Doença de Alzheimer
Doença de Alzheimer
Doença de Alzheimer
A DA faz parte do grupo das mais importantes doenças comuns aos idosos que
acarretam declínio funcional progressivo e perda gradual da autonomia, que, por
decorrência, ocasionam, nos indivíduos por elas afetados, uma dependência total de
outras pessoas.
Na DA, esse processo se evidencia a partir da deterioração das funções cognitivas, do
comprometimento para desempenhar atividades de vida diária e da ocorrência de
uma variedade de distúrbios de comportamento e de sintomas neuropsiquiátricos.
1. NEUROPATOLOGIA
Os principais achados neuropatológicos encontrados na DA são a perda neuronal e a
degeneração sináptica intensas, com acúmulo e deposição no córtex cerebral de 2
lesões principais: placas senis ou neuríticas (PS) e emaranhados neurofibrilares (ENF).
As PS são lesões extracelulares formadas de débris e restos celulares com um núcleo
central proteico sólido constituído pelo peptídio beta-amiloide (Aβ).
O peptídio Aβ é originado a partir da clivagem proteolítica de uma proteína precursora
maior, a proteína precursora de amiloide (APP). Em situações fisiológicas, a APP é
clivada pela ação da enzima alfassecretase (α-secretase), entre os resíduos de lisina
681 e leucina 682 na extensão da sequência Aβ excluindo-se, dessa forma, a
possibilidade de formação de Aβ intacto. A APP é então transformada em fragmentos
menores sem ação tóxica para o sistema nervoso central.
Na DA, ocorre uma liberação do peptídio Aβ da APP a partir de outras vias de
processamento alternativas e anormais envolvendo a ação consecutiva das atividades
das enzimas betassecretase (β- secretase) e gamassecretase (γ-secretase), por meio de
um processo denominado endoproteólise.
Além dos peptídios Aβ40 e Aβ42 e das fibrilas amiloides, evidencia-se na DA a
presença de peptídios menores, que são fragmentos dos peptídios de 40/42
aminoácidos. Esses peptídios denominados oligômeros são pequenos agregados
solúveis. Os oligômeros solúveis apresentam efeitos deletérios sobre os neurônios e as
sinapses (afetam a potenciação a longo prazo) e estão presentes bem antes do
desenvolvimento das placas em animais transgênicos, constituindo mais de 60% dos
depósitos de amiloides presentes nas fases iniciais da DA. Suas concentrações
correlacionam-se com o comprometimento cognitivo.
Os ENF são inclusões intraneurais compostas de bandas de elementos citoesqueléticos
anormais medindo 20 nm de diâmetro com constrições regulares a cada 80 nm,
denominados filamentos helicoidais pareados insolúveis (FHP).
Em condições fisiológicas, essa proteína fornece estabilidade ao sistema de
microtúbulos no interior dos neurônios, responsável pelo transporte de substâncias do
corpo celular para a terminação sináptica. Os microtúbulos são formados por duas
proteínas (α e β-tubulinas), que se mantêm estáveis por meio das pontes de proteína
tau presentes nas células. Na DA, por motivos ainda desconhecidos, ocorre um
processo de fosforilação anormal que, por consequência, leva à instabilidade das
tubulinas, ocasionando edema e distrofia dos microtúbulos e, por fim, a morte
neuronal.
Embora as PS e os ENF possam ser encontrados no envelhecimento normal sem
demência e a sua presença isolada não seja suficiente para o diagnóstico, a densidade
de ambos é muito mais alta em pacientes com a DA do que seria esperado em pessoas
da mesma idade com função cognitiva preservada.
Apesar de algumas divergências entre as várias correntes de pesquisa que buscam o
entendimento da influência das PS e dos ENF na fisiopatologia da DA, existe um
consenso cumulativo de que a produção e o acúmulo do peptídio Aβ tenham papel
central na patogênese da DA.
Nesse sentido, Cummings (2004) listou as seguintes evidências:
as mutações da APP causam a forma familial de início precoce da DA;
todas as mutações atualmente conhecidas aumentam a produção de Aβ;
os indivíduos portadores de síndrome de Down com trissomia do cromossomo
21 com três cópias da APP apresentam características neuropatológicas da DA,
a qual se desenvolve na meia-idade;
a neurotoxicidade de Aβ in vitro leva à morte celular;
a expressão aumentada de APP em modelos de camundongos transgênicos
resulta em PS similares àquelas encontradas em humanos com a DA;
os camundongos transgênicos com expressão aumentada de APP apresentam
evidências de déficits de memória e aprendizado em consonância com o
volume de acúmulo de Aβ;
o genótipo ApoE ε4 relaciona-se com uma aceleração do depósito de amiloide;
a geração de anticorpos antiamiloide em humanos com a DA abranda o
processo de evolução da doença.
2. QUADRO CLÍNICO
Evidências de esquecimento aparente (p. ex., pacientes demasiadamente repetitivos
durante a conversação, inobservantes quanto à marcação de consultas e
frequentemente confusos quanto ao uso correto da medicação) e alterações
psicológicas, de personalidade e no cuidado pessoal adequado podem ser as primeiras
pistas para a detecção da deterioração cognitiva.
A DA se inicia, frequentemente, após os 60 anos de idade, apesar de raros casos
descritos em pessoas com até 30 anos de idade. De forma simplificada, a
sintomatologia da demência da DA pode ser descrita utilizando-se um modelo de 3
estágios de Cummings e Benson (1992).
A dificuldade de precisar a data de início da doença é notória. A piora progressiva dos
sintomas ocorre de forma gradual e contínua, em geral, em um período de 8 a 12 anos.
Existe, todavia, grande variabilidade na velocidade de progressão da demência da DA,
desde períodos muito curtos (2 anos) a períodos muito longos (25 anos). Os fatores
que afetam a sobrevida são: idade, gênero e gravidade da demência.
A fase inicial da demência da DA dura, em média, de 2 a 3 anos e é caracterizada por
sintomas vagos e difusos, que se desenvolvem insidiosamente. O comprometimento
da memória é, em geral, o sintoma mais proeminente e precoce, principalmente de
memória declarativa episódica. Os déficits de memória de evocação nas fases iniciais
dizem respeito principalmente à dificuldade para recordar datas, compromissos,
nomes familiares e fatos recentes, e podem vir acompanhadas de incapacidade para
reconhecer o estado de doença ou de falta de consciência do déficit cognitivo
(anosognosia). Alguns indivíduos apresentam alterações de linguagem precocemente,
tais como dificuldade para encontrar palavras. Existem dificuldades frequentes no
trabalho, para lidar com situações complexas e para o aprendizado de fatos novos. Em
geral, perdem objetos pessoais, tais como chaves e carteiras, e seesquecem dos
alimentos em preparo no fogão. Há desorientação progressiva com respeito ao tempo
e ao espaço. Os problemas espaciais e de percepção podem manifestar-se por
dificuldades para reconhecer faces e de se deslocar em trajetos familiares. Em um
número variável de casos, indivíduos com demência podem também se apresentar, no
início, com perda de concentração, desatenção, perda de iniciativa, retraimento social,
abandono dos passatempos, mudanças de humor (depressão), apatia, alterações de
comportamento (p. ex., explosões de raiva, ansiedade, irritabilidade e hiperatividade)
e, mais raramente, com ideias delirantes (p. ex., paranoides, erros de identificação
com relação a pessoas, lugares e objetos, delírio de ciúmes [síndrome de Otelo], delírio
do impostor idêntico [síndrome de Capgras]).
A fase intermediária da demência da DA, cuja duração varia entre 2 e 10 anos, é
caracterizada por deterioração mais acentuada dos déficits de memória e pelo
aparecimento de sintomas focais, que incluem afasia, apraxia, agnosia, alterações
visuoespaciais e visuoconstrutivas. Os distúrbios de linguagem, inicialmente
caracterizados pela dificuldade de nomeação, progridem com dificuldades de acesso
léxico, empobrecimento do vocabulário, parafasias semânticas e fonêmicas,
perseverações, circunlóquios, perda de conteúdo e dificuldade de compreensão. A
apraxia é, sobretudo, ideatória e ideomotora.
Com o progredir do declínio cognitivo, a capacidade de aprendizado fica seriamente
alterada, e a memória remota é também comprometida. O julgamento torna-se
alterado, estando o paciente, com frequência, alheio aos seus déficits, tornando-se
notórias as dificuldades para a realização de tarefas complexas. A capacidade para
realizar cálculos, fazer abstrações, resolver problemas, organizar, planejar e realizar
tarefas em etapas (funcionamento executivo) torna-se seriamente afetada.
Nessa fase também podem ocorrer sintomas motores extrapiramidais, com a alteração
da postura e da marcha, o aumento do tônus muscular e outros sinais de
parkinsonismo que poderão agravar ainda mais o declínio funcional.
Os sintomas neuropsiquiátricos não cognitivos são conhecidos como sintomas
psicológicos e do comportamento das demências, também definidos pela sigla BPSD
(behavioral and psychological symptoms of dementia). Dentre eles, a agitação, a
perambulação, a agressividade, os questionamentos repetidos, as reações
catastróficas, os distúrbios do sono e a “síndrome do entardecer” são alguns exemplos
comuns de alterações do comportamento que estão presentes mais comumente de
forma variável a partir dessa fase da doença, podendo o convívio social ainda estar
relativamente preservado.
Os sintomas “psicológicos”, tais como apatia, ansiedade, depressão, ideias delirantes,
alucinações – sobretudo as visuais, erros de identificação (p. ex., considerando pessoas
familiares desconhecidas e vice-versa), ideias paranoides, principalmente
persecutórias (p. ex., acreditar que foi roubado), também são frequentes.
Na fase avançada da demência da DA, com duração média de 8 a 12 anos, e no estágio
terminal, todas as funções cognitivas estão gravemente comprometidas, havendo, até
mesmo, dificuldades para reconhecer faces e espaços familiares. Devido à perda total
da capacidade para realizar atividades da vida diária, os pacientes tornam-se
totalmente dependentes. As alterações de linguagem agravam-se progressivamente,
ficando evidentes as dificuldades para falar sentenças completas e compreender
comandos simples. Quando há redução drástica da fluência, os pacientes passam a
comunicar-se somente por meio de ecolalias, vocalizações inarticuladas, sons
incompreensíveis e jargões semânticos, até alcançarem o mutismo. Ficam acamados,
com incontinência urinária e fecal. A morte sobrevém, em geral, como complicação da
síndrome de imobilismo em decorrência de septicemia causada por pneumonia,
infecção urinária e úlceras de pressão.
Vários instrumentos foram propostos para a identificação e para a avaliação dos
diversos estágios de evolução da DA. Existe o FAST (functional assessment stages in
Alzheimer’s disease), contemplando 16 estágios e subestágios de progressão funcional
que estão sumarizados no Quadro15.1.
Outro instrumento global de classificação funcional da demência em estágio é o CDR
(clinical dementia rating). Essa escala incorpora seis domínios a serem avaliados por
entrevista semiestruturada: memória, orientação, julgamento e solução de problemas,
relacionamento social e desempenho em atividades fora do domicílio, passatempos e
atividades no domicílio, cuidados pessoais. A classificação pela CDR é considerada
como um método confiável para avaliações quantitativas de acordo com a gravidade
da doença em períodos de 1 ano ou mais, por meio da avaliação longitudinal dos seus
escores finais: 0; 0,5; 1; 2 e 3.
3. DIAGNÓSTICO
Em termos práticos, para o estabelecimento do diagnóstico da demência da DA, o
primeiro passo é a confirmação da demência. Para tanto, é fundamental considerar os
critérios propostos para esse diagnóstico e o diferencial com as demais condições
clínicas, neurológicas e psiquiátricas que podem apresentar-se, de início, com quadro
clínico semelhante às demências.
Demência pode ser definida como uma síndrome caracterizada pelo
comprometimento de múltiplas funções corticais superiores. Nos déficits cognitivos,
incluem-se os da memória, do pensamento, da orientação, da compreensão, da
linguagem, do cálculo, da capacidade de aprendizagem, do pensamento abstrato e do
julgamento. A deterioração não é necessariamente difusa nem global, e, com
frequência, múltiplos domínios cognitivos são afetados enquanto outros se mantêm
preservados. O comprometimento dessas funções, em geral, é acompanhado e, às
vezes, antecedido por alterações psicológicas, do comportamento e da personalidade.
Para o diagnóstico de demência, é essencial que os déficits causem significativo
comprometimento nas atividades profissionais, ocupacionais e sociais do indivíduo e
representem declínio significativo com relação aos níveis prévios de funcionamento,
na ausência de alterações de consciência. Nessa definição estão excluídos os déficits
intelectuais preexistentes (p. ex., deficiência intelectual), o delirium e as condições que
possam impedir uma avaliação clínica adequada (p. ex., afasia grave, déficits
sensoriais).
Os requisitos mínimos para o diagnóstico de demência, independentemente da
etiologia, estão descritos na 10a versão da Classificação Internacional de Doenças (CID-
10) da Organização Mundial da Saúde (Quadro 22.2).
Para o diagnóstico diferencial, é importante considerarmos várias outras condições
que podem apresentar-se, de início, com quadro clínico semelhante às demências, nas
quais se incluem a cognição normal no declínio cognitivo associado ao
envelhecimento, o estado confusional agudo (delirium), os transtornos psiquiátricos
funcionais (depressão maior, esquizofrenia), o comprometimento cognitivo leve, a
deficiência intelectual e os transtornos específicos de aprendizagem e outros
transtornos do neurodesenvolvimento.
Nessa relação, merecem destaque o delirium e a depressão. O delirium é uma
síndrome adquirida, com redução do estado de alerta, de percepção, da habilidade de
manter e de desviar a atenção de forma apropriada. Como as demências, o delirium é
caracterizado por comprometimento cognitivo global. Seu início, entretanto, é súbito,
e seu curso apresenta flutuações marcantes do déficit cognitivo ao longo do dia, com
alternância do estado de consciência, da cognição, da atenção e de alterações do ciclo
do sono. Alucinações visuais e ideias delirantes são comuns. Condições médicas, como
infecções, condições tóxicas e metabólicas, são causas típicas do delirium.
A demência e o delirium frequentemente coexistem particularmente em pacientes
hospitalizados, e a demência é um fator de risco para o delirium. A presença do
delirium no idoso impõe a necessidade de uma reavaliação rigorosa das funções
cognitivas, após o término de um episódio dessa doença. Algumas características úteis
para a distinção entre delirium e doença de Alzheimer estão descritas no Quadro 22.3.