável e "democrata" virou literalmente um palavrão: as
pessoas mudavam a palavra “demokat" para “dermokrat"
(merdocrata). Isso tornou-se comum não só entre comunistas e
stalinistas fanáticos, mas também entre a maioria da população.
Os "dermokrats" haviam dado à Rússia a hiperinflação, fizeram o
povo perder as economias trazidas dos tempos da URSS. E
levaram o país a uma crise monetária.
As pessoas não elegeram Ieltsin em 1996 porque acreditavam
nele, mas simplesmente como o menor de dois males; não porque
acreditassem em sua receita para levar o país adiante, mas porque
temiam o que poderia acontecer se os comunistas voltassem ao
poder. Os recursos do governo foram desavergonhadamente
explorados, as emissoras nacionais de televisão transmitiam
somente em favor de Ieltsin e eram, na verdade, suas chefes de
torcida. As pessoas se afastaram desgostosas quando viram como
os partidos "democráticos silenciavam a respeito daquele
simulacro de democracia. Muitos democratas chegaram a dizer
abertamente que era razoável sacrificar a verdade para salvar a
democracia.
Esse entusiasmo para sacrificar a democracia pegou e tornou- a
principal força que levou Putin ao poder depois que Ieltsin
Proclamou-o seu sucessor. O Kremlin assumiu o controle de toda
a cobertura de notícias pela televisão, com emissoras
independentes licenciadas somente para prover entretenimento,
mesmo quando centenas de pessoas estavam sendo mortas na
Tchetchênia.
E esse foi o fim. A eleição foi baseada em trapaça, fraude
coerção pelo Estado. Os democratas se mantiveram em silêncio
tentando se agarrar aos seus vestígios de poder localmente e na
Duma. Eles perderam o que restava de sua autoridade e o povo
russo é hoje indiferente a tudo que é político. Esse é o terrível
legado de 13 anos de democracia russa.

14 de dezembro
Um incidente em Blagoveschensk envolvendo três policiais
mascarados e os proprietários de um cassino local, dos quais o
prefeito tinha rancor, levaram a uma reação grotescamente
exagerada quando o vice-ministro do Interior da Bachkiria
enviou uma unidade de Operações Especiais composta por
quarenta homens. Armados de cassetetes e fuzis, eles desceram
na rua principal e começaram a arrastar e prender todos os
homens que encontravam nos cafés e estabelecimentos de jogo.
Os presos foram fotografados, tiveram suas impressões digitais
tiradas, foram espancados e forçados a assinar declarações em
branco.
As mulheres, depois de revistadas em público, foram levadas
para urna sala no primeiro andar da Diretoria de Assuntos
Internos da cidade. Os homens de Operações Especiais fizeram
fila na porta e testemunhas afirmam que meio balde de
camisinhas usadas foi retirado, depois, da sala. Nos quatro dias
subseqüentes, muitos homens foram espancados e muitas
mulheres estupradas. Os motoristas de táxi locais contam que os
milicianos mandaram que eles fossem buscar vodca e que os
gritos das garotas podiam ser ouvidos da piscina local. Mais
tarde, os ataques se espalharam pelas aldeias da vizinhança.
Seguiu-se uma maciça tentativa oficial de intimidar testemunhas
e ocultar a realidade do que aconteceu].

14 de dezembro
Um grupo de estudantes pertencentes ao Partido Bolchevique
Nacional entrou na área de recepção da administração
presidência na Travessa Bolshoi Cherkasski, fez uma barricada
num dos gabinetes do andar térreo e começou a gritar slogans
pela janela."Putin você sai!” "Putin, afunde com o Kursk!" e
assim por diante. Quarenta e cinco minutos depois, mediante os
esforços conjuntos do OMON e do Serviço Federal de
Segurança, todos foram brutalmente reprimidos. Lira Guskova,
22 anos, acabou em um hospital-prisão com uma concussão
grave; Ievgeni Taranenko, 23, teve o nariz quebrado pelos
soldados, e Vladimir Lindu, 23, que tem dupla cidadania,
holandesa e russa, sofreu ferimentos nas pernas.

PARTE TRÊS

Nossos invernos e verões de insatisfação

De janeiro a agosto de 2005

A Rússia atrás da Ucrânia, através da


Kirghizia
A Revolução Laranja Ucraniana* de dezembro de 2004 pôs um
fim na Grande Depressão política russa. A sociedade foi
arrancada de seu torpor: todos invejaram os ucranianos. "Em
nome de Deus, por que não somos como os ucranianos?”
perguntavam as pessoas. "Eles são como nós, só que..."
Cada um tinha seus próprios argumentos para provar que nós e os
ucranianos somos muito parecidos. Muitas pessoas que vivem na
Rússia são ucranianas puras, meio ou um quarto ucranianas. Na
União Soviética, não havia cidade mais próxima de Moscou que
Kiev e tudo em nossa maneira de viver estava tão misturado, que
não havia como separar. Mesmo depois do colapso da URSS, os
russos, em sua maioria, tinham certeza de que a Ucrânia
permaneceria um Estado adjunto e uma semicolônia e que
Moscou decidiria o que era melhor para Kiev.
Só que tudo ocorreu de forma diferente. Enquanto a antiga
capital imperial continuava se iludindo ao acreditar que sua ex-
colônia iria permanecer na linha, os ex-colonos passaram por
uma notável transformação e desenvolveram uma nação.
Porém, as paixões políticas da Revolução Laranja não se
espalharam como fogo pela Rússia; elas deram impulso ao
espírito de protesto. Tiraram as pessoas dos seus sofás para ao
menos pensar em manifestaçãoes; mas isso durou somente até
janeiro de 2005.
Milhões participaram de manifestações contra a lei para
substituir o extenso sistema de benefícios em espécie por uma
compensação monetária que entrou em vigor em 1 o de janeiro.
Havia esperanças de um renascimento da oposição democrática.
Em janeiro houve protestos gerais. Os doentes perderam o direi à
assistência médica gratuita. Os soldados perderam o direito de
enviar cartas para casa sem pagar a postagem, uma perda
monstruosa porque eles quase não têm dinheiro. Se seus pais não
puderem lhes dar o dinheiro, não haverá cartas em casa. As
grávidas perderam o direito à licença remunerada, uma péssima
solução para elevar nossa reduzida taxa de natalidade.
[No verão de 2004, quando a reforma foi aprovada pela Duma,
Anna estava em Ekaterinburgo, nos Urais. Ela escreveu o
seguinte:]

Aqui na província de Sverdlovsk, vivem 20 mil ex-soldados que


combateram na Guerra da Tchetchênia. Quase todos têm direito a
benefícios em espécie como antigos participantes da "operação
antiterrorismo". Eles vêem a reforma nos benefícios do governo
como uma cruzada contra eles.
Os "tchetchenos" aqui nos Urais mal conseguem se sustentar.
Ninguém quer empregá-los ou treiná-los e muitos se tornam
alcoólatras, drogados ou ladrões e acabam na prisão. Na aldeia de
Repino, eles formaram uma Associação de Ex-combatentes das
Guerras Tchetchenas dentro da prisão. Ela tem duzentos
membros.
Eles não são bem recebidos em instituições e hospitais gratuitos e
em geral não têm dinheiro para pagar pelos serviços de que
necessitam. Eles são expulsos como leprosos dos albergues,
transformam-se em párias e gravitam em seus próprios grupos,
comunidades e associações "tchetchenas". Em sua maioria, eles
vêem os privilégios materiais como sinal de algum respeito e
gratidão da sociedade, como compensação por vidas
interrompidas no seu início. A abolição desses privilégios e sua
substituição por uma ninharia em dinheiro é vista como um chute
final pelo Estado por meio do qual seus camaradas sacrificaram a
vida e eles sacrificaram a saúde.
Os feridos e incapacitados simplesmente irão morrer. Muitos
perderão empregos que mal conseguem manter. Os poucos que,
apesar de tudo, estão estudando perderão os privilégios educacio-
nais arrancados do Estado com um esforço imenso.
*
Ruslan Mironov é um jovem com incapacidade de Categoria 2.
Ele tem um sorriso simpático e aberto, pouco típico de um ex-
combatente "tchetcheno". Ele se comporta de forma discreta, não
usa medalhas no peito. Seria um rapaz comum, não fossem as
óbvias conseqüências de um sério ferimento na cabeça. Metade
do seu rosto está retorcida e ele tem problemas com os braços,
que tiveram de ser reconstituídos depois que ele foi ferido.
Estamos sentados numa pequena sala nas instalações de
Ekaterinburgo do Arsenal 32, uma das maiores associações para
ex-combatentes incapacitados em Sverdlovsk.
"Ruslan, você é auto-suficiente. Como conseguiu? O que perderá
em conseqüência da reforma?"
"Perderei tudo", responde ele,"e isso dói. Sou incapaz, mas não
me limitei a receber minha pensão e aborrecer os outros com
meus problemas. Faço alguns negócios e ganho em torno de cem
mil rublos (US$3.800) por ano. Lutei para conseguir a isenção de
impostos à qual os ex-combatentes têm direito, mas agora terei
de abrir mão de 48,5% da minha renda. É uma perda de 48.500
rublos, quase a metade. Meu negócio deixa de ter sentido comer-
cial. Ficarei pobre."
Além disso, Ruslan teve um incentivo financeiro para contratar
trabalhadores incapacitados, para sustentar seus camaradas
tchetchenos" que outros empregadores relutam em contratar. Eles
tem fama de trabalhar mal e criar problemas.
“Se um trabalhador incapacitado recebesse, digamos, 8.300
rublos [US$320] por mês", explica Ruslan,"ele não pagaria
impostos. Este privilégio também está sendo tirado. Ele terá que
dar ao Estado quatro mil rublos em imposto; em outras palavras,
duas vezes os dois mil rublos que irá receber através da
monetarização.
Esta não é uma política sensata com relação a pessoas
incapacitadas que não querem ser um peso para a sociedade. Eles
deveriam fazer o possível para nos apoiar, para que consigamos
nos desenvolver Por iniciativa própria, para não ficarmos em
casa sem fazer nada ou esparramados bêbados nos portões. Mas
agora eles estão nos forçando a ir para o lixo."
Ruslan continua: "Eu tinha o direito de viajar de avião e de trem
pela metade do preço no outono e no inverno. Isso era muito
bom porque meus pais vivem em Anapa, no mar Negro, e minha
sogra em Novosibirsk. Usei muito esse privilégio. E o direito a
dentes artificiais foi retirado. Quase todos nós voltamos da
Tchetchênia sem dentes. Há uma fila enorme no hospital. E
agora? O ‘pacote social’ para um incapacitado é de dois mil
rublos [US$80]: para aqueles que participaram de combates é de
1.500 [US$58]; as famílias daqueles que morreram recebem um
total de 650 [US$25]. Será impossível repor os dentes."
Sergei Domratchev, nascido em 1976, tem um pulmão perfurado.
Parte do seu crânio foi substituída por uma placa de titânio.
Apesar disso, Sergei é hoje um representante típico da classe
média de Ekaterinburgo. Ele dirige confiante pelas ruas em seu
modesto Zhiguli, vestindo um terno elegante e uma gravata
cuidadosamente escolhida. Ele é bem-cuidado, esbelto e
autoconfiante. É um prazer olhar para ele e escutá-lo. Ele é
casado com uma mulher de mente independente, culta e bela.
Sergei gosta do seu trabalho, concluiu o primeiro grau e está se
preparando para o segundo.
"De todas as pessoas que conheço que participaram de operações
de combate, somente uma em cada dez conseguiu se aprumar
depois da guerra. As outras bebem ou não fazem nada. Moram
com os pais e vivem à custa deles. Nós assustamos as pessoas. É
por isso que a maioria dos ‘tchetchenos’ trabalha como guardas
de segurança. Eles são contratados principalmente por ex-
combatentes ‘afegãos’ em empresas de segurança privada. Os
afegãos nos contratam, mas nem eles se entusiasmam conosco."
"Mas muitos ‘tchetchenos’ que não encontram lugar na vida civil
voltamà Tchetchênia sob contrato. Você não tem vontade de
fazer isso?"
"Posso viver sem voltar lá", responde ele rindo. "Mas
por que outros o fazem?"
"O motivo é perfeitamente claro. Você pode fazer o que quiser.
Pode atirar em quem quiser. Não há leis. É disso que eles gostam.
"Como você conseguiu não afundar a esse nível?"
Ele ri novamente: "Declarei independência do Estado. Houve um
momento, depois que voltei do massacre na Tchetchênia, em que
me dei conta de que poderia afundar com todos os outros ou
começar tudo de novo. Nunca uso minha medalha da Ordem do
Valor. Sobrevivi somente porque fingi esquecer tudo e comecei a
viver como se nada daquilo tivesse acontecido."
Ele teria atingido a frente de uma fila acelerada para acomoda-
ções do Estado em 2005, mas agora o privilégio foi abolido.
"Eu sempre soube que não se pode confiar em nossas autori-
dades. Elas sempre enganam", diz Sergei. "É claro que é uma
vergonha perder todos esses benefícios, especialmente a
prioridade para uma habitação. Será uma pena se tudo desabar."
Sergei me mostra o minúsculo apartamento alugado por ele e sua
mulher. "Ainda não posso comprar um apartamento. Trabalho
muito, mas reconheço que não consigo ter vários empregos ao
mesmo tempo. Também não espero consegui-lo no futuro. No
momento, ao menos estou trabalhando, mas a placa em minha
cabeça precisa ser trocada. Preciso de dinheiro, preciso ganhá-lo
e guardá-lo para o período posterior à operação."
Vivemos em um Estado muito incomum. Ele gosta de levar as
pessoas a um beco sem saída, mesmo aquelas que são capazes e
querem realmente fazer seu próprio caminho. A pergunta é: que
espécie de cidadãos esse Estado prefere? Uma massa de ociosos
bêbados ou pessoas que procuram ter uma vida ativa? Hoje o
Estado está empobrecendo deliberadamente aqueles que deveria
estar ajudando a se levantar. Ele obriga à penúria até aqueles que
conseguiram se erguer, ao mesmo tempo que proclama que o
combate à pobreza é a nova prioridade do presidente. A reforma
dos benefícios pode ser a gota d'água para pessoas cuja vida foi
interrompida por essas mesmas autoridades. Muitos dos
"tchetchenos" dizem que será difícil engolir esta reforma.
"Sobrevivência dos mais aptos?" Esta não é a abordagem ideal ao
bem-estar social. Os mais fracos devem simplesmente morrer?
Nadejda Suzdalova tranca seu filho em casa quando vai trabalhar
na casa de caldeiras da aldeia. O filho tem 28 anos e é um ex-
combatente com incapacidade da Categoria 1: paralisado do
tórax para baixo; uma cabeça falante com braços, os cotovelos
como único apoio do corpo. Eles vivem na remota aldeia de
Karpu-chikha, na densa floresta dos Urais. O centro regional é
Kirovgrad, a 38 quilômetros através de uma trilha na floresta. É
de lugares como este que os rapazes são mandados para lutar no
Cáucaso. Suas mães não se atiram nos trilhos para salvar os
filhos.
É para esses lugares horríveis que eles voltam da guerra.
Karpuchikha é hoje o refúgio para todos os elementos anti-
sociais que, incapazes de se adaptar aos novos tempos, foram
expulsos de Ekaterinburgo por atraso de vários anos no
pagamento de aluguéis Na entrada do prédio de apartamentos
onde vivem os Suzdalov, há uma massa de bêbados, vagabundos
e drogados. Eles ficam por lá gritando, xingando, agarrando-se
uns aos outros pelas pernas e chutando. Eles roubam o que
houver para roubar: bacias, escovas, bules jarros. É por causa dos
"vizinhos" que Nadejda precisa trancar Tolia. Ele não seria capaz
de impedir que eles roubassem.
Há muito pouco ali, mas, se eles roubassem uma bacia ou uma
torneira, não haveria como substituí-la. Tolia e sua mãe vivem
com o benefício para incapacitados de 1.200 rublos [US$46]
mensais. Nadejda não recebe seu salário há mais de seis meses.
A história de Tolia é típica: "Ele chora à noite." Ao me contar
isso, Nadejda também começa a chorar. Ela está exausta de
cuidar do seu filho paralítico. "Mas o que se pode dizer? Eu
costumava falar a Tolia para reagir, deixar de beber, mas agora é
tarde demais. Tudo isso ficou para trás."
Tolia deixou a escola e foi imediatamente enviado à Tchet-
chênia. Voltou uma completa ruína mental, como todos eles. Sem
qualquer tipo de reabilitação, foi enviado de volta diretamente a
Karpuchikha, onde a única reabilitação é o alcoolismo e o vício
em drogas.
Pouco depois Tolia ficou furioso e destruiu uma barraca de feira
em Levikha, a aldeia vizinha. No tribunal, os comerciantes
disseram estranhar o fato de que ele nada roubou, nem atingiu
ninguém. Assim ele foi parar na cadeia, como mais da metade
dos "tchetchenos" na província de Sverdlovsk. Ele foi libertado
por uma anistia e recomeçou a beber. Em pouco tempo, estava
paralisado. Os médicos disseram à mãe que não criasse confusão.
Ele não iria durar cinco dias. O diagnóstico deles foi "infecção
neurológica grave".
"Na verdade, ele está vivo há mais de um ano", diz sua mãe,
sentada em um banco baixo ao lado da cama. Há felicidade nos
olhos dela. "No começo, só eu podia alimentá-lo, mas ele
começou a comer sozinho."
Não obstante, a doença de Tolia é grave e incurável. O diagnos-
tico foi HIV Onde ele a contraiu, em Karpuchikha ou no hospital,
ninguém sabe. A única coisa que seu país é obrigado a fazer é
permitir que ele viva sua vida com dignidade. O quarto em que
ele fica é limpo, mas o cheiro de quarto de doente não sai. A
urina flui para um saco preso à cama. Tolia está coberto de
feridas e infecções, e seu sistema imunológico não consegue
combater.
"Que fazer? O que comer? Seus cateteres são trazidos por uma
ex-colega de escola. Ela trabalha na clínica de câncer e os furta
para ele. Não podemos comprá-los", diz Nadejda.
Um veterano inválido só pode contar com uma seleção ridícula
de medicamentos irrelevantes; pelos medicamentos essenciais,
ele precisa pagar. O custo dos medicamentos de que Tolia
necessita excede muitas vezes o "pacote social". “E há os
cateteres. Eles entopem constantemente. Ele precisa de um
colchão para não ficar com feridas. Não sei o que fazer."
"Nenhum dinheiro chegará até nós, porque nunca chega", diz
Tolia. "Não acredito numa palavra do que o governo diz." Em
seus olhos calmos, vê-se que ele está preparado para morrer.
É difícil acreditar que Karpuchikha está no mesmo país de
Moscou, ou mesmo Ekaterinburgo. Nem um único assistente
social visitou Tolia no ano e meio em que ele está preso ao leito.
A cadeira de rodas dada a ele no hospital de ex-combatentes
incapacitados em Ekaterinburgo está num canto e não é usada.
Não há ninguém para ajudá- lo a descer do seu quarto no
primeiro andar para tomar ar.
E bom escrever histórias edificantes a respeito de pessoas que
lutaram para ter um futuro decente, apesar da desesperança e da
brutalidade da vida na Rússia; mas a verdade é que há muito
mais histórias como a de Tolia, pessoas fracas no fundo da pilha,
que só podem sobreviver no remoto cenário provinciano dos seus
últimos dias se receberem apoio social. Reter o custo integral do
tratamento médico de pessoas como Tolia equivale a sentenciá-
las à morte. A máquina do Estado torna-se um agente de seleção
natural.
Estamos no meio do dia. Um bêbado com um olho preto e as
calças arriadas agarra uma mulher corpulenta e desgrenhada com
uma saia curta o suficiente para revelar suas coxas inchadas.
Uma multidão de espectadores gargalha sob a janela de Tolia,
mas ninguém olha para cima. Aqui ou você é um colega bêbado
ou não tem interesse para ninguém. Aqui, nas florestas remotas
da Rússia.
Revda é uma cidadezinha na rodovia Ekaterinburgo-Moscou.
É difícil gostar do lugar. É um território de política extremada,
onde o ídolo é Jirinovski, o espertalhão que ganha dinheiro
explorando os perdedores saudosos dos bons e velhos dias da
União Soviética. Poeira, bebedeira e drogas. As prostitutas ficam
nas margens da estrada, com idades que variam de 12 a 56 anos,
e custam de 50 a 300 rublos [US$2 a 12], de acordo com um
homem combativo. É Andrei Baranov, vice-presidente da Seção
de Revda do Sindicato Provincial de Sverdlovsk de Ex-
combatentes de Conflitos Locais. Baranov não é nenhum Tolia.
"Eu cuido da minha vida", jacta-se Baranov. "Joguei fora minha
carteira de trabalho. Para que serve? Ninguém nos dá emprego.
Muitos de nós têm ferimentos na cabeça; somos imprevisíveis.
As pessoas têm medo de nós."
"Provavelmente não sem razão. Você é agressivo?"
"Não, apenas vemos a injustiça antes das outras pessoas. Metade
de nós está na prisão por isso. Setenta e cinco por cento se torna-
ram alcoólatras. É preciso uma esposa heróica para suportar
nossos rapazes, mas algumas o fazem. Não confio nem um pouco
no Estado. Confio em Jirinovski."
"Como você ganha a vida?"
"Nós nos organizamos e fazemos escolta de cargas. Diretamente,
sem carteira de trabalho."
"Então você está no ramo de venda de proteção?"
"Por que você pensa nisso imediatamente? É só que o governo é
totalmente inútil. Por que trabalhar para ele? De qualquer forma,
vender proteção é uma coisa antiga. Ajudamos pessoas a fazer
negócios."
Baranov e os "tchetchenos" em Revda criaram um departamento
privado de tributação ilegal. Entre seus "clientes", esta a empresa
local de táxis. Estamos conversando no seu decrépito escritório
perto da estação ferroviária de Revda. O apito das locomotivas
enfatiza a agudeza da nossa conversa, a confusão nas mentes
danificadas dos "tchetchenos" sentados à nossa volta, a ira de
Baranov com relação ao resto do mundo e o fato de ele acreditar
que está lutando por justiça em seus próprios termos.
"Você usa os benefícios do bem-estar social?"
"Nunca. Cuidamos de nós mesmos. No trem para Ekaterinburgo,
organizo minha viagem gratuita. Subo no trem, mostro minha
carteira de militar, o que deixa claro que participo de operações
de combate, e o inspetor de bilhetes vai em frente. Eles ficam
longe de mim."
"Não valeria a pena conseguir educação formal?"
"Para quê? Não, obrigado."
Peço-lhes que encontrem um "tchetcheno" sóbrio para conversar.
O tempo passa. No fim da tarde, em Revda, não há nenhum.
Valeri Mokrousov, um amigo de Baranov que lutou na Guerra do
Afeganistão e é presidente da Associação de Ex-combatentes,
entra e sai. Ele é constantemente distraído por telefonemas.
Quando nossa conversa na estação ferroviária está terminando,
ele menciona: "Acabei de tentar falar com Oleg Donetskov, mas
a mulher dele me xingou. Ele está caído de bêbado. Ele combateu
em ambas as guerras na Tchetchênia e sofreu uma concussão."
"Concussão? Ele não deveria beber!"
"Bem, o que você espera?" Baranov retorna à discussão, atirando
suas palavras diretamente para mim. "Você tem uma opção: ou
toma vodca ou volta para a Tchetchênia. Eu voltei sob contrato."
"Para quê?"
"Para tirar férias. Para fugir do seu modo de vida civil. Aqui, eu
sei onde estou. Aqui não há nada senão problemas. Todos os
nossos rapazes estão em busca da verdade e não a encontram.
Quando volta de lá, você vê as coisas com clareza. Tudo aqui é
podre. Irmão abandona irmão. É uma merda completa. Lá todos
são honestos: estamos aqui, o inimigo está lá - lute e atire!"
Viatcheslav Zikov, presidente da Associação de Ex-combatentes
da Província de Sverdlovsk, serviu como motorista de ambulân-
cia na atual guerra. Ele confirma o que Baranov está dizendo.
Setenta por cento dos nossos rapazes tentam voltar para lutar
novamente. Por desespero. Mas somente uns 30% são
selecionados como soldados contratados."
Você ouviu falar que os benefícios estão sendo abolidos?"
Quem se importa? Isso não irá salvá-los." Esse prognóstico vem
de outro indivíduo. "Somos a favor de Jirinovski. Teremos um
movimento patriótico em andamento; tirar os garotos das ruas e
colocá-los em clubes de soldados patriotas. Se lhes mostrarmos o
caminho, as coisas poderão dar certo."
“Dar certo como?"
“Com uma monarquia."
"Mas como vocês podem ensinar alguém se vocês não estão
bem?"
"Perdi 360 rapazes no ataque a Grozni. Só que não podemos
escrever sobre isso." "Por que
não?"
"Porque uma coisa dessas ‘não pode acontecer’. Todos mentem
sobre a Tchetchênia. Participei das ‘limpezas’ depois do ataque a
Komsomolskoie, sabe o que quero dizer? Mas nós somos os
únicos que precisam lidar com isso. É por isso que estamos
lutando por justiça."
"Por que você voltou à Tchetchênia, se sabe que isso só piora as
coisas, para vocês e para todos os outros?"
Felizmente ele não respondeu à pergunta. Se alguém na Rússia
conseguir transformar esta comunidade de "tchetchenos" em ação
política, será o fim.
1 o de janeiro de 2005
Na cidade tchetchena de Urus-Martan, três garotos fugiram para
lutar na Resistência. Eles deixaram bilhetes para os pais,
explicando que não podiam mais agüentar a ilegalidade e não
viam outra maneira de punir os malfeitores.

9 de janeiro
Outros quatro jovens de Urus-Martan, com idades entre 25 e trin-
ta anos, fugiram para se juntar à Resistência. Em janeiro, houve
um número recorde de recrutas. Isso é uma resposta às brutais
limpezas em grande larga escala dos seis últimos meses.

12 de janeiro
Em 12 de janeiro, Ramzan Kadirov, o lunático vice-primeiro-
ministro da Tchetchênia, partiu com uma coluna de cem a 150
jipes para atacar os daguestanis. Quando chegaram à fronteira
entre a Tchetchênia e o Daguestão, os policiais em serviço
fugiram aterrorizados. As tropas de Kadirov detiveram e depois
libertaram ochefe de polícia regional.
Foi uma típica bravata em retaliação à breve detenção da irmã de
Kadirov.

14 de janeiro
Aslan Maskhadov, presidente da República Tchetchena de
Itchkeria, anunciou um cessar-fogo unilateral de um mês. Ele
ordenou que todos os seus grupos armados cessem as
hostilidades até 22 de fevereiro.
O que isso significa? Desgaste de inverno? Uma tentativa de
ganhar a boa vontade porque ambos os lados estão cansados da
carnificina e devem parar? Ou ele está testando sua autoridade? É
preciso supor que haja um pouco das três alternativas. Ao
anunciar o cessar-fogo, Maskhadov está, antes de mais nada, se
testando e com muita coragem, porque está agindo publicamente.
Não é segredo que muitas pessoas dão de ombros quando ouvem
falar em Maskhadov e perguntam quem ele de fato controla.
Os motivos para esta falta de confiança são óbvios; Maskhadov
se mantém nas sombras. Por muitos anos, ele tem se recusado a
ver jornalistas, temendo ter o destino de Ahmad-Chakh Masud,
do Afeganistão, morto por jornalistas especialmente enviados
para este propósito. Por enquanto, o auto-exame de Maskhadov
não está indo bem. O uso de minas terrestres contra os federais
não está diminuindo e, seja lá quem o estiver planejando, não
está dando atenção ao cessar-fogo.
Esse também é um teste para um Kremlin que não é notável por
suas respostas corajosas.
O primeiro a levantar a voz contra o cessar-fogo foi,
naturalmente, Alu Alkharnov, o "presidente da Tchetchênia"
indicado pelo Kremlin. Ele anunciou que não iria negociar com
Maskhadov, mas estava preparado para negociar com os rebeldes
a respeito de uma entrega unilateral de armas. O Kremlin
simplesmente se recusou a reagir ao cessar-fogo. Se você não é a
favor da paz, é a favor da guerra.
Para enfatizar sua estupidez, o Kremlin decidiu anunciar que,
quando pusesse as mãos em Maskhadov e Basaev, prenderia
ambos. As acusações contra Maskhadov incluem "evidências de
que Basaev instruiu os terroristas de Beslan para que incluíssem
entre suas exigências a abertura de negociações com Maskhadov"
(Niko Chepel, vice-procurador-geral).

15 de janeiro
As mães dos soldados mortos na Tchetchênia enviaram de volta I
Putin sua "compensação" mensal de 150 rublos [US$6] em
protesto contra a retirada dos benefícios em espécie.
Antes de 1° de janeiro, as mães cujos filhos haviam sido sacrifi-
cados no norte do Cáucaso tinham direito a tratamento médico
gratuito, viagens gratuitas em transportes públicos, uma
passagem de trem, avião ou navio pela metade do preço por ano;
elas também pagavam a metade do preço pelos serviços de
telefone e televisão e tinham direito a um empréstimo em
condições preferenciais e a um lote grátis de terreno.
Isso era inteiramente justo. Na maior parte dos casos, o Estado
usa os filhos das famílias mais pobres para combater na
Tchetchênia. Muitas vezes a mãe é solteira. As pessoas que estão
bem de vida e têm alguma influência resgatam seus filhos da
infelicidade do serviço no exército e certamente do serviço na
Tchetchênia.
As manifestações contra a monetarização estão crescendo.Todos
os dias as pessoas devolvem os pagamentos. Causas políticas não
produzem nada como a reação a uma política que atinge o bolso
das pessoas e Putin pouco tem a temer. Ele lhes atirará algum
dinheiro, o povo russo não conseguirá tirá-lo do poder e suas
agressões serão dirigidas contra qualquer estranho que esteja na
vizinhança.

17de janeiro
O primeiro referendo da Rússia via Internet está em andamento
no site www.skaji.net [Skaji net! significa "Diga não!" em russo].
Essa é uma iniciativa clássica. Alguns estudantes do Instituto
Superior de Economia se reuniram e decidiram convidar os cida-
dãos a votar na Net sobre duas questões:
1. Lei 122 (abolindo os benefícios em espécie);
2. Falta de confiança no governo.
Recebi um telefonema de Alexander Korsunov, o líder da equipe,
que solicitou apoio.
"Mas quem é você?”, perguntei. "De que partido é você?"
"Não sou ninguém. Estamos apenas fazendo o referendo."
Os estudantes que conceberam o projeto não pertencem a
nenhum partido político em especial, embora sua iniciativa tenha
posteriormente recebido apoio formal do Iabloko, do Rodina e do
Partido Comunista.

Os estudantes escreveram:
Consideramos a Lei 122 um insulto aos nossos idosos no ano em
que comemoramos o sexagésimo aniversário da vitória na
Segunda Guerra Mundial. O governo pôs em descrédito a idéia
saudável da monetarização dos benefícios. O único meio legal de
proteger nossos direitos hoje é um referendo no qual possamos
expressar nosso protesto. Os estudantes têm sido a parte
socialmente mais ativa da população, reagindo efetivamente aos
acontecimentos na Rússia. Convocamos todos vocês para que se
juntem a nós.
Milhões de pessoas votaram on-line contra a lei e a política do
governo, mas onde estes e outros milhões desaparecem quando
não podem se esconder por trás do anonimato? O medo os torna
invisíveis.
As manifestações de protesto são particularmente fortes em São
Petersburgo, Tver, Tiumen, Samara, Perm e em Khimki, na
província de Moscou. As pessoas estão saindo às ruas,
bloqueando as estradas, fazendo piquetes em prédios e
ameaçando as autoridades com mais protestos. O motivo é que a
Lei 122 está começando a doer nos bolsos.
Em São Petersburgo, a polícia tentou prender membros do
Iabloko e do Partido Bolchevique Nacional. Depois da reunião,
um Pensionista idoso foi preso e brutalmente espancado em um
posto da polícia. Pela manhã, a polícia prendeu Vladimir
Soloveitchik, membro do Comitê de Ação Conjunta, que vem
coordenando as “manifestações de protesto. Também prendeu
oito membros do partido Bolchevique Nacional que haviam
tomado parte na maninifestação em Gatchma.

19 de janeiro
Se os protestos contra a Lei 122 continuarem no nível atual, está
claro que haverá uma crescente coincidência entre os interesses
dos manifestantes e aqueles da policia enviada para pacificá-los.
Em sua maioria, os que trabalham para os órgãos de segurança
também estão perdendo benefícios. Seus salários são tradicional-
mente baixos — eles não ganham mais de 3.000 rublos por mês
(menos de US$120). Esses protestos estão tendo lugar em
grandes cidades e a maioria dos policiais vive nos subúrbios. Até
este mês, eles tinham transporte público de graça. Surgiram
relatos de pedidos de demissão em massa na polícia de Moscou.
Um policial se matou quando estava de serviço no centro de
Moscou, guardando os escritórios da Diretoria para a Luta Contra
o Crime Organizado; ele havia contado aos colegas que não
podia mais alimentar sua família. O Ministério da Defesa
notificou oficialmente o Soviet da Federação de que uma
pesquisa realizada este mês mostrou que 80% dos oficiais estão
insatisfeitos com a lei sobre benefícios e somente 5% dos oficiais
consideram satisfatória sua situação material.
Suspeito que as autoridades do Estado estão começando a prestar
atenção porque elas sabem que, além das forças de segurança,
ninguém as apoia. Elas começaram a oferecer subsídios e com-
pensações para reduzir a inquietação. Elas viram policiais se
recusando a espancar manifestantes e isso as fez lembrar da
Revolução Laranja da Ucrânia, onde as forças de segurança se
recusaram a atirar no próprio povo e mudaram de lado. Aquele
foi o momento decisivo.
Em Moscou, foi montada uma coalizão de organizações
voluntárias: a Solidariedade Social (SOS). Ela convocou pronta-
mente manifestações em toda a Rússia em 10 e 12 de fevereiro,
"Dias Nacionais de Ação Conjunta" contra a política anti-social
das autoridades. A SOS é uma organização pró-comunista e os
democratas mais uma vez perderam o barco. Ela está exigindo o
repúdio à Lei 122, o aumento das pensões em 100%, a reforma
do sistema fiscal em favor das regiões e dos grupos de baixa
renda da população, a demissão de todos os deputados do RU e
dos membros do governo.
Ninguém queria fazer confusão a respeito do verão e do outono
últimos. Foi somente quando os benefícios foram de fato retira-
dos e os pensionistas ficaram impossibilitados de usar o
transporte público com suas carteiras que os protestos decolaram.

22 de janeiro
Neste sábado, também houve manifestações. Outras pesquisas de
opinião realizadas em janeiro dizem que 58% dos que antes
gozavam dos benefícios em espécie apoiam os manifestantes. A
pesquisa foi feita pela emissora estatal de televisão Canal Um.
Em Krasnoiarsk, mais de 3.000 pessoas protestaram contra um
aumento nos preços da eletricidade. A partir de 1° de janeiro, um
cliente pode usar somente 50 quilowatts-hora por mês; qualquer
valor acima deste será cobrado pelo dobro da tarifa. Na maior
parte dos prédios residenciais em Krasnoiarsk, o aquecimento
central é extremamente ineficiente e, como a Sibéria é muito fria
no inverno, as pessoas não têm opção a não ser deixar seus
aquecedores elétricos ligados. Não há como usar somente 50
quilowatts-hora por mês - as pesquisas sugerem que um cidadão
médio usa duas a três vezes mais que isso.
Em Ufa, quase 5.000 pessoas compareceram a uma reunião no
centro da cidade para exigir que o presidente Murtaza Rakhimov
repelisse a monetarização na Bachkiria até 20 de fevereiro ou
então pedisse exoneração. Depois da reunião, pensionistas
vestindo roupas laranja bloquearam uma das ruas principais.
Desfraldando as bandeiras laranja da revolução ucraniana, eles
começaram a colher assinaturas para um referendo sobre a
eleição direta de prefeitos nas cidades da Bachkiria.
Em Moscou, dez ativistas daVanguarda da Juventude Vermelha
foram presos por "tentar marchar até o prédio da administração
presidencial", embora eles tenham sido presos perto da Estação
de Bielorusski, situada a dois ou três quilômetros de distância.
Tinha havido uma manifestação contra a monetarização na
estação, organizada pelos comunistas, à qual compareceram de
3.000 a 4.000 pessoas. Muitos jovens e o Partido Bolchevique
Nacional também participaram. Seus slogans eram "Viagens de
graça para os policiais e soldados”,"Parem de roubar os
pensionistas", "Fora com a lei para ex-combatentes”,”Abaixo o
regime Putin!”, “Abaixo a claque de El Puta!"
O motivo formal para a detenção dos vanguardistas é que havia
sido dada a permissão para o encontro dos comunistas, mas não
para uma marcha posterior. Todos aqueles que foram presos
foram espancados.
O protesto nas ruas está se tornando cada vez mais esquerdista e
nacionalista. Os democratas comparecem aos encontros de pro-
testo, mas se comportam como se estivessem fazendo um favor a
todos. Eles não são populares.
De acordo com a pesquisa social de janeiro realizada pelo serviço
de pesquisas de opiniãoTsIOM, do Kremlin, o slogan "Rússia
para os russos" recebe total apoio de 16% da população, que
consideram que "isto deveria ter sido feito há muito tempo"; 37%
consideram que "não deve ser ruim implantar isso, mas dentro de
limites razoáveis”. 16 + 37 = 53% de fascismo, porque essa
política não pode ser implantada "dentro de limites razoáveis".
O único raio de esperança é que 25% se opõem à idéia. Eles
acreditam que "Rússia para os russos" é uma idéia fascista.
A mesma pesquisa mostra um motivo muito russo para quererem
expulsar as minorias étnicas. É porque, na opinião de 39% dos
entrevistados, eles vivem melhor do que os russos. Somente três
regiões da Federação - Moscou, a província de Tiumen e
Tatarstan — têm um padrão de vida comparável ao da Europa.

23 de janeiro
As autoridades estão despertando para o fato de que precisam
fazer alguma coisa a respeito desses protestos. Os canais de
televisão estatais começaram a veicular propaganda para explicar
por que a nova lei de monetarização é boa e pensionistas idosos
dizem como estão satisfeitos com tudo.
Alexander Jukov, o primeiro vice-primeiro-ministro, é o prin-
cipal defensor da lei. Aqui está um exemplo: "Há protestos onde
os pagamentos recebidos dos orçamentos regionais são inferiores
ao custo real dos benefícios abolidos. Porém, quando esta lei foi
aprovada, foi acordado que as regiões com recursos suficientes
podem fazer pagamentos mais altos, caso o queiram."
Este é o principal objetivo das autoridades do governo central
transferir a culpa para as autoridades regionais, apesar de oitenta
das 89 regiões totalmente dependentes dos subsídios que
recebem do orçamento federal.Jukov se baseia no fato de que a
maioria das pessoas simplesmente não sabe como funciona o
financiamento.
Mikhail Zurabov, o ministro da Saúde e do Desenvolvimento
Social, está sempre dizendo para as pessoas não se preocuparem.
"Quantias adicionais estão sendo alocadas do orçamento federal.
Em 2004, a despesa com benefícios foi de 100 bilhões de rublos
[US$3,84 bilhões], mas, em 2005, estamos alocando 300 bilhões
de rublos [US$11,6 bilhões]. Estamos apenas terminando os
detalhes. A decisão será tomada hoje ou na segunda-feira."
Zurabov afirma que a Lei 122 foi introduzida para regularizar a
entrega de benefícios. Ele diz que, apesar de as pessoas terem
benefícios em espécie, não era alocado nenhum recurso
financeiro para eles. “Precisamos tornar as pessoas livres e
independentes do Estado e para isso precisamos melhorar sua
situação financeira."
Isto é bobagem: o novo sistema é tão oneroso e administrado em
excesso, que falar de liberdade é casuísmo. Os idosos precisam
ficar em filas por quatro horas para receber o dinheiro para um
mês de ônibus! No mês seguinte, eles têm de fazer tudo de novo.
Não há dúvida de que o velho sistema de bem-estar social era
incômodo e tinha muitos defeitos, mas o novo sistema é pior e,
além disso, está causando grandes dificuldades financeiras a
milhões de pessoas.
Outra alegação constante na televisão é que as manifestações de
protesto estão sendo organizadas pela máfia que controla as far-
mácias e o sistema de transportes. Dizem que a oposição está
explorando a situação para marcar pontos políticos. A oposição
democrática, ao contrário, não está tentando marcar pontos,
embora pudesse e devesse fazê-lo.

25 de janeiro

O Comitê Diretor do Congresso dos Cidadãos Nacionais realiza


Uma reunião no Clube dos Jornalistas de Moscou.
Neste festival de democracia, tudo se degenera numa discussão
infrutífera a respeito de quem é a pessoa mais importante.
Boris Nadejdin está tentando montar uma proposta para assumir
o controle da União de Forças de Direita. Os partidários do
Iabloko procuram se comportar como proprietários do empree
dimento. Há muita gritaria, mas nada de ação. Liudmila
Alexeieva na presidência, faz oposição. Gary Kasparov diz que
está cansado de tudo e, com razão, aponta irregularidades no
procedimento para a adoção de resoluções.
Kasparov sai antes do fim da reunião. Ele fica no corredor por
muito tempo, reclamando que os democratas mais uma vez estão
perdendo o barco. O barco já está transportando o povo da Rússia
para um estágio diferente e a orquestra à espera para saudá-lo lá
não é o Congresso dos Cidadãos.
Só São Petersburgo conseguiu reunir todos os partidos e movi-
mentos de oposição numa assembléia consultiva denominada
Resistência dos Cidadãos de Petersburgo. Ainda mais
surpreendente é o fato de ela estar em ação todos os dias.
As manifestações em São Petersburgo são as mais vigorosas e
abertas do país; Putin é menos apreciado em sua cidade natal. A
Resistência dos Cidadãos de Petersburgo está exigindo a
restauração das eleições de governadores, a dissolução da Duma,
a abolição da Lei 122, a exoneração do presidente e do governo,
o aumento das pensões e a abolição da censura na televisão
estatal.

27 de janeiro
Os manifestantes de São Petersburgo formaram um corredor vivo
na entrada da Assembléia Legislativa da cidade na praça Santo
Isaac. Quando os deputados chegavam, tinham de passar pelo
corredor e ouvir os gritos de "Vergonha do Rússia Unida",
"Vergonha desta Duma", “Fora Putin!" Uma das manifestantes
queimou sua carteira de membro do RU diante da porta da
Assembléia.

28 de janeiro
Estamos discutindo o que está acontecendo no Congresso dos
Cidadãos com Liudmila Alexeia. Ela admite que não tem muita
esperança a respeito do Congresso. "Então por que perder
tempo?"
"Quem sabe — pode ser que funcione!”, responde ela.

30 de janeiro
Da Internet: "E agora, Camaradas Deputados, todos aqueles que
votaram a favor da eleição de Vladimir Vladimirovitch para czar
dem abaixar as mãos e sair de perto da parede."
Há um ano, nenhuma piada como esta estava circulando.
Estávamos na era da Grande Depressão política. As pessoas
tinham medo do poderoso Putin, que havia acabado com a
oposição.
Sempre que há uma crise aguda, Putin se recolhe e só quando a
poeira assenta é que ele sai para fazer uma declaração neutra.
Agora ele é visto como uma piada? Ou será que estão resignados
com ele, prevendo um retorno ao Período de Estagnação, e com o
riso, como fizeram na época de Brejnev, na privacidade das suas
cozinhas? Parece que preferimos uma revolução vinda de cima,
quando alguma coisa impede os que estão no topo de continuar à
velha maneira.
1o de fevereiro
Uma pesquisa de opinião feita pelo Centro Analítico Iuri Levada,
encomendada pela Fundação Veredicto do Povo, constata que
70% dos entrevistados não confiam nos órgãos de cumprimento
da lei e os vêem com apreensão. Setenta e dois por cento
acreditam que podem sofrer em conseqüência da falta de
responsabilidade desses orgãos. Somente 2% declararam que não
há problemas de arbitrariedade nos órgãos.

2 de fevereiro
A Duma deu permissão ao exército para realizar operações
dentro do país. Que esforços foram feitos no período de Ieltsin
para garanto que as Forças Armadas não pudessem se voltar
contra cidadãos russos! Agora estamos de volta à situação da
URSS. Uma emenda ao artigo 10 da lei federal "Sobre Defesa"
diz: "As Forças Armadas a Federação Russa podem ser
empregadas para neutralizar atividades terroristas usando
recursos militares" (Adendo à lei "Sobre Defesa). Ela está
incluída no chamado "pacote Beslan de leis anti-terrorismo O
único grupo a expressar preocupação com o uso do exército de
forma imprópria, caso esta emenda fosse aprovada, foi o dos
comunistas. Eles foram postos de lado.
O governo sufocou a onda de protestos antimonetarização dando
dinheiro às regiões.
Porém, o movimento islâmico clandestino está ganhando força.
O Islã extra-oficial está se tornando cada vez mais atraente para
os jovens, devido às políticas religiosas míopes do Kremlin.
Depois de Beslan, o Kremlin decidiu reviver os métodos
soviéticos de contenção do Islã. O FSB assumiu a
responsabilidade para lidar com ele assim como sua encarnação
anterior, a KGB, fizera nos dias da União Soviética. Os serviços
de inteligência promoverão os muçulmanos "domados" e
colocarão os outros na cadeia. O resultado será o mesmo que foi
sob o comunismo: a formação de grupos religiosos clandestinos.
Nesta manhã, Iermak Tegaev, 48 anos, diretor do Centro de
Cultura Islâmica de Vladikavkaz (capital da Ossétia do Norte, a
cerca de 20 quilômetros de Beslan), viu-se na prisão por ter
infringido o artigo 222 do Código Criminal, por "guardar
materiais explosivos e componentes afins".
"Por volta das seis da manhã, soldados invadiram nosso aparta-
mento", conta-me Albina, sua mulher. "Meu marido estava lendo
o Alcorão e eu estava no banheiro. Quando ouvi ruídos, abri
parcialmente a porta e vi um fuzil apontado para mim. Havia
pessoas mascaradas e com capacetes por toda parte, cerca de
vinte. Eles me arrastaram para fora do banheiro quase nua e por
muito tempo não deixaram que me vestisse. Para nós, isso não é
permitido. Meu marido estava no chão com três pessoas sentadas
nele. Comecei a gritar para chamar os vizinhos - pensei que os
homens fossem ladrões -, mas eles não permitiram que os
vizinhos entrassem e começaram sua busca. Meu marido lhes
disse que não podiam efetuar uma busca sem um advogado, mas
eles haviam trazido suas próprias ‘testemunhas’ e começaram
pelo banheiro. Por três ou quatro vezes, eles olharam exatamente
no mesmo lugar e suspeitei de algo ruim. Nossa casa foi
revistada várias vezes recentemente e temíamos aquilo.
"Procurei ficar de olho neles o tempo todo, para evitar que
plantassem alguma coisa, mas então eles pegaram as chaves do
nosso carro e foram até onde estava estacionado. Mandaram que
meu marido se vestisse e fosse para fora. Nós nos recusamos a
nos aproximar porque sabíamos que eles já tinham plantado o
que queriam, eles abriram o porta-malas e disseram que havia
explosivos lá. Então telefonaram a apareceu uma pessoa com
uma câmera de vídeo que começou a nos filmar. Depois eles
levaram embora meu marido."
A família e os amigos dele, mais Suleiman Marniev, o imã da
mesquita central de Vladikavkaz, estão convencidos de que os
explosivos foram plantados. As autoridades querem encarcerar o
presidente do Centro Cultural Islâmico, de preferência por muito
tempo, para neutralizar um líder não-oficial da comunidade
muçulmana cuja existência não lhes agrada. Seu único crime é
sua popularidade entre os companheiros de crença, em especial
os jovens, e o fato de ele não colaborar com a Diretoria
Republicana do FSB.
De que tipo de colaboração estamos falando? E o que é o Centro
de Cultura Islâmica de Vladikavkaz, para que seu líder enfrente
tantos dissabores?
Formalmente, o centro é somente uma das associações públicas
da Ossétia do Norte. É um clube religioso cujo status é idêntico,
por exemplo, ao do Conselho Religioso dos Muçulmanos da
Ossétia do Norte. No papel, o centro e o conselho são exatamente
a mesma coisa, mas não na prática. O conselho tem o apoio
financeiro das autoridades do Estado e admite abertamente que
colabora com o FSB. O centro se mantém à distância. Essa é a
origem de seus problemas.
"Depois de Beslan, as autoridades, ou mais precisamente a
Diretoria do FSB que hoje detém o poder na República, quiseram
a subordinação completa dos muçulmanos", conta Artur Besolov,
vice-presidente do Centro. "O FSB controla a vida dos
muçulmanos por intermédio do Conselho Religioso e de seu
presidente, RuslanValgasov, que é um mufti oficial da República.
Temos certeza de que Valgasov foi nomeado mufti pelos órgãos
de segurança, o que é categoricamente proibido no Islã. O único
lugar em que esse tipo de coisa aconteceu foi na União Soviética.
A maioria dos muçulmanos da Ossétia do Norte (que constituem
30% da população da República) se opõe a essa nomeação de
líderes religiosos.
Ofereceram a Tegaev a posição de mufti, mas ele recusou,
precisamente porque temia a pressão do regime. Apesar disso, é
Tegaev que tem maior autoridade.Valgasov, por outro lado, tem
somente idosos à sua volta. As autoridades simplesmente
decidiram resolver a situação prendendo Tegaev."
Todos podem ver que é necessária uma acomodação com mundo
muçulmano, mas ninguém na Rússia está abrindo negoci ções.
As autoridades estão pressionando com os velhos métodos
soviéticos: se não se pode abolir o Alcorão, então pelo menos tu
do deve estar sob controle; se muftis e emires são inevitáveis
num país com 20 milhões de muçulmanos, então é melhor que
eles estejam do nosso lado.
Hoje, toda essa manipulação está embutida na abordagem Estado
à luta contra o terrorismo, que está acima da lei. O que aconteceu
a Tegaev é simplesmente uma das suas manifestações Eles o
prendem, enviam seu relatório e pensam que o problema foi
resolvido. Na realidade, ele piorou. A perseguição ao Islã na
Rússia tem levado a uma previsível reação islâmica que vimos
em 2004 e 2005 no norte do Cáucaso.
Em janeiro, as forças de segurança invadiram um apartamento
em um prédio comum de cinco andares em Naltchik, na Kabar-
dino-Balkaria. Elas acreditavam que um grupo terrorista estava lá
dentro, ou ao menos foi o que alegaram depois. Porém, os
ocupantes do apartamento eram simplesmente muçulmanos que
"não estavam do nosso lado". Entre eles, estavam Muslim Ataev
e sua mulher Sakinat Katsieva, um jovem casal envolvido com o
submundo islâmico. Eles e seus amigos, outra jovem família
islâmica que não estava sob o controle do Estado, foram mortos a
tiros.
Muslim e Sakinat tinham uma filha de seis meses, Leila. Os
corpos dos adultos foram devolvidos às suas famílias depois do
ataque, mas Leila havia desaparecido. Não havia corpo, nem
bebê, nem informações; todas as tentativas dos avós para
encontrar a neta foram em vão.
É claro que também haviam matado o bebê. Pessoas na vizi-
nhança viram os soldados levando um pequeno corpo enrolado
em um cobertor, mas, como o assassinato de uma criança teria
sido demasiado chocante para o público, eles não devolveram
seus restos mortais. Em que o assassinato de Leila difere da
morte das crianças durante o ataque à escola em Beslan?

Quando mais intensa a pressão, mais comprometidos se tornam


os partidários do Islã extra-oficial. As comunidades islâmicas que
relutam em existir dentro de um sistema de "conselhos
religiosos"
estão se tornando ainda mais isoladas, fechando-se ao mundo
exterior e com isso se tornando menos compreensíveis. Não é
preciso dizer que os cristãos ortodoxos ou católicos, ou qualquer
outra comunidade, iriam se comportar da mesma maneira sob as
mesmas circunstâncias. A situação não é diferente na
Tchetchênia, onde os "muçulmanos do FSB" combatem os
muçulmanos que não gozam da sanção oficial, explorando os
antigos conselhos religiosos ou "departamentos de assuntos
religiosos", como eles eram chamados na URSS. Estes eram
encontrados até mesmo no Comitê Central do Partido Comunista
e nos comitês provinciais e distritais.
Hoje, muitos funcionários da era soviética ainda estão nos mes-
mos cargos. Rudnik Dudaev, um general da KGB e hoje do FSB,
foi por muitos anos diretor do Conselho de Segurança da
Tchetchênia sob Kadirov e, antes disso, também foi por muito
tempo um dos dirigentes dos conselhos religiosos de
muçulmanos nos tempos da URSS.
Dudaev "dirigiu" Kadirov desde o momento em que este entrou
numa escola religiosa islâmica na década de 1970. Trabalhando
para a KGB, ele monitorou Kadirov, Djohar Dudaev e
Maskhadov e hoje está de olho em Kadirov Júnior. E que bem
isso fez? Existem menos movimentos fundamentalistas hoje na
Tchetchênia? Ou emires com idades entre 15 e 17 anos completa-
mente fora de controle? Que bem veio dos conselhos religiosos?
A autoridade do mufti oficial da Tchetchênia aumentou? Ou a
autoridade dos emires que "não estão do nosso lado" diminuiu?
O mufti Valgasov irá se beneficiar precisamente na mesma
extensão que Chamaev, o antigo mufti da Tchetchênia, e que
Miezaev, que o substituiu. As autoridades do Estado podem
gostar da maleabilidade deles, mas o carisma e o respeito de que
gozam os líderes religiosos não provêm da sua intimidade com o
FSB. A luta contra o Islã, usando métodos soviéticos, leva ao
oposto do que se pretende. Na Tchetchênia, no Daguestão, na
Inguchétia, em Kabardino-Balkaria e em Karatchaevo-
Tcherkessia, o Islã está se tornando clandestino.

3 de fevereiro
A administração presidencial entra em ação. Em Tula, os
organizaram um encontro em apoio à Lei 122. Esta é a nova abor
dagem da administração presidencial: reuniões às quais
comparecem "seu" pessoal. Pessoas idosas são pagas para
comparecer -quantia depende das circunstâncias, mas dinheiro
muda de mãos. corrupção do nosso povo continua e nosso povo
está totalmen disposto a ser corrompido.
As reuniões são organizadas pelas autoridades locais depois um
telefonema de coordenação do Kremlin. A "gerência de lide
Putin está viva e vai bem. Nesses "encontros antiprotestos
governadores que enriqueceram com propinas sobem aos pala
ques acompanhados por seu séquito de burocratas. Eles
prometem como lhes foi mandado, que os pagamentos do bem-
estar social estão prestes a ser aumentados e que tudo voltará a
ser exatamente como antes da aprovação da lei. Dia após dia,
esses encontros são item principal nos noticiários da televisão.
Também em Tula, vemos o governador no palanque com bando
de subordinados. O encontro foi organizado pelo RU. governador
anuncia que toda pessoa que recebe uma pensão inferior a 1.650
rublos [US$64] receberá bilhetes gratuitos para o sistema de
transporte público da cidade (do qual não resta praticamente
nada). Por outro lado, a partir de 1 o de fevereiro, um bilhete no
sistema de transporte de Tula passou de seis para sete rublos.
Estranhamente, as pessoas se alegram e agradecem pelos bilhetes
gratuitos.

10 de fevereiro
Até agora, as pessoas na periferia do império não estão ceden Em
Abakan, Sibéria, a 36 graus abaixo de zero, cerca de trinta p soas
fazem piquete diante do prédio da administração com cart que
dizem: "Não à política anti-social." Na cidade de Kizil, capital de
Tiva, a 45 graus abaixo de zero, 56 pessoas comparecem a uma
manifestação contra a política de Putin. Em Kharabovsk,
algumas pessoas se mantêm na praça central com uma bandeira
que diz: RU desgraça a Rússia!”

12 de fevereiro
Em Iujno-Sakhalinsk, a Associação pelos Direitos Humanos
local apresentou uma peça de teatro de rua chamada "O Funeral
da democracia". Em um boneco em tamanho natural,
representando a jovem democracia, os manifestantes penduraram
15 cartazes acusatórios a respeito dos recentes atos
inconstitucionais das autoridades do Estado, a Lei 122 e a
abolição da eleição de governadores. Finalmente, sob o peso
dessas desgraças, a democracia desmoronou foi posta em um
caixão coberto com adesivos que proclamavam sua morte.
Levando coroas de flores, ao som de música fúnebre, os
manifestantes pregaram a tampa do caixão e o levaram em um
carro fúnebre. A manifestação aconteceu ao lado do prédio da
administração provincial e foi observada com interesse por buro-
cratas nas janelas.
Em Tula, um encontro organizado pelos comunistas atraiu cerca
de mil manifestantes. Também em Abakan houve um encontro,
ao qual compareceram quase trezentas pessoas: não estava tão
frio. Foi um bom resultado, mas o Dia Nacional de Ação
Conjunta, pretendido pela Solidariedade Social (SOS), não
aconteceu. Não há nenhum protesto de âmbito nacional.
15 de fevereiro
Os democratas (o Iabloko e a União de Forças de Direita)
tentaram novamente chegar a um acordo. Até agora, seu campo
de batalha ainda está em escritórios em Moscou e não nas ruas da
Rússia. Todos estão cansados dos funcionários democratas, até
mesmo seus Partidários.
Hoje eles quase conseguiram se unir numa reunião do Comitê
-008, porém, mais uma vez, tudo foi por terra no último
momento. Resolveram prosseguir com as discussões. O grande
problema permanece o mesmo: Quem será o primeiro entre
iguais? Como Pode Iavlinsk ter certeza de que Kasparov e Rijkov
não o tirarão da primeira fila? Enquanto isso, Kasparov e Rijkov
decidiram formar um novo partido democrático comandado por
eles mesmos, como políticos democratas que não levam o ódio
da derrota nas eleições Parlamentares.
Encontrei-me com Kasparov esta manhã numa sessão Comitê
Diretor do enfermo Congresso Nacional de Cidadãos. Ele estava
muito determinado e comentou que as regiões estavam
politicamente muito à frente de Moscou. "Você acreditaria que,
numa das reuniões, fui chamado - eu, Kasparov - de homem de
concessões! Que mudança de humor em apenas duas semanas",
continuou ele, referindo-se à onda de protestos. Kasparov está
recomendando que o Comitê realize um congresso do novo
partido nu das cidades provinciais da Rússia.

16 de fevereiro
Gary Kasparov foi hoje a São Petersburgo para um encontro cor
tra a monetarização organizado pela Resistência dos Cidadãos
Petersburgo, que reúne vários partidos e grupos democráticos.
Primeiro Kasparov disse que queria fundar uma nova
organização política em São Petersburgo. Ele disse: "Agora a
capital protesto é São Petersburgo e é aqui que precisamos
estabelecer um movimento político que possa lançar um desafio
aos poderes estabelecidos. É por isso que estou aqui." A seguir,
vários dos participantes da reunião bloquearam a rua Antonenko,
próxima da Assembléia Legislativa, exigindo o direito de
transmissão ao vivo na televisão de São Petersburgo. Nada
aconteceu. A única coisa que as autoridades não lhes darão é
tempo ao vivo no ar.
O Gabinete do Procurador em Moscou retirou a acusação de
tomada violenta do poder contra os membros do Partido Bolche-
vique Nacional que ocuparam uma sala de recepção no prédio da
Administração Nacional. Em vez disso, eles foram acusados de
uma nova transgressão: "organizar desordem em massa" (artigo
212). Trinta e nove partidários de Limonov estão presos em
Moscou.

21 de fevereiro
Sergei Schadrin, o vice-ministro do Interior, visitou
Blagoveschensk, onde houve uma brutal operação de "limpeza"
em dezembro, na qual cerca de mil pessoas foram feridas. O
Ministério do Interior continua a se referir a esse ultraje como "a
dita limpeza". Em Ufa Schadrin chamou as vítimas de "caçadores
da verdade", somente para afirmar numa entrevista coletiva no
dia seguinte, que "as ações da polícia foram justificadas, embora
muitos as considerassem excessivamente rigorosas”. Essa foi sua
avaliação da distribuição de pontos de filtragem, do uso de gás
lacrimogêneo e da violência física em dezembro. Schadrin
chamou a operação de "um excesso", acrescendo que "cada
sociedade tem a polícia que merece". Ele está certo. Porque,
enquanto as pessoas de Blagoveschensk lutarem somente por
seus próprios direitos, o povo de São Petersburgo pelos direitos
dele e assim por diante, episódios como se irão ocorrer.

23 de fevereiro
Maskhadov aparece na Internet e propõe uma ampliação do
cessarfogo que declarou. Como sempre, nenhuma resposta
oficial.
Nem haverá. O governo parece ter encontrado uma maneira de
explicar ao Ocidente o que está acontecendo na Rússia. Putin, em
entrevista dada à imprensa eslovaca antes do seu encontro com
ush em Bratislava, disse: "Os princípios fundamentais da demo-
raria, as instituições da democracia, devem ser adaptados à
realidade na Rússia de hoje, às nossas tradições e à nossa
história. E fare-os isso sozinhos." Assim nasce a teoria da
"democracia tradicional" (isto é, democracia que está de acordo
com as tradições nacionais). Também ouvimos falar de
"democracia soberana" e "democracia adaptada", que significam:
"Nossa democracia será da maneira que queremos e não
precisamos que ninguém nos dê aulas sobre o assunto. Assim,
“vocês podem dar o fora!"
Putin foi questionado a respeito de sua atitude com relação às
revoluções nos países da antiga Comunidade de Estados Inde-
pendentes: "Eles não nos incomodam de maneira nenhuma. Cabe
aos povos desses países decidir como irão construir sua vida, por
meio de revoluções ou de acordo com a lei." Ele está
incomodado.

24 de fevereiro fevereiro
Putin encontra-se com Bush em Bratislava. Na Rússsia,
as pessoas para ouvir o que Bush teria a dizer a Putin. Todos
sabiam que, no dia anterior, num encontro em Bruxelas com os
líderes da Otan e da Comunidade Européia, sob pressões óbvias
dos Estados bálticos e dos Estados da Europa Oriental, Bush
promete que levantaria o assunto do afastamento de Putin da
democracia.
Pensamos que seria um grande avanço, mas Bush não conseguiu
questioná-lo. O petróleo e a amizade em nome do petróle
venceram. Os russos que esperam por ajuda do Ocidente
precisam finalmente reconhecer que a reconquista das liberdades
democráticas depende da qualidade do nosso povo e não pode vir
por intermédio de pressões externas. Somente uns poucos
indivíduos em nosso movimento democrático entendem isso. A
maior parte das reuniões dos democratas termina com a frase
mágica: "Vamos nos queixar à Europa." Infelizmente, a Europa
está cansada de ouvir como Putin é mau. Ela preferiria ser
enganada e ouvir como ele é bom.
De acordo até mesmo com os resultados oficiais da Romir
Monitoring, um terço do público considera os encontros entre
Putin e Bush uma perda de tempo.

26 de fevereiro
Expirou o ultimato para que Murtaza Rakhimov, presidente da
Baskhiria, restaure os benefícios ou se exonere. Ele não fez uma
coisa nem outra, mas os líderes da oposição desapareceram. As
pessoas estão certas de que Rakhimov simplesmente os comprou,
dando-lhes uma pequena participação na indústria petroquímica
da Bachkiria. Parece ser o fim da revolução na Bachkiria, por
enquanto. Devido aos longos anos de pobreza, tudo tem seu
preço e, até que todos tenham o que comer, as pessoas não se
incomodarão demais com a democracia. O que elas não
compreendem é que sem um sistema social baseado em
princípios democráticos, é pouco provável que se tenha o
suficiente para comer.

27 de fevereiro
Durante todo o mês de fevereiro, a mídia oficial russa tem nos
garantido, de forma muito persuasiva, sobre a impossibilidade de
uma revolução na Kirghizia: o presidente Akaev estava se
esforçando sinceramente para introduzir a democracia para o bem
de seu povo;
ele estava convidando seu povo a abrir empresas, embora apa-
rentemente poucos o queiram; a sugestão geral parecia ser de que

os Kirghiz não estavam muito interessados e que, se uma


revolução começasse, seria por instigação de criminosos
querendo depor Akaev e não por algum erro dele. Alexei
Simonov, diretor da Fundação para a Defesa da Glasnost,
comentou que "a imprensa está traindo a sociedade e a sociedade
está traindo a imprensa. Há uma falta generalizada de
profissionalismo e honestidade".
Porém, hoje houve eleições parlamentares na Kirghizia e a cor-
tina se fechou para Akaev.

Akaev passou a viver numa das dashas da administração


presidencial em Moscou. Depois das eleições parlamentares e
presidencial, o povo kirghiz passou a receber apoio mundial por
seus esforços para construir uma nova sociedade. A Rússia
criticou as novas regras por algum tempo, mas depois decidiu
viver com elas.

8 de março
Aslan Maskhadov, eleito democraticamente presidente da Re-
pública Tchetchena de Itchkeria em 1997 e mais tarde líder da
Resistência Tchetchena, foi morto na aldeia de Tolstoi-Iurt.
Seu corpo nu foi mostrado o dia inteiro na televisão. Na
Tchetchênia, até os que não o apoiavam disseram que aquela era
a coisa mais vil que Moscou poderia ter feito. A era Maskhadov
terminou, mas começou a era de quem?
O novo Maskhadov será Basaev, o que significa o fim do cessar-
fogo e das negociações. A Tchetchênia teve quatro presidentes e
até agora três deles tiveram morte violenta. A legitimidade do
quarto, o ainda vivo Alu Alkhanov, é altamente questionável.
Não há nenhum outro território na Europa de hoje com uma
situação militar e política tão caótica e mergulhado num banho
de sangue assim contínuo.
Dizem que Maskhadov morreu, como milhares de outros homens
e mulheres tchetchenos, em conseqüência de informações de um
tchetcheno. A tortura tem sido o método mais comum de
interrogatório e investigação de casos criminais durante a
Primeira e a Segunda das Guerras Tchetchenas. É provável que
ele seja lembrado na Tchetchênia como um grande mártir,
quaisquer que tenham sido seus atos anteriores.
Maskhadov foi morto enquanto estava em vigor seu cessar fogo
unilateral que, se não estava sendo plenamente respeitado foi
ainda assim o primeiro ato do gênero na Segunda Guerra
Tchetchena. Foi um gesto de boa vontade, uma mão estendida
para o Kremlin, indicando disposição para iniciar negociações,
para parar de atirar, para promover a desmilitarização e a
extradição mútua de criminosos de guerra.
Maskhadov, quase sozinho e usando o máximo da sua habilidade,
restringiu os extremistas do seu lado que acreditavam que se
deve fazer oposição à Rússia por todos os meios disponíveis,
inclusive aqueles demonstrados em Beslan. Agora não há
ninguém para contê-los. A liderança da Resistência Tchetchena,
a despeito de quem quer que seja o indicado pelo clandestino
comitê de Defesa de Itchkeria, irá se voltar para o maior
oponente dos métodos moderados de Maskhadov: Chamil
Basaev. O resultado final da operação para assassinar
Maskhadov, que, afirmam agora oficialmente, foi organizada
pela unidade de Operações Especiais do FSB russo, será a
entrega das rédeas do governo a Basaev, que não é o menos
interessado na legitimidade política.
Fomos deixados na Tchetchênia com duas figuras igualmente
sedentas de sangue, repulsivas e bárbaras: Basaev e Kadirov
Júnior. Todos os outros, inclusive todo mundo em toda a Rússia,
serão apanhados no meio.
Desta maneira, a era de Maskhadov, um antigo comunista e
coronel soviético que se converteu ao Islã somente nos seus últi-
mos anos, e a persistentemente idiota campanha disparada contra
ele pessoalmente trouxeram à vida uma geração mais jovem que
não está mais interessada em um Islã moderado. Eles preferem
ser extremistas com as autoridades que destroem moderados.
O herói desse submundo é Basaev. Por muito tempo Maskhadov
esteve no seu caminho, mas agora a estrada está livre. Basaev
obteve aquilo com que sonhava há quase uma década. Não
importa mais o fato de ele não ter a legitimidade política de Mas-
khadov. Ele só está interessado nos aspectos técnicos da
preparação de atos terroristas contra a Rússia e em causar o
máximode dor possível. A morte de Maskhadov prova, de forma
irrefutável para Basaev a exatidão de sua conhecida visão de que
não pode haver negociações e que todos os métodos são
justificados na guerra contra a Rússia.
Nesta noite, os canais estatais levaram ao ar o lunático Kadirov
júnior que nos informou que o assassinato de Maskhadov era um
presente às mulheres em 8 de março, Dia Internacional da
Mulher.

15de março
O FSB afirma ter pago US$10 milhões a alguém pelas
informações sobre os movimentos de Aslan Maskhadov.
Seu corpo não foi devolvido aos parentes. Durante toda essa
barbaridade medieval, Putin permanece em silêncio, o que
significa que ela está acontecendo sob suas ordens pessoais. Eu
não ficaria surpresa se ele tivesse exigido a cabeça de
Maskhadov numa bandeja, como era o costume dos czares da
Moscou medieval. Por alguma razão, o corpo de Maskhadov foi
trazido secretamente para Moscou, embora ninguém acredite que
tenha sido para alguma autópsia suplementar. Acham que foi
para Putin ficar tranqüilo. Essa é a moralidade no alto poder da
Rússia.
Mais uma vez, soldados desertaram de um posto de fronteira,
desta vez a Unidade de Fronteira do FSB na província de Tchita.
Ás duas da manhã, quatro deles atiraram no oficial comandante,
no subcomandante e em outro oficial. Ao fugir, os soldados
levaram quatro fuzis Kalashnikov com 500 cartuchos de
munição. Deserções por tropas de fronteira ocorrem pelo menos
uma vez por mês.
Em Hasaviurt, no Daguestão, a cidade importante mais próxima
da Tchetchênia e onde vivem muitos tchetchenos, tem havido
tentativas de capturar rebeldes. Uma casa em que se acreditava
que eles estavam foi cercada e reduzida a entulho, mas os
rebeldes aparentemente escaparam através de um cordão triplo de
policiais com todas as suas armas.
O Ministério da Defesa anunciou que, em 2005, não corrigirá os
salários dos seus oficiais de acordo com a inflação. Isto também
ocorreu em 2004. A previsão dos aumentos de preços em 2005
está por volta de 25%.

16 de março
Em Chali, na Tchetchênia, parentes de pessoas seqüestradas
recentemente estão fazendo piquetes diante da administração
municipal pelo terceiro dia consecutivo. Os manifestantes estão
exigindo sua libertação, ou pelo menos informações a respeito
delas.
Entre elas, está a família de Timur Rachidov, 28 anos, um invá-
lido da Categoria 1 da aldeia de Serjen-Iurt, que foi seqüestrado
de sua casa por soldados russos. A mãe, Khalipat Rachidova,
relata que os soldados chegaram em um carro blindado,
invadiram a casa, viraram tudo de pernas para o ar sem nenhuma
explicação e despiram a filha Polina, de 18 anos, para verificar
"se tinha marcas provenientes do porte de armas" em seu corpo.
A seguir, pegaram Timur e se dirigiram para a periferia de Chali,
onde fica a Divisão de Operações Especiais n° 2 do Ministério do
Interior.
A família de Ruslan Usaev, de Novie Atagi, também está fora do
prédio da administração. Ele tem 21 anos e está no terceiro ano
da Universidade de Grozni. Em 13 de março, ele também foi
seqüestrado por soldados russos e levado na direção de Chali e
desde então nada mais se soube dele.
O protesto garantiu a libertação de um aldeão de Serjen-Iurt e de
quatro homens da aldeia de Avturi. Todos eles haviam sido tor-
turados e brutalmente espancados. Tudo se passou sem
comentário nenhum dos democratas de Moscou.
Agora, no início de 2005, a Guerra Tchetchena finalmente foi
além das fronteiras da Tchetchênia, indo para regiões vizinhas
como Inguchétia, Daguestão, Ossétia do Norte e Kabardino-
Balkaria. Em cada república, as pessoas protestam à sua maneira.
Lá não existem associações de famílias cujos membros foram
seqüestrados. A Tchetchênia continua a viver como um Estado
separado; ninguém viaja para lá das outras repúblicas, nem
mesmo da Inguchétia, e depois de Beslan ninguém simpatiza
com os tchetchenos.
19 de março
Nesta manhã, Adam Karnakaev foi seqüestrado em Grozni por
homens armados não identificados. Estava a caminho da
mesquita.
5 de abril, o Gabinete do Procurador-geral pediu que a família*de
Adam buscasse seu corpo no necrotério da cidade de Mozdok, na
Ossétia do Norte. É uma história conhecida.

23 de março
Por volta das cinco desta manhã, soldados mascarados
derrubaram a porta da frente de uma casa na rua Nekrasov, em
Atchkhoi-Martan. Eles levaram Ismail Viskhnov, 31 anos, e seu
sobrinho RustamViskhnov, 23. Os seqüestradores chegaram em
veículos sem placa e eram uma mistura de tchetchenos e russos.
Nenhum órgão de segurança da Tchetchênia admite estar
envolvido. Nenhum dos homens jamais havia sido rebelde.
Às 5:23, o mesmo grupo de 25 a trinta pessoas invadiu outra casa
em Atchkhoy-Martan, na rua Naberejnaia, onde vive a família
Masaev. Eles tiraram Said-Mahomed Masaev, 31 anos, da cama.
Ele é motorista de um ônibus regular entre Grozni e Atchkhoy-
Martan. Levaram-no sem permitir que ele se vestisse. Desde
então, ninguém soube dele.
Em Moscou, tudo continua como sempre. O clube de discussões
do Congresso Nacional de Cidadãos debate o tópico "Refe-
rendos: devem ser realizados e sobre quais assuntos?" É tudo
incrivelmente tedioso, sem nenhuma iniciativa. Um punhado de
democratas anônimos que lá estão e claramente não terão
importância em coisa nenhuma. Os jornalistas presentes riem
baixinho. Os democratas da capital não se interessam nem
mesmo por seus próprios assuntos, para não mencionar a
Tchetchênia, onde os expurgos e sequestros estão em ascensão.

25 de março
Uma grande manifestação é realizada sobre a questão dos
benefícios nos confins da nossa terra em Iujno-Sakhalinsk,
embora a onda Protestos esteja quase terminada. Não obstante,
aqui está uma parte das resoluções adotadas pelos manifestantes
em Iujno-Sakhalinsk:
Nós, veteranos de guerra e de trabalho, trabalhadores de vária
organizações, inválidos, pensionistas e jovens, viemos expressa
nossa indignação diante do contínuo enfraquecimento, pelos
órgãos do governo, dos direitos sociais e políticos de todos os
cidadãos russos, em especial os do norte e do extremo oriente.
Protestamos contra a redução das liberdades democráticas bási-
cas garantidas pela Constituição; contra a usurpação, pela
autoridades do Estado, da liberdade da mídia de massa; contra-
ataques ao bem-estar social, à independência dos tribunais, à
autogestão local e aos direitos do povo de eleger as instituições
de poder do Estado. Opomo-nos à monetarização, que não cobre
as despesas reais nem daqueles que recebem benefícios, nem dos
que a eles prestam serviços. Opomo-nos à divisão das pessoas em
negras e brancas, aos obstáculos colocados no caminho da
empresa privada honesta, à abolição do adiamento do
recrutamento para estudantes e à militarização do país, à explo-
ração política do antiterrorismo, à vulgarização dos ideais
sagrados da Pátria e da democracia. Exigimos respeito pelos
nossos interesses, nossos desejos, nossas petições às autoridades,
nosso direito de dialogar com os líderes do Estado para que
levem em conta as opiniões daqueles que se opõem a eles por
ocasião da tomada de decisões importantes.
Um conjunto detalhado, abrangente e racional de proposta
aprovadas pelos manifestantes foi publicado no jornal local,
Sovetsky Sakhalin, mas não houve resposta, apesar de a resolução
ser um plano de ação elegante e realista proposto às autoridades
do Estado. Nosso povo pode viver nas regiões mais remotas e
mesmc assim pensar como estadista de uma forma que
gostaríamos que fosse imitada pelos ocupantes do Kremlin.
Contudo, mais uma ve as autoridades não se abalaram.
Sabemos do que necessitamos, mas carecemos de tenacidade
para lutar por isso. Desistimos quase imediatamente. A vida
passa; enquanto esperamos que nossas aspirações nos sejam
concedidas de cima para baixo, como em 1991, quando um golpe
dentro da elite foi mais tarde apoiado pelo povo. Mas a elite
aprendeu com a experiência de 1991 e não tem o menor desejo
de ser envolvida em qualquer outro golpe. Ela prefere fazer
acordos discretamente em gabinetes e seus acordos não são do
interesse do povo.

26 de março
Na aldeia tchetchena de Samachki, às 5:00 da manhã, soldados
mascarados falando russo seqüestraram Ibrahim Chichkanov, 21
anos. Não permitiram que ele vestisse os sapatos, dizendo: "Para
onde você vai, não precisará deles." O seqüestro foi realizado por
cerca de vinte pessoas, que estavam em quatro carros sem placa.
*
Vinte e quatro horas depois, a família descobriu o que estava
acontecendo no posto policial de Atchkhoy-Martan. Ibrahim
havia sido seqüestrado sob o esquema de se fazerem"contra-
reféns", considerado pelo procurador-geral da Rússia uma
medida aceitável depois de Beslan. A família Chichkanov
recebeu ordem de entregar Said-Khasan Musostov, membro da
Resistência e primo de Ibrahim.
Ele não se entregou e nada mais se sabe a respeito do destino de
Ibrahim.

Hoje, sábado, é dia de manifestações. Há um piquete em


Khabarovsk, exigindo "independência dos tribunais na região de
Khabarovsk". Os manifestantes sofriam com os tribunais
"dependentes" e decidiram enviar uma carta aberta a Putin:
Nossa experiência ao longo de muitos anos mostra que os juízes
da região de Khabarovsk não protegem os direitos dos cidadãos
em seus julgamentos, como manda a Constituição, mas sim os
interesses dos burocratas. Muitas das decisões dos tribunais não
estão de acordo nem com a lei, nem com o bom senso, nem com
a lógica elementar.
Os juízes estão violando, de forma rude e cínica, direitos
fundamentais dos cidadãos a uma audiência, sem a qual não se
pode falar em observar e proteger outros direitos. Os jornalistas
são excluídos das sessões abertas dos tribunais, registros de
audiências são falsificados, assim como provas: veredictos "sob
medida" passaram a ser norma na região de Khabarovsk. Não são
fornecidos julgamentos por escrito, evidências desfavoráveis são
ignoradas. Os argumentos que refutam os veredictos e as
decisões de um tribunal desaparecem dos arquivos do caso;
Os recursos ao Colégio de Qualificação de Juízes relativos à
violação de direitos legais são enviados de volta aos mesmo
tribunais e revisados pelas mesmas pessoas responsáveis pelas
violações originais;
As queixas de comportamento ilegal pelos juízes do Colégio de
Qualificação de Juízes não são aceitas para exame pelos
tribunais. A determinação da responsabilidade pública dos juízes,
como manda a lei "Sobre as Instituições da Profissão Legal",
tornou-se uma farsa em Khabarovsk. Seis dos sete representantes
do povo no Colégio de Qualificação de Juízes são indicados
pelas autoridades ou pelas instituições judiciais.
Não houve reação a essa carta. O presidente Putin não exigiu a
demissão (como só ele tem o direito de exigir) do presidente do
Tribunal Regional de Khabarovsk, o juiz Vdovenkov, nem do
vice-presidente, o juiz Volochin, como principais responsáveis
pelo estado fora do comum da justiça.
Em Ufa, capital da Bachkiria, entre 5 mil e 10 mil pessoas com-
parecem a uma manifestação de protesto na praça Lenin. Elas
vieram de 14 cidades da república para exigir a demissão do
presidente Rakhimov. Os slogans são: "Demitam Murtaza
Rakhimov!”. "Não ao nepotismo no governo." As empresas do
Complexo de Combustível e Energia de Bachkiria são
controladas por Ural Rakhimov, filho de Murtaza.
Eles exigem que as ações das empresas petrolíferas de Bachkiria
sejam devolvidas ao Estado e uma compensação por danos
morais e materiais para os habitantes de Blagovestchensk, que
sofrera uma brutal "limpeza da cidade" por parte da polícia e suas
unidades de Operações Especiais em dezembro. A organização
do protesto é de um comitê de coordenação da Oposição Unida,
que inclui os ramos locais do Partido Comunista, do Iabloko, do
Vontade do Povo, do Partido dos Pensionistas Russos, da
Fundação para o Desenvolvimento do Governo Local, da União
de Associações Tártaras e da Sociedade Rus.
O grupo aprovou uma resolução exigindo a revogação da lei da
monetarização dos benefícios e o afastamento do presidente
Rakhimov, do inspetor-chefe federal da Bachkiria, do ministro
do Interior da República, Rafail Divaev, que afirmou que a
operação "limpeza" em Blagoveschensk havia sido justificada, e
de outras autoridades.
Depois de permanecer uma hora na praça Lenin, a enorme
multidão marchou nove quilômetros até a sede da Administração
Rakhimov, mas foi impedida de se aproximar do prédio por uma
barricadade ônibus e um cordão de muitos milhares de homens,
rangendo aparentemente toda a polícia de Bachkiria. Rakhimov
não apareceu. Quem saiu foram Radi Khabirov, diretor da
administração, e Alexander Chabrin, secretário do Conselho de
egurança da Bachkiria, que receberam a resolução, e o povo se
dispersou.
Em Moscou, o Comitê 2008 tenta mais uma vez criar um pardo
democrático unido e fracassa. Kasparov propõe que sejam con-
dados a vir a Moscou representantes regionais da oposição para
que eles decidam quem deve encabeçar a lista de candidatos
democráticos. Os líderes de Moscou temem reunir a oposição
provincial, porque quase certamente eles não irão encabeçar a
lista. Impasse. Em Pskov, trezentas pessoas se reúnem na praça
Lenin para testar a respeito do novo Código de Acomodação
Residencial, reunião foi convocada pelos comunistas de Pskov,
em conjunto com o diretório local do Iabloko e os sindicatos
trabalhistas. Nenhuma das emissoras de televisão da cidade
concordou em cobrir a união, que considerou criminosa a idéia
por trás do novo Código Residencial, em vigor desde 1° de
março: "Nas últimas décadas o do deixou de cumprir com sua
obrigação de reparar e modernizar os imóveis residenciais, mas
dirigiu efetivamente recursos nacionais para a criação de uma
classe de proprietários de imóveis entre as fileiras dos ocupantes
do poder." Eles exigem que:
O Código de Acomodação Residencial deverá ser suspenso até
que o nível das pensões e dos salários na região seja suficiente
para igualar o custo de mercado do que é fornecido pelo
Escritório Comunal de Serviços Residenciais e também os custos
de saúde, educação, cultura, transporte, comunicações,
alimentação e outros itens essenciais; deve haver total transpa-
rência na fixação de preços e tarifas para os serviços prestados
Pelo Escritório Comunal de Serviços Residenciais; aqueles que
criaram o deplorável Código de Acomodação Residencial, isto é,
o Governo da Rússia, deverão ser demitidos; a Duma deverá ser
dissolvida por deixar de representar os interesses povo,
juntamente com os funcionários do Partido da Rússia Unida e do
Partido Liberal-democrata da Rússia, que vo a favor da adoção
do Código; toda a responsabilidade pelo aumento das tensões
sociais na sociedade deve ser atribuída ao presidente Putin.

27 de março
Hoje, domingo, é dia de referendos regionais.
Em Saratov, há um referendo a respeito de como o prefeit deve
ser eleito. Somente pouco mais de 7% da população comparecem
para votar. Eles não parecem se importar se o elegem diretamente
ou se o prefeito é nomeado pelo governador indicado pelo
Kremlin. A Frente Popular da Província de Saratov, associação
regional de todos os partidos de oposição, recusou-se a participar.
Em Bachkiria, foi convocado um referendo pela Sociedade para a
Reforma do Governo Local, porque o novo sistema de indicação
de líderes cívicos e regionais na República contraria a Carta
Européia de Direitos sobre Governo Local, ratificada pela Rússia
em 1998.
Também aqui o comparecimento foi muito baixo, apesar de a
questão afetar todos os cidadãos. A origem dessa apatia é a
crença firme em que as eleições são fraudulentas e continuarão
assim; deste modo, por que votar? De qualquer maneira, 90% dos
que compareceram votaram a favor da eleição direta dos
prefeitos.
Moscou está se tornando a cidade politicamente menos ativa de
todas. Se houver uma revolução, ela terá de vir das províncias.
A manifestação do Iabloko em Moscou diante da sede do
governo, protestando contra a reforma do Escritório Comunal de
Serviços Residenciais, conseguiu reunir somente duzentos
manifestantes. O governo está insistindo para que todas as
regiões tornem esses serviços totalmente autofinanciados até o
final de 2005 e, num país com tantas pessoas pobres como o
nosso, isto estará acima das posses da maioria. A visão do
Iabloko é de que o governo não tem o direito de estimular mais
um aumento de preços; ele deveria estar combatendo a
mentalidade monopolista desses escritórios, encorajando as
pessoas que possuem acomodação a formarem cooperativas e
deveria encorajar as pequenas empresas a oferecerem serviçoa
concorrentes. Elevando os preços, o governo está propondo
levantar um trilhão de rublos [US$20 bilhões] e investi-los no
atual sistema podre de provisão de serviços residenciais.
As propostas do Iabloko são muito sensatas, mas o baixo
comparecimento indica o quanto as pessoas levam a sério o
partido. Os líderes não estão buscando o apoio das pessoas, mas
sim assentos na Duma através de negociações com a
Administração Presidencial.

28 de março
Na Inguchétia, as tentativas de exigir o afastamento do presidente
Murat Ziazikov foram frustradas. Tendo em mente a maneira
pela qual os eventos se desenrolaram em Kirghizia, os
organizadores pensaram que, onde há roubo, pode-se esperar
uma revolução. Todos estão se perguntando se a Rússia pode
seguir a Kirghizia.
As autoridades acabaram com a reunião antes que ela começasse.
O Memorial para as Vítimas de Repressão Política, na periferia
de Nazran, foi cercado a uma grande distância por veículos arma-
dos, soldados e policiais. Boris Arsamakov, o líder da Akhki-Iurt,
que organizou a manifestação, foi detido até o final do dia. Na
véspera do protesto, o presidente Ziazikov deixou a Inguchétia,
por via das dúvidas - ele nunca está presente quando fareja
problemas -, e só voltou quando tudo havia se acalmado.
Embora não tenha sido possível realizar a reunião, a multidão
não recorreu à violência. Quando Arsamakov foi preso, os
manifestantes quiseram invadir a sede da polícia, mas foram
contidos por Musa Ozdoev, deputado da Assembléia do Povo e
importante representante da oposição na Inguchétia. Ele entrou
no prédio para negociar a libertação de Arsamakov e, a seguir,
convocou as pessoas que estavam lá fora para que adotassem
uma resolução exigindo o afastamento imediato do presidente
Ziazikov e acrescentou: Como as autoridades demonstraram
covardia trazendo todas essas tropas para a República, vamos nos
dispersar por hoje e aguardar para ver se nossa resolução será
implantada."
Isso acalmou os ânimos. Murat Oziev, o respeitado editor chefe
do Anguchi, o único jornal de oposição na República (fechado
por Ziazikov), também pediu que a multidão não partisse para
ações diretas. Dois deputados favoráveis a Ziazikov disseram que
tinham vindo para negociar com a oposição e consultar Ziazikov
a respeito da sua renúncia. Eles pediram que a multidão se
dispersasse. O que havia por trás desse comportamento pelas
autoridades. Em resumo, medo de uma repetição do cenário
Kirghiz. A Inguchétia é pobre, ao passo que as autoridades de seu
governo são ricas e estão enriquecendo cada vez mais saqueando
o orçamento. O texto a seguir foi extraído de uma auditoria
oficial em busca de apropriação indevida de fundos
orçamentários e executada pela Diretoria Central do Ministério
do Interior do Distrito Federal do Sul:
As perdas totais decorrentes da apropriação indevida de recursos
do orçamento federal chegaram a 3,9 milhões de rublos
[US$152.000]. dos quais 2,8 milhões de rublos foram desviados
em 2003 e 1,1 milhão, na primeira metade de 2004. Em 2003 e
na primeira metade de 2004, foram descobertas irregularidades
financeiras totalizando 181,4 milhões de rublos [US$7
milhões].Deste total, aquelas que envolveram recursos do
orçamento federal chegam a 72,5 milhões de rublos [US$2,84
milhões] ou 40%.
A pequena Inguchétia é ainda menor que sua vizinha Tchet-
chênia; contudo, no ano e meio da gestão de Ziazikov, milhões
foram roubados. De onde eles vieram?
A Inguchétia tem muitos problemas grandes. O primeiro são os
refugiados: o governo federal lhes fornece ajuda e para a cons-
trução de novas habitações para aqueles que perderam suas casas
na inundação de 2002. O segundo problema é o campo
petrolífero de Malgobek, a principal fonte de riqueza na
república: todas as autoridades locais estão constantemente
tentando controlá-lo e uma corrupção sem fim o cerca.
Finalmente há a agricultura, uma vez que a república é
essencialmente agrícola.
A auditoria prossegue:
Sem fazer a necessária provisão orçamentária, o governo
república concedeu ilegalmente um crédito orçamentário de 30
milhões de rublos [US$1.180] à empresa Inguchneftgazprom.
Sem que houvesse as necessárias alterações legislativas, a verba
alocada para subsídios habitacionais foi reduzida no mesmo
valor.
A empresa de gás e petróleo Inguchneftegazprom é a mais
importante da república e sustenta financeiramente as
autoridades. Infelizmente, na gestão de Ziazilov, ter uma empresa
de petróleo está se mostrando dispendioso para as pessoas que
vivem na Inguchétia. Existe uma crise habitacional aguda, em
parte devida aos milhares de refugiados; assim, cortar subsídios
habitacionais e entregar o dinheiro à petrolífera é o ato mais
ultrajante que se pode imaginar, mas foi o que aconteceu.
Em 2003, a Inguchneftegazprom recebeu um empréstimo de 27
milhões de rublos [US$1.060.000] para implantar um programa
de estabilização e desenvolvimento do complexo petrolífero.
Somente 10,5 milhões de rublos foram pagos no prazo. O prazo
de pagamento foi ampliado. De acordo com as estatísticas
fornecidas, a extração de petróleo está declinando ano a ano.
Porém, foi descoberto que, desde 2002, a Inguchneftegazprom
vem extraindo petróleo sem permissão e ocultando da auditoria a
verdadeira quantidade obtida...
Em 15 de agosto de 2003, a Inguchneftegazprom assinou um
contrato, garantido pelo governo da Inguchétia, com uma
empresa norueguesa para o fornecimento de tecnologias para
aumentar a produção de petróleo. Pelo trabalho executado, a
Inguchneftegazprom deveria transferir fundos no valor de
US$775.000, fornecidos pela república, para a conta corrente da
empresa. O dinheiro foi transferido através de duas ordens de
pagamento, em 19 de dezembro de 2003 e 10 de março de 2004,
respectivamente, mas as condições do contrato nunca foram
satisfeitas.

Em resumo:

Em conseqüência da falta de correção por parte da gerência da


Inguchneftegazprom, a empresa e o Estado sofreram perdas
materiais superiores a 25 milhões de rublos [US$980.000]. No
decorrer da atual auditoria, o procurador-geral da República
favoreceu procedimentos criminais sob os artigos 171 199 e 201
do Código Criminal da Federação Russa (...).
A inspeção do uso dos recursos alocados para neutra]
conseqüências de desastres naturais nos distritos de N Sunza e
Malgobek revelou que, em 2003, pagamentos zando 9,5 milhões
de rublos [US$372.000] foram recebidos indevidamente por
cidadãos não registrados em endereços fixos na época da
inundação. Foram abertos quatro processos criminais por
irregularidades financeiras que totalizavam milhões de rublos
[US$122.000] (...). No Ministério da Construção, devido a um
exagero no custo das usinas de tratamento de esgoto no distrito
de Malgobek [para repor aquelas destruídas pelas enchentes], foi
descoberta uma apropriação indevida de fundos no valor de
546.600 rublos [US$2 (...). Em 2003 e na primeira metade de
2004, a auditoria de 253,9 milhões de rublos [US$9,96]
recebidos do orçamento federal para implantar o programa de
ajuda ao sul da Rússia (o qual é primordialmente habitacional)
revelou irregularidades financeiras no valor de 48,9 milhões de
rublos [US$1.9 ou 20% do total alocado. Para o período 2003-
2004 levantadas 185 acusações criminais com relação ao roubo
de fundos orçamentários. Entre elas, estão 38 casos de apropria-
ções indevidas muito sérias de recursos. A maior parte diz
respeito a apropriações indevidas de recursos alocados para
superar as conseqüências da inundação de junho de 2002. Trinta
e três casos se relacionam com perdas que totalizam 17,7 de
rublos [US$694.000].

Os processos criminais por apropriação foram de fato mas desde


então foram congelados. Esta é a principal técnica para garantir a
lealdade das autoridades na Rússia. Primeiro, obter material
comprometedor sobre eles e, depois, observar enquanto eles se
apressam a entrar para o partido da Rússia Unida.
Quando publiquei essas informações e essas cifras publicação foi
proibida na Inguchétia - Ziazikov ameaçou cessar. Não por tê-lo
difamado, mas por ter supostamente documentos oficiais. Fui
levada ao Gabinete do Procurac para interrogatório. Depois fui
deixada em paz. Não são documentos secretos; assim, por que
alguém precisaria roubá-los? Para provar o roubo, eles
precisariam de minhas impressões digitais no cofre de alguém.
Quanta falta de senso!
Não é preciso dizer que o general Napalkov, o funcionário do
Ministério do Interior encarregado dessa auditoria e por quem ela
foi assinada, foi demitido. O Ministério do Interior sofreu uma
pressão tão grande da administração presidencial que decidiu
sacrificá-lo.

11 de abril
As últimas palavras de Mikhail Khodorkovski antes de ser
sentenciado: "Não sou culpado dos crimes dos quais sou acusado
e, assim, não pretendo pedir clemência. É uma desgraça para
mim e para meu país o fato de ser considerado perfeitamente
legal o procurador enganar o tribunal de forma direta e aberta.
Fiquei chocado quando o tribunal e os advogados me explicaram
isto. É um estado de coisas muito infeliz se todo o país está
convencido de que o tribunal está agindo sob a influência de
autoridades do Kremlin ou do Gabinete do Procurador-geral.
"De fato, o tribunal está sendo solicitado a decidir que a criação,
o gerenciamento ou a posse de uma empresa bem-sucedida é
rova de um crime. Hoje não me restam muitas propriedades.
Deixei de ser um empresário. Não sou mais um dos super-ricos.
Tudo que tenho é o conhecimento de estar com razão e minha
determinação para ser um homem livre."
A maioria havia previsto que Khodorkovski pediria clemência.
Ninguém podia acreditar que um oligarca permaneceria um ser
humano decente, a qualquer custo. Ninguém confia em oligarcas.
Seus roubos eram demasiadamente públicos e a base da sua
riqueza é o empobrecimento nacional. As pessoas não perdoarão
isso, mas poderão sentir pena de Khodorkovski caso ele seja
totalmente esmagado.
15 de abril
Uma segunda sentença foi dada a Mikhail Trepachkin, que foi
enquadrado por desertar da KGB e participar de uma
investigação independente sobre a explosão de prédios
residenciais na Rússia.
Imediatamente antes do início da Segunda Guerra Tchetchena.
Cinco anos de prisão numa colônia penal. O tribunal considerou-
o culpado de uma acusação ainda mais grave que aquela proposta
pelo procurador. Durante todo o julgamento, Trepachkin foi
mantido sob condições descabidamente severas de detenção. Seu
caso está sendo revisto pelo Tribunal Europeu de Direitos
Humanos mas enquanto isso ele está na prisão.

17 de abril
Numa de suas aparições em Moscou, Gary Kasparov foi atingido
na cabeça com um tabuleiro de xadrez. Alguém se aproximou
dele supostamente querendo que ele autografasse o tabuleiro.
Recuperando-se do golpe, Kasparov foi irônico: "Ainda bem que
os russos preferem o xadrez ao beisebol."

23 de abril
Hoje Putin recebeu Mikhail Fridman, do Alpha Group, no
Kremlin. A elite dos negócios em Moscou o estava considerando
um provável candidato ao tratamento Khodorkovski. A recepção
no Kremlin foi um ato típico de relações públicas por Putin, desta
vez para o benefício da petrolífera TNK-BP. Na linguagem do
Kremlin, eles estavam dando "apoio moral" a Fridman.
Fridman por enquanto está nas boas graças do Kremlin. Ele teve
a oportunidade de dividir sua riqueza e certamente irá aproveitá-
la. A pessoa fica mal se as autoridades não lhe dão nem mesmo a
chance de agradar-lhes. Lorde Browne, um alto executivo da BP,
também foi recebido no Kremlin. Também estava lá Viktor
Vekselberg, o homem que deixa ovos Fabergé na cesta do
Kremlin. Durante toda a reunião, Fridman e Vekselberg
irradiavam satisfação.
Sergei Glaziev, um deputado da Duma do partido Rodina que foi
ministro de Assuntos Econômicos Externos no início da década
de 1990 e hoje está na oposição, comentou: "Eles preferem
Fridman a Khodorkovski porque ele não financia projetos da
oposição."

23-4 de abril
Vladimir Rijkov entrou para o conselho político do Partido
Republicano Russo. Ele tem o apoio financeiro da Lukoil e agora
se é seu partido. Rijkov alertou que os democratas precisam se
unir antes deste verão, para que tenham uma chance nas eleições
ara a Duma em 2007.
Gary Kasparov era aliado de Rijkov no inverno, mas não entrou
para o PRR. Eles têm em comum a visão de detentor do carisma,
que o atual sistema político precisa ser eliminado. Se Kasparov
tivesse permanecido com Rijkov, poderia ter sido o detentor do
carisma, com Rijkov sendo o combatente político mais esperto.
Rijkov está dizendo que a porta ainda está aberta e que o PRR
ainda espera dar boas-vindas a Kasparov.

25 de abril
O discurso anual de Putin à Assembléia Federal foi, ao mesmo
tempo, sensacional e cômico. Foi um verdadeiro manifesto de
liberalismo, mas pelos seus frutos vocês irão conhecê-los!
Seu tema foi "Um país livre, de gente livre", mas como é possível
ser livre sem um judiciário independente? Ou sem direitos
eleitorais democráticos? Com um Gabinete do Procurador-geral
dirigido politicamente e uma sociedade civil reprimida?

28 de abril
O governo decidiu que os agraciados com o título de Herói da
Rússia, da URSS ou do Trabalhismo Socialista receberão um
pagamento extra [2.000 rublos, US$78] por mês no lugar dos
seus privilégios.
Assim começou o maior escândalo político do verão de 2005:
uma greve de fome de três semanas pelos Heróis, chamada de
chantagem pela administração de Putin.

1º de maio
Na Rússia, o dia 1 o de maio é tradicionalmente um dia de
encontros e paradas. Neste ano, a oposição estava em grupos de
seis ou sete.
Eles se reuniram na praça Turgenev, marcharam pela rua
Miasnitskaia até além dos edifícios do FSB e fizeram uma
manifestação na praça Lubianka na Pedra Solovi, que
homenageia as vítimas da era comunista. Seus cartazes diziam:
"Por liberdade, vida e democracia! Contra a violação de direitos
civis, políticos, sociais, econômicos e culturais na Rússia!"
Havia cerca de mil pessoas. Não tão ruim, não um desastre. Na
véspera, em Minsk, 14 de nossos cidadãos haviam sido
libertados. Eles haviam viajado até a Bielorrússia para tomar
parte de uma procissão organizada pela oposição local. Ilia
Iachin, líder da ala jovem do Iabloko, voltou a Moscou esta
manhã. De um púlpito ao lado da Pedra Solovki, ele nos deu sua
visão da prisão Lukachenko,* e nos disse que, em Minsk, os
manifestantes ucranianos foram espancados com mais violência
do que os russos.
Quando os democratas estavam terminando, a União das Forças
de Direita iniciou seu encontro ao lado, na praça Lubianka. As
autoridades devem ter gostado de ver que liberais e democratas
não deixam de brigar nem mesmo em feriados.
O principal protesto foi organizado pela ala esquerda, que con-
gregou quase nove mil pessoas. A maior parte dos jovens estava
lá. O Partido Comunista, os Bolcheviques Nacionais, o Rodina, o
Trabalhista na Capital, a União de Oficiais Soviéticos e outros
tinham concordado em realizar uma manifestação conjunta. Pela
primeira vez em quatro anos, Eduard Limonov conseguiu liderar
a coluna dos Bolcheviques Nacionais, agora que expirou sua
sentença suspensa.
Ievgeni Baranovski, Lev Dmitriev e Alexander Tchepaliga
começaram uma greve de fome na sede do Partido Bolchevique
Nacional em Moscou. Eles exigem a libertação de seus colegas
de partido que ainda estão na prisão.
Em toda a Rússia, a esquerda trouxe para as ruas um milhão e
meio de manifestantes no 1 o de maio.
Na Inguchétia, as comemorações de maio foram marcadas por
prisões. Musa Ozdoev, o líder da campanha pela demissão do
presidente Ziazikov, foi preso durante a noite. No dia anterior,
ele estava numa praça onde seria realizada uma manifestação
anti-Ziazikov e foi preso pela polícia. A meia-noite, o juiz
Ramazan Tutaev foi levado à sede da polícia em Nazran; ele
distribuiu justiça na cela de detenção, dando assim expressão
simbólica da fusão do judiciário com as instituições de
cumprimento da lei em um único mecanismo estatal de
repressão.
Tutaev sentenciou Ozdoev a 72 horas de prisão, oficialmente por
“vandalismo insignificante". Alegou-se falsamente que ele que-
brou uma banqueta. Como deputado do Parlamento Republicano,
Musa não pode ser preso legalmente sem a sanção da Assembléia
do Povo, mas, como esta é difícil à noite, a formalidade foi
dispensada.
Na prisão, Musa iniciou imediatamente uma greve de fome para
protestar. Ele descobriu que seus companheiros de cela estavam
presos por tentativa coletiva de suicídio.

2 de maio
Ozdoev foi libertado inesperadamente um dia antes. A decisão
foi tomada pelo juiz Alikhan Iarijev, do Tribunal Distrital de
Nazran. Ozdoev considerou aquilo um insulto. "Eu disse ao juiz
Iarijev", contou-me Musa, "que não iria sair. Não precisava de
concessões deles." Porém, os policiais puseram o oposicionista
na rua e fecharam bem a porta atrás dele.
O verdadeiro motivo era, evidentemente, que ele havia entrado
em um mundo que as autoridades queriam manter secreto. Na
cela, ele conheceu pessoas que haviam sido torturadas para que
confessassem "voluntariamente" que eram organizadoras e
participantes de um ato terrorista contra Murat Ziazikov. Ozdoev
soube que a tortura empregada pelos agentes do Ministério do
Interior contra aqueles prisioneiros era tão extrema que a
Diretoria do FSB da Ossétia do Norte recusou-se a aceitar alguns
deles para um interrogatório posterior devido à gravidade dos
seus ferimentos. Ozdoev também conheceu Bekkhan Gireiev,
chamado pelo Ministério do Interior de "a mente por trás do
complô terrorista”. Suas rótulas estavam quebradas e ele não
tinha nenhuma unha nas mãos. Tinham sido arrancadas durante o
interrogatório.
"Fiquei sabendo de coisas nas quais nunca havia acreditado
antes", contou Musa, "se não tivesse visto com meus próprios
olhos. É claro que, depois desse tipo de coisa, essas pessoas e
seus parentes correrão para se juntar à Resistência." O deputado
considera sua desventura totalmente comum.

3 de maio
De Israel, Leonid Nevzlin fez uma oferta à administração
presidencial para vender as ações do Grupo Menatep na Iukos em
troca da liberdade de Khodorkovski e Lebedev.
Por intermédio de seus advogados, Khodorkovski, da prisão
Matrosskaia Tichina, recusou a oferta do seu amigo e antigo
parceiro de negócios. Khodorkovski declarou que não se
considerava culpado e não tinha nenhuma intenção de permitir
que fosse resgatado. Ele lutaria por sua liberdade por meios
legais.
Nevzlin passou a ter uma participação controladora na Menatep
depois que Khodorkovski transferiu 59,5% da empresa para ele
para se "concentrar na criação de uma sociedade civil na Rússia”.
Essa concentração de esforços foi o início de todos os seus
problemas, pois o Kremlin decidiu que ele era o seu pior inimigo.
Caso ele tivesse pago devidamente a parte do Kremlin, não teria
sofrido nenhum dano.
Os acionistas da Iukos anunciaram que não vêem razões para
continuar tentando salvar a empresa.
As autoridades estão insinuando ainda mais, na televisão e em
discursos de suas figuras mais proeminentes, que Stalin na
realidade não era tão mau como disseram. A inauguração de
novos monumentos a Stalin em reconhecimento à sua grande
contribuição para a vitória na Segunda Guerra Mundial é exibida
com destaque nos noticiários. A Associação de Direitos
Humanos se opôs a essas tentativas de impor a veneração oficial
ao Líder. Numa declaração, ela comentou:
Depois de tudo que nosso povo ficou sabendo a respeito da
brutalidade sobre-humana e da vileza de Stalin, sua reabilitação
moral e política só pode significar que, em nosso país, qualquer
imoralidade política é permitida e qualquer crime cometido pelo
Estado pode ser justificado, se sua enormidade for sufi-
cientemente intensa para entorpecer a mente. Nunca devemos
esquecer que a principal vítima do stalinismo foi o povo russo.

Os democratas perderam o barco novamente. A re-stalinização é


uma realidade.

4 de maio
No Tribunal Distrital de Zamoskvoretchie, em Moscou, a juíza
IrinaVasina rejeita um recurso de Svetlana Gubariova. Svetlana
foi refém em Nord-Ost e perdeu na tragédia sua filha de 13 anos
e seu noivo, Sandy Booker, um cidadão americano.
Svetlana exigia que a recusa do procurador a responder às suas
perguntas a respeito de onde e quando sua família morreu
deveria ser considerada ilegal; que as diretivas do Gabinete do
Procurador, recusando-se a rever a prestação de assistência
médica durante o cerco de Nord-Ost, deveriam ser consideradas
ilegais, e que a decisão do chefe da investigação,Vladimir
Kaltchuk, de não fazer acusações criminais contra os agentes das
unidades de Operações Especiais que realizaram o ataque deveria
ser considerada ilegal.
Em voz trêmula, Svetlana leu suas queixas contra o procurador.
Ela observou que aqueles que mataram os reféns, inclusive sua
família, receberam prêmios e que agora está se tentando de tudo
para absolvê-los da culpa por terem transformado o auditório
Dubrovka numa câmara de gás. A não-responsabilização dos
culpados conduziu à tragédia de Beslan, ainda maior.
Depois de ouvir por cinco minutos, a juíza encerrou abrupta-
mente a audiência. Svetlana esperava criar uma jurisprudência
fazendo com que o tribunal se pronunciasse sobre a base legal da
maneira pela qual o inquérito estava sendo conduzido.

9 de maio

Os líderes de todos os países imagináveis vieram a Moscou


prestar homenagem a Putin, não à vitória russa na Segunda
Guerra Mundial. Essa é a interpretação da direita, da esquerda e
dos apolíticos.
Putin seqüestrou esta importante comemoração patriótica seus
próprios fins, para consolidar sua posição como um dos
principais líderes do mundo. O mundo dos negócios foi forçado a
contribuir para o Fundo da Vitória. Todos os funcionários
tiveram pagar uma taxa. Nem mesmo os servidores públicos mais
humildes tiveram opção a não ser pagar para comemorar a
"Vitória de Putin”
Um idoso, Pavel Petrovitch Smolianinov, escreveu-me aldeia de
Puchkarnoie, onde sua mulher é carteira. Ela recebe meros 2.000
rublos [US$80] mensais, mas foi forçada a contribuir. Nas
palavras dele, ela não conseguiu resistir à extorsão porque só
faltam três meses para que se aposente e não queria pôr em risco
sua pensão.

11 de maio
Será estabelecida uma Câmara Social, composta pelos "melhores
elementos da sociedade civil”. Eles serão selecionados por Putin
para criticar decisões das autoridades do Estado, inclusive o
próprio Putin.
O Comitê Diretor do Congresso dos Cidadãos descreveu isso
como "uma tentativa de manipular a sociedade civil em favor dos
interesses dos ocupantes do poder". Por outro lado, acrescentou o
Comitê, é sensato explorar qualquer oportunidade para
influenciar as autoridades "e acreditamos que a participação
individual de membros do Congresso Nacional dos Cidadãos na
Câmara Social deve ser vista como mais uma oportunidade
prática para exercer essa influência".
Será que eles irão se permitir ser comprados desta maneira?
Pode ter certeza de que sim.

12 de maio
Em Novosibirsk, agentes do FSB prenderam dois bolcheviques
nacionais, Nikolai Baluev e Viatcheslav Rusakov. O apartamento
de Baluev foi revistado e os agentes removeram folhetos, edições
do jornal Generalnaia Iinia, do Partido Bolchevique Nacional,
vinte videocassetes e um jarro. Ambos os membros do partido
estão sendo acusados de "posse de armas" e "terrorismo”.

1 4 de maio
O "Festival Antiterror". As vítimas de Nord-Ost encenaram um
tour de force denominado "Não ao Terror!”. Elas continuam a
luta por conta própria, mas com pouco apoio. A grande sala de
concertos do Cosmos Hotel em Moscou está somente com
metade da ocupação.
Nos camarotes, estão principalmente as famílias daqueles que
morreram e os sobreviventes de Nord-Ost. De um lado, está uma
delegação de Beslan. O evento é aberto por Tatiana Karpova, a
mãe de Alexander Karpov, morto em Nord-Ost, que agora é a
força motriz por trás da associação, defendendo os interesses das
pessoas envolvidas. O tema principal da noite é: onde está a
preocupação do Estado com as vítimas do terror? Onde estão as
investigações independentes sobre os atos terroristas? Onde estão
o judiciário independente e o gabinete do procurador honesto?
Está ouvindo, sr. Presidente?
Uma carta aberta a Putin é distribuída. Foi escrita por Oleg Jirov,
cidadão holandês cuja mulher morreu tentando salvar seu filho
do cerco:
Minha principal razão para escrever esta carta é o número cres-
cente de vítimas de atos de terrorismo e o total desprezo pelos
seus problemas e seu direito a compensação moral e material por
parte da burocracia e das instituições judiciais, inclusive os
tribunais Supremo e Constitucional. A julgar por seus veredictos,
tudo o que aconteceu na Rússia nos últimos cinco anos de luta
contra o terrorismo está de acordo com a Constituição e as
exigências e ações judiciais das vítimas não têm justificação
legal. Às vezes, parece que há somente duas partes nesta guerra:
as heróicas tropas de Operações Especiais e, no outro lado,
terroristas e separatistas.
Leio a carta de Oleg Jirov juntamente com Svetlana Gubariova,
que perdeu a filha e o noivo americano durante o cerco. Seus
olhos se enchem de lágrimas enquanto ela tenta conter sua
tristeza inconsolável. Ela não acredita que escrever cartas abertas
a Putin vá mudar qualquer coisa quanto à maneira pela qual as
autoridades russas estão combatendo o terrorismo", quando é
Putin o maior instigador de Políticas em que os que levam a pior
são sempre os reféns.

O palco está repleto de rostos conhecidos, partidários insistentes


das vítimas do terrorismo: Irina Khakamada, que hoje chefia o
partido Nossa Opção; Gary Kasparov, campeão mundial que este
ano deixou de jogar xadrez para trabalhar por mudanças
políticas, e Liudmila Aivar, advogada que há mais de dois anos
representa os interesses das vítimas de Nord-Ost nos tribunais.
Muitas "caras novas" haviam sido convidadas, mas não aparece-
ram. Por exemplo, Alexander Torchin, que lidera a comissão
parlamentar formada para investigar Beslan. Era ele que o
pessoal de Beslan esperava ouvir. Eles acreditam que Torchin
conheça todos os detalhes a respeito do ataque à escola, não pode
revelá-los por enquanto, mas contará toda a verdade quando
reunir coragem suficiente. Sua ausência deste festival significa
evidentemente que ele ainda não a reuniu.
Putin é incapaz de ver o povo russo como aliado na luta contra o
terrorismo. Ele não gosta desse tipo de envolvimento popular e
os lacaios que executam suas ordens meramente imitam o com-
portamento do presidente.
O Festival de 2005 já é o segundo. Está se tornando uma tradi-
ção. Nós, reféns de um Estado indiferente, só podemos adivinhar
quantos outros atos terroristas acontecerão em 2006 e esperar que
sejam poucos.

16 de maio
O comportamento pouco educado dos homens de Operações
Especiais OMON diante do Tribunal Mestchanski, onde o julga-
mento de Khodorkovski e Lebedev está chegando ao fim, é um
claro indicador da atitude das autoridades com relação à
democracia. Eles dissolveram um grupo de defensores dos
acusados, mas ignoraram os manifestantes contra a Iukos, que
também apareceram de algum lugar. No total, 28 pessoas foram
presas, com os policiais tirando pessoas da multidão e jogando-as
em um ônibus quando terminou a manifestação, como se alguém
no comando tivesse acabado de acordar. Os manifestantes foram
levados para postos da polícia e lá retidos por sete horas. Entre
eles estava Kasparov.

21 de maio
Todo ano, desde 1990, a Fundação Andrei Sakharov e a Filar-
mônica de Moscou comemoram o nascimento de Sakharov reali-
zando um sarau musical no Grande Auditório do Conservatório
de Moscou. Nos últimos 14 anos, o programa tornou-se
tradicional: um concerto clássico com discursos breves feitos por
importantes figuras públicas e defensores dos direitos humanos
que eram próximos de Sakharov a respeito dos principais
problemas que enfrentamos.
É provável que tenham temido os discursos, porque, quando
chegou o momento de acertar a décima quinta comemoração este
ano, pela primeira vez, a Filarmônica disse à Fundação que o
evento não seria possível. Sem explicações.
Para manter intacta a tradição, os admiradores de Sakharov,
recuperando-se da surpresa diante da inesperada manifestação de
democracia gerenciada, realizaram um concerto ao ar livre na
pequena praça ao lado do Museu e Centro Social Sakharov. O
tema da noite era "Enquanto Corações Ainda Batem pela Vida
Honesta".
Houve um bom comparecimento e a noite correu bem, à maneira
de Moscou. Trovadores cantaram, poetas recitaram, a cantora
tchetchena Liza Umarova teve um desempenho perfeito, foi lida
uma carta de Vladimir, que não pôde comparecer. Sergei
Kovaliov fez um discurso, assim como Grigori Iavlinski e
Vladimir Lukin, ombusdsman da Rússia pelos Direitos Humanos.
O concerto foi apresentado por Natella Boltianskaia, uma
excelente compositora, cantora e apresentadora na rádio Eco de
Moscou, uma das ultimas emissoras de rádio livres ainda em
operação.
A sensação de derrota, deixada pelo cancelamento do sarau no
conservatório, dissipou-se com as primeiras palavras ditas e
cantadas, sendo substituídas por uma grande sensação de
solidariedade e unidade com o legado de Sakharov.
Mas os truques ainda não tinham acabado. Percebendo que não
haviam conseguido humilhar o movimento pelos direitos huma-
nos, as autoridades voltaram atrás e a Filarmônica começou a
anunciar um "Concerto Sakharov" no Grande Auditório do
Conservatório. Elas montaram um concerto paralelo para o qual,
naturalmente, não foram convidados os amigos de Sakharov,
nem os antigos prisioneiros do Gulag, nem os membros do
movimento pelos direitos humanos, nem os parentes de
Sakharov.
As autoridades parecem ter decidido tentar privatizar mesmo a
memória de Sakharov. O mais provável é que o objeto fosse
jogar areia nos olhos do Ocidente.

22 de maio
É domingo e foram convocadas marchas por toda a nação "pela
livre expressão, contra a censura, a violência e as mentiras na
televisão".
Supus que a maioria dos manifestantes seria de membros da
imprensa e que eles iriam liderar o desfile. Na verdade, além dos
jornalistas que cobriam o evento, havia somente dois
representantes da imprensa marchando: Ievgenia Albats, que
trocou o jornalismo pelo magistério, e eu.
A manifestação fora organizada conjuntamente pelo Iabloko, o
Partido Comunista, a União de Forças de Direita, a União Russa
de Jornalistas, o Grupo Moscou Helsinque, o Congresso dos Ci-
dadãos, o Comitê 2008, o Comitê pela Defesa dos Moscovitas, o
Comitê pela Defesa dos Direitos Humanos, a Associação dos
Direitos Humanos, o Movimento de Solidariedade e os Bolchevi-
ques Nacionais. Limonov fez um discurso.
Todos se reuniram no memorial ao Acadêmico Koroliov, na
avenida dos Cosmonautas, e prosseguiram até o centro de
transmissão em Ostankino, bloqueando a rua.

23 de maio
Os Bolcheviques Nacionais detidos na prisão feminina
Petchatniki pela ocupação, em 14 de dezembro, de uma sala no
prédio da administração presidencial, entraram em greve de
fome.

24 de maio
A Iukos não mais existe. Seu principal ativo, a Iuganskneftegaz,
comprada com auxílio de capital alemão. A holding Iukos-
Moscow foi liquidada.

28 de maio
Conferência da União de Forças de Direita. Nikita Belikh foi
eleito presidente do comitê político e chefe do partido. Ele é um
homem do governo e vice-governador da província de Perm;
assim, a administração conquistou também a União de Forças de
Direita. Por exemplo, ela deixou prontamente de protestar contra
a abolição das eleições para governadores.
A pedido da administração presidencial, a principal preocupação
da Duma durante sua sessão de verão tem sido eliminar os últi-
mos vestígios de democracia na legislação eleitoral. Leis
receberam emendas para garantir que as pessoas em desgraça não
tenham a menor chance de chegar ao poder, independentemente
do que possa pensar o eleitorado. As maiores inovações são:
1. O depósito eleitoral exigido dos partidos políticos foi
elevado para US$2 milhões.
2. O quórum para uma eleição válida está sendo
drasticamente reduzido para que as eleições continuem
ocorrendo. Onde anteriormente o mínimo de comparecimento era
de 20%, agora não mais haverá requisito mínimo para eleições
locais. É uma dissimulação completa: mesmo que 2% do
eleitorado compareçam para votar para prefeito, a eleição será
válida.
3. Não haverá mais restrições sobre o número de urnas remo-
tas ou portáteis nos centros de votação. As maquinações
envolvendo urnas portáteis foram a principal tática para fraudes
nas últimas eleições, tanto a parlamentar como a presidencial.
Eles as encheram dos votos necessários, longe das seções
eleitorais e, portanto, fora do alcance dos observadores. De fato,
nas eleições municipais em São Petersburgo, este sistema
mostrou maravilhosamente seu valor, com o número de cédulas
nas urnas remotas superando aquelas dos eleitores que votaram
pessoalmente nas seções eleitorais.
4. A opção de votação "Nenhum dos nomes anteriores" será
removida das cédulas. Recentemente, até 20% dos votos
apurados foram para "Nenhum dos nomes anteriores", o que
irritou a administração presidencial. Agora não haverá como
registrar um voto formal de protesto nas eleições.
5.As associações públicas não podem mais fornecer observa-
dores. Não serão permitidos observadores independentes
somente aqueles indicados por partidos políticos. Obser-
vadores internacionais somente serão permitidos se convida-
dos pelas autoridades do Estado. A administração presiden-
cial decidirá quais observadores convidar e quais manter
afastados.
Será que a administração está desesperadamente amedrontada
com as eleições, mesmo quando elas são tão "gerenciadas"
quanto as mais recentes? Ou ela está apenas cansada de se
preocupar com a possibilidade de suas fraudes não darem certo e
quer impor condições ainda mais favoráveis a si mesma?
Todas essas emendas presidenciais adotadas pela Duma ainda
não bastam para Dmitri Mevdvedev, diretor da administração
presidencial, que disse aos representantes das comissões
regionais eleitorais que as eleições eram uma "ameaça à
estabilidade" na Rússia Putin não censurou o diretor da sua
administração.

Em Moscou, o Partido Comunista, o Partido Bolchevique Nacio


nal, o Iabloko e o Rodina realizaram uma manifestação conjunta
de protesto na praça da Revolução em apoio aos prisioneiros
políticos. Eles estão mostrando solidariedade para com as
mulheres em greve de fome e exigindo que elas não sejam
mantidas presas enquanto o caso de 14 de dezembro estiver
pendente. Elas querem que cesse a perseguição à oposição por
razões políticas e exigem uma anistia mais ampla para os
prisioneiros sob custódia acusados de infrações banais à lei.
As autoridades não se importam.
30 de maio
Ás 10 da manhã, três partidários de Limonov que estavam em
greve de fome na sede do Partido Bolchevique Nacional (PBN)
saíram e bloquearam a entrada para a praça Vermelha. Eles se
prenderam entre os portões da arcada, perto do Museu Histórico.
Os manifestantes vestiam camisetas com a legenda "Greve de
fome de 29 dias e exibiam fotos dos prisioneiros políticos do
PBN. Eles exigiam sua libertação e uma resposta do Estado às
mulheres em greve de fome na prisão feminina de Petchatniki.
E também distribuíam panfletos com a seguinte declaração:
Liberdade ou Morte! A quarta semana da nossa greve de fome
chegou ao fim na sede do Partido Bolchevique Nacional. Vimos,
mais uma vez, que as autoridades de Estado russas são
indiferentes à vida e à segurança dos seus cidadãos. Não houve
nenhuma reação à greve de fome por parte das autoridades. O
que mais se pode esperar de pessoas que, sem hesitação, enve-
nenaram cidadãos do seu país com gás em Nord-Ost, atiraram de
tanques contra crianças reféns em Beslan, privam os idosos de
seus benefícios, aprisionam inocentes, expressam admiração pelo
sanguinário ditador Karimov [do Uzbequistão] e decretam uma
insultuosa anistia de meros duzentos prisioneiros para marcar o
sexagésimo aniversário da vitória na Segunda Guerra Mundial?
Nós, que fazemos uma greve de fome, somos obrigados a sair às
ruas para expressar nosso protesto diante dessa atitude homicida
para com os cidadãos da Rússia. Dizemos não ao poder de
autoridades impiedosas e carniceiros do Estado policial! Longa
Vida à Rússia Livre!
O protesto durou pouco mais de meia hora. Ás 10:35, os
Bolcheviques Nacionais foram presos por agentes do Serviço
Federal de Segurança e pagaram uma multa de 500 rublos
[US$20] por "um piquete não autorizado na vizinhança da
residência do presidente".

7 de junho
Na Ossétia do Norte, houve uma súbita transferência de poder. O
presidente Alexander Dzasokhov, que ninguém conseguia
agüentar mais, foi rebaixado à posição de senador e membro do
Soviet da Federação, representando a Ossétia do Norte. Ele é
totalmente responsável pela morte de centenas de crianças e
adultos em Beslan e deveria ser julgado. Porém, Putin não manda
seus aliados a julgamento. Ele substituiu Dzasokhov por
Teimuraz Mamsurov, uma indicação antiterrorista". Mamsurov
foi anteriormente líder do Parlamento da Ossétia do Norte. Dois
dos seus filhos foram reféns em Beslan mas sobreviveram.
Porém, tudo o que ele fez posterior mente foi encobrir os atos das
autoridades.
Em sua fala do trono aos deputados do Parlamento, Mamsurov
declarou: "Procurarei ser merecedor da confiança do presidente"
Os eleitos não precisam mais aspirar à conquista da confiança do
povo.

16 de junho
Representantes da oposição, à esquerda e à direita, assinaram em
Iaroslavl um documento de aliança, provocando uma das hoje
raras aparições públicas de Iavlinski. Ele parecia fatigado e
deprimido.
Ele contou aos jornalistas: "Sou convidado periodicamente a
aparecer na televisão apenas para mostrar ao público que ainda
estou vivo. Ficam satisfeitos em saber disso, mas o interesse pára
por aí. O que fazer nessas circunstâncias? Apenas pedir às
autoridades que lhe concedam uma certa porcentagem dos votos
nas eleições. É como uma prova esportiva preparada, em que o
resultado não reflete a realidade." Atualmente Iavlinski leciona
na Escola Superior de Economia em Moscou. Ele tem alunos
pós-graduados, escreve livros e faz palestras no exterior.
Nikita Belikh, o novo líder da União de Forças de Direita, parece
estar pedindo que o Kremlin não persiga seu partido, mas o veja
como útil. "Somos uma oposição construtiva. Nunca dissemos
que somos leais às autoridades, mas ao mesmo tempo não
acreditamos em oposição pela oposição."
Suas palavras são completamente sem vida. Existe algum inte-
resse em fazer esforços para ressuscitar esses velhos democratas
meramente porque são rostos conhecidos? Será que eles são
capazes de fazer alguma coisa pelo país como líderes
democráticos ou devemos simplesmente aceitar a maneira pela
qual a política esta evoluindo? Se formos realistas, nenhum dos
movimentos ou partidos no espectro democrático merece o apoio
de uma pessoa honesta que reluta em comprometer sua
consciência.
Na ausência de políticas adultas, um papel cada vez maior e
desempenhado pela política jovem, que não fica se perguntando
qual seria seu papel ou a quem deveria apoiar. Ela não se importa
com o que Iavlinski pensa e provavelmente nunca ouviu falar de
Nikita Belikh

20 de junho
Já se passaram seis meses desde os horrores em massa cometidos
pela polícia em Blagoveschensk, Baskhiria e nas aldeias vizinhas
em 10-14 de dezembro de 2004. E quase dois meses, desde a
publicação de instruções secretas e inconstitucionais preparadas
pelo Ministério do Interior da Rússia sobre a permissão para
tomar medidas violentas contra cidadãos russos, instruções estas
muito adequadas à violência em Blagoveschensk. Agora,
finalmente, foi formada em Moscou uma comissão sob os
auspícios do ombudsman para Direitos Humanos para discutir
para onde vamos.
Uma reunião dessa comissão é a única reação oficial das auto-
ridades do Estado a toda uma série de "limpezas" semelhantes às
de Blagoveschensk que ocorreram, e ainda estão ocorrendo, em
muitos lugares, como Bejetsk, Nefteigansk, a aldeia de
Rojdestveno, na província de Tver, e a aldeia de Ivanovskoie, na
região de Stavropol.
A extraordinária brutalidade dos serviços de segurança na Rússia
nos últimos seis meses não gerou nenhum protesto público
amplo, nem teve repercussões sociais. O presidente continua a se
considerar acima da defesa da Constituição, sem se desculpar
nem mesmo uma vez às centenas de pessoas "expurgadas",
feridas e espancadas, por sua incapacidade para protegê-las. O
Parlamento está no bolso do presidente e não dedicou sequer uma
sessão aos extraordinários eventos em Blagoveschensk e suas
conseqüências. O procurador-geral não exigiu publicamente a
imediata anulação das instruções inconstitucionais do Ministério
do Interior.
Agora, em 20 de junho, o ombudsman Vladimir Lukin abriu a
primeira sessão da comissão. O procurador-geral foi representado
Por Sergei Gerasimov, vice-procurador-geral do Distrito Federal
de Privoljie. Entre os representantes do Ministério do Interior,
estavam o vice-chefe do Departamento de Monitoramento
Organizacional, Gennadi Blinov (que foi quem mais falou por
eles) e Vladmir Vladimirov, do departamento local do Serviço
Federal de Controle de Drogas. Como a maioria dos policiais
presentes, ele nada tinha a dizer.
Os trabalhos foram iniciados. Lev Ponomariov, da Associação
de Direitos Humanos, membro da extra-oficial Comissão Pública
para Investigação dos Eventos em Blagoveschensk, perguntou:
"Qual é a atual situação dos processos criminais ligados aos
event em Blagoveschensk?"
Sergei Gerasimov: “0 inquérito foi concluído. Todos os acusa
dos foram informados das suas constatações. Ramazanov, o
chefe do Gabinete de Assuntos Internos de Blagoveschensk, leu
até agora 22 dos 50 volumes. Nossa previsão é de que, se ele
continuar a ler ao ritmo atual, precisará de cerca de mais um mês.
O caso será então encaminhado ao tribunal."
(Quanto mais tempo ele passar lendo as evidências, menos elas
estarão expostas aos olhos do público. O Gabinete do Procurador
não irá pressionar Ramazanov.)
Ponomariov: "Alguns funcionários do Ministério do Interior de
Bachkiria foram inicialmente suspensos, mas agora já foram
reintegrados. Por quê?"
Gerasimov: "Eles entraram com recursos, dizendo que foram
suspensos injustamente e o tribunal recusou-se a confirmar suas
suspensões. Em minha opinião, o Ministério do Interior de
Bachkiria agiu de forma incorreta. Se funcionários do Gabinete
do Procurador estavam envolvidos com algo desse tipo, seria o
fim de seus empregos."
Veronika Chakhova (ex-editora do jornal Zerkalo, de
Blagoveschensk, demitida por ter feito um relato verdadeiro dos
eventos de dezembro). "Mas nosso procurador Izmagilov
recusou-se simplesmente a aceitar declarações das vítimas! Ele
não foi punido, meramente desapareceu de vista."
Gerasimov: "Alguns dias depois do evento ele redigiu unia
declaração e foi afastado de seu posto."
Chakhova: "É essa a extensão da punição dele?"
Gerasimov: "Sim."
Chakhova: "Bem, agora ele se candidatou a juiz. O Gabinete do
Procurador passou uma referência sobre ele ao Colégio
Qualificação de Juízes?"
Gerasimov (constrangido e inseguro com a resposta que daria:
"Não sei. É possível que tenha sido enviada alguma coisa.

Sergei Kovaliov (o primeiro ombudsman russo, ex-deputado


da)uma. Um democrata seguro, dissidente no período soviético,
camarada em armas de Andrei Sakharov): "Mas conte para mim,
ninguém está sequer levantando a questão de ele ter infringido a
lei durante o desempenho de seus deveres?"
Gerasimov. “A demissão é a sanção mais severa. Não foi desco-
berta nenhuma prova de atividade criminosa."
Vladimir Lukin, ombudsman: "Não obstante, este caso tem tido
repercussões e os problemas continuam. Irregularidades do
mesmo tipo têm ocorrido desde Blagoveschensk na província de
Tver e há suspeitas de que na noite de 11-12 de junho um fato
semelhante ocorreu no distrito de Stavropol. Como podemos ter
certeza de que este tipo de coisa acabou? Talvez o fato de os
culpados escaparem com total impunidade seja sua causa?"
Gerasimov: "O Ministério do Interior não pode impor ordem no
seu próprio departamento. O Ministro do Interior deve ser o dono
de sua casa - ele deve bater o punho na mesa. Nenhum grupo de
procuradores conseguirá forçar a polícia a colocar a casa em
ordem."
Liudmila Alexeieva (presidente do Grupo Helsinki de Moscou e
membro da Comissão Presidencial para o Desenvolvimento da
Sociedade Civil e dos Direitos Humanos): "Inicialmente, quando
pegamos este caso, pensamos que se tratasse simplesmente de
gerenciamento incompetente por parte do Ministério do Interior
local, mas agora sabemos da Ordem n° 870DSP. A polícia estava
executando esta ordem. Estamos fazendo campanha pela
anulação da Ordem 870, mas há outras ordens departamentais
relativas a ‘pontos de filtração’?”
(As Ordens nº 174 DSP e n° 870 DSP, de 10 de setembro de
2002, assinadas por Boris Grizlov, na época ministro do Interior,
e oApêndice n° 12 à Ordem n° 870 DSP ("Instruções sobre
Planejamento e Preparação de Forças e Recursos em
Circunstâncias emergenciais") estabeleciam como os
funcionários do Ministério do Interior devem reagir em
"Circunstâncias Emergenciais", “Situações Emergenciais" e
"Estado de Emergência". Eles introduzem o conceito de "pontos
de filtração" e "grupo de filtração". De acordo com esses
documentos, não só podemos ser espancados sempre que um
policial ou agente do OMON achar isso adequado, mas também
podemos ser submetidos a detenção arbitrária enviados a um
ponto de filtração e, caso resistamos, eles também podem
"exterminar criminosos".
Esses documentos parecem conceder a um policial o direito de
considerar qualquer pessoa um criminoso. Hoje essas ordens, que
equivalem a uma abolição da presunção de inocência, podem ser
encontradas em todos os postos policiais.)
Gennadi Blinov: "No que diz respeito à criação do chamado
‘ponto de filtração’ em Blagoveschensk, aquilo foi apenas
incompetência por parte do encarregado local. A Ordem n° 870
foi aprovada somente para proteger a população e nosso território
em caso de estado de emergência. Ela se aplica somente a essas
circunstâncias."
Oleg Orlov (vice-presidente do Centro Memorial dos Direitos
Humanos): Mas na Ordem n° 870 não é feita referência somente
a um estado de emergência, mas também a circunstâncias e situa-
ções de emergência. Como é regulada a criação de pontos de
filtração num estado de emergência? E o que são ‘circunstâncias
emergenciaiss’? Estes conceitos não existem em nenhum lugar
em nossa legislação."
Binov: "O Ministério do Interior tem mais uma semana para
responder. Não vamos nos apressar demais. Uma grande equipe
de advogados está trabalhando nisso. Vamos esperar."
(Sobre o que estamos falando? No corredor, Sergei Gerasimov,
que estava encarregado da investigação criminal de
Blagoveschensk, admitiu abertamente que a Ordem n° 870 não
havia sido enviada a ele porque era secreta. Esta ordem, de
acordo com a qual os cidadãos eram agrupados num ponto de
filtração, espancados, torturados e envenenados por gás, pode de
fato ser fida em muitos websites de direitos humanos —
Memorial, The People's Verdict, a Associação de Direitos
Humanos. Ela foi traduzida para o inglês e está disponível para
organizações internacionais de direitos humanos. De que outra
maneira ela pode ser trazida à atenção do vice-procurador-geral?)
Mara Poliakova (presidente da Comissão Legal Independente,
que analisou a legalidade da Ordem n° 870): "O Gabinete do
Procurador-geral pretende fazer objeção ao fato de a Ordem nº
870 e suas Instruções serem ilegais?"
Blinov: "A Ordem n° 870 foi analisada e aprovada pelo
Ministério da Justiça. Ela é legítima."
Sergei Chimovolos (defensor dos direitos humanos de Nijni
ovgorod). “0 uso de máscaras por agentes do OMON durante as
‘limpezas’ torna impossível trazê-los à justiça. Somente aqueles
que não usavam máscaras foram acusados no caso
Blagoveschensk. Como procedemos?"
Gerasimov: "É impossível agir completamente sem máscaras; as
são essenciais em casos de guarda de criminosos particular-ente
perigosos e captura de bandidos armados durante uma guerra de
guerrilha. Certamente o uso de máscaras deve ser regulamentado,
o que não é o caso no presente. Por enquanto, os agentes do
MON na Bakhiria escaparam à punição. A posição do Gabinete o
Procurador-geral é de que, onde são usadas máscaras, os agentes
devem usar distintivos numerados; depois de Blagoveschensk,
soube-se que a polícia de Bakhiria não usava nenhum distintivo e
mesmo vale para muitas outras regiões."
Irina Verchinina (ombudsman de Direitos Humanos para a
província de Kaliningrad). "Vocês irão rever a situação legal
relativa ao o de máscaras? Há escândalos constantes, mas nada é
feito a este respeito."
Não houve resposta a essa pergunta.
Sergei Kovaliov: “Não estamos falando apenas dos dez
funcionários acusados em conexão com Blagoveschensk, nem
somente o Ministério do Interior da Baskhiria. A questão não é
essa — atuação é muito pior. De onde vieram esses pontos de
filtração? Da chetchênia. Esse tipo de coisa vem acontecendo lá
há mais de dez os. Eles vêm sofrendo de pontos de filtração e de
um regime cruel sob um estado de emergência, embora este
nunca tenha sido formalmente declarado. Isso simplesmente cria
condições para a brutalidade. Estamos falando de pessoas de
nível muito elevado. Na verdade, precisamos perguntar se esta
não é uma política do Estado. Temo que seja."

Em reuniões subseqüentes da Comissão, aqueles a quem Lukin


se referiu como "estranhos" foram banidos. Entre eles, estavam
vítimas da ”limpeza" de Blagoveschensk e vários defensores dos
direitos humanos e jornalistas. Na reunião seguinte, um ato de
suicídio
por prisioneiros na colônia penal de Lgov estava em dis-

cussão quando, ao mesmo tempo, cerca de mil prisioneiros corta


ram a veia em sinal de protesto contra as torturas às quais
estavam sendo submetidos pelos guardas, mas a discussão foi
restrita ao pessoal interno". Pessoal interno, para o defensor
oficial de direito humanos da Rússia, são autoridades do
Ministério da Justiça que dirigem as prisões e colônias penais da
Rússia.

29 de junho
No Daguestão, Geider Jemal foi preso. Ele é o presidente do
Comitê Islâmico da Rússia, um dos mais respeitados filósofos
islâmicos dos dias de hoje. Ele mora em Moscou. Jemal foi a
Makhatchkala a convite do Conselho Religioso de Muçulmanos
do Daguestão, uma instituição inteiramente oficial. Foi preso por
agentes da Diretoria de Makhatchkala do FSB, juntamente com
outras 12 pessoas que haviam se reunido para discutir como man-
ter a paz na república, onde uma guerra está fermentando.
A prisão de pessoas desarmadas foi feita de forma muito agres-
siva por agentes armados. Jemal foi insultado e espancado e
depois levado ao Centro do Daguestão para a Luta Contra o
Terrorismo. A seguir, todos foram libertados, exceto Abbas
Kebedov, mas esse comportamento é inacreditável. Jemal é uma
figura séria demais no mundo islâmico para ser tratado desta
forma.
A razão oficialmente declarada foi suspeita de simpatia pelo
wahhabismo, com o qual Jemal não tem ligação nenhuma.
Aquilo que hoje chamamos de wahhabismo é na verdade o culto
a Basaev.

30 de junho
No Tribunal Distrital de Nikulin, em Moscou, começou o julga-
mento dos bolcheviques nacionais que ocuparam uma sala no
prédio da administração presidencial em 14 de dezembro de
2004. Eles foram conduzidos ao recinto algemados uns aos
outros como escravos.
O julgamento não tem precedentes. Em primeiro lugar, há 39
acusados e tentar achar uma sala de tribunal suficientemente
grande com gaiolas para todos é impossível. As gaiolas são uma
característica invariável dos julgamentos de hoje na Rússia. Em
segundo
as autoridades do Estado estão se esforçando ao máximo para
enfatizar que o julgamento é político.
Inicialmente eles eram acusados de "tomada violenta de poder
Federação Russa" (artigo 278 do Código Penal). A acusação foi
posteriormente reduzida para "organizar desordem em massa"
(artigo 212, Parte 2), que pode significar de três a oito anos de
prisão O processo está sendo tratado especialmente pelo
procurador-geral da Rússia,Vladimir Ustinov, e a investigação
foi realizada por unia equipe do Gabinete do Procurador de
Moscou (cujo líder, Ievgeni Alimov, foi dispensado em julho
devido a uma investigação corrupta diferente). Por mais de seis
meses, 39 dos quarenta bolcheviques nacionais (Ivan Petrov, de
15 anos, foi libertado) haviam ficado detidos aguardando
julgamento.
Por volta de meio-dia, quando deveria começar a audiência, o
prédio do tribunal em Mitchurin Prospekt foi cercado por cordões
de segurança concêntricos. Havia agentes do OMON por toda
parte, policiais chegando, cães, pessoas em uniformes de
camuflagem e agentes em trajes civis por todos os cantos.
Estavam gravando abertamente em vídeo as pessoas que haviam
se reunido e até mesmo olhando por sobre os ombros dos
jornalistas para ler o que estavam anotando. Não havia liberdade
como tinha havido no julgamento de Khodorkovski. Os
bolcheviques nacionais não foram trazidos ao tribunal em carros
elegantes com vidros escurecidos e os pais não puderam ver
como estavam seus filhos.
Os acusados foram transportados em vans sem janelas, que entra-
ram diretamente no subsolo do prédio. Subiram por escadas
internas até o segundo andar, que estava completamente fechado
para qualquer pessoa que não estivesse envolvida no julgamento.
Para completar essas medidas extraordinárias, foram colocados
policiais a cada 10 metros nos cordões externos, como se fosse
esperada a presença de Putin. A única pessoa que apareceu foi
Eduard Limonov, o líder do partido Bolchevique Nacional,
embora nem ele nem os pais pudessem entrar ou mesmo chegar
perto do prédio.
Sinto muito, mas foi o que o juiz decidiu", explicava amiga-
velmente o coronel encarregado dos cordões. O juiz é Alexei
Chikhanov, que foi trazido do Tribunal Distrital de Tver. As
oitavas deveriam ter lugar lá, onde ocorreu a alegada infração,
mas o tribunal não é suficientemente grande.
É preciso dizer que acorrentar e engaiolar pessoas ainda não
condenadas parece um exagero; nem mesmo terroristas e estupra
dores em série são trazidos acorrentados ao tribunal. Como pode
mos ver, aqueles a quem as autoridades temem realmente são os
dissidentes.
Neste primeiro dia, com o público excluído, a defesa tenta
conseguir a libertação dos jovens acusados sob fiança, nem que
seja apenas para os três garotos menores de idade e as nove
meninas. Isso não parece radical, uma vez que o dano de que eles
são acusados (um sofá rasgado, um cofre quebrado e uma porta)
é mínimo. Mesmo que seja acrescentada a acusação de realizar
uma manifestação não autorizada esta é uma infração
administrativa e não um crime.
Porém, o juiz Chikhanov destaca a gravidade da ofensa e as
preocupações às quais ela dá origem. Ele anunciará sua decisão
de libertar ou não às 19:00, depois que as pessoas envolvidas em
outros processos tenham deixado o prédio, para o caso de os
bolcheviques nacionais ainda em liberdade causarem agitação.
Esta é uma clara indicação de que a decisão será negativa.
O juiz não precisava ficar tão ansioso com a possibilidade de
distúrbios. No fim da tarde, com a chuva caindo, somente perma-
necem os partidários mais teimosos; mães e pais silenciosos e
tristes encolhidos sob seus guarda-chuvas, cujas únicas armas são
as lágrimas. Os companheiros de partido foram tomar chá e
Limonov também se foi. Não é próprio para líderes permanecer
na chuva. A decisão é anunciada: eles continuarão presos.
As características deste julgamento nos mostram como as auto-
ridades estão com medo de oponentes políticos comprometidos
que acreditam em enfrentar Putin.
Elas precisam de outro julgamento-espetáculo. Primeiro, havia a
Iukos, agora estão tentando esmagar os dissidentes, que é o papel
atribuído hoje aos bolcheviques nacionais. Seus slogans são:
"Parem a guerra na Tchetchênia", "Abaixo este governo anti-
social", "Fora Putin!” E o que é pior, eles não atacam outras
pessoas em portões, eles lêem livros e têm idéias. O que torna
sua infração mais odiosa e que as autoridades não conseguiram
quebrá-los, apesar de tê-los sujeitado a todos os métodos nos
quais nossos órgãos de segurança se destacam em locais de
detenção. As autoridades nada conseguiram: nenhum deles pediu
Gary Kasparov agora é o líder da Frente Democrática Unida
infelizmente, até agora não conseguiu unir muitos democratas
além das poucas almas de igual pensamento que costumavam
apoiar a União de Forças de Direita. Ele continua suas viagens
pelo sul da Rússia. Em todos os lugares, ele e sua equipe não
conseguem acomodações em hotéis, não podem comer em
restaurantes e não conseguem salas para suas reuniões. Os
proprietários fazem menção a uma proibição — obviamente
apenas verbal — das autoridades do Distrito Federal Sul. "Vocês
voltarão a Moscou, mas nós temos de ficar aqui. Se
concordarmos em aceitá-los, é provável que fechem nosso hotel e
nosso restaurante."
Por que Kasparov desperta tanto alarme? Ele só falou com as
pessoas, lançando sementes de dúvida a respeito do "bom Putin"
na mente de algumas. Foi só o que ele fez. Sua perseguição é
obra do "bom" Dmitri Kozak, representante político de Putin no
sul da Rússia, um suposto democrata. Muitas pessoas, até mesmo
nas fileiras democráticas, vêem Kozak como a melhor esperança
para a democracia depois de Putin, embora ele pareça bom
somente devido à total falta de alternativas. No governo, a
maioria é indolente e covarde. As pessoas sentiram pena quando
ele foi nomeado representante presidencial no Sul, porque o
cargo era considerado um beco sem saída, mas Kozak mostrou
que não era covarde. Ele estava preparado para falar com as
pessoas de suas insatisfações. Ele as ajudava a desabafar.
Aos poucos, à medida que passava de um ato de desobediência
civil para outro nas cidades do Sul, Kozak começou a ganhar
popularidade em outras partes da Rússia. Porém, sua verdadeira
estatura Política é vista nesta mesquinha perseguição a Kasparov.
Ele está completamente do lado de Putin.

1º de julho
Em Makhatchkala, no Daguestão, dez pessoas foram mortas no
local e duas outras morreram no hospital quando quase sessenta
recrutas da 102a Brigada de Operações Especiais do Ministério
do interior sofreram um atentado a bomba na frente de uma casa
de banhos a qual iam às sextas-feiras. A bomba de fabricação
caseira tinha poder explosivo equivalente a 7 quilos de TNT. Foi
o ato terrorista no Daguestão no último mês.

6 de julho
Em Moscou, os Heróis da Rússia entraram em greve de fome.
Isso é inédito para um grupo tradicionalmente considerado o
principal esteio de qualquer regime que ocupa o Kremlin. Eles
deveriam ser heróis para os líderes do Estado, mas alguma coisa
saiu errada.
Cinco Heróis, representando 204 Heróis da Rússia, da União
Soviética e do Trabalhismo Socialista, decidiram que não têm
outra maneira de ajudar a melhorar as relações entre a população
russa e as autoridades do Estado a não ser sujeitando-se a uma
automortificação pública. Eles estão fazendo greve de fome na
rua Smolni, nos arredores de Moscou.
Cada grevista representa um grupo de Heróis: um deles repre-
senta aqueles que receberam duas vezes o título de Herói da
União Soviética; outro, os cosmonautas da Cidade dos Astros;
um terceiro, os Heróis do Trabalhismo Socialista e os Cavaleiros
da Ordem do Trabalho Glorioso; um quarto, aqueles que são, ao
mesmo tempo, Heróis da União Soviética e da Federação Russa e
assim por diante.
Os Heróis perderam a paciência. Em 13 de junho, a Duma
adotou, na primeira leitura, novas emendas antibenefícios, desta
vez relativas aos Heróis. As emendas propõem uma redução não
da renda, mas de sinais de respeito do Estado perante aqueles que
o serviram de forma excepcional; por exemplo, daqui em diante
os Heróis não mais serão enterrados com honras: nada de guarda
d honra do Comissariado Militar, nem salva de artilharia, a
menos que o Estado pague por elas.
Isso representa o mais alto nível de insanidade burocrática. O
Heróis são incensados e sempre supuseram que o Estado tinha
interesse em honrá-los. Em abril, enquanto essas emendas
estavam tramitando pela máquina do governo, os Heróis
escreveram Putin, Fradkov e Grizlov. Duzentos e quatro deles
pediram que autoridades recebessem seus representantes, para
ouvi-los e compreender que eles sentiam que aquelas emendas
eram humilhantes e inaceitáveis.
Não houve reação nenhuma, nem um vislumbre de compreensão.
Os burocratas da administração presidencial, da Duma e do
governo cuspiram no rosto deles. Os Heróis então pensaram que
se aquela era a resposta que tinham recebido, qual seria a res-
posta para um cidadão comum? Eles decidiram entrar em greve
de fome para “atrair atenção para o problema do diálogo entre as
autoridades do Estado e a sociedade".
"Consideramos que este é o momento para iniciar um protesto e
decidimos ser as ‘fagulhas que iniciam uma chama’”, diz Valeri
Burkov. "Para que a sociedade siga nossa liderança e seja
aprovada uma lei assegurando que a voz dos cidadãos seja
ouvida quando as instituições do Estado estiverem preparando
leis. Nossa greve de fome pretende provocar um amplo debate
público de como são tomadas as decisões políticas, do direito do
cidadão ao seu próprio ponto de vista e de como o Estado deve
ser governado. Caso contrário, a Constituição russa é apenas
outra Declaração dos Direitos Humanos idealista. Onde está a
elite intelectual? Onde estão os escritores? Os membros do
Conselho Presidencial? Vamos ouvir o que eles têm a dizer sobre
as questões que nos levaram a agir."

7de julho
Atos terroristas em Londres, enquanto o G8 se reúne em Gle-
neagles, perto de Glasgow. Putin está lá. Feridos e sangue são
mostrados na nossa televisão, mas é melhor não ouvir os
comentários: pouca simpatia e muita satisfação maliciosa. É
como se nos agrada-se que os britânicos sofram o mesmo que
nós. Eles são particularmente cuidadosos para insinuar que a
Grã-Bretanha está agora Preparada para extraditar Akhmed
Zakaev para a Rússia, embora o governo britânico nada tenha
dito a este respeito.
O que há conosco? Estamos sempre prontos para exultar diante
do sofrimento dos outros e nunca preparados para ser bondosos.
Em todo o mundo, somos considerados pessoas boas e justas.
Não sinto isso no presente.
Em Moscou, os Heróis continuam a greve de fome, mas um canal
de televisão noticia o fato.
Marina Khodorkovskaia, mãe de Mikhail Khodorkovski,
entregou à nossa Novaya gazeta uma carta aberta ao cosmonauta
Georgi Gretchko, que assinou uma notória carta aberta de
cinquenta atores, escritores, produtores e cosmonautas — pessoas
bem conhecidas em toda a Rússia. Eles escrevem para dizer que
condenam Khodorkovski e estão satisfeitos com o fato de ele ter
recebido uma sentença severa [nove anos]. A carta corresponde
plenamente ao espírito da época de Stalin, quando a população
escrevia exortações empolgadas ao Líder para que ele
continuasse destruindo seus oponentes, reais ou imaginários.
"Estou magoada e envergonhada por vocês", escreve a mãe de
Khodorkovski. "Acho difícil acreditar que você, uma pessoa bem
informada e com sentimentos, nada soubesse das grandes
quantias que meu filho e sua empresa investiram em projetos
educacionais para jovens e professores em várias regiões da
Federação Russa. Se sabia disso, onde está sua consciência? Se
você não sabia e está chutando alguém que foi condenado
mediante instruções superiores, então onde estão sua honra e sua
hombridade? Não estou lhe pedindo que defenda Khodorkovski e
critique nosso dito sistema de justiça — toda pessoa tem direito à
sua opinião __, mas, antes de caluniar alguém publicamente,
você precisa conhecer os fatos e sem isso não pode haver questão
de justiça elementar."
Publicamos a carta, mas não houve resposta do cosmonauta
Gretchko que, aliás, também se opõe à greve de fome de seus
colegas. É a opção dele.

8 de julho
Continuam as audiências no caso dos 39 bolcheviques nacionais.
Eles estiveram em várias prisões de Moscou por sete meses.
Foram instaladas novas gaiolas, duas para os rapazes e uma para
as meninas. As três estão lotadas. Ivan Melnikov, um
proeminente deputado comunista da Duma e também membro da
Assembléia do Conselho da Europa, não consegue acreditar no
que vê: uma ridícula encenação de um julgamento de prisioneiros
políticos. Trabalhando na Duma, nunca se esperaria aquele tipo
de coisa. La as autoridades parecem trabalhar por consenso e por
acordos; porem, é clara a atitude impiedosa para com "os
inimigos do Reich”. O deputado Melnikov também leciona na
Universidade de Moscou, a maioria dos bolcheviques nacionais é
de estudantes, alguns dos da Universidade de Moscou, e ele
compareceu para atuar como testemunha do caráter deles, mas o
juiz não permite. Os réus são acusados de ter causado danos no
valor de 472.700 rublos [US$18.900]. Se você dividir isso pelos
39 acusados, fica evidente que o procurador-geral está exigindo
que cada um seja condenado a até oito anos por causar danos no
valor de 12.000 rublos [US$484]. Por que todo esse rigor?
Porque eles gritaram "Fora Putin!" e fizeram outras sugestões
semelhantes na área pública de recepção de Putin.
Eles tornaram conhecida sua opinião sobre o presidente e lá
estão, engaiolados como filhotes em um canil. Eles nos olham
com uma seriedade de cortar o coração. Um deles deixou crescer
a barba na prisão e raspou a cabeça. Nas fotos de antes da prisão,
ele está muito diferente. Outro ainda é jovem demais para deixar
crescer a barba, mas foi devorado vivo por percevejos; está
coberto de feridas. Um terceiro não pára de se coçar — sofre de
erisipela. Eles constituem um perigo para a sociedade devido à
sua opinião sobre a vida neste país.
O juiz evidentemente acha que tudo está conforme o planejado,
de acordo com as instruções que recebeu. Ele sabe de que lado
está.
Quase todos os liberais e democratas, atuais e antigos, compa-
receram ao julgamento de Khodorkovski e Lebedev. Ninguém
vai a esse julgamento. Não há piquetes, nem manifestações, nem
reuniões de protesto, nem são cantados slogans. É muito
estranho, porque a essa altura está absolutamente claro que esse
julgamento é um espetáculo tanto quanto foi o da Iukos. É um
espetáculo para intimidar um grupo etário diferente, pessoas em
outra faixa de renda.
O julgamento da Iukos foi para colocar os super-ricos no banco
dos réus, ao passo que aqui os acusados são jovens de baixa
renda, em sua maioria estudantes. Porém, a mensagem é
exatamente a mesma - veja o que lhe acontecerá se você ousar
nos desafiar: prisão, percevejos, erisipela, ficar entre criminosos.
Por muitos anos, tivemos esperança de que o julgamento pelo
Júri forçaria uma verdadeira independência dos tribunais. As
autoridades do Estado tiveram que permiti-lo porque, caso não o
fizessem, poderiam dizer adeus a qualquer possibilidade de
admissão ao Conselho da Europa. Desde 2003, os júris
começaram gradualmente a considerar casos criminais e, se os
tribunais convencionais absolviam menos de 1% dos acusados,
os julgamentos por júri pelo menos estavam considerando 15%
inocentes.
Porém, os absolvidos eram freqüentemente chefes de quadrilhas
e "heróis" da guerra na Tchetchênia, soldados federais que lá
haviam cometido atrocidades, assassinos com circunstâncias
agravantes. Depois da absolvição de Iapontchik, um criminoso
bem conhecido, o respeito pelos julgamentos por júri aos poucos
caiu para zero.

12 de julho
Más notícias de Blagoveschensk. O último policial acusado de
atrocidades foi libertado. Enquanto os defensores dos direitos
humanos faziam onda em Moscou; na Bachkiria, estavam
libertando em silêncio o oficial Gilvanov, um dos personagens
mais brutais de todo o episódio, que espancou rapazes da aldeia
de Duvanei. Agora todas as bestas estão livres de novo. O
Tribunal Distrital de Ufa decidiu que Gilvanov não era um perigo
para a sociedade, embora ele tenha atacado pessoalmente um
rapaz com a perna engessada, sabendo que ele estava
completamente indefeso com uma complexa fratura na perna.
Ainda pior é o fato de o Ministério do Interior da Bachkiria ter
permitido que Gilvanov voltasse ao trabalho de policial.
Agora as autoridades estão planejando ignorar a confusão
levantada depois dos escândalos.
O material do processo foi guardado, supostamente em completa
segurança, no Departamento para a Investigação de Crimes
Graves no Gabinete do Procurador-geral da República. Porem,
agora dizem que desapareceram os pedidos dos advogados para
acusações de detenção ilegal nos chamados pontos de filtração.
As atuais acusações são simplesmente de "abuso de autoridade.”
Ao mesmo tempo, as vítimas das "limpezas" são submetidas a
um constrangimento administrativo sem precedentes, demitidas
de seus empregos por se recusar a retirar as acusações. Isso está
acontecendo com as vítimas tratadas com maior brutalidade e
com pais, que se queixaram a jornalistas de Moscou e a
defensores dos direitos humanos a respeito da extrema violência
da policia local e do OMON. Também os advogados
que concordaram em representar os interesses das vítimas estão
encontrando dificuldades. Quando Stanislav Markelov, de
Moscou, e Vasili Sizganov, de Vladimir, chegaram a
Blagoveschensk por solicitação de associações direitos humanos
de Moscou e conheceram seus clientes, um bêbado com uma faca
entrou na casa. Os advogados só se salvaram porqueVitali
Kozakov, o dono do apartamento, recebeu os golpes. O sangue
de Kozakov estava por todo o apartamento e nas escadas, mas a
polícia se recusou a prender o agressor. Aquela altura, o atarante
contou a verdade: admitiu que a própria polícia o havia instruído.
Ela queria um pretexto para prender os advogados que defendiam
as vítimas de sua violência anterior.
As vítimas de Blagoveschensk formaram uma Sociedade de
Vítimas de Filtração, Limpeza e Violência Policial, apelando
para todos os cidadãos que tiveram experiências semelhantes:
Não temos direitos, exatamente como vocês. Naqueles dias
sombrios de dezembro, sabíamos pelo que a população civil da
Tchetchênia havia passado, porque também passamos por isso. A
violência policial em nossa cidade marcou o início de ações
opressivas em muitas regiões da Rússia. Elas estão começando
em pequenas cidades, mas em pouco tempo a filtração também
será vista nas grandes cidades. Não temos mais confiança nas
autoridades do Estado ou nos tribunais. Só podemos confiar em
nós mesmos e na ajuda mútua de outras pessoas na nossa
situação. Pedimos a vocês, não importa quem sejam, onde vivem
ou qual seja sua nacionalidade, que entrem em contato conosco.
Precisamos parar com isto agora, antes que sejamos todos
destruídos.
A greve de fome dos Heróis, que começou em 6 de julho, pros-
segue. Em 12 de julho, o funcionalismo finalmente apareceu, na
pessoa do ombudsman Vladimir Lukin; àquela altura, alguns dos
grevistas haviam sido substituídos. o primeiro ato dele foi pedir a
saída dos jornalistas. Sua visita coincidiu com a chegada de uma
delegação de viúvas de Heróis que vieram prestar sua
solidariedade. O marido de Larisa Golubeva, Dmitri Golubev, era
capitão de submarino de primeira classe e Herói da União
Soviética. Ele comandou o segundo submarino nuclear
construído na URSS.
"Quando estava morrendo, ele me dizia: ‘Por que está chorando’
Você será bem cuidada. Você é a mulher de um Herói.’ É claro
que eu não estava chorando por isso, mas ele nunca teria
imaginado como ficariam as coisas."
Comandar o segundo submarino nuclear construído não era bom
para a saúde, como sabiam os comandantes daquelas naves
Larisa passou a vida em guarnições militares: Kamtcharka
Severomorsk, Sebastopol... Era uma vida de espera, na esperança
de que o marido voltasse vivo de suas provações.
A que tem direito agora Larisa, que dividiu tudo com seu heróico
marido? Bem, a nada. Pela nova lei, a viúva de um Herói não tem
direito a nenhum suplemento à pensão. Um Estado que afundou
numa corrupção incrível, trazendo uma riqueza igualmente
incrível para seus mais altos funcionários, está cortando o orça-
mento. O benefício a ser pago à viúva do Herói é tão baixo que é
melhor renunciar a ele e aceitar a pensão-padrão para idosos,
porque não se pode ter ambos. Foi o que fez Larisa. Ela tem sua
pensão e também recebe os 500 rublos [US$20] mensais do
presidente como sobrevivente do cerco de Leningrado. No total,
ela recebe 3.200 rublos mensais [US$128]. É o legado de um
Herói.
Os grevistas de fome não se arrependem de seu passado e, sim,
do presente e temem pelo futuro. Eles têm certeza de que seu
protesto terminará com a abertura de um diálogo autêntico entre
os cidadãos da Rússia e as autoridades do Estado.
Gennadi Kutchkin é um Herói da União Soviética de 51 anos; ele
é de Kinel, da província de Samara. Como primeiro-tenente, ele
lutou no Afeganistão com o Corpo de Tanques. Participou de 147
batalhas e, em 1983, recebeu o título de Herói da União
Soviética. Somente ontem ele partiu de Samara para se juntar à
greve dos seus camaradas.
"Em minha opinião, o objetivo é forçar nossas autoridades a ser
honradas." Apesar das suas 147 batalhas, ele ainda é um
inocente. E um romântico e precisa sê-lo, para ainda sentir-se um
herói quando seu país cospe no seu heroísmo. Gennadi teve que
esperar dez anos depois de receber o título para conseguir um
apartamento, vivendo em acomodações de outras pessoas com
sua família e seus ferimentos. E levou 12 anos para conseguir um
telefone.
"As mentiras geram cinismo", diz ele. "As vezes faço palestras
escolas. Em que as crianças estão interessadas hoje em dia?
Principalmente em dinheiro. Elas querem saber se sou um
rebelde. Em geral, elas fazem duas perguntas: quantas pessoas
matei e quanto dinheiro recebo. Quando descobrem quanto
ganho, elas não me olham mais como herói. Perdem o interesse.
É claro que é uma pergunta fundamental, quem constitui hoje a
elite na Rússia. A elite é qualquer pessoa com dinheiro ou poder,
do chefe de um distrito pequeno como o nosso a nosso primeiro-
cidadão."
Pedi pessoalmente a Boris Nemtsov, da União de Forças de
Direita, para que fosse visitar os grevistas de fome: “Vá lá e lhes
dê algum apoio moral!" Ele não ficou muito convencido com a
idéia e disse estranhamente: "Eles vão esperar que eu lhes leve
alguma coisa. Não posso ir de mãos vazias." Nemtsov pressupôs
que eles esperariam que ele trouxesse alguma boa notícia do
regime, mas eles teriam ficado felizes se ele fosse de mãos
vazias, só pelo desejo de estar lá.
Nossa sociedade não é mais uma sociedade. É uma coleção de
celas isoladas e sem janelas. Numa, estão os Heróis, em outra, os
olíticos do Iabloko, numa terceira, está Ziuganov, o líder dos
comunistas, e assim por diante.
Há milhares que, juntos, poderiam se somar para constituir o
povo russo, mas as paredes de nossas celas são impermeáveis. Se
uma pessoa está sofrendo, ela se preocupa porque mais ninguém
parece preocupado. Se em outra cela alguém estiver de fato
pensando nela, isso não leva a nenhuma ação e eles só se
lembram de que la estava com um problema quando sua situação
se torna completamente intolerável.
As autoridades fazem o que podem para tornar as celas ainda
mais impermeáveis, semeando discórdia, incitando uns contra
outros, dividindo e dominando. E as pessoas caem no engodo.
Esse é o verdadeiro problema. É por isso que a revolução na
Rússia, quando vem, é tão extrema. A barreira entre as celas só
cai quando emoções negativas dentro delas estão ingovernáveis.

13 de julho
Os Heróis foram subitamente convidados para a sessão do So da
Federação, onde a legislação relativa a eles será discutida Eles
ficaram alegres como crianças que ganharam uma longamente
esperada bicicleta. Burkov continuava a dizer: “O gelo está
quebrando. Eu lhes disse, as autoridades estão começando a se
comunicar conosco. Excelente!"
A delegação permaneceu por várias horas no Soviet da
Federação, sentindo aos poucos que alguma coisa estava errada
A lei foi posta em votação. Burkov levantou-se e gritou para toda
a sala: “E quanto a nós? Ninguém vai ouvir o que temos a dizer?"
Com relutância, permitiram que eles falassem. Estava claro que
ninguém esperava ter de ouvi-los. Eles haviam sido convidados
meramente para que deixassem a greve de fome.
Burkov começou a falar, mas foi rudemente interrompido. O
presidente do Soviet da Federação, Sergei Mironov, irritado,
colocou a legislação em votação e os senadores a aprovaram.
Mironov convidou os Heróis para seu gabinete e lhes garantiu
que o Soviet compreendia suas preocupações, mas que aqueles
que estavam acima tinham uma visão diferente. Ele lhes pediu
repetidamente que deixassem de lado a greve de fome, depois do
que "será possível iniciar um diálogo com a administração”. Eles
saíram sentindo que haviam sido humilhados e voltaram à sua
pequena cela.

14 de julho
O julgamento dos bolcheviques nacionais continua enquanto
procurador lê a acusação. O Estado decidiu usar o caso para
estabelecer o conceito fundamental de culpa coletiva, uma coisa
que não se ouvia desde os julgamentos-espetáculo de Stalin. Nos
anos posteriores, os procuradores e juízes soviéticos e russos
sempre se esforçaram para personalizar a culpa ao máximo,
distanciando-se das práticas totalitárias, mas, em 2005, elas estão
novamente conosco. O procurador Smirnov disse os nomes dos
bolcheviques nacionais, afirmando que todos tinham "participado
de distúrbios massa envolvendo comportamento violento...havia
um plano minoso de infiltração... obstrução de agentes do
Serviço Fede
Segurança...panfletos contendo sentimentos antipresidenciais...
demonstração de manifesto desrespeito pela sociedade... gritaram
slogans ilegais sobre o afastamento de governantes..."
Durante uma interrupção nos trabalhos, o advogado de defesa
Dmitri Agranovski comentou: "Tenho participado de muitos
julgamentos e invariavelmente a culpa é ligada a indivíduos
específicos. Porém, aqui eles pretendem claramente dar um
veredicto que estabeleça um precedente baseado em culpa
coletiva por dissidência. È uma ordem política vinda de cima."
Somos às vezes chamados de uma sociedade de milhões de
escravos com um punhado de senhores e nos dizem que assim
será por séculos, uma continuação do sistema de propriedade de
servos. Também falamos com freqüência a nosso próprio respeito
dessa maneira, mas eu nunca o faço.
A coragem dos dissidentes soviéticos provocou o colapso do
sistema soviético e mesmo hoje, quando a multidão grita "Nós
amamos Putin", há pessoas que continuam a pensar por si
mesmas e usam todas as oportunidades que surgem para
expressar sua opinião do que está acontecendo na Rússia, mesmo
quando suas tentativas parecem inúteis.
Um raro exemplo de protesto inteligente, detalhado e articulado
veio de um membro da Associação de Direitos Humanos de
Tiumen.Vladimir Grichkevitch enviou ao Tribunal
Constitucional um depoimento suplementar à sua queixa a
respeito da natureza inconstitucional da lei sobre a nomeação dos
líderes regionais. Ele concorda com que seu depoimento seja
analisado em conjunto com as queixas do Comitê 2008, do
Iabloko e de um grupo de deputados independentes da Duma.
Sua declaração é um fato muito importante na história do nosso
país e mostrará que nem todos permaneceram em silêncio em
2005, apesar de não ter ocorrido nenhuma revolução. Além disso,
aqueles que ergueram suas vozes não estavam somente em
Moscou. Depois de uma longa e detalhada análise do caráter
ilegal do ato de Putin para nomear governadores, ele conclui:
Com base no acima exposto, solicito que o Tribunal Constitu-
cional da Federação Russa faça uma avaliação oficial das cir-
cunstâncias aqui descritas, nas quais a lei federal foi adotada e
assinada. Refiro-me à lei "Sobre a Introdução de Alterações e
Adendos à Lei Federal ‘Sobre os Princípios Gerais de
Organização de Órgãos Legislativo e Executivo do Poder de
Estado dos Territórios Constituintes da Federação Russa’, à lei
federal ‘Sobre as Garantias Básicas de Direitos Eleitorais e o
Direito de Participar de Referendos de Cidadãos da Federação
Russa”.
O tribunal não respondeu. A sociedade deixou de protestar. 15 de
julho
Nosso povo parece acordar somente quando é atingido onde dói,
isto é, no bolso. As paixões revolucionárias só crescem quando o
dinheiro está envolvido.
Em Riazan, o sindicato dos funcionários da fábrica Khimvolo-
kno formaram um piquete diante do gabinete do governo provin-
cial. Os trabalhadores não querem que sua empresa seja fechada.
Eles estão certos de que a fábrica de fibras sintéticas está sendo
deliberadamente levada à falência para que alguém a compre
barato. Inicialmente foi publicada uma diretiva para cessar a
produção por três meses e a seguir completamente, porque a
empresa era deficitária.
Foi então que os trabalhadores acordaram. Há muito poucos
empregos na cidade e a gerência da fábrica informou a 25
trabalhadores, que incluíam membros do comitê sindical, que
eles passariam a receber o salário mínimo de 800 rublos [US$32]
mensais. Os trabalhadores de Khimvolokno não conseguiram
apoio, nem mesmo em Riazan, porque nunca haviam apoiado
ninguém no passado. Ficaram apenas fazendo seu piquete, sem
que ninguém lhes desse atenção.
Ulianovsk é uma cidade mais militante. Começou lá um protesto
de adesivos: "Chega de burocracia, chega de Putin!" Esta sendo
organizado por um movimento nacional de jovens denominado
Defesa, em conjunto com as organizações ecológica e da
juventude locais. Os ativistas cobriram a cidade com etiquetas
com os dizeres: "Chega de mentiras!" e "Diga não e reaja!" Eles
pedem protestos civis não-violentos contra uma burocracia que
está levando à ruína sua região e o país. Eles não estão tentando
defender seu pacote de pagamento. Estão promovendo um
prólogo à revolução.
Por que Ulianovsk? A província está entre as mais pobres,
transformada em mera fonte de matéria-prima para grandes
empresas sediadas em outros lugares e, pior, em depósito de
entulho industrial. Isto graças aos esforços do governador,
efetivamente imposto aos eleitores pela administração
presidencial, aquele grande herói da Tchetchênia, o general
Vladimir Chamanov. Com ele no poder, os chefes do crime
vieram para a luz do dia. Chamanov dependia deles abertamente
e estava cercado de ex-soldados que foram retreinados como
gângsteres, um pequeno movimento na Rússia. O próprio
Chamanov era totalmente estúpido e incapaz de governar civis.
Usando slogans democráticos e brandindo o apoio de Putin, esses
supostos ajudantes do Estado roubaram abertamente - e
continuam a roubar — a província, apesar de Chamanov ter sido
transferido para a administração presidencial.
O movimento Defesa em Ulianovsk é como um fragmento do
movimento de protesto ucraniano. Os membros do Defesa
acreditam que, dentro da estrutura da lei, eles podem fazer
manifestações não-violentas, reuniões de protesto, piquetes e
distribuir folhetos e gora adesivos. O Defesa em Ulianovsk
cooptou a ala jovem do Iabloko e da União de Forças de Direita,
além da organização ecológica Iabloko Verde.
Em Moscou, ocorreu uma manifestação diante do Ministério do
Interior para protestar contra a brutalidade por parte dos órgãos
de cumprimento da lei. Compareceram cerca de vinte pessoas.
Suas bandeiras tinham os seguintes dizeres: "Chega de ordens
secretas! Levantem acusações contra os culpados de violência em
Blagoveschensk e outras cidades e aldeias." Os manifestantes
exigiam a demissão de Rachid Nurgaliev, ministro do Interior da
Rússia uma acusação criminal contra Rafail Divaev, ministro do
Interior da Bachkiria, e contra todos os funcionários dos órgãos
de segurança culpados de atos de violência.
O protesto foi contra as tentativas da polícia de intimidar o povo
russo, mas o povo russo não apareceu. A manifestação durou
duas horas. Ninguém do Ministério do Interior saiu para falar
com os manifestantes, porque eles só se preocupam com
protestos de massa. Se os manifestantes são poucos, eles riem e
vão cuidar da vida.

16 de julho
Décimo primeiro dia da greve de fome. Os participantes estão
muito fracos. O que irá acontecer? O regime está em silêncio.
Será que é preciso que algumas pessoas morram? Em sua
maioria, os grevistas são idosos, incapacitados ou doentes. Nem
um único político veio falar com eles.

18 de julho
Os Heróis da greve de fome estão num beco sem saída. As
autoridades ignoram todas as suas sugestões.
"Qual é o problema?”, perguntou atordoada a Svetlana
Gannuchkina. Estamos conversando pouco antes de uma reunião,
da qual Putin irá participar, da Comissão Presidencial para o
Desenvolvimento da Sociedade Civil e dos Direitos Humanos, da
qual Svetlana é membro. "Por que não podem apenas ouvir? Por
que eles sempre insistem em fazer tudo da pior maneira possível?
Por que forçam um beco sem saída após o outro?"
"Por quê? Porque eles querem criar um país no qual é impossível
viver", responde tristemente Svetlana. Ela é o único membro da
Comissão de Direitos Humanos com coragem para entregar o
apelo dos Heróis a Putin.
Esta tarde, um júri no Tribunal da Cidade de Moscou absolveu
Viatcheslav Ivankov, também conhecido como Iapontchik, da
acusação de assassinato a tiros de dois cidadãos turcos em um
restaurante de Moscou em 1992. Todas as emissoras de televisão
mostram o julgamento ao vivo. Elas também dizem que Ivankov
pretende escrever um livro. A greve de fome não é mencionada e
o julgamento dos bolcheviques nacionais recebe apenas algumas
palavras. Não ouvimos nada a respeito do que eles podem estar
planejando fazer se saírem da prisão.
Como podemos continuar vivendo uma mentira dessas? Fingi-
mos que foi feita justiça no caso de Iapontchik, alegramo-nos por
não ter sido feita no caso de Khodorskovski. Aplaudimos ambos
os resultados justos. Essa é nossa enigmática alma russa; essa é a
Tiva tradição de viver uma mentira sobre da qual Soljenitsin
rever a muito tempo, misturada com uma preguiçosa recusa
deixar o conforto de uma cozinha aquecida até que eles a tirem
você. A esta altura você pode se unir a uma revolução, mas
nunca
19 de julho
Décimo quarto dia da greve de fome. Surkov, o principal
ideólogo e Putin, chama os grevistas de chantagistas: "Não
permitiremos que nos torçam os braços."
Mas o que tem Surkov a ver com isso? Por que esse assunto deve
depender desse manipulador político, que só tem o mérito pelas
realizações virtuais da Rússia Unida e a sangrenta
tchetchenização da Tchetchênia — o mesmo Surkov que ousa
pensar que isso dele um peso-pesado político -, por que deve
depender dele se 204 Heróis do país consigam ou não uma
audiência?
No decorrer da greve de fome, eles escreveram muitas cartas,
enviando-as por fax, e-mail e até manualmente aos escritórios de
pessoas importantes. Eles deram muitas entrevistas mencionando
essas cartas, embora poucas tenham ido ao ar. O que esse
episódio demonstrou é que muitas de nossas figuras mais
proeminentes, os líderes de partidos na Duma e fora dela, de
movimentos e alianças e até mesmo o líder do Soviet da
Federação, Sergei Mironov, que, de acordo com a constituição, é
o terceiro homem mais poderoso do país, parecem simpatizar
com os grevistas, suas exigências, seus sentimentos, seu desejo
de servir ao país. Porém, eles somente o fazem em particular.
Publicamente, para as câmeras de televisão e as agências de
informações, para o presidente, eles permanecem unidos em
oposição à greve. Eles votaram a favor das emendas humilhantes
que provocaram todo esse confronto, que não dá sinais de se
concluir em diálogo. Por que as pessoas de mentalidade
independente da nossa elite política têm duas caras? Este é o
problema. Não é uma questão de chantagem direta pela
administração: se você não disser aquilo que queremos que diga,
tiraremos suas regalias?
Hoje em dia ninguém quer ficar sem suas regalias. Nossa "elite"
política está profundamente contaminada pela covardia e com
medo de perder seu poder. Não de perder o respeito das pessoas,
apenas de perder o assento.

Ato terrorista na aldeia tchetchena de Znamenskoie. Um veículo


foi visto numa rua transversal, com um cadáver no lugar do passa
geiro. A polícia foi chamada, mas, quando se aproximava do
veículo, este explodiu, matando 14 policiais. Uma criança
também foi morta e muitas pessoas, inclusive crianças, ficaram
feridas.
Acontece que, no início da noite de 13 de julho, Alexei Seme-
nenko, 23 anos, foi seqüestrado na aldeia de Novoschedrinskaia.
O seqüestro ocorreu diante das irmãs mais novas. Nos últimos
meses, Alexei e sua mulher vinham poupando para deixar a
Tchetchênia. Seus parentes moravam em Novoschedrinskaia
havia 100 anos sua família era grande, unida e trabalhadora, mas
o que eles podiam fazer? Quanto mais firmemente Kadirov se
estabelece, maior a ilegalidade e mais remota a esperança de que
a vida seja normal. Foi isso que Alexei concluiu.
Ele decidiu pegar um emprego sazonal na colheita, que pode dar
muito dinheiro em pouco tempo. Alexei retornou dos campos em
13 de julho e encontrou quatro homens armados em uniformes de
combate à sua espera. Eram tchetchenos e haviam chegado em
dois veículos 4X4 prateados. Quase todos em Novoschedrinskaia
estão certos de que eram homens de Kadirov. Qualquer pessoa
que viva na Tchetchênia pode distinguir os homens de Kadirov
dos homens de Iamadaev, os homens do OMON daqueles de
Baisarov ou de Kokiev (todos eles paramilitares das "Unidades
Federais de Segurança Tchetchena", como são chamadas) pelos
veículos que dirigem e pelas armas que preferem. Os
paramilitares falaram com Alexei, puseram-no em um dos
veículos e se foram. Os vizinhos guardaram os números das
placas, mas elas eram falsas. Na manhã seguinte, a família
notificou as autoridades do seqüestro e policiais locais, que
conheciam Alexei desde a infância, passaram dois dias
procurando por ele em todas as subdivisões de segurança, mas
não encontraram. A esta altura, o Gabinete do Procurador local
farejou perigo e reverteu ao seu habitual estado cataléptico.
Em 19 de julho, a primeira pessoa a se aproximar do veículo foi
um policial. Ele abriu a porta e viu um cadáver no lugar do
passageiro, o qual, pelo cheiro e pelo estado de decomposição,
estava morto havia bastante tempo. Ele também notou que o
corpo tinha ferimentos de bala no rosto.
Ele foi chamar reforços e com isso salvou sua vida. Quando um
grupo de seus colegas chegou para inspecionar o veículo, este
explodiu. O botão do detonador foi pressionado por alguém que
podia ver o veículo e pretendia matar o máximo possível de poli-
ciais. Depois da explosão, Sergei Abramov, o primeiro-ministro
tchetcheno nomeado por Moscou, fez algumas observações som-
brias a respeito de Basaev e Umarov, mas não passou perto da
cena da explosão. Foi decretado estado de luto.
Enquanto isso, a família Semenenko continuava a procurar
Alexei. Dois dias depois, eles foram visitados e solicitados a ir
até Mozdok, na vizinha Ossétia do Norte, para identificar um
corpo. Todas as vítimas de assassinato são levadas para o centro
de medicina legal de lá, uma vez que a Tchetchênia não tem
centro próprio.
Tatiana Semenenko, a mãe de Alexei, ainda sem suspeitar de
qualquer ligação com a bomba em Znamenskoie, encontrou as
vítimas da explosão em refrigeradores, com exceção de um saco
de restos que havia sido deixado no chão numa poça d'água.
Neste saco, que estava sendo tratado como se contivesse o corpo
de um terrorista, ela encontrou os restos do seu filho. Ela
somente conseguiu identificá-lo por uma letra L tatuada no
braço. Não havia rosto. A família enterrou o braço e a cabeça. Os
policiais que haviam se aproximado do veículo e visto o corpo de
Alexei ainda inteiro disseram que ele vestia roupas de combate.
Seus raptores evidentemente o haviam vestido daquela maneira
antes de deixá-lo no veículo minado.
Esse é o fim da história. A família Semenenko não tem a quem
recorrer. Não houve reação pública. Ninguém - nem Kadirov,
nem Khanov ou Kozak — se deu ao trabalho de prestar
condolências à família. Ninguém se ofereceu para compensá-la
pela morte do filho. Ninguém tentou pagar para que ficassem
quietos. Um processo criminal sobre o seqüestro de Alexei
Semenenko foi aberto e fechado, mas nem se deram ao trabalho
de abrir um processo por seu assassinato. Pelo fato de ter matado
policiais, Semenenko é oficialmente classificado como terrorista.
Mas ele estava morto no momento de cometer esse crime.
Há somente duas possibilidades a respeito do que aconteceu. Se
os seqüestradores de Alexei eram homens de Kadirov, como
acreditam todos na aldeia, então eles podem ter encenado esse
ato de terrorismo, sabendo que, enquanto houver terrorismo, os
paramilitares terão trabalho. Caso retorne a paz, todos irão para a
prisão.
A segunda possibilidade é que os paramilitares venderam o corpo
de Alexei aos rebeldes, de Basaev ou de outros. Isso também é
plausível, porque há muito se sabe que a linha divisória entre os
homens de Kadirov e os de Basaev é cada vez mais permeável,
apesar da infindável conversa idiota de como ele sonha em matar
Basaev. Os preferidos pelo regime de Putin são os elementos
mais astutos, cínicos e criminosos da terra.
Quem está protestando hoje na Tchetchênia sobre a saga de
Alexei Semenenko? Ninguém. Sua família tem medo dos parami-
litares de Kadirov, porque suas irmãs mais novas viram os rostos
dos seqüestradores. É mais prudente esquecer o filho do que se
arriscar. Esses são os efeitos da guerra de Putin sobre a maneira
de pensar das pessoas na Tchetchênia e este modo de pensar está
se alastrando rapidamente para o resto da Rússia. O mesmo
pânico cego afeta as famílias dos seqüestrados no norte do
Cáucaso, em todas as cidades e aldeias em que ocorreram as
"limpezas" em massa ao estilo da Tchetchênia.
Quanto mais violentas as atividades dos órgãos de segurança,
mais alto o índice de aprovação a Putin, pelo simples motivo de
que muito poucas pessoas querem arriscar a vida fazendo
oposição a ele.
Esta é a vida na Rússia hoje. Crimes, ausência de investigações
honestas. O resultado é a repetição infindável de tragédias e do
terrorismo.
Pela primeira vez nos últimos anos, meu jornal recusou-se a
publicar a história de Alexei Semenenko. A Novaya gazeta quer
evitar problemas; assim, é melhor não causar muito sofrimento a
Ramzan Kadirov, uma vez que ele está nas graças do presidente.
20 de julho
Hoje Putin recebeu no Kremlin defensores dos direitos humanos
e membros da sua Comissão Presidencial sobre Direitos
Humanos. Svetlana Gannuchkina não teve permissão para falar,
mas entregou a Putin a carta dos Heróis em greve de fome. O
assunto também foi levantado por Alexander Auzan, outro
ativista presente. Putin não gostou. Ele declarou: "Tudo está
acertado agora. Recebi um relatório." Porém, Auzan foi insistente
e repetiu que achava que o presidente precisava conhecer o
assunto. Ella Pamfilova, a presidente da comissão, ficou
impaciente e exigiu que não se perdesse mais tempo com aquele
tópico. A discussão chegou ao fim e Putin continuou a considerar
os Heróis uma parte da oposição inimiga.
Então a discussão passou para assuntos ecológicos. Os defenso-
res dos direitos humanos perderam sua oportunidade para falar
abertamente com ele. Muitos temem não ser convidados nova-
mente. De acordo com Sviatoslav Zabelin, co-presidente da
Aliança Socioecológica:
Putin levantou três questões: em primeiro lugar, como informar
melhor os cidadãos a respeito das reformas que estão sendo
implantadas; em segundo, como a Câmara Social poderia ser
usada como canal para tornar mais influente a opinião pública; e
terceiro, como o setor voluntário na Rússia poderia ser desen-
volvido com menos dependência de recursos ocidentais.
Sobre a segunda questão, a respeito da Câmara Social, os
defensores dos direitos humanos mantiveram um silêncio cole-
tivo. Sobre a terceira, para nossa surpresa, Putin anunciou que
estava pessoalmente preparado para forçar o governo a encontrar
maneiras de delegar poderes a associações de voluntários,
canalizando recursos do Estado e do setor privado. Ele me
parecia genuinamente preocupado que esse apoio não fosse visto
como tentativa de subornar a sociedade civil e as associações
públicas. Ele estava sendo muito prático.
Sobre ecologia, eu disse a Putin: Precisamos de responsabilidade
ecológica pública e de auditorias ecológicas públicas. Hoje não
temos nada disso. Em conseqüência desse fato, temos coisas
extraordinárias acontecendo no estado. Em 2002, o setor público
tinha quatro inspetores ecológicos por distrito, mas, em 2005, há
quatro distritos por inspetor. Como podemos esperar evitar
violações das diretrizes ecológicas sem a participação do setor
público?
Também vemos liberdades extraordinárias sendo tomadas com as
auditorias ecológicas. Aqui, o problema é que as empresas são
obrigadas por lei a tomar providências razoáveis para assegurar
que os projetos industriais sejam discutidos com o público, para
que os interesses da sociedade e os interesses gerais do Estado
sejam adequadamente considerados. Isto simplesmente não está
acontecendo.O mais preocupante é que as piores transgressoras
são as empresas nas quais o Estado tem a maior participação
financeira.
Dizem que uma empresa bem conhecida, envolvida com o
oleoduto da Sibéria Oriental até o Pacífico, está se comportando
de maneira totalmente imprópria. Para obedecer à exigência de
uma auditoria ecológica pública, ela montou uma associação
"pública" própria e a registrou em Moscou. Este órgão tem
tomado decisões sobre o que deve ser feito para as pessoas que
vivem na costa, o que deve ser feito para as pessoas em Irkutsk, o
que deve ser feito para os Buriats e onde seria mais interessante
para eles que passe o oleoduto. Quando um projeto deste tipo
está sendo construído na Rússia, há repercussões internacionais.
O comportamento dessas empresas é bem conhecido, há muita
confusão e isso só pode nos prejudicar. È preciso dizer a essas
empresas, nas quais o Estado tem uma presença substancial, que
este tipo de conduta simplesmente não é aceitável.
Temos um sistema para avaliar custos ecológicos. Oitenta e cinco
por cento das empresas privadas que procuramos estavam
preparadas para dar ao público acesso às suas contagens ecoló-
gicas: nenhuma empresa estatal quis fazê-lo.
Putin respondeu: "Gostaria que você entendesse a lógica da
situação na qual se acham as organizações estatais com relação
às auditorias ecológicas.Você acabou de mencionar um dos
nossos projetos mais vitais, comparável em importância com a
rodovia Baikal-Amur, que levou décadas para ser construída.
Espero que esse projeto não seja tão grande, mas seu valor para o
Estado poderá ser muito maior do que a própria rodovia, que
já está lutando contra as exigências sobre ela. Este oleoduto nos
dá uma saída para nossos recursos energéticos chegarem aos
mercados dos países em rápido desenvolvimento da região Asia-
Pacífico, ao mercado chinês, onde somos compradores e
vendedores, ao sul da Asia, ao Japão e assim por diante.
"Deixe-me chamar sua atenção para o fato de que nosso país
perdeu cinco portos de mar importantes na costa oeste depois do
colapso da União Soviética. De fato, nós nos tornamos
dependentes dos países através dos quais nossos recursos
energéticos precisam passar e eles abusam de sua situação geo-
política. Lutamos contra isso o tempo todo. É extremamente
importante para a Rússia ter uma saída direta para outros mer-
cados. Quando estávamos falando de um oleoduto do leste da
Sibéria diretamente até Datsin, na China, ao longo da extremi-
dade sul do Lago Baikal, decidimos divergir dessa rota depois de
levar em conta as opiniões de associações ecológicas, de
ecologistas e inspetores. O custo subiu centenas de milhões de
dólares. Foi decidido evitar a costa norte do Lago Baikal e ir
mais além para leste.
"Não se deve permitir que essas auditorias ecológicas detenham o
desenvolvimento do país e da economia. Não questiono aquilo
que você acabou de dizer. Não há dúvida de que precisamos
analisar a situação muito bem, mas uma das maneiras de nos
atacarem é invariavelmente levantando questões ecológicas.
Quando começamos a construir um porto adjacente à Finlândia,
nossos parceiros nos países vizinhos (e sei isto de fontes
confiáveis) injetaram dinheiro em associações ecológicas para
torpedear o projeto, porque ele iria criar concorrência para eles
no Báltico. Nossos parceiros, inclusive os da Finlândia, vieram e
inspecionaram dez vezes, mas no fim foram incapazes de achar
qualquer motivo de objeção. Agora os ‘problemas ambientais’
passaram para os estreitos dinamarqueses, onde há objeções aos
navios que estamos usando. Nem mesmo são navios russos, são
arrendados de empresas internacionais. Nos estreitos turcos, no
Bosforo, também há ‘problemas ambientais’.
"Por que estou mencionando isto? Porque, é claro, precisamos de
mais contato e confiança para interagir de forma adequada com
as associações ecológicas nacionais que trabalham pelos
interesses do nosso país e não como agentes que nossos
concorrentes podem usar para obstruir o desenvolvimento da
nossa economia. É exatamente por isso que eu disse que, quan do
este tipo de trabalho ecológico é financiado por outros países, ele
levanta suspeitas e acaba comprometendo todas as associações de
voluntários. É disso que estou falando. Precisamos de
associações que ajudem a resolver nossos problemas para
otimizar as decisões importantes. É claro que para isso precisa-
mos ter mais contato também com organizações estatais."
Zabelin: "Certamente as coisas mais importantes são estabelecer
contato e nossos interesses nacionais. Quanto a esse grande
oleoduto, o principal é que ele deve ser construído. Nenhuma
associação ecológica de nome está dizendo que ele não é
necessário. Estamos falando de questões específicas, de definir o
traçado e a localização do terminal. A atual opção, baseada
exclusivamente na minimização dos danos ecológicos, é a pior de
todas. Há muitas alternativas e estou preparado para lhe entregar
a análise dos cientistas do extremo oriente que dizem que há
outras opções econômica, social e ecologicamente mais
interessantes. Somos parceiros nisto, assim como no
monitoramento ambiental público. Quanto às auditorias eco-
lógicas, as pessoas precisam obedecer à lei. Temos uma legisla-
ção excelente sobre auditoria ecológica, datada de 1995. Ela deve
ser observada."
Putin: "Eu gostaria de voltar a isto no futuro. Acho que seria
correto criar um mecanismo mais sensato para interagir com
nossas associações ecológicas nacionais, porque não podemos
nos dar ao luxo de cometer erros e ao mesmo tempo não
podemos permitir que esta questão seja usada, como eu disse,
como alavanca por nossos concorrentes. Vejam o que esta
acontecendo no mar Cáspio: bastou a Lukoil erigir um equi-
pamento para dizerem que a ecologia não permitia. Nenhuma das
outras empresas possui tecnologias limpas como as nossas. Ela é
mais dispendiosa, mas levamos isso em conta. O mesmo está
acontecendo agora no Báltico."
21 de julho
Em Astrakhan, como em todo o país, as autoridades estão
travando uma guerra com o povo por dinheiro e imóveis. A
principal arma é o incêndio criminoso. É uma guerra na qual
pessoas morrem, saqueadores verificam as ruínas e as pessoas
comuns se transformam em refugiados sem-teto.
A família Ostroumov é a última a ser expulsa da sua parte da rua
Maksakova, onde uma luxuosa casa está sendo construída. É
claro que há terrenos em todas as nossas cidades; há pessoas ricas
por perto. As regras para estes casos são que as autoridades
locais alocam terras aos incorporadores e, se alguém vive nelas,
muda-se para outro lugar. Depois disso, o terreno é cercado e
começa a construção.
Não é bem assim que as coisas são feitas em Astrakhan. Uma
empresa denominada Astsyrprom obteve os direitos sobre um
terreno na rua Maksakova. Infelizmente, o terreno estava coberto
de prédios onde as pessoas viviam em seus apartamentos
recentemente privatizados. A Astsyrprom trouxe um
subempreiteiro, um certo Nurstroi, para construir a nova casa e
expulsar os atuais proprietários. Inicialmente Nurstroi negociou
com alguns e comprou seus apartamentos, mas depois a
abordagem mudou. Nurstroi começou a oferecer às pessoas
apartamentos totalmente inaceitáveis. A família Ostroumov teve
a oferta de um apartamento de um quarto para os cinco.
Quando os residentes começaram a fazer exigências, a resposta
foi um ultimato, seguido por ações ao estilo militar. O diretor de
Nurstroi, o Sr. Timofeiev, disse a Alexander Merjuev, um dos
moradores, que incendiaria seu apartamento. Pouco depois, sua
residência foi de fato consumida pelo fogo. A conclusão da
equipe de inspeção do Corpo de Bombeiros foi de incêndio
criminoso, mas as evidências foram consideradas insuficientes
para uma acusação. O problema do obstáculo no lado esquerdo
da construção de Norstroi estava resolvido. A família Ostroumov
ocupa o lado direito.
O distrito de Kosa, perto do Kremlin de Astrakhan, está cheio de
casas históricas das quais se avista o Volga, o mesmo Volga em
que no século XVII, o bandido Stenka Razin afogou sua noiva.
No número 53 da rua Maxim Gorki, fica uma bela vila que
mesmo hoje, depois do incêndio em março, ainda é magnífica.
No último inverno, os investidores, como eles se
autodenominam, começaram a visitar as pessoas que lá
moravam. Eles diziam:"Vamos mudar vocês para uma nova
casa." As pessoas diziam:"Obrigado, mas queremos ficar aqui.
Estamos acostumados a viver aqui."
Em 20 de março, Liudmila Rozina, de 78 anos, foi visitada por
"investidores" pela última vez. "A velha senhora nos condenou"
conta Alexei Glazunov, um aposentado que morava no
apartamento 7, que não mais existe. "Ela disse que se mudaria,
mas só para aquele novo prédio melhor que estão construindo ao
lado."
Naquela noite, a vila foi incendiada pelos quatro lados. Em dois
ou três minutos, o lugar parecia uma fornalha. Algumas senhoras
idosas pularam das janelas, fraturando membros, mas outras não
conseguiram fazer nem isso. Liudmila foi queimada na sua cama
porque as paredes do apartamento haviam sido molhadas com
combustível, como revelou a investigação subseqüente.
Alexander Rozin, 55 anos, filho de Liudmila, sobreviveu e foi
hospitalizado com queimaduras graves. Três dias depois, um
criminoso não identificado chegou ao hospital, supostamente
trazendo ajuda humanitária do gabinete do prefeito. A comida
que ele trouxe estava envenenada, como mostrou uma
investigação posterior, e, em 12 de abril, Rozin morreu. Anna
Kurianova, 86 anos, que havia sido retirada viva do prédio em
chamas, sucumbiu ao estresse e morreu pouco depois.
A verdade espantosa em Astrakhan é que, nos últimos meses,
seis pessoas morreram em incêndios e 17 casas foram destruídas
em ataques criminosos confirmados. Houve um total de 43
incêndios, mas não é fácil obter a rigorosa investigação que
poderia levar a um processo criminal. A maior parte dos casos
relacionados com eles e arquivada imediatamente ou há uma
completa e misteriosa falta de provas, o que significa que eles
nem chegam a ser abertos. Enquanto isso, a construção de casas
de luxo, cassinos, restaurantes e escritórios comerciais nos
terrenos liberados pelos incêndios continua acelerada.
Viktor Chmedkhov é o chefe do Distrito de Kirov do Ministério
do Interior e foi no seu território que ocorreu a maior parte dos
casos conhecidos em Astrakhan como "incêndios comerciais”.
“Eu não diria que o problema é muito sério", opina ele, olhando
diretamente nos olhos das senhoras idosas que tinham ficado na
rua de camisola. "O Distrito de Kirov está investigando cinco
casos ligados a cinco incêndios criminosos", prossegue ele."Eu
não diria que a polícia não está fazendo tudo que pode. As causas
estão sendo investigadas e todas as possibilidades
consideradas..." Os olhos do policial se abrem de repente e ele
diz, baixando a voz:“ Até mesmo as mais audaciosas..."
A hipótese "audaciosa" é que assessores do prefeito Bojenov
estão ligados aos incêndios. Eles têm interesse comercial em
limpar a cidade, dividindo propriedades entre os representantes
do prefeito e as organizações comerciais que os apoiam, pagando
assim "dívidas eleitorais". Afinal, alguém pagou pela campanha
eleitoral do prefeito. Foi um investimento. Agora chegou a hora
de auferir os lucros.
Os chefes da polícia admitem que nada podem fazer quanto aos
ricos bandidos de Astrakhan, que mantêm uma relação incestuosa
com a administração da cidade. Eles estão impotentes diante da
total criminalização da maior instância do governo. As leis não
funcionam. Houve uma época em que a polícia costumava
prender bandidos e sabia que estava fazendo seu trabalho. Agora
a pessoa nomeada para garantir o efetivo funcionamento da lei é
um bandido. Os incêndios criminosos começaram há seis meses e
não foi instaurado nenhum inquérito para analisar os incêndios.
Ninguém quer descobrir a verdade.
"O que aconteceu depois do nosso incêndio?”, pergunta Alexei
Glazunov. Ele é membro da Sociedade das Vítimas de Incêndio
de Astrakhan. "A cronologia é a seguinte: o incêndio na rua
Maxim Gorki, 53, começou às três e meia da manhã", destaca
Glazunov. "Por volta das nove da manhã chegaram trabalhadores
Com malhos e começaram a derrubar tudo, acabando com o que
o fogo não havia destruído, bem na frente da polícia. Durante o
dia, as vitimas que não foram hospitalizadas foram ver a
poderosa Madame Svetlana Kudriavtseva, a czarina de
habitações de Astrakhan, a representante do prefeito para
construção e arquitetura, ela deixou claro que estava satisfeita
com a demolição da casa. Ela disse que a cidade precisa se livrar
dos prédios antigos e que as vitimas iriam para um hotel."

Qual é a moral dessa história? As elites estão interessadas


somente em pôr as mãos em dinheiro e imóveis, coisas que só
podem fazer depois de por as mãos no poder político. Elas veêm
uma oportunidade e o cidadão deixa até de ser notado. Podem
queimar cidadãos caso eles fiquem no caminho. Podem-se jogá-
los em um "hotel" caso eles não morram. Existe um vácuo moral
no cerne do atual sistema político russo e em Astrakhan ele
atingiu o ponto de crise.

27 de julho
Outra audiência para os bolcheviques nacionais e começa o inter-
rogatório das testemunhas. O juiz convida Natalia Kuznetsova a
dizer como os bolcheviques nacionais se comportaram em 14 de
dezembro. Ela trabalha no Escritório de Assuntos Internos de
Kitai-Gorod, próximo do prédio da administração presidencial,
de onde observou o que estava acontecendo. Natalia mostra ser
uma mulher sincera e admite que, na verdade, ela só viu a
"desordem" pela televisão. Porém, ela tem evidências diretas
relativas ao detector de metais que, de acordo com a acusação,
foi quebrado pelos jovens e é o item principal da alegação de
danos ao gabinete de serviços residenciais do presidente. Bem,
testemunha Natalia, o detector de metais havia sido consertado
na manhã de 13 de dezembro e desde então estava funcionando
bem. O juiz Chikhanov levou isso em conta? Será que a principal
acusação foi autodestruída? Os acusados podem ser libertados?
Não. Não se podem privar do direito de ir para a prisão jovens
russos que ousaram questionar a justiça das autoridades.
Especialmente se eles estão começando a ter idéias a respeito de
política.
28 de julho
Todos têm queixas justificadas da polícia, mas ela, depois de
procurar por mais de um ano, conseguiu pegar Sergei Melnikov,
extorsionário e braço direito do chefe da máfia de Togliatti. Os
policiais foram buscar autorização para detê-lo no Gabinete do
Procurador geral de Moscou eVladimir Iudin, o subprocurador,
disse-lhes que se danassem. Ele se recusou a emitir uma ordem
de prisão porque, para ele, Melnikov não representava perigo
para a sociedade. O argumento escrito por Iudin na solicitação
rejeitada foi: "Não há prova indiscutível de culpa."
O gângster ficou livre. Este é o mesmo Iudin que tramou as
acusações contra os bolcheviques nacionais e insistiu que eles
deveriam ser mantidos na prisão mês após mês e acorrentados no
tribunal, devido ao imenso perigo que representam para a
sociedade. Essa é a realidade da justiça seletiva. Os criminosos
são libertados enquanto os prisioneiros políticos são postos a
ferros, atirados na prisão e mantidos em gaiolas. As autoridades
se baseiam em elementos criminosos para sustentar o sistema de
poder do Estado.
O fato de que esta é de fato a doutrina delas foi confirmado mais
uma vez quando a administração presidencial criou um clone
para se opor aos bolcheviques nacionais. Ele é chamado Nachi
(Nosso Povo) e foi criado em fevereiro numa reunião entre Vasili
Iakemenko, líder do clone anterior, Marchando Juntos, e
Vladislav Surkov. Iakemenko é o "comissário federal" do Nachi,
que é o movimento de rua da administração presidencial para se
garantir contra revoluções. Os soldados do movimento Nachi da
juventude são desordeiros armados com socos ingleses e
correntes. Até agora eles se limitaram a atacar os bolcheviques
nacionais e as autoridades impedem que os órgãos de
investigação levantem acusações contra eles. Há duas unidades:
uma consiste em brutamontes que torcem para o time de futebol
do Clube Esportivo do Exército e a outra de brutamontes que
torcem para o Spartak. Todos eles têm um histórico impecável de
brigas de rua. Sob a liderança de Vasia e Roma, torcedores do
Spartak, o Nachi também formou uma agência privada de
segurança chamada Escudo Branco.Vasia é um dos desordeiros
mais violentos e são seus seguidores que organizam ataques aos
bolcheviques nacionais. Eles ocuparam duas vezes a sede dos
bolcheviques nacionais, de onde Vasia deu certa vez uma entre-
vista coletiva.Vasia (seu verdadeiro nome éVasili Stepanov) e
Roma tinham vários processos criminais pendentes contra eles,
que foram inicialmente arquivados e depois jogados fora.
Roma chegou a ser visto na famosa reunião de shish-kebab entre
Putin e os "nachistas”, quando nosso presidente lhes falava de
como os jovens já são a sociedade civil da Rússia. Quando esse
evento ofensivo, imaginado por Surkov, foi exibido na televisão,
um bolchevique nacional que havia sido espancado por "pessoas
não identificadas" reconheceu Roma como seu agressor,
conhecido como Romano Verbitski.
Por que Khodorkovski enfrentou problemas? Ele não era dife-
rente do resto daqueles que acumularam fortunas fabulosas em
tempo recorde, nem daqueles que tiveram oportunidade e inclina-
ção. Porém, quando virou um bilionário, ele disse: "Parem! A
Iukos irá se tornar a empresa mais transparente e legítima da
Rússia, utilizando métodos de negócios ocidentais .“Ele começou
a criar uma nova Iukos, mas à sua volta permaneceram pessoas
que não tinham desejo nenhum por transparência, pessoas cuja
natureza é trabalhar nas sombras, longe das luzes. Elas se
prepararam para devorar a Iukos, porque a luz não é bem-vinda
em meio à escuridão.
Discriminar contra maus prisioneiros políticos em favor dos bons
criminosos tem raízes históricas profundas na justiça e na política
russas. Não é fácil erradicar esta prática, mas seria uma desgraça
aceitá-la. A única pergunta é: quem irá protestar? Não há reu-
niões diante do Tribunal Nikulin. Há muitos policiais, um grande
número de cães policiais, mas quase ninguém para mostrar
solidariedade para com os prisioneiros políticos detidos
ilegalmente: só um punhado de bolcheviques nacionais e,
ocasionalmente, Limonov. É uma bacanal de indiferença.
Khodorkovski tinha os melhores advogados do país e eles con-
seguiram atrair patrocinadores para o oligarca perseguido, mas os
pobres não têm quase ninguém. Os bolcheviques nacionais são
de grupos de renda mais baixa, filhos de trabalhadores em
pesquisa, de engenheiros, da empobrecida elite intelectual russa
em geral. Eles são estudantes. Ocasionalmente surge um defensor
dos direitos humanos, mas essa é a extensão do seu apoio.

3 de agosto
Ás 4 da manhã em Siktivkat, capital da República de Komi, no
norte, a redação de um jornal democrático de oposição, o
Courier Plus, foi incendiada. O edifício também acomodava dois
programas de televisão oposicionistas, Telemensageiro e
Moderação, produzidos por Nikolai Moiseiev, membro local do
Iabloko e vereador.
Moiseiev era um forte crítico do prefeito de Siktivkat, Sergei
Katunin, e, em 14 de julho, ele e um grupo de outros vereadores
tentaram destituir o prefeito de seus poderes, mas ele os
rechaçou. No Gabinete do Procurador, não havia dúvida de que
se tratava de um incêndio criminoso; recentemente Moiseiev
tivera incendiados a porta do seu apartamento e seu carro. O
jornal de oposição anterior de Siktivkat, o Stefanov Boulevard,
deixou de existir em agosto de 2002, quando também foi
incendiado.

4 de agosto
Jihad de novo. No início de setembro, será o sexto aniversário da
"operação antiterrorismo" na Tchetchênia. De acordo com a pro-
paganda do Kremlin, há muito a vida pacífica voltou às suas
cidades e aldeias e quase todos os rebeldes que eles queriam
apanhar foram postos fora de ação pelas forças pró-federais. Mas
o que é isto? Jihad? Contra quem? E este não é o primeiro Jihad
declarado na Tchetchênia nos onze anos desde o início da
Primeira Guerra Tchetchena. Elas foram declaradas, mas foram
canceladas.
Desta vez, é um Jihad contra wahhabis e terroristas e a palavra
oficial é de que foi declarado pelo chefe pró-Moscou dos Muçul-
manos da República, o mufti Sultan Mirzaev. Ele reuniu os
mulás de todos os distritos para uma conversa na qual, na
presença dos comandantes de todas as unidades de segurança
tchetchenas (Iamadev, Kadirov, Alkhanov, Ruslan, entre outros),
ele leu a diretiva. Significa que agora os homens de Iamadev,
Kadirov, Kokiev e os outros e os policiais tchetchenos podem
com consciência limpa matar outros tchetchenos e, é claro, não-
tchetchenos, caso eles sejam suspeitos de terrorismo ou
wahhabismo. Não haverá necessidade de procedimentos judiciais
ou de investigações. Eles também Podem ter certeza de que,
como muçulmanos, estão fazendo a coisa certa. Mirzaev chegou
a declarar que estava preparado para pegar em armas ele próprio.
Dado que todos esses paramilitares tchetchenos e seus coman-
dantes são tecnicamente soldados federais sujeitos às leis da
Rússia, que não reconhecem o Jihad, isto parece marcar outro
estágio na tchetchenização" da guerra.

Mas por que o Jihad foi declarado hoje? Depois dos


acontecimentos na aldeia de Borozdinovskaia, na fronteira da
Tchetchenia com o Daguestão (uma brutal "limpeza" em 4 de
junho, durant qual as forças de Iamadaev raptaram onze pessoas
e executaram operações de roubo em massa, assassinato e
incêndio criminoso) centenas de habitantes fugiram para o
Daguestão. Mas havia uma grande consternação entre todas
aquelas atrocidades. Na Tchet chênia, o sistema imposto pelos
russos, de justiça extrajudicial e execuções, parecia estar
ameaçado.
Durante muito tempo, o arranjo foi: “Nós matamos quem você
nos diz para matar e em troca você cuida de nós." "Nós" se refere
aos soldados de infantaria. "Você" se refere principalmente a
Iamadaev e a Ramzan Kadirov. Estes são os comandantes de
campo da tchetchenização, os protagonistas de uma guerra civil
que coloca tchetchenos contra tchetchenos, para cujo sucesso eles
receberam dragonas federais, armas e imunidade de acusações.
Depois do incidente de Borozdinovskaia, os soldados subalternos
da tchetchenização exigiram uma indulgência adicional para
trabalhar como assassinos de aluguel. Ramzan Kadirov acertou
isso com o mufti, que concordou em declarar o Jihad. Para alguns
assassinos tchetchenos do Estado russo, isto é muito importante.
Eles se sentem muito melhor com a proteção do Jihad. Muito
melhor significa muito menos inibidos.
A confirmação não demorou a chegar. Na mesma noite em que o
Jihad foi declarado, os assassinos comemoraram cometendo um
assassinato na aldeia de Chelkovskaia, no território de Iamadaev.
Foi um crime de audácia e brutalidade excepcionais.
Por volta das dez da noite, vários carros prateados se dirigiram
até a casa de Vakhambi Satikhanov, um professor de árabe e dos
fundamentos do Islã na escola local e pai de uma grande família.
Tchetchenos armados, vestindo uniformes de camuflagem, leva
ram-no até cerca de 100 metros da casa e fizeram um círculo com
seus carros. Os vizinhos e amigos tentaram intervir, mas os
paramilitares ameaçaram matá-los. Durante toda a noite, as
pessoas viram carros saindo e chegando, ouviram gritos e tiros,
mas somente de madrugada os carniceiros se foram. Onde
estivera o círculo, encontraram o corpo de Vakhambi com
dezenas de ferimentos a faca, seus dedos quebrados, as unhas
arrancadas.

Os vizinhos de Vakhambi estão certos de que ele foi morto por


homens do batalhãoVostok da Diretoria Central de Inteligência
do GHQ. Seu comandante, Sulim Iamadaev, recebeu de Putin o
título de Herói da Rússia depois das atrocidades em
Borozdinovskaia, dando assim a mais alta sanção possível àquilo
que os paramilitares de Iamadaev lá haviam feito.
A declaração de Jihad na Tchetchênia é mais uma prova de que a
República pode viver pela lei costumeira e tomar vidas em desa-
fio às leis russas. Em que isso difere das execuções ilegais do
tempo de Maskhadov?
O silêncio e a incapacidade para tomar ações corretivas também
constituem o sinal mais seguro de que o Jihad tem a bênção tácita
do próprio Putin. Trata-se simplesmente de mais um passo ao
longo da estrada sem saída da tchetchenização percorrida por
Putin. Agora todos os muftis da Tchetchênia estão implicados,
assim como no passado a Igreja Ortodoxa Russa foi cúmplice ao
abençoar os crimes de Stalin e Kruschov.
Agora a vida é selvagem, ainda mais que no período soviético,
mas o povo russo parece não se importar. Ninguém convocou o
procurador-geral para declarar o Jihad nulo e sem valor.

9 de agosto
Continuam as mortes misteriosas de pessoas muito próximas das
autoridades do Estado. Em Sotchi, Piotr Semenenko caiu de uma
janela do décimo quinto andar de um hotel. Durante os últimos
18 anos, ele havia sido CEO da maior fábrica de máquinas
operatrizes da Rússia, a Kirov, que produz de tudo, de aparelhos
sanitários a turbinas para submarinos nucleares.
Semenenko era uma importante figura na área industrial. Em sua
maioria, as pessoas supõem que ele tenha sido morto devido a
desacordos a respeito da divisão de ativos industriais sob o
sistema de Putin de capitalismo de Estado. Que ele foi auxiliado
para cair do décimo quinto andar, ninguém tem dúvidas.
Enquanto isso, na prisão Matrosskaia Tichina, Mikhail Kho-
dorkovski foi transferido da cela de detenção n° 4, que comporta
quatro prisioneiros, para a cela n°1, que comporta onze. Ele não
Pode mais receber jornais, nem ver televisão. O motivo é, sem
dúvida, seu artigo "Virada para a Esquerda", escrito na prisão
publicado no jornal Vedomosti. Estas são suas principais idéias.
Apesar de todos os deslizes do Estado, quem está à esquer
vencerá no final. Além disso, eles vencerão democraticamente
em completo acordo com a vontade expressa da maioria de
eleitores. Haverá uma virada para a esquerda e aqueles que
continuarem a buscar a política das autoridades de hoje perderão
sua legitimidade.
Não devemos esquecer o fato de que nossos compatriotas se
tornaram muito mais espertos do que dez anos atrás. As pessoas
que foram enganadas em mais de uma ocasião não cairão em
outro blefe, por mais engenhoso que seja. Levar a cabo o projeto
Sucessor 2008 não será fácil. Os recursos do projeto autoritário
pós-soviético na Rússia estão exauridos.
Temo que não completamente.
A Novaya gazeta convidou nossos leitores a apresentar pergun
tas a Khodorkovski por e-mail e publicou as respostas por ele
enviadas da prisão.
Sergei Panteleiev, um estudante de Moscou: "Os burocratas
decidiram ser donos do Estado, para não ser seus servidores.
Estou certo em acreditar que esta foi a verdadeira razão para i
seqüestro de Iukos?"
Khodorkovski: "Caro Sergei, eles não querem possuir Estado,
mas sim ativos tangíveis, e em particular a empresa d maior
sucesso do país, a Iukos. Mais precisamente, eles querem pôr as
mãos na renda.Você está certo ao achar que o seqüestro e a
pilhagem da Iukos estão sendo feitos por trás de uma cortina de
fumaça de conversa sobre os interesses do Estado. É claro que
não é verdade. A destruição da Iukos causará um dano colossal
aos interesses da Rússia. Esses burocratas estão simplesmente
tentando iludir a sociedade, apresentando seus interesses pessoais
como se fossem do Estado."
Pergunta de Goblin (provavelmente um pseudônimo) "Você não
fica triste com o fato de seus amigos terem fugido para o exterior,
em vez de ignorar todos os riscos e voltar para se juntarem a você
e Lebedev?"
Khodorkovski: "Caro Goblin, ser jogado na prisão não é algo que
eu não desejaria ao meu pior inimigo e muito menos a meus
amigos. Assim, estou muito satisfeito pelos amigos que
conseguiram evitar a prisão. O que mais lamento é que alguns
dos meus camaradas e colegas foram presos em ligação com o
caso da Iukos, em especial Svetlana Bakhmina, que é mãe de
dois filhos pequenos."
Pergunta de Vera, Tomsk: "Você está sendo obrigado a
recomeçar a vida. Será que encontrará forças em si mesmo ou o
trabalho principal da sua vida já está no passado?"
Khodorkovski: "Cara Vera, na prisão compreendi uma verdade
simples, porém difícil: o principal não é ter, mas ser. O
importante é o ser humano, não as circunstâncias nas quais ele se
encontra. Para mim os negócios são coisa do passado, mas não
estou começando minha nova vida da estaca zero, porque carrego
comigo uma enorme experiência. Agradeço ao destino pela
oportunidade única de viver duas vidas, apesar de ter pago caro
pelo privilégio."
No mesmo dia, 9 de agosto, os advogados de Khodorkovski e de
Lebedev receberam uma ordem fixando um prazo para a con-
clusão de seus estudos das gravações das audiências no tribunal.
Foram autorizados a vê-las no Tribunal Distrital de Meschanski a
partir de 27 de julho, mas agora começa a surgir todo tipo de difi-
culdades. Em 28 de julho, o advogado Krasnov não recebeu as
gravações "por razões técnicas". No mesmo dia, o advogado
Lipster também não pôde ver as gravações porque parte delas
estava "sendo estudada pelo promotor do Estado".
Entre 29 de julho e 8 de agosto, os advogados puderam ler
somente as gravações de 2004, porque as de 2005 estavam com o
promotor. Em 5 de agosto, os advogados receberam pelo correio
um "segundo" aviso (embora não tenha havido o primeiro)
instruindo- os a comparecer ao tribunal em 5 de agosto (isto é, no
mesmo dia), para receber "transcrições das gravações da
audição". Quando as leram, eles descobriram que elas eram
diferentes dos originais e também das gravações em áudio das
audições no tribunal. Além disso, as supostas transcrições não
haviam sido certificadas oficialmente, nem havia nenhuma
numeração dos volumes, paginação interna ou sumário. Os
advogados ficaram indignados e registraram queixas e sua recusa
oficial a aceitar "cópias" que não correspondiam aos originais.
Em 9 de agosto, a permissão para ver os registros originais foi
recusada. Para evitar que os advogados pudessem reclamar
Estrasburgo, o presidente do Tribunal, Kurdiukov, recusou-se
confirmar por escrito que eles não tinham tido acesso aos registro
oficiais das audiências e precisavam trabalhar exclusivamente
com as "cópias". Eles tiveram até 25 de agosto para comentá-las.
Por que Svetlana Bakhmina, mencionada por Khodorkovs, numa
de suas respostas, está na prisão?
Os funcionários da Iukos viram a prisão da colega como u alerta.
Era óbvio para praticamente todos na empresa que, com parte da
campanha contra a Iukos, o procurador-geral estava visando a
funcionários subalternos. De fato, se Khodorkovski estava sendo
acusado de coisas que poderiam se aplicar à grande maioria dos
maiores empresários russos, então as acusações contra Bakhmina
poderiam se aplicar a quase todos os cidadãos comuns.
Svetlana Bakhmina recebeu um salário na Iukos durante o quase
sete anos em que lá trabalhou. De acordo com a acusação forjada
pelo procurador-geral, durante a maior parte desse período, ela
era culpada de um crime previsto no artigo 198, Parte 2 ("não
pagamento de quantias excepcionalmente altas de imposto por
pessoa física"). Por este artigo, Bakhmina pode ser condenada a
três anos de prisão, apesar de não ter infringido qualquer lei, não
mais que a Iukos quando lhe pagava através de um esquema
chamado "seguro".
Esses esquemas foram disseminados na Rússia durante o período
em que o imposto de renda foi fixado em 35%, com contribui-
ções ainda mais punitivas para o bem-estar social. A essência do
esquema era de que o funcionário fazia um seguro de vida
usando o dinheiro da empresa e depois recebia pagamentos
contratuais do seguro, equivalentes a seu salário. Como os
pagamentos de seguro não estavam sujeitos ao imposto de renda
e eram permitidos pela legislação fiscal então em vigor, o sistema
era usado por muitas empresas privadas, instituições estatais e
ministérios, inclusive o Ministério da Fazenda.
Hoje dizem que você pode ser preso por isso. A grande maioria
da população adulta ativa poderia ser presa exatamente pela
mesma infração. Se o tribunal considerar Bakhmina culpada, os
trabalhadores do país estarão correndo um sério risco. As
autoridades poderiam levantar acusações contra um grande
número de pessoas. Por mais respeitador da lei que você seja,
ainda poderá ser preso pela política fiscal de seu empregador,
mesmo nada sabendo sobre ela.
A esta altura, Putin deveria ter indicado os 42 cidadãos que
deseja para liderar sua Câmara Social. Ele não conseguiu fazê-lo
porque as pessoas que gostaria de ter, em especial aquelas com
reputação de mentalidade independente, não querem ser
envolvidas, ao passo que as que querem entrar são pouco
representativas para atestar as credenciais democráticas de Putin,
ou são tão servis que a câmara seria objeto de riso.

11 de agosto
Em Urus-Martan, seis paramilitares não-identificados
seqüestraram Natasha Khumanova, 45 anos, irmã do comandante
de campo tchetcheno Doku Umarov, o segundo em comando de
Basaev. Nada se sabe do seu destino. Em Urus-Martan, acham
que foi um trabalho dos homens de Kadirov.
A captura de contra-reféns está se tornando cada vez mais
comum e esta foi claramente uma dessas manobras, destinada a
forçar Umarov a se render às forças federais. Alguns tchetchenos
consideram isto justo e que os métodos primitivos funcionam
melhor do que os legais. Outros simplesmente estão à espera do
momento certo para se vingar da Rússia.

12 de agosto
Em Krasnoiarsk, Sibéria, 45 membros da União da Juventude
Comunista realizaram uma marcha por liberdade e democracia.
Eles marcharam pelo centro da cidade exibindo slogans anti-
Putin. As pessoas na rua gritavam "Muito bem! Para o inferno
com o Putin deles!", mas não se juntavam aos manifestantes. Não
é que as Pessoas não se importem com a Juventude Comunista.
Chegam até a temê-la, com seus retratos de Che Guevara. Eu não
marcharia sob esses retratos. Aqueles jovens não têm nenhuma
experiência das conseqüências de uma revolução e nasceram no
final do "período de estagnação", na era de Gorbatchov e início
da de Ieltsin; as idéias do comunismo têm apelo para eles.
A Frente Civil Unida de Kasparov pretende reunir todos: os
Jovens Comunistas, partidários provinciais do Rodina, o que
resta da direita democrata, partidários do Iabloko nas regiões que
desistiram de Iavlinski, os bolcheviques nacionais e os
anarquistas. Todos unidos contra o regime! Depois que
vencermos, poderemos decidir o que fazer a seguir. Esse é o
melhor programa que os democratas podem conseguir.
Hoje foi ouvido um apelo no tribunal de Zamoskvoretchie, com a
juíza Ielena Potapova presidindo, contra a recusa do subpro-
curador Iudin, em 22 de julho, de conceder à polícia uma ordem
de prisão para Sergei Melnikov, um "simples empreendedor
russo".
Tentar questionar os atos do Gabinete do Procurador é muito
incomum, se não impossível. Também é muito raro russos
concordarem em testemunhar contra mafiosos, pois a retaliação
pode ser brutal e não há apoio das autoridades do Estado. A
corrupção, mais disseminada do que nunca, garante que quem
não pode pagar não recebe proteção. Assim sendo, quando Iudin
recusou-se a sancionar a prisão de Melnikov, as vítimas deste que
haviam fornecido evidências ficaram em apuros quando o
subprocurador decidiu usar seus poderes em favor do algoz e não
em favor delas.
A juíza Potapova estava nervosa e irritada, mas o advogado
Alexei Zavgorodni pediu que ela se pusesse no lugar das vítimas
de Melnikov, de quem ele havia extorquido dinheiro de proteção.
E claro que Melnikov não estava presente, mas sua advogada e
confidente, Natalia Davidova, estava.
Davidova é uma mulher grosseira e sarcástica que representa e
assessora cerca de quarenta membros da máfia de Togliatti há
vários anos. O Gabinete do Procurador da Cidade de Moscou
deve ter dificuldades com uma advogada com clientes como
estes, mas hoje seu representante no tribunal é Ielena Levchina.
Ela repete ao tribunal exatamente o que Davidova disse. Parece
que estamos ouvindo um dueto monstruoso e bem ensaiado, em
que as duas insistem que é impossível criar um precedente em
que o procurador pudesse parecer não estar certo: ele sempre está
certo. Esta é uma redução ao absurdo do princípio pelo qual o
procurador deve ser independente dos tribunais.
Davidova apela para o emocional e pinta um retrato tocante de
gângsteres decentes e cumpridores da lei. Melnikov entregou-se
voluntariamente à polícia, que ouviu o que ele tinha a dizer,
manifestou simpatia e o libertou. Assim, Melnikov havia de fato
invalido o mandado de busca federal e sua detenção em 22 de
julho i ilegal: o subprocurador Iudin havia meramente restaurado
o princípio da legalidade que havia sido violado. É claro que isto
é conversa fiada. No prontuário de Melnikov não existe menção
nenhuma a ele ter se entregado voluntariamente a alguém.
A juíza Potapova retirou-se para considerar seu veredicto e logo
voltou para declarar que o procurador sempre tem razão e
também tinha naquele caso quando decidiu não sancionar a
prisão de Elnikov, apesar de ter sido realizada uma caçada
nacional para encontrá-lo. Ela rejeitou a queixa e achou que os
atos do subprocurador não infringiram os direitos constitucionais
das vítimas de Elnikov. Exceto, é claro, o importante direito à
vida.
"Os arranjos sociais e políticos da Rússia são profundamente
injustos”, diz Vladimir Rijkov a todo mundo. Ele é uma das espe-
ranças de um renascimento democrático, jovem e das províncias,
que se sai bem com o público.
Porém, são exatamente esses "arranjos injustos" que reforçam a
apatia social e fazem com que as pessoas relutem em pôr a cabe-
ça para fora. O hábito de considerar-se como uma "pessoa
pequena é como o botão vermelho na maleta nuclear do
presidente — basta ele apertá-lo e o país está em suas mãos.
Estou certa de que Putin e sua corte combatem a corrupção
exclusivamente para fins de relações públicas. Na verdade, a
corrupção lhes é proveitosa; ela desempenha um papel
importante em condicionar as pessoas para que se mantenham
quietas. Enquanto os tribunais são puxados de um lado para outro
pelos criminosos e pelos políticos, ele nada têm a temer.
Hoje é a terceira vez em que poloneses foram espancados em
Moscou e isto não pode ser coincidência. Funcionários da
embaixada e um jornalista polonês foram atacados no decorrer de
poucos dias.
Esta é a resposta do Nachi ao tato de, em 31 de julho, os filhos de
diplomatas russos emVarsóvia terem sido espancados na saída de
uma discoteca: uma explosão de xenofobia eslava com um subtex
to político, muito ao estilo da Rússia de Putin. Os poloneses anda
ram se excedendo ultimamente, começam a dizer às pessoas,
inclusive algumas perfeitamente decentes e educadas. Aquilo que
Lenin chamava de "chauvinismo vulgar de grande potência", do
qual Putin sofre, está de novo na moda. Assim, se você espancar
três dos nossos, nós espancaremos três dos seus. O fato de a
resposta do governo ter sido demorada e formal só mostra sua
aprovação.
O Iabloko exigiu que Putin intervenha pessoalmente e dê
proteção especial à embaixada polonesa. O problema é que tudo
o que os liberais e democratas podem fazer hoje é apelar para
Putin; mas fazer isto e, ao mesmo tempo, exigir sua demissão
simplesmente não é sensato.
Nikita Belikh, o líder da União de Forças de Direita, declarou
que "no coração da maioria dos russos está um desejo de ser uma
pessoa melhor. Nossa tarefa é deixar isto claro para todos".
Infelizmente, no coração da maioria dos russos está um desejo d
não aparecer, particularmente hoje em dia. Não queremos atrair
olhar maligno das instituições repressivas. Queremos permanece
nas sombras. O que você faz nas sombras, depende da sua
personalidade. Muitos não querem sair sob nenhuma
circunstância; é claro que existe um impulso para melhorar, mas
manter-se nas sombras está muito mais fundo no coração de todo
russo. Afinal, depois d tudo que aconteceu aqui somente no
século XX, talvez isso na constitua surpresa.
Uma pesquisa oficial pôs a Rússia em sétimo lugar no mundo em
termos do uso que faz de seu potencial humano.

13 de agosto
A mais recente tentativa de dar a Putin um terceiro mandato
verde Adam Imadaev, deputado da Assembléia Legislativa da
região de Primorski e fisiológico bem conhecido. Ele anuncia
que descobri uma brecha na legislação que permitiria que Putin
fosse eleito pela terceira vez. O Comitê Legal do Parlamento de
Primorski decidiu de imediato examinar o assunto em setembro.

16 de agosto
A Suprema Corte causou sensação ao rescindir a proibição, pelo
Tribunal Provincial de Moscou, do funcionamento do Partido
Bolchevique Nacional. Limonov ficou tão emocionado que disse,
ao deixar o prédio do tribunal, que quase tivera restaurada sua fé
na Rússia. O procurador-geral está muito irritado e prometeu
entrar com um recurso contra essa decisão junto ao presidente da
Suprema Corte.
Os bolcheviques nacionais comemoraram infiltrando-se na
inauguração da prestigiosa Mostra Aeroespacial de Moscou
2005, motivo de orgulho para Putin. Compareceram todos os
tipos de xeques árabes, bem como representantes do complexo
industrial-militar indiano e o rei Abdullah II da Jordânia, um
descendente do Profeta. Apesar das incríveis medidas de
segurança, tão logo Putin começou seu discurso de abertura da
mostra, os bolcheviques nacionais (Deus sabe como conseguiram
entrar) começaram a gritar a apenas 30 metros de distância dele:
"Abaixo Putin!" e alguma coisa a respeito de ele ser responsável
por Beslan. Foram imediatamente detidos e levados para o posto
policial na cidade vizinha de Jukovskoie.
Três horas mais tarde, foram libertados sem nem mesmo pagar
uma multa. Eles ficaram totalmente surpresos, pois esperavam
acabar na prisão. É possível que os policiais de Jukovskoie não
liguem para Putin. Coisas estranhas acontecem.
Putin embarcou em um bombardeiro numa pista próxima da
Mostra Aeroespacial e seguiu até a província de Murmansk. O
pessoal da defesa estava preocupado; aquilo podia ser bom para
Putin em termos de relações públicas, mas para eles era uma dor
de cabeça em termos de segurança. Porém, nossos generais são
bem treinados e sabem quando não responder. Eles ordenaram
que Putin fosse posto na cabine de comando, embora seja contra
todos os regulamentos. Ele pilotou brevemente o avião enquanto
este estava em velocidade de cruzeiro. A mídia de massa estatal
foi ao delírio: Putin estava inspecionando pessoalmente nossa
aviação militar! Mas por quê? Talvez para aumentar seu índice
de popularidade?
Naquela noite, mais uma vez os nachistas espancaram os
bolcheviques nacionais. Não vale a pena nem tentar conversar
com os Nachi; nenhum deles consegue explicar de forma
coerente por que entrou para a organização. Os bolcheviques
nacionais e outros jovens de esquerda são completamente
diferentes e muito motiva dos. Os pobres de esquerda podem ser
a força revolucionária mais dinâmica da Rússia. A classe média
aspira somente a um modo de vida burguês e só lamenta que, até
agora, não obteve os meios para sustentar esse nível de consumo.
Entre as organizações de esquerda está a ala jovem do Iabloko
que se tornou a espinha dorsal do Defesa, o equivalente russo do
movimento Porá, que foi tão importante para o sucesso da
Revolução Laranja Ucraniana. O Defesa também inclui as alas
jovens da União de Forças de Direita, da Marchar sem Putin, da
Ação Coletiva e da Nossa Opção. O coordenador é Ilia Iachin,
líder da ala jovem do Iabloko, que tem cerca de 2.000 membros.
A Defesa está tendendo cada vez mais para a esquerda e seus
protestos são cada vez mais parecidos com os dos bolcheviques
nacionais. Por sua vez, estes estão evoluindo para as políticas
democráticas predominantes.
Os grupos que mais aparecem são os bolcheviques nacionais,
embora seu núcleo tenha sido esvaziado pelas prisões; a
Vanguarda da Juventude Vermelha e a União da Juventude
Comunista. Eles se algemaram às grades do Gabinete do
Procurador-geral, exigindo uma reunião. Mas não a conseguiram.
A ideologia do Nachi foi elaborada por profissionais como Sergei
Markov. Ele declarou: "As organizações de jovens com a ideo-
logia da soberania russa, como o Nachi, são uma panacéia contra
a Praga Laranja." É interessante notar que nenhum movimento
anti-Laranja apareceu espontaneamente. Muitos temem os Nachi,
mas acho que eles irão simplesmente se esfacelar daqui a algum
tempo.

18 de agosto
Ainda há controvérsias a respeito do que irá provocar a queda
deste regime. Como irá ruir? A atual oposição é fraca demais e
carente de propósito para derrubá-lo. Um protesto espontâneo do
povo russo parece ainda menos provável.
Uma possibilidade é que, se Putin construir um sistema neo
soviético, ele poderá cair, como antes, pela ineficiência
econômica. A marca registrada do governo Putin é construir o
capitalismo de Estado, criar uma oligarquia burocrática leal
assumindo o controle de todas as principais receitas nacionais
(que são, em sua maioria, delegadas a membros da
Administração Presidencial). Para este fim, eles precisam
renacionalizar empresas que funcionam com sucesso,
transformando-as em conglomerados industriais financeiros ou
em empresas holding.
Isto está acontecendo rapidamente. Conglomerados como
Vnechekonombank,Vnechtorgbank e Mejprombank (as
chamadas holdings financeiras "russas" para contrabalançar
holdings de aparência mais ocidental, como o Alfa Group e
outros) engolem parcelas cada vez maiores de empresas de
sucesso nascidas depois do colapso soviético.
Naturalmente, isto é facilitado pelo governo. Engolir elas podem,
mas não conseguem digeri-las, uma vez que não contam com
gerentes altamente qualificados em número suficiente. Os
conglomerados não conseguem lidar com o que já têm em mãos e
as empresas começam a ficar para trás depois de serem
assumidas. Em conseqüência disso, o crescimento econômico no
último semestre caiu para 5,3%, as exportações de capital foram
superiores a 900 bilhões de rublos [US$36 bilhões] e a taxa de
crescimento da renda caiu à metade. Estes dados foram
fornecidos pelo Governo do Povo, formado como alternativa
àquele que temos, por Gennadi Semigin, um deputado
independente da Duma.
Oleg Chuliakovski está renunciando. Ele gerenciou a Fábrica
Báltica, o mais importante estaleiro de superfície no noroeste da
Rússia, desde 1991 Chuliakovski era uma figura tão importante
que foi mantido por todos os vários proprietários da empresa
depois da sua privatização no início dos anos 90. Está saindo
agora devido ao modelo de desprivatização imposto à empresa
em 2005, depois de sua compra pela corporação Industrial Unida,
controlada pelo Mejprombank. Ela está sendo fundida com três
escritórios de projetos e algumas outras empresas, com uma
óbvia perda de eficiência. Não se sabe o que a administração
presidencial fará agora sem Chuliakovski no comando (e o
Mejprombank só conseguiu engolir a empresa de 150 anos
devido aos seus contatos com a administração).
Chuliakovski era um pilar da indústria da construção naval mas
até ele desistiu porque o Mejprombank está criando uma holdind
de capitalismo estatal da construção naval. As empresas defesa
Almaz-Antei e Milia Helicópteros foram ambas despriva zadas
de maneira semelhante. O Mejprombank é controlado p Sergei
Pugatchev que, apesar de ser senador e assim não qualificado
para dirigir um banco, continua de fato a fazê-lo. Ele é um dos
chamados oligarcas ortodoxos, um camarada de armas de Putin
na criação de uma oligarquia de Estado.
O único problema com o sistema de Putin é que ele levará
décadas para ruir pela estagnação. Ninguém duvida do destino
que aguarda a fábrica báltica, mesmo que Putin consiga evitar
que estrangeiros e membros de outras tribos avancem mais um
centímetro no território russo. Para preservar seu sistema, eles
começarão a passar a presidência de um sucessor inútil para
outro. Sua principal característica será a ausência de um rosto e
eles irão assumir depois de eleições fraudadas ao estilo soviético.
O maior problema é que, embora o colapso seja inevitável, nós
não estaremos vivos para vê-lo. É uma pena, porque gostaríamos
de ver.

19 de agosto
A audiência de hoje do julgamento dos bolcheviques nacionais
cai para o campo da farsa.
"Em 14 de dezembro, olhei e vi uma agitação. Eu estava ao lado
da sala 14. Vi tudo o que aconteceu. Então, quando vi a estrutura
do detector de metais caída numa posição horizontal..." Com a
determinação de um detetive provincial, Ievgeni Posadnev apre-
senta esta condenável prova do banco das testemunhas. Ele era
diretor de uma instituição trabalhista corretiva soviética e agora
trabalha para a administração presidencial como "conselheiro de
recepção", o que significa que é um mediador entre Putin e seu
sofrido pessoal. A fisionomia de Posadnev é extremamente
grave. Ele esta denunciando inimigos.
"Em que condições estava o detector de metais depois que esses
jovens o derrubaram?”, pergunta o promotor.
“Ele estava deitado como uma letra L", explica Posadnev, “mas
deveria estar em pé como uma letra H." Até o juiz Chikhanov
está rindo.
"Os rapazes da nossa unidade de segurança", prossegue a teste-
munha, como se estivesse contando ao professor que Vasia tinha
roubado maçãs novamente, "bloquearam o caminho deles com
este detector, para que aquele grupo de pessoas fosse impedido
de se dispersar por todo o prédio da administração. Os rapazes
bloquearam o corredor com aquele L e assim desviaram a
multidão para a sala 14!"
O promotor fica horrorizado. O que sua testemunha está
dizendo?
"Isto é, a multidão foi dirigida para a sala 14?", interrompe ime-
diatamente a defesa. "Eles não entraram lá por vontade própria?"
A acusação, em apoio da qual Posadnev supostamente está tes-
temunhando, diz claramente que a infração grave cometida pelos
39 acusados foi que eles invadiram a sala 14. Esta impertinência
é a razão oficial para eles terem sido mantidos presos por quase
nove meses.
"Não, eles não entraram lá por vontade própria", insiste a tes-
temunha, tentando mostrar com que bravura o Serviço Federal de
Segurança havia agido e supondo que está expondo toda a
gravidade da ofensa dos invasores. "Eles queriam correr por todo
o prédio, mas foram forçados para dentro da sala com a estrutura
do detector de metais."
"E as portas da sala estavam trancadas?”, pergunta a defesa.
"Não, estavam abertas.”
"Mas então eles trancaram a sala?"
"Não, a porta externa permaneceu aberta."
"Então porque ela estava quebrada?" A total destruição daquela
porta é o segundo item mais sério dos danos materiais dos quais
os réus são acusados.
"Eu vi tudo, eu os vi bloqueando a segunda porta com um cofre.
Eles estavam se trancando por dentro.”
"Mas a porta externa não estava trancada! Por que então eles a
quebraram? E onde ela está agora?"
"Foi consertada. Estava arranhada."
Poderiam perguntar quem a arranhou. Os promotores se dão
conta disso. Eles estão olhando para "sua" testemunha com ar
ameaçador e seus lábios estão se movendo. Poderiam estar
praguejando? O nível de todas as suas testemunhas foi tão baixo
que provocou risos.
"Não obstante, você testemunhou pessoalmente qualquer uma
dessas pessoas criando tumulto?”, pergunta a defesa, inflexível.
Este é o ponto principal da acusação.
"Não", murmura a testemunha desapontada. "Não houve
tumulto."
Ele sacode a cabeça. Afinal, até que ponto podem esperar que ele
invente?
Este julgamento não tem base legal, mas há um imperativo
ideológico para separar aqueles que estão "do nosso lado" dos
que não estão. Isso faz parte de um processo nacional mais amplo
de separação. Os bolcheviques nacionais precisam ser punidos —
com ou sem base legal.
É claro que os métodos exibidos no Tribunal Nikulin são ridí-
culos, mas quem pode vê-los ou ouvi-los? Somente as poucas
pessoas presentes. O resto do país recebe a mensagem de que as
autoridades não estão brincando e quem não está do lado delas
vai preso. Castigue pessoas assim. Não demonstre piedade e sua
carreira irá florescer.
Platon Lebedev, amigo e defensor de Khodorkovski, foi trans-
ferido para uma cela punitiva por ter se recusado a sair para os
exercícios. Uma semana atrás Lebedev, que sofre de cirrose
hepática, foi transferido do hospital da prisão para uma cela
comum e sua saúde se deteriorou de forma aguda. Ele se recusou
a fazer exercícios porque não tinha forças. Eles se agarraram a
isto: uma cela punitiva é um lugar extremamente ruim; não há
lençóis, nem aquecimento e a dieta é de pão e água. O segundo
motivo é que o Tribunal Mitchurin lhe deu até 25 de agosto para
ler os registros das audições do caso Iukos. Lebedev ficará na
cela punitiva até 26 de agosto e, como nela não podem entrar
nem papéis nem livros, ele será incapaz de preparar um recurso
contra o veredicto.
É claro que Lebedev ainda tem Khodorkovski e este está evi-
dentemente escrevendo seus comentários. O veredicto será
dividido entre os dois e eles têm advogados excelentes. Apesar
disso, este espírito de vingança contra pessoas cujo único crime
foi deixar de se declarar culpadas é monstruoso.
Há uma boa razão de preocupação a respeito deste país. Os atuais
líderes do mundo põem o rabo entre as pernas e trocam beijos
com Putin em vez de reprimi-lo.

21 de agosto
Outro aniversário do golpe de 1991 contra Gorbatchov e nossa
libertação dele. Cerca de oitocentas pessoas foram a uma
comemoração organizada pelo partido da Rússia Livre. Não tive
vontade de parar quando passei por ela. Não há liberdade; então,
o que há para comemorar? Desde aquela data, trouxemos de volta
o que tínhamos antes.
Oficialmente, 58% das pessoas pesquisadas aprovam o slogan "A
Rússia para os russos". Outros 58%, quando lhes perguntaram o
que fariam se ganhassem um salário decente, disseram que com-
prariam imediatamente propriedades no exterior e emigrariam.
Isto é uma sentença de morte para a "Rússia Livre" e também
explica por que não temos revoluções ultimamente. Estamos
esperando que alguém a faça para nós.

23 de agosto
Algumas mães de crianças que morreram em Beslan se trancaram
no prédio do tribunal em Vladikavkaz, na Ossétia do Norte, onde
Nurpacha Kulaev está sendo julgado. Oficialmente, ele é o único
terrorista de todos os que tomaram a escola.
Depois da tragédia, as mães disseram que só confiavam em Putin
e tinham certeza absoluta de que ele iria garantir um inquérito
objetivo. Putin prometeu que sim. Um ano se passou. Porém, o
inquérito exonerou todos os burocratas e agentes de segurança
que planejaram e executaram o ataque que levou à morte de
tantas crianças e adultos. Agora as mulheres estão exigindo que
elas mesmas sejam presas. Elas se consideram responsáveis pela
morte de seus próprios filhos, porque votaram em Putin. Sua
invasão é um ato de desespero.
Khodorkovski entrou em greve de fome na prisão Matrosskaia
Tichina, recusando até mesmo água, em sinal de solidariedade
para com seu amigo Platon Lebedev, gravemente enfermo. Por
intermédio de seu advogado, Khodorkovski declarou que a
transferência d Lebedev para uma cela punitiva era obviamente
uma retaliação pelos artigos que ele, Khodorkovski, havia
publicado nos jornais depois do veredicto.
Bravo, Khodorkovski! Não pensei que ele fosse capaz disso.
Estou feliz por ter errado. Agora ele é um de nós. Oligarcas não
fazem greve de fome; são pessoas como nós que fazem.
Nos últimos seis meses, a greve de fome tornou-se o único meio
de afirmar o direito à livre palavra, um direito supostamente
garantido pela Constituição. Há muita coisa que não se pode mais
falar, mas ainda é possível fazer uma greve de fome para mostrar
que se foi silenciado. Comparecer a reuniões de protesto tornou-
se praticamente inútil, meras pregações aos convertidos; aqueles
que compartilham de suas opiniões já conhecem a situação; por
que então continuar a lhes falar a este respeito? Fazer piquetes é
inútil, a menos que seja para salvar sua consciência. Ao menos
você poderá contar a sua neta que fez mais do que expressar seu
mau humor na cozinha de sua casa. Nem mesmo escrever livros
que não são publicados na Rússia por suas idéias dissidentes têm
muito impacto. Eles só são lidos por pessoas que vivem no
exterior.
Assim, em 2005, a greve de fome é uma das poucas maneiras de
tornar conhecido seu protesto. Além disso, é uma coisa que qual-
quer um pode fazer. Todos nós podemos deixar de comer. Além
disso, não é preciso pedir uma autorização do Estado para fazê-
la.
Outra vantagem importante: na Rússia, todos suspeitam que
todos querem fazer relações públicas; mas que espécie de
relações públicas é uma greve de fome? É evidente que ela é feita
por uma pessoa desesperada.
Assim, enquanto gozamos este veranico, o que a nova tática tem
conseguido? Por três semanas em julho, os Heróis da Rússia, da
União Soviética e do Trabalho Socialista estiveram em greve de
fome. Enquanto isso, Putin deu apoio de relações púbhcas a
criminosos neofascistas, comendo com eles numa tenda em Tver,
insultando ostensivamente os Heróis. Apesar disso, a greve de
fome deles foi muito eficaz.
Os prisioneiros da colônia penal em Lgov fizeram uma greve de
fome para chamar atenção para as torturas que estavam sofrendo.
Embora as conseqüências tenham sido terríveis, eles estão sendo
menos torturados. De qualquer maneira, houve barulho suficiente
para perturbar o tranqüilo trabalho do Tribunal de Direitos
Humanos da Europa. O governo foi obrigado a reagir e, quem
sabe, os brutos que dirigem outras prisões na Rússia venham a
ser mais prudentes no futuro.
As vítimas de espancamentos pela polícia em Rasskazovo, na
província de Tambov, entraram em greve de fome, alertando que
"não mais agüentaremos humilhações, insultos e violência física
dos órgãos de cumprimento da lei”.Os agressores pararam. Mais
uma greve e é possível que sejam presos.
Finalmente, os bolcheviques nacionais do caso de 14 de
dezembro começaram uma greve de fome em suas celas em
Moscou, exigindo a libertação de todos os prisioneiros políticos.
Quem não vê que eles mesmos são prisioneiros políticos?
As autoridades registraram em silêncio este verão de greves de
fome, mesmo que se refiram a ele só indiretamente, como
fizeram em Sotchi quando observaram que os funcionários
deviam se manter à distância do povo. Porém, o Estado está se
conscientizando de que as pessoas não estão brincando. São
pessoas que não irão se entender com ele, sob nenhuma
circunstância. Uma greve de fome não é um diálogo com as
autoridades, mas com seus concidadãos.
Reflito que ninguém consegue imaginar o primeiro-ministro
Fradkov, Surkov ou o próprio Putin fazendo greve de fome. Não
é o estilo deles. Dar um passeio em um bombardeiro,
supostamente sem guarda-costas, tudo bem. Porém, um protesto
como o que Khodorkovski dividiu agora com o povo está fora de
questão.

24 de agosto
As mães voltaram a Beslan.
"Nós, mães de Beslan", diz Marina Park, "somos culpadas de ter
dado vida a crianças condenadas a viver num país que decidiu
que não necessitava deles. Somos culpadas de votar em um presi-
dente que decidiu que as crianças eram descartáveis. Somos
culpadas por guardar silêncio durante dez anos a respeito da
guerra que está sendo travada na Tchetchênia, que deu origem a
rebeldes como Kulaev."
Ella Kesaeva, outra mãe que perdeu seu filho, interrompe: “O
principal culpado é Putin. Ele se esconde por trás da Presidência.
Preferiu não nos ver e se desculpar. É uma tragédia que vivamos
com um presidente desses, que se recusa a assumir
responsabilidade por qualquer coisa."
Pouco depois disso, soube-se que Putin estava convidando
representantes do Comitê de Mães de Beslan para que se encon-
trassem com ele em Moscou em 2 de setembro. Inicialmente as
mulheres ficaram indignadas: 2 de setembro era um dia de come-
moração dos mortos. Elas não poderiam ir. Então a administração
presidencial as informou secamente de que o encontro entre Putin
e o povo de Beslan aconteceria com ou sem elas; seria
encontrada uma pessoa para dizer a Putin, diante das câmeras de
televisão, o quanto todos o amam em Beslan. Sempre se acha
alguém assim na Rússia.
O que deveriam elas decidir? Imediatamente depois da atroci-
dade, Putin prometeu que toda a verdade seria revelada. Muitos
acreditaram nele, inclusive as "mães negras" que haviam perdido
seus filhos. Por solicitação pessoal do presidente, foi formada
uma Comissão Parlamentar para investigar as causas e
circunstâncias dos eventos em Beslan, presidida por Alexander
Torchin, que prometeu que o relatório detalhado e honesto da
Comissão estaria pronto até março de 2004.
Nada aconteceu. Até hoje não há relatório e a investigação se
transformou em zombaria. Muitas das pessoas que haviam sido
reféns na escola ficaram tão irritadas que se recusaram a depor no
absurdo julgamento de Kulaev.
"Obviamente ninguém foi culpado ou não dariam medalhas a
todos eles", comenta Marina Park em tom cáustico. Os cidadãos
de Beslan ainda estão sozinhos com sua tristeza. Pessoas vêm
fotografá-los como animais no zoológico e se vão. Perguntam se
precisam de dinheiro e eles respondem que a única coisa que
querem é a verdade.

27 de agosto
O presidente da Comissão Parlamentar sobre Beslan, Alexander
Torchin, admite que o relatório pelo qual Beslan espera há tanto
tempo simplesmente não existe. "Há somente algumas páginas
soltas."
A Rússia dá de ombros.
29 de agosto
No Tribunal Nikulin, durante todo o verão, somente 13 das 26
testemunhas da acusação foram interrogadas. As da defesa ainda
não foram convocadas.
As autoridades estão retardando deliberadamente o julgamento
dos bolcheviques nacionais e os mantêm na prisão, porque ima-
ginam que isso fará com que outros pensem duas vezes. Na
verdade, isso só fortalece as convicções deles. Enquanto os filhos
estão na prisão sob acusações simplesmente inventadas, seus pais
começaram a seguir a liderança deles. Estão organizando
encontros de protesto, fazendo piquetes, juntando-se a
movimentos de oposição.
Agora os comunistas permitem que os bolcheviques nacionais
realizem suas reuniões semanais nas suas instalações e a aliança
dos ativistas de esquerda está se tornando muito sólida. Porém,
esta noite, quando os bolcheviques nacionais estavam chegando,
foram atacados e brutalmente espancados por indivíduos
mascarados com uniformes de combate e brandindo tacos de
beisebol.
Depois do ataque, os assaltantes entraram calmamente em um
ônibus que estava à espera e se foram. A polícia foi chamada,
perseguiu e parou o ônibus. Entraram e voltaram dizendo que o
ônibus estava cheio da "nossa gente". O que estava acontecendo?
Simplesmente, aqueles "do nosso lado" têm permissão para
espancar os que "não estão do nosso lado". Os nachistas vêm
atacando os bolcheviques nacionais com tacos de beisebol desde
o início de janeiro. Em 29 de janeiro e 5 de março, houve ataques
em larga escala por ativistas Nachi à sede dos Bolcheviques
Nacionais, que foi saqueada. Mais uma vez, desordeiros
politicamente inspirados chegaram e se foram em um ônibus
pequeno, equipados com tacos de beisebol. Eles até trouxeram
um gerador portátil para serrar a porta.
Os atacantes foram verificados pela polícia e liberados. Em 12 de
fevereiro, no metrô de Moscou, criminosos surpreenderam e
espancaram não só bolcheviques nacionais, mas também o pai de
um dos 39 que estão presos. Mais uma vez, eles foram levados
até um posto da polícia e liberados. A cada vez, a polícia fazia
um boletim de ocorrência e chegou a começar a fazer acusações
criminais mas ou as deixavam de lado ou as punham no gelo.
"Vocês precisam entender", suspiravam os investigadores. "É a
política..."
"Não existe urgência por parte dos investigadores", contou-me
Dmitri Agranovski, o advogado que representava o pai agredido.
"Os arquivos nem foram enviados ao tribunal, apesar das trans-
gressões serem muito mais claras do que aquelas dos
bolcheviques nacionais que invadiram a área de recepção de
Putin, e a violência foi muito maior. Muitas pessoas tiveram
ferimentos graves. Estamos tentando impedir que o processo seja
completamente encerrado, mas está claro que ele não vai dar em
nada."
E agora este novo ataque. Os Gladiadores do Spartak precisavam
de proteção contra a lei. Eles a encontraram e agora estão usando
seus punhos para retribuir a confiança neles depositada pela
administração presidencial.
É exatamente como na Tchetchênia. O governo toma sob sua
proteção pessoas que têm, de preferência, vários processos
criminais pendentes contra elas. Eles são anulados em troca da
garantia de que "enquanto estiver conosco, ninguém poderá
levantar um dedo contra você. Espanque quem levantar". (Na
Tchetchênia, é. “Mate quem você quiser.”
Será que veremos o dia em que o presidente decretará que
bandidos como Roma e Ramzan deverão receber honras do Esta-
do russo?
Também é óbvio que o regime está ansioso por jogar um grupo
de jovens contra outro para que, depois da luta, haja equilíbrio
entre os dois lados, para que o ódio não deixe a sociedade. Medo
e confronto são muito mais úteis; a busca da harmonia social não
faz parte da pauta do governo. Ele espera que a existência de
diferentes grupos sociais adversários venha a ser o tapete mágico
sobre o qual ele voará até sua meta de mais quatro anos no poder
e no controle das receitas do país, enquanto nós continuamos nos
espancando uns aos outros. Isso é o que vejo por trás dos ataques
aos bolcheviques nacionais por equipes bem organizadas usando
tacos de beisebol.

30 de agosto
O Conselho Militar da Suprema Corte está estudando um recurso
contra a absolvição de uma unidade de Operações Especiais pelo
Tribunal Militar do norte do Cáucaso. Essa unidade, subordinada
à Diretoria Central de Inteligência, matou seis pessoas e queimou
seus corpos no distrito de Chatoi, na Tchetchênia, em janeiro de
2002. O veredicto foi considerado ilegal e o processo enviado de
volta para reconsideração.
Isso é muito incomum. As objeções básicas ao primeiro veredicto
foram violações grosseiras dos procedimentos na seleção dos
jurados e na conduta do juiz aos lhes dar instruções políticas
antes de que eles se retirassem para deliberar sobre o veredicto.
A unidade de Eduard Ulman foi absolvida porque, embora tenha
matado e queimado suas vítimas, não poderia ser responsabi-
lizada porque estavam somente cumprindo as ordens de seus
superiores, que não podiam ser questionadas. O tribunal ignorou
totalmente o fato de não haver ordens escritas, somente
indicações veladas de um obscuro diretor da operação, cuja voz
foi ouvida através de um walkie-talkie. A Suprema Corte também
ignorou este importante detalhe.
O que acontecerá a seguir? Esta é a terceira vez em que o caso foi
revisto, mas infelizmente ele ainda será julgado em Rostov-
sobre-o-Don. Se o Conselho Militar estivesse esperando
seriamente um veredicto de culpado, Ulman e sua unidade seriam
novamente detidos e o caso não teria voltado para Rostov, onde é
praticamente impossível formar um júri radicalmente diferente
dos anteriores. Os jurados de Rostov foram de opinião que
Ulman estava perfeitamente em seus direitos; ele estava
executando uma missão para a pátria e, de qualquer maneira,
todos os tchetchenos são culpados a priori. O forte sentimento
antitchetcheno é um fato da vida no sul da Rússia.
Por que nesta ocasião o veredicto foi deixado de lado? Afinal, a
Suprema Corte tem um longo histórico de fechar os olhos para
assuntos inconvenientes. Ela está fazendo o jogo de Putin.
Quando se encontrou com os defensores dos direitos humanos no
início do verão, o presidente disse que ficara chocado com a
absolvição de Ulman e seus comandados. Assim, a Suprema
Corte se apressou em ajudá-lo a superar o choque, retomando o
caso, e o que acontecer depois disso não é problema dela.
Mas a Diretoria Central de Inteligência (GRU) pode ser forçada a
se conter por um curto período. As subdivisões de Operações
Especiais dessa organização sanguinária continuam a "desinfetar"
aTchetchênia, operação na qual Ulman e seu destacamento
estavam envolvidos, e o fato de não sabermos de casos
semelhantes se deve simplesmente ao fato de que não são
registrados. As atrocidades na aldeia de Borozdinovskaia em 4 de
junho também foram cometidas por um destacamento do GRU.
O assassinato, em 4 de julho, de Abdul-Azim Iangulbaev, chefe
do governo da aldeia de Zumsoi, é outro exemplo.
O pano de fundo para o caso de Iangulbaev é que, em janeiro,
quatro pessoas foram seqüestradas de Zumsoi por um grupo de
soldados lançados de pára-quedas de helicópteros. Nada mais foi
ouvido delas. A seguir, os soldados ficaram furiosos, espancando
aldeões e se apoderando, por exemplo, de 250 mil rublos
[US$10.000] que uma das famílias tinha acabado de receber
como compensação pela destruição da sua casa. Abdul-Azim
Iangulbaev fez o possível para encontrar os aldeões seqüestrados.
Apelou para organizações de direitos humanos e falou dos
excessos cometidos pelos soldados, um fato incomum hoje na
Tchetchênia. E não apenas lá.
Na primavera, ele enviou ao Centro Memorial de Direitos
Humanos e ao Gabinete do Procurador um rascunho de relatório
feito por um dos soldados envolvidos nas operações de janeiro
que dava os nomes dos militares no comando dos sequestros e
mencionava o bombardeio de casas e o assassinato de um dos
aldeões.
Em 4 de julho, o jipe de Iangulbaev foi detido numa estrada de
montanha por três homens mascarados, que apresentaram creden-
ciais do GRU e ordenaram que ele saísse do carro e mostrasse
sua carteira de identidade. Quando foi abrir o porta-malas para
que fosse inspecionado, ele foi morto à queima-roupa com uma
arma dotada de silenciador.
31 de agosto
Há uma divisão em Beslan. As mães devem ou não ir a Moscou
para se encontrar com Putin em 2 de setembro?
Ao que parece, Putin acha que elas elevem: um avião especial
será enviado para buscá-las. Isto não tem precedentes, mas
Beslan também não. Porém, muitas das mães estão se recusando
a ir. Hoje a delegação dos que vão ao Kremlin não consiste
exclusivamente em mães que perderam seus filhos e queriam há
muito contar a Putin tudo o que lhes vai na cabeça. Ela inclui, é
claro, Teimuraz Mamsurov, o pai de duas crianças que
sobreviveram na escola e que, na época do ataque terrorista, era
líder do parlamento republicano. Hoje ele é "diretor" da Ossétia
do Norte. As repúblicas não têm mais presidentes, mas se é
diretor ele claramente goza da confiança de Putin. Mamsurov não
criará confusão na presença de Putin para descobrir a verdade a
respeito do ataque terrorista. Ele não cometerá suicídio político.
Outro membro da delegação é Maierbek Tuaev, diretor da
Comissão Pública para a Distribuição de Ajuda Humanitária. A
filha de Maierbek foi morta, mas, depois das atrocidades, quando
choveu ajuda humanitária na cidade, vinda do mundo inteiro, ele
foi nomeado para distribuí-la. Também há Azamat Sabanov,
filho de Tatarkan Sabanov, ex-diretor da Primeira Escola que,
como fazia todos os anos, havia ido para o desfile de 1 o de
setembro e foi morto no ataque. Azamat é assessor de Maierbek
Tuaev para a distribuição da ajuda humanitária, que funciona
como um narcótico numa cidade que passa a maior parte do
tempo no cemitério.
Telefono para Marina Park e ela conta: "Estou no cemitério."
Posso ouvir muitas vozes em volta dela. Ela é um membro extre-
mamente ativo do Comitê das Mães de Beslan. Marina foi uma
das primeiras signatárias das muitas cartas enviadas pelo comitê
a instituições envolvidas no inquérito sobre a tragédia, mas
decidiu não comparecer ao encontro com Putin em 2 de
setembro. "Não faz sentido viajar mil quilômetros para receber
condolências", disse ela, inflexível, ainda no cemitério. "Ele não
está nos recebendo para seguir em frente com o inquérito, mas
porque quer ser fotografado conosco."
Alexander Gumetsov, cuja filha Aza, de 12 anos, foi morta,
também não quer mais ver o presidente.
Conheci Alexander este ano. Ele estava e ainda está profunda-
mente deprimido. Aza era sua única filha. Houve um tempo em
que ele queria muito contar tudo sobre o que sua família passou
até finalmente receber os restos mortais da filha, identificada
somente pelos testes de DNA. Mas agora, como a maioria das
pessoas na cidade, Alexander sente que foi enganado tantas vezes
no ano passado que nada poderá restaurar sua fé nas autoridades
do Estado. Mesmo que Putin quisesse passar todo o mês de
setembro com as pessoas de Beslan; mesmo que não houvesse
nenhuma menção a dinheiro e apenas a discussão da necessidade
de um inquérito sério; mesmo que Putin obrigasse o procurador-
geral, o diretor do FSB, o ministro do Interior e todos os
condecorados "heróis de Beslan" a falar a verdade às mães na sua
presença; mesmo que ele de repente se arrependesse e beijasse a
mão daquelas mulheres, perante as quais ele sempre será
culpado, e jurasse arrancar a verdade dos seus serviços de
segurança — mesmo assim ele não acreditaria.
E assim duas ou três mães, das vinte que haviam sido convida-
das, irão ao Kremlin. Elas servirão para influenciar os homens
politicamente mais confiáveis, convidados para o encontro de
Putin com o Comitê das Mães de Beslan.
A mãe de Aza, Rimma Tortchinova, é uma das que vão. Ela quer
olhar Putin nos olhos quando lhe fizer algumas perguntas
importantes que não foram respondidas. Rimma não tem ilusões,
mas acha que é sua obrigação para com a memória da filha. Ela
irá a Moscou de qualquer maneira. Perguntará sobre os quartéis a
partir dos quais a operação foi dirigida, sobre o ataque, os lança-
dores de granadas, o papel dos helicópteros federais sobrevoando
a escola.
Podemos apenas imaginar as dificuldades que ela irá enfrentar
em 2 de setembro, assim como as outras mulheres que irão ver o
presidente. Que solidariedade pode a sociedade oferecer a elas
neste momento? Podemos ao menos estender a mão para que elas
sintam não só sua dor, mas também o apoio do país quando
enfrentarem o frio do Kremlin. Talvez então nosso presidente
ache mais difícil "gerenciar" tudo de forma cínica e seja obrigado
a responder honestamente às perguntas delas.
Há poucas evidências de solidariedade social. Assistimos ao
drama das mães de Beslan pela televisão. Vemos seus lamentos
no tribunal em Vladikavkaz, trancando-se em sinal de protesto,
realizando reuniões, bloqueando a rodovia, exigindo ver o
subprocura-dor-geral Chepel, que está visivelmente constrangido
por ter de mentir indefinidamente para elas. O país está sedado
por esta novela, inclinado a murmurar somente que "elas estão
fora de si de tristeza" e, afinal, o tempo irá curá-las e não há nada
a ser feito.
Vamos assistir à edição vespertina do programa noticioso Vremia
e iremos para a cama esquecendo as mulheres com véus pretos
até o próximo episódio de As Mães de Beslan. Os homens de
Beslan continuarão perdendo a cabeça, culpando-se por tudo,
enquanto as mulheres continuam a viver no novo cemitério de
sua cidade.
Amanhã é 1o de setembro. Um ano se passou e nenhum dos
incompetentes burocratas, generais, diretores de serviços de
inteligência, oficiais de quartéis operacionais ou mesmo chefes
da polícia foi responsabilizado. De qualquer maneira, ninguém
está exigindo isso. O que aconteceu com a opinião pública?
Em 1o de setembro de 2005, ficou claro que o movimento
democrático está em colapso. Não haverá nenhuma frente unida,
seja na realidade ou nas eleições para o Parlamento tchetcheno
em novembro, as eleições para a Duma de Moscou em dezembro
ou nas eleições para a Duma em 2007. O Comitê 2008 é um
fantasma. O Congresso dos Cidadãos está em coma. A elite
intelectual russa não conta com nenhum fórum no qual possa
influenciar a governança do Estado.
Sim, Gary Kasparov entrou para a Frente Civil Unida, embora
esta não pareça estar atraindo muitos membros. Ela formula
assim sua missão.
Em futuro próximo, a estagnação de Putin será substituída por
uma séria crise política criada pelas próprias autoridades do
Estado e não pelos democratas. A principal tarefa que temos
diante de nós antes que ocorra essa crise é criar uma organização
capaz de unir todos os cidadãos responsáveis contra o regime
quando este finalmente perder a cabeça. Precisamos aprender a
organizar nossa oposição.
São palavras verdadeiras, mas o problema que sufoca todas as
boas palavras é que todos os membros da Frente Civil Unida,
com exceção de Kasparov, têm um histórico de derrota eleitoral.
Entre essas pessoas, que fizeram parte dos movimentos
democráticos nos anos anteriores a Ieltsin, há algumas que se
comportaram de forma desastrosa no fim do período de Ieltsin e
tornaram possível a chegada da era Putin.
Para deixar claro, não acredito que as convicções democráticas
dessas pessoas sejam tão profundas. Não confio em nenhuma
delas, com exceção de Kasparov, e duvido que ele seja capaz de
mover montanhas sozinho. Milhões de outros russos também não
confiam nessas pessoas.
Vladimir Rizhkov ainda dirige o Partido Republicano da Rússia,
visto pelo povo com ceticismo ainda maior. Ele existe há 15
anos, tendo surgido de um improvável agrupamento do período
de Ieltsin, a "Plataforma Democrática do Partido Comunista da
União Soviética", porque esse monstro já existia e na época
parecia muito progressista. O povo também não o apoia.
Iavlinski rompeu publicamente com a União de Forças de Di-
reita, ao ponto de se recusar a ter qualquer coisa a ver com Nikita
Belikh, seu novo líder. Isso acaba com qualquer esperança de
adesão entre a União e o Iabloko. O único elemento ativo no
Iabloko é sua ala jovem, sob Ilia Iachin. Seus protestos se
assemelham cada vez mais àqueles dos bolcheviques nacionais
de Limonov. O Iabloko Jovem não tem o próprio Iavlinski em
alta conta, talvez porque seus membros sejam muito mais puros,
mais honestas e, mais importante, mais apaixonados que os
velhos democratas, dos quais Iavlinski é um exemplo típico. A
visão de que os velhos democratas pertencem ao passado está
hoje muito disseminada.
A União de Forças de Direita está ocupada em bajular a admi-
nistração presidencial, enfatizando que "nada tem contra Putin".
No verão, Belikh circulou por 45 regiões do país tentando
mobilizar pessoas de direita. Nada conseguiu.
Qualquer pessoa que no momento esteja tentando fazer algo de
válido na Rússia está se deslocando para a esquerda. Khodor-
kovski está certo, apesar de todos os democratas terem
condenado suas idéias enviadas da prisão. A Marcha para a
Esquerda da Rússia é um fato consumado, que também elimina
qualquer possibilidade de uma Revolução Laranja russa. Não
haverá na Rússia nenhum grande avanço revolucionário com
laranjas, tulipas ou rosas.
Nossa revolução, se vier, será vermelha, porque os comunistas
são quase a força mais democrática do país e porque ela será san-
grenta. A Revolução Laranja na Ucrânia reuniu por algum tempo
todos os nossos democratas e liberais, mas a seguir dividiu-os
ainda mais. No lugar deles, como um tumor, veio o movimento
"democrático" Nachi da administração presidencial.
A ameaça de uma revolução sangrenta vem hoje das próprias
autoridades do Estado ou possivelmente de oposicionistas que
perdem a calma quando confrontados pelos nachistas. Da
maneira como estão as coisas, a cor de qualquer revolução na
Rússia será vermelha e ninguém pode ter certeza de que os
lutadores de rua nachistas de Surkov não voltarão seus socos
ingleses e suas correntes contra seus atuais mestres políticos.

Será que estou com medo?


Dizem com freqüência que sou pessimista; que não acredito na
força do povo russo; que sou obsessiva em minha oposição a
Putin e não vejo nada além disso.
Eu vejo tudo e este é todo o problema. Vejo o que é bom e
também o que é ruim. Vejo que as pessoas gostariam que a vida
mudasse para melhor, mas são incapazes de fazer isso acontecer
e que, para ocultar essa verdade, elas se concentram no lado
positivo e fingem que o negativo não existe.
Pelo meu modo de pensar, um cogumelo que cresce sob uma
folha grande não pode esperar escapar. Quase certamente alguém
irá localizá-lo, cortá-lo e comê-lo. Se você nasceu ser humano,
não pode se comportar como um cogumelo.
Não consigo aceitar a previsão demográfica oficial do Comitê de
Estatística do Estado que cobre o período até 2016. Em 2016,
muitas pessoas da minha geração poderão estar mortas, mas
nossos filhos estarão vivos, assim como nossos netos. Será que
realmente não nos importamos com o tipo de vida que eles terão
ou mesmo se terão ou não uma vida?
Muitas pessoas parecem não se importar. Se continuarmos com
as mesmas diretrizes políticas e econômicas, a população russa
cairá em 6,4 milhões de pessoas. Essa é a previsão otimista: que
em 2016 a Rússia terá uma população de 138,8 milhões.
A previsão pessimista não é tão fácil de conseguir, mas você
poderá descobri-la se for suficientemente persistente; ela o levará
a querer fazer alguma coisa para mudar a situação na Rússia
imediatamente. A previsão pessimista é de que estaremos
reduzidos a 128,7 milhões de habitantes. Milhões de pobres,
incapazes de pagar pelos serviços médicos privatizados, irão
morrer. Jovens continuarão a ser mortos aos bandos no exército.
Em guerras e também fora delas, todos os que "não estão do
nosso lado" serão mortos ou enviados para apodrecer e morrer
nas prisões.
Isso acontecerá se tudo permanecer como é agora. Se não
enfrentarmos o problema da pobreza. Se a desgraçada
negligência em relação à prestação de serviços de saúde e ao
meio ambiente persistir. Se não embarcarmos numa campanha
nacional contra o alcoolismo e o vício em drogas. Se a guerra no
norte do Cáucaso não terminar. Se não for mudado nosso sistema
humilhante de previdência social, que permite que uma pessoa
mal sobreviva, sem perspectiva de viver uma vida plena e digna,
comendo bem, descansando de forma adequada, praticando
esportes.
Até aqui não há nenhum sinal de mudanças. As autoridades do
Estado continuam surdas a todos os alertas do povo. Elas vivem
sua própria vida, seus rostos permanentemente distorcidos pela
ambição e pela irritação porque alguém pode tentar impedi-las de
ficar ainda mais ricas. Para eliminar essa possibilidade, sua
prioridade é paralisar a sociedade civil. Todos os dias tentam
convencer o povo russo de que a sociedade civil e a oposição são
financiadas pela CIA, pelos ingleses, por Israel e pelos serviços
de inteligência marcianos, além, é claro, da teia mundial da al-
Qaeda.
Hoje nossas autoridades só estão interessadas em ganhar
dinheiro. Isso é literalmente tudo em que estão interessadas.
Se alguém pensar que pode se sentir à vontade com a previsão
"otimista", que o faça. É certamente o caminho mais fácil, mas é
também uma sentença de morte para nossos netos.
Glossário
Um asterisco no texto indica a primeira ocorrência das seguintes
personalidades e organizações significativas:

Personalidades:
Basaev,Chamil: principal comandante dos guerrilheiros
tchetchenos quando a Rússia invadiu a Tchetchênia em 1994. Os
bombardeios russos mataram onze membros da sua família e
depois disso ele se transformou num guerreiro impiedoso.
Acusado de tramar as tomadas de reféns em Nord-Ost e na
Primeira Escola em Beslan, que terminaram de forma sangrenta
pelo governo russo. Morto numa explosão em 2006.
Berezovski, Boris: tornou-se um oligarca na era Ieltsin e
construiu um império de mídia que ajudou a reeleição de Ieltsin,
mas caiu sob Putin por sua oposição à Guerra Tchetchena e seu
apoio às causas liberais e democráticas na Rússia.Vive hoje em
Londres. Acusou Putin de responsabilidade pela morte de
Alexander Litvinenko, seu associado, em 2006.
Bonner, Ielena: incansável defensora dos direitos humanos, cujo
pai, um secretário de origem armênia da Internacional
Comunista, foi assassinado pelo regime em 1937. Viúva de
Andrei Sakharov, físico laureado com o Nobel e ativista dos
direitos humanos.
Chubais, Anatoli: vice-primeiro-ministro em 1994-6 associado
ao programa de "terapia de choque" de reformas de livre
mercado, com privatização e a criação dos oligarcas sob Ieltsin.
Tornou-se vice-líder do partido político União de Forças de
Direita.
Fradkov, Mikhail: ex-diretor da Polícia Fiscal Federal e
representante junto à União Européia; nomeado primeiro-
ministro da Rússia por Punn em 2004, para substituir o
turbulento Milhail Kasianov.
Fridman, Mikhail: co-fundador do Alfa Group em 1988, que
hoje possui o maior banco privado da Rússia e tem participação
em petróleo varejo e telecomunicações.
Gorbatchov, Mikhail: último secretário-geral do Partido
Comunista Soviético (1984-90) e primeiro presidente executivo
da URSS (1990-1). Suas tentativas para democratizar o regime
comunista levaram ao seu colapso.
Iavlinski, Grigori: autor em 1990 de um programa malsucedido
para transformar a Rússia numa economia de livre mercado em
dois anos. Co-fundador do partido Iabloko em 1995, que mais
tarde tentou o impeachment de Ieltsin. Recusou-se a concorrer à
Presidência em 2004, alegando que Putin havia fraudado as
eleições parlamentares de 2003 para garantir que não houvesse
representantes do Iabloko na Duma.
Ieltsin, Boris: primeiro presidente da Federação Russa (1991-9).
Conseguiu banir o Partido Comunista da República Russa e
desmantelou a URSS em favor de uma Comunidade de Estados
Independentes. Dizem que iniciou a Primeira Guerra Tchetchena
para manter seu poder pessoal com apoio do exército e que
entregou o poder a Vladimir Putin em 1999 para frustrar a
candidatura do rival à Presidência em 2000.
Jirinovski, Vladimir: político populista e ultranacionalista e
líder do Partido Democrático Liberal Russo. Comentou, a
respeito do envenenamento do ex-agente da KGB Alexander
Litvinenko em Londres em 2006, que "um traidor deve ser
eliminado pelo uso de qualquer método".
Kadirov, Akhmed: mufti tchetcheno pró-Moscou, mais tarde
"presidente" da Tchetchênia, assassinado um dia depois de
comparecer à posse de Putin para o segundo mandato.
Kadirov, Ramzan: combateu contra a Rússia na Primeira
Guerra Tchetchena de 1994-6. Passou a apoiar a Rússia na
Segunda Guerra (1999 até o presentee). Nomeado primeiro-
ministro depois do assassinato do pai, Akhmed Kadirov.
Comanda uma força paramilitar.
Kasparov, Gary: campeão mundial de Xadrez em 1985, aos 22
anos. Trocou o xadrez pela política russa em 2005.
Khakamada, Irina: empreendedora e candidata na eleição
presidencial de 2004; presidente do Partido Democrático Russo
Livre.
Khodorkovski, Mikhail: foi o oligarca mais rico da Rússia;
fundador do Menatep Bank e da empresa de petróleo Iukos.
Apoiou partidos democraticos de oposição e propôs a introdução
de práticas de negócios ocidentais transparentes. Entrou em
choque com o regime de Putin, foi preso em 2003 por supostas
irregularidades fiscais e sentenciado a nove anos de prisão.
Kuchma, Leonid: segundo presidente da Ucrânia (1994-2005).
Acusado oficialmente em 2005 de envolvimento no assassinato
do jornalista Georgi Gongadze em 2000.
Limonov, Eduard: escritor russo, fundador do Partido
Bolchevique Nacional, nacionalista mas ainda não registrado.
Preso em 2002 por dois anos por suposta compra de armas.
Lubachenko, Alexander: presidente autoritário da Bielorrússia
desde 1994.
Maskhadov, Aslan: principal líder militar tchetcheno na
Primeira Guerra Tchetchena; eleito presidente em 1997, assinou
um tratado de paz com Ieltsin no Kremlin, mas foi incapaz de
impedir uma divisão entre nacionalistas seculares e
fundamentalistas islâmicos. Morto pelo FSB em 2005,
aparentemente quando tentava negociar um acordo de paz para o
conflito. Seu corpo não foi devolvido à família para ser
enterrado.
Mironov, Sergei: desde 2001, orador do Soviet da Federação, a
câmara alta do Parlamento Russo. Desde 2003, presidente do
Partido da Vida Russo, que se fundiu em 2006 com os partidos
Rodina e dos Pensionistas Russos para formar o Partido da
Justiça Russo, o qual comanda. Pró-Putin.
Pamfilova, Ella: deputada na Duma nos anos 90 e candidata à
Presidência em 2000. Presidente da Comissão Presidencial para o
Desenvolvimento da Sociedade Civil e dos Direitos Humanos.
Putin,Vladimir: demitiu-se da KGB em 1991 com o posto de
tenente-coronel. Diretor do FSB (1998-9) e sucessor de Boris
Ieltsin como presidente da Federação Russa em 2000. Reeleito
em 2004. Seu mandato expira em 2008.
Rakhimov, Murtaza: eleito presidente do Bachkortostan em
1993 e reeleito em 1998 e 2003. A Organização para Segurança e
Cooperação na Europa descreveu a eleição de 2003 como
desfigurada por "elementos de fraude básica".
Rogozin, Dmitri: líder do partido Rodina (Pátria), nacionalista,
que defendeu os direitos dos russos étnicos até o início de 2006
quando, aparentemente por pressão de Kremlin, mudou de
posição. Seu partido representava uma ameaça crescente ao
Rússia Unida, das autoridades do Estado.

Rizkhov, Vladimir: deputado na Duma desde 1993 e vice-


presidente do Partido Republicano Russo.
Saakachvili, Mikhail: líder da Revolução da Rosa na Geórgia
em 2003, que obrigou Eduard Chevarnadze a renunciar depois de
eleições consideradas fraudulentas. Tornou-se presidente da
Geórgia em 2004. Enfrentou com sucesso confrontos separatistas
em Adjara e Abkhazia, mas ainda tem sérios problemas com a
Ossétia do Sul.
Sakharov, Andrei: considerado o pai da bomba de hidrogênio
soviética, Sakharov tornou-se um dos mais corajosos críticos do
regime. Agraciado com o prêmio Nobel de 1975, mas não pôde
viajar para recebê-lo. Sua posição contra a corrupção e a falta de
legitimidade do regime soviético foi muito influente junto à elite.
Morreu em 1989.
Surkov, Vladislav: principal ideólogo e conselheiro do Kremlin,
que ocupou altos cargos nos bancos Menatep e Alfa durante os
anos 90. Diretor de Relações Públicas da empresa de televisão
ORT (1998-9). Subchefe da Administração Presidencial de Putin.
De ascendência meio tchetchena, acredita-se que Surkov seja o
principal patrocinador de Ramzan Kadirov no Kremlin e também
da política de tchetchenização da guerra na Tchetchênia.
Zakaev, Akhmed: atual ministro do Exterior do governo
separatista da República Tchetchena de Itchkeria, herói da
resistência na Primeira Guerra Tchetchena, representante da
Tchetchênia em 1996 nas conversações de paz que levaram à
retirada dos russos; vice-primeiro-ministro, depois ministro das
Relações Exteriores. Ferido no início da Segunda Guerra
Tchetchena (de 1999 até o presente), Zakaev deixou a Tchet-
chênia em 2000 e tornou-se o mais importante representante do
governo Maskhadov na Europa Ocidental. Recebeu asilo político
do Reino Unido em 2003 e mora em Londres.
Ziazikov, Murat: presidente da Inguchétia, uma república que
faz fronteira com a Tchetchênia e com a qual tem ligações
étnicas próximas. Membro da KGB nos anos 80, foi eleito
presidente (com forte envolvimento do FSB) em 2004.

Organizações:
Comunidade de Estados Independentes (CEI): criada em
1991,unindo frouxamente todas as antigas repúblicas da URSS,
exceto a Geórgia e os estados bálticos Estônia, Lituânia e
Letônia.
Democratas Liberais: primeiro partido de oposição registrado,
em 1989, depois do fim do monopólio do Partido Comunista. Um
partido de nome confuso e ultranacionalista liderado por
Vladimir Jirinovski, supostamente subsidiado por Ieltsin para
tirar apoio do Partido Comunista.
Duma: o Parlamento Russo que, sob a Constituição de Ieltsin,
substituiu o Soviet Supremo em 1993. Consiste em 450
deputados eleitos.
Federação Russa: Estado sucessor da URSS a partir de 1991,
mas não inclui as repúblicas autônomas da URSS.
FSB (Birô Federal de Segurança): atual organização de
segurança interna do Estado; sucessor do Serviço Federal de
Contra-espionagem.
Iabloko: partido liberal formado em 1995 em reação a lutas
internas no campo democrático; fala contra restrições à liberdade
de imprensa e de práticas políticas democráticas; apoia a
integração da Rússia na União Européia, opõe-se à guerra na
Tchetchênia e pediu a deposição do regime de Putin por "meios
constitucionais".
KGB (Comitê de Segurança do Estado): polícia secreta
soviética, substituída em 1991 pelo Serviço Federal de Contra-
espionagem depois de seu envolvimento na tentativa de golpe
contra Gorbatchov.
OMON (Unidade de Operações Especiais da Polícia): criada
em 1979 para proteger os Jogos Olímpicos de Moscou em 1979
de ataques terroristas. Posteriormente usada como polícia contra
tumultos; há uma unidade em cada território da Federação Russa.
Rodina: partido nacionalista e socialista fundado em 2003,
liderado por Dmitri Rogozin. Acreditam que tenha sido montado
pelo Kremlin para atrair votos dos desiludidos simpatizantes do
Partido Comunista. Nas eleições de 2003, conseguiu 37 assentos
na Duma e agora diz ser "Por Putin, mas contra o governo".
Rússia Unida: partido criado em 2001 pelo Kremlin para apoiar
Vladimir Putin; detém a maioria constitucional na Duma.
União de Forças de Direita: partido liberal formado em 1999 a
partir de vários partidos dedicados à introdução de reformas de
livre mercado e muito crítico da redução das liberdades
democráticas com Putin. Oficialmente, recebeu 4% dos votos nas
eleições parlamentares de 2003, perdendo representação na
Duma, que exige 5%, provocando amplas suspeitas de fraude
eleitoral pelo Kremlin.

Outros:
Bachkortostan ou Bachkiria: formada em parte pelas
montanhas Urais do sul e pelas planícies adjacentes; população
de 4 milhões, dos quais 36% são russos étnicos, 29% bachkirs e
24%, tártaros.
Daguestão: localizado na parte mais ao sul da Rússia, nas
montanhas do norte do Cáucaso. Etnicamente muito
diversificado.
Geórgia: a primeira república a declarar sua independência da
Rússia, pouco antes do colapso da URSS. Problemas separatistas
com a Abkhazia e a Ossétia do Sul em particular são fomentados
pela Rússia. Rica em recursos naturais, atraente para turistas e
famosa por seus vinhos, a Geórgia está combatendo a corrupção,
que atrasa a economia.
Inguchétia: abrange principalmente muçulmanos sunitas de
várias ordens sufis. Tem muitos refugiados da guerra na
Tchetchênia. População de meio milhão composta por 77% de
inguches, 20% de tchetchenos e 1,2% de russos.
Kirghizia: isolada do mar e montanhosa, às vezes chamada de
Suíça da Asia Central.Teve sua Revolução das Tulipas em 2003
em protesto contra eleições fraudulentas e a repressão dos
oposicionistas, mas o novo regime está se esforçando para
cumprir suas promessas de combater a corrupção e descentralizar
a autoridade.
Revolução da Rosa: uma série de protestos na Geórgia no final
de 2003 em resposta a fraudes nas eleições parlamentares de
novembro de 2003. A incapacidade do presidente Eduard
Chevardnaze para lidar com problemas separatistas e a corrupção
generalizada fizeram com que ele perdesse a eleição para Mikhail
Saakachvili. Chevardnaze cantou vitória, mas foi obrigado a
reconhecer a derrota depois que o prédio do Parlamento foi
tomado por partidários de Saakachvili, trazendo rosas como
símbolo de não-violência; unidades militares de elite se
colocaram ao lado dos manifestantes. A eleição foi repetida em
janeiro de 2004 e o partido de Saakachvili venceu por uma ampla
margem.
Revolução Laranja: deflagrada na Ucrânia no final de 2004 pela
maciça fraude na eleição presidencial pelas autoridades pró-
Moscou. Uma nova eleição em dezembro de 2004 levou à vitória
de Viktor Iustchenko, que havia sido envenenado pouco antes da
primeira eleição e recebeu 52% dos votos contra os 44% em
favor de Viktor Ianukovitch.
Tchetchênia: situada na parte leste do norte do Cáucaso e
predominantemente de religião muçulmana sunita. A maior parte
do seu potencial econômico foi destruída nas duas Guerras
Tchetchenas, com enormes perdas de vida de combatentes e
civis. De acordo com o governo russo, foram gastos mais de
US$2 bilhões em reconstrução desde 2000, embora o órgão russo
de monitoramento econômico considere que mais de US$350
milhões não tenham sido gastos conforme o planejado.
Ucrânia: declarou independência de Moscou em 1991, mas foi
lenta na implantação de reformas de livre mercado; é fortemente
dependente da Rússia para o fornecimento de energia, fato que
esta tentou explorar em busca de vantagens políticas. Sua
população de 46 milhões é 78% ucraniana e 17% russa.
Wahhabismo: forma dominante do Islã na Arábia Saudita, no
Qatar e no oeste do Iraque, a qual defende uma posição puritana
e legalista em assuntos de fé e prática religiosa. Árabes wahhabi
de fala russa inundaram a Tchetchênia no fim da Primeira Guerra
Tchetchena, permitindo que o governo russo mostrasse a
Tchetchênia como cabeça-de-ponte do fundamentalismo
islâmico.

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