Determinismo e Livre Arbítrio
Determinismo e Livre Arbítrio
Determinismo e Livre Arbítrio
Uma acção é uma interferência consciente e voluntária de um sujeito ou agente o que implica
consciência e intenção (vontade); designa-se acto voluntário o acto que se realiza de forma
consciente e intencional, é um acto humano porque nele se define o agente da acção e deriva
naturalmente de algo especificamente humano: a sua motivação, a sua intenção, a sua decisão e
poder de agir. Nem tudo o que acontece é uma acção, ou seja, se todas as acções são acontecimentos,
nem todos os acontecimentos são acções. Um furacão, uma tempestade são acontecimentos e neles
não intervêm nenhum sujeito humano, são algo que acontece.
Toda e qualquer acção envolve um agente e tem nele a sua origem. Esta é uma condição necessária
para haver acção. Mas não é uma condição suficiente. Imagina que alguém rouba um relógio valioso
de uma ourivesaria – essa pessoa fez algo, fez com que algo acontecesse. Mas essa pessoa sofre de um
distúrbio – age compulsivamente – é cleptomaníaca – rouba porque não pode evitar roubar.
Então, não estamos perante uma acção porque o que o agente fez não resultou da sua vontade,
mas sim de uma força interna que o compeliu a fazer o que fez. Para que aquilo que o agente faz
seja uma acção tem de ter origem na sua vontade e intenção consciente.
Uma acção é um comportamento desencadeado, dirigido e controlado pelo agente. O que fazemos
involuntariamente – de forma consciente ou inconsciente – não é uma acção.
Não são acções os actos irreflectidos, condicionados ou impulsivos; não são acções os actos inconscien-
tes; não são acções os actos involuntários, ou seja, aqueles a que não preside uma intenção consciente.
Não são acções, os actos realizados por coacção ou necessidade, não são acções os actos que não são
livres.
A intenção é o propósito ou o objectivo da acção – se não há intenção não há acção; explicar uma
acção é indicar a sua causa, a causa de uma acção é a intenção com que o agente a realiza.
A deliberação é um processo reflexivo que em princípio, ou seja, em muitos casos, antecede a
decisão. Orientados por determinadas razões ponderamos qual a melhor opção a tomar entre várias
alternativas possíveis; ao deliberar ponderamos os pró e contras da decisão que vamos tomar.
A decisão é um acto que resulta frequentemente de um processo denominado deliberação. A decisão
incide no que é possível ao agente, no que está ao seu alcance e é realizável.
Agir livremente é agir sem ser coagido por factores internos ou externos que tornem a minha acção de
certo modo inevitável (caprichos, impulsos, obsessões, necessidades…) Uma acção livre não é uma
acção realizada por coacção. Agir livremente é realizar uma acção tendo podido não a realizar
ou realizar outra - é aquela em que depende só de mim praticar ou não a acção, optar por outra acção
ou não, ou seja, a decisão sobre o que fazer é por mim controlada.
O problema do livre arbítrio é assim apresentado: será que escolhemos realmente o que fazemos ou
as nossas acções são causadas por factores que não controlamos? Qual a razão de ser deste
problema, por que surge? O livre arbítrio é um problema filosófico porque nos obriga a reflectir
acerca da acção, ou seja, apesar de acreditarmos que escolhemos o que realmente fazemos,
também somos profundamente influenciados pela explicação científica da natureza e do mundo
físico. Ora, esta explicação baseia-se no determinismo: na crença de que tudo na natureza e no
universo é determinado e por isso as acções humanas também são determinadas. O determinis-
mo considera que tudo é determinado por acontecimentos anteriores ou que o estado de coisas actual
do mundo resulta necessariamente, segundo as leis da natureza, de um estado de coisas anterior que é
a sua causa. O que é uma cadeia causal? É uma sequência causal necessária que consiste na
relação de dependência necessária entre acontecimentos que se vão sucedendo. Ex: aquecimento
global – derretimento das calotas polares e glaciares do Árctico – grandes quantidades de água doce no
Atlântico Norte – interrupção da corrente do Golfo – invernos rigorosos na Europa De modo semelhan-
te, as nossas escolhas, decisões e acções não são mais do que efeitos inevitáveis do funciona-
mento do nosso cérebro, do nosso património genético, da educação, das condições históricas,
etc.
Mas há uma implicação moral decorrente da afirmação do determinismo radical que é esta: se tudo na
natureza e no universo é determinado, se as acções humanas se inscrevem na ordem da natureza e das
leis físicas, então não havendo liberdade, não pode haver responsabilidade. Quem não age
livremente não pode ser responsabilizado pelos seus actos; anula-se o sentido ético e moral da
acção. Os seres humanos quando agem não se assumem verdadeiramente como agentes morais porque
não podem verdadeiramente ser responsabilizados pelo que fizeram uma vez que não há liberdade e
tudo ocorre de acordo com uma sequência causal de eventos. O determinismo acaba por negar a
responsabilidade moral e o sentido moral da acção. Daí a crítica que se lhe faz: não é possível
construir a vida social sem a ideia de responsabilidade moral.
Isto leva a outro problema: em que condições é que um agente pode ser considerado moralmente
responsável por uma dada acção ou acontecimento? Pode ser considerada moralmente responsável
por um acontecimento quando podia não ter feito o que fez, quando é livre, quando escolheu realizar
uma acção quando podia não o ter feito ou ter feito de outra maneira. Em último caso, negar a
liberdade humana é anular qualquer efeito de pena ou castigo ou punição porque o sujeito nunca
pode ser culpado por ter agido como agiu porque na verdade como pode ser responsabilizado?
De forma radical, o determinismo assim entendido desafia as nossas mais básicas convicções morais: se
não há liberdade e tudo é determinado que diferença haverá entre a pessoa mais altruísta e generosa e
o criminoso vil?
Um determinista moderado afirma que há actos livres quando estes resultam dos estados internos
do sujeito: resultam da sua vontade, da sua personalidade moral, dos seus desejos e crenças. Ex: vou
conhecer o oriente porque tenho um grande fascínio pela religião e filosofia orientais. Um determinista
moderado afirma que não há actos livres quando as acções resultam de causas externas ou são por
estas condicionadas: Ex: sendo refém de alguém sou obrigada a praticar um acto que de outro modo
nunca faria.
Se as causas de uma acção estão em mim então são livres; se as causas da minha acção não têm
em mim a sua origem então não são livres.
Crítica ao determinismo moderado: não é muito claro na distinção entre acções livres e acções
condicionadas; não explica muito bem até que ponto as nossas acções podem ser livres se todos nós
vivemos em condições (históricas, culturais, sociológicas, morais e educacionais) que nos condicionam.
A causalidade externa não pode ser o único critério para distinguir acções livres de não livres – sendo
eu refém de alguém posso internamente decidir que prefiro morrer do que praticar dado acto a que me
obrigam.
Libertismo: Segundo o libertismo, as acções do ser humano decorrem das suas deliberações e
não são necessariamente causadas por acontecimentos anteriores.
O libertismo defende que as nossas escolhas e acções são livres se não forem mais um elo numa longa
cadeia de causas e efeitos, ou seja, defende que as nossas acções são livres se desencadearem uma
nova cadeia causal de acontecimentos. Não somos controlados por ela. O passado não tem de pesar de
forma esmagadora sobre as nossas acções.
As deliberações do sujeito produzem efeitos. Ex: no 9ºAno, decido ir para Humanidades; concluo o
12ºano porque decido prosseguir os estudos no ensino superior – escolho o curso de Filosofia e a seguir
decido fazer o mestrado, concorro a um lugar no ensino para uma escola no Porto e fiquei lá colocada.
Segundo um libertista esta decisão não é um efeito necessário de uma causa anterior – concluir o
9ºano não conduz necessariamente à frequência de Humanidades ou a Filosofia ou a ir trabalhar para
o Porto. Depende apenas da minha decisão livre. Aliás, em cada momento do percurso há
deliberações e decisões que interrompem uma sequência causal e iniciam outra.
O libertismo é incompatível com o determinsmo - os libertistas alteram o significado e a amplitude
do conceito de causa – não podemos pensar na ideia de causa apenas ao nível dos fenómenos físicos
como pretendiam os deterministas, ou seja, uma coisa é a causalidade dos acontecimentos, outra é a
causalidade da vontade dos agentes. A causalidade dos acontecimentos significa que um
acontecimento ou fenómeno natural ocorre antes de outro e causa necessariamente o acontecimento
seguinte. A causalidade dos agentes ocorre quando algo resulta da vontade de um agente. Assim, é
diferente o vidro ser partido com uma pedrada do Manel ou ser partido por uma forte rajada de vento.
Nem todos os acontecimentos do universo são o efeito do tipo de causas estudadas pelos físicos
e biólogos. Os seres humanos têm um estatuto diferente e nem todas as suas acções seguem as leis
que regem o comportamento das plantas, dos animais ou dos minerais. Não escolho livremente
padecer de uma doença grave ou ter a tensão arterial elevada ou respirar ou cumprir a lei da gravidade
mas escolho livremente ir para Filosofia ou Matemática, ler um livro ou ir ao cinema. Embora estas
acções sejam influenciadas por vários factores não são causalmente determinadas, necessari-
amente, por condições anteriores.
Conclusão: o libertismo é a teoria que defende a existência de livre – arbítrio porque defende que,
pelo menos algumas das nossas acções, não estão causalmente determinadas. Segundo esta teoria, as
escolhas humanas não são causadas da mesma forma que outros acontecimentos do mundo.
Contraposição