Tese Versão Final
Tese Versão Final
Tese Versão Final
TESE DE DOUTORAMENTO
FLORIANÓPOLIS-SANTA CATARINA
2009
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FLORIANÓPOLIS-SANTA CATARI NA
2009
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1
R ESUMO
1
Créditos: Muiraquitãn indígena. Foto extraída do site: www.portalamazonia.com
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2
A BSTRACT
The present thesis consists in the presentation of the results of the research made
together with an indigenous community of the ethnic tribal group Sateré-Mawé starting
from a participant objectivity and an ethnographic research in the context of their daily
living. The community researched is located in an urban area of the city of Manaus, the
State of Amazonas, Brazil. Having as our subjects a group of twelve children between
the ages of four and twelve years of age who were our speakers during twelve months
and provided evidence for us though several languages, drawings, writing, speeches,
photographs and videos how they live and construct their childhood culture as well as
having a lot of the traditional cultural elements of their people as well as the diverse
influences of the urban way, shown in their ways of living their childhood. The text
reflects together with the children the importance of the valorization of the Sateré-Mawé
culture through games, rituals, traditional dance and the language and in this “between
place” the urban space, strategies are constructed to guarantee their own ways of being
indigenous, to construct their childhood culture belonging to the ethnic tribal group
Sateré-Mawé and yet still relating with the world and the “white person’s school”. The
research demonstrated to us the importance of looking and understanding childhood
from the Sateré –Mawé children’s point of view, understanding that in this indigenous
group the concept of childhood is distinct from the concept propagated in the academic
world and from this comprehension, we begin to respect their rights to be children. He
is not that child who fits into society’s consumer pattern or molds who have industrial
made toys or media, an image definition of himself. But are children who give value to
their culture, showing us that it is worthwhile to be different in a world where many
demand standardization. They teach us that to live a full childhood is a complete
activity and more intense relationships are built and lived day by day. What has
encouraged us in this venture is understanding that there is no way back, fortunately,
when we listen to what they say, we will never be the same again. It’s more than their
right while normal practice, and without a doubt very important to be conquered, they
and their people struggle every day for the social right to be what they are. The
challenge is given, the theses is an invitation for us to enter their childhood worlds.
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Credits: Indigenous Muiraquitãn. Photo copy to website www.portalamazonia.com
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D EDICATÓRIA
DEDICO.
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Créditos: Foto criança indígena. Extraída do site www.portalamazonia.com
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A GRADECIMENTOS
Agradecer é mais do que um ato de exprimir um sentimento nutrido por algo que
lhe foi feito, é poder dividir os momentos vividos e as conquistas, que ao longo do
tempo e pelo apoio de um grupo de pessoas/amigos se tornaram vitórias.
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Créditos: Foto cocar indígena. Extraída do site www.portalamazonia.com
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(Assim como a canoa, um transporte para desbravar o nosso rio Amazonas, a presença
de cada uma das pessoas aqui citadas foi fundamental no enfrentamento dos obstáculos
que surgiram no caminho de construção desta tese e representaram o meu porto seguro).
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Créditos: Foto canoa da região amazônica. Extraída do site www.portalamazonia.com
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S UMÁRIO
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Créditos: Foto zarabatana indígena. Extraída do site www.portalamazonia.com
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4.4 Jeitos de ser criança Sateré-Mawé: os elementos da cultura frente aos determinismos
sociais “urbanos”……………………………….............………..............................148
5.1 A criança indígena nos documentos oficiais das escolas: cultura escolar como
elemento de “distinção”………………………………………………………………..157
5.2 Os professores e as crianças Sateré-Mawé: uma cultura de invisibilidade………..171
5.3 A escola dos “brancos”: um construto da violência simbólica…………………….175
8 REFERÊNCIAS..........................................................................................................211
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P ARA COMEÇARMOS A REFLETIR...
Vamos em busca dessa poesia, dessa “POÉTICA TEXTUAL”, que, além dos padrões
da escrita científica, possa expor um pouco mais dos sentimentos comuns da vida
cotidiana, dos seus detalhes, dos seus suspiros, dos pingos de chuva, dos raios do sol,
dos jeitos mais sublimes de amar. Esta tese é um caminhar por essa escrita científico-
mitológica, que nos convida a adentrar nos espaços desses dois campos da produção
literária e que suaviza, com simplicidade, o contato entre o conhecimento indígena,
aqui representado pela linguagem corriqueira dos seus cotidianos, e a ciência da
erudição, da conceitualização, da categorização. Intencionamos que ambas possam
dialogar nestas páginas como companheiras capazes de nos permitir compreender
melhor o mundo das CRIANÇAS SATERÉ-MAWÉ.
(ROBERTO MUBARAC)
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Créditos: Foto de criança indígena extraída do site www.portal Amazônia.com
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1. I NTRODUÇÃO
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Créditos: Foto de criança indígena extraída do site www.portalamazonia.com
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Os fios correspondem aos problemas da pesquisa, ou seja: As crianças Sateré-Mawé da área urbana de
Manaus são reconhecidas enquanto Agentes Sociais da realidade em que vivem? Como se dá a inserção
das Crianças Sateré-Mawé nas escolas? As vozes das crianças Sateré-Mawé são ouvidas e servem como
referencial para o trabalho pedagógico dos professores e das escolas?
15
10
Utilizamos aqui esta expressão para fazer uma analogia à produção do artesanato pelos Sateré-Mawé,
que produzem belíssimas peças e ornamentos feitos com sementes e materiais típicos da região e que
representam um pouco da sua vida cotidiana, dos seus modos de viver.
16
Assim sendo, ao nos depararmos com esses dois espaços de contradição, é que
vamos descortinar nossa caminhada, uma viagem cheia de imaginários, de
representações, de expressões do cotidiano, que deverão ser mediadas pelos
pressupostos de várias Ciências Humanas e Sociais, buscando uma análise que não se
cristalize na visão hegemônica e homogeneizadora de mundo, e que se aproxime do
universo indígena, conferindo reconhecimento social.
Logo, reconhecer esse universo próprio dos Sateré-Mawé é poder adentrar aos
seus mundos cotidianos, a vida como elemento contextualmente situado, como afirmam
Berger e Luckmann (1985, p. 36).
O mundo da vida cotidiana não somente é tomado como uma realidade certa
pelos membros ordinários da sociedade na conduta subjetivamente dotada de
sentido que imprimem as suas vidas, mas é um mundo que se origina no
11
Perrenoud (1995) afirma que, idealmente, o ofício de aluno incita-os a trabalhar para aprender. Na
realidade, pede-se também às crianças e adolescentes que trabalhem para estarem ocupados, para
transformarem textos, exercícios, problemas verificáveis, para serem avaliados, para contribuírem para o
bom funcionamento didático, para tranquilizarem professores e pais. Convidamo-los a seguir rotinas e
regras que visam otimizar as aprendizagens e o desenvolvimento intelectual, mas, às vezes, mais
prosaicamente, impomos-lhes a manutenção do silêncio, da ordem e da disciplina, para se facilitar a
coexistência pacífica dentro de um espaço fechado, para assegurar o cumprimento dos programas, a
melhor utilização dos recursos, a autoridade do professor.
12
Sacristán (2005, p.p. 11 e 12), em suas críticas ao modelo escolarizante, afirma que “O aluno é uma
construção social inventada pelos adultos ao longo da experiência histórica, porque são os adultos (pais,
professores, cuidadores, legisladores ou autores de teorias sobre a psicologia do desenvolvimento), que
têm o poder de organizar a vida dos não-adultos. Sem que isso possa ser evitado, representamos os
menores como seres escolarizados de pouca idade”.
17
pensamento e na ação dos homens comuns, sendo afirmado como real por
eles.
Esta afirmação do autor aponta em direção a discursos que, por longos anos,
prestaram-se a criticar a escola, mas pouco fizeram para modificá-la. Entendemos que é
preciso olhar a história e verificar como essa instituição tem se portado diante dos anos
e como muita coisa precisa ser feita para que uma mudança de fato aconteça. No caso
das populações indígenas, no que pese todo um aparato de estudos favoráveis à
construção e consolidação de uma educação escolar indígena, é necessário ainda
estarmos atentos e cautelosos para que qualquer projeto educativo tenha a sua
participação e aconteça em conjunto com suas representações e os setores da sociedade
civil.
13
Professores, pesquisadores, estudantes, membros das comunidades indígenas e da sociedade civil entre
outros.
18
Com este intuito cabe iniciar, nesta primeira discussão proposta, a elucidação
acerca do conceito de socialização que foi fundamental, no processo das análises, para o
entendimento das diversas formas de organização e ressignificação que as crianças
Sateré-Mawé desenvolveram tanto no cotidiano da comunidade quanto nas suas
relações no espaço escolar.
Os conceitos clássicos de socialização aparecem no bojo do movimento
sociológico moderno, tendo como expoente a obra de Durkheim, que trata da
socialização como uma relação entre dois fatores essenciais o social e o psicológico.
Dubar (2005, p. 11), ao analisar a obra desse precursor, enfatiza que na perspectiva do
autor a socialização se pauta na transmissão coercitiva e repressiva de valores morais
emanados de uma geração para outra. Porém, sua crítica defende um conceito oposto
em que a socialização é um elo entre gerações distintas que deve se pautar na
reciprocidade.
Na tentativa de aproximar o conceito de socialização ao nosso objeto de
pesquisa, vamos enveredar no estudo da socialização sob o foco da Sociologia da
Infância, pois entendemos que, a partir da visão estabelecida nos seus referenciais mais
atuais, ela comporta a possibilidade de enxergarmos o modus operandi que permeia a
realidade vivida pelas crianças Sateré-Mawé. Assim para James; Prout (2000, p. 10):
entre uma perspectiva tradicional e uma perspectiva crítica não se apresente como um
duelo entre “gigantes e anões”.
É preciso que, na condição de pesquisadores que questionam este espaço
determinado pelo sistema de poder, possamos assinalar com categorias teóricas claras e
coerentes, que sustentem e permitam dar visibilidade, àqueles agentes que foram
esquecidos e escamoteados do centro das discussões e questões sociais – neste caso as
crianças indígenas nas cidades – e que tais questões possam vir à tona, pois “não é mais
o fundamento que se perpetua, e sim as transformações que valem como a
fundamentação e renovação dos fundamentos” (FOUCAULT, 2007. p. 06.).
A invisibilidade das crianças indígenas, especificamente as crianças Sateré-
Mawé, nas escolas e inclusive nas pesquisas, motivou este estudo pela inquietação que
essas ausências acarretam para o entendimento das formas de socialização e
organização desse grupo social das crianças e logo, para a definição de outras práticas
educativas que possam surgir, dada a inversão dessa condição de obscuridade.
Desta maneira, esta investigação justifica-se pela pouca produção de pesquisas
acadêmicas com as crianças indígenas nas cidades, tanto no campo das Ciências Sociais,
quanto nas Ciências Humanas. Já no início deste trabalho de pesquisa, apontou-se como
um grande desafio a ser enfrentado, a construção de referenciais específicos para a
análise desse processo.
Por outro lado, justifica-se pelo caráter político, surgido da própria negação da
condição de ser indígena, presente em elementos da legislação e em um viés
conservador também na literatura científica. Nesse contexto de estudo, os povos que não
estão em seus espaços tradicionais, ou seja, nas aldeias, são caracterizados como
resultantes de um processo de exclusão, logo, os Sateré-Mawé “urbanos” estariam no
bojo dessa questão.
Ser indígena pressupõe estar nas aldeias? Os povos que deixaram seus lócus de
origem deixaram de ser indígenas? Uma criança que nasceu na cidade, mas é filha de
pais indígenas e criada em um processo de preservação de suas tradições perde a
condição de fazer parte da etnia? As crianças Sateré-Mawé produzem uma cultura
infantil que pode ser caracterizada como uma cultura infantil indígena? Qual o papel da
escola no processo de sustentação e/ou negação da condição étnica desses povos?
Essas e muitas outras questões devem ser debatidas e fazer parte das discussões
dos campos de pesquisa que lidam com a temática, pois, para Barreto e Almeida (2007,
p. 10), “Os que não conseguiram tal feito, ficaram perdidos no interior de um voo
21
14
Refere-se aqui, principalmente aos “Novos Estudos Sociais da Infância”.
15
Neil (1999).
22
16
Giddens (1991) faz uma distinção entre tempo e espaço e tempo-espaço, para o autor, a primeira escrita
representa o processo de separação desses elementos forjados no bojo das contradições emergentes por
um grupo de teorias da modernidade, enquanto que a segunda escrita pode configurar um processo de
reaproximação desses elementos fundamentais para compreensão da vida em sociedade.
23
os rodeia, esse povo indígena mantém vivo o sentimento de pertença ao seu grupo de
origem, mesmo com traços culturais que se modificaram.
A esse respeito, Cunha (1986, p. 101) afirma que:
Assim, as questões cotidianas que envolvem a vida das crianças transitam nesse
espaço de fronteiras onde se encontram presentes elementos da tradição e da renovação
da mesma, ora pela reprodução, ora pela ressignificação dos diversos saberes que
envolvem e são envolvidos no limiar desses dois mundos.
Não uma reprodução17 despida do contexto atual e das nuances que compõem
essa realidade, mas um prolongamento da vida na aldeia dentro de um outro espaço,
buscando fragmentos para garantir não só que a cultura e a tradição permaneçam vivas,
mas também que elas possam dialogar com os valores da sociedade circundante.
Pode ser visto como um “entre-lugar”18, mas que se efetiva como lugar de
garantias e acima de tudo de sobrevivência para os Sateré-Mawé que moram na cidade,
continuando a ser um povo indígena que consegue se manter, como já afirmado, pelo
sentimento de pertencimento ao seu grupo, pela etnicidade que se apresenta de várias
maneiras, seja pela linguagem, pelos mitos e pelas suas crenças a partir de outras formas
de se organizar em grupo que permitem a transição entre o saber tradicional e o saber
oriundo do espaço urbano, sem perder a essência da sua condição de povo indígena.
17
Na perspectiva da reprodução interpretativa (CORSARO, 1997, p.2), “[...] a qual eu propus como uma
alternativa ao termo socialização, tentei fazer uma ponte entre o fosso micro-macro, salientando a agência
das crianças na sua produção e participação nas suas próprias e únicas culturas de pares. Estas culturas de
pares resultam da apropriação criativa que as crianças efectuam da informação do mundo adulto para
endereçarem os seus próprios interesses enquanto grupo de pares. Por outro lado, de acordo com a noção
de reprodução, eu argumento que as crianças não apenas internalizam a sociedade e a cultura, mas estão
também a contribuir activamente para a reprodução e mudança cultural. Esta ênfase na reprodução
também implica que as crianças, são, pela sua participação efectiva na sociedade, constrangidas pela
estrutura social existente e pela reprodução social.”.
18
Bhabha (2005)
24
Assim, longe dos grandes debates sobre as teorias do direito que tratam dos
pluralismos jurídicos e sobre as relações entre conceitos normativos da
ciência jurídica e conceitos empíricos das ciências sociais, estamos diante de
realidades localizadas e processos sociais com diferentes modalidades de
afirmação étnica e com a consolidação de suas respectivas territorialidades
especificas. A interpretação do sentido profundo desta força mobilizadora
desafiante e desta dinâmica de autoconsciência cultural parece voltar-se
principalmente para as expressões de identidade (ALMEIDA, 2007, p. 15).
Passeios por ruas paralelas ainda mais estreitas, ou desvios mais amplos,
também não causam muito dano, pois não esperamos encontrar progresso ao
fim de uma estrada reta, onde se anda incansavelmente para frente, e sim
através de caminhos sinuosos e improvisados, onde o resultado aparece onde
tem que aparecer. (GEERTZ, 2001, P. 14).
Desta maneira, cada um dos cinco capítulos que compõem a tese afirma e
confirma que não estamos sós, ao contrário, estamos juntos com as crianças Sateré-
Mawé, seu povo e muitas outras crianças (como num grande puxirum19) que, pelas suas
vozes, estão fazendo ecoar o trabalho de muitos pesquisadores por esse mundo afora. É
como se, ao invés de um pequeno grupo de idealistas defendendo suas utopias
irrealizáveis, estivéssemos munidos de muitos instrumentais teóricos para enfrentar as
dificuldades que estão postas. Esperamos então, neste sentido, com esta tese, contribuir
com esse movimento.
19
Para os povos indígenas, o puxirum representa o encontro, a união, o espaço coletivo...
25
26
CONSTRUIDAS E EM CONSTRUÇÃO
20
Créditos: foto tirada pelo pesquisador na comunidade. Crianças Sateré-Mawé.
27
presente ou faz parte da mesma, mas para além do mais, um espaço onde a sua acção é
tida em conta e é indispensável para o desenvolvimento da investigação.”
Foi basicamente assim que começou o trabalho com as crianças indígenas, como
um desafio em tentar compreender as dúvidas da docência universitária no Estado do
Amazonas, em pleno desenvolvimento de um trabalho de pesquisa com um grupo de
alunos da graduação21 nas periferias da cidade de Manaus, quando nos deparamos com
duas comunidades indígenas dentro da cidade. Se deste momento já tínhamos um
grande desafio em tentar compreender as diversas nuances da infância dos meios
populares dos bairros que estavam sendo pesquisados22, um abismo surgiu para nós
quando nos vimos diante desses grupos de crianças indígenas.
Essas crianças, da etnia Ticuna e Sateré-Mawé, além da pobreza que era
característica comum de todas as demais crianças que faziam parte da pesquisa,
apresentavam, e ao mesmo tempo, representavam uma realidade que desconhecíamos–
apesar de estarmos na região com a maior população indígena do país – pois sequer
tínhamos ideia da existência das mesmas e de muitas outras na cidade de Manaus, e
muito menos como encarar essa situação de tripla exclusão: ser criança, ser pobre e ser
indígena.
Neste sentido, segundo Bourdieu (2007, p. 31):
Assim, foi a partir desses momentos inusitados que se tornou necessário tomar
uma atitude diante da situação que estávamos nos deparando, surgindo primeiramente a
vontade e, consequentemente, a possibilidade de começarmos a enxergar esse grupo de
crianças que estava tão próximo de nós, e ao mesmo tempo tão distante pelos processos
de invisibilização construídos pela sociedade e reforçados por nós mesmos, membros da
academia.
21
Refere-se aqui ao trabalho docente no âmbito da disciplina Fundamentos da Educação Infantil nos anos
de 2003 e 2004, disciplina esta que compunha o currículo do Curso Normal Superior da Universidade do
Estado do Amazonas, fazendo parte do elenco de componentes que visavam a formação do professor da
Educação Infantil. Desde 2007, a universidade não oferece mais esse curso e passou a ofertar à
comunidade estudantil do Amazonas o curso de Pedagogia, mantendo o enfoque para a formação de
docentes.
22
A pesquisa de cunho exploratório consistiu em fazer uma articulação entre os temas discutidos em sala
de aula e os diversos contextos que envolvem a realidade das crianças na cidade de Manaus, privilegiando
um contato dos acadêmicos aos bairros mais pobres da cidade a partir de uma imersão aos diversos
mundos das infâncias locais, sem a intenção de ir nas escolas e sim observar o cotidiano das crianças.
29
A estrutura das línguas é determinada pela sua função social como meio de
comunicação. Podemos admitir que todas as sociedades humanas partilham
entre si um fundo comum de experiências e, portanto, de conhecimentos.
Por isso, podemos verificar que algumas sociedades possuem representações
simbólicas de tipos de conhecimentos que estão ausentes em outras
sociedades.
23
Termo usado na literatura que estuda o processo de destribalização dos povos indígenas e de imposição
da perda de sua cultura para reproduzir a cultura do povo que os estava explorando, neste caso os
chamados povos brancos. (SILVA, 2007)
24
Expressão utilizada por Santos (1989, p. 32 e 33) para designar o “princípio da não-consciência” que se
opõe ao “êxito da vigilância epistemológica”.
30
espaço não é possível a menos que ela esteja acompanhada de sua localização no
tempo”, ou seja, nossa imersão de fato no cotidiano da comunidade e das crianças.
Logo, a escolha de adentrar neste lócus de pesquisa25, com as crianças indígenas
e mais especificamente com as crianças Sateré-Mawé, deu-se pela descoberta que foi
sendo acompanhada pelo desconhecido, ou seja, por questões da vida cotidiana e por
fundamentos teóricos que precisávamos conhecer.
Temores que nos fragilizaram, impondo inseguranças, principalmente pela
forma como nossa pesquisa seria encarada pelos diversos segmentos acadêmicos – em
nosso caso as linhas de pesquisa do programa de iniciação científica e de pós-graduação
da Escola Normal Superior/Universidade do Estado do Amazonas – que, pelos seus
processos próprios de reconhecimento dos “saberes instituídos”26, acabaram por criar
uma lógica da racionalidade científica27, que definiu como legítimo aquilo que a área
considera relevante e consensualmente aceito pelos seus membros.
Assim, conforme Bourdieu (2007), a identidade possui uma força mobilizadora
excepcional capaz de provocar rupturas drásticas nos mecanismos de dominação já
cristalizados, o que pode, no caso das pesquisas com os povos indígenas que vivem na
cidade, gerar processos próprios de ressignificação dos modos de compreender e viver a
realidade e se contrapor ao modelo hegemônico de fazer pesquisa.
Desta maneira, a transgressão nesses momentos de busca por novos nichos
acabou por nos revelar, e neste sentido desvelar, a necessidade de rupturas com as
formas pré-concebidas de fazer ciência28, e, propor novos caminhos e outras
possibilidades de adentrar em espaços pouco convencionais e que requereram, além de
uma “vigilância epistemológica”29, uma capacidade de “escavação”30 que foi permitindo
25
Em pesquisa anterior, financiada pelo Programa de Iniciação Científica da Universidade do Estado do
Amazonas (2004/2005), realizamos um trabalho denominado “Geografia da Infância Indígena em
Manaus” que se encontra nos relatórios finais do projeto, onde conseguimos mapear a quantidade de
crianças indígenas na cidade e, a partir deste mapeamento, fizemos a escolha de trabalhar com as crianças
Sateré-Mawé. No subtítulo que chamamos de “Percursos e Percalços da Pesquisa” onde tratamos das
questões metodológicas, aprofundaremos melhor esta questão.
26
Bourdieu (2004).
27
“O modelo de racionalidade que preside à ciência moderna constituiu-se a partir da revolução científica
do século XVI e foi desenvolvido nos séculos seguintes basicamente no domínio das ciências naturais.
Ainda que com alguns prenúncios no século XVIII, é só no século XIX que este modelo de racionalidade
se estende às ciências sociais emergentes [...] Sendo um modelo global, a nova racionalidade científica é
também um modelo totalitário, na medida em que nega o carácter racional a todas as formas de
conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios...” (SANTOS, 2007, p. 10).
28
Numa perspectiva tradicional.
29
Bourdieu (2007, p. 58). “A objetivação da relação do sociólogo com o seu objecto é, como se vê bem
neste caso, a condição de ruptura com a propensão para investir no objecto, que está sem dúvida na
origem do seu interesse pelo objecto. É preciso, de certo modo, ter-se renunciado à tentação de se servir
da ciência para intervir no objecto, para se estar em estado de operar numa objectivação que não seja a
31
[…] é preciso desalojar essas formas e essas forças obscuras pelas quais se
tem o hábito de interligar os discursos dos homens; é preciso expulsá-las das
sombras onde reinaram. E ao invés de deixá-la ter valor espontaneamente,
aceitar tratar apenas, por questões de cuidado com o método e em primeira
instância, de uma população de acontecimentos dispersos.
simples visão redutora e parcial que se pode ter, no interior do jogo, de outro jogador, mas sim a visão
global que se tem um jogo passível de ser apreendido como tal porque se saiu dele”.
30
“Uma historia que não seria escansão, mas devir: que não seria jogo de relações, mas dinamismo
interno; que não seria sistema, mas árduo trabalho de liberdade; que não seria forma, mas esforço
incessante de uma consciência em se romper e em tentar readquirir o domínio de si própria, até as
profundezas de suas condições”. (FOUCAULT, 2007, p 15).
31
Foucault (2005).
32
Este termo aparece de forma clara na revista intitulada “Epistemologias do Sul”. Ver Santos (2008)..
33
Bourdieu (2007).
34
De origem grega, o termo nos remete a uma forma de conceber a realidade e a escrita com um tom
poético, que agrega valores míticos e do cotidiano, visando dar mais suavidade a “dureza” da escrita e
análises científicas. (BARTHES, 2003).
35
O grupo teve em sua constituição original a presença de 04 professores e 08 alunos do curso Normal
Superior da Universidade do Estado do Amazonas e foi dividido em 4 linhas de investigação, na qual eu e
mais duas alunas ficamos coordenando o projeto “Geografia da infância indígena em Manaus: onde estão
as crianças?”, que resultou, ao final da primeira etapa, em um mapeamento do número de crianças e onde
estavam localizadas dentro das zonas da cidade. Este dado será bem discutido no capitulo I da tese. É
importante reforçar que o grupo se constituiu à margem do programa oficial da instituição, pois não
fomos aceitos em nenhumas das linhas de pesquisa já constituídas, e como não tínhamos nenhum
professor doutor, não podíamos propor a criação de outra linha. Logo o trabalho se deu pela iniciativa
própria do grupo, mas sem aprovação e reconhecimento das instâncias institucionais, o que culminou com
a dissolução do mesmo no ano de 2006.
32
[...] as crianças começam a vida como seres sociais inseridos numa rede social
já definida e, através do desenvolvimento da comunicação e da linguagem em
33
Esse era então o primeiro pressuposto e, diante dele, outros foram surgindo e se
modificando no decorrer da pesquisa, considerando que para Graue e Walsh (2003) os
investigadores precisam enfrentar o desafio de aprenderem a descobrir, pois,
principalmente quando se trabalha com crianças essa premissa é ainda mais
fundamental. O cotidiano infantil é cheio de dúvidas, e a nossa “(in)capacidade” criativa
enquanto adultos, precisa abrir-se a esse universo de possibilidades, pois se acreditamos
que já sabemos o que queremos quando vamos realizar uma pesquisa com crianças, não
vale a pena sequer começar, já que o convívio com elas é tão cheio de fantasias e
realidades próprias, que nós adultos jamais poderíamos imaginar sem pararmos para
ouvi-las e escutá-las. Assim, os autores nos indagam para a seguinte reflexão:
Estudar as crianças – para que? Eis a nossa resposta: Para descobrir mais.
Descobrir sempre mais, porque, se o não fizermos, alguém acabará por
inventar. De facto, provavelmente já alguém começou a inventar, e o que é
inventado afecta a vida das crianças; afecta o modo como as crianças são
vistas e as decisões que se tomam a seu respeito. O que é descoberto desafia
as imagens dominantes. O que é inventado perpetua-as. (Idem, p. 12)
Análise das imagens e conceitos sociais das crianças (vozes infantis), buscando
compreender como estes agentes sociais pensam e concebem o mundo e a
escola.
Resgate dos elementos culturais sobre a infância Sateré-Mawé, nos registros
históricos do Estado, da literatura da área e principalmente no cotidiano das
crianças na comunidade pesquisada.
Reconhecimento de como as propostas curriculares, os projetos, os planos de
ensino e os professores das duas escolas urbanas pesquisadas consideram a
presenças das crianças Sateré-Mawé.
Identificação dos processos de inserção escolar das crianças Sateré-Mawé, de
04 a 12 anos, e quais as estratégias sociais36 são construídas por elas no
processo de socialização.
Não há dúvidas que, para alcançarmos tais objetivos, houve uma série de
contradições que se ergueu e foi fundamental para chegarmos aos processos de análises
que nortearam a investigação e a escrita deste texto. Em momento algum objetivamos
apagar tais contradições, pois, se acaso o fizéssemos, estaríamos também, apagando
todo o processo que se descortinou nos momentos da pesquisa e da vida cotidiana das
crianças.
É fundamental deixarmos evidenciado que as premissas de dar voz às crianças e
entendê-las como agentes sociais não nos eximiu, em momento algum, da condição de
pesquisadores, muito menos do compromisso ético e epistemológico. Muito pelo
contrário, reforçou-se cada vez mais, para concretizar o que havíamos proposto. Para
tanto, as contribuições dos estudos e análises de Campos (2008, p. 41), foram
fundamentais neste caminhar.
36
No sentido do que Alisson James e Alan Prout (1990), pesquisadores ingleses, têm afirmado que é
essencial prestar atenção à possibilidade de as crianças se posicionarem de forma flexível e
estrategicamente dentro de determinados contextos sociais e de, através do foco nas crianças como
competentes, aprender mais sobre as maneiras como a sociedade e a “estrutura social” constrangem a
experiência social e são, elas próprias, produzidas e transformadas pela ação social de seus membros.
(Rocha, 2007).
35
37
Fernandes (1979); Meliá (1979); Brandão (1981); Laraia (1986); Carneiro da Cunha (1987); Junqueira
(1991); Capacla (1995); D'angelis e Veiga (1997); Silva (1998); Carvalho, (1998); Silva e Grupione
(1998); Weigel (2000); Silva e Ferreira (2001); Freire (2000, 2004); Arguelo (2002); Nascimento (2004);
IBASE (2004); Veiga e Ferreira (2005), entre outros.
38
Martins (1993); Nunes (1997); Freitas (1997); Silva, Macedo e Nunes (2002); Freitas (2002); Faria,
Demartini e Prado (2002); Nunes, (2003); Veiga e D’angelis, (2003); Cohn (2005); Nascimento (2005);
Del Priori (2006), entre outros.
36
39
Nossa opção metodológica considera as crianças como agentes sociais e coaduna com outras
concepções que compreendem a infância no dinamismo da construção da vida em sociedade. Porém, não
compreendemos que os diversos termos ou categorias analíticas utilizadas para designar as crianças são
sinônimos, apesar de utilizarmos autores que trabalham com definições como sujeitos históricos, atores
sociais ou protagonistas.
40
Optamos em utilizar a tradução, do inglês para o português, contida no texto de Silva, Macedo e Nunes
(2002, p. 18), logo os seis itens são uma reprodução literal do texto das autoras.
37
2. A infância deve ser considerada como variável de análise social, tal como
gênero, classe ou etnicidade, pois estudos comparativos revelam mais uma
variedade de “infâncias” do que um fenômeno único e universal.
3. As relações sociais e a cultura das crianças são merecedoras de estudos
em si mesmas, independente da perspectiva e dos interesses dos adultos.
4. As crianças devem ser vistas como ativas na construção e determinação de
sua própria vida social, na dos que as rodeiam, e na sociedade na qual vivem.
As crianças não são apenas sujeitos passivos de estruturas e processos
sociais.
5. A etnografia é um método particularmente útil ao estudo da infância.
Permite à criança participação e voz mais direta na produção de dados
sociológicos do que normalmente é possível por meio das pesquisas
experimentais.
6. A infância é um fenômeno em relação ao qual uma dupla hermenêutica das
ciências sociais está presente, ou seja, a proclamação do novo paradigma da
sociologia da infância também deve incluir e responder ao processo de
reconstrução da infância na sociedade.
41
Segundo Bourdieu (2007, p. 51) é preciso não confundir objetivação participante com observação
participante. Para o autor a primeira representa de fato uma imersão no cotidiano da realidade por meio da
pesquisa e a segunda representa “uma – falsa – participação num grupo estranho”.
42
Conforme Caria (2002).
38
43
A utilização deste termo é uma apropriação da obra de Graue & Walsh (2003, p.115). Os autores
preferem o termo geração de dados a recolha de dados, pois, segundo eles, “Os dados não estão aí a nossa
espera, quais maçãs nas árvores prontas a serem colhidas. A aquisição de dados é um processo muito
activo, criativo e de improvisação”.
39
pessoas de fora para realizar qualquer tipo de contato com as crianças e mesmo com os
adultos, a não ser que houvesse algum benefício concreto para a comunidade. Ele,
assim, nos disse: “só aceitamos que entrem na nossa comunidade quando nos
garantirem vagas nas universidades, em cursos […]. Muitos já vieram aqui e nada foi
feito em favor do nosso povo”44.
Essa situação reflete, em parte, o processo de exploração que esse povo indígena
passou durante muito tempo, o que lhe fez criar estratégias de afastamento da presença
de pessoas não índias na comunidade, principalmente no contato com as crianças, e
também caracteriza a necessidade que a comunidade tem em conseguir melhorias para
sua gente, o que pode representar um movimento de valoração das suas culturas, no
sentido de só permitir que outras pessoas tenham acesso a elas quando derem algo em
troca.
Partimos então para a segunda comunidade, os Sateré-Mawé. Comunidade
situada na zona Centro-Oeste da cidade de Manaus, nas proximidades do conjunto
Santos Dumont, bairro da Redenção. Na quarta-feira, dia 17 de janeiro de 2007, fomos
recebidos pelo líder da comunidade o Cacique Manoel Luiz Gil da Silva, que leu o
documento e pediu que voltássemos dois dias depois, ou seja, na sexta-feira, dia 19 de
janeiro de 2007, para conversarmos com os membros da comunidade e explicássemos o
nosso trabalho.
Assim o fizemos. Dessa vez, tivemos espaço para fazer uma breve apresentação
do projeto e de como pretendia desenvolver o trabalho com as crianças. Os membros da
comunidade nos acolheram muito bem e ainda se puseram à disposição, apenas pedindo
que os ajudasse em assuntos que eles precisassem, pois por lá também já haviam
passado muitas pessoas e poucos tinham contribuído, mas para eles era sempre
importante que as pessoas pudessem saber da existência da comunidade e o quanto eles
lutam para se manter no local.
Após a reunião que autorizou a realização da pesquisa, marcamos o início do
trabalho para a segunda-feira seguinte, mais precisamente no dia 22 de janeiro de 2007.
Quando voltamos, foi entregue um outro documento pedindo autorização de cada um
dos pais, pois a autorização das lideranças já havia sido concedida. Começamos então o
convívio com eles, primeiramente os pais, pois antes de chegar às crianças procuramos
conhecer a comunidade, a forma como eles vivem, suas condições e principalmente
44
Como não houve autorização para realização do trabalho, resolvemos não utilizar o nome do
informante, respeitando a decisão da comunidade.
42
alguns elementos de sua cultura para que pudéssemos ter uma base mais próxima do
cotidiano até chegarmos às crianças.
Depois de uma semana na comunidade, observando e convivendo com os pais,
começamos então a compartilhar os espaços que as crianças transitavam. Neste primeiro
momento não utilizamos nenhum instrumento de pesquisa, apenas nos apresentamos a
elas e perguntamos se podíamos assistir suas brincadeiras. Essa atividade representou
nosso primeiro contato com elas. Após uma semana inteira apenas observando,
solicitamos aos pais e ao cacique que reunissem todas as crianças para conversarmos
com elas.
O cacique fez a apresentação, em seguida explicamos sobre o projeto e o que
faríamos na comunidade, perguntamos se elas gostariam de participar da pesquisa e se
poderíamos participar com elas das brincadeiras e outras atividades realizadas. As
crianças ficaram caladas e apenas balançaram a cabeça num gesto positivo. Afinal,
estavam lidando com um momento estranho que acabara de adentrar na comunidade,
apesar de todos os contatos que já havia desenvolvido com o cacique e com seus pais.
Uma das meninas, Taíza, de 12 anos perguntou: “O que o senhor vai fazer com a
gente?”. Respondeu-se que estávamos fazendo uma pesquisa que fazia parte de estudos
– assim como elas também fazem os seus estudos – e que elas iriam ajudar neste
trabalho. Ela respondeu: “Vamos estudar também? Então eu quero participar sim, eu
gosto muito de estudar, ainda mais se for aqui na comunidade…”, em seguida outras
crianças também responderam que gostariam de participar, o que foi de extrema
importância, pois não queríamos apenas a autorização dos adultos, mas as delas
principalmente.
Apesar dos critérios para participação na pesquisa se deterem ao estudo com
crianças entre 04 e 12 anos de idade que frequentavam escolas públicas regulares na
cidade, o que se caracterizou por um total de 12 crianças, o número de participantes nas
atividades foi bem maior, chegando, por vezes, a 20 crianças, pois os menores de 04
anos também participavam, principalmente por se tratarem de brincadeiras e outros
momentos que faziam parte do cotidiano delas.
Para Kramer (2002), não só os adultos devem permitir a participação das
crianças nas pesquisas, mas elas mesmas têm que autorizar sua participação, afinal,
partimos do pressuposto de que as crianças são agentes sociais e, como tais, merecem
esse reconhecimento.
Nesta mesma linha de fundamentação, afirma Ferreira (2002, p.165) que:
43
Assim, nos primeiros dias procuramos acompanhar as atividades sem o uso dos
instrumentos formais de “geração de dados”, seguindo as indicações de Ferreira (2002).
No entendimento dessa autora, os adultos devem ultrapassar alguns “rituais transitórios”
para serem aceitos no mundo das crianças, pois, na base de ingresso no universo das
suas realidades, encontram-se:
[...] relações e interacções sociais entre adulto e crianças e entre estas últimas,
onde poderes, racionalidades e subjectividades, aferindo-se em permanência,
(re)constroem reflexivamente sentidos partilhados do que «ali se está a fazer»,
assim é preciso entrar cuidadosamente no terreno (Idem, p. 150).
45
Esse foi um cuidado de cunho metodológico, para não perdermos a questão contextual, por isso a
necessidade de revisitar todo o material sempre, mas quando não era possível fazê-lo todo dia, fazíamos,
pelo menos, três vezes na semana.
44
(Raquel, 09 anos). Deixávamos sempre todas elas à vontade para fazerem as alterações
e escolhas que achassem necessárias.
Além desses momentos, as brincadeiras foram de fundamental importância, pois
eram situações ora de re-criação do imaginário da cultura de seu povo, entrelaçadas com
o cotidiano da comunidade circundante, ora brincadeiras aprendidas na escola e cheias
de regras, que elas, na maioria das vezes, mudavam os sentidos e davam características
próprias dadas as suas condições de realização. No capítulo II trataremos e exporemos
de forma mais aprofundada esses momentos de riquíssima fonte de conhecimentos, de
apropriação e interpretação dos universos circundantes.
Essa postura de pesquisa ajuda o pesquisador a entrar, na visão de Caria (2002,
p. 12), “[...] dentro do contexto em análise, apesar de não se transformar em autóctone”,
o que se refletiu nas atitudes das crianças frente aos nossos objetivos e a forma como
elas participaram cada dia mais efetivamente na condição de agentes.
Logo, para Mayall (2005, p. 138):
46
Geertz (1989 e 2001); Hall (1997); Pinto e Sarmento (1997); Nunes (1997); Ferreira (2000);
Montandon (2001); Corsaro (2002); Bourdieu (1979, 1982, 2003 e 2004); Iturra (2002); Cohn (2005);
Sacrintan (2000, 2005), entre muitos outros. No item 1.3 desta introdução discorreremos com mais
detalhes essas áreas do conhecimento, as categorias que utilizamos nas análises e os autores de referência.
45
Desta maneira, nossas análises transitam num terreno bastante íngreme, o espaço
social das crianças indígenas nas cidades, o que nos colocou diante de uma temática
cheia de contradições e mesmo controvérsias. Todavia, o convívio com as crianças e os
demais membros da comunidade e o tempo em que estivemos juntos, principalmente
com elas, nos fortaleceu, tanto no enfrentamento dos desafios, como na busca de
argumentos para compreender esse lugar de fronteiras e as diversas críticas e rejeições
construídas quer no campo das ciências, quer no campo das relações entre os povos
indígenas “urbanos” e as entidades indigenistas e, principalmente, a exclusão dos
diversos membros da sociedade em aceitar sua condição de Sateré-Mawé, mesmo
distante de seu lócus de origem. Essa problemática foi assim expressa por um dos
moradores da comunidade:
“Um japonês sai do Japão e não deixa de ser japonês. Por que nós, quando saímos de
nossa aldeia, deixamos de ser índios? Eu não me sinto menos Sateré-Mawé do que os
meus parentes que moram na aldeia, eu falo a língua dos ‘brancos’ com eles e a nossa
língua entre nós...” (Marivaldo, 37 anos).
47
Em julho de 2007, o projeto foi implementado, e na comunidade Sateré-Mawé um professor membro
da própria comunidade foi designado para trabalhar com as crianças. Este professor tem recebido
47
sala, tendo como foco a relação dos mesmos com as crianças Sateré-Mawé. Por se tratar
de uma instituição de Educação Infantil, sentimos uma relação mais próxima dos
professores com as crianças e delas com as demais crianças da sala, bem diferente do
que constatamos na escola de Ensino Fundamental.
Já se passavam 15 dias e não havíamos recebido nenhuma resposta da Secretaria
Estadual de Educação sobre o documento que enviamos. Como já estávamos realizando
o trabalho na escola municipal, deixemos que o mesmo fosse concluído e, em seguida,
fomos até a sede da secretaria para saber dos trâmites do documento. Fomos informados
que o mesmo ainda estava em processo de análise por parte dos departamentos
competentes e assim que tivessem resposta iriam entrar em contato. Depois de muitos
telefonemas dados e até uma conversa com a subsecretária de educação, recebemos um
telefonema da chefe de gabinete que pediu que fossemos buscar o documento de
autorização.
Diferentemente da secretaria municipal, na estadual não houve encaminhamento
a nenhum setor responsável, apenas entregaram um ofício encaminhado à escola,
fazendo ressalvas quanto à utilização da documentação, ficando a mesma pendente de
autorização do diretor. Os demais pedidos foram acatados e, diante de tal situação, o
trabalho foi iniciado. Dada a demora da autorização, a ida para a escola estadual só se
deu no dia 05 de novembro de 2007, fato que causou alguns prejuízos ao trabalho, pois
a escola estava se preparando para concluir o ano letivo até o dia 25 de novembro, já
que iria entrar em reforma.
Ao chegarmos para entregar o documento para a direção, a primeira surpresa foi
deparar com outra pessoa a frente da escola, pois o diretor anterior havia sido
exonerado. A nova diretora havia assumido o cargo há menos de uma semana e ainda
estava se familiarizando com o trabalho da instituição. Apesar disso, foi bastante
solícita e se pôs à disposição em nos ajudar, mesmo diante do seu desconhecimento da
existência de crianças indígenas estudando na escola.
Ela, assim, nos afirmou: “Eu desconheço que a escola atenda crianças indígenas
e muito menos ainda como o trabalho é realizado com elas, mas procurarei me inteirar
para lhe ajudar na sua pesquisa e você poderá me ajudar também” (Diretora Joana).
A Escola Estadual também se localiza no bairro da Redenção, mas fica um
pouco mais distante da comunidade. Possui 14 salas de aula e uma estrutura bem
precária de funcionamento. Por isso a informação que as aulas estavam sendo
adiantadas para que a mesma entrasse em reforma. Nesta escola acompanhamos 09
49
crianças, duas na primeira série, duas na segunda, três na terceira e duas na quarta.
Foram ao todo quatro salas de aula e quatro professores.
A escola não possuía, à época da realização da pesquisa, Projeto Político
Pedagógico nem regimento escolar próprio, logo os documentos que pudemos utilizar
foram apenas os planos de curso dos professores, os livros didáticos e aproveitamos
alguns cartazes informativos que estavam pregados na escola para servirem também de
informações para nossas análises, pelo conteúdo dos mesmos.
Neste sentido, sentimos a necessidade, após o início do processo de análise, de
fazermos uma nova visita a escola. Esta se deu no mês de julho de 2009, após o exame
de qualificação, pois os dados que tínhamos até aquele momento deixavam algumas
lacunas nas nossas análises. Então fizemos essa segunda participação no ambiente da
escola que já possuía o projeto pedagógico e outros documentos que nos foram cedidos
para utilizarmos na complementação das análises.
Devido ao apressamento do calendário escolar, não tivemos muito espaço na
escola para realizar mais detalhadamente a pesquisa. Fizemos uma reunião geral com os
quatro professores e a diretora para explicar as linhas gerais do projeto e ouvir deles
como poderíamos organizar tanto a ida às salas quanto os nossos diálogos individuais.
Resolvemos, primeiramente, começar com a observação das salas, por sugestão dos
próprios professores, pois logo os alunos seriam liberados em função do término do ano
letivo. Como se tratavam de quatro salas de aula, a observação havia sido prevista para
cinco dias em cada uma, como assim o fizemos na escola municipal, mas devido ao
pouco tempo e a maior quantidade de salas, tivemos que fazer duas observações em
cada uma delas.
Após as observações, realizamos os diálogos (entrevistas abertas) com os
professores individualmente. Todos eles se mostraram mais resistentes em todo o
processo e, no ato das conversas, detinham-se quase sempre a expor os problemas
enfrentados na sala de aula, os problemas da escola, a falta de apoio e principalmente as
precárias condições de trabalho. Era preciso que retornássemos às questões que
envolviam o trabalho com as crianças Sateré-Mawé para não perdermos o foco da
pesquisa. Mesmo assim, houve uma certa negativa dos mesmos em relatar as situações
de forma mais detalhada. As respostas foram bem curtas e sem muitos detalhes.
Após o término da pesquisa nas escolas, começamos o processo de seleção dos
conteúdos obtidos tanto nos diálogos quanto nas observações e também a seleção das
50
48
Foucault (2007)
49
Termo apropriado do texto de Nascimento (2005).
51
para depois irmos a campo50, deixamos que os indícios coletados durante a pesquisa
definissem as categorias e a partir dessa definição pudéssemos ir construindo os
argumentos buscando as suas bases nesses campos do saber e nas experiências
vivenciadas junto às crianças.
As reflexões de Foucault (2007, p. 31) nos ajudaram a compreender e compor
esse movimento inverso, mas de extrema relevância no sentido da determinação das
nossas proposituras e da defesa das crianças como agentes sociais, e, no caso das
crianças Sateré-Mawé, como agentes sociais que pensam e concebem o mundo de forma
diferente, ou seja, a partir da expressão de suas culturas.
50
Não queremos afirmar com isso que não houve um planejamento prévio da pesquisa. O que foi definido
tanto no projeto de tese, quanto no instrumento de pesquisa que chamamos de “planejamento geral”,
porém o concebemos como aberto e flexível de tal ponto que nos permitiu que as categorias empíricas de
análise, surgissem no decorrer da pesquisa.
53
nas sociedades indígenas, dando maior visibilidade a esses agentes sociais e chamando
para esse contexto as outras áreas das Ciências Sociais e Humanas.
Em seus estudos, Gomes (2008, p. 82) explica que:
51
Bourdieu (2007).
52
Esta pretensa legitimidade dos pesquisadores que, com a melhor das “boas intenções”, procuram
defender uma causa que consideram da maior justiça, tem frequentemente como efeito, a substituição e,
no limite, a negação dos próprios atores, nas palavras e ações à sua maneira. Falar em nome das crianças
ou da infância é arrogar-nos um conhecimento ilimitado e acabado de causa. Assim, corremos sempre o
risco de encerrá-las em nossa perspectiva adulta. (MARCHI, 2007, p. 24).
56
caso, as culturas das crianças Sateré-Mawé, que articulam toda uma relação de
socialização e (re)produção do seu espaço social.
Segundo Sarmento (2008, p. 19):
Sendo uma porta de entrada, como nos afirma Sarmento (2008), a infância ganha
materialidade social, ou seja, seu estudo deve privilegiar o saber das crianças nas suas
múltiplas formas, o que nos possibilitou enveredar em vários elementos do cotidiano
Sateré-Mawé, pelas suas atividades cotidianas e pelo universo da sociedade urbana na
qual vivem tendo como parâmetros alguns modelos sociais definidos pelas escolas e
ressignificados por elas.
Dentre os diversos aspectos observados no bojo da pesquisa e as indicações
teóricas tanto da Sociologia da Infância quanto da própria Sociologia Geral, também
nos chamou atenção às indicações de Santos (2007) sobre a Sociologia das Ausências,
pois, de fato, nem sempre pela via da expressão dos agentes sociais conseguimos captar
nuances da realidade que por diversos motivos encontram-se ofuscados pelo “Habitus”53
que determina o que e como as coisas devem aparecer a nós. Mas o latente, o
aparentemente inexistente, opera fortemente na determinação da vida cotidiana,
principalmente no caso das crianças Sateré-Mawé – pela via da violência simbólica54 –
que recebem essa carga de negação por parte da escola e, como vivenciado em muitos
momentos, não externalizam situações que as inferiorizam e agem diretamente na
consolidação da reprodução do modelo dominante, como explicitado por Bourdieu
(2007, p. 231):
53
A seleção de significações que define objetivamente a cultura de um grupo ou de uma classe como
sistema simbólico é arbitrária na medida em que a estrutura e as funções desta cultura não podem ser
deduzidas de qualquer princípio universal, físico, biológico ou espiritual, não estando unidas por
nenhuma espécie de relação interna com a ‘natureza das coisas’ ou com uma ‘natureza humana’
(MICELI, 2004, p. XXVI).
54
“A ação pedagógica, que perpetua a violência simbólica através de duas dimensões arbitrárias: o
conteúdo da mensagem transmitida e o poder que instaura a relação pedagógica exercido por
autoritarismo. A autoridade pedagógica que visasse destruir a violência simbólica destruiria a si própria,
pois se trata do poder que legitima a violência simbólica. (BOURDIEU, 2001, p. 220)
57
55
No capítulo II aprofundaremos bem a questão deste ritual e a visão das crianças sobre ele.
58
Diante de tais dilemas, expostos pelas diversas áreas estudadas, é que fomos
construindo, a partir dos elementos da pesquisa, um olhar ou um conjunto de olhares
que não nos prendesse a certos determinismos e contribuísse para que nossas análises
pudessem absorver esses múltiplos e diversos elementos, tanto das ciências quanto das
experiências, ecoados aqui pelas vozes das crianças Sateré-Mawé. Um coro que muitas
vezes não foi ouvido, mas que nestas páginas ganharam um eco de amplitude acústica,
capaz de movimentar contradições e fazer emanar do fundo de alguns fossos um corpo
de razões que foram, no seio da nossa sociedade etnocêntrica, desqualificadas e
ocultadas.
Nossa crença, de acordo com as indicações desse autor, em uma razão que se
paute na experiência é fundamental para o entendimento da realidade atual, e
principalmente da infância, e convoca os diversos estudos que realizamos para
fundamentar essa nossa assertiva. Não conseguimos compreender um campo do saber
científico que despreze a vida cotidiana e que não veja no homem/criança, o agente
pleno das ações sociais. Logo, os diversos discursos que se contrapõem a essa visão de
homem e de mundo vão aqui ser refutados e, pelos profícuos diálogos estabelecidos
entre a Antropologia, a Sociologia, a História e a Pedagogia, buscamos confirmar a tese
da criança Sateré-Mawé enquanto agente social. Não só da pesquisa, mas da história,
das suas práticas sociais que demarcam seus jeitos de viver a infância.
Assim, para Rocha (1998, p. 48)
REALIDADE URBANA
Cont
A COMUNIDADE SATERÉ
HISTÓRIA Violência
Relações Simbólica
-Contexto;
de Poder -Apropriação;
- Sociedade
Urbana;
C D
CRIANÇAS O A
ANTROPOLOGIA SOCIOLOGIA T S
C SATERÉ-
- Cultura; - Geração; I
U S MAWÉ
- Etnicidade; -Socialização; D C
L A - Simbolismo; - Participação; I R
T T
U E A I
R R N A
PEDAGOGIA
AE O N
- Aluno;
Ç
- Escolarização/ (In)
Preconceito A
Cultura escolar; visibilidade S
- Currículo;
ESCOLAS
P
SISTEMA DE ENSINO
61
Esse diagrama representa uma noção geral das análises contidas na tese, pois sua
organização representa uma visão de totalidade acerca dos elementos da realidade e das
categorias teóricas que fundamentaram nossas discussões tendo a criança Sateré-Mawé
como sujeito/objeto central da pesquisa. Não procederemos a um processo de
explicação geral do mesmo, pois entendemos que isso ocorrerá no contexto da tese. No
entanto, no sentido de identificar melhor as categorias teóricas que nortearam as
análises, faremos uma discussão inicial das mesmas a partir dos conteúdos definidos nas
quatro áreas centrais que nos embasaram. A explicitação desses conceitos, apesar do
organograma vinculá-los a cada uma dessas áreas, nessa discussão serão trabalhados de
forma interdisciplinar, pois entendemos que os mesmos transitam entre elas.
O conceito de Cultura que adotamos no decorrer das análises, a situa como
parte integrante do universo social em sua totalidade. Ela se faz no dia-a-dia e está em
todos os lugares. Segundo Álvaro Vieira Pinto, um dos autores que utilizamos como
referência ao trabalhar com esse conceito:
Neste sentido, entender a cultura é entender a história dos homens, não numa
dimensão única e homogênea, mas concebendo-a como dinâmica, heterogênea e
contextualmente localizada. Assim, também, compreendemos a produção de culturas
pelas crianças como um constante processo de ressignificação do contexto ao qual estão
inseridas, construindo formas diferenciadas de linguagem, crenças, valores, que mantém
as características gerais da geração que a antecede, mas deixando marcas próprias diante
dos conhecimentos de mundo já existentes.
Margaret Mead, uma das antropólogas pioneiras em inserir em seus estudos a
categoria cultura para compreender as crianças, nos afirma que: “A história mostra que
continuamente se encontram meios de estabilizar uma cultura num novo
enquadramento” (MEAD, 1970, p. 104). Essa autora adota o termo “culturas da
infância” (Idem, p. 69), afirmando uma dimensão particular e singular na constituição
das crianças.
62
nosso caso os Sateré-Mawé, pois “o que funda o grupo étnico é a crença subjetiva na
comunidade de origem” (POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p. 37).
Assim para esses autores, “... não é o isolamento que cria a consciência de
pertença, mas, ao contrário, a comunicação das diferenças das quais os indivíduos se
apropriam para estabelecer fronteiras étnicas” (Idem, p. 40). Logo, os Sateré-Mawé, não
estão isolados dos demais membros da sociedade que os cerca e as crianças,
aparentemente, dos outros membros da escola. Porém, a condição de se afirmarem
como diferentes lhes garante a possibilidade de manterem vivos os seus sentimentos, os
seus elementos mais enraizados da tradição de seu povo de origem, mesmo com traços
da cultura que se modificaram.
Nesta discussão os estudos de Barth (In: POUTIGNAT; STREIFF-FENART,
1998, p. 195) nos ajudam a dar mais sustentabilidade às análises que estamos
defendendo:
O ponto central [...] torna-se a fronteira étnica que define o grupo e não a
matéria cultural que ela abrange. As fronteiras às quais devemos consagrar
nossa atenção são, é claro, as fronteiras sociais, se bem que elas possam ter
contrapartidas territoriais. Se um grupo conserva sua identidade quando os
membros interagem com outros, isso implica critérios para determinar a
pertença e meios para tornar manifestas a pertença e a exclusão.
[...] a apropriação tal como a entendemos visa a uma história social dos usos
e interpretações referidos a suas determinações fundamentais e inscritos nas
práticas específicas que os produzem. Dar, assim, atenção às condições e aos
processos que, muito concretamente, conduzem as operações de construção
do sentido (na relação de leitura e nos outros casos também), é reconhecer,
contra a antiga história intelectual, que nem as inteligências nem as idéias
são descarnadas e, contra os pensamentos do universal, que as categorias
dadas como invariantes, sejam filosóficas ou fenomenológicas, estão por se
construir na descontinuidade das trajetórias históricas.
A Participação infantil é um dos temas mais discutidos nos últimos anos, dada a
premência de constituição de um espaço social e de pesquisa em que as crianças possam
ser agentes, protagonistas, atores, sujeitos e outros termos que contribuiu para lhes
conferir um status de alteridade. Recorremos, também pela grande produção,
principalmente no campo da Sociologia da Infância a um corpo de autores que
procuram advogar por essas condições. Assim, entre os muitos pesquisadores estudados,
neste princípio de discussão destacaremos os trabalhos de Manuela Ferreira, Natália
Fernandes, Catarina Tomás e Manuel Sarmento.
56
Campos (1986, p. 150).
73
74
57
PESQUISA EM CONSTRUÇÃO
“Os rios da nossa Amazônia nunca oferecem ao viajante caminhos iguais e totalmente virgens.
Há sempre um canal por onde passam águas caudalosas, praias submersas e rebojos a evitar.
Para olhos não treinados, essa imensa e homogênea massa líquida somente invocaria a cega
potência dos motores importados. Ao navegante calejado, no entanto, oferecem uma miríade
de sinais que precisam ser desvendados.”
Este capítulo visa situar o tema de estudo desta tese, qual seja a infância das
crianças indígenas que moram na área urbana, aqui denominadas como crianças
indígenas nas cidades, buscando compreendê-lo a partir do movimento instituído que
gerou o trânsito entre a aldeia e a cidade, tomando-se por base a realidade amazônica e
os “rastros da memória” deixados pelos viajantes e remanescentes dos povos indígenas
que se encontram numa restrita bibliografia e também em espaços públicos (bibliotecas,
museus e institutos de pesquisa) que abrigam um riquíssimo, porém quase deteriorado,
acervo material sobre a história dos povos indígenas e dos processos de exploração na
região.
Em seguida, na intenção de estabelecer um marco dos estudos feitos no país,
traremos uma expressiva quantidade de trabalhos que foram publicados nos últimos
anos do século XX e início do século atual, que nos fornecem subsídios para
acreditarmos na constituição de um campo de investigação científica com as crianças
indígenas e que podem também garantir cada vez mais a possibilidade de consolidação
de um espaço de pesquisa com as crianças indígenas nas cidades.
Finalmente, procuraremos evidenciar a produção de trabalhos realizados nos
últimos dez anos sobre/ e no Amazonas, que aponta uma forte tendência à consolidação
deste espaço de estudos e pesquisas na região, mas que ainda demanda forte
57
Créditos: Foto extraída do site www.portalamazonia.com
75
58
Principalmente a partir da concepção burguesa de infância.
76
Viver a infância num mundo cada vez mais multifacetado e pluricultural nos permite
definir um único conceito ou forma de conceber as crianças e suas infâncias?
Poderíamos elencar ainda um número muito maior de questões que dão vazão à
possibilidade de enveredarmos pela multiplicidade das diversas formas de conceber e
compreender a infância na sociedade atual. Comecemos pela visão da Organização
Mundial da Saúde, que define a infância como o período da vida humana compreendido
do nascimento até os 10 anos de idade. As pessoas nessa fase recebem a denominação
de criança.
Ao buscarmos, no dicionário, a definição da palavra criança – que usualmente
acaba sendo a mais veiculada na sociedade – observa-se a seguinte definição: criança é
um "ser humano de pouca idade, menino ou menina; párvulo. Pessoa ingênua, infantil”,
neste caso estando na dependência de outros (Dicionário Aurélio, 1986)59.
O certo é que, no curso da história, as crianças têm sido vistas de diferentes
modos e ocupado diferentes posições, dependendo do valor que as sociedades lhes
atribuem. O historiador francês Philippe Ariés, em sua obra “História Social da criança
e da família”, traça uma trajetória de como a criança vem sendo tratada ao longo dos
séculos. Ressalta, por exemplo, que a infância sempre esteve ligada à ideia de
dependência, assim, a criança, no decorrer da história, vem sendo vista como alguém
com a perspectiva de "vir-a-ser", mas que ainda não o é (ARIÉS, 1981).
Para o Autor (Idem, 1981, p. 42):
59
Ferreira (1986, p. 498).
78
A partir do século XVII, a infância passou a ser reconhecida como uma etapa
distinta da vida humana, com características próprias de desenvolvimento e com
necessidades que surgem no bojo da vida das crianças. É nesse momento que a criança
sai do anonimato e começa a ser vista como tendo um mundo próprio diferenciado do
mundo adulto, dando origem a um novo conceito, o da infância (ARIÉS, 1981). Nesse
século, a infância torna-se foco das atenções quando é considerada a idade fundadora da
vida, passando a ser matéria de estudos e observações. Desta forma, aos poucos, a
criança vai assumindo identidade, voz e estatuto legal.
Segundo Rodrigues (1992, p. 122):
60
Barreto (2004).
79
parece ter sido prática corrente, pelas referências que aparecem nos escritos
de algumas autoridades (RIZZINI, 2006, p. 159).
61
Nóbrega (1955, p.p. 98-101).
62
Paiva (2000).
80
eles dirigidas, deixou as crianças indígenas à mercê dos comerciantes que se utilizavam
delas em todas as formas de trabalho, seja no serviço doméstico, na lavoura ou na
construção de obras, não que os mesmos também não o tivessem feito.
Isso não ocorreu só na Amazônia. Arantes (1995), ao traçar o perfil das crianças
no Brasil, demonstra que cada um extraiu das crianças indígenas os mais diversos tipos
de proveitos: não foram poupados nas guerras, nos trabalhos forçados e nem mesmo da
separação materna e paterna para servir aos ideários do “colonizador”.
Os eclesiásticos construíram casas e colégios que abrigavam os filhos dos índios
capturados nos processos de realdeamentos, assim como dos mestiços e dos órfãos
portugueses e brasileiros. Eles foram por mais de 200 anos os “educadores” das crianças
indígenas. O delta do Amazonas foi uma das mais antigas áreas de ocupação. Já nos
primeiros anos do século XVII, ali se instalaram soldados e colonos portugueses,
inicialmente para expulsar os franceses, ingleses e holandeses, depois como núcleos de
ocupação permanente. Esses núcleos encontrariam uma base econômica na exploração
de produtos naturais da floresta amazônica, que tinham mercado certo na Europa e
podiam ser colhidos, elaborados e transportados com o uso da mão-de-obra indígena,
farta e acessível naqueles primeiros tempos.63
63
Gondin (2007)
81
64
Ribeiro (1979).
82
expulsos de seus territórios perambulavam pela mata, sem paradeiro. Para qualquer lado
que se dirigissem deparavam com grupos de seringueiros prontos para exterminá-los.65
O primeiro ciclo66 é desencadeado pela invasão da floresta por seringueiros que
em poucos anos alteraram quase toda a estrutura do local. Como as árvores eram
abatidas para extrair todo o látex, os mesmos tinham que se mover continuamente em
busca de novos nichos, cobrindo imensas distâncias. Nenhuma tribo, em cujo território
cresciam as árvores, pôde fugir desse processo de quase total extermínio. Um dos
procedimentos mais comuns de domínio dos índios era o sequestro de mulheres e
crianças, dentro da própria maloca, sob a vigilância de um capataz. Deste modo, os
invasores se asseguravam da cooperação dos homens na descoberta e exploração de
novos lugares e se garantiam de abrigo, alimentação e satisfação de seus apetites.
O segundo ciclo iniciou-se quando começaram a escassear os cauchais, obrigando
os invasores a buscarem as terras baixas do vale onde iria engajar-se a novas formas de
produção da borracha, dando algum alento às populações indígenas de altos cursos dos
rios tributários do Amazonas. Era a vez dos seringais situados nas ilhas e terras
marginais, mais próximas dos postos de exportação. Nestas áreas sobreviviam alguns
grupos indígenas já experimentados nos embates com a civilização, remanescentes de
tribos que desde os tempos coloniais já mantinham contatos. Eles “integravam” a
economia regional como fonte de mão-de-obra e como produtores autônomos de peixe
seco, peles de caça, de ovos de tartaruga, de óleos e essências florestais de outros
produtos extrativos. Preservavam, todavia, sua economia tribal de subsistência baseada
na lavoura, na caça, na pesca e na sua autonomia étnica.67
Para o índio, o seringal, e toda a indústria extrativa, representou a morte, a
negação de tudo o que necessitava para viver: ocupava-lhe a terra, dissociava sua
família, dispersando os homens e tomando as mulheres; destruiu a unidade tribal,
sujeitando-a ao domínio de um estranho, incapaz de compreender as suas motivações e
de proporcionar-lhe outras. Enfim, submeteu os índios a um regime de exploração
intensa.
65
Gondim (2007).
66
Na organização da sociedade amazonense, a historiografia oficial organiza-se em 3 ciclos que são
determinados pelo modelo econômico vigente: a exploração da terra, o ciclo da borracha e o período da
zona franca de Manaus.
67
Faria (2003).
83
Assim, a Manaus do século XIX (1858 a 1877) serve de cenário, síntese dos
processos de destribalização/concentração, como pode ser visto no texto de Alves68 que
descreve o ideal de instrução pública nos primeiro anos da Província. Alves, ao analisar
a Casa dos Educandos, internato destinado a promover a educação profissional dos
órfãos e dos desvalidos da Província, tornando-os “úteis” para o mercado local, observa
que quase todas as crianças ali abrigadas, e também os meninos indígenas que
perambulavam pelas ruas da cidade, foram recolhidas e transformadas em trabalhadores.
Em 1872, contava-se cerca de 80 crianças que ficaram sob responsabilidade daquele
instituto.
A respeito do trabalho desenvolvido nesses espaços, Rizzini (2006, p. 137) faz
uma minuciosa pesquisa que resultou em sua tese de doutoramento, e em suas análises
expõe que:
68
Alves (1993/1994)
84
Assim, muitas das aldeias invadidas vieram para as zonas urbanas e ligam-se às
origens de cidades como Manaus, Parintins, Tefé, Itacoatiara, Autazes, etc. Os povos
remanescentes hoje vivem nas periferias, em precárias condições de vida e há parcas
informações sobre eles.
Os dados do IBGE de 200069 estimam que haja um total de 7.893 pessoas de
diferentes etnias morando nos bairros de Manaus, o que representa 0,6% do total da
população do município. A zona de maior concentração da população indígena está
localizada na Zona Leste, com 22,27% pessoas (1.758); a Zona Norte abriga 21,25%
(1.677) indígenas; a Zona Centro Oeste com 14,94% (1179) habitantes indígenas; a
Zona Centro sul com 14,62% (1.154 habitantes); a Zona Sul com 14,11% (1.114); e,
finalmente, a Zona Oeste com 11,01% (876) habitantes de etnias variadas. Há também
indicações de habitantes indígenas em outras localidades (1,71%) correspondendo a 135
pessoas.
Esses dados não correspondem àqueles apontados pelo Conselho Indigenista
Missionário-CIMI, que indica a existência, já em 1980, de mais de 10.000 índios
vivendo em Manaus. Porém, em nenhuma das fontes apontadas há registros sobre o
número de crianças que habitam a cidade. Se considerarmos que 45,03% dos habitantes
de Manaus estão dentro da faixa de 0 a 19 anos de idade, no Censo de 2000, o total de
crianças e jovens indígenas residente nos bairros de Manaus, a partir da população
69
Extraído do site www.ibge.gov.br
85
(Este gráfico tem como fonte dados da Fiocruz, cruzados com dados sobre a saúde indígena, coletados
pelo IBGE em 2007).
70
Esta Instituição produziu um material intitulado “Povos indígenas no Brasil”. Para aprofundamentos,
buscar o site www.socioambiental.org
71
Dados extraídos do site do IBGE (www.ibge.gov.br).
86
72
Dados da Revista Veja - 07/05/2008.
87
73
No primeiro capítulo de sua dissertação de mestrado, intitulado “A criança na antropologia:
apreciações bibliográficas”, Angela Nunes (1997) traz uma contribuição valiosa para o mapeamento da
produção, destacando que “A criança é incluída em alguns trabalhos antropológicos, porém, raramente
como categoria preponderante na condução das investigações.” (p.37). Outro trabalho que merece
destaque é a introdução do livro “Crianças Indígenas: ensaios antropológicos”, denominada
“contribuições da etnologia brasileira à antropologia da criança”.
74
Silva, Macedo e Nunes (2002).
88
75
Sarmento (2001).
89
atual, para depois nos determos na visualização76 de trabalhos mais recentes e que nos
possibilitam apontar um crescimento significativo das pesquisas com as populações
indígenas em diversos lugares do Brasil, e entre elas aquelas que se ocupam, mais
especificamente, dos estudos com as crianças indígenas e a necessidade de se ampliar –
dada a carência de fontes – esses estudos com as crianças indígenas que vivem nas
cidades.
Assim, comecemos com o ano de 1979, que representou, na conjuntura mundial,
uma conquista para as crianças, pela viabilização política do seu ano internacional,
oriunda de uma situação de insatisfação mundial da condição de vida das populações
mais pobres, que saltava aos olhos de um mundo que decantava a entrada em uma outra
conjuntura, alicerçada no fenômeno da globalização e da tecnologização dos processos
comunicacionais e sociais, mas que abundava em pobreza, fome e miséria.
Rizzini (2002, p. 01) destaca que “os efeitos da globalização são variados e até
mesmo contraditórios”, principalmente se olharmos apenas sob a ótica dos números
produzidos pelas estatísticas mundiais e pelo crescimento das taxas de riqueza nos
diversos países do mundo. Esses indicadores podem nos dar a impressão de que a
condição de vida das populações melhorou significativamente, tomando-se por base o
Produto Interno Bruto-PIB. No entanto, cabe destacar que o enriquecimento de alguns
desses países, e logo de suas “frações de classes”77 mais abastadas, deu-se pelo
empobrecimento em massa das populações.
Nosso país é um caso vivo dessa crescente concentração de riquezas e de
exacerbamento da pobreza, como nos afirma Rizzini (2002, p. 06):
Qualquer introdução sobre o tema das mudanças globais não pode ignorar o
rápido crescimento da desigualdade e seu impacto na vida das crianças e dos
adolescentes. Este crescimento pode estar se acentuando devido ao
fenômeno da globalização. O grau de desigualdade depende em grande parte
da forma como ela é medida, mas pode se constatar uma distância cada vez
maior entre os dez países mais ricos e os dez mais pobres. Enquanto a
pobreza diminui a desigualdade aumenta, ou seja, os ricos ficam cada vez
mais ricos, os pobres apresentam uma mudança comparativamente menos
significativa.
76
Utilizamos essa expressão, pois faremos uma exposição que se objetiva a mostrar um panorama que
situa o estudo do nosso objeto e contribui para a possibilidade de sedimentação de uma área de pesquisa
com as crianças nas cidades.
77
Bourdieu (1982).
90
78
Foucalt (1987).
79
Silva, Macedo e Nunes (2002). As autoras afirmam que muitos desses trabalhos apenas avolumaram os
títulos das bibliotecas, e pouco contribuíram para um debate que se aproximou das práticas junto às
populações indígenas.
80
Laraia (1986).
91
Os motivos podem ser vários: ou porque estas não se incluíam na tal infância
pobre que era alvo de preocupações, não constituíram um problema e,
portanto, não mereciam a atenção dos cientistas sociais; ou porque,
simplesmente, pela falta de interesse então existente, pouco ou nada se sabia
sobre as crianças dessas sociedades, ou nada a que valesse a pena dar
destaque.
81
Nunes (1997).
92
82
Na banca de qualificação da tese, na qual foi membro, Tassinari assinalou a importância de incluirmos
neste inventariado o nome de Lux Vidal, por ser, segundo ela, uma mentora intelectual de pesquisadores
que hoje ganham destaque nos estudos com crianças indígenas, como é o caso de Aracy Lopes, Ângela
Nunes, Clarice Cohn, entre outros.
93
texto, apesar das muitas críticas que surgiram posteriormente sob a forma de conceber
as crianças.
Anthony Seeger publicou, em 1980, o livro: “Os Índios e Nós. Estudos sobre
sociedades tribais brasileiras”, onde buscou estabelecer os diversos processos de
contato entre índios e brancos, dando ênfase a uma predominância dos aspectos
voltados à dominação, que envolvia, inclusive, as crianças. João Pacheco de Oliveira
Filho, no livro organizado sobre o tema “Sociedades indígenas e indigenismo no
Brasil”, de 1987, destaca a presença dos movimentos sociais que foram se
consolidando no intuito de lutarem pelas causas indígenas e, logo, das crianças.
Em 1989, Florestan Fernandes publicou, em forma de livro, sua dissertação de
mestrado em Sociologia defendida em 1948: “A organização social Tupinambá”,
fruto da pesquisa realizada sobre uma das maiores nações indígenas do Brasil. Durante
mais de quatro séculos foi vendida a imagem do índio como um homem geneticamente
preguiçoso, nada afeito ao trabalho. A verdade, entretanto, era bem outra. Apesar dos
primeiros cronistas sustentarem a tese da preguiça do índio, eles trabalhavam e muito. O
autor foi pioneiro no trabalho de corrigir esse “erro” histórico, desvelando uma série de
questões acerca da vida, dos costumes, dos ritos e mitos desse povo indígena, apontando
para uma visão que rompe com o exotismo e concebe o povo indígena como produtor
de história, cultura, memória e muito trabalho, fruto das suas tradições.
Os trabalhos de Silvio Coelho dos Santos trazem uma rica contribuição para o
debate acerca das questões indígenas e se apontam como fundamentais para o
enriquecimento dos estudos feitos sobre a temática. Suas principais publicações são: A
integração do índio na sociedade regional (1970); Índios e brancos no sul do Brasil:
a dramática experiência dos Xokleng (1975); Educação e sociedades tribais (1975).
No entanto, é preciso não esquecer a existência de um conjunto de obras
referentes aos estudos da infância83, que pode servir de fontes para a produção de novos
trabalhos e textos, entre outros, na área, e que traz uma grandiosa contribuição para
compor o processo de sedimentação deste campo de pesquisa. Apresentaremos, de
forma delimitada, algumas delas que circulam no panorama nacional e, em seguida,
83
“Ensaios em Antropologia do Poder”, Rodrigues (1992); “O massacre dos Inocentes”, Martins
(1993); “História Social da Criança Abandonada”, Marcílio (1998);” “Do silêncio do lar ao silêncio
escolar: Racismo, preconceito e discriminação na Educação Infantil”, Eliane Cavalleiro (2000);
“Educação jesuítica no Brasil colônia”. In: 500 anos de educação no Brasil, José Maria de Paiva
(2000); “Crianças e Jovens na construção da Cultura”, Castro (2001); “Sociedade e infância no
Brasil” Brasilmar Ferreira Nunes (2003); “História da criança no Brasil”, Del Priore (2006); “Os
sentidos (paradoxais) da infância nas ciências sociais: um estudo de sociologia da infância crítica sobre
a “não-criança” no Brasil”, Rita Machi (2007), entre outros.
94
procuraremos dar maior ênfase em trabalhos que estão mais ligados ao contexto do
Estado do Amazonas, por se tratar, de fato, do nosso campo de abrangência neste
estudo.
No cenário nacional, a produção sobre a temática indígena é bastante densa e
merece todo o reconhecimento, dadas as diversas situações de construção das mesmas84.
Os programas de Pós-graduação nas áreas das Ciências Sociais trazem uma ênfase
maior nos estudos sobre as condições de vida das populações e, um pouco mais
timidamente, os programas na área da Educação, que nos últimos anos têm conseguido
fazer uma discussão que tem ganhado cada vez mais relevância quanto à questão dos
processos educacionais entre esses povos.
Os mesmos são fundamentais para o significativo aumento pelo interesse em
pesquisar os povos indígenas no Brasil em diversas situações. As obras que
selecionamos são apenas uma pequena amostra desse grandioso mosaico construído
pelos pesquisadores brasileiros no contato com as mais diferentes etnias.
Manuela Carneiro da Cunha organizou o livro “História dos índios no Brasil”,
de 1992, que traz uma coletânea de textos sobre diversas etnias, fruto das investigações
realizadas por vários pesquisadores, conseguindo visualizar um pouco do panorama da
diversidade étnica de nosso país, focalizando alguns elementos pertinentes ao estudo da
infância. Em outro texto, intitulado “Imagens de índios do Brasil: o século XVI”, de
1990, a autora traz uma quantidade expressiva de discursos – na perspectiva dos
viajantes – resgatados num amplo processo de pesquisa documental. Segundo suas
críticas, os viajantes assim viam os indígenas brasileiros: “Com o Novo Mundo
descobre-se também uma Nova Humanidade. Resta o problema crucial de inserí-la na
economia divina o que implica inserí-la na genealogia dos povos. Para isso, não há
outra solução senão a da continuidade, senão abrir-lhe um espaço na cosmologia
europeia” (p. 102).
O livro “O Índio e o Mundo do Branco”, de Roberto Cardoso de Oliveira, de
1996, traz para a discussão da temática indígena o conceito de “Fricção Interétnica”, já
que, segundo o autor, “o conhecimento do contato interétnico será alcançado de modo
mais completo se focalizarmos as relações interétnicas enquanto relações de ‘fricção”
(p. 33). O estudo é inovador neste sentido, ao focar nas questões que envolve as
diversas relações que se estabelecem entre índios e brancos e a importância da mediação
84
Ricardo (2000).
95
entre esse saberes, buscando descentralizar o olhar que por tanto tempo se deteve na
visão dos viajantes e considerou os povos nativos sem um corpo de conhecimentos que
merecesse visibilidade própria e valor dentro das discussões sobre a temática.
Sobre a Amazônia, os escritos de Curt Nimuendajú, “Textos Indigenistas”, de
1982, que, tratando da vida indígena nas primeiras décadas do século XX, forneceram
informações sobre o lugar que crianças e jovens ocupavam em diferentes etnias,
particularmente no Amazonas. O livro “A terra dos mil povos: história indígena do
Brasil contada por um índio.”, de Kaka Werá Jecupé, de 1998, traz a perspectiva da
vida dos povos indígenas a partir deles próprios, resgatando elementos fundamentais
presentes na cultura que os torna diferentes.
Ainda neste enfoque, o livro de Theodor Koch-Gruntenber: “Dois anos entre os
indígenas: viagens ao noroeste do Brasil- 1903/1905”, reeditado em 2005, faz uma
densa etnografia, destacando, entre outras coisas, a forma de organização de muitos dos
povos indígenas da região. No mesmo ano foi publicado o livro “História Indígena e
do Indigenismo no Alto Rio Negro”, de Robin M. Wright, que representa um conjunto
de artigos, fruto de mais de 30 anos de pesquisas etnográficas e documentais, que
contribuem para um entendimento da organização dos povos indígenas dessa grande
região e destaca temas como guerras, alianças, profetas, cosmologia e uma intensa
análise da organização social do povo Baniwa.
Um trabalho que merece todo o reconhecimento no contexto desta tese e da
produção indígena sobre a região amazônica é a obra de Manuel Nunes Pereira, um
viajante incansável que escolheu a Amazônia como sua terra e se dedicou plenamente
“[...] por mais de 40 anos, conhecendo seus bichos, peixes e matas, suas gentes – índios
e caboclos –, mitos e histórias [...]”85 e que pesquisou e conviveu por um longo período
com “Os Índios Maués” (2003), tema de um de seus livros e de vital importância para
esta tese, pois nos forneceu um rico aporte sobre a cultura desse povo.
Do ponto de vista educativo, com um olhar interdisciplinar, a criança indígena,
nos meados do século passado e inicio deste século, ganhou destaque em vários livros e
artigos, aqui representados por: “Educação Indígena e Alfabetização”, de Bartomeu
Meliá, de 1979; “Educação e Sociedade Indígena – uma aplicação bilíngue do
método Paulo Freire”, de Isabel Hernandez, de 1981; “O debate sobre a educação
indígena no Brasil (1975-1995)”, de Marta Valéria Capala, de 1995; “A temática
85
Selda Vale da Costa (In: PEREIRA, 2003, p. 9).
96
86
Extraído do histórico da instituição, contido no site www.anpocs.org.br
98
87
Extraídos do histórico da instituição, contido no site www.anped.org.br
88
A Criança Sateré-Mawé: os ecos de suas vozes. Mubarac Sobrinho (2007c).
89
Para mais aprofundamentos, ver Rocha (2007).
90
“Pra fazer a farinhada muita gente eu vou chamar: contextos lúdicos diversificados e as culturas das
crianças Sateré-Mawé. Mubarac Sobrinho, 2008c. (www.anped.org.br)
99
No bojo das discussões acerca da presença das crianças indígenas nos contextos
das aldeias e nas cidades, consideramos os textos de Nascimento: “Escola indígena:
palco das diferenças”, de 2004; “A cosmovisão e as representações das crianças
Kaiowá-guarani: o antes e o depois da escolarização”, de 2005 e “Entender o Outro
- A criança indígena e a questão da Educação Infantil”91, de 2006, como marcos
constituintes de pesquisas no campo dos estudos com as crianças indígenas, pois o
modo inovador utilizado nos trabalhos traz para o cenário das produções o enfoque dos
processos presentes no contato das mesmas com as escolas, tanto nas aldeias quanto nas
cidades. Neste último texto, os autores deflagram um processo de reflexão que é
fundamental no entendimento dessa relação com a escola infantil.
Sem sombra de dúvidas, não poderíamos deixar de trazer para o corpo deste
inventariado que dá suporte as nossas discussões, o livro de Clarice Cohn,
“Antropologia da Criança”, de 2005, que mesmo fugindo à regra de um trabalho com
um grandioso número de laudas, nas suas 58 páginas, primando pela qualidade das
análises e por uma discussão fundamentada tanto num amplo trabalho de revisão de
literatura quanto das suas empreitadas em pesquisas etnográficas com crianças
indígenas, remete-nos a um processo de reflexão que aponta para a perspectiva das
“perguntas difíceis”92 e por tanto não traz uma lista de respostas ou apontamentos. Para
ela, “A antropologia da criança não se limita ao estudo das crianças ‘de lá’, de outras
culturas e sociedades. Como no que diz respeito a diversos outros temas, os
antropólogos têm realizado pesquisas sobre fenômenos e temas próximos do seu meio
social, e com sucesso.” (p.49).
Outro grupo de produções que tem alcançado um espaço destacado neste campo
de pesquisa são as dissertações de mestrado e as teses de doutorado. Esses dados, nem
91
Este último publicado em parceria com Brand e Agulera.
92
Santos (2008).
100
93
Fala extraída do relatório (TEIXEIRA, 2005).
103
94
A definição em abordar apenas esses dois programas no universo da pós-graduação no Amazonas
reside em os mesmos serem os únicos que trabalham nas áreas da Educação e de Ciências Sociais,
apontando-nos uma perspectiva interdisciplinar, como é o próprio foco desta tese.
95
As informações aqui contidas foram extraídas do site do programa www.ppge.faced.ufam.br
107
96
Extraído do histórico do curso, contido no site www.ppgsca.ufam.edu.br
110
97
4. C APITULO III:
Após traçarmos – nas duas primeiras partes – os nortes gerais que conduziram
nossos caminhos na escrita da tese, vamos, agora, enveredar pela vivência que tivemos
juntos com as crianças Sateré-Mawé na comunidade, durante os oito meses de pesquisa
etnográfica, e nesse quase um ano que passamos no convívio construindo uma longa e
promissora possibilidade de “viver juntos”.
Nesse sentido, o objetivo deste capítulo é adentrar no cotidiano das crianças
Sateré-Mawé, estabelecendo, a partir desse movimento de interação com seus modos de
vida, uma possibilidade de compreensão da forma que essas crianças concebem o
mundo98, partindo das suas brincadeiras, de suas relações de pares em momentos para
cantar, desenhar e partilhar a vida na comunidade.
Destacaremos, para tanto, suas vozes, pois foi através do diálogo que se
descortinou essa gama de experiências que relataremos e analisaremos a seguir,
tomando também como elementos essenciais, os desenhos produzidos pelas crianças,
suas músicas, as fotografias tiradas tanto por nós quanto por elas, considerando todos os
elementos simbólicos que estão presentes no dia-a-dia da comunidade como
possibilidade de revelar aquilo que é veiculado entre os limites da cultura tradicional do
povo Sateré-Mawé e da sociedade urbana circundante.
97
Créditos: Foto tirada pelo pesquisador durante a pesquisa de campo na comunidade dos Sateré- Mawé.
98
Tanto o vivido pelo seu povo, quanto o espaço urbano.
114
“O fenômeno, por sua natureza, ao mesmo tempo revela e oculta a essência. A análise que
permanece na exterioridade recíproca das coisas capta apenas o momento de manifestação
do fenômeno e, ao não referi-lo à essência, isto é, ao processo de sua produção, oculta o
global.”
Ainda que não seja nosso objetivo neste texto uma ampla revisão teórica sobre o
conceito de espaço ou de lugar, gostaríamos de situá-lo em uma dimensão contextual,
tomando as referências do cotidiano das crianças para compreendê-lo, como nos explica
Graue e Walsh (2003, p. 25):
99
Este lugar foi assim denominado pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente, por se localizar em uma
área de preservação ambiental devido a sua rica flora e por possuir um riacho que corta o terreno na parte
mais baixa.
100
Esse dado faz parte do dossiê realizado pelo Ministério Público Federal, quando do encaminhamento
do processo para a Justiça Federal.
115
da comunidade indígena ter se formado, criando uma série de conflitos entre eles,
principalmente porque os “brancos” não aceitam a forma como os índios se organizam e
a presença dos seus rituais e de suas tradições. Estes conflitos, por várias vezes,
precisaram da intervenção das polícias militar e federal, que têm tentado apaziguar a
situação e tirar os “brancos” que buscam aquelas terras. Porém, enquanto não houver
uma definição jurídica, a situação permanecerá bastante complicada para os índios.
Os Sateré-Mawé101 que moram nas comunidades são oriundos da região do médio
rio Amazonas e habitavam as áreas indígenas do Andirá e do Marau, que foram
demarcadas em 1982 e homologadas em 1986, com 788.528 hectares, entre os estados
do Amazonas e Pará. O processo de migração desta etnia para Manaus, assim como para
outras cidades do interior do estado, deu-se devido uma série de fatores, mas,
principalmente, pela “pretensa ilusão” da busca de melhorias.
Segundo Álvares (2005, p. 02):
101
O primeiro nome - Sateré - quer dizer "lagarta de fogo'', referência ao clã mais importante dentre os
que compõem esta sociedade, aquele que indica tradicionalmente a linha sucessória dos chefes políticos.
O segundo nome - Mawé - quer dizer "papagaio inteligente e curioso'' e não é designação clânica.
(PEREIRA, 2003)
102
“Artigo 1º - A ASSOCIAÇÃO WAYKIHU, fundada em 18 de maio de 2001, é uma associação civil,
de direito privado, sem fins econômicos, que terá duração por tempo indeterminado, sem vinculação com
partidos políticos e com instituições religiosas e públicas, com sede e foro no Município de Manaus,
Estado do Amazonas, na Rua Comandante Norberto Won Gal, nº. 129, Conjunto Santos Dumont, Bairro
Redenção, CEP: 69.049-100”. (Estatuto da Associação).
116
Esta foto procura demonstrar a forma como são feitas as casas que, na sua maioria,
são construídas em madeira, mas há também algumas construções em alvenaria. Uma
característica comum das mesmas é que são praticamente coladas umas às outras, o que
é uma forma organizacional típica dos Sateré-Mawé, inclusive nas aldeias. O espaço
que aparece ao centro é uma das poucas áreas planas que compõem o terreno, que foi
desmatado para a construção das casas. Ao fundo ainda se tem uma área de vegetação
bastante densa e preservada que garante um espaço mais próximo a organização
103
Esses dados foram coletados na própria comunidade no decorrer da pesquisa, ou seja, entre os meses
de janeiro a setembro de 2007, com a colaboração do Cacique Luiz. É importante salientar que existe
outra comunidade Sateré-Mawé, bem ao lado desta onde realizamos a pesquisa, mas, por conflitos entre
eles, estão separados e não mantêm uma relação amigável, o que nos “obrigou”, de certa forma, a fazer a
escolha por uma delas, neste caso a de maior população adulta e infantil. Outro ponto a salientar é que
essa outra comunidade é mais antiga e faz parte do núcleo inicial de migração dos Sateré-Mawé para
Manaus.
117
tradicional nas áreas rurais. Não existe uma infra-estrutura mínima de saneamento
básico, e a energia que é utilizada, por muito tempo foi “puxada” ilegalmente da rua,
fato que foi resolvido pela companhia local de energia elétrica, quando estávamos
concluindo a pesquisa.
A forma das casas serem agrupadas próximas umas as outras, contribui para que
o grupo esteja em constante união. Inclusive muitas vezes o alimento é feito em um
único local e todos os moradores da comunidade participam da refeição coletivamente.
Esta união reflete-se na forma como as crianças se movimentam no espaço, ou seja, elas
estão sempre juntas. Durante todo o período da pesquisa, as crianças demonstraram uma
cultura coletiva extremamente forte, o que consideramos um reflexo da organização das
residências e da própria tradição da etnia.
Esta segunda foto nos dá uma visão mais clara da “fronteira” da comunidade com o
bairro, separados por uma rua asfaltada e com bastante movimento. Por se tratar de um
domingo, não se visualiza o movimento constante que existe na rua, o que durante a
118
Nesta outra foto, tentamos visualizar um pouco da forma como a comunidade está
estruturada. Nela aparece o cacique Manoel Luiz e, atrás, o barranco, com espaços que
estão se desmoronando, principalmente no período das chuvas fortes na cidade. Os
Sateré-Mawé, para terem acesso as suas casas, que ficam na parte mais baixa do terreno,
119
utilizam escadas, como esta que aparece bem ao fundo. As mesmas são bastante
íngremes e quando estão molhadas pela chuva ficam quase intransitáveis. Na área,
devido à enorme concentração de lixo, por haver uma lixeira na divisa da comunidade,
há sempre uma grande quantidade de cachorros que acabam também sendo motivo de
preocupação quanto à saúde das crianças.
Segundo o Cacique Luiz, líder da comunidade, a vinda deles para a cidade de
Manaus – na verdade, primeiramente chegou um pequeno grupo e, a partir dele, outros
continuam vindo até hoje – se deu como uma forma de buscar melhorias para as
condições de vida, devido aos fortes problemas enfrentados na aldeia, principalmente
relacionados à alimentação, à saúde e à educação.
“Foi muito difícil nós sairmos da aldeia pra buscar a cidade grande. Mas nós
queríamos que nossos filhos tivessem uma vida que nós não tivemos: educação,
faculdade, pra ajudar os parentes na luta pelos nossos direitos... Se Tupaná não me
levar, eu vou conseguir que meus filhos cheguem lá, mas sem perder a nossa
cultura...”104.
Esses fatos, expressos nas palavras do cacique, são comprovados pelos escritos
das pesquisas de Nunes Pereira (2003), que desde o final da década de 1930 realizava
seus estudos junto a essa etnia. Este pesquisador fez um longo trabalho etnográfico em
algumas das aldeias onde os Sateré-Mawé habitavam e realizou um importante
mapeamento das tradições, dos costumes e das crenças.
Ele destacou também uma série de problemas que eram vivenciados por aquelas
comunidades, relacionados, prioritariamente, às questões de saúde, falta de alimentação,
e, consequentemente, educação, fatores que apareceram a partir do contato com o
“homem branco” e com todo o processo de sedentarização das aldeias que foi imposto
pelo “colonizador”. Assim, afirma Pereira (2003, p. 25):
104
Fala extraída das entrevistas e filmagens realizadas com o Cacique Manoel Luiz Gil da Silva.
120
e o Madeira, a tribo pacifica dos Maués, muito embora alguns dos seus
guerreiros ajudassem a legalidade a combatê-la.
105
Durante esses quatro meses, fomos quase todos os dias para a comunidade e ficávamos lá,
principalmente no horário da manhã. Mas quando havia muita chuva, costumávamos ir após o tempo
melhorar, o que ocorria normalmente à tarde.
121
“Eu prefiro quando não chove, por que dá pra gente brincar, com a chuva o barranco
fica cheio de barro e muito liso.” (Taíza, 12 anos)
Foi assim que, a cada momento vivido, foram surgindo as inúmeras atividades
acompanhadas no decorrer de nossa estada na comunidade, o que nos aponta duas
questões: uma grande quantidade de alternativas e, ao mesmo tempo, um sentimento de
não poder trazer toda a experiência que foi vivenciada.
Desta maneira, as descrições que procederemos aqui partiram das escolhas feitas
em acordo com as crianças, diante daquilo que para elas e para nós era mais
significativo neste universo de inúmeras possibilidades. Assim, também nossas análises
estão ligadas diretamente com a participação das crianças em todo o processo. Tal
opção é reforçada pela posição de Silva, Barbosa e Kramer (2005, p. 52). Segundo estas
autoras:
“A gente mora aqui nessas casas, são pequenas, mas eu gosto muito daqui,
queriam tirar a gente, minha mãe disse, mas nós não queremos sair não…”
(Larissa, 11 anos).
“Aqui tem um monte de árvores pra nós brincarmos e o terreiro é grande, só não
é bom o barranco quando chove…” (Késia, 10 anos).
“Eu já fui lá na aldeia, mas prefiro morar aqui mesmo, nem sei por que, mas a
gente brinca, canta nossas músicas, faz nossos brinquedos e ainda pode ir pra escola,
lá, às vezes, não é legal, mas tem que ir…” (Taíza, 12 anos).
“Sabe o que é mais legal? É a gente morar nas casas aqui de baixo e também
poder ficar lá em cima nas barracas de artesanato” (Raquel, 09 anos).
“Lá em baixo tem um lago que a gente pode tomar banho, mas às vezes tem gente
branca lá e nós ficamos com medo deles baterem em nós” (Mateus, 07 anos).
Essas outras três fotos que selecionamos juntamente com as crianças foram,
inclusive, algumas tiradas por elas mesmas. Nelas tentamos mostrar, de maneira mais
ilustrativa, seus modos de viver na comunidade e representa, se atentarmos aos seus
olhares, um tom de felicidade em poderem partilhar com as outras crianças das suas
brincadeiras e demais atividades.
Além das falas que foram fundamentais na forma de conhecermos melhor a
comunidade sob o ponto de vista das crianças, o ato de darmos a máquina fotográfica
para que elas tirassem fotografias, representou a possibilidade de demonstrarem os
lugares que mais gostam de estar e como cada lugar na comunidade tem um sentido
especial para elas. Além da novidade em cada um poder manusear um instrumento até
então desconhecido por elas e que possibilitou mais uma maneira de expressão da forma
como concebem a realidade na qual vivem. Acreditamos que as fotografias têm o poder
de mostrar aquilo que, em muitos casos, nossas palavras não poderiam.
124
(Créditos: Foto tirada por Késia (10 anos) uma das meninas que participou da pesquisa
de campo na comunidade Sateré-Mawé.)
Esta foto foi tirada de uma das barracas que é usada para a venda do artesanato e
que as crianças utilizam para brincar de casinha quando não está sendo ocupada pelos
adultos no processo de venda das peças. Fica localizada na parte superior da
comunidade, ou seja, nas margens da rua, por isso, os pais não costumam deixá-las
brincar ali, pois sempre estão passando pessoas de fora da comunidade. Neste dia como
estávamos participando da brincadeira com as crianças, os pais deixaram que elas
ficassem brincando no local.
Ao fundo, estão duas meninas organizando a casinha com os diversos objetos que
dispunham no momento. Das três meninas que se encontram mais à frente, uma delas
está com outra criança no colo, enquanto as outras duas, estão brincando com a única
boneca industrializada que elas possuem. É importante destacar que não há a presença
de nenhum menino no espaço. Késia disse que tirou essa foto, pois é o lugar em que ela
mais gosta de brincar de casinha.
125
(Créditos: Foto tirada por Raquel (09 anos) uma das meninas que participou da pesquisa
de campo na comunidade Sateré-Mawé.)
Esta foto foi tirada por uma das crianças. Nela está visualizado o terreiro que se
encontra na parte da frente da outra comunidade chamada de Y’APYREHYT. As palhas
representam a entrada dessa comunidade vizinha, que tenta caracterizar-se mais com a
aparência de uma aldeia. As crianças estavam cantando várias músicas em Sateré-Mawé
e, para que eu pudesse entendê-las, cantavam também em português. Sempre que
cantavam essas canções, elas pediam para suas mães pintarem os seus rostos, algumas
usavam cocar e outras colares, como maneira de ficarem caracterizadas e melhor
simbolizarem o que estavam cantando, apesar das roupas serem usuais da sociedade
urbana. As músicas eram acompanhadas de gestos que representavam os elementos da
letra e davam todo um significado à representação de ações do trabalho dos Sateré-
Mawé, como no caso da música da Farinhada. As crianças menores transitam na
comunidade de calcinha, fato bastante comum entre elas.
126
(Créditos: Foto tirada por Taíza (12 anos) uma das meninas que participou da pesquisa
de campo na comunidade Sateré-Mawé.)
Esta foto também foi tirada por uma das crianças. Nela vemos uma situação
diferenciada das demais. A menina que se encontra sozinha, próxima aos entulhos nas
laterais da casa, estava chorando, pois queria uma brincadeira e as outras resolveram
não atender ao seu desejo. Ela, então, se deslocou para esse “cantinho”, demonstrando
estar contrariada com a decisão da maioria. A ideia das outras crianças em tirar a foto
foi para tentar trazê-la novamente à brincadeira que estavam realizando. Após tirarem a
foto, mostraram a mesma para a menina, que pediu que fossem tiradas outras fotos e,
em seguida, foi participar das brincadeiras com as demais.
No conjunto das fotos e das falas das crianças, fica evidenciada que a comunidade
representa para elas um lugar de segurança, onde os adultos respeitam suas brincadeiras
– desde que elas não corram riscos –, suas formas de se relacionar com a natureza e com
os diversos objetos que estão presentes nesse “mundo” construído “dentro de outro
mundo”, ou seja, dentro de um bairro na área urbana em uma metrópole de quase dois
milhões de habitantes.
Mas é também um lugar de insegurança, de incertezas, de medos, que, por vezes,
não aparece nas suas falas nem nos seus modos de conviver. Esse “não-dito” foi
127
Esse foi o grande desafio posto, chegar o mais próximo possível da realidade
cotidiana das crianças na comunidade. Cabe-nos, então, indagar acerca dos nossos
saberes e deixar falar as nossas ausências, pois buscar o olhar do outro é ver em nós a
possibilidade de confrontamento de ideias, de concepções diferentes de mundo, que
106
Termo apropriado de Foucault 2007.
128
onde moram. Isto aponta para a presença das suas culturas infantis indígenas. É sob o
foco dessa afirmação que procuramos, nos diversos momentos vividos junto a elas,
reafirmar nossa tese de que as crianças Sateré-Mawé, mesmo morando na cidade,
apropriaram-se muito fortemente dos elementos da cultura de seu povo, de forma a
expressá-la nas suas atividades cotidianas na comunidade, mas invisibilizá-las no
cotidiano das escolas que estudam, como estratégia de se protegerem.
Cohn (2005, p.30), ao explicitar alguns dos resultados da pesquisa feita com as
crianças Xikrin, faz uma reflexão acerca das formas como as crianças participam e
constroem significados para as relações nas suas sociedades. A autora deixa claro o
quanto é importante, para quem pesquisa com crianças indígenas, entender os processos
próprios de cada etnia. Assim, para ela:
Cada criança criará para si uma rede de relações que não está apenas dada,
mas deve ser colocada em prática e cultivada. Elas não ‘ganham’ ou
‘herdam’ simplesmente uma posição no sistema de relações sociais e
parentesco, mas atuam na criação dessas relações.
Foi exatamente nesses espaços de partilha que, durante os oito meses da pesquisa
etnográfica que realizamos com as crianças, foram vivenciadas muitas experiências
entre nós e elas, nas quais, muitas vezes, fomos envolvidos diretamente na sua
realização, é claro que quando as crianças assim permitiam e objetivavam nossa
participação. Outras vezes, elas queriam brincar sozinhas e eu apenas as observava, mas
quase sempre elas me chamavam para brincar junto ou participar das atividades que
estavam realizando, o que nos possibilitou uma maior visibilidade das suas formas de
entenderem o mundo.
Para Tomas e Soares (2004, p. 4):
107
Todos os termos em Sateré-Mawé foram extraídos do “Vocabulário Comparativo” (PEREIRA, 2003).
131
Apesar de haver outras brincadeiras, esta era a de maior incidência, principalmente por
retratar a forma de organização da própria comunidade.
As meninas se reuniam, quase sempre, num espaço coberto, usado como oficina
de artesanato, outras vezes iam para as barracas de venda de artesanato ou outros
lugares onde houvesse possibilidade de brincarem, desde que os adultos não estivessem
trabalhando. Então, elas ocupavam o local disponível. Rapidamente iam chegando e já
começavam a brincar. Arrumavam a “casa” com os vários objetos que dispunham ao
seu redor: tijolos e pedaços de madeira viravam bancos, mesas, camas e armários que
eram adornados com folhas, pedrinhas, sementes e tudo que possibilitasse a elas compor
o ambiente.
“Essa aí é a minha
casinha (apontando
para o desenho que
fez), tem um sol perto
dela e umas nuvens.
Tem também um monte
de árvores, pra nós
podermos comer as
frutas, tem o sol
também, por que eu
gosto mais do dia.”
(Talice, 09 anos)
(Raquel, 09 anos)
“Eu e a Raquel, nós brincamos assim: quando é só coisa de cozinha, a gente bota na
cozinha, aí quando é só coisa de banheiro, a gente bota no banheiro, quando é só coisa
do quarto, a gente bota no quarto, a gente faz cadeira, faz caminha, né, Raquel?”
(Taíza, 12 anos)
“Eu arrumo a casinha pra ‘nós brincar’ de fazer comidinha com as folhas.”
132
(Nándria, 05 anos)
“A brincadeira que eu mais gosto é a de casinha, por que nós arrumamos tudo, os
quartos, a cozinha e também fazemos comida para todo mundo comer.” (Laiz, 8 anos)
“A gente chama os meninos pra brincar também, mas só pra eles serem o pai. Menino
pode brincar também?” (Késia, 10 anos)
“Eu brinco com as meninas aqui, mas eu vejo os meninos daqui de perto, eles não
brincam de casinha com as meninas. Lá na escola disseram que casinha é brincadeira
de menina.” (Mateus, 07 anos)
brincadeiras que só as meninas podem brincar e outras só para os meninos. Porém, ele
também afirma que gosta de brincar com as meninas, o que caracteriza um elemento
forte da cultura do seu povo, pois na comunidade, apesar de determinadas atividades
serem divididas, o lar é um lugar de todos e, neste sentido, ele tenta romper com o
preconceito advindo do meio urbano e se insere na casinha a partir do modo de viver
presente na cultura de sua etnia.
Outro elemento fortemente marcado na fala das crianças é a divisão das tarefas
quanto ao ato da maternidade. O pai é o provedor e a mãe quem cuida das crianças. Essa
característica é bastante presente no universo da cultura Sateré-Mawé, mas vai sendo
modificada de acordo com o sexo da criança. As crianças reproduzem com bastante
clareza essa função. Na fala de Késia (10 anos) isso fica evidente: “A gente chama os
meninos pra brincar também, mas só pra eles serem o pai”. Na representação da
brincadeira, o sistema social de divisão de funções representa o modus operandi com o
qual a comunidade convive.
Nunes (1997), em sua pesquisa com os A’uwé-Xavante, também observou a
frequência com a qual as crianças, na aldeia, brincavam de casinha e desenvolviam
atividades extremamente importantes para serem incorporadas às suas culturas. Segundo
a autora:
“Eu gosto da minha criança, ela tem o nome igual ao meu... (risos)” (Laiz, 08 anos)
“A gente coloca outros nomes quando não quer botar igual ao nosso, a gente coloca
outro nome de flor, natureza, passarinho.” (Taíza, 12 anos)
(Créditos: Foto tirada por Talice (09 anos) uma das meninas que participou da pesquisa
de campo na comunidade Sateré-Mawé.)
fragmentos e aspectos. Com efeito, tanto o real na sua totalidade como cada
um dos seus fragmentos são infinitos na medida em que é infinita a
quantidade das suas correlações e das suas mutações no tempo.
Outra brincadeira que as crianças faziam– não de forma tão frequente como a de
casinha – , e que representa todo um contexto imaginário e imagético cercado dos
elementos da sociedade circundante, é a brincadeira de ônibus. Esta representa, de
forma muita explícita, a “invasão” da cultura urbana, ressignificada pelas crianças no
ato da brincadeira, mas muito arraigada aos modos de ser da sociedade, situação que
influi para o adensamento dos costumes da cidade na forma de viver a infância dessas
crianças. É a presença do conflito entre o modus operandi dos Sateré-Mawé e da
sociedade urbana, reinventado pela lógica das crianças.
As crianças, para realizarem essa brincadeira, costumavam pegar um banco de
madeira bem comprido, que é utilizado pelos adultos para as reuniões da associação.
Além do banco, são utilizados também um volante velho que elas encontraram no lixo e
um pedaço de pau (madeira) que serve como marcha para o “veículo”. As funções vão
variando de acordo com o número de crianças que brincam e, muitas vezes, pela idade
de quem está brincando. Este fator, por exemplo, não foi observado na brincadeira de
casinha, aqui aparecem de forma mais clara as questões hierárquicas que definem os
papéis sociais.
Logo, para Barth (Apud TASSINARI: In: SILVA E FERREIRA, 2001, P. 65):
Neste sentido, as outras crianças que participam da brincadeira vão atrás como
passageiras. São as menores, aquelas que serão “levadas ao seu destino”. Precisam ser
conduzidas. Ao indagarmos a elas quem já havia andado de ônibus, somente uma das
crianças respondeu afirmativamente, porém, como existe uma parada109 bem na frente
da comunidade, elas observam diariamente a forma como as pessoas pegam o ônibus,
pagam, sentam e vão embora. Elas representam essas funções de forma muito peculiar,
inclusive criando nomes para os lugares onde o ônibus irá parar. Nomes que só existem
nos seus imaginários. O dinheiro, por exemplo, são folhas de árvore e, de acordo com o
tamanho de cada folha, vale mais ou menos valor.
108
Elias (1994).
109
Este termo faz parte da linguagem cotidiana da região amazônica e representa o ponto de ônibus, como
utilizado em outras localidades.
139
“Acho legal brincar de ônibus porque sou mais velha e sempre sou o motorista.”
(Taíza, 12 anos)
“Eu gosto de ser o cobrador, a gente ganha um monte de dinheiro, acho que ele fica
rico por que vai muita gente nesse ônibus.” (Mateus, 07 anos)
“A gente faz o ônibus com aquele banco e também com esse volante que achamos bem
ali perto do barranco grande.” (Késia, 10 anos)
“Às vezes o ônibus tá lotado e a gente tem que esperar um montão, aí eu não gosto, fico
logo com raiva, sabe?” (Laiz, 08 anos)
“Eu ando de ônibus pra um monte de lugar, mas nem sei pra onde…” (Emille, 05 anos)
110
Zumthor (2007).
111
Bourdieu (2007)
140
Laiz (08 anos) desenhou várias pessoas juntas ao redor do forno, lugar onde a
farinhada é preparada, além de um barco, onde os Sateré levam a farinha para outras
aldeias da etnia ou para serem vendidas na cidade. Ela ouviu os adultos contando sobre
o comércio da farinha e que seu transporte é feito de barco, já que, na região onde ficam
as aldeias, a única forma de se chegar é pelos rios da região e, logo, os meios de
transporte são os barcos ou as canoas.
112
Comida feita em uma cuia, onde se mistura água com farinha d’água (Ui) ou a farinha de mandioca
(Mani) grossa, para servir de alimento. Em Sateré-Mawé, chama-se Urgia.
143
“A farinhada é feita de
dia, por isso tem que ter
sol por que se molhar a
farinha com água da
chuva não vai prestar. A
farinha tem que ser bem
sequinha pra ficar
gostosa pra nós podermos
comer com peixe. Acho
que dá prá comer com
tudo.” (Késia, 10 anos).
As falas reforçam os versos da música e a ideia de que todos têm que participar,
pois o resultado desse esforço coletivo é o alimento que será distribuído entre eles. No
entanto, é importante deixar bem claro que para elas o “fazer a farinhada” está ligado ao
imaginário, ou seja, uma construção simbólica, pois na comunidade elas não preparam a
farinhada, lá não existe nem a matéria-prima nem o local apropriado (forno). Mas é
notória a vivacidade que as mesmas expõem quanto à vontade de participar desse
importante ato. Elas, ao cantarem a música, demonstram, por seus gestos, como se
corta, descasca, prepara e todos os demais processos envolvidos na farinhada. Neste
sentido, para Elias (1994, p. 07), “... a construção dos seres humanos exige que seus
produtos culturais sejam específicos da sua própria sociedade”.
Logo, ao reproduzirem essa atividade que é tão peculiar na cultura nativa do
grupo, as crianças a fazem da maneira delas. Assim, percebemos uma mistura de
elementos da realidade que são apresentados a elas pelos relatos dos pais ou dos mais
velhos e, ao mesmo tempo, elas vão dando um tom, a partir de suas culturas infantis, à
forma de interpretar o ato simbólico de fazer a farinhada.
Esses elementos são claramente comprovadores de que os valores étnicos do
grupo estão presentes e se reinventam na forma das culturas das crianças, comprovando
que as mesmas não são meras espectadoras da realidade e, sim, participam efetivamente
da mesma, ressignificando-a.
144
Assim também demonstrou Nunes (In: Silva, Macedo e Nunes, 2002, p. 72), em
sua pesquisa realizada com as crianças A’uwe-Xavante na aldeia:
Outra forma que as crianças utilizam para representar a realidade e imprimir a ela
seus jeitos próprios de compreendê-la são os desenhos. A prática dos mesmos, porém,
nas vezes que acompanhamos e participamos de sua elaboração, aparece refletindo, de
maneira transitória, a presença das mesmas nesse “entre-lugar”, o espaço urbano, pois
elas utilizam, na grande maioria dos desenhos, elementos tanto do cotidiano dos Sateré-
Mawé como da realidade urbana que as circunda.
Também percebemos que a realização do riscar, rabiscar, desenhar, tem uma
relação muito intensa com os “deveres de casa” trazidos da escola. Uma vez que a
introdução dessas atividades se deu, prioritariamente, pela inserção das crianças nas
escolas onde estudam, principalmente a escola de educação infantil, na qual é muito
comum a prática de se organizar o fazer pedagógico pelo desenho.
145
Influenciado pela imagem dos animais que a escola lhe apresentou, Mateus trouxe
um desenho em que os animais eram, na sua maioria, desconhecidos por ele e, se
analisarmos a partir da especificidade amazonense, a maioria desses animais não faz
parte da nossa realidade. Após a elaboração de seu desenho, pedi que ele fizesse um
relato do por que havia escolhido esses bichos e ele reafirmou o que tinha dito na
primeira fala, “vi no livro lá na escola”, mas também fez questão de afirmar que
desenhou a tartaruga que “mora na casa da Raquel” e que ele gosta de ir lá para brincar
com ela. Falou bastante sobre as cobras que sempre aparecem na comunidade,
principalmente quando o “rio lá de baixo tá cheio”, período em que a vegetação
também fica mais densa e propicia a presença desses bichos.
Mostrei o desenho de Mateus para as outras crianças e perguntei a elas sobre quem
conhecia algum desses animais. Todas falaram da tartaruga e da cobra. E, mais uma vez,
relataram que “sempre aparece cobra por aqui, mas nós não temos mais medo” (Taíza,
12 anos). Fiquei curioso sobre a presença das cobras e se elas não tinham medo mesmo.
146
(NASCIMENTO, 2006, p. 8)
“Ser criança é muito bom, nós podemos correr, brincar, fazer um monte de coisas...”
(Raquel, 09 anos)
“Eu gosto de ser criança, de ser menino, mas quando ‘eu pôr’ as mãos na luva das
tucandeiras, já vou ser homem.” (Gabriel, 7 anos)
“’Num’ sei por que as meninas que moram aqui perto da nossa casa, aquelas que não
são índias, fazem um monte de coisas que nós não fazemos [...] acho que as mães delas
que mandam.” (Taíza, 12 anos)
“É bom ser criança por que a gente não tem que ter filho, só de brincadeira.”
(Talice, 9 anos)
Uma análise mais detalhada que se prenda em determinados trechos das falas
das crianças nos conduzirão ao desvelamento mais específico dessa transição entre os
processos vividos no espaço urbano e os elementos da cultura dos Sateré-Mawé.
149
Educação, neste sentido, é entendida como uma ação que ultrapassa os espaços
escolares e se efetiva como a totalidade das experiências vivenciadas pelas crianças nos
diversos contextos em que convivem.
Um exemplo bem claro dessa situação pode ser visto na fala de Taíza (12 anos),
principalmente quando nos diz: “acho que são as mães delas que mandam”. Com essa
afirmação, aparece muita marcada a relação de poder que se estabelece em nossa
sociedade, onde os adultos determinam o que as crianças têm que fazer. Para os Sateré-
Mawé isso é algo que causa estranheza, pois as crianças costumam fazer o que elas
querem e não o que os outros, mesmo sendo os seus pais, determinam.
São elas que definem como vão brincar, de que vão brincar e a hora que querem
fazer essas e outras atividades. A intervenção dos adultos acontece de forma mais
corriqueira, fazendo parte do cotidiano das relações estabelecidas entre eles, sem
imposições. Eles dialogam com as crianças e procuram definir com elas como se dá a
forma como irão vivenciar as atividades do dia-a-dia.
É importante, porém, destacar que há algumas atividades em que as crianças não
podem participar, pois a tradição define como sendo exclusiva dos adultos. Logo, elas
vivenciam essas atividades de longe, mas as reinventam como maneiras de representá-
las. A forma de concretizar essa relação está no caráter de simbolizar e ressignificar
para poder fazê-las, mas, de fato, elas não participam, é o caso dos rituais e as questões
mais voltadas ao trabalho que gera renda.
Para Bourdieu (2007, p. 10):
113
O uso do termo se explica pela confecção do artesanato, que é a principal fonte de sobrevivência do
grupo, assim um artesão do futuro é um adulto promissor.
150
palavras do cacique114: “... uma criança é o nosso maior tesouro, cada parente que
nasce aqui para nós é sinal que Tupaná está nos dando mais vida e alegria, por isso
fazemos muita festa para festejar quando uma das nossas mulheres tem criança”.
Apesar do estado de pobreza pela qual passa a comunidade e das precárias
condições de vida, eles oferecem o que podem às suas crianças, tudo o que eles
possuem é dividido com elas e entre elas, não importa o que seja, mas é preciso que as
crianças possam se alimentar. Vivenciamos algumas situações em que só havia farinha
de mandioca para comer. As mães misturavam com água e faziam o “Chibé” para que
as crianças não passassem fome. Primeiro as crianças comiam e, quando sobrava
alimento, os adultos iam dividindo entre eles.
A infância nesse grupo é cercada dessas questões fronteiriças, pois, ao mesmo
tempo em que os adultos tentam manter a tradição do seu povo indígena, o espaço
circundante é também marcante em suas vidas. A comunidade fica dentro de um bairro
de aproximadamente 10 mil moradores, logo, não pode viver isolada dos diversos
condicionantes do “mundo dos brancos”, como eles assim o denominam. As crianças
reproduzem uma série de situações que elas observam no entorno da comunidade e
principalmente nas práticas a que são submetidas nas escolas, mas sempre as
ressignificando.
Para enveredarmos mais especificamente na concepção de infância para o povo
Sateré-Mawé, é preciso que entendamos a existência de um ritual de transitoriedade,
que demarca de forma muito clara o mundo infantil e o mundo adulto. O ritual da
Tucandeira ou da Tocandira, do qual apenas os curumins (meninos) podem participar,
vai ser, entre outros, o balizador do fim da infância e o começo da preparação para
exercerem papéis sociais que somente os adultos podem exercer, marcando
definitivamente o status e as determinações das posições na sociedade.
Neste sentido, segundo Álvares (2005, p. 04):
114
Parte desta fala se encontra em uma série de conversas que foram gravadas, tanto em vídeo como em
áudio, com o cacique.
151
Logo, sendo o ritual um marco balizador entre a infância e a fase adulta, ele
representa para as crianças a transformação mais forte no seu processo de
desenvolvimento. Para os meninos (Pian), é o período de comprovar sua força às novas
atribuições perante os mais velhos e, principalmente, demonstrar a sua família a
capacidade de enfrentar a dor e superar os obstáculos da vida com saúde, coragem,
honra e outros valores considerados fundamentais a esse povo. Já para as meninas
(Pirin), é o período de esperar pelo marido, de ser escolhida por um dos guerreiros
novos para continuar a tradição da maternidade. Entre elas a idade é mais relacionada à
primeira menstruação, não havendo uma etapa determinada para poderem ser
escolhidas. A partir do ritual começa a separação mais efetiva dos mesmos, que, até
então, convivem diretamente nos diversos espaços da comunidade (PEREIRA, 2003).
Elas assim relataram sobre o ritual:
115
Aprofundamentos em Bourdieu, 2004.
152
“A gente dança três passos pra frente e pra trás, nós só podemos fazer isso.”
(Laiz, 08 anos)
“Eles, os meninos, botam as mãos na luva, tem que ferrar 200 vezes, eu acho que é
assim, né?” (Taíza, 12 anos)
“A gente fica espiando de longe, ouvindo as músicas, por que nós não podemos
participar, o ritual é só para os adultos.” (Raquel, 09 anos)
“Só os meninos maiores podem pôr a mão na luva, a gente não pode por que
ainda é pequeno, mas quando eu for grande eu vou participar pra virar homem
grande também.” (Mateus, 07 anos)
116
Geertz, 1989.
117
Corsaro, 2002.
153
“Nós sabemos separar a água do vinho, o branco tem o carnaval, as festas dele
e nós temos o nosso ritual da Tucandeira. Coloca 250 Tucandeiras no Saripé118 e aí nós
colocamos a mão lá, aí mostrando que nós somos guerreiros, somos felizes, temos
saúde e resistência. É só os homens que têm a condição de meter a mão no Saripé, a
mulher é pra acompanhar o ritual, elas são as nossas parceiras. Pra nós aqui com 13
anos ele já é pescador, caçador, então ele já tá liberado pra enfrentar o ritual”.
(Cacique Manoel Luiz)
118
Luva tecida em palha e adornada de várias maneiras, com penas, pedras e artefatos de artesanato.
154
119
119
Modelos de luvas usadas para a realização do Ritual da Tucandeira. Existe uma variedade delas
dependendo da região e da tribo a qual o povo pertence. Com esse rito, os Sateré-Mawé, estão certos de
poder afastar as doenças e tornar mais forte o corpo e o espírito. (PEREIRA, 2003).
155
156
120
5.
INDÍGENA
120
Créditos: Foto tirada pelo pesquisador, na comunidade indígena urbana do bairro Puraquequara em
Manaus, durante uma pesquisa realizada em 2005, no âmbito do Projeto de Iniciação Científica da
Universidade do Estado do Amazonas
157
desvelar uma série de maquinações ideológicas presentes nas práticas dessas instituições
e escamoteadas no discurso oficial.
“A escola pública e obrigatória para todos tinha como objetivo central a igualdade
entre as pessoas, o progresso das nações, o desenvolvimento econômico, a justiça
social, a difusão dos conhecimentos em defesa da valorização da razão – e do
conhecimento escolar – como modo de ser e estar no mundo.”
A escola é hoje uma das instituições mais polêmicas da sociedade mundial atual
o que se reflete também em nosso país. Ela nos angustia e nos confunde, tanto porque
somos bombardeados a todo o momento pelas diversas críticas sociais e, de outro lado,
somos tentados a nos convencer das suas qualidades pelos modelos advindos da
estrutura do sistema de ensino a partir dos discursos instituídos nos documentos oficiais.
A idéia de que a educação escolar possibilitará uma garantia de vida melhor
para o futuro, ainda representa para grande parte da sociedade, talvez a única forma de
buscar melhorias para sua condição de vida. Pondo-se em destaque a escola impõem-se
como o único e soberano ambiente propício a aquisição de bens culturais capazes de
transformar a vida da população dando-lhe novas perspectivas, pelos menos sob a forma
de discurso. Na prática, porém, ainda se tem uma grande distância entre as diversas
realidades sociais e os fazeres – homogeneizados – no dia-a-dia da escola.
Se a escola tem um papel determinante na maioria das vidas da população, qual
importância a mesma exerce na vida das Crianças Indígenas e mais especificamente na
vida das Crianças Sateré-Mawé? Valorizamos uma escola que está no mundo das idéias,
mas, qual dimensão a mesma exerce na cultura e nas tradições dos povos indígenas? No
que tange aos processos de diversidade e multiculturalidade, como tem agido a escola e
como tem sido elaborados os currículos para atender essa realidade tão presente em
nossos dias? A Cultura Escolar e a Cultura da Escola dialogam entre si e contribuem
para a construção de um diálogo intercultural?
Essas questões são fundamentais para compreendermos, ou mesmo
visualizarmos o trabalho pedagógico e os diversos condicionamentos que estão
presentes na prática pedagógica dos agentes da escola e principalmente procurar
158
desvelar como se dá o processo de inserção das Crianças Sateré-Mawé nas duas escolas
pesquisadas.
A visão de que a escola é um palco de múltiplas possibilidades e diferenças, não
se configura como um discurso novo, pois já de muito tempo tem sido ecoado nas
políticas educacionais e na própria ação presente nos seus espaços sociais. No entanto,
esse discurso se dilui na prática, dissolve-se na ação e perde-se num amaranhado de
reproduções autoritárias e homogeneizadoras que acabam presas a velhos costumes e a
organizações pedagógicas que nos remontam as origens clássicas da instituição, pondo-
se contra a inserção em seus espaços de um pensamento crítico.
A esse respeito, explica Santos (2005, p. 16) que:
121
Durkheim (1980).
159
Tanto mais pobre seja uma nação, mais baixos padrões de vida das classes
inferiores, maior será a pressão dos estratos superiores sobre elas, então
consideradas desprezíveis, inatamente inferiores, na forma de uma casta de
nenhum valor. As diferenças acentuadas no estilo de vida entre aquelas de
cima é as de baixo apresentam-se como psicologicamente necessárias.
Essa desigualdade, na qual Freire nas suas análises sabiamente faz a analogia a
uma condição de casta, é mascarada no discurso da igualdade e atinge de forma mais
crítica ainda as crianças Sateré-Mawé, o que tende a estabelecer sua condição como
algo predestinado ao fracasso e não como uma condição real de existência que
ultrapassa os limites da escola, pois está instituição possui mecanismos muito eficazes
para naturalização dos fatos e da condição das pessoas. Isso é o resultado vivo das
ideologias e políticas que fragmentam cada vez mais os grupos sociais e étnicos. Daí a
dificuldade de reconhecer a escola como um verdadeiro local de transformação social e
um espaço multicultural.
Desta maneira, duvidamos desta escola que está ai posta, desse local que mais
representa um campo de confusões e expectativas mal-dimensionadas, seja por parte de
professores e dirigentes, seja por parte das políticas públicas e, principalmente, pelo
descaso quanto a presença de grupos étnicos nas escolas “regulares”, especificamente
evidenciada em nossa pesquisa em Manaus, e pela total ausência de um planejamento
quanto a forma de atender esse grupo de crianças indígenas que aumenta a cada dia
mais nesses espaços, o que, segundo Lahire (2004, p. 19), acabam por ser culpabilizadas
por não acompanharem os ritmos da escola.
De certo modo, podemos dizer que os casos de “fracassos” escolares são casos
de solidão dos alunos no universo escolar: muito pouco daquilo que
interiorizaram através de coexistência familiar lhes possibilita enfrentar as regras
do jogo escolar (os tipos de orientação cognitiva, os tipos de comportamentos
próprios à escola).
A evidência desse descaso constitui um dos grandes pressupostos desta tese, pois
as escolas pesquisadas quase nada têm feito para mudar essa situação de total
descompromisso com as crianças indígenas, por ser, na visão das próprias escolas, um
problema que vai muito além das suas especificidades122. Diante dessa realidade,
entendemos que esses alunos acabam ficando propositalmente, sozinhos e alheios ao
universo escolar (LAHIRE, 2004).
122
Afirmando que lugar de índio é em escola indígena.
160
123
Kramer (1992).
161
Após sua fala busquei argumentar mais sobre a presença das outras crianças
Sateré-Mawé e até de outras etnias que frequentavam a instituição, porém ela mais uma
vez fez um comentário bastante constrangedor sobre essas crianças. Falando em voz
alta, afirmou:
“Elas tem um mau comportamento e isso é muito negativo para a escola, pois como
não aprendem nada acabam deixando a situação dos professores ruim diante da
124
Que como todos os demais agentes da escola, receberão nomes fictícios.
162
secretaria que quer bons resultados. Sei lá o que eles sabem, as vezes nem entendo o
que falam” ( Bibliotecária Margarida).
“Os professores nos dizem que é uma tortura trabalhar com crianças indígenas,
pois elas são preguiçosas e não aprendem quase nada o que eles ensinam, além de
terem comportamentos muito diferentes daqueles considerados normais para os
alunos”. (Auxiliar Administrativo Pedrinho)
125
Albert e Ramos (2002).
163
que vai permitir que os “estranhos” – neste caso as crianças Sateré-Mawé – possam
gradativamente ser “apagados” sutilmente do contexto da escola.
Nesta mesma linha de pensamento, a pedagoga da escola estadual tem um
discurso que muito se assemelha às falas dos funcionários. Ao ser indagada sobre a
presença das crianças Sateré-Mawé e sobre a possibilidade de socialização entre a
cultura escolar e a cultura que as crianças trazem de sua comunidade indígena, ela assim
nos afirmou:
convívio em que as diferenças possam fazer parte da dinâmica escolar e produzir nela
mudanças na forma de reorganizar tanto os conteúdos, quanto as relações existentes na
instituição. Ela assim nos afirmou:
“As crianças indígenas fazem parte de outra cultura e cultura é algo bem
complexo, ampla, mas que eu vejo de forma muito importante para educação, pois é o
que você traz de si, da tua geração, são valores que passam pra você e que você coloca
em prática. É isso que vejo as crianças indígenas na escola, trazendo para nós outras
formas de ver o mundo. No geral, são valores que elas trazem das suas origens,
gerações, regiões. Infelizmente quase ninguém entende esse lado e acabam ignorando
essas crianças” (Pedagoga Emília)
Essa contradição presente nos discursos e nas práticas que ocorrem no espaço
escolar é um elemento que permeia outras práticas de muitas escolas nos dias de hoje
em relação à presença das crianças indígenas126. Essa contradição, que se dá em favor
da homogeneidade e da “preocupação” que a escola tem com as normas, os conteúdos e
a disciplina, acaba sendo justificada e considerada uma lógica naturalizadora mostrando
que sua ação vai à busca por equidade, embora sua “dita” existência caracteriza o
oposto do discurso da justiça e da igualdade e se torna um dos primeiros exemplos da
injusta que se perpetua nesse espaço.
A finalidade dessa ausência de culturas apresenta-se muito evidente nas escolas
pesquisadas, pois as mesmas não trabalham com os conhecimentos que os alunos, sejam
eles indígenas ou não indígenas, trazem das experiências cotidianas vividas nas suas
realidades. As escolas não demonstram nenhuma preocupação com esses saberes, o que
reforça muito mais os desencontros.
Essa concepção preconceituosa que adentrou as escolas, não se faz presente
somente nas mesmas. Ela ganhou maior dimensão no decorrer do tempo moderno e
atualmente, assume uma das formas mais difundidas em que a cultura é uma construção
de identidade, de valores e costumes do povo, numa visão homogênea e se propaga
através dos jornais, revistas, filmes e demais elementos da mídia, sendo reproduzida
pela escola.
Ao trazer para sua discussão essas questões, afirma Hall (2005, p.42), que:
126
Essas questões também foram observadas em outros trabalhos como o de Freire (2005), Nascimento
(2005).
165
O importante é ter conhecimentos, por exemplo, um colega seu viaja, pra outro estado,
se alguém perguntar “qual a cultura do seu estado?”, a pessoa se tiver conhecimento
vai falar do nosso boi bumbá. Pelo que estou entendo é assim, é saber qual o folclore
da tua cidade. Já essas crianças indígenas não sabem nada da cidade vão falar de
que?Por isso a pessoa tem que influência de ler e passa pra outros.... (Merendeira
Maria).
Quando se fala de cultura você está abrangendo vários setores, primeiro aqueles
hábitos que as pessoas já trazem da família como obedecer, saber se comportar e
outros, mas o mais importante mesmo é o conhecimento, o aprendizado, o estudo que
aquela pessoa tem pra poder trabalhar, exercer uma função, ou um trabalho dentro de
127
Barros (1999).
166
uma sala de aula ou em qualquer setor, empregando aquilo que aprendeu nos livros,
na escola pois foi lá que ela estudou muitos anos, passou muito tempo na faculdade é
claro, então isso é cultura, o conhecimento. Por isso acho que as crianças indígenas
vão ter dificuldade de aprender, por que os pais delas não sabem o conhecimento que
importa para a sociedade (Diretora Joana).
130
Foucault (2007).
168
“Primeiramente um aluno tem que ter uma aprendizagem de qualidade, para que ele
saia preparado não só para o mercado de trabalho, mas pra qualquer situação que ele
venha enfrentar no dia-a-dia da vida dele, o aluno crítico e participativo que saiba
exercer no momento certo, na hora certa a cidadania. Mas as crianças indígenas vivem
tão diferentes de nós que acho que nem sabem o que é cidadania e muito menos vão ter
boas oportunidades de trabalho” (Diretora Joana).
“Olha só, na verdade eu penso que as crianças demoram muito para responder aos
objetivo do ensino. A escola visa formar cidadãos que integrem a sociedade atual e os
índios não tem condições de fazer isto. Acho mesmo que estão perdendo tempo aqui na
escola. Sei que o PPP fala de diversidade, dialogo intercultural, mas acho que na
prática nada disso funciona não passa de um discurso que está lá no papel” (Pedagoga
Benta).
A experiência tem demonstrado que adianta muito pouco a lei dizer que todos
são iguais e proibir que umas pessoas sejam tratadas como inferiores às outras se
não for garantida a igualdade de oportunidades para todos desde o nascimento.
Com efeito, quando uns nascem ricos e outros pobres, as oportunidades para uns
e outros são muito diferentes e por isso as pessoas se tornam socialmente
diferentes, desprezando-se a igualdade natural.
“Olha, quando se fala de autonomia pra mim, seria uma liberdade pra você exercer
qualquer coisa, mas quando se fala em autonomia de uma escola, essa palavra não
existe, se existe é entre aspas. Por que tudo que a escola faz você tem que prestar
contas pra as autoridades maiores, com a secretaria, com a coordenadoria então você
não pode fazer nada sozinho nem tomar decisão sozinha se ela não for avaliada, até a
vinda dessas crianças indígenas é algo determinado.” (Diretora Joana).
“Não vejo por esse lado, porque tudo você depende de uma autorização de um
superior, né? propriamente dita, a gente tem alguma, mas não própria, tudo você tem
que ter o aval do superior”( Pedagoga Benta).
A escola, que deveria ser inspirada na frase que abre suas portas, tida como um
espaço democrático de discussão e difusão de saberes, não possui autonomia e muito
menos sensibilidade para o trato com a educação das crianças Sateré-Mawé. Uma das
razões para isso parece ser o fato de que para a escola, mais do que efetivar os
princípios do PPPE, o grande desafio é cumprir as metas que são impostas pelos
programas advindos do sistema de ensino, o que ignora completamente a presença das
crianças indígenas no cenário das escolas regulares.
via proposta por Santos (2005, p. 30), é o rompimento “do monoculturalismo para o
multiculturalismo”, pois “Daí que todo o conhecimento-emancipação tenha uma
vocação multicultural”. O que nas duas escolas é algo completamente ausente,
principalmente no trato com as crianças Sateré-Mawé.
Diferente dos estudantes indígenas que se encontram na base, ou seja, nas aldeias
fora do centro urbano, onde suas línguas e tradições são mantidas e vivenciadas
cotidianamente o ensino é proferido por professores indígenas; no contexto urbano, a
educação escolar é realizada nas escolas regulares, por professores não-indígenas, nas
redes estadual e municipal de ensino.
Esse processo educacional que segue o modelo da “escola dos brancos” tem,
certamente, alterado o modo de sobrevivência e interferido diretamente em muitas
questões culturais que fazem parte do universo desses povos gerando processos de
exclusão. Mesmo diante da resolução nº 11/2001, do Conselho Estadual de Educação,
que traz garantias aos indígenas, independentemente de onde vivam, ao respeito a sua
língua, conhecimentos e tradições próprias, nas escolas essa lei passa completamente
despercebida. Assim estabelece a lei, no seu artigo 14:
“Eu tenho na minha sala duas crianças Sateré-Mawé, elas até sabem ler um pouco
mais são muito preguiçosas” (Professora Fátima).
“O meu aluno tem até a letra boa, mas quando ta com preguiça, meu Deus do céu, não
faz nada, mas nada mesmo, acho que isso é coisa deles mesmos, esses índios devem ser
todos assim” ( Professora Rosa)
131
Dalmolin (2004).
173
“ Elas não sabem nada, eu acho que confundem a nossa escrita com a língua delas e
isso piorou desde que começaram a ter essas aulas na comunidade, acho mesmo é que
elas deveriam é ficar por lá” (Professora Iris).
“Olhe só o jeito que escrevem, misturam tudo, eu não consigo entender nada. Acho que
ora escrevem em português ora em Sateré. O que eu posso fazer? Para mim nada disso
tem sentido” (Professora Clara).
“Já vieram várias pessoas fazer pesquisa aqui e também umas técnicas da secretaria de
educação falar de educação multicultural, de pluralidade, de diversidade, mas eu quero
ver é na prática o que esse povo ia fazer com essas crianças indígenas que não
aprendem e nem sabem nada. Falar é fácil” (Professora Diva)
132
Encontro de Educação Indígena (1990).
174
133
Faria (1999).
175
A partir das constatações advindas das discussões que efetivamos nos itens
anteriores que compõem este capítulo, buscaremos trazer a tona, a partir da visão dos
agentes da escola e de seus documentos e principalmente pela fala das crianças Sateré-
176
Mawé, a forte presença que a Violência Simbólica tem no espaço escolar e que permeia
as relações e as práticas pedagógicas vivenciadas nas duas escolas.
Essas incursões foram movidas pela possibilidade de conhecer os processos
pedagógicos que foram vivenciados nas duas escolas e como se deu a inserção das
crianças Sateré-Mawé, tendo como foco uma imersão que nos possibilitou compreender
as questões que são produzidas no seio das escolas frente a vida das crianças e de suas
culturas infantis indígenas.
Neste sentido, as práticas pedagógicas vivenciadas foram de encontro a tese de
que a infância se constitui como produção cultural. Contrariamente a essa afirmação, a
infância do grupo de crianças pesquisado, constitui-se, na realidade das escolas, como
reprodução do modelo hegemônico. Pois “[...] pensar as crianças sem tomar em
consideração as situações da vida real é despir de significado tanto as crianças como as
suas acções” (GRAUE & WALSH, 2003, p. 25). É sob esse sentido que a escola
trabalha para “despir” o universo cotidiano dos Sateré-Mawé.
Desta maneira, à medida que fomos dialogando com diversas fontes de
leituras134 e as vozes e imagens135 das crianças compuseram o cenário da pesquisa, o
contexto das discussões foi ganhando um contorno cada vez mais aprofundado e uma
série de desafios foram se pondo no sentido de entender o que fazer com a grande
quantidade de “dados”136 acumulados no processo de ida as escolas. As reflexões de
Miceli (2004, p. LX) ao citar Bourdieu, foram fundamentais no processo de tomada de
compreensão e, logo, decisão.
134
No sentido interdisciplinar, tendo o campo dos “Novos Estudos Sociais da Infância” como eixo
norteador das investigações e análises.
135
Foram feitas inúmeras atividade com as crianças e tiradas uma grande quantidade de fotografias das
crianças em suas atividades corriqueiras.
136
Como se trata de uma pesquisa onde as falas das crianças são o grande referencial de aproximação
com a realidade, utilizaremos essa expressão sempre entre aspas, por entendermos que o nosso objeto de
pesquisa na verdade é um sujeito social.
177
137
“[...]campo de lutas como sistema de relações objetivas no qual as posições e as tomadas de posição se
definem relacionalmente é que domina ainda as lutas que visam a transformá-lo” (BOURDIEU,1999, p.
175).
178
138
Bourdieu, 1999.
179
moldes dessa violência se caracterizam não só na ação mental, mas também agem
fortemente na relação corporal determinada pela escola.
139
Paulo Freire trabalha muito bem esta questão em suas obras, tendo sido ele um dos primeiros a
desenvolver uma “pedagogia dos oprimidos”.
140
No sentido crítico da expressão, distinguindo-se do indivíduo, que é aquele vem ao mundo sem saber
dos sues direitos, ou seja, sem estar no mundo.
180
Logo, os sujeitos ocuparão espaços mais próximos quanto mais similar for a
quantidade e a espécie de capitais que detiverem. Em contrapartida, os
agentes estarão mais distantes no campo social quanto mais díspar for o
volume e o tipo de capitais. Assim, pode-se dizer que a riqueza econômica
(capital econômico) e a cultura acumulada (capital cultural) geram
internalizações de disposições (Habitus) que diferenciam os espaços a serem
ocupados pelos homens (AZEVEDO, 2003, p. 08).
“A professora disse que eu não aprendo porque sou índia e índio é burro”
(Laíz, 08 anos.)
141
Fernandes (1996).
181
“Quando estou na escola parece que as pessoas olham a gente como alguma
coisa ruim, muitas crianças não chegam perto de mim” (Mateus, 07 anos)
“Eu ouvi a secretária falar que os índios não deveriam estar nessa escola aqui e
sim no meio da mata. Mas eu gosto de morar aqui na cidade” (Talice, 09 anos)
“Uma vez eu fui contar que tinha cobra lá perto de casa e a professora disse
que eu era mentirosa e os outros alunos riram de mim” (Raquel, 09 anos)
142
Kramer (1992), trabalha essa questão ao criticar o modelo de educação compensatória fortemente
implementado no Brasil no regime militar e que culpava as crianças e suas famílias pelos seus fracassos,
esquivando a escola e o poder público de suas responsabilidades sociais.
182
Neste contexto, a partir da realidade pesquisada, podemos afirmar que não existe
um modelo único de infância, nem tão pouco uma única e hegemônica escola capaz de
educá-las, mas diferentes infâncias, resultantes das situações cultural, econômica e
social que imbricam as “micro-estruturas e as macro-estruturas sociais”143 e que
deveriam nortear o trabalho das escolas. Não existe também, um único modelo de
família e os Sateré-Mawé representam muito bem essa realidade diversificada. Assim,
como afirma Smith (In: FREITAS, 2002, p.45): “[...] a família operária existe por seus
membros, em oposição às famílias de classe média e burguesa, que têm sua lógica na
reprodução de valores, no estilo de vida, no consumo orientador”.
Logo, as crianças das classes dominantes ao chegarem à escola estão em
condições de usar o capital cultural e o capital lingüístico escolarmente rentável, visto
que estão familiarizadas com eles em seu grupo social; já dominam, ou podem
facilmente dominá-los. Entretanto, as crianças Sateré-Mawé familiarizadas com sua
linguagem, que é considerada pelo mercado lingüístico como “não-legítima”144, têm
negadas as suas formas de se comunicar com o mundo e são “levadas” a culpabilizarem-
se por seus fracassos, pois o modelo escolar não considera os elementos de sua cultura
como componente da cultura escolar, nem muito menos da cultura da escola. Nestas
situações, apresentam-se claramente casos bem típicos de Violência Simbólica.
A criança Sateré Mawé acaba inculcando essas formas homogêneas de conceber
o mundo o que as leva a almejar profissões que de uma forma ou de outra, acabam
inseridas na relação de poder e produção que a circundam. Bourdieu, afirma que o modo
de educar divide as culturas. Logo, partindo do conceito de que cultura se constitui de
signos e símbolos e que é convencional, arbitrária e estruturada, essa divisão é
constituída da ação social, da qual é indissociável, porém, completamente dependente
dos condicionantes de dominação. A essa ação o autor denomina de “estrutura
estruturada”.145
Sob esse foco a educação escolar, funciona como reprodutora da cultura urbano-
burguesa e da própria estrutura de poder e de submissão imposta na condição étnica das
143
Bourdieu, 1998.
144
Bourdieu, 2001.
145
“... instrumento de comunicação e conhecimento responsável pela forma modal de consenso, qual seja,
o acordo dos significados dos signos e quanto ao significado do mundo”. (MICELLI, 2004, p. VIII).
183
crianças e seu povo indígena. Pode-se dizer que as pessoas que pertencem à classe
dominante ou frações de classes que dominam, possuem poder econômico e político,
logo, têm mais chances de adquirir capital simbólico e capital cultural, já que suas
condições de investir na educação é extremamente maior, enquanto que, para aqueles
pertencentes às frações de classes dominadas, devido às péssimas condições de vida e
outros condicionantes sociais, suas oportunidades de adquirir capital cultural e
simbólico, são mínimas. Portanto, sob tal perspectiva, o discurso da igualdade no
sistema capitalista é praticamente inexistente, ou seja, uma prova viva do poder da
Violência Simbólica.
184
185
146
6. C APÍTULO V
O objetivo deste capítulo é estabelecer, a partir das falas das crianças, o cruzamento
entre os saberes vividos por elas no cotidiano de sua comunidade e os saberes
instituídos pela escola, destacando os (des)encontros que foram emergindo no processo
da pesquisa e que configuraram a distinção dos lugares das culturas indígenas,
totalmente ausentes no contexto escolar, e a lógica da existência de uma hierarquia de
saberes que determina que os padrões da vida social a serem seguidos sejam
hegemônicos.
Sob o foco de tais argumentos, as escolas impõem às crianças Sateré-Mawé o
“ofício de aluno”, através da mistificação da visão etnocêntrica de ciência e seus
processos de regulação, pela via da maquinação ideológica, oprimindo seus jeitos de
serem crianças indígenas e estabelecendo um processo de moldagem para o ofício que
lhes é imposto, negando suas vivências comunitárias e os diversos elementos do seu
grupo étnico afirmando-os como um corpo de conhecimentos ilegítimos.
146
Créditos: Foto tirada pelo pesquisador durante a pesquisa de campo na comunidade dos Sateré-Mawé.
186
147
Esta afirmação está na forma literal de citação na conclusão.
188
principalmente pela ação da escola. Porém, suas culturas se forjam mesmo nas suas
relações de pares na comunidade.
Além do papel de agentes no seu contexto social, as crianças também são
importantes no processo histórico de seu povo, pois através de sua participação e ação
contribuem para trazer a novidade para a sociedade. Assim, um outro mundo se abre
para compreendermos as crianças Sateré-Mawé, a partir da produção de um arsenal de
características que lhes são próprias.
Promover um diálogo entre estes mundos e suas culturas é uma saída para poder
repensar o modo como se pode educá-las e também repensar o papel da escola. Neste
sentido, além das culturas infantis, precisamos também refletir sobre a produção cultural
que se faz para as crianças, o que implica pensar os tempos da escola frente aos ritos e
ritmos das crianças Sateré-Mawé.
De acordo com Lahire (2006), é preciso avaliar o processo de socialização de
diferentes maneiras. Isto é, nas indicações do autor, compreender que as crianças
Sateré-Mawé, ao incorporarem as culturas tradicionais de seu povo, também produzem
diferenças culturais a estas, e na relação com as culturas da escola, podem ter
incorporadas nos seus modos de ver o mundo, questões que passam, inclusive, a
desconsiderar e, até mesmo, a excluir os elementos étnicos de seu povo. Eis um dos
perigos da escola para as crianças.
Um exemplo bem marcante dessa interface (negativa) entre as culturas está
relacionado à forma como as crianças compreendem a alteridade das suas ações frente
aos adultos, pois na comunidade elas podem realizar suas atividades sem a definição
arbitrária dos mesmos, o que na escola acontece de forma totalmente diferenciada, pois
seus diversos membros definem regras e situações que as crianças Sateré-Mawé devem
cumprir sem que as mesmas, sequer, saibam do porquê de estarem fazendo tais
atribuições.
Para melhor compreendermos essa distância entre a realidade da comunidade e o
trabalho escolar, elencamos algumas situações expressas pelas crianças e objetivadas
em nossas observações, que representam bem a diferença dos fazeres comunitários e
dos fazeres programados pela escola.
As vivências acompanhadas nas escolas, principalmente relacionadas à forma
das crianças estarem presentes na organização do espaço da sala de aula, ficam
evidenciadas pelo distanciamento das mesmas, tanto dos professores quanto das outras
crianças, como apresentado na observação de campo que se segue:
190
“Eu sempre sento no fundo da sala, a professora me colocou aqui desde que
descobriu que eu era indígena, acho que ela não gosta de mim, por que não fala quase
nada comigo. Mas eu também não falo com ela, mas gosto dela sim (respondeu meio
amedrontada). Lá na comunidade eu sento junto com as outras crianças pra
brincarmos, pra fazermos um monte de coisas, não gosto de ficar aqui no canto,
sozinha, prefiro quando estou com as crianças de lá da comunidade.”
(Larissa, 11 anos)’
“Num lugar bem distante da cidade, viviam muitas pessoas que gostavam de
fazer farinhada feita de mandioca para que todo mundo pudesse comer. Para fazer essa
farinha era preciso que todos ajudassem, quanto mais, melhor, o que daria um monte
de farinha. Eu quero, quando crescer, ser fazedora de farinha, para que ninguém passe
fome”. (Taíza, 12 anos)
Na visão de Taíza, está claramente presente a sua ligação com a tradição de seu
povo na produção da farinha de mandioca. E, como na comunidade as crianças cantam a
música da farinhada corriqueiramente e a farinha representa um de seus principais
alimentos, ela relacionou a profissão à satisfação tanto pessoal quanto coletiva dos
membros de sua comunidade, destacando que comer é um fator fundamental para se
viver bem.
Infelizmente, a atitude da professora foi a de desconsiderar a capacidade criativa
da criança e afirmar que os textos deveriam estar relacionados às profissões que ela
havia definido no início da aula (médico, professor, dentista, policial, juiz, comerciante,
entre outras mais), e que ser “fazedora de farinha” não era profissão nenhuma e que
quem vem para a escola tem que ter uma profissão de verdade. Ela assim se reportou às
crianças:
“Menina você tá brincando comigo? Eu mandei falar de profissão e não ficar
inventando coisa que não tem sentido. Onde já se viu falar que fazedora de farinha é
profissão?! Acho mesmo que você não entende o que eu ensino e quer continuar sendo
192
índia. Presta atenção que você não está na aldeia e que mora na cidade e na cidade
todo mundo tem que ter uma profissão” (Professora Diva).
Logo, a produção cultural das crianças Sateré-Mawé não tem valor legítimo no
ambiente escolar. Na verdade, nem são consideradas como produtoras de culturas, pois
os seus modos de ver o mundo não representam um conhecimento que possa ser
incorporado ao capital cultural trabalhado na escola, o que determina sua condição de
ausência na produção de tempos e espaços escolares, como discutiremos no item a
seguir.
“Vocês duas aí, não sabem escrever nada, nem sei por que já estão na segunda
série. Esse monte de coisas que rabiscaram no papel não tem sentido nenhum, eu
expliquei que era para escrever o significado de cada figura e esses ‘garranchos’ que
escreveram não servem para nada”. (Professora, Clara)
outras formas de linguagens, senão aquelas que já estão programadas nos planos da
escola.
Evidencia-se com clareza o despreparo e descaso deste professor com o
conhecimento que as crianças Sateré-Mawé trazem da sua experiência cotidiana e dos
saberes adquiridos no seu grupo étnico. Por isso, a prática pedagógica pauta-se na visão
que reforça a exclusão, a discriminação e busca determinar o papel de cada ser/aluno no
contexto da sociedade urbana, como sendo a única referência possível. Um saber
etnocêntrico que cada vez mais se perpetua na ação escolar e que expõe, de forma cruel,
as crianças a processos contínuos de exclusão.
Para Forquin (1993, p. 169):
Outro ponto a ser destacado é que as culturas não estão em um nível de inter-
relação entre os saberes das escolas e os das comunidades indígenas. Estudos teóricos a
respeito da cultura sugerem que sejam deixadas de lado as definições de cultura
configuradas como sistemas fechados e que, no lugar delas, os conceitos sejam
trabalhados com base em processos de circulação de significados, o que se constitui um
grande desafio para as escolas.
Pensando no contexto amazônico, seria um grande equívoco tratar as culturas
indígenas como se fossem homogêneas e fechadas em si mesmas, sendo apenas
diferenciadas por sua entrada no cenário histórico. Uma das consequências desse
equívoco ocorre quando essa concepção naturalizada de cultura se encaixa com exatidão
na representação do senso comum sobre os índios, que é a de um indivíduo que vive na
selva, utiliza técnicas rudimentares e possui instituições mais primitivas, sendo ele
pouco distanciado da natureza. É, no entanto, essa representação que habita o
imaginário das manifestações artísticas, os estatutos legais, a política indigenista e
mesmo os mecanismos oficiais de proteção e assistência aos índios.
Neste sentido, o fato de muitas etnias virem morar nas cidades tem sido
equivocadamente compreendido como um indicador do desejo dos indígenas de não
conservação de sua condição étnica, deduzindo-se automaticamente a renúncia à
proteção já garantida pela legislação. Essa compreensão não leva em conta toda uma
série de processos históricos de opressão e discriminação e gera espaço para novos tipos
de preconceitos, ainda não devidamente tratados pela legislação brasileira. Em geral, a
tentativa dos indígenas da cidade de fazer valer os seus direitos resulta em tipos
diversos de preconceito e discriminação, que consistem em desqualificar suas
pretensões aos lhes negar a condição de indígenas e, mesmo que haja esse
reconhecimento, sem traduzi-las em garantia dos direitos correspondentes e de práticas
escolares coerentes com seus processos próprios de aprendizagem.
Em se tratando mais especificamente da questão das fronteiras como elementos
capazes de aproximar tais culturas, o que se percebeu nas escolas pesquisadas é a
intensificação da diferença, da construção de mecanismos pedagógicos que excluem
totalmente a possibilidade de um diálogo intercultural, onde os saberes das crianças
198
148
148
Créditos: Foto tirada pelo pesquisador durante a pesquisa de campo na comunidade Sateré-Mawé.
201
Tais razões podem explicar a importância que este povo dá às crianças e como
elas têm um papel fundamental na organização de suas comunidades, participando
efetivamente das atividades cotidianas do grupo e contribuindo para a consolidação da
alteridade étnica desse povo. Logo, trabalhar com as crianças constitui um papel
fundamental para o conhecimento e o reconhecimento da forma de conceber o mundo a
partir do olhar dos adultos e, consequentemente, as ressignificações que são criadas
pelas crianças, principalmente no espaço urbano.
No decorrer de nosso trabalho etnográfico, constatamos que, mesmo diante de
todo um processo de urbanização, imposto pelo contexto da cidade, o grupo dos Sateré-
Mawé foi criando uma série de estratégias para garantir o sentido de pertença ao seu
grupo étnico e deixar fluir nas crianças esse sentido na vida cotidiana da comunidade e
nas relações que eles estabelecem com elas, transmitindo todo um arsenal a partir de sua
“cosmovisão de mundo que represente o Ser Sateré-Mawé”151.
Daí o fato de que o recurso atual às danças e às demonstrações públicas de
rituais e de festas, no mesmo modo que à produção artesanal, não constituiu, nem
unicamente, nem principalmente, uma maneira de sair temporariamente de condições
149
Bernal (2009).
150
Bernal (2009, p. 29).
151
Pereira (2003).
202
Do ponto de vista das sociedades indígenas, essa é uma discussão sem sentido,
pois a infância é um tempo-espaço da vida das crianças que deve ser vivido com toda a
intensidade. Os Sateré-Mawé fazem questão de deixar claro, em todas as situações
203
empíricas vivenciadas e na própria tradição desse povo, que é na infância que se forjam
os grandes valores da vida, e é na passagem da mesma para a fase adulta que os
aprendizados irão completar todo um conhecimento que as crianças adquiriram através
da transmissão dos valores pelos mais velhos e que, também, ressignificaram nas suas
construções simbólicas.
Porém, para as crianças do nosso caso em estudo: índias, Sateré-Mawé, que não
vivem na aldeia – espaço tradicional do qual estão bem próximas e ao mesmo tempo
distantes –, mas na cidade, e lá frequentam uma escola urbana do sistema tradicional, a
realidade se constitui de forma diferente destes valores de infância
Querem falar, mas o silêncio petrificou suas vozes; querem ser vistas, mas a
escuridão não permite que sejam enxergadas; querem dizer quem são, mas já estão
determinadas a seguir o curso da História: a dominação. Seria isto uma verdade
inquestionável? Talvez sim, se o processo de dizimação e branqueamento tivesse sido
completado. Mas elas sobreviveram e, na contramão deste genocídio programado, estão
a cada dia mais vivas e presentes no seio de suas comunidades, apesar dos severos
processos de subalternização ainda construídos nas relações sociais, como enfatiza Silva
(2006):
Desta maneira, o percurso construído para adentrarmos nos espaços das crianças
Sateré-Mawé pode ser caracterizado de duas formas. Uma primeira, comparando-o ao
encontro das águas dos Rios Negro e Solimões152, onde, apesar da aparente harmonia
existente, eles não se misturam E outra, que foi sendo construída na desconstrução da
152
O rio Amazonas é formado do encontro entre os rios Rio Solimões (uma água barrenta) e o Rio Negro
(água escura). A imagem que se vê da superfície é um belíssimo contraste de cores da água dos dois rios e
a instigante visão de um rio que se forma, mas não se mistura. A explicação para o fenômeno que gera
esse belo espetáculo pode estar nos fatores: densidade, temperatura e velocidade, muito diferenciadas
entre os dois rios. (Fonte: www.portalamazonia.com)
204
primeira, ou seja, uma constante possibilidade de partilhar experiências fez com que
adentrássemos nessas águas aparentemente separadas – por uma visão da superfície –
onde se confirmou que rios diferentes, culturas diferentes ou jeitos de compreender o
mundo diferentes podem se misturar, podem dialogar, podem interferir na forma de
pensar, de perceber e de enxergar um ao outro, dando-lhes possibilidades de “com-
viver”, como nos explicita Santos (2008, p. 31):
E “com-viver” com Taiz, Larissa, Kely, Talice, Emille, Raquel, Taíza, Nandria,
Laiz, Mateus, Gabriel, Késia, seus pais e os demais membros da comunidade
WAYKIHU representou mais do que um projeto de pesquisa, mais do que a escrita
desta tese. Representou um processo de humanização, de aquisição de valores muitas
vezes desprezados no seio do espaço acadêmico – ostentador de uma condição de
superioridade –, levando-nos a compreender que a vida é uma possibilidade de
enfrentamento de problemas tão complexos que, sem essa experiência, jamais teríamos
sido despertados a olhá-los de frente.
Lutar pelo direito de ser quem são, pela possibilidade de falar sua língua, pela
paixão de estar juntos uns com os outros, pelo prazer de dividir, mesmo sendo muito
pouco, pelo ato incondicional de cuidar e ser cuidado e, principalmente, pelo exercício
constante de ouvir e ser ouvido é um grande exemplo de vida legado a nós pelos Sateré-
Mawé e que, infelizmente, o nosso modelo de escola não conseguiu enxergar.
Assim, para Nascimento (2005, p. 06);
Uma evidência mediada pela oralidade, pelos mitos, pela imitação. Significa
abrir espaço para uma releitura da história, não mais contada só pelos livros,
mas contadas pelos mais velhos, pelos caciques rezadores. Significa, ainda,
produzir novos mapas, novos textos, novos conteúdos. Produção onde todos
(adultos e crianças) entram como autores, pesquisadores, mediadores do
diálogo intercultural.
Podemos, então, após todo esse processo vivido e de aproximação aos modos de
viver produzidos pelas crianças Sateré-Mawé na comunidade, e pelos processos
205
estratégias próprias e com a educação indígena, que as tradições do seu povo estejam
fortemente ligadas à vida das crianças.
Assim, apesar da cultura da infância indígena, cuja linguagem transita entre o dito
da cultura nativa e o dito legitimado socialmente determinado pela escola, estar no cerne
dessa contradição, a pesquisa demonstrou que as crianças, mesmo diante de todo o
aparato ideológico da escola, continuam vivendo intensamente a infância que o povo
Sateré-Mawé concebe e defende como fundamental a suas crianças.
As culturas da infância encontram-se nos limiares das “encruzilhadas”, pois essas
culturas possuem, antes de qualquer coisa, dimensões relacionais, estruturando-se
nessas relações formas e conteúdos representacionais distintos, mas que garantem o
papel fundamental das crianças Sateré-Mawé no seu processo de ressignificação e
reconstrução (PINTO e SARMENTO, 1997).
Na possibilidade de podermos contribuir efetivamente com essa contradição tão
presente entre escola e comunidade, optamos por estabelecer algumas indicações que
têm, como base de sustentação, todo o processo empírico da pesquisa vivenciada com as
crianças, com os demais membros da comunidade e ouvindo os mais velhos,
considerados os grandes sábios do povo Sateré-Mawé.
Talvez nossas proposituras esbarrem na própria lógica do conhecimento acadêmico,
mas ao nos propormos, no início da pesquisa, a ouvir as crianças, compreendendo-as
como agentes sociais, não poderíamos tomar outro caminho, pois se assim o fizéssemos
estaríamos contradizendo todo o corpo de análise que foi construído no interior da tese e
na maneira dos Sateré-Mawé em conceber o mundo.
Neste sentido, acreditamos que a escola urbana de educação infantil e dos anos
iniciais do ensino fundamental não é um privilegiado lócus de aprendizagens que
contribua com o conhecimento das crianças Sateré-Mawé, no sentido de resguardar sua
condição étnica. Ao contrário, nelas se reproduzem o ideal da infância burguesa e se
desqualifica todo o aparato de conhecimento que as crianças possuem.
No sentido que está posto o trabalho pedagógico das escolas pesquisadas, não
visualizamos possibilidades, pelo menos em curto prazo, de melhoria no fazer
educativo, que possam se pautar numa visão aberta ao diálogo com outros saberes no
sentido da concretização de uma pedagogia interdisciplinar, multicultural ou
intercultural. Mas, sim, de um espaço de exclusão, preconceitos e negação das
diferenças, principalmente olhando-se as relações estabelecidas com as crianças Sateré-
Mawé, ou melhor, relações para as crianças.
208
153
Feldman-Bianco; Ribeiro (2003).
209
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no Brasil hoje. Rio de Janeiro: Ed. Santa Úrsula, 1993. (p. 101-112).
154
(Créditos: Foto tirada por Talice (09 anos) uma das meninas que participou da pesquisa de campo na
comunidade Sateré-Mawé.)
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