Liberdade Religiosa

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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 187

26/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


RECTE.(S) : MARGARETE DA SILVA MATEUS
ADV.(A/S) : PATRICIA CONCEICAO MORAIS
RECDO.(A/S) : MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO DE SÃO
BERNARDO DO CAMPO
AM. CURIAE. : CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS EM DIREITO E
RELIGIÃO
ADV.(A/S) : ANAISA ALMEIDA NAVES SORNA
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO ISRAELITA DO BRASIL -CONIB
ADV.(A/S) : FERNANDO KASINSKI LOTTENBERG
ADV.(A/S) : RONY VAINZOF
ADV.(A/S) : ANDREA VAINER
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS
EVANGÉLICOS - ANAJURE
ADV.(A/S) : LUIGI MATEUS BRAGA
ADV.(A/S) : UZIEL SANTANA DOS SANTOS
ADV.(A/S) : ACYR DE GERONE
ADV.(A/S) : RAÍSSA PAULA MARTINS

EMENTA: CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL.


LIBERDADE RELIGIOSA. OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA. DEVER DO
ADMINISTRADOR DE OFERECER OBRIGAÇÃO ALTERNATIVA
PARA CUMPRIMENTO DE DEVERES FUNCIONAIS. RECURSO
PROVIDO.
1. O princípio da laicidade não se confunde com laicismo. A
separação entre Igreja e Estado não pode, portanto, implicar o isolamento
daqueles que guardam uma religião à sua esfera privada. A neutralidade
estatal não se confunde com indiferença religiosa. A indiferença gera
posição antirreligiosa contrária à posição do pluralismo religioso típica de
um Estado Laico.
2. O princípio da laicidade estatal deve ser interpretado de forma a
coadunar-se com o dispositivo constitucional que assegura a liberdade

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religiosa, constante do art. 5º, VI, da Constituição Federal.


3. O direito à liberdade religiosa e o princípio da laicidade estatal
são efetivados na medida em que seu âmbito de proteção abarque a
realização da objeção de consciência. A privação de direito por motivos
religiosos é vedada por previsão expressa na constituição. Diante da
impossibilidade de cumprir obrigação legal imposta a todos, a restrição
de direitos só é autorizada pela Carta diante de recusa ao cumprimento
de obrigação alternativa.
4. A não existência de lei que preveja obrigações alternativas não
exime o administrador da obrigação de ofertá-las quando necessário para
o exercício da liberdade religiosa, pois, caso contrário, estaria configurado
o cerceamento de direito fundamental, em virtude de uma omissão
legislativa inconstitucional.
5. Tese aprovada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal: “Nos
termos do art. 5º, VIII, da CRFB, é possível a Administração Pública,
inclusive em estágio probatório, estabelecer critérios alternativos para o
regular exercício dos deveres funcionais inerentes aos cargos públicos, em
face de servidores que invocam escusa de consciência por motivos de
crença religiosa, desde que presente a razoabilidade da alteração, não se
caracterize o desvirtuamento no exercício de suas funções e não acarrete
ônus desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de
maneira fundamentada".
6. Recurso extraordinário provido para conceder a segurança.

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ARE 1099099 / SP

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do


Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do
Ministro Luiz Fux, na conformidade da ata de julgamento e das notas
taquigráficas, por maioria de votos, apreciando o tema 1.021 da
repercussão geral, em dar provimento ao recurso extraordinário, nos
termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Dias Toffoli, Nunes
Marques, Gilmar Mendes e Marco Aurélio. Em seguida, por maioria, foi
fixada a seguinte tese: “Nos termos do artigo 5º, VIII, da Constituição
Federal, é possível à Administração Pública, inclusive durante o estágio
probatório, estabelecer critérios alternativos para o regular exercício dos
deveres funcionais inerentes aos cargos públicos, em face de servidores
que invocam escusa de consciência por motivos de crença religiosa, desde
que presentes a razoabilidade da alteração, não se caracterize o
desvirtuamento do exercício de suas funções e não acarrete ônus
desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira
fundamentada”, vencidos os Ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio,
Gilmar Mendes e Nunes Marques. Nesta assentada o Ministro Ricardo
Lewandowski reajustou seu voto.

Brasília, 26 de novembro de 2020.

Ministro EDSON FACHIN


Relator
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18/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


RECTE.(S) : MARGARETE DA SILVA MATEUS
ADV.(A/S) : PATRICIA CONCEICAO MORAIS
RECDO.(A/S) : MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO DE SÃO
BERNARDO DO CAMPO
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EVANGÉLICOS - ANAJURE
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RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR): Trata-se de recurso


extraordinário com agravo interposto contra decisão do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, assim ementada (eDOC 5, p. 115):

MANDADO DE SEGURANÇA. PROFESSOR.


EXONERAÇÃO. Admissibilidade. Impetrante que cometeu 90
(noventa) faltas injusticadas durante o período de estágio
probatório, em razão de suas convicções religiosas. Ausência de
violação a direito líquido e certo. Dever de assiduidade não
cumprido. Mero decurso do prazo trienal que, por si só, não
defere ao servidor o direito à estabilidade, sendo necessária a
aprovação na avaliação do estágio probatório. Art. 41, § 4º, da

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CF. Sentença mantida. Recurso conhecido e não provido.

No recurso extraordinário, interposto com base no art. 102, III, “a”,


do permissivo constitucional, aponta-se ofensa aos artigos 5º, VI e VIII
(liberdade de consciência e crença) e 41 (estabilidade) da Constituição
Federal; ao artigo 18 do Pacto Sobre Direitos Civis e Políticos e artigo 12
do Pacto de São José da Costa Rica. Transcrevo:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
(…)
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença,
sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a
suas liturgias;
(…)
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de
crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se
as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e
recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

Art. 41. São estáveis, após dois anos de efetivo exercício,


os servidores nomeados em virtude de concurso público.
§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo em
virtude de sentença judicial transitada em julgado ou mediante
processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla
defesa.
§ 2º Invalidada por sentença judicial a demissão do
servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da
vaga reconduzido ao cargo de origem, sem direito a
indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em
disponibilidade.
§ 3º Extinto o cargo ou declarada sua desnecessidade, o

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servidor estável ficará em disponibilidade remunerada, até seu


adequado aproveitamento em outro cargo.

Artigo 18
1. Toda pessoa terá direito a liberdade de pensamento, de
consciência e de religião. Esse direito implicará a liberdade de
ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a
liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou
coletivamente, tanto pública como privadamente, por meio do
culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino.
2. Ninguém poderá ser submetido a medidas coercitivas
que possam restringir sua liberdade de ter ou de adotar uma
religião ou crença de sua escolha.
3. A liberdade de manifestar a própria religião ou crença
estará sujeita apenas à limitações previstas em lei e que se
façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde
ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais
pessoas.
4. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a
respeitar a liberdade dos pais e, quando for o caso, dos tutores
legais - de assegurar a educação religiosa e moral dos filhos que
esteja de acordo com suas próprias convicções.

Artigo 12 - Liberdade de consciência e de religião


1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de
religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua
religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças,
bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou
suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público
como em privado.
2. Ninguém pode ser submetido a medidas restritivas que
possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas
crenças, ou de mudar de religião ou de crenças.
3. A liberdade de manifestar a própria religião e as
próprias crenças está sujeita apenas às limitações previstas em
lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a

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ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as


liberdades das demais pessoas.
4. Os pais e, quando for o caso, os tutores, têm direito a
que seus filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral
que esteja de acordo com suas próprias convicções.

Nas razões recursais, requer-se a anulação da exoneração, por


reprovação em estágio probatório. Sustenta-se que “basear uma
exoneração tão somente no fato da Recorrente guardar sua consciência
religiosa e não laborar às sextas feiras em horário noturno, colocando-se à
disposição em horários alternativos, é uma afronta direta a nossa Magna
Carta, o que não se pode admitir”.

Argui-se que houve violação aos princípios da proporcionalidade e


da razoabilidade no ato de exoneração, indicando-se que as avaliações
realizadas pelos supervisores do estágio probatório apontaram para a
aprovação e nomeação definitiva. Por fim, afirma-se que (eDOC 6, p. 25):

Da leitura dos preceitos normativos conclui-se que ao


Estado Brasileiro é expressamente proibido outorgar privilégios
que indiquem preferência, dos responsáveis pela condução dos
negócios públicos, em favor desta ou daquela orientação
religiosa.
De outro giro, ao Estado é imposta a obrigação negativa
de não impedir a profissão de quaisquer tipos de fé religiosa,
inclusive garantindo o direito de manifestação da própria
crença, em público ou em privado.

O Plenário Virtual deste Supremo Tribunal Federal reconheceu por


unanimidade, a existência de repercussão geral da questão constitucional
suscitada. O acórdão foi assim ementado (eDOC 11):

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO.


LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E CRENÇA. ADVENTISTA

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DO SÉTIMO DIA. MAGISTÉRIO. JORNADA NOTURNA.


SEXTA-FEIRA. CUMPRIMENTO DE CARGA HORÁRIA.
REPROVAÇÃO EM ESTÁGIO PROBATÓRIO.
1. É dotada de repercussão geral a questão constitucional
referente à objeção de consciência, por motivos religiosos, como
justificativa para gerar dever do administrador de
disponibilizar obrigação alternativa para servidores públicos,
em estágio probatório, cumprirem seus deveres funcionais.
2. Repercussão geral da questão constitucional
reconhecida.

Foram admitidos neste feito o Centro Brasileiro de Estudos em


Direito e Religião (CEDIRE), a Confederação Israelita do Brasil (CONIB) e
a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE) na condição
de amici curiae, nos termos do art. 138 do CPC.

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do


recurso, em parecer assim ementado (eDOC 26):

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.


ADMINISTRATIVO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 1.021.
SERVIDOR PÚBLICO. MAGISTÉRIO. ESTÁGIO
PROBATÓRIO. CARGA HORÁRIA. DESCUMPRIMENTO.
REPROVAÇÃO. OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA. ADVENTISTA
DO SÉTIMO DIA. LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E
CRENÇA. PROVIMENTO.
1. Recurso extraordinário com agravo, leading case do
Tema da sistemática da repercussão geral: “dever do
administrador público de disponibilizar obrigação alternativa
para servidor em estágio probatório cumprir deveres funcionais
a que está impossibilitado em virtude de sua crença religiosa.”
2. O Estado há de proteger a diversidade em suas
múltiplas formas de expressão, dentre as quais se inclui o
direito de o indivíduo adotar conduta compatível com suas
convicções, desde que não se revele antissocial, tendo em conta
ser a liberdade de consciência e crença inviolável, conforme

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previsto no art. 5º, VI, da CF.


3. A permissão de obrigação alternativa para que
servidores públicos cumpram seus deveres funcionais, dentro
de limites de adaptação razoável, após manifestação prévia e
fundamentada de objeção de consciência por motivos
religiosos, representa a viabilidade de concretização de
liberdade religiosa sem prejuízo do exercício de outros direitos
fundamentais (no caso, a educação e o trabalho) e impede a
ocorrência de impactos desproporcionais sobre determinados
grupos religiosos de normas aparentemente neutras.
4. A necessidade de regular procedimento administrativo
permite que sejam ponderados, diante das obrigações
profissionais postas no caso concreto, os limites e as exigências
da objeção de consciência, coordenados com os deveres
inafastáveis do servidor público, viabilizando o controle do ato
por parte do Judiciário e da própria sociedade, destinatária
última da coisa pública.
5. Propostas de teses de repercussão geral:
I - A objeção de consciência, por motivos religiosos,
previamente apresentada e devidamente fundamentada pelo
professante, é justificativa para gerar dever do administrador
de disponibilizar, dentro de critérios de adaptação razoável,
obrigação alternativa para servidores públicos, em estágio
probatório, cumprirem seus deveres funcionais, em observância
ao dever de neutralidade religiosa do Estado e a fim de evitar-
se impacto desproporcional sobre determinado grupo religioso
das obrigações atinentes ao serviço público.
II - A impossibilidade de adaptação razoável, após
requerimento do solicitante, deve ser objetivamente
fundamentada pelo gestor público, dentro de procedimento
administrativo regular.
_ Parecer pelo provimento do recurso extraordinário, com
a fixação das teses sugeridas.

É, em síntese, o relatório.

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Extrato de Ata - 18/11/2020

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PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099


PROCED. : SÃO PAULO
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
RECTE.(S) : MARGARETE DA SILVA MATEUS
ADV.(A/S) : PATRICIA CONCEICAO MORAIS (208436/SP)
RECDO.(A/S) : MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO
CAMPO
AM. CURIAE. : CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS EM DIREITO E RELIGIÃO
ADV.(A/S) : ANAISA ALMEIDA NAVES SORNA (192347/MG)
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO ISRAELITA DO BRASIL -CONIB
ADV.(A/S) : FERNANDO KASINSKI LOTTENBERG (74098/SP)
ADV.(A/S) : RONY VAINZOF (231678/SP)
ADV.(A/S) : ANDREA VAINER (305946/SP)
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS EVANGÉLICOS -
ANAJURE
ADV.(A/S) : LUIGI MATEUS BRAGA (32862/DF, 3250/SE)
ADV.(A/S) : UZIEL SANTANA DOS SANTOS (4484/SE)
ADV.(A/S) : ACYR DE GERONE (24278/PR)
ADV.(A/S) : RAÍSSA PAULA MARTINS (15481/RN)

Decisão: Após a leitura do relatório, o julgamento foi


suspenso. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 18.11.2020
(Sessão realizada inteiramente por videoconferência - Resolução
672/2020/STF).

Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux. Presentes à sessão os


Senhores Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo
Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber, Roberto
Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Nunes Marques.

Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Augusto Brandão de


Aras.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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Supremo Tribunal Federal
Antecipação ao Voto

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19/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

ANTECIPAÇÃO AO VOTO
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR) - Senhor
Presidente, cumprimento Vossa Excelência, Ministro Luiz Fux, os
eminentes Pares, as eminentes Ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber e,
de modo especial, o eminente Ministro Dias Toffoli, Relator do Recurso
Extraordinário 611.874, que Sua Excelência vem de relatar.
Saúdo as sustentações orais que aqui aportaram, da Advocacia-Geral
da União, das ilustres Advogadas e ilustres Advogados, que também
sustentaram, e do Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República.
Senhor Presidente, parabenizo Vossa Excelência por trazer a
julgamento esses dois temas de repercussão geral, apregoados em
conjunto, cujos argumentos orais também ouvimos em conjunto, e que
tratam das relações entre Estado e religião, evocando mesmo a função
jurisdicional de índole constitucional deste Supremo Tribunal Federal.
Cumprimento Vossa Excelência.
Vou me permitir, Senhor Presidente, apresentar manifestação única
conjunta para os dois feitos, e farei, depois, a juntada separadamente do
voto em cada um deles: o de relatoria do Ministro Toffoli e este, sob a
minha relatoria.
O primeiro, como sabemos, cujo recurso paradigma é o Recurso
Extraordinário 611.874, sob a relatoria do eminente Ministro Dias Toffoli,
almeja saber se é possível a realização de etapas de concurso em datas e
locais diferentes dos previstos em edital por motivo de crença religiosa do
candidato. Sua Excelência o Relator vem de aportar a resposta que traz a
esta matéria no entendimento que esposou.
O segundo, cujo leading case é o Agravo no Recurso Extraordinário
1.099.099, sob minha relatoria, trata do dever do administrador público
de disponibilizar obrigação alternativa para servidor em estágio
probatório cumprir deveres funcionais a que está impossibilitado em
virtude de sua crença religiosa. O primeiro é o Tema 386 da Repercussão
Geral; este é o Tema 1.021 da Repercussão Geral.

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Supremo Tribunal Federal
Antecipação ao Voto

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ARE 1099099 / SP

Principio este voto, Senhor Presidente, eminentes Pares, asseverando


que, quanto à rejeição das preliminares, estou de acordo com o Ministro
Dias Toffoli, Relator do Tema 386. Também estou de acordo com Sua
Excelência na delimitação da matéria.
Consigno também, tal como fez o eminente Ministro Dias Toffoli,
que a decisão que esta Suprema Corte adotará para o deslinde do Tema
386 da Repercussão Geral aplicar-se-á não apenas aos concursos públicos,
mas também aos vestibulares, já que estes são uma espécie do gênero
concurso público.
Estou ainda, Senhor Presidente, de acordo com várias das premissas
adotadas pelo eminente Ministro Dias Toffoli em seu acutíssimo voto. Tal
como Sua Excelência sublinhou, entendo que a proteção às liberdades é
preceito fundante do Estado de Direito Democrático. Não é possível,
portanto, analisar a liberdade religiosa sem tratar da tolerância.
Também concordo com o Relator quando aponta que o fato de o
Estado ser laico não se lhe impõe uma conduta negativa diante da
proteção religiosa. A separação entre o Estado brasileiro e a religião, como
ressaltou o Ministro Dias Toffoli, não é mesmo absoluta. Nesse sentido, o
papel da autoridade estatal não é o de remover a tensão por meio da
exclusão ou limitação do pluralismo, mas sim, como indicou Sua
Excelência, assegurar que os grupos se tolerem mutuamente,
principalmente quando em jogo interesses individuais ou coletivos de um
grupo minoritário.
Para além da ética da tolerância, Senhor Presidente, eminentes pares,
creio que se trata de buscar uma ética do respeito nesta matéria, na qual
se contrapõem liberdade religiosa e direito à igualdade.
Nada obstante, Senhor Presidente, mesmo concordando com muitas
das premissas premissas adotadas pelo Ministro Relator, peço licença
para apresentar divergência em relação às conclusões e à tese
apresentadas por Sua Excelência, o eminente Ministro Dias Toffoli, o qual
expressou, na conclusão, que admitir a criação de condições especiais ao
exercício de faculdades legais embasada na crença religiosa significaria
estabelecer privilégio não extensível aos que têm outras crenças ou

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Antecipação ao Voto

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simplesmente não creem.


Em meu sentir, contudo, não se trata de privilégio de estipular
diferenciações para o provimento de cargos públicos, mas sim de permitir
o exercício da liberdade de crença sem indevida interferência estatal.
Trata-se, portanto, de retirar do Estado a interferência nos cultos e nos
ritos.
Por isso, Senhor Presidente, o exame que fiz do Tema 386, cujo
paradigma é este Recurso Extraordinário 611.874 relatado pelo eminente
Ministro Dias Toffoli, comunga de várias premissas que conduziram as
minhas conclusões e em tudo se aplicam ao Tema 1021, este último sob
minha relatoria, embora com conclusão distinta, com o devido respeito a
Sua Excelência o Ministro Dias Toffoli.

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. EDSON FACHIN

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19/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR): No presente


recurso, com repercussão geral reconhecida, discute-se o dever, ou não,
de o administrador público disponibilizar obrigação alternativa para
servidora, em estágio probatório, cumprir deveres funcionais, a que está
impossibilitada em virtude de sua crença religiosa.

O presente recurso extraordinário examina, à luz dos artigos 5º,


incisos VI e VIII; e 41 da Constituição da República; bem como do artigo
18 do Pacto Sobre Direitos Civis e Políticos e artigo 12 do Pacto de São
José da Costa Rica, se a objeção de consciência por motivos religiosos
gera, ou não, o dever do administrador de disponibilizar obrigação
alternativa para servidores em estágio probatório cumprirem seus
deveres funcionais, quando impossibilitados de fazê-lo em virtude de sua
crença religiosa.

Para a compreensão da complexidade do feito é preciso,


inicialmente, apresentar os fundamentos constitucionais para a discussão
aqui colocada, quais sejam: a laicidade do Estado e a garantia da
liberdade religiosa.

I – Laicidade do Estado

Os dispositivos tidos por violados no presente recurso traduzem o


que a doutrina convencionou chamar de princípio da laicidade, constante
do art. 19, I, da CRFB, in verbis :

“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito


Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los,
embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus

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representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada,


na forma da lei, a colaboração de interesse público;”

O Estado Laico é aquele que se coloca em posição de equidistância


em relação aos discursos sobre religião. Nas palavras do ministro Marco
Aurélio Mello “Deuses e Césares têm espaços apartados. O Estado não é
religioso, tampouco é ateu.” (ADPF 54/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal
Pleno, DJe 30.04.2013).

Nesse precedente antológico, o Ministro Marco Aurélio ressaltou


que a interpretação adequada deste dispositivo indicaria a opção do
constituinte originário por uma neutralidade estatal:

“ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica,


surgindo absolutamente neutro quanto às religiões.
Considerações.”
(ADPF 54, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal
Pleno, julgado em 12/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-
080 DIVULG 29-04-2013 PUBLIC 30-04-2013 RTJ VOL-00226-01
PP-00011)

O Ministro Celso de Mello, nesse mesmo precedente, aduziu que:

“Nesse contexto, e considerado o delineamento


constitucional da matéria em nosso sistema jurídico, impõe-se ,
como elemento viabilizador da liberdade religiosa, a separação
institucional entre Estado e Igreja, a significar , portanto , que,
no Estado laico , como o é o Estado brasileiro , haverá , sempre ,
uma clara e precisa demarcação de domínios próprios de
atuação e de incidência do poder civil ( ou secular) e do poder
religioso ( ou espiritual), de tal modo que a escolha, ou não , de
uma fé religiosa revele-se questão de ordem estritamente
privada, vedada , no ponto , qualquer interferência estatal,
proibido , ainda , ao Estado, o exercício de sua atividade com
apoio em princípios teológicos, ou em razões de ordem

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confessional, ou , ainda , em artigos de fé, sendo irrelevante –


em face da exigência constitucional de laicidade do Estado – que
se trate de dogmas consagrados por determinada religião
considerada hegemônica no meio social, sob pena de
concepções de certa denominação religiosa transformarem-se ,
inconstitucionalmente , em critério definidor das decisões
estatais e da formulação e execução de políticas
governamentais.” (ADPF 54, Relator(a): Min. MARCO
AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 12/04/2012, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 29-04-2013 PUBLIC 30-04-2013
RTJ VOL-00226-01 PP-00011)

O princípio da laicidade, em verdade, veda que o “Estado assuma


como válida apenas uma (des)crença religiosa (ou uma determinada concepção de
vida em relação ao horizonte da fé)” (CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza;
DUARTE, Bernardo Augusto Ferreira; TEIXEIRA, Alessandra Sampaio. A
laicidade para além de liberais e comunitaristas. Belo Horizonte: Arraes
Editores, 2017).

Como apresentado por Thiago Magalhães Pires “A principal


característica de um estado laico é derivar sua legitimidade, não de uma crença
religiosa, mas da imparcialidade que decorre da igual dignidade humana. Isso
significa que as instituições e seus atos devem ser justificados diante de “toda e
qualquer pessoa” e, por essa razão, não podem pressupor a prévia adesão a um
discurso particular” (PIRES, Thiago Magalhães. Entre a cruz e a espada:
liberdade religiosa e laicidade do Estado no Brasil. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2018. p. 248).

A separação entre Igreja e Estado não pode, portanto, implicar o


isolamento daqueles que guardam uma religião à sua esfera privada. O
princípio da laicidade não se confunde com laicismo. O princípio da
laicidade, em verdade, veda que o “Estado assuma como válida apenas uma
(des)crença religiosa (ou uma determinada concepção de vida em relação ao
horizonte da fé)” (CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza; DUARTE, Bernardo

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Augusto Ferreia; TEIXEIRA, Alessandra Sampaio. A laicidade para além


de liberais e comunitaristas. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2017).
Nesse sentido também expõe Thiago Magalhães:

Convém sublinhar que a laicidade não rejeita as crenças,


nem as suas manifestações. A imparcialidade não exige a
expulsão da fé do espaço público e sua limitação ao domínio
privado. Ao revés, instituições inclusivas demandam uma
esfera pública receptiva a pessoas de todos os credos e
orientações, que devem ser livres para ser quem são e querem
ser. (PIRES, Thiago Magalhães. Entre a cruz e a espada:
liberdade religiosa e laicidade do Estado no Brasil. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2018. p. 249).

Inexiste dúvida de que o princípio da laicidade impõe ao Estado o


dever de imparcialidade e neutralidade diante do fenômeno religioso,
entretanto, a própria noção de “imparcialidade e neutralidade do
Estado”, como expectativa normativa de um princípio da laicidade é, ela
própria, sujeita ao diálogo, ao debate e ao aprendizado. Essa
compreensão também foi exposta no julgamento da ADI 4439, Redator do
acórdão Min. Alexandre de Moraes, Plenário, DJe 21.06.2018.

A neutralidade estatal não se confunde com indiferença religiosa. A


indiferença gera posição antirreligiosa contrária à posição do pluralismo
religioso típica de um Estado Laico. Como afirmado por Jorge Miranda,
“(...) o silêncio sobre religião, na prática, redunda em posição contra a religião.”
(MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV.
Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 427).

Ademais, o dever de neutralidade se diferencia da ideia de


indiferença religiosa, pois pressupõe a adoção de comportamentos
positivos quando necessários para afastar sobrecargas que possam
impedir ou dificultar determinadas opções em matéria de fé, visando
efetivar a garantia da Liberdade Religiosa.

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A razão plural dos cidadãos, como alertou Jurgen Habermas no


Discurso de agradecimento pronunciado na Igreja de São Paulo de
Frankfurt, em 14.01.2001, ao receber o “Prêmio da Paz” concedido pela
Associação dos Livreiros da Alemanha, está “diretamente vinculada a uma
dinâmica de secularização que vincula a uma visão que se mantém equidistante
das diversas tradições e cosmovisões. Entretanto, tal razão está disposta a
aprender, e sem abandonar sua própria autonomia, manter-se aberta tanto para
os aportes das ciências quanto aos das religiões”. Assim, para Habermas, seria
“injusto excluir a religião da esfera pública numa sociedade pluralista na qual a
consciência religiosa tem três horizontes: (a) assimilar o encontro cognitivamente
dissonante com outras confissões e religiões; (b) adaptar-se à autoridade das
ciências, que detêm o monopólio do saber mundano; (c) adequar-se às premissas
do Estado constitucional, que se fundam em uma moral profana”.
(HABERMAS, Jurgen. Fé e Saber. São Paulo: Unesp, 2013, p. 15).

A jurisprudência desta Suprema Corte tem precedentes que


conformam o âmbito de proteção da laicidade do Estado, expressamente
reconhecido como garantia fundamental, no artigo 19, I, da Constituição
da República. Nesse sentido, merecem ser lembradas: a ADI 4439,
Redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, Plenário, DJe 21.06.2018;
ADI 5257, Rel. Min. Dias Toffoli, Plenário, DJe 03.12.2018; ADI 2566,
Redator do acórdão Min. Edson Fachin, Plenário, DJe 23.10.2018; RE
494601, Redator do acórdão Min. Edson Fachin, Plenário, DJe 19.11.2019;
ADI 3478, Relator Min. Edson Fachin, Plenário, DJe 19.02.2020; ARE
1249095, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Plenário, DJe 27.10.2020.

O princípio da laicidade estatal deve ser interpretado de forma a


coadunar-se com o dispositivo constitucional que assegura a liberdade
religiosa, constante do art. 5º, VI, da Constituição da República: “é
inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre o
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais
de culto e a suas liturgias”.

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Tendo suas origens na opção por uma Constituição que garante a


dignidade a todos e todas, o princípio da laicidade e da liberdade
religiosa se entrelaçam na medida em que sua coexistência possibilita a
abertura para uma sociedade que protege o pluralismo religioso.

Como adverte o filósofo alemão Jürgen Habermas: “todas as decisões


públicas que podem ser executadas devem ser formuladas em uma linguagem que
seja igualmente acessível a todos os cidadãos e também deve ser possível justificá-
las nessa linguagem.” (HABERMAS, Jürgen. Religion in the Public Sphere.
European Journal of Philosophy, v. 14, i. 1, Abril de 2006, p. 12, tradução
livre).

Conforme já registrei, no julgamento da ADI 4.439, Relator Ministro


Roberto Barroso, Redator do acórdão Ministro Alexandre de Moraes,
Plenário, DJe 21.06.2018, não é possível deixar de reconhecer que ambas
as interpretações coadunam-se com o dispositivo constitucional que
assegura a liberdade religiosa, constante do art. 5º, VI, da CRFB: “é
inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre o
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais
de culto e a suas liturgias”.

II – Liberdade Religiosa

A liberdade religiosa tem previsão no artigo 5º, VI e VIII, da


Constituição da Repúlica de 1988. Transcrevo:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
(...)
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença,

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sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e


garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a
suas liturgias;
(...)
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de
crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se
as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e
recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.

A matéria também é tutelada pelos tratados de direitos humanos


que, numa visão aberta e pluralista da Constituição, podem ser
equiparados às normas regulamentadoras dos direitos fundamentais e
impõem que a atividade judicante exercida por esta Corte Constitucional
e pelos Tribunais de Direitos Humanos seja, efetivamente, dialógica e
complementar.

Nesse sentido, há de se ter em conta que a previsão constitucional do


art. 5º, VI, da CRFB é integrada pelo disposto no art. 12 do Pacto de São
José da Costa Rica, segundo o qual o direito à liberdade de consciência e
de religião “implica a liberdade de conservar sua religião ou crenças, ou de
mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar
sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como
em privado”.

Da mesma forma, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos,


em seu artigo 18, garante que o direito à liberdade religiosa “implicará a
liberdade de ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a
liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto
pública como privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas
e do ensino”.

Importante aqui lembrar o Comentário Geral nº 22/1993 do Comitê


de Direitos Humanos sob o Pacto de Direitos Civis e Políticos da
Organização das Nações Unidas sobre o direito à liberdade de

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pensamento, de consciência e religião nele previsto, verbis :

“O Comitê é da opinião que o artigo 18 (4) permite o ensino em


escola pública de temas como a história geral das religiões e ética se
lecionadas de um modo neutro e objetivo. A liberdade de os pais ou
guardiães legais de assegurar que suas crianças recebam uma
educação moral e religiosa em conformidade com suas convicções
estabelecida no artigo 18 (4) está relacionada com as garantias da
liberdade de ensinar uma religião ou crença especificadas no artigo 18
(1). (Tradução livre de CCPR/C/21/Rev. 1/Add. 4, Publicado em
27 de Setembro de 1993, p. 2)

Perceba-se que os Comentários Gerais do Comitê de Direitos


Humanos são ferramentas de importância basilar para a concretização
normativa dos direitos humanos previstos no texto do Pacto. Como
explica Cançado Trindade:

“As origens da prática remontam a um entendimento, firmado


em 1980, em razão de um passe quanto a questões de seguimento, sob
o artigo 40 do Pacto; acordou-se que os futuros comentários gerais
versariam sobre o conteúdo e aplicação de determinados artigos do
Pacto, a obrigação de garantir os direitos neste consagrados, o sistema
de relatórios, e sugestões de cooperação estatal em matérias cobertas
pelo Pacto. Os referidos comentários gerais foram concebidos como
elementos de interpretação das disposições comentadas do Pacto e
expressão da experiência acumulada pelo Comitê ao considerar
determinadas questões do ângulo do Pacto; as interpretações neles
contidas, no entanto, têm relevância para a aplicação do Pacto de
modo geral, e inclusive na solução de tais casos concretos.”
(CANÇADO TRINDADE. Tratado de Direito
Internacional de Direitos Humanos. V. II. Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris, 1999. p. 68.)

Apesar de não possuírem caráter vinculante, em sentido estrito, não


se pode descurar tratar-se de parecer exarado não apenas por órgão de

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composição plural com expertise no Pacto, mas também cujas funções


incluem tomar em conta alegações de não cumprimento ou de violação
das obrigações nele assumidas pelos Estados parte. É aqui plenamente
aplicável a chamada regra da interpretação evolutiva, tal como disposta
no artigo 31, 3, da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados,
aprovada pelo Decreto Legislativo 496/2009 e Promulgada pelo Decreto
nº 7.030/2009 da Presidência da República.

Além dos órgãos do sistema global de proteção, também os sistemas


regionais têm defendido a posição de neutralidade do Estado, tal como se
observam, por exemplo, das decisões Folgero e Outros v. Noruega e Zengin
v. Turquia da Corte Europeia de Direitos Humanos – a que já se referiu o
Relator –, e também o caso A Última Tentação de Cristo da Corte
Interamericana de Direitos Humanos.

Os tratados de direitos humanos, na linha do disposto no art. 5º, § 2º,


da CRFB, têm força normativa constitucional. Essa afirmação, ao implicar
uma equiparação hierárquica entre as fontes dos direitos fundamentais e
dos direitos humanos, impõe que a atividade judicante exercida por este
Tribunal e pelos Tribunais de Direitos Humanos, seja efetivamente
dialógica e complementar. Noutras palavras, não há necessária submissão
de uma ordem à outra. Com efeito, o direito a ser significado por um
Tribunal é objeto de uma pluralidade de compreensões.

A solução, em casos tais, deve ser a que melhor se adeque à


fundamentação democrática do estado constitucional, ou seja, não apenas
a que dê primazia à pessoa humana, fundada no princípio pro homine,
mas a que tenha em conta o valor igual de cada pessoa em dignidade.
Essa é a premissa que permite invocar a dimensão epistêmica do
procedimento deliberativo a que alude John Rawls em seu conceito de
razão pública: “nosso exercício do poder político é inteiramente adequado
apenas quando é exercido de acordo com uma constituição, cujos elementos
essenciais podem ser endorsados por todos os cidadãos de forma livre e igual à luz

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dos princípios e ideias aceitáveis à sua razão comum” (RAWLS, John. Political
liberalism. New York: Columbia, 1993, p. 137, trad. livre).

Se o apelo à razão comum pode ser utilizado precisamente como


fundamento da separação entre Estado e Igreja, e, por consequência, de
um “dever de civilidade” que retira a motivação religiosa, por definição
privada, do espaço público, como parece advogar o filósofo americano, é
preciso advertir que a definição desses limites deve levar em conta o
exato conteúdo do direito à liberdade religiosa, como expresso na própria
Carta Política.

Nesse sentido, há de se ter em conta que o direito garantido no art.


5º, VI, da CRFB (“é inviolável a liberdade de consciência e de crença,
sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na
forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”) é integrado
pelo disposto no art. 12 do Pacto de São José da Costa Rica, segundo o
qual o direito à liberdade de consciência e de religião “implica a liberdade
de conservar sua religião ou crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem
como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual
ou coletivamente, tanto em público como em privado”.

Na mesma linha de compreensão, o Pacto Internacional de Direitos


Civis e Políticos, em seu art. 18, garante que o direito à liberdade de
religião “implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou uma
crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença,
individual ou coletivamente, tanto pública como privadamente, por meio
do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino”.

Ao contrário do que a interpretação literal do dispositivo da


Constituição brasileira parece sugerir, há, no direito à liberdade de
religião, uma dimensão pública, como assentou a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, no caso a Última Tentação de Cristo:
a proteção à liberdade de consciência “é a base do pluralismo necessário para

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a coexistência harmônica de uma sociedade democrática, a qual, como qualquer


sociedade, é formada por pessoas com diferentes convicções e credos”. O
pluralismo democrático não prescinde, pois, de convicções religiosas
particulares.

Essa conclusão é ainda mais evidente caso se tenha em conta que a


religião é, para quem segue seus preceitos, mais do que uma simples
visão de mundo, mas a condição de verdadeira existência, como
reconheceu a Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Kokkinakis
(Kokkinakis v. Grécia, Caso 14.307/88, 260 ECHR, §§ 31, tradução livre):

“Como garantido no Artigo 9 (art. 9), a liberdade de


pensamento, consciência e religião é um dos fundamentos de
uma “sociedade democrática” nos termos da Convenção. É, na
sua dimensão religiosa, um dos elementos mais vitais que
constroem a identidade dos que creem e a sua concepção de
vida, mas é também um valor precioso para os ateus,
agnósticos, céticos e os que não se manifestam. O pluralismo
indissociável de uma sociedade democrática, que foi
conquistada a duras penas ao longo dos séculos, depende dele.
Enquanto a liberdade religiosa é primeiramente um tema
da consciência individual, ela também implica, entre outras, a
liberdade de “manifestar sua religião”. Dar testemunho em
palavras e ações está diretamente ligado à existência de
convicções religiosas”.

É incorreto, assim, afirmar que a dimensão religiosa coincide apenas


com a espacialidade privada. Isso não significa, porém, que o espaço
público possa ser fundado por razões religiosas. A própria Constituição
Federal, em seu art. 5º, VIII, da CRFB, estabelece o limite preciso:
“ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos
imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.

A melhor interpretação desse dispositivo não pode olvidar do

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disposto no Pacto de São José da Costa Rica e no Pacto Internacional de


Direitos Civis e Políticos. Não está a Constituição exigindo que a religião
fique restrita à consciência. Não são, pois, os motivos, religiosos ou não,
que são limitados por ela, mas a sua invocação, isto é, fundamentar-se a
recusa da obrigação em argumentos exclusivamente religiosos. A barreira
não é a do espaço público, mas é institucional. Noutras palavras, as
instituições democráticas formam um filtro que obstam que razões
religiosas sejam utilizadas como fonte de justificação de práticas públicas.

Não se trata, assim, de identificar quais argumentos de origem


religiosa são, ou não, racionais, mas simplesmente reconhecer que a
pretensão de validade de justificações públicas não é compatível com
dogmas.

Poder-se-ia aduzir que tal interpretação, ao exigir sobretudo das


autoridades públicas uma tradução de eventuais convicções religiosas na
justificação de sua atuação institucional, acaba por impor aos que
observam determinada religião um esforço desproporcional em relação
aos que não a têm. O ônus, no entanto, é comum. Os que não observam
qualquer preceito religioso também devem esforçar-se por apreender as
contribuições feitas ao debate público por aqueles de determinada
confissão ou prática, naquilo que Jürgen Habermas chamou de ética da
cidadania democrática (HABERMAS, Jürgen. Religion in the Public Sphere.
European Journal of Philosophy, v. 14, i. 1, Abril de 2006, p. 18, tradução
livre):

“O trabalho exigido de uma reconstrução filosófica mostra


que a ética da cidadania democrática assume que os cidadãos
secularizados exibem uma mentalidade que não é menos
exigente da correspondente mentalidade de sua contraparte
religiosa. É por isso que as cargas cognitivas que ambos os
lados devem suportar para desenvolver atitudes epistêmicas
apropriadas não são de nenhuma forma assimetricamente
distribuídas”.

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O pluralismo de uma sociedade democrática exige, pois, de todos os


cidadãos processos complementares de aprendizado a partir da diferença.
Isso implica reconhecer que a própria noção de “neutralidade do Estado”,
como expectativa normativa de um princípio da laicidade, é, ela própria,
sujeita ao diálogo, ao debate e ao aprendizado.

O âmbito de proteção do direito fundamental à liberdade religiosa,


como restou claro pelo teor dos dispositivos, não se restringe ao domínio
privado. Reitero, portanto, que instituições inclusivas demandam uma
esfera pública receptiva a pessoas de todos os credos e orientações, sem
que isso viole a laicidade estatal.

III – O caso concreto

No caso concreto, o direito à liberdade religiosa e o princípio da


laicidade estatal são invocados na medida em que seu âmbito de proteção
abarque a realização da objeção de consciência, isto é, o direito de uma
pessoa se negar a praticar ato contrário a suas convicções de natureza
religiosa, moral, humanística ou filosófica, sem que sofra restrições de
outros direitos. Nesse sentido se posiciona a doutrina:

“A liberdade de culto é somente uma dimensão da


liberdade religiosa dos crentes, compreendendo o direito
individual ou coletivo de praticar os atos externos de
veneração próprios de uma determinada religião. (GOMES
CANOTILHO, JJ. Moreira, Vital. Constituição da República
Portuguesa Anotada. Vol. 1. 1ed. Brasileira. São Paulo. 2007. p.
609)
“(...) a liberdade religiosa não seria adequadamente
tutelada se admitisse uma tão estrita como simplificadora
bipolaridade entre crença (blief) e conduta (action), que
resultasse numa generosa proteção da primeira e na
desvalorização da segunda.” (MACHADO, Jônatas. Liberdade

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Religiosa numa comunidade constitucional inclusiva.


Coimba: Coimbra Editora, 1996. p 222, grifei )
“(...) a liberdade de conduta religiosa, em um ambiente
constitucional de liberdade, integra o núcleo duro da própria
ideia de liberdade religiosa.” (TAVARES, André Ramos. O
direito fundamental ao discurso religioso: divulgação da fé,
proselitismo e evangelização. Disponível em
http://www.cjlp.org/direito_fundamental_discurso_religioso.ht
ml, acesso em 20.10.2016, grifei )

A concretização do direito a liberdade religiosa ocorrerá quando


houver correspondência entre crença e conduta. A garantia se efetiva na
vida cotidiana quando o sujeito não arca com restrições de direitos por
atuar conforme sua fé. Não protegidas as condutas religiosas, ao invés de
verdadeira liberdade, ter-se-ia mera indiferença, o que não se conforma
com a envergadura constitucional da matéria.

É importante ressaltar que não é pelo fato de determinada atividade


estar ligada a uma religião que ela deva automaticamente merecer ampla
proteção constitucional, se ela não estiver representando uma verdadeira
crença. Caberia, assim, ao judiciário tentar separar atividades praticadas
por religiosos de atividades praticadas em razão da crença religiosa.

Sustentei, em diversas oportunidades, que apesar de o Estado


brasileiro ser classificado como laico, o dever de neutralidade que daí
decorre não se confunde com indiferença. Dessa forma, esse princípio não
é violado mas, ao contrário, é efetivamente concretizado, a partir de ações
positivas que garantam a liberdade religiosa em seu sentido mais amplo,
isto é, incluindo sob seu âmbito de proteção a liberdade de exteriorização
da crença.

No caso concreto, a impetrante cometeu 90 faltas em razão de suas


convicções religiosas, por não ter se apresentado para trabalhar durante o
período noturno das sextas-feiras. O colegiado recorrido, por

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unanimidade, opinou pela não confirmação da nomeação, sustentando


que a servidora já era conhecedora da carga horária e, mesmo assim,
optou por integrar o quadro e que a prestação de obrigação alternativa
acarretaria em prejudicialidade a organização do serviço público e em
violação ao princípio da isonomia entre os servidores.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por sua vez, entendeu


que cabia à servidora fazer sua escolha: “assumir as obrigações inerentes ao
cargo, as quais constaram previamente no certame, ou não, preservando sua
profissão de fé.” (eDOC 5, p. 117)

O princípio da liberdade religiosa é violado quando é necessário


optar entre sua carreira profissional e sua fé. Eis o teor do artigo 5º, VIII,
da Constituição da República:

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de


crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se
as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e
recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

A privação de direito por motivos religiosos é vedada por previsão


expressa da Constituição da República. Diante da impossibilidade de
cumprir obrigação legal imposta a todos, a restrição de direitos só é
autorizada pela Carta, diante de recusa ao cumprimento de obrigação
alternativa.

Esse tema já foi submetido a esta Suprema Corte em outras


oportunidades, mas não se firmou, por questões processuais específicas,
precedente plenário de mérito. Conferir: STA-AgR 389, Relator Min.
Presidente, DJe 14.05.2010; e ADI 3714, Relator Min. Alexandre de
Moraes, monocrática, DJe 25.02.2019.

No caso dos autos, a impossibilidade de cumprir com a jornada de


trabalho, obrigação editalícia imposta a todos os candidatos, não pode

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resultar diretamente na reprovação em estágio probatório, sem que


obrigações alternativas sejam oferecidas, quando a impossibilidade de
cumprimento dos deveres funcionais decorre de convicções religiosas.

A não existência de lei que preveja obrigações alternativas não exime


o administrador da obrigação de ofertá-las quando necessário para o
exercício da liberdade religiosa, pois, caso contrário, se teria um
cerceamento de direito fundamental em virtude de uma omissão
legislativa inconstitucional.

Dessa forma, da leitura do artigo 5°, VIII, da CRFB, entendo que


decorrem duas obrigações para a administração pública. Primeiramente,
é dever da administração pública concretizar os direitos fundamentais de
eficácia plena e aplicabilidade imediata e, por conseguinte, cabe à
administração, como regra, diligenciar, por meio de políticas públicas
adequadas, para que o indivíduo possa cumprir suas obrigações legais,
sem que sofra restrições desproporcionais em outros direitos
fundamentais.

Nos termos do edital, a carga horária distribuir-se-ia de segunda a


sexta-feira, consoante a conveniência da distribuição dos serviços, por
ordem da Administração Pública. Assim, é exigido que o administrador
seja diligente para enquadrar a jornada de trabalho dos servidores
públicos nos horários compatíveis com seus princípios religiosos.

A mera conveniência para administração não constitui justificativa


idônea para limitação de um direito fundamental. O dever de motivação
das decisões administrativas impõe ao Estado que justifique, com razões
concretas e específicas, suas decisões para que seja sindicável a
proporcionalidade da limitação do direito fundamental à liberdade
religiosa.

A administração pública somente pode recusar-se a estabelecer

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obrigações alternativas diante da impossibilidade de compatibilização,


nos termos do artigo 5°, VIII, da CRFB. Se assim não for, é
inconstitucional que o indivíduo seja privado de um direito
expressamente previsto na Carta, qual seja, o cumprimento de obrigações
alternativas por objeção de consciência, sem que o administrador
justifique a restrição a tal direito.

Tal é a importância da produção normativa das referidas obrigações


alternativas, que há legislação, como a Lei 13.796/2019, que assegura aos
alunos o direito de faltar às aulas ou às provas, por motivos religiosos ou
de consciência. Sabatistas, por exemplo, devem ter a frequência atestada e
poderão fazer a prova em segunda chamada, em face dessa expressa
previsão normativa.

No caso dos autos, a ausência de legislação não pode ser usada como
justificativa para a omissão do administrador de cumprir seu dever
fundamental de estabelecer obrigações alternativas. Diante dessa
omissão, que pode ser considerada inconstitucional, cabe à administração
pública fornecer aos seus servidores as obrigações alternativas. Essas
determinações também estão sujeitas ao crivo da proporcionalidade, não
podendo sujeitar o indivíduo, por óbvio, a obrigações irrazoáveis.

Não se pode deixar de registrar, por outro lado, que os direitos


fundamentais, pela sua própria natureza, não são absolutos, dessa forma,
diante de decisão administrativa fundamentada no sentido da
impossibilidade de ofertar obrigação alternativa, por colidir com outro
direito de ordem pública, por meio de um processo de ponderação,
regrado pelo devido processo legal substantivo, poderá a administração
pública restringir um direito individual para garantir direitos coletivos,
independente da recusa à alternativa.

No mais, o entendimento de que a designação de obrigação


alternativa representaria o estabelecimento de regras especiais para um

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determinado grupo de servidores em detrimento dos demais, com a


consequente violação ao princípio da isonomia, não merece prosperar.

Deve-se ter em mente que o esforço argumentativo aqui realizado


visa não apenas afastar práticas inconstitucionais de exclusão que, não
raro, são autorizadas sob a justificativa da laicidade, mas também
permitir a afirmação de direitos fundamentais das minorias religiosas:

“(...) talvez uma religiosidade assumida nos conduza a


práticas mais inclusivas. (...). Saber que práticas são essas e se as
mesmas poderão fazer frente à tradição católica, sopesando
santos, caboclos e orixás, permitindo uma convivência baseada
no respeito e igual consideração a todos dentro de uma
realidade multicultural é resposta que fica legada ao
aprendizado social, à história escrita de modo
intersubjetivamente responsável, não de um fôlego só, mas de
capítulo em capítulo, de parágrafo em parágrafo, de frase em
frase”.
(PINHEIRO, Douglas Antônio Rocha. Direito, Estado e
Religião: a constituinte de 1987/1988 e a (re)construção da
identidade religiosa do sujeito constitucional brasileiro.
Dissertação de mestrado: Universidade de Brasília, 2008, p.
122).

Para que a laicidade do Estado seja realmente concretizada, bem


como reforçado o âmbito de proteção do direito à liberdade religiosa e o
dever fundamental de serem oferecidas obrigações alternativas por
objeção de consciência, para todos e todas, inclusive as minorias
religiosas, torna-se imperioso o dever e compromisso com as respectivas
políticas públicas, que envolvem decisões de todos os órgãos de poder.

Nesse sentido, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, em


seu artigo 27, prevê que: “Nos Estados em que haja minorias étnicas,
religiosas ou lingüísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não poderão
ser privadas do direito de ter, conjuntamente com outros membros de seu grupo,

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sua própria vida cultural, de professar e praticar sua própria religião e usar sua
própria língua.”(Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592; Acessado
em 13.10.2020)

Ante o exposto, provejo o recurso extraordinário, de modo a


conceder a segurança, propondo a seguinte tese, também nos termos em
que sugerida pelo Ministro Alexandre de Moraes, em homenagem ao
princípio da Colegialidade:: “Nos termos do art. 5º, VIII, da CF, é possível a
Administração Pública, inclusive em estágio probatório, estabelecer critérios
alternativos para o regular exercício dos deveres funcionais inerentes aos cargos
públicos, em face de servidores que invocam escusa de consciência por motivos de
crença religiosa, desde que presente a razoabilidade da alteração, não se
caracterize o desvirtuamento no exercício de suas funções e não acarrete ônus
desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira
fundamentada".

É como voto.

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Extrato de Ata - 19/11/2020

Inteiro Teor do Acórdão - Página 33 de 187

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099


PROCED. : SÃO PAULO
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
RECTE.(S) : MARGARETE DA SILVA MATEUS
ADV.(A/S) : PATRICIA CONCEICAO MORAIS (208436/SP)
RECDO.(A/S) : MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO
CAMPO
AM. CURIAE. : CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS EM DIREITO E RELIGIÃO
ADV.(A/S) : ANAISA ALMEIDA NAVES SORNA (192347/MG)
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO ISRAELITA DO BRASIL -CONIB
ADV.(A/S) : FERNANDO KASINSKI LOTTENBERG (74098/SP)
ADV.(A/S) : RONY VAINZOF (231678/SP)
ADV.(A/S) : ANDREA VAINER (305946/SP)
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS EVANGÉLICOS -
ANAJURE
ADV.(A/S) : LUIGI MATEUS BRAGA (32862/DF, 3250/SE)
ADV.(A/S) : UZIEL SANTANA DOS SANTOS (4484/SE)
ADV.(A/S) : ACYR DE GERONE (24278/PR)
ADV.(A/S) : RAÍSSA PAULA MARTINS (15481/RN)

Decisão: Após a leitura do relatório, o julgamento foi


suspenso. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 18.11.2020
(Sessão realizada inteiramente por videoconferência - Resolução
672/2020/STF).

Decisão: Após o voto do Ministro Edson Fachin (Relator), que


dava provimento ao recurso extraordinário, de modo a conceder a
segurança, e fixava a seguinte tese (tema 1.021 da repercussão
geral): “O administrador deve oferecer obrigações alternativas
para que seja assegurada a liberdade religiosa ao servidor em
estágio probatório”, o julgamento foi suspenso. Falaram: pela
recorrente, a Dra. Patrícia Conceição Morais; pelo amicus curiae
Associação Nacional de Juristas Evangélicos–ANAJURE, o Dr. Luigi
Mateus Braga; pelo amicus curiae Confederação Israelita do Brasil
– CONIB, o Dr. Fernando Kasinski Lottenberg; e, pela Procuradoria-
Geral da República o Dr. Antônio Augusto Brandão de Aras,
Procurador-Geral da República. Presidência do Ministro Luiz Fux.
Plenário, 19.11.2020 (Sessão realizada inteiramente por
videoconferência - Resolução 672/2020/STF).

Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux. Presentes à sessão os


Senhores Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo
Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber, Roberto

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Extrato de Ata - 19/11/2020

Inteiro Teor do Acórdão - Página 34 de 187

Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Nunes Marques.

Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Augusto Brandão de


Aras.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 35 de 187

25/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Os autos foram devidamente relatados pelo eminente Ministro
Edson Fachin, razão pela qual, valendo-me da concisa descrição dos fatos
feita por Sua Excelência, inicio este voto já pela apreciação da temática
submetida à repercussão geral.
Antes, todavia, entendo oportuno reforçar as considerações do
Ministro Edson Fachin acerca de nossa concordância relativamente a
várias premissas atinentes à liberdade religiosa e ao ativo papel do Estado
na garantia dessa ordem de liberdade aduzidas por Sua Excelência por
ocasião da inauguração de seu voto nos autos do RE nº 611.874/DF (de
minha relatoria e em julgamento conjunto com o presente feito). Por essa
razão, neste voto, em busca da necessária concisão tão cara ao colegiado
quanto à pluralidade de ideias, buscarei apenas rememorar as premissas
de que parti nos autos do RE nº 611.874, aplicando-as a seguir com as
devidas adequações a este caso.
Na análise do tema nº 386, adotei os seguintes parâmetros de
pensamento:
(i) a proteção às liberdades é preceito fundante do Estado de Direito,
e a liberdade de crença religiosa, como uma das vertentes da liberdade de
expressão, se exterioriza por meio da comunicação das ideias religiosas,
tanto no ambiente privado quanto no público;
(ii) as condutas abrangidas pela liberdade de expressão encontram
limites no próprio texto da Constituição Federal, o que demonstra a
possibilidade de sua restrição ou regulação no processo de otimização de
sua harmonização com outros bens jurídicos igualmente protegidos (art.
5º, VI, VII e VIII, da CF);
(iii) a secularização não implica afastamento absoluto do Estado em
relação à religião. Desse modo, o Brasil é uma nação secularizada e laica,
já que não tem religião oficial e respeita todas as crenças religiosas (art.

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ARE 1099099 / SP

19, I, da CF), mas o Estado que a rege possui diversos deveres


constitucionais no sentido da proteção à liberdade religiosa e de crença
(aí incluído também o não crer, que recebe igual proteção);
(iv) diversos textos normativos internacionais (tais como o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966, e a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, de 1948) previram a liberdade
religiosa, fixando, contudo, especificação quanto às fronteiras que o
direito pode impor à liberdade de religião;
(v) são encontrados, em direito comparado, diversos julgados cuja
temática envolve os limites da liberdade religiosa nos espaços públicos,
sob compreensão, em síntese, de que a liberdade religiosa é absoluta, mas
seu exercício religioso pode sofrer restrições do Estado ante a necessidade
de igual proteção dos direitos e das liberdades de outros indivíduos.
Nota-se que as Cortes, em sua maioria, entenderam que o exercício da
liberdade religiosa não pode se sobrepor às regras de caráter geral
previamente definidas para serem cumpridas por todos os indivíduos
indistintamente nem às obrigações contratuais decorrentes de contrato de
trabalho;
(vi) de acordo com a Corte Europeia, num eventual conflito entre
grupos religiosos, o papel da autoridade estatal não é remover a tensão
por meio da exclusão ou limitação do pluralismo, mas, sim, assegurar que
os grupos se tolerem mutuamente, principalmente quando estão em jogo
interesses individuais de um grupo minoritário.
Sob tais premissas, externei minha compreensão de que o Estado
assegura a liberdade dos indivíduos de crerem que o sábado (ou qualquer
outro dia da semana) deva ser reservado às atividades religiosas, ainda
que se trate de um grupo minoritário. Todavia, daí não decorre o direito
de exigir do Estado, ou mesmo de particulares, a modificação da forma
de cumprimento de faculdades ou de obrigações espontaneamente
assumidas pelo fiel para adequá-la à crença por ele professada.
Nos presentes autos reafirmo: o direito de crença como direito de
liberdade - portanto, fundamental - impõe ao Estado que permita seu
exercício e o proteja, bem como aos particulares que respeitem as crenças

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e as tolerem. A limitação da prática religiosa, todavia, para cumprimento


de dever de cunho estatutário em regime a que submetido o fiel por ato
voluntário não constitui restrição intolerável à liberdade de crença .
Rememoro, nesse ponto, que, embora a Constituição de 1988 proteja
a liberdade de crença e de consciência e o princípio de livre exercício dos
cultos religiosos (CF, art. 5º, VI), ela não prescreve, em nenhum momento,
o dever estatal de promover condições para o exercício ou o acesso às
determinações de cada instituição religiosa, máxime no que respeita ao
funcionamento da Administração Pública.
Pensar o contrário inviabilizaria por completo a atividade
administrativa, uma vez que é impossível atender concomitantemente as
diversas peculiaridades ou normas de conduta de cada religião ou crença
professada em território nacional sem prejuízo aos serviços e políticas
públicas, fim máximo dessa espécie de Administração.
Ademais, os não optantes por determinada crença não têm
obrigação legal nem constitucional de arcar com os custos de escolhas
alheias.
Nem ao Estado nem aos particulares ou servidores sob idêntica
posição jurídica daquele que crê se pode atribuir eventual ônus que
decorra das opções de crença de um dado servidor público.
O fato, todavia, de não haver obrigação constitucional de o Estado
adequar regras administrativas às crenças de grupos religiosos não o
impede de agir no sentido de obter uma solução harmônica e consentânea
com a garantia constitucional de proteção à liberdade religiosa,
especialmente na modalidade de liberdade de culto, sem vulnerar os
princípios norteadores da Administração Pública, previstos
especialmente no art. 37, caput, da CF. Valendo-se da conveniência e da
oportunidade, a Administração pode estabelecer previamente
mecanismos para conciliar princípios norteadores do interesse público,
em especial a igualdade e a eficiência, com a liberdade de crença.
A Administração Pública pode, assim, atendidos os fins a que sua
atividade se dirige, organizar suas funções e distribuí-las entre seus
colaboradores diretos (os servidores) em conformidade com a capacidade

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gerencial que a ela foi admitida em lei; podendo, por essa razão, apreciar
as demandas que, com base na liberdade de consciência e de crença, a ela
sejam direcionadas.

DO CASO CONCRETO

O acórdão recorrido assim descreveu os fatos:

”A impetrante foi admitida ao serviço municipal em


20.2.2011, após regular aprovação em concurso público, sob o
regime estatutário, para exercício do cargo de PROFESSOR DE
EDUCAÇÃO BÁSICA II- EJA.
Submetida à avaliação de estágio probatório, a CAEDS
Comissão de Avaliação Especial de Desempenho do Servidor
decidiu pela não confirmação da nomeação da servidora, em
razão da quantidade de 90 faltas injustificadas, durante o
período de estágio probatório.
Observa-se que a servidora foi devidamente notificada
para apresentar defesa e contraditório, justificando suas faltas
por força de sua convicção religiosa. Afirmou que é membro
ativo da Igreja Adventista do Sétimo Dia e que a referida
doutrina religiosa a impede de exercer atividades profissionais
no período do por do sol de sexta-feira ao por do sol de sábado.
Conquanto noticie a recorrente em seu apelo que, ao longo
de seu período de estágio probatório, chegou a apresentar
requerimentos administrativos pela justificação de suas faltas,
afirma, em sequência, não ter obtido o êxito desejado.
Nessa toada, tendo em conta que as ausências foram
reputadas injustificadas pela Administração, não se tendo
notícia de anuência administrativa aos requerimentos
apresentados pela servidora ao longo de seu período de estágio
probatório, entendo ser caso de negar provimento ao recurso.”

CONCLUSÃO

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 39 de 187

ARE 1099099 / SP

Com a devida vênia, divirjo do eminente Relator e nego provimento


ao apelo extremo.
Proponho a seguinte tese final: “Inexiste dever do administrador de,
em face do direito à liberdade de consciência e de crença, disponibilizar a
servidor público em estágio probatório forma alternativa de
cumprimento de seus deveres funcionais, sem prejuízo da possibilidade
de avaliação administrativa quanto à conciliação do interesse público com
o atendimento de pleito do servidor”.
É como voto.

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 40 de 187

25/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

VOTO

O SENHOR MINISTRO NUNES MARQUES: Trata-se de agravo


em recurso extraordinário, com repercussão geral reconhecida pelo
Supremo Tribunal Federal, interposto por Margarete da Silva Mateus,
com fundamento no art. 102, III, “a”, da Constituição Federal, em face de
acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado:

“MANDADO DE SEGURANÇA. PROFESSOR.


EXONERAÇÃO. Admissibilidade. Impetrante que cometeu
90 (noventa) faltas injustificadas durante o período de estágio
probatório, em razão de suas convicções religiosas. Ausência de
violação a direito líquido e certo. Dever de assiduidade não cumprido.
Mero decurso do prazo trienal que, por si só, não defere ao servidor o
direito à estabilidade, sendo necessária a aprovação na avaliação do
estágio probatório. Art. 41, § 4º, da CF. Sentença mantida. Recurso
conhecido e não provido.” (com meus grifos)

Opostos embargos de declaração, foram eles rejeitados.

Em suas razões recursais, a recorrente alega violação ao art. 5º,


VI e VIII, da Constituição Federal, ao art. 18 do Pacto sobre Direitos Civis
e Políticos e ao art. 12 do Pacto de São José da Costa Rica, sustentando,
em suma, que “A nossa Magna Carta assegura a liberdade de consciência e de
crença, e que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa,
porém, a Recorrente fora exonerada por não cumprimento do quesito assiduidade
após o decurso do prazo trienal de estágio, sob a alegação de que suas faltas foram
injustificadas, pois por motivos de consciência religiosa a Recorrente não aceitou
ministrar aulas às sextas feiras após o por do sol, e a Recorrida não lhe abriu
oportunidade de realizar o cumprimento da jornada em horário alternativo”.

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 41 de 187

ARE 1099099 / SP

A douta Procuradoria-Geral da República ofereceu parecer, da lavra


do Dr. Augusto Aras, em que opinou, em síntese, pelo provimento do
apelo extremo, sob o fundamento de que “2. O Estado há de proteger a
diversidade em suas múltiplas formas de expressão, dentre as quais se
inclui o direito de o indivíduo adotar conduta compatível com suas convicções,
desde que não se revele antissocial, tendo em conta ser a liberdade de consciência
e crença inviolável, conforme previsto no art. 5º, VI, da CF. 3. A permissão de
obrigação alternativa para que servidores públicos cumpram seus deveres
funcionais, dentro de limites de adaptação razoável, após manifestação
prévia e fundamentada de objeção de consciência por motivos religiosos,
representa a viabilidade de concretização de liberdade religiosa sem
prejuízo do exercício de outros direitos fundamentais (no caso, a educação e o
trabalho) e impede a ocorrência de impactos desproporcionais sobre
determinados grupos religiosos de normas aparentemente neutras.
4. A necessidade de regular procedimento administrativo permite que
sejam ponderados, diante das obrigações profissionais postas no caso concreto, os
limites e as exigências da objeção de consciência, coordenados com os deveres
inafastáveis do servidor público, viabilizando o controle do ato por parte do
Judiciário e da própria sociedade, destinatária última da coisa pública” (com
meus grifos).

Foram admitidos, na condição de amici curiae, a Confederação


Israelita do Brasil – CONIB, o Centro Brasileiro de Estudos em Direito
e Religião e a Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE.

É o relatório. Decido.

A Constituição Federal, a exemplo de tantos outros ordenamentos


estatais que elegeram a democracia como regime de governo, consagra
a liberdade de crença religiosa como direito fundamental da pessoa
humana.

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 42 de 187

ARE 1099099 / SP

Uma breve visita à história da humanidade revela que a intolerância


religiosa, praticada ou não pelo ente estatal, foi, e ainda é em alguns
cantos do mundo, causa de grande sofrimento para larga parcela da
população.

Diante desse verdadeiro flagelo histórico, a grande maioria


dos Estados modernos introduziu, em suas Constituições, como direito
fundamental, a liberdade de crença religiosa. A propósito, talvez aqui
caiba uma observação: a laicidade do estado não significa estado ateu,
como alguns até possam equivocadamente entender, antes significa
estado de todas as religiões e de religião alguma.

O laicismo não constitui atitude de menosprezo e desconsideração


dos fenômenos religiosos por parte do Estado. Fato é que o Estado
não pode professar nenhuma religião, devendo manter-se neutro,
o que, entretanto, não se confunde com assumir uma posição hostil ou
impeditiva da religiosidade.

Como direito fundamental de primeira geração, a liberdade de


crença religiosa impõe ao Estado um não fazer, mas, para além disso,
impõe também um fazer, consistente, por exemplo, na proteção aos locais
de culto e a suas liturgias, conforme se vê da parte final do art. 5º, VI,
da Lei Maior.

A realização plena do ser humano pressupõe sua mais ampla


liberdade de consciência e de crença, incluindo-se aí a faculdade
individual de optar ou de mudar de religião, bem assim sua
exteriorização por meio de cerimônias, ritos, etc. Disso não se pode
ter dúvida. Ademais, o Estado Brasileiro reconhece os benefícios que
a religião pode ter na vida de cada pessoa, razão por que assegurou a
prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de
internação coletiva (art. 5º, VII, da CF).

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 43 de 187

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Por tudo isso, impõe-se ao Estado Brasileiro não apenas permitir


cultos e liturgias, mas também fornecer condições, tantas quantas
razoáveis e possíveis, para que cultos e liturgias sejam celebrados e
exercidos sem embaraços.

Todavia, nenhum direito apresenta-se como absoluto, devendo ser


exercido de maneira proporcional e de modo a não ofender outros
direitos de igual envergadura.

A experiência social tem-nos mostrado diversas hipóteses nas quais


o direito fundamental à liberdade de consciência e de crença entra em
aparente rota de colisão com outros valores e princípios, igualmente de
estatura constitucional. Em tais hipóteses, a única solução possível passa
pelo sopesar dos valores em confronto, quando então se poderá definir
qual a preponderar, sem que isso signifique o total sacrifício do outro.

A Constituição Federal, em seu art. 37, bem coloca que a


administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá
aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, ainda, observará a vinculação do instrumento convocatório,
o contraditório, a ampla defesa e a segurança jurídica.

O princípio da legalidade, como a própria terminologia está a


sugerir, impõe ao Estado a estrita observância do direito. Assim, ao
Estado só é dado agir quando autorizado pela lei e de acordo com
essa autorização.

O próprio texto do art. 5º, VIII, da Constituição Federal deixa claro


que a prestação alternativa de obrigação legal a todos imposta deve ser
fixada em lei, e não por ato tipicamente administrativo:

“VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença


religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para

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ARE 1099099 / SP

eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir


prestação alternativa, fixada em lei;” (com meus grifos)

Tanto isso é verdade que é a Lei nº 8.239/91 que dispõe sobre a


prestação de serviço alternativo ao Serviço Militar Obrigatório, e, mais
recentemente, a Lei nº 13.796/2019, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, é que regulamenta a prestação alternativa por
escusa de consciência nos casos de aplicação de provas ou realização de
aulas marcadas nas instituições de ensino públicas ou privadas em dias
considerados de guarda pela religião do aluno.

À luz do princípio da vinculação do instrumento convocatório,


todo o certame deve transcorrer com fiel obediência às regras editalícias,
ônus também imposto a todos os concorrentes ao cargo ou emprego
público.

Segundo conhecido brocardo, o edital é a lei do concurso.


Invariavelmente, e por óbvio, o edital é publicado antes do concurso.
Sendo assim, o concorrente que se inscreve no certame não pode alegar
seu desconhecimento ou sua discordância às regras instituídas na “lei do
concurso”.

A recorrente submeteu-se, por livre vontade, ao edital do concurso,


no qual já constava a carga horária a ser cumprida, se e quando
entrasse em exercício no cargo público almejado: 24 (vinte e quatro) horas
semanais, em turnos diurno e noturno, distribuídas de segunda a
sexta-feira, mas também possivelmente em dias de sábado, domingo e
feriado, por conveniência da Administração, e não o contrário, sem
previsão de diferenciações por razões particulares de cada servidor.

Eis o teor do item i-4 do edital do concurso:

“4. O candidato aprovado deverá prestar serviços dentro do


horário estabelecido pela Administração, podendo ser diurno ou

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

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ARE 1099099 / SP

noturno, em dias de semana , sábados, domingos e feriados, obedecida


a carga horária semanal de trabalho.”

A parte ora recorrente em nenhum momento apresentou


impugnação a qualquer ponto do edital.

O princípio da impessoalidade, irmão siamês do princípio da


isonomia, impõe ao Estado o dever de agir sem qualquer predileção
ou preterimento a quem quer que seja, dispensando tratamento igual a
todos os candidatos.

O princípio da eficiência é o que impõe à administração pública


direta e indireta a persecução do bem comum, por meio do exercício de
suas competências de forma eficaz, sem burocracia e sempre em busca
da máxima qualidade aliada ao mínimo de custos, primando, assim,
pela melhor utilização possível dos recursos públicos.

A própria qualidade na prestação dos serviços de educação


atende a princípios constitucionais, assegurados, em especial, nos
arts. 206, incisos V (valorização dos profissionais da educação escolar) e
VII (garantia de padrão de qualidade), e 208, inciso VI (oferta de ensino
noturno regular, adequado às condições do educando).

Como bem argumentado pelo Município de São Bernardo do


Campo/SP, em suas contrarrazões ao apelo extremo:

“(...) acaso acolhidas as razões da recorrente, estar-se-ia


acolhendo também o risco de muitos, de mesma ou de diferentes
religiões, que podem reivindicar iguais privilégios de tratamento,
tal como ‘pregar o não labor’ em qualquer outro dia útil,
inviabilizando a agenda dos trabalhos regulares do ensino
municipal.” (com meus grifos)

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Voto - MIN. NUNES MARQUES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 46 de 187

ARE 1099099 / SP

Finalmente, esclarece-se que foram respeitados os princípios do


contraditório e da ampla defesa, uma vez que, conforme demonstra
o Parecer CAEDS 541, devidamente comprovado pela instrução do
Processo 36623/t, a Comissão de Avaliação Especial de Desempenho do
Servidor notificou a servidora (Notificação nº 014/2014, com aviso de
recebimento) e ela, regularmente representada por advogado, respondeu
à notificação, apresentando suas justificativas para as faltas funcionais.

Ante o exposto, nego provimento ao presente recurso


extraordinário.

Proponho, ainda, a seguinte tese: “Caso não haja previsão em lei,


na exata dicção do art. 5º, VIII, da Constituição Federal, não é dever do
administrador público disponibilizar obrigação alternativa para servidor
público, em estágio probatório ou não, cumprir seus deveres funcionais a que
está impossibilitado em virtude de sua crença religiosa”.

É como voto.

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

VOTO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 47 de 187

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Boa tarde,


Presidente, boa tarde a todos os Colegas, Ministra Cármen, Ministra Rosa,
Ministros. Cumprimento também o Procurador-Geral da República,
Doutor Augusto Aras.
Aproveito a oportunidade, Presidente, para parabenizar as ótimas
sustentações orais realizadas na semana passada, trazendo inúmeras
contribuições para que pudéssemos refletir sobre esse tema
importantíssimo. Vossa Excelência bem colocou ao apregoá-lo. O tema é
efetivamente de jurisdição constitucional. Cumprimento, assim, o Doutor
Professor José Levi Mello do Amaral Júnior, Advogado-Geral da União, a
Doutora Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro, o Doutor Luigi Mateus
Braga, a Doutora Adriana Patrícia Campos Pereira, a Doutora Fernanda
Maria de Lucena Bussinger, a Doutora Patrícia Conceição Moraes e o
Doutor Fernando Kasinki Lottenberg.
O tema é importantíssimo, já muito bem discutido na semana
passada. Hoje, o eminente Ministro Dias Toffoli retomou a questão, e
agora, também, o Ministro Nunes Marques. Cumprimento ambos os
Ministros pelos votos e também o eminente Ministro Edson Fachin.
Vou tentar, Presidente, na medida do possível, pela importância do
tema, resumir minhas razões e minha fundamentação, porém acho que
devo salientar alguns pontos. O voto é conjunto, obviamente, uma vez
que se trata, lato sensu, do mesmo assunto. No RE 611.874, como já
colocado, é um mandado de segurança para garantir participação em
prova de capacidade física em concurso público - inclusive para cargo no
Poder Judiciário -, a ser realizada em outro dia que não sábado, dia de
resguardo, dia santo do impetrante. No ARE 1.099.099, trata-se de pedido
de disponibilização de prestação alternativa para servidora que prestou
concurso para professora municipal e, durante o estágio probatório, não
compareceu às aulas ou ao horário de sexta-feira à noite, em virtude de
guardar de sexta-feira à noite a sábado. Por isso, não foi efetivada. Ao fim
de seu estágio probatório, a servidora foi dispensada.
Em ambos os casos, como também já dito, o Supremo Tribunal
Federal reconheceu a repercussão geral: Temas 386 e 1.021. A
controvérsia de ambas as repercussões gerais é idêntica. A meu ver - e foi
amplamente debatido -, o que se pretende é analisar a amplitude do

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

exercício das liberdades de crença e de culto, constitucionalmente


Inteiro Teor do Acórdão - Página 48 de 187
consagradas, mas não só isso; é também definir eventuais limites na
garantia fundamental à escusa de consciência e na fixação das chamadas
prestações alternativas pelo Poder Público, nos termos do que preceitua o
art. 5º, VIII, da Constituição Federal.
Não há dúvidas de que o tema tratado envolve obrigatoriamente a
análise, de um lado, da liberdade religiosa, de crença e de culto e, de
outro lado, a questão da laicidade do Estado. Essa relação milenar entre
Estado e religiões - relação histórica, jurídica e cultural - é uma das mais
importantes nos temas da formação, estruturação e desenvolvimento dos
Estados. Nós mesmos aqui já tivemos chance e inúmeras oportunidades
de discutir a questão da liberdade de crença, da liberdade de culto em
virtude de posições estatais e de outros direitos fundamentais, a questão
do ensino religioso, a questão de sacrifício de animais para cultos de raiz
africana - ou seja, a questão estrutural de Estado, de um lado, e Igreja e
religiões, do outro, mas, ao mesmo tempo, a convivência harmônica entre
Estado secular e religiões. Não tenho nenhuma dúvida - e os votos que
me antecederam bem demonstraram isso - de que é, sem dúvida, um dos
mais importantes temas estruturais do Estado.
A Constituição Republicana de 1891 foi a primeira constituição laica
no Brasil, uma vez que a Constituição de 1824 era uma constituição
confessional, que optou pela religião Católica Apostólica Romana como
religião oficial do Brasil - e a partir disso se deu uma série de privilégios à
religião Católica Apostólica Romana. Na interpretação evolutiva, o Brasil
se manteve na tradição de estado laico e de ampla liberdade religiosa.
Ao consagrar a inviolabilidade, como disse, de crença e de cultos
religiosos, o importante - em ambos os casos me parece absolutamente
essencial - é que essa ampla liberdade religiosa deve ser realizada e
efetivada em sua dupla acepção.
De um lado, a proteção ao indivíduo e às diversas confissões
religiosas em relação a quaisquer intervenções ou mandamentos estatais.
O Estado é separado da igreja, mas o Estado não pode constranger as
confissões religiosas.
Há também uma outra acepção. Se a primeira grande finalidade da
liberdade religiosa é a proteção ao indivíduo e às confissões religiosas,
também há - e é a segunda acepção - a proteção à laicidade do Estado:
total liberdade de atuação estatal em relação aos dogmas e princípios

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religiosos. Ao mesmo tempo em que o Estado não pode constranger os


Inteiro Teor do Acórdão - Página 49 de 187
indivíduos que professam determinadas convicções religiosas - ou
aqueles que não professam, porque a liberdade religiosa garante ampla
liberdade também aos agnósticos e aos ateus -, por outro lado, a liberdade
religiosa, dentro da ideia de laicidade do Estado, assegura também ao
Estado liberdade de atuação. O Estado não está vinculado; não pode
constranger, mas não pode ser constrangido em relação aos dogmas e
princípios religiosos.
Ambos os casos, tanto o de relatoria do eminente Ministro Dias
Toffoli quanto o de relatoria do eminente Ministro Edson Fachin, tratados
neste momento pela nossa Suprema Corte, envolvem direta e exatamente
a necessidade de compatibilização entre a proteção individual das
confissões religiosas, em face de eventuais intervenções estatais, com a
impossibilidade de restrições ou constrangimentos irrazoáveis à atuação
estatal, de maneira a se querer vincular a atuação do Estado a dogmas e
princípios religiosos.
Em outras palavras, há a necessidade de definição sobre quais são os
limites constitucionais, tanto da possibilidade de eventual ingerência
estatal na liberdade de crença e culto religiosos - que não estão sendo
tratado nestes casos, mas lembro casos historicamente no direito
comparado, a questão da poligamia, por exemplo, de determinadas
religiões, nos quais se entendeu pela possibilidade de ingerência estatal
na liberdade de crenças e cultos religiosos - quanto da possibilidade de
ingerência ou não de dogmas religiosos nas condutas do Poder Público.
É sobre essa acepção que estamos a analisar e tratamos esses dois
casos. A necessidade dessa dupla análise se dá porque, sistematicamente,
os constituintes de 1988 não se limitaram simplesmente a proclamar a
laicidade do Estado, de um lado, e a liberdade religiosa, do outro. Os
constituintes de 1988 consagraram a absoluta necessidade de inter-
relacionamento e complementariedade entre liberdade religiosa e
laicidade estatal. Esse binômio liberdade religiosa/laicidade estatal foi
consagrado pelo legislador constituinte de 1988 no preâmbulo da
Constituição, quando o constituinte invoca a proteção de Deus, e ao longo
de todo o texto da nossa Carta Magna, sempre demonstrando
preocupação em estabelecer um amplo leque de vedações, direitos e
garantias, para assegurar, mesmo dentro da laicidade estatal, a ampla
liberdade de crença e de culto.

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Anteriormente, já foram citados exemplos. Hoje, o Ministro Dias


Inteiro Teor do Acórdão - Página 50 de 187
Toffoli e o Ministro Nunes Marques citaram, por exemplo, a
determinação de prestação de assistência religiosa nas entidades civis e
militares de internação coletiva - art. 5º, VII, o Estado é laico, mas é
possível isso -; a proibição de privação - aqui mais especificamente para
os temas em questão - de direitos por motivo de crença religiosa, salvo
quando esta for invocada como motivo para eximir-se de obrigação legal;
a questão da escusa de consciência; a vedação de o Estado estabelecer ou
subvencionar cultos religiosos ou igrejas - uma das grandes vedações
federativas previstas no art. 19, I -; a questão do alistamento militar e da
recusa de alistamento militar por escusa de consciência religiosa -
também filosófica, mas religiosa -; atribuição de efeitos civis ao casamento
religioso; imunidade tributária aos templos de qualquer culto -
imunidade prevista no art. 150, VI, b. Tudo a demonstrar a necessidade
de uma interpretação que compatibilize, inter-relacione, o binômio
liberdade religiosa, ampla liberdade de crença e de culto e laicidade do
Estado.
Afirmo que - e entendo que não erraria em afirmar - a abrangência
do preceito constitucional que assegura a liberdade de crença e a
liberdade de culto: é ampla, é ampla! É tão ampla que, como já decidido
pelo Tribunal Constitucional federal alemão, fazem parte do exercício
dessa liberdade de crença e de culto não somente os procedimentos
litúrgicos e a prática de observância dos usos religiosos - como culto
religioso, coleta de contribuições, orações, recebimento de sacramentos,
procissão -, mas também a educação religiosa, festas laicas, religiosas e
ateias, e outras tantas manifestações da vida religiosa - entre elas, guardar
um dia, em relação ao trabalho e ao estudo, para se dedicar à religião e a
Deus. A ideia é exatamente a amplitude consagrada pela Constituição
Federal de liberdade de crença e de culto dentro da ideia de que religião,
qualquer que seja, é um complexo de princípios que dirigem
pensamentos, ações e adoração do homem para com Deus, deuses ou
entidades. Acaba por compreender crença, dogma, moral, liturgia, culto,
bem como - e aqui a liberdade religiosa também garante a laicidade do
Estado - o direito de duvidar, de não acreditar, de não professar nenhuma
fé, consagrando, inclusive, o dever do Estado de absoluto respeito aos
agnósticos e ateus.
A coerção à pessoa humana de forma a constrangê-la a renunciar,

Publicado sem revisão. Art. 95 do RISTF.

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

total ou parcialmente, a sua fé, ou ainda a obrigá-la a professar


Inteiro Teor do Acórdão - Página 51 de 187
determinada crença representa desrespeito à diversidade democrática de
ideias, filosofias, e vou mais além, um desrespeito à própria diversidade
espiritual. O que a Constituição proclama, ao consagrar a liberdade
religiosa, é a verdadeira consagração da maturidade e do reconhecimento
à liberdade de pensamento e livre manifestação de expressão em todos,
absolutamente todos, os aspectos. Garante a ideia fundamental de
tolerância religiosa e a vedação a qualquer tipo de imposição estatal, seja
impondo uma religião oficial, em ferimento ao foro íntimo, seja proibindo
uma religião, seja restringindo direitos sob o pretexto de assegurar
tratamento isonômico a todo e qualquer cidadão independentemente de
sua crença.
Parece-me extremamente importante observar o perigo de se
permitir, de forma ampla, a ideia de restrição do exercício de direitos
dentro de sua religião, sob o pretexto genérico de que qualquer
possibilidade, qualquer abertura por parte do Poder Público dessa
viabilidade do exercício dos cultos religiosos, seria um ferimento a um
tratamento isonômico em relação aos demais cidadãos que professem
outra fé ou nenhuma delas.
A plena liberdade religiosa, Presidente, deve garantir o respeito à
diversidade de dogmas e de crenças, sem hierarquização de
interpretações bíblicas ou religiosas de um ou mais grupos em detrimento
dos demais. Lamentavelmente, há milênios o desrespeito à liberdade
religiosa vem acarretando inúmeros sofrimentos, basta lembrar as
Cruzadas e as guerras santas até os atuais atos de terrorismo. Tudo em
nome de uma falsa fé, tudo em nome de Deus: a prática dos mais
absurdos crimes, dos mais absurdos genocídios. Em nome de Deus, mas
sempre se esqueceu que a ideia principal da plena liberdade religiosa é a
tolerância.
Em ambos os casos aqui tratados, se aplicarmos ao binômio
liberdade religiosa e laicidade estatal, a ideia principal da plena liberdade
religiosa, a tolerância, veremos que é totalmente possível compatibilizar a
vontade estatal e os direitos individuais. Aqui, repito, o importante é
priorizar a premissa básica da liberdade religiosa: a tolerância - e respeito
com tolerância. O respeito à fé alheia ou à ausência de qualquer crença
religiosa é primordial para a garantia de segurança da nossa própria fé.
Respeitar os outros, respeitar a fé dos demais, respeitar a não fé é

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primordial paraInteiroa Teor


garantia da nossa própria segurança, do
do Acórdão - Página 52 de 187
reconhecimento da nossa própria fé.
Sobre essa necessidade de pluralidade, de tolerância religiosa, não
poderia deixar de lembrar talvez a obra mais citada e mais importante
sobre essa questão, de Thomas More, Utopia. Thomas More, todos
lembramos, além de grande estudioso de religião e um dos maiores
comentaristas de Santo Agostinho, foi lorde e chanceler de Henrique VIII
por três anos, sempre defendendo a questão da tolerância e da liberdade
religiosa. Em sua grande obra, A Utopia, defendia que "alguns veneram
como Deus supremo um homem cuja glória e virtudes brilharam outrora
de um vivo fulgor", dizendo, em outras palavras, que cada um deveria e
poderia ter a liberdade de venerar como Deus aquilo que entendesse para
si como suficiente e necessário.
O respeito a esse direito fundamental, consagrado como garantia
formalmente prevista pelas diversas Constituições democráticas, em
vários locais do mundo, lamentavelmente, ainda não se transformou em
uma realidade universal. Não é o caso do Brasil, onde esta Suprema Corte
vem, caso após caso, ação após ação, proclamando, garantindo e
concretizando a ampla liberdade religiosa, dentro sempre da ideia de
Estado laico. Presidente, o Estado, entendo, não consagra,
verdadeiramente, a liberdade religiosa sem absoluto respeito aos seus
dogmas, suas crenças, liturgias e cultos. Ora, se não houver respeito à
exteriorização da fé, não há respeito à própria fé.
A nossa Constituição de 1824, como já disse anteriormente, previa,
como religião oficial, a religião Católica Apostólica Romana e estabelecia
ampla liberdade de crença, mas não garantia a liberdade de culto. O art.
179 expressamente estabelecia que qualquer outro culto que não o
Católico Apostólico Romano, qualquer exteriorização de outra crença,
deveria ser feito dentro de casa e a portas fechadas. Respeitava-se, em
tese, a crença religiosa, mas se proibia, em público, o exercício dos
dogmas, das crenças, das liturgias e dos cultos religiosos. Não se pode
falar que era efetivamente uma Constituição que consagrava a liberdade
religiosa.
O Estado deve respeitar todas as confissões religiosas e, como disse,
a ausência delas - agnósticos, ateus. A segunda acepção, a partir desse
respeito, também deve ser observada. A legislação estatal, as condutas e
políticas públicas não devem e não podem ser pautadas direta e

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exclusivamente por quaisquer dogmas ou crenças religiosas ou por


Inteiro Teor do Acórdão - Página 53 de 187
concessões irrazoáveis, benéficas e privilegiadas a determinadas religiões.
Essa é a ponderação que se deve fazer. Ao mesmo tempo em que o Poder
Público tem a obrigação constitucional de garantir a plena liberdade
religiosa, em face da sua laicidade, não pode ser subserviente, ou mesmo,
conivente com qualquer dogma ou princípio religioso que possa colocar
em risco sua própria laicidade ou a efetividade de outros direitos
fundamentais, dentre eles - e foi salientado nos votos que me
antecederam -, o princípio isonômico, o tratamento de todas as crenças,
todos os adeptos, bem como dos agnósticos e ateus.
É exatamente por essa ótica de liberdade e tolerância, respeito e
laicidade, razoabilidade, igualdade e impessoalidade que devem ser
tratadas todas as religiões, especificamente os dois casos aqui tratados.
A partir dessas premissas, como solucionar ambos os casos, uma vez
que a Constituição prevê que ninguém será privado de direitos por
motivo de crença religiosa, salvo se as invocar para eximir-se de
obrigação legal a todos imposta?
Até a Constituição de 1988, a escusa de consciência como garantia
instrumental ao direito à liberdade religiosa era um clássico exemplo de
que o exercício de um direito acarretava uma sanção. Até 1988, aqueles
que exerciam, por crença religiosa ou convicção política ou filosófica, sua
crença religiosa e exerciam a escusa de consciência acabavam perdendo
os direitos políticos. Exemplo clássico: serviço militar obrigatório. Em
determinadas religiões, os adeptos dessas religiões não podem servir às
Forças Armadas. Até 1988, arguiam a escusa de consciência e eram
dispensados, só que perdiam os direitos políticos.
A Constituição de 1988 trouxe um plus. A Constituição diz: "por
motivo de crença religiosa, ninguém perde ou poderá ser privado de
direitos, salvo se a invocar para eximir-se de obrigação legal a todos
imposta". Exatamente a escusa de consciência, só que, além disso,
recusar-se a cumprir uma prestação alternativa, nos mesmos termos do
art. 15, IV, da Constituição, em relação aos direitos políticos. Não se perde
mais direitos políticos pela utilização da escusa de consciência, salvo se
também houver a recusa à prestação alternativa.
O que temos, então, a meu ver, que analisar para solucionar os dois
casos são se os requisitos para a privação de direitos, em virtude de
crença religiosa, estão presentes em ambos os casos; se não houve o

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cumprimento de Inteiro
umaTeor
obrigação a todos imposta; e, além disso, pela
do Acórdão - Página 54 de 187
inexistência, não fixação ou próprio descumprimento, se não houve a
prestação alternativa. A escusa de consciência não diz respeito somente a
serviço militar e aos casos clássicos - serviço militar, voto, participar de
Tribunal de Júri -, diz respeito a qualquer direito.
Aqui, Presidente, parece-me é a grande questão que separa as duas
posições já tão bem colocadas em Plenário, a posição do eminente
Ministro Edson Fachin e a posição do Ministro Dias Toffoli, agora,
secundada pelo Ministro Nunes Marques. Pretende-se, nos termos do art.
5º, VIII, a realização de etapas de concurso público em datas e horários
distintos dos previstos em edital porque o candidato invocou a escusa de
consciência por motivo de crença religiosa, ou que a administração
pública - inclusive durante o estágio probatório - estabeleça critérios
alternativos para o regular exercício dos deveres funcionais inerentes a
cargos públicos - no caso em questão, professora municipal -, em face
também de servidores que invocam escusa de consciência por motivo
religioso e dizem: "eu prestei o concurso, o meu contrato é de 28 horas, eu
vou comparecer, dar aulas; só peço que não marquem aulas sexta à noite,
das 18h de sexta até 18h do sábado". O que se coloca aqui, como disse,
parece-me o diferencial entre os posicionamentos: uma obrigação a todos
imposta. Isso foi dito da tribuna, nas sustentações orais, nos votos. É
muito fácil identificarmos a questão do serviço militar obrigatório, a
questão do voto obrigatório, a questão da participação como jurado no
Tribunal do Júri.
Agora, não é obrigatório também - e acho que ninguém discute -
prestar concurso público, não é obrigatório ser professor municipal ou
estadual. Mas não me parece que a obrigatoriedade a caracterizar a
escusa de consciência venha daqui. O eminente Ministro Edson Fachin
salientou, em seu voto, que não se pode considerar como plena liberdade
religiosa se o Estado obriga alguém a optar entre sua profissão e sua fé.
Aqui, parece-me, a análise da obrigatoriedade deve ser um passo
adiante, deve ser vista por aquele que opta consciente, livre e
voluntariamente, por prestar concurso público. Há obrigações impostas a
ele e a todos os candidatos: seguir o edital e os dias do edital. Aquela que
ingressou livremente, por concurso público, para ser professora
municipal, a partir dessa opção, terá a obrigatoriedade de
comparecimento às sextas-feiras. Em relação a essas obrigações que

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surgiram, a partirInteiro
de uma legítima opção - prestar um concurso público
Teor do Acórdão - Página 55 de 187
ou ser professor -, seria possível a escusa de consciência?
Ao mesmo tempo que podemos afirmar que não é obrigatório
prestar concurso, nem o exercício de cargos públicos, também não
podemos afirmar que seria razoável se vedar a milhões de pessoas a
possibilidade de acesso a cargos públicos porque não conseguiriam
realizar as provas ou, depois, exercer determinado cargos.
Volto à questão da ponderação. Óbvio que o Poder Público não
precisa e não deve, porque é laico, consultar calendários religiosos para
fixar a data de seus concursos ou sua rotina administrativa. Por exemplo,
só no Brasil, além da religião judaica, que guarda o Shabat - de sexta-
feira, 18h, a sábado -, são dezessete igrejas sabatistas. A religião
muçulmana guarda a sexta-feira, não o sábado. Teríamos, aí, dois dias. O
Poder Público não precisa se prender aos dogmas religiosos; obviamente
que não. Agora, também não seria razoável, a priori, a meu ver, sob pena
de se afastar, totalmente, a garantia constitucional da liberdade de culto e
crença, impedir-se que, em virtude de determinada religião, uma pessoa
estivesse, na prática, terminantemente impedida de pleitear acesso a
determinado cargo público, via concurso, ou ainda que jamais pudesse
exercer determinado cargo público, mesmo que o concurso fosse feito
durante a semana. Passou, mas não pode exercê-lo - como o caso da
professora, porque tinha aula sexta-feira.
O Poder Público não está obrigado a seguir os dogmas do calendário
religioso, mas, Presidente, com a devida vênia das posições em contrário,
não pode, a priori, fazer tábula rasa da liberdade religiosa, impedindo que
todos os adeptos de uma determinada religião não possam ter acesso a
concursos - porque a prova é no dia em que não podem -, nem possam
exercer cargos públicos. Estaríamos, segundo o IBGE de 2010 - ou seja, há
dez anos -, impedindo que 1.561.071 de adventistas e em torno de 110.000
judeus pudessem prestar concursos marcados para o sábado ou mesmo
exercer cargos públicos como o de professor. Temos, no Brasil, a segunda
maior comunidade judaica da América Latina, atrás somente da
Argentina.
Presidente, há necessidade de se compatibilizar, com base na
igualdade e razoabilidade. Não se impõe ao Poder Público que não
marque concursos ou que decrete ponto facultativo toda sexta e sábado -
sexta em virtude dos muçulmanos; sábado, dos adventistas e judeus.

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Mas, ao mesmo Inteiro


tempo, entendo que é razoável, desde que não fira a
Teor do Acórdão - Página 56 de 187
igualdade de competição e a igualdade do exercício de cargos públicos,
dentro da proporcionalidade, adequação e do critério da justiça e do
respeito à liberdade religiosa, adequar-se no caso específico.
Ora, se a razoabilidade engloba prudência, proporção,
indiscriminação, proteção à casualidade, em suma, a não arbitrariedade -
passo aos dois casos específicos -, não seria razoável a possibilidade de
fixação em outro dia da prova física ao candidato? No que isso fere a
proporcionalidade? No que isso fere a igualdade de competição?
Estaríamos, aqui, compatibilizando. O Estado não é obrigado ao dia
do concurso. Entretanto, para esse candidato, em condições em que não
há quebra de sigilo de determinada prova, quebra de competição
objetiva, quebra do resultado do próprio concurso, é razoável e
constitucional que ele tenha o direito de exercer sua escusa de
consciência. Mesmo que não haja uma prestação alternativa fixada em lei,
a Administração - não diria nem prestação alternativa -, como dia
alternativo, poderia fixar outra data.
Devemos lembrar que o Supremo Tribunal Federal já de longa data
fixou, em mandados de injunção, em relação ao próprio serviço militar
obrigatório - de 1988 a 1993, antes que fosse editada a Lei do Serviço
Militar Obrigatório -, que a ausência de lei não poderia prejudicar aquele
que alegasse a escusa de consciência. Ele deveria ficar aguardando para
prestar assim que houvesse a definição legal. Contudo, aqui, não há nem
necessidade. É óbvio que a alteração do dia é muito mais que razoável.
Da mesma forma, dentro dessas premissas e desse binômio
liberdade religiosa, laicidade do Estado, com tolerância e razoabilidade,
para uma professora municipal que presta um concurso para 28 horas
semanais, não seria uma intolerância religiosa, por parte da
Administração, distribuir essas 28 horas bem na sexta-feira? No caso
concreto, as 28 horas para dar aulas não eram distribuídas na sexta-feira,
ou seja, ela poderia compensar em outros dias. É diferente de alguém que
preste um concurso, vamos dizer, para um cargo de sexta-feira até
domingo, um cargo de fim de semana. Se alegar escusa de consciência, aí
não há razoabilidade, não há possibilidade de tolerância e compensação.
Porém, nos dois casos aqui, vislumbro que é possível essa
compatibilização, como o próprio legislador já o fez em outros casos - foi
citada aqui a Lei nº 13.796, para assegurar a alunos da rede de ensino a

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escusa de consciência em relação a provas e frequência em dias de guarda


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religiosa. Da mesma forma, volto a insistir na premissa da tolerância.
Assim, Presidente, escusando-me da demora do voto, parece-me que
é essencial pautar, aqui, os próximos passos da consagração da liberdade
religiosa no Brasil. Dentro desses critérios estabelecidos anteriormente - e
que expus -, em especial a observância da razoabilidade e da tolerância,
na possibilidade de alteração da data de realização do teste de aptidão
física de candidato - no caso, adepto da religião adventista -, para um dia
diferente de sábado, parece-me que não há ferimento ao princípio da
igualdade. Não há quebra da impessoalidade, uma vez que a escusa de
consciência é garantida pela Constituição. Não é um favor que o Poder
Público faz à pessoa A, B ou C. É ao respeito à liberdade religiosa que o
Poder Público tem obrigação, tanto nesse caso quanto na possibilidade de
fixação de horário alternativo para o exercício de funções de determinado
cargo público. Obviamente, sempre que possível esse horário alternativo,
sem a quebra de eficiência do Poder Público, sem o comprometimento
desse princípio, que é de todo interpretativo, previsto no caput do art. 37.
Parece-me que, em ambos os casos, não há qualquer comprometimento à
laicidade do Estado, que deve sempre ser observada para fixação da
prestação alternativa ou critérios alternativos.
Ressalto novamente e com isso encerro, Presidente. Não se trata, de
forma alguma, de condicionar a atuação estatal aos dogmas religiosos.
Essa hipótese não encontra respaldo constitucional.
Trata-se, sim, sempre que possível e razoável, dentro da tolerância
religiosa, de dar concretude à consagração constitucional da escusa de
consciência; senão, ela não existe. Compatibilizar atuação estatal com
ampla liberdade de crença e de culto, sempre que possível, é razoável,
sem desrespeito à isonomia, à impessoalidade e à razoabilidade.
Portanto, Presidente, no primeiro caso, nego provimento ao recurso
extraordinário para confirmar o acórdão recorrido, propondo a seguinte
tese:
Nos termos do art. 5º, VIII, da Constituição Federal, é possível a
realização de etapas de concurso público em datas e horários distintos
dos previstos em edital, por candidato que invoque escusa de consciência
por motivo de crença religiosa, desde que presente a razoabilidade da
alteração e a preservação da igualdade entre todos os candidatos.
Faço questão de salientar isso, porque não é algo automático, porque

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

o Poder Público não precisa se condicionar aos dogmas religiosos.


Inteiro Teor do Acórdão - Página 58 de 187
Em relação ao segundo caso - o primeiro caso seria do Ministro Dias
Toffoli, o segundo do Ministro Edson Fachin, na minha relação -, também
acompanho o Relator, dando provimento ao recurso para fins de
concessão da segurança com fixação da seguinte tese:
Nos termos do art. 5º, VIII, da Constituição Federal, é possível à
Administração Pública, inclusive durante o estágio probatório,
estabelecer critérios alternativos para o regular exercício dos deveres
funcionais inerentes aos cargos públicos, em face de servidores que
invocam escusa de consciência por motivo de crença religiosa, desde que
presente a razoabilidade da alteração e não se caracterize o
desvirtuamento no exercício de suas funções.
É o voto, Presidente.

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

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25/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Boa tarde,


Presidente e querido amigo Ministro Luiz Fux. Boa tarde, Ministra
Cármen Lúcia, Ministra Rosa Weber, prezados Colegas, Senhores
Advogados, Senhor Advogado-Geral da União, Senhor Procurador-Geral
da República.
Eu também começo louvando as diferentes sustentações orais, nos
diferentes pontos de observação que foram aqui expostos com grande
maestria. Também cumprimento os eminentes Ministros Dias Toffoli e
Edson Fachin, Relatores, respectivamente, do primeiro e do segundo caso,
por votos igualmente densos e de grande profundidade e relevância para
o debate nesta questão que, evidentemente, como já assinalado por todos,
não é uma questão singela.
O meu voto não é longo, Presidente, mas eu o dividi em algumas
partes que incluem a posição da religião no mundo contemporâneo, os
papéis do Estado na matéria, a necessidade de ponderação neste caso
concreto e a conclusão a que chego em cada um dos casos, além da tese
que igualmente proponho.
Começo, brevemente, sobre a questão da religião no mundo
contemporâneo. Eu preciso dizer que esse tema da religião me é
especialmente caro. Embora não seja adepto particularmente de alguma
delas no sentido de professá-la, sou filho de mãe judia e me sinto
antropologicamente judeu. Sou filho de pai católico, vivi nos Estados
Unidos como uma família presbiteriana, e, quando fiz meu mestrado,
meu vizinho de porta era muçulmano da Arábia Saudita, e fomos muito
amigos. Portanto, tenho um grande respeito pela religiosidade das
pessoas e pelo pluralismo, até porque cresci em meio à diversidade
religiosa. Por isso faço uma breve reflexão sobre o papel da religião no
mundo contemporâneo.
O sentimento religioso - escrevi eu em outro texto - acompanha a

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 60 de 187

ARE 1099099 / SP

evolução da condição humana e das civilizações desde o início dos


tempos. Por muito tempo, o conhecimento convencional militou na
crença de que o Estado moderno, a Revolução Científica e o Iluminismo -
que de certa forma separaram, sim, a Igreja do Estado - empurrariam o
sentimento religioso para a margem da história, superado pelo
racionalismo e pelos avanços tecnológicos.
Não é difícil perceber que as diferentes profecias que previam a
desaparição do sentimento religioso não se realizaram. É certo que a
modernidade trouxe, evidentemente, a secularização, a laicidade do
Estado e a separação entre ciência e fé, com o deslocamento da religião
para um espaço predominantemente da vida privada. A verdade, porém -
esse é um ponto que me parece muito interessante assinalar -, é que
mesmo depois de Copérnico, Galileu e Kepler, com a teoria heliocêntrica
do cosmos, de Charles Darwin, com a origem das espécies e a seleção
natural, e da revolução na física moderna, trazida pela teoria da
relatividade, pela mecânica quântica e pela confirmação do bóson de
Higgs - "a partícula de Deus" -, o sentimento de religiosidade não
arrefeceu.
O fato inelutável é que a ascensão das ciências e o avanço
tecnológico não deram conta das demandas espirituais da condição
humana. Apesar do humanismo, do agnosticismo e do ateísmo terem
representantes intelectuais de grande expressão, 84% da população
mundial professam alguma religião. No Brasil, de acordo com o último
levantamento do IBGE, de 2010, apenas 8% dos entrevistados se
declararam sem religião. Nas palavras de Yuval Noah Harari, em um de
seus best-sellers, "mais de um século após Nietzsche tê-lo pronunciado
morto, Deus fez um retorno triunfal".
Portanto, independentemente da convicção de cada um, nós não
podemos abstrair o fato de que a religiosidade ainda desempenha um
papel relevante no mundo contemporâneo, embora, na minha visão, esse
papel deva ser, tanto quanto possível, reservado para a vida privada.
Feita essa breve exposição sobre o papel que eu considero da religião
no mundo contemporâneo, acrescento duas breves palavras sobre o papel

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ARE 1099099 / SP

do Estado relativamente à religião - e aí já passando para um plano


normativo-dogmático, porque esses papéis estão balizados pela
Constituição.
E em matéria de religião, há dois grandes parâmetros na
Constituição. O primeiro é o da liberdade de religião, e o segundo é o da
laicidade do Estado. A liberdade de religião significa que o papel do
Estado é o de assegurar um ambiente de respeito e de segurança para que
as pessoas professem as suas religiões. E laicidade significa que o Estado
deve ter uma posição de neutralidade em relação às religiões e, portanto,
sem privilegiar nem desfavorecer qualquer uma delas.
E aqui sempre lembrando, e o Ministro Alexandre já mencionou esse
ponto, a questão da liberdade religiosa e do papel da religião no mundo
contemporâneo e no Brasil especialmente já esteve em debate neste
Plenário por mais de uma vez, inclusive dividindo posições, como aliás é
esse caso uma vez mais. Tivemos a questão do ensino religioso
confessional em escolas públicas, tivemos a questão do ensino domiciliar
do homeschooling e tivemos a questão do sacrifício de animais em cultos
religiosos de origem africana. Salvo nesse último caso, geralmente esse é
um debate divisível porque compreensivelmente as pessoas têm visões
diferentes.
E eu concluo essa passagem fazendo a seguinte menção: a religião
como quase tudo na vida pode ser usado para o bem e para o mal, há
religiosos admiráveis e há religiosos que mereciam arder no fogo do
inferno, se vocês acreditarem em um.
Gosto de lembrar que, no início dos anos trezentos, o Imperador
romano Constantino converteu-se ao cristianismo, deixando de adorar o
deus sol, mas continua a ser um brutal sociopata. Mesmo depois da
conversão, ele enforcou o cunhado, assassinou o sobrinho, condenou à
morte o filho mais velho e afogou a mulher em água quente. Portanto, a
religião em si e por si não é garantia do bem, depende sempre de como as
pessoas se comportam em relação a ela.
Eu aqui ouvia o eminente Ministro Alexandre de Moraes lembrar o
mártir Thomas More, autor da Utopia e muito próximo a Henrique VIII.

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ARE 1099099 / SP

Apenas lembrando que, quando da conversão da Inglaterra ao


anglicismo, com a Reforma Protestante, ele permaneceu fiel à Igreja
Católica e foi decapitado pelo próprio Henrique VIII, de quem era amigo
desde a adolescência, e morreu dizendo que viveu para servir bem ao Rei,
mas que servia a Deus primeiro.
Portanto, o papel do Estado em matéria de religião é assegurar a
liberdade religiosa e preservar a neutralidade.
E aqui feitas essas considerações que contextualizam a minha visão,
nós chegamos aos valores que estão em disputa aqui, os valores que estão
em jogo nos dois casos trazidos a julgamento.
Como outros já mencionaram, também penso que há aqui uma
necessidade de ponderação. Ponderação, como se sabe, é a técnica
jurídica de decisão que se utiliza quando uma mesma situação está sob a
incidência de normas diversas e de mesma hierarquia. Como regra geral,
juízes decidem enquadrando os fatos à norma aplicável e pronunciando
uma conclusão. Porém, quando existe mais de uma norma válida que
postula incidência sobre o caso concreto, ambas da mesma hierarquia,
não é possível escolher uma para fazer a subsunção dos fatos e, portanto,
é imperativa a ponderação, que é basicamente a técnica de atribuir pesos
aos valores em disputa, para determinar qual deve prevalecer naquela
situação concreta, partindo da premissa de que, entre normas
constitucionais e entre direitos fundamentais constitucionais, não existe
hierarquia e, portanto, não se pode escolher um em detrimento do outro,
razão pela qual se impõe a ponderação.
E aqui a ponderação se coloca entre o direito fundamental à
liberdade religiosa, de um lado, e o bom funcionamento da
Administração Pública, do outro lado. E o bom funcionamento da
Administração Pública atende a diversos interesses, inclusive a direitos
fundamentais de todos. No caso concreto, nós temos o direito
fundamental à liberdade religiosa e o interesse da Administração Pública
de conduzir os concursos públicos e o provimento das vagas da maneira
que discipline.
É sempre bom lembrar uma passagem clássica do Ronald Dworkin,

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no Levando os direitos a sério, de que os direitos fundamentais são, de certa


forma, um trunfo contra a vontade das maiorias. Portanto, sempre que
existe um direito fundamental de um lado e um interesse coletivo de
outro se deve prima facie valorizar o direito fundamental. Uma das
características dos direitos fundamentais é não depender da vontade da
maioria, mas é bem de ver que o bom funcionamento da Administração
também atende a direitos fundamentais e, portanto, essa continua a ser
uma ponderação complexa.
Como é que eu penso que se deve conduzir o procedimento de
ponderação como defendo e como procuro fazer? É muito importante
assinalar que a liberdade religiosa é um direito fundamental, mas, por
certo, não é um direito absoluto e pode ter de ceder diante de outros
direitos fundamentais ou de interesses da Administração
constitucionalmente previstos. Por exemplo, nos interesses da
Administração na condução de um concurso público, está embutida a
ideia de igualdade, que é um direito fundamental que, eventualmente,
pode precisar ser contraposto, sim, à liberdade religiosa, além, como
disse, dos interesses legítimos da Administração Pública, para a qual se
deve evitar ônus desproporcional. No procedimento de ponderação, tem-
se um fio condutor, que é o mandamento da proporcionalidade, mas a
ponderação, exposta de uma forma simplificada, normalmente envolverá
ou concessões recíprocas entre os direitos e interesses em jogo, de modo a
se preservar o máximo de cada um, ou, no limite, envolverá uma escolha
por um direito que vai ter que prevalecer no caso concreto.
Para lembrar um caso antigo e célebre do Supremo Tribunal Federal,
um caso que envolvia uma extraditanda que alegou ter sido estuprada na
carceragem da Polícia Federal e engravidou. Quando estava prestes a
nascer a criança, os policiais acusados pediram para fazer um exame de
DNA na criança como prova de defesa para poderem excluir a
paternidade. A extraditanda recusou fornecer o material, e se estabeleceu
aí uma colisão importante do direito de defesa e o direito à honra
daqueles policiais e o direito de privacidade daquela mulher. Acho que a
maioria de nós não estava aqui no Supremo ainda, mas o Supremo

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autorizou a realização do exame de DNA na placenta, que é material


orgânico descartável e, por sinal, foi excluída a culpabilidade daqueles
policiais. Mas, num caso como esse, o Supremo, essencialmente, escolheu
um dos direitos que ia prevalecer, o direito à honra e o direito de defesa
sobre o direito de privacidade. Essa é uma possibilidade, mas é a pior de
todas. O ideal é quando a ponderação permite concessões recíprocas para
a compatibilização máxima entre os direitos e os interesses em jogo.
Há um caso concreto que eu mesmo vivi de liberdade religiosa. Eu
morava no Rio, em Copacabana, na minha outra encarnação, e, todos os
domingos, às sete horas da manhã, um pregador religioso ligava a sua
aparelhagem de som e anunciava, para fiéis e, possivelmente, infiéis, os
caminhos que deveriam percorrer para chegar ao reino dos céus. E,
àquela hora da manhã de domingo, aquela comunidade pensava daquele
cavalheiro coisas que talvez fechassem para ela, para todo sempre, o reino
dos céus. E, aí, estabeleceu-se uma disputa e decidiu-se, mais à frente, que
o pregador religioso tinha o direito de utilizar a praça para fazer a sua
pregação religiosa, mas, em nome de Deus, ele só ia começar depois das
nove horas. E aí se conciliou a liberdade religiosa, que importa a
possibilidade de tentar conquistar novos fiéis e o direito de privacidade
daquela comunidade na modalidade repouso.
Eu usei esses exemplos, porque acho que concessões recíprocas são a
chave da solução para a ponderação que nós estamos tratando aqui.
Portanto, eu acho que, em matéria de liberdade religiosa e interesses da
Administração Pública, é preciso buscar, na maior intensidade possível,
uma adaptação razoável do comportamento do Estado para com a
liberdade religiosa.
Estabelecidas todas essas premissas, eu enfrento os dois casos.
O primeiro deles é o RE 611.874, da relatoria do eminente Ministro,
nosso ex-Presidente, Dias Toffoli, em que o candidato, adventista do
sétimo dia - portanto, uma religião que guarda o sábado e o dedica aos
estudos bíblicos - solicitou à organização do concurso a adoção de uma
de duas possibilidades, ambas bastante razoáveis. A primeira, relacionada
à prova de aptidão física, que não era, por exemplo, uma prova escrita em

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que todos têm de fazer simultaneamente; era uma prova de aptidão física
perfeitamente compatível com a realização individual, sem quebra da
isonomia. Ele solicitou uma de duas possibilidades: a primeira, fazer o
exame de aptidão física no sábado depois das 18 horas; ou fazê-la no
domingo em Manaus, localidade onde haveria a prova no domingo, e
para onde ele se deslocaria às suas próprias expensas. Portanto, duas
alternativas razoáveis oferecidas por ele. E ambas menos gravosas para a
sua liberdade religiosa do que a posição adotada pela Administração de
simplesmente não permitir que ele realizasse essa prova.
A proporcionalidade é um parâmetro para medir o grau legítimo de
restrição a um direito fundamental. E um dos elementos da
proporcionalidade, geralmente o segundo, o subprincípio, como muitos
denominam, é o da necessidade/vedação do excesso, a significar que, se
houver um meio menos lesivo a um direito fundamental que permita
chegar ao mesmo resultado, a Administração não pode escolher o meio
mais gravoso para o direito fundamental. E, portanto, sem que signifique
ônus irrazoável e sem quebra da isonomia, era perfeitamente possível a
adoção das duas possibilidades oferecidas pelo candidato - fazer depois
das 18 horas no sábado ou fazer domingo em Manaus.
Por essa razão, eu, neste caso específico, estou negando provimento
ao recurso extraordinário.
No caso da relatoria do Ministro Edson Fachin, que é o ARE
1.099.099, nós tínhamos uma professora, em estágio probatório, também
uma hipótese de uma pessoa que professava a religião adventista do
sétimo dia, e ela pediu que a distribuição - uma professora no estágio
probatório -, pediu que a distribuição da sua jornada de trabalho de 24
horas semanais não incluísse as sextas-feiras depois das 18 horas, que é
geralmente o mesmo horário de respeito ao Shabat pela comunidade
judaica que segue esse rito, do pôr do sol da sexta-feira até o pôr do sol
do sábado do dia seguinte.
Portanto, vejam, supondo que houvesse aula, como normalmente há,
todos os dias da semana, que as aulas fossem de manhã e de noite,
haveria dez espaços, dez slots em que ela poderia dar aula: segunda de

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manhã e de noite, terça de manhã e de noite, quarta de manhã e de noite,


quinta de manhã e de noite e sexta de manhã e de noite. Ela só não podia
sexta à noite. Portanto, um décimo da jornada ou das opções que havia.
Parece-me, como linha de princípio, que era perfeitamente razoável a
acomodação da liberdade religiosa dessa senhora, dessa jovem, com as
demandas do serviço público. De dez opções de horário, só uma é que ela
verdadeiramente não podia. A acomodação religiosa, também aqui, era
perfeitamente possível, razão pela qual eu estou dando provimento ao
ARE 1.099.099, acompanhando o eminente Ministro-Relator.
Apenas na tese, que passo a enunciar, penso que a minha posição
esteja mais próxima à posição que foi apresentada pelo Ministro
Alexandre de Moraes. Vou ler a minha tese e me disponho depois,
inclusive, a reler a dele e ver as conciliações possíveis, porque acho que
elas, no geral, se sobrepõem. Apenas porque costumo encerrar o meu
voto com a enunciação de uma tese, Presidente, passo a fazê-lo.
No RE 611.874, que é o da relatoria do Ministro Dias Toffoli, a minha
tese está enunciada da seguinte forma, em duas proposições:
A liberdade religiosa constitui direito fundamental e deve ser
respeitada pelo Estado na maior extensão possível. Como natural, pode
ela ter de ser ponderada com outros direitos fundamentais ou com
interesses estatais constitucionalmente relevantes. A ponderação, sempre
que possível, deve envolver concessões recíprocas entre os interesses
legítimos em tensão, de modo a preservar o máximo possível de cada um
deles. À vista de tais premissas, fixo a seguinte tese:
Candidato em concurso público tem direito, por motivo de crença
religiosa, a realizar etapas do certame em datas e horários distintos dos
previstos no edital, desde que a solução de acomodação religiosa: I - Não
crie um ônus desproporcional para Administração Pública; II - Não
interfira na isonomia entre os participantes do concurso público.
Essa é a minha tese proposta, Presidente, para o primeiro caso.
Para o segundo, eu enuncio a mesma premissa e apresento a
seguinte conclusão:
É dever do administrador público considerar alternativas razoáveis

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para servidor em estágio probatório cumprir deveres funcionais que


importem violação de sua crença religiosa, desde que isso não crie um
ônus desproporcional para a Administração Pública. Nos casos em que a
Administração Pública recusar a solução de acomodação religiosa, deverá
justificar a decisão em regular processo administrativo.
E foi também o que faltou neste caso da professora em estágio
probatório e que não conseguia simplesmente ter uma posição, uma
resposta por parte da Administração Pública.
Agradecendo a atenção de todos, essa é a posição que eu estou aqui
enunciando, que é negando provimento, no primeiro caso, e dando
provimento, no segundo caso.

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25/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


RECTE.(S) : MARGARETE DA SILVA MATEUS
ADV.(A/S) : PATRICIA CONCEICAO MORAIS
RECDO.(A/S) : MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO DE SÃO
BERNARDO DO CAMPO
AM. CURIAE. : CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS EM DIREITO E
RELIGIÃO
ADV.(A/S) : ANAISA ALMEIDA NAVES SORNA
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO ISRAELITA DO BRASIL -CONIB
ADV.(A/S) : FERNANDO KASINSKI LOTTENBERG
ADV.(A/S) : RONY VAINZOF
ADV.(A/S) : ANDREA VAINER
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS
EVANGÉLICOS - ANAJURE
ADV.(A/S) : LUIGI MATEUS BRAGA
ADV.(A/S) : UZIEL SANTANA DOS SANTOS
ADV.(A/S) : ACYR DE GERONE
ADV.(A/S) : RAÍSSA PAULA MARTINS

VOTO

A Senhora Ministra Rosa Weber:


1. Senhor Presidente, Egrégio Tribunal, caríssima Ministra Cármen
Lúcia e caríssimos colegas -, Senhor Procurador Geral da República, Dr.
Augusto Aras, Senhor Advogado Geral da União, Dr. José Levi, Senhoras
e Senhores Advogados, a quem cumprimento pelas ricas contribuições
trazidas para a reflexão sobre tema constitucional de tamanha relevância.
Saudação especial aos eminentes Relatores, Ministros Dias Toffoli e Edson
Fachin, cujos votos percucientes como sempre se destacam pela extrema
qualidade.
2. Em julgamento, como visto, dois recursos extraordinários com
repercussão geral reconhecida, objeto dos temas 386 e 1.021, interpostos

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em mandado de segurança, quais sejam: o RE 611.874, sob a relatoria do


Ministro Dias Toffoli, e o RE 1.099.099, de relatoria do Ministro Edson
Fachin.
Relembro a formulação dos temas, a remeter ao exame da alegação
de inconstitucionalidade material por ofensa ao princípio isonômico e à
laicidade do Estado:

Tema 386: Realização de etapas de concurso público em


datas e locais diferentes dos previstos em edital por motivos de
crença religiosa do candidato.
Tema 1021: Dever do administrador público de
disponibilizar obrigação alternativa para servidor em estágio
probatório cumprir deveres funcionais a que está
impossibilitado em virtude de sua crença religiosa.

3. No RE 611.874, interposto pela União, não obstante a brilhante


sustentação oral feita neste Tribunal pelo Advogado-Geral da União,
defende-se que a proteção da liberdade religiosa, consubstanciada na
tutela da fé professada pelos adventistas, não pode admitir seja a eles
dispensado tratamento diferenciado em face dos demais candidatos
submetidos ao concurso público, sob pena de violação dos princípios
constitucionais da igualdade e da laicidade.
Como bem delimitado no voto do relator Ministro Dias Toffoli, que
foi minucioso quanto às premissas normativas do caso, o problema
jurídico-constitucional posto cinge-se à objeção do direito à liberdade
religiosa (art. 5º, VI e VIII, CRFB) como justificativa para exigir do
administrador público a disponibilização de dia ou horário alternativos,
diferentes, portanto, dos previstos no edital, para a realização de etapa de
concurso público (em sentido amplo), quando coincidentes com o sábado.
4. Compartilho o relatório lançado pelo Ministro Relator na fórmula de
como podemos estabelecer os elementos argumentativos do caso e do processo.
5. A liberdade religiosa é direito fundamental protegido de forma
ampla pela Constituição Federal de 1988, no art. 5º, VI, VII, e VIII.
O artigo 5º, VI, da Constituição Federal assegura, como direito

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fundamental inviolável, a liberdade de consciência e de crença (que


engloba uma complexa constelação de questões ontológicas, epistemológicas,
cosmológicas, antropológicas e morais). Tal liberdade compreende uma
dimensão interior, consubstanciada na consciência religiosa (consciência
esta que compreende também o direito de não ter religião) e uma
dimensão exterior, a prática, a manifestação e o ensino da própria crença na
esfera pública.1 Essa dimensão inclui não só a prática de rituais, mas o
modo de se portar no mundo segundo os preceitos morais da sua crença.
6. No contexto do Direito Internacional, a questão da liberdade
religiosa e de crença é igualmente tutelada por um quadro normativo
robusto e sólido.
O artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos
prescreve expressamente que o direito à liberdade religiosa inclui a
liberdade para mudar de religião ou de crença, bem como de manifestar a
religião por meio do ensino.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado na
XXI Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 1966, e
incorporado à ordem jurídica brasileira pelo Decreto nº 592/1992, define,
no seu art. 18, o conteúdo da liberdade religiosa de forma mais analítica.
Transcrevo abaixo o inteiro teor do dispositivo normativo:

1. Toda pessoa terá direito a liberdade de pensamento, de


consciência e de religião. Esse direito implicará a liberdade de
ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a
liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou
coletivamente, tanto pública como privadamente, por meio do
culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino.
2. Ninguém poderá ser submetido a medidas coercitivas
que possam restringir sua liberdade de ter ou de adotar uma
religião ou crença de sua escolha.
3. A liberdade de manifestar a própria religião ou crença
estará sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se
1 CHIASSONI, Pierluigi. Liberdade de consciência e liberdade religiosa em um estado
constitucional – O que visa proteger. Revista Jurídica da Presidência, vol. 19, n. 118, jun.-set.,
2017, pp. 257-278.

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façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde


ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais
pessoas.

O conteúdo do artigo 12 da Convenção Americana sobre Direitos


Humanos, incorporada pelo Decreto n. 678/1992, por sua vez, tem
conteúdo normativo semelhante, a saber:

Artigo 12. Liberdade de consciência e de religião


1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de
religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua
religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças,
bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou
suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público
como em privado.
2. Ninguém pode ser objeto de medidas restritivas que
possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas
crenças, ou de mudar de religião ou de crenças.
3. A liberdade de manifestar a própria religião e as
próprias crenças está sujeita unicamente às limitações prescritas
pela lei e que sejam necessárias para proteger a segurança, a
ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos ou liberdades
das demais pessoas.
4. Os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que
seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que
esteja acorde com suas próprias convicções.

Da leitura dos tratados internacionais de direitos humanos, infere-se


que restrições ao discurso religioso somente são admissíveis quando
traduzam verdadeira exigência da preservação da segurança, da ordem,
da saúde ou da moral públicas ou dos direitos e das liberdades das
demais pessoas. A restrição deve ser feita a cada específico conflito de
valores constitucionais, de modo a resolver, mediante a aplicação do
postulado da proporcionalidade, a concordância prática dos direitos
envolvidos.

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7. Por serem as liberdades de consciência e de crença invioláveis (art.


5º, VI e VIII, CRFB), compete ao Estado tutelar suas diversas formas de
expressão, entre as quais se inclui o direito de o indivíduo adotar conduta
compatível com suas convicções, desde que esta não se revele antissocial.
A invocação de qualquer liberdade não pode servir como um salvo
conduto para a prática, por exemplo, de crimes.
8. No que se refere à proteção específica à liberdade de crença e
religiosa, o legislador, em adimplemento ao dever fundamental de tutela,
e em atenção à necessidade de concordância prática entre o direito
fundamental e as demandas concretas, publicou a Lei n. 13.796/2019, que
alterou o art. 7º-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) para possibilitar prestações alternativas por escusa de consciência,
nos casos de aplicação de provas ou realização de aulas nos
estabelecimentos de ensino em dias considerados de guarda pela religião
do aluno. Transcrevo o teor do referido dispositivo legal:

Art. 7: Art. 7º-A: Ao aluno regularmente matriculado em


instituição de ensino pública ou privada, de qualquer nível, é
assegurado, no exercício da liberdade de consciência e de
crença, o direito de, mediante prévio e motivado requerimento,
ausentar-se de prova ou de aula marcada para dia em que,
segundo os preceitos de sua religião, seja vedado o exercício de
tais atividades, devendo-se-lhe atribuir, a critério da instituição
e sem custos para o aluno, uma das seguintes prestações
alternativas, nos termos do inciso VIII do caput do art. 5º da
Constituição Federal:
I - prova ou aula de reposição, conforme o caso, a ser
realizada em data alternativa, no turno de estudo do aluno ou
em outro horário agendado com sua anuência expressa;
II - trabalho escrito ou outra modalidade de atividade de
pesquisa, com tema, objetivo e data de entrega definidos pela
instituição de ensino.
§ 1º A prestação alternativa deverá observar os parâmetros
curriculares e o plano de aula do dia da ausência do aluno.
§ 2º O cumprimento das formas de prestação alternativa

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de que trata este artigo substituirá a obrigação original para


todos os efeitos, inclusive regularização do registro de
frequência.
§ 3º As instituições de ensino implementarão
progressivamente, no prazo de 2 (dois) anos, as providências e
adaptações necessárias à adequação de seu funcionamento às
medidas previstas neste artigo. (Vide parágrafo único do art. 2)
§ 4º O disposto neste artigo não se aplica ao ensino militar
a que se refere o art. 83 desta Lei.

A legislação referida, ao dar concretude à liberdade religiosa na área


da educação, traduz o vetor normativo a ser considerado na resolução
dos problemas de compatibilidade do direito fundamental e as exigências
de deveres ou obrigações nas esferas privada e pública.
9. Importante destacar o contexto em que inserida a justificação
dessa legislação, a fim de se fazer as devidas distinções e limites na
matéria da proteção da liberdade religiosa. Para tanto, transcrevo aqui o
parecer da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal:

O precedente do STF na AgRSTA 389 também não nos


parece atuar contra a provação do PLC em análise. Naquele
julgado, a controvérsia girava em torno em torno da realização
do ENEM, uma prova que permite o ingresso na universidade.
Nesse exame, como no de vestibulares e concursos públicos, a
realização de prova diferente por uma fração dos concorrentes
feriria de morte o princípio da isonomia, pois o que se tem em
tais situações é a disputa entre todos os participantes, e não há
como assegurar uma competição justa quando os concorrentes
não forem, todos eles, submetidos à mesma avaliação. Já na
hipótese das provas escolares, o que se pretende aferir é a
assimilação, pelo aluno, do conteúdo ensinado. Inexiste uma
disputa entre os alunos que conduza à concessão, a alguns, de
direitos que, pela lógica do processo, serão negados a outros.

Da justificação do parecer, emerge a distinção entre as situações

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fáticas que envolvem os exames necessários à aprovação no ensino


regular e os exames imprescindíveis para o ingresso em carreiras públicas
ou vestibulares, como premissa necessária para a adequação razoável da
tutela da liberdade religiosa. Esse ponto, inclusive, foi muito bem
delineado e delimitado no voto do Ministro Relator Dias Toffoli,
fundamento que compartilho.
10. De outro lado, a neutralidade exigida do Estado (art. 19, I, CF),
em razão da premissa da regra constitucional da laicidade, derivada da
secularização e racionalidade da esfera pública, não implica indiferença
perante as religiões e suas demandas.
Ao contrário, a regra constitucional da laicidade exige do Estado a
promoção da tutela do exercício do direito fundamental de crença e
profissão de fé, em um contexto de autêntica pluralidade e tolerância
religiosas. Constitui obrigação moral e jurídica do Estado constitucional
democrático concretizar os direitos fundamentais. Não lhe cabe frustrar
os deveres de proteção atuando de modo insuficiente ou mesmo
deixando de atuar.
Nessa linha argumentativa, lembro precedente formado no
julgamento da ADI 3.478, sob a relatoria do Ministro Edson Fachin, cuja
ementa transcrevo, por traduzir as razões de decidir compartilhadas pelo
Plenário deste Supremo Tribunal Federal:

DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 91, §12, DA
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
DESIGNAÇÃO DE PASTOR EVANGÉLICO PARA ATUAR
NAS CORPORAÇÕES MILITARES DAQUELE ESTADO.
OFENSA À LIBERDADE DE RELIGIOSA. REGRA DA
NEUTRALIDADE. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. A regra de
neutralidade do Estado não se confunde com a imposição de
uma visão secular, mas consubstancia o respeito e a igual
consideração que o Estado deve assegurar a todos dentro de
uma realidade multicultural. Precedentes. 2. O direito à
liberdade de religião, como expectativa normativa de um
princípio da laicidade, obsta que razões religiosas sejam

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utilizadas como fonte de justificação de práticas institucionais e


exige de todos os cidadãos, os que professam crenças teístas, os
não teístas e os ateístas, processos complementares de
aprendizado a partir da diferença. 3. O direito dos militares à
assistência religiosa exige que o Estado abstenha-se de qualquer
predileção, sob pena de ofensa ao art. 19, I, da CRFB. Norma
estadual que demonstra predileção por determinada orientação
religiosa em detrimento daquelas inerentes aos demais grupos é
incompatível com a regra constitucional de neutralidade e com
o direito à liberdade de religião. 4. Ação Direta de
Inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 3478, Relator
Ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 20.12.2019,
DJ 19.2.2020).

Em verdade, esse Supremo Tribunal Federal, em diversos contextos


decisórios, já teve a oportunidade de promover qualificada deliberação
acerca do significado da laicidade do Estado, como se infere dos
seguintes precedentes, que integram a justificação deste voto:

DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO


EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL.
PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. LIBERDADE RELIGIOSA.
LEI 11.915/2003 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
NORMA QUE DISPÕE SOBRE O SACRIFÍCIO RITUAL EM
CULTOS E LITURGIAS DAS RELIGIÕES DE MATRIZ
AFRICANA. COMPETÊNCIA CONCORRENTE DOS
ESTADOS PARA LEGISLAR SOBRE FLORESTAS, CAÇA,
PESCA, FAUNA, CONSERVAÇÃO DA NATUREZA, DEFESA
DO SOLO E DOS RECURSOS NATURAIS, PROTEÇÃO DO
MEIO AMBIENTE E CONTROLE DA POLUIÇÃO.
SACRIFÍCIO DE ANIMAIS DE ACORDO COM PRECEITOS
RELIGIOSOS. CONSTITUCIONALIDADE. 1. Norma estadual
que institui Código de Proteção aos Animais sem dispor sobre
hipóteses de exclusão de crime amoldam-se à competência
concorrente dos Estados para legislar sobre florestas, caça,
pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos

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recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da


poluição (art. 24, VI, da CRFB). 2. A prática e os rituais
relacionados ao sacrifício animal são patrimônio cultural
imaterial e constituem os modos de criar, fazer e viver de
diversas comunidades religiosas, particularmente das que
vivenciam a liberdade religiosa a partir de práticas não
institucionais. 3. A dimensão comunitária da liberdade religiosa
é digna de proteção constitucional e não atenta contra o
princípio da laicidade. 4. O sentido de laicidade empregado no
texto constitucional destina-se a afastar a invocação de motivos
religiosos no espaço público como justificativa para a imposição
de obrigações. A validade de justificações públicas não é
compatível com dogmas religiosos. 5. A proteção específica dos
cultos de religiões de matriz africana é compatível com o
princípio da igualdade, uma vez que sua estigmatização, fruto
de um preconceito estrutural, está a merecer especial atenção
do Estado. 6. Tese fixada: É constitucional a lei de proteção
animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o
sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz
africana. 7. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 494601, Relator Ministro Marco Aurélio, Redator p/Acórdão
Ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 28.3.2019,
DJ 19.11.2019)

Ementa: AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL.
LEI N. 9.612/98. RÁDIODIFUSÃO COMUNITÁRIA.
PROBIÇÃO DO PROSELITISMO.
INCONSTITUCIONALIDADE. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO
DIRETA. 1. A liberdade de expressão representa tanto o direito
de não ser arbitrariamente privado ou impedido de manifestar
seu próprio pensamento quanto o direito coletivo de receber
informações e de conhecer a expressão do pensamento alheio. 2.
Por ser um instrumento para a garantia de outros direitos, a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece a
primazia da liberdade de expressão. 3. A liberdade religiosa não

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é exercível apenas em privado, mas também no espaço público,


e inclui o direito de tentar convencer os outros, por meio do
ensinamento, a mudar de religião. O discurso proselitista é,
pois, inerente à liberdade de expressão religiosa. Precedentes. 4.
A liberdade política pressupõe a livre manifestação do
pensamento e a formulação de discurso persuasivo e o uso do
argumentos críticos. Consenso e debate público informado
pressupõem a livre troca de ideias e não apenas a divulgação de
informações. 5. O artigo 220 da Constituição Federal
expressamente consagra a liberdade de expressão sob qualquer
forma, processo ou veículo, hipótese que inclui o serviço de
radiodifusão comunitária. 6. Viola a Constituição Federal a
proibição de veiculação de discurso proselitista em serviço de
radiodifusão comunitária. 7. Ação direta julgada procedente.
(ADI 2566, Relator Ministro Alexandre de Moraes, Redator p/
Acórdão Ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em
16.5.2018, DJ 23.10.2018)

ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS.


CONTEÚDO CONFESSIONAL E MATRÍCULA
FACULTATIVA. RESPEITO AO BINÔMIO LAICIDADE DO
ESTADO/LIBERDADE RELIGIOSA. IGUALDADE DE ACESSO
E TRATAMENTO A TODAS AS CONFISSÕES RELIGIOSAS.
CONFORMIDADE COM ART. 210, §1°, DO TEXTO
CONSTITUCIONAL. CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO
33, CAPUT E §§ 1º E 2º, DA LEI DE DIRETRIZES E BASES DA
EDUCAÇÃO NACIONAL E DO ESTATUTO JURÍDICO DA
IGREJA CATÓLICA NO BRASIL PROMULGADO PELO
DECRETO 7.107/2010. AÇÃO DIRETA JULGADA
IMPROCEDENTE. 1. A relação entre o Estado e as religiões,
histórica, jurídica e culturalmente, é um dos mais importantes
temas estruturais do Estado. A interpretação da Carta Magna
brasileira, que, mantendo a nossa tradição republicana de
ampla liberdade religiosa, consagrou a inviolabilidade de
crença e cultos religiosos, deve ser realizada em sua dupla
acepção: (a) proteger o indivíduo e as diversas confissões

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religiosas de quaisquer intervenções ou mandamentos estatais;


(b) assegurar a laicidade do Estado, prevendo total liberdade de
atuação estatal em relação aos dogmas e princípios religiosos. 2.
A interdependência e complementariedade das noções de
Estado Laico e Liberdade de Crença e de Culto são premissas
básicas para a interpretação do ensino religioso de matrícula
facultativa previsto na Constituição Federal, pois a matéria
alcança a própria liberdade de expressão de pensamento sob a
luz da tolerância e diversidade de opiniões. 3. A liberdade de
expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma
sociedade democrática e compreende não somente as
informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou
favoráveis, mas também as que possam causar transtornos,
resistência, inquietar pessoas, pois a Democracia somente existe
baseada na consagração do pluralismo de ideias e pensamentos
políticos, filosóficos, religiosos e da tolerância de opiniões e do
espírito aberto ao diálogo. 4. A singularidade da previsão
constitucional de ensino religioso, de matrícula facultativa,
observado o binômio Laicidade do Estado (CF, art. 19,
I)/Consagração da Liberdade religiosa (CF, art. 5º, VI), implica
regulamentação integral do cumprimento do preceito
constitucional previsto no artigo 210, §1º, autorizando à rede
pública o oferecimento, em igualdade de condições (CF, art. 5º,
caput), de ensino confessional das diversas crenças. 5. A
Constituição Federal garante aos alunos, que expressa e
voluntariamente se matriculem, o pleno exercício de seu direito
subjetivo ao ensino religioso como disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental,
ministrada de acordo com os princípios de sua confissão
religiosa e baseada nos dogmas da fé, inconfundível com outros
ramos do conhecimento científico, como história, filosofia ou
ciência das religiões. 6. O binômio Laicidade do
Estado/Consagração da Liberdade religiosa está presente na
medida em que o texto constitucional (a) expressamente
garante a voluntariedade da matrícula para o ensino religioso,
consagrando, inclusive o dever do Estado de absoluto respeito

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aos agnósticos e ateus; (b) implicitamente impede que o Poder


Público crie de modo artificial seu próprio ensino religioso, com
um determinado conteúdo estatal para a disciplina; bem como
proíbe o favorecimento ou hierarquização de interpretações
bíblicas e religiosas de um ou mais grupos em detrimento dos
demais. 7. Ação direta julgada improcedente, declarando-se a
constitucionalidade dos artigos 33, caput e §§ 1º e 2º, da Lei
9.394/1996, e do art. 11, § 1º, do Acordo entre o Governo da
República Federativa do Brasil e a Santa Sé, relativo ao Estatuto
Jurídico da Igreja Católica no Brasil, e afirmando-se a
constitucionalidade do ensino religioso confessional como
disciplina facultativa dos horários normais das escolas públicas
de ensino fundamental. (ADI 4439, Relator Ministro Roberto
Barroso, Relator(a) p/ Acórdão Ministro Alexandre de Moraes,
Tribunal Pleno, julgado em 27.9.2017, DJ 21.6.2018) (grifos
nossos).

11. Quanto ao significado da laicidade do Estado, de todo pertinente


o argumento apresentado por Jürgen Habermas, no diálogo que travou
com Joseph Ratzinger sobre a dialética da secularização. Justificada como
uma das formas de se assegurar o espaço da religião em um estado
constitucional secular e, com isso, o desenvolvimento da secularização
como processo de aprendizagem duplo e complementar. Em suas
palavras: “A concepção de tolerância de sociedades pluralistas de constituição
liberal não exige apenas dos crentes que entendam, em sua relações com os
descrentes e os crentes de outras religiões, que precisam contar sensatamente com
a continuidade de um dissenso, pois numa cultura política liberal exige-se a
mesma compreensão também dos descrentes no relacionamento com os
religiosos”.2
12. O dia de descanso religioso está presente em diversas religiões,
não apenas na adventista (como no judaísmo), e integra o conjunto do
fundamento moral individual de ação, portanto, a dimensão externa da
liberdade religiosa. Noutro termos, a prática da guarda do sábado, que se

2 HABERMAS, Jurgen; RATZINGER, Joseph. Dialética da secularização: sobre razão e


religião. SCHULLER, Florian (org.). São Paulo: Editora Ideias e Letras, 2017, p. 55.

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inicia no pôr do sol da sexta-feira e vai até o pôr do sol do sábado, integra
o próprio conteúdo do direito à liberdade religiosa e pode ser afirmado
do ponto de vista objetivo.
13. Permitir obrigação alternativa para que cidadãos cumpram seus
deveres, após manifestação prévia e fundamentada de objeção de
consciência por motivos religiosos, não se confunde, contudo, com a
adoção por parte do Estado de religião específica ou concessão de
privilégio a um grupo religioso.
E não se confunde porque a ação do Estado deve representar a
viabilidade de concretização de liberdade religiosa sem prejuízo do
exercício de outros direitos fundamentais (no caso, a educação e o
trabalho) ou imposição de custos desproporcionais à Administração
Pública.
14. Quanto à justificativa até aqui desenvolvida, parece-me que
estamos todos, em essência, a compartilhar das mesmas premissas
normativas. Noutros termos, convergimos quanto à incidência dos
valores constitucionais da liberdade religiosa, da laicidade do Estado, da
igualdade de tratamento entre todos, com igual respeito e consideração, e
convergimos quanto ao significado atribuído a estes valores e direitos
adequados a um Estado Constitucional coerentemente inspirado no
liberalismo político e no pluralismo ético.
15. Compartilhamos igualmente a premissa quanto à dimensão
positiva por parte do Estado para assegurar a realização da dimensão
externa do direito à liberdade de religião.
16. Como definido nos precedentes formados por este Plenário, o
direito fundamental à liberdade religiosa impõe ao Estado o dever de
neutralidade em face do fenômeno religioso, proibindo a concessão de status
privilegiado a certa confissão em detrimento das demais, fato que não
significa "indiferença estatal, sendo necessário que o Estado, em determinadas
situações, adote comportamentos positivos, a fim de evitar barreiras ou
sobrecargas que venham a inviabilizar ou dificultar algumas opções em matéria
de fé". Quanto ao ponto, cito artigo científico de autoria dos Professores
Ingo Sarlet e Jayme Neto, que fazem uma minuciosa análise da nossa

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jurisprudência sobre a liberdade religiosa nesses trinta anos de jurisdição


constitucional.3
17. As ações positivas exigidas do Estado, que correspondem aos
deveres fundamentais de proteção, contudo, apenas são legítimas se
preordenadas à convivência harmônica do livre fluxo de ideias religiosas
(dimensão externa da liberdade religiosa) e se não houver outro meio
menos gravoso de se alcançar essa tutela jurídica. Deve-se, portanto, em
essência, assegurar resultados de concordância prática do conflito de
valores constitucionais que estimule a igualdade entre as confissões
religiosas, sem que, com isso, se legitimem privilégios e favorecimentos.
18. A divergência inaugurada neste julgamento, como a compreendi,
circunscreve-se aos limites e alcance dos deveres de proteção positiva do
Estado. Especificamente à fórmula de proteção da engenharia
institucional da liberdade religiosa na dimensão externa positiva, para a
tutela do exercício de sua fé e religião, de modo a excluir a dimensão
discriminatória de afastamento de grupos religiosos na prática social, em
razão do seu código de conduta moral.
Esse desafio com a engenharia institucional de formas de proteção
das liberdades públicas, em especial as liberdades de consciência e
religiosa nos estados constitucionais, é muito bem trabalhado pelo por
Pierluigi Chiassoni, Professor da Universidade de Gênova, que faz um
estudo profundo sobre a composição desse compromisso do estado
constitucional com a proteção das liberdades públicas. 4
19. Mais especificamente, o problema central de ambos os mandados
de segurança em que interpostos os recursos extraordinários em
julgamento reside na concordância prática proposta para a resolução do

3 SARLET, Ingo Wolfgang; WEINGARTNER NETO, Jayme. A liberdade religiosa aos


trinta anos da Constituição Federal brasileira: uma análise com foco na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal. In: BOLONHA, Carlos; OLIVEIRA, Fábio Corrêa Souza. 30 anos
da Constituição de 1988: uma jornada democrática inacabada. Belo Horizonte: Fórum, 2019,
pp. 257-282.
4 CHIASSONI, Pierluigi. Liberdade de consciência e liberdade religiosa em um estado
constitucional - Como visa proteger. Revista Jurídica da Presidência, vol. 19, n. 119, out.-jan.,
2018, pp. 489-511.

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conflito de valores constitucionais no caso concreto. Vale dizer, quanto ao


significado e alcance do dever de acomodação razoável ou de
concordância prática.
20. Feitas essas considerações, entendo, no tocante à alegada
inconstitucionalidade material, que o acórdão impugnado no RE 611.874,
sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, com a devida vênia, não violou o
princípio da igualdade (art. 5º, caput, CRFB), tampouco a laicidade do
Estado (art. 19, I, CRFB).
Isso porque, para a resolução do caso concreto, há que analisar as
particularidades, tais como definidas no acórdão impugnado, quais
sejam: a) os candidatos de Manaus realizariam a prova do concurso no
domingo seguinte, fato que permitiria ao impetrante a realização do teste
sem prejuízo da atividade administrativa, b) o impetrante solicitou à
Administração, com antecedência, que possibilitasse a realização de sua
prova de capacidade física no Estado do Amazonas, e não no Estado do
Acre, para o qual estava inscrito.
Nesse cenário, não ficou comprovado qualquer prejuízo à
Administração Pública ou transtornos aos demais candidatos, que
implicassem tratamento privilegiado. Ademais, o requerimento feito com
antecedência pelo candidato permitiu a acomodação prática da tutela do
seu direito com a organização do concurso.
A Administração, com base nas regras do edital que definiram o
calendário de provas, deferiu medidas razoáveis para a continuidade do
concurso público, com o objetivo de compatibilizar a proteção da
liberdade religiosa e a igualdade entre os candidatos, sem discriminações
ou favorecimentos.
Portanto, entendo que a conclusão do acórdão é válida e hígida, à
luz da Constituição, e se justifica frente às particularidades do caso. Aliás,
no ponto, a proposta do eminente Relator Ministro Dias Toffoli é de
assegurar a validade das provas realizadas e as decisões proferidas, ainda
que em caráter precário, até a data da conclusão do presente julgamento.
21. Tal como o eminente Relator Ministro Dias Toffoli, em
observância ao critério de concordância prática, levo em consideração o

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direito à igualdade, a razoabilidade e o bom senso, bem como as


capacidades institucionais da Administração Pública. Esta há de pautar
suas condutas com respeito à liberdade religiosa, de modo a acomodá-las
- inclusive como já tem sido adotado na prática constitucional - com a
escolha de dias distintos do sábado para realizar concursos públicos, sem
que isso signifique, ou se traduza, em uma imposição.
Dito de outra forma. Entendo que não há direito subjetivo do
candidato à prestação alternativa por parte da Administração, passível de
ser sempre, e em qualquer situação, exigida. Há, isto sim, um dever de
proteção por parte da Administração de, nos casos concretos, promover
as acomodações necessárias para a tutela da liberdade de consciência e
religiosa. Acomodação que será densificada a partir do critério da
razoabilidade, com todas as suas derivações, na linha do preconizado
pelos Ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, em seus
preciosos votos que proferiram.
Observada a razoabilidade, as medidas adotadas devem ser
precedidas de justificação pela Administração, notadamente quanto à
explicitação dos espaços de conformação dos outros direitos envolvidos e
dos custos exigidos, de modo a assegurar a igualdade entre todos os
candidatos.
22. Nessa linha, nego provimento ao recurso extraordinário
611.874, rogando vênia aos que entendem de forma diversa.

23. Quanto ao RE 1.099.099, da relatoria do Ministro Edson Fachin,


volta-se, como visto, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, em que denegada a ordem em mandado de segurança
impetrado com o objetivo de anular a exoneração e obter a reintegração
ao cargo de servidora pública, membro da Igreja Adventista do Sétimo
Dia, não aprovada no estágio probatório pelo descumprimento do
requisito da assiduidade, por motivo de crença religiosa. Aqui,
igualmente compartilho o relatório lançado pelo Ministro Relator.
24. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em suas razões de
decidir, entendeu pela não violação do direito alegado pela impetrante

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consistente na sua liberdade de crença e religiosa. Para tanto, justificou o


Tribunal que a impetrante, ao se inscrever no respectivo concurso público para
o cargo de Professor de Educação Básica II-EJA, submeteu-se às regras do edital.
Assim, tinha ciência de que deveria cumprir jornada de 24 horas semanais, sendo
que foi informada que tal carga distribuir-se-ia de segunda a sexta-feira,
consoante a conveniência da distribuição da grade horária e dos serviços, por
ordem da Administração Pública.
Em essência, o fundamento normativo compartilhado na decisão
afasta a violação da liberdade religiosa da impetrante, ao fundamento de
que tinha ela pleno conhecimento as condições de trabalho, cabendo-lhe a
escolha: assumir as obrigações inerentes ao cargo, as quais constaram
previamente explicitadas no certame, ou não, preservando sua profissão
de fé.
25. Como bem se argumenta no parecer ministerial, “a objeção de
consciência, por motivos religiosos, de servidor público em estágio probatório
frente ao dever funcional de exercer o magistério às sextas-feiras à noite
pressupõe avaliar, especialmente, se há risco efetivo ao direito de terceiros
(alunos, demais servidores e a sociedade em geral, destinatários do serviço
público no caso) ou se é possível a conciliação de valores e propósitos”.
Os contornos fáticos deste caso são distintos do mandado de
segurança referente ao concurso público, como se verifica do Relatório do
Ministro Edson Fachin. Aqui, a tutela da liberdade religiosa concorre com
o valor da capacidade institucional da Administração, que deve avaliar os
deveres da servidora em um longo período de tempo e prestados
mediante diversas práticas profissionais.
26. A servidora pública (professora municipal concursada) foi
reprovada em seu estágio probatório à compreensão de descumprimento
da obrigação de assiduidade, uma vez que, por ser adventista, não
ministrava aulas às sextas-feiras após o pôr do sol.
Desde logo, cumpre esclarecer que a avaliação especial de
desempenho é premissa à estabilidade no serviço público, só adquirida
pelo servidor, a despeito do transcurso do prazo trienal, quando
aprovado na avaliação de desempenho.

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27. Ora, infere-se dos autos que a recorrente apresentou, quando da


admissão, um quadro de justificativa para não participar de quaisquer
atividades escolares entre o pôr do sol de sexta-feira e o pôr de sol de
sábado, por motivos religiosos que impõem a guarda do sábado bíblico.
E como contrapartida se disponibilizou para cumprir a carga horária
correspondente aos seu serviços, em outros períodos, sem resposta
positiva do gestor público, o qual tinha dever de que deveria fornecer
obrigações alternativas para o adimplemento dos deveres funcionais.
28. Na linha dos fundamentos já expostos, concluo que a solução
jurídica adotada no acórdão impugnado violou o direito fundamental de
liberdade de crença e religiosa, uma vez inexistentes, no caso concreto,
quaisquer prejuízos a terceiros ou qualquer afronta ao direito ao
tratamento isonômico.
29. Acompanho, pois, o eminente Relator Ministro Edson Fachin,
dando provimento ao recurso extraordinário para que a recorrente seja
reintegrada ao cargo de professora, cabendo ao gestor local formalizar
obrigação alternativa a ser cumprida, com o fim de satisfazer os requisitos
necessários à estabilização no cargo pela servidora.
30. Com relação às teses, Senhor Presidente, ouvi com maior atenção
todas as que foram propostas, e comungo com a orientação consignada
naquelas apresentadas pelos Ministros Alexandre de Moraes e Luís
Roberto Barroso. Como penso que dependendo da tese e da compreensão
prevalecentes no Colegiado elas possam sofrer adequações, eximo-me por
ora de fazer uma escolha. Aguardo as deliberações.
É como voto.

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Antecipação ao Voto

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ANTECIPAÇÃO AO VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Senhor Presidente,

Senhores Ministros, meus cumprimentos muito especiais aos Senhores Ministros-

Relatores, Ministro Dias Toffoli, Relator do Recurso Extraordinário 611.874,

Ministro Edson Fachin, Relator do Agravo no Recurso Extraordinário 1.099.099,

Senhor Procurador-Geral da República, a quem cumprimento, Senhores

Advogados, cujas sustentações tanto contribuem para a ênfase dos principais

pontos das questões que precisam ser enfatizadas nessas duas causas.

Como já foi muitas vezes realçado aqui, Senhor Presidente, o que

se põe à apreciação deste Supremo Tribunal Federal é um tema de profunda

sensibilidade e de grave cuidado jurídico. Também já foi sinalizado aqui que, mais

de uma vez, têm voltado, a este Plenário, as questões de direitos humanos, de uma

forma geral, e dos direitos fundamentais especificamente relativos ao direito à

liberdade de religião, à liberdade de crença, ao resguardo dos cultos das liturgias.

Antes, porém, Senhor Presidente, de fazer as observações

necessárias para apresentar a minha conclusão, e não farei leitura de voto, como,

normalmente, não faço mesmo, mas referindo-me especificamente aos casos postos

e ao tema da liberdade da prática religiosa, se houver, quais são os seus limites, eu

peço licença para fazer uma referência inicial na data de hoje.

Nós estamos na sequência - é a terceira sessão - de julgamento

Publicado sem revisão. Art. 95 do RISTF.

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desses dois casos, em 25 de novembro. E hoje, como se sabe, tem início e é o dia que

marca o início da campanha mundial de ativismo contra todas as formas de

violência e discriminação contra a mulher. Especificamente este ano, em razão do

assombroso aumento de casos de violência contra a mulher, especialmente no caso

de violência doméstica, em razão da pandemia e do afastamento, do isolamento

social que se impôs, os organismos internacionais de proteção aos direitos humanos

declaram, de hoje, dia 25 de novembro, até o dia 10 de dezembro, que é o dia

mundial dos direitos humanos, uma campanha específica para que o mundo

discuta e pense providências para fazer face a todas as formas de violência e de

intolerância.

Violência é injustiça; injustiça é uma forma de indignidade

permanente contra as pessoas. Não é apenas contra qualquer mulher ou contra

todas as mulheres que se praticam violências.

Hoje pela manhã, em um evento que deu início, num desses

organismos internacionais, a esta campanha, o que as mulheres comentavam,

incluindo as mulheres brasileiras, juízas da América Latina, da África e da Europa,

no quadro do painel hoje pela manhã, exatamente é que há intolerância maior em

relação a certas mulheres. Por exemplo, como uma das Ministras do Tribunal de

Moçambique e depois a de Angola declaravam, a mulheres que praticam

determinadas religiões, que optam por determinadas religiões. Da mesma forma, a

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gente vai ver que a igualdade, muitas vezes, tem a tessitura da pele, tem a cor da

injustiça.

Por isso, eu não queria deixar de lembrar que, no dia em que nós

estamos discutindo mais uma das formas de intolerância, que é a intolerância

religiosa, que muitas vezes tem lugar não na base desse processo, até porque aqui

não se teve caso de intolerância, mas de uma interpretação, não se há de deixar de

acolher que é uma coincidência que nós estejamos a discutir mais um tema de

direitos humanos, mais um tema que, às vezes, em alguns casos - reitero -, não

nestes casos específicos, se pratica violência em razão da escolha religiosa, se é que

a religião é uma escolha.

Digo isso, Presidente, e vou fazer apenas algumas breves

observações, porque, como faço sempre, juntarei o voto escrito, mas quero observar

dois ou três pontos que são o fundamento que marca o meu voto.

Aqui já foi explicitado muitas vezes, que, na situação fática que

foi posta, quer no caso da professora que, ao pedir administrativamente que fosse

alterado o horário e o dia da sua aula em razão exatamente da sua escolha religiosa

ou opção religiosa, práticas religiosas, de um lado, e a definição ou a indefinição da

Administração Pública, e, depois, um comportamento que seria agressivo aos seus

direitos, de outro lado, também o caso de uma pessoa que, para fazer o concurso

público, pede que se dê uma outra alternativa, que é possível, sem qualquer

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agravo, pelo menos aparente, à Administração Pública, e que não tenha resposta

adequada, precisando recorrer ao Judiciário, parece-me que, nos dois casos, o que

nós temos é que pensar exatamente como o Estado tem que, cada vez mais, saber

que todas as formas de tolerância não convivem com a intolerância estatal. A

intolerância administrativa não pode se sobrepor à tolerância religiosa, que está na

base de todas as formas de manifestação de fé.

Eu não tenho nenhuma dúvida de que este é um tema difícil,

como também aqui já foi realçado desde o voto dos senhores Ministros-Relatores,

afirmar, e até nós todos temos que passar pela laicidade do Estado de um lado e a

garantia da livre escolha por uma fé, ou por não ter fé, ou por uma escolha

religiosa, poderia ser uma fórmula simples, mas é uma equação humana muito

difícil.

Eu queria apenas fazer a leitura, se me permite, Senhor

Presidente, de uma passagem inicial da Teoria da Constituição de Loewenstein.

Tratando da anatomia do processo político, logo no início de sua obra, Loewenstein

afirma que o que ele chama de enigma tríade é exatamente as bases do que ele

chama de três incentivos fundamentais que dominam a vida do homem na

sociedade e regem a totalidade das relações humanas. Segundo Loewenstein, "esses

três incentivos fundamentais são o amor, a fé e o poder". Diz ele: "De uma maneira

misteriosa, estão unidos e entrelaçados esses fatores". Diz ele ainda:

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"Sem embargo, há algo em comum com essas três forças, o


ser humano pode senti-las, experimentá-las, assim como apreciar seu
efeito sobre si mesmo e sobre a sociedade, mas não se chega a
conhecer sua interna realidade. Se poderá conhecer como essas forças
operam, mas não se pode captar o que elas são realmente e o impacto
delas nas relações humanas".
Já lembrou hoje, no início do seu voto, o Ministro Alexandre de

Moraes, que o que se tem feito e desfeito, eu diria construído e destruído, em nome

de deuses, não é alguma coisa que escapa senão à insondável dimensão do humano

desumano. E também não tenho dúvidas de que, quando a Constituição brasileira,

na sequência hoje de sua opção por um Estado leigo... E eu afirmo que o Estado é

leigo, o ser humano não precisa ser, a força da fé se revela até na falta da fé, como

também aqui já foi lembrado em alguns votos.

Eu me lembrava, quando eu preparava esse voto, Senhor

Presidente, que, numa conferência que assisti na década de 80, de um grande

escritor brasileiro, como a fé não se explica, o que se pode explicar, limitar ou não,

eventualmente a manifestação que se faz em nome de uma crença, esse escritor

explicava que ele era ateu, mas ele tinha uma fé enorme em Nossa Senhora. E um

dos participantes então disse: "Mas como?". Ele disse: "Não me peça para explicar,

porque isso eu não peço nem para mim mesmo.". É isso mesmo: a fé, como o amor,

como disse Loewenstein, não tem explicação.

Mas a manifestação da fé, a garantia dos cultos, tudo isso é

escolha e não escapa ao Direito. Entre sentir - e a fé é uma forma, para mim, de

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sentir - e a manifestação deste sentimento, a escolha por ritos religiosos, por

respeito aos símbolos religiosos é uma grande distância. Por isso a previsão da

forma de exercício do Estado, do poder do Estado para garantir a liberdade

humana não seria tanta sem a garantia de a pessoa livremente, crendo ou não, fazer

escolha por cultos, rituais, liturgias.

Portanto, é neste sentido que nós temos que pensar o Estado

laico, o que aqui também já foi posto, a religiosidade do ser humano - claro não é

um indiferente - mas é a diferença que marca a individualidade; e, por isso, mesmo

precisa ser considerada nessa equação do igual desigual, do respeito à

individualidade e à dignidade de cada um que se faz de maneira única. O Estado

separa-se da religião, mas o ser humano não se separa da fé. E, por isso, o Estado é

laico, mas ele não é um novo deus, ele não pode se sobrepor ao homem e nem se

impor ao homem como se ele fosse capaz de tudo tangenciar e de tudo cuidar. O

Estado, portanto, na concepção democrática, faz do Direito um instrumento atento

da expressão da fé, porque essa uma força humana que pode tanto gerar conflitos,

quanto promover soluções.

Tenho para mim que, quando Estado Brasileiro fez a escolha

pela laicidade, talvez seja importante lembrar que foi isso, uma eleição feita. E Ruy

Barbosa lembra bem que - e a expressão é dele - a República entronizou a

secularização do Direito Constitucional Brasileiro. E desde então, foi se construindo

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e alargando limites das pessoas, possibilidades, liberdades dos indivíduos, mas o

Estado, claro, precisa se adaptar e se acomodar a essas conquistas de direitos

fundamentais.

E eu lembro também uma passagem de Ruy Barbosa, Senhor

Presidente, Senhores Ministros, Senhores Advogados, Senhor Procurador, no qual

ele afirma, sobre a Constituição, ainda de 1891, de que ele foi o principal autor, que:

"O propósito, literalmente explícito nesses termos, foi


acabar com 'a dependência', em que outrora estavam os cultos para
com o Estado, e, até certo ponto, do Estado para com os cultos; foi
dissolver 'a aliança' que dantes existia entre o Estado e a igreja, entre a
igreja e o Governo; foi extinguir a subvenção oficial, de que
antigamente gozava o culto católico, a Igreja Católica Romana,
vedando que, de futuro, outras igrejas ou cultos percebam
subvenções; foi proibir que nos estabelecimentos públicos, o ensino se
ministre com a colaboração de igrejas e cultos, ou embebido nas
influências religiosas que deles emanam.
E afirma ele que a garantia da liberdade de crença não pode ser

violada. Ele diz:

"Violadas serão essas proibições constitucionais toda vez


que no ensino fornecido por um estabelecimento público federal,
estadual ou municipal, se dê entrada a uma igreja, a um culto ou uma
religião.
(...)
Não foi em ódio à Igreja Católica, ao cristianismo, ao
sentimento religioso, a quaisquer igrejas ou cultos que nossa
Constituição traçou entre o temporal e o espiritual estas extremas. A
nossa lei constitucional não é nem antirreligiosa - dizia Ruy - nem
irreligiosa. A Constituição, pelo contrário, reconhece o valor da
religião, da existência dos cultos, do desenvolvimento dos princípios
religiosos."
Nas constituições que se seguiram à de 1891 se reiterou a escolha

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pela laicidade e, claro, se ampliou a possibilidade de as liberdades serem exercidas

sem que o Estado tivesse que colocar, de alguma forma, nas mãos de uma pessoa,

uma escolha entre praticar os cultos e as liturgias da religião por ela eleita e outros

direitos igualmente fundamentais.

Por isso é que, nos casos dos autos, quer da professora

Margarete, quer no caso do candidato em Roraima, eu fixei - e como disse, não lerei

o voto, Presidente - alguns pontos. Primeiro, lembrando ainda Ruy Barbosa - ele

tem uma expressão que reitera em pareceres e escritos de oratórias, como chama -,

a Constituição não treslouca; a Constituição não dá com a mão direita para tirar

com a mão esquerda; ela não pode ter garantido liberdades e, depois - como

lembrou hoje o Ministro Alexandre de Moraes e também o Ministro Barroso, a

Ministra Rosa Weber -, dizer que ou você exerce aqueles rituais da sua fé, ou opta

por trabalhar.

E aí eu digo que mesmo a escolha feita livremente de optar por

um concurso, se a pessoa quiser ser juiz, e o único dia marcado para as provas da

magistratura será aquele, ele terá de escolher. Ele é livre? Livre em que e para quê?

De não ser juiz, ou de não ser adventista? Que escolha é essa? Que liberdade é essa?

Claro, os critérios de interpretação colocados em cada caso concreto e são objetos de

análise específica, nesse caso, serão levados em consideração. Não se quer que o

Estado seja intolerante, nem ineficiente. Não é fácil. Se fosse, não precisaria do

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Direito, e sequer a ideia de Justiça seria tão difícil de se concretizar.

Atualmente, Presidente, digo que tenho quase um sonho: o de

ver como inconstitucional a hipocrisia institucional. Porque nós falamos o tempo

todo na laicidade do Estado, proíbem-se artistas, que não têm religião nenhuma, de

manifestarem suas opções religiosas pela legislação vigente, mas, depois, nos

cultos, pode ser feita a manifestação que quiser, inclusive de teor político-eleitoral.

Talvez, seja necessário que se introduza, com os princípios

constitucionais do art. 37, o princípio da sinceridade, da lealdade institucional. O

princípio da confiança do cidadão, princípio jurídico adotado em todo mundo

democrático, se perfaz com o princípio da boa-fé que há de ter o cidadão em relação

ao Estado, com o cumprimento da seriedade do Estado em relação ao cidadão. Por

isso que a razão de ser - também Rui já se manifestava sobre isso - das normas e dos

comportamentos administrativos está na essência da validade de um ato

administrativo legislativo ou judicial. E o critério da proporcionalidade, que se tem

hoje - lembrou o Ministro Barroso - como a proibição de excesso, faz com que, em

cada caso, se tenha a condição mais justa para que se dê concretude e densidade

àquilo que foi conquistado em termos de liberdades.

Portanto, acho que a Constituição, ao garantir a proteção à

liberdade religiosa, significando a liberdade de crença, de opção por cultos e de

manifestação e expressão da sua fé, dá também o dever do Estado de fazer com que

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possa ser exercido amplamente, claro que sem criar privilégios - não me parece

privilégio o que aconteceu aqui, por exemplo, em relação a esses dois casos.

Por outro lado, o princípio da razoabilidade e o critério da

proporcionalidade assentam-se nos outros critérios postos - e hoje lembrados pelos

Ministros Nunes Marques e Dias Toffoli - na sessão anterior relativamente à

eficiência administrativa, mas esses princípios fazem com que não se tenha excesso

de um lado, nem se esvazie liberdades conquistadas de outro. O cidadão tem de

cumprir com seriedade as normas de um edital, os horários de concurso - se chegar

meia hora atrasado, não cumprirá mais -, e o Estado terá de ser mais parcimonioso

em buscar alternativas que seriam mais coerentes com a densidade e a concretude

de direitos fundamentais.

Parece-me, portanto, considerando que é direito de todo mundo

ter uma escolha por uma fé e a possibilidade de manifestação dos rituais dessa

religião pela qual opte, ser preciso confiar que haja um direito constitucional

fundamental que o Estado tem de respeitar. Não me parece que tenha havido

descumprimento nesses dois casos postos à nossa decisão, na tarde de hoje, na

sequência do julgamento. E, nesses dois casos, tanto a professora que, ao ser

exonerada exatamente pela impossibilidade de dar aula naquele dia e horário,

havendo a possibilidade de haver um remanejamento, sendo que o concurso não

foi especificamente para esse dia e horário, nem essa é a única data e horário no

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qual ela pudesse exercer a sua atividade. Do mesmo modo que um candidato que

se prontifica, sem qualquer ônus para o Estado, a prestar o concurso sem com isso

desfazer ou desmantelar nada do que foi organizado, não pudesse e não devesse

nestes casos ter sido adotada a prática que melhor se acomodaria às exigências

constitucionais de proteção às liberdades fundamentais.

Pelo que, Senhor Presidente, como disse, fazendo juntada do

voto na sua inteireza, peço vênia às compreensões em contrário, mas, no caso do

Recurso Extraordinário 611.874, relatado pelo eminente Ministro Dias Toffoli, com

as vênias de Sua Excelência e do Ministro Nunes Marques que também o

acompanhou, estou divergindo, na forma exatamente do voto divergente inicial do

Ministro Alexandre de Moraes.

Digo que neste caso estou negando provimento ao recurso da

União, mas considerando que não é em qualquer situação que se pode aplicar. Por

exemplo, digamos que houvesse uma situação em que dois terços dos candidatos,

por opções em dias, lugares, horários e situações diferentes, resolvessem não fazer

o concurso ou exigir outro comportamento do Estado. Isso está perfeitamente

adequado ao que votei, porque o critério da proporcionalidade impediria esse

comportamento ou essa exigência.

E estou, também com as vênias das compreensões diferentes,

dando provimento e, portanto, acompanhando o voto do Ministro Edson Fachin,

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 97 de 187

mas na forma cogitada exatamente no voto dos Ministros Alexandre de Moraes,

Roberto Barroso e da Ministra Rosa que o seguiram.

E quanto à tese também, Senhor Presidente, nem vou, eu que

tinha inscrito inicialmente, porque ponho-me de acordo com o que foi explicitado

pelo Ministro Alexandre de Moraes.

Muito obrigado a Vossa Excelência por ter me permitido a

palavra.

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

VOTO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 98 de 187

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Vogal):

1. Recurso Extraordinário com agravo interposto por Margarete da


Silva Mateus Furquim contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo na Apelação no Mandado de Segurança n.
1022527-95.2014.8.26.0564 cuja ementa é a seguinte:

“MANDADO DE SEGURANÇA. PROFESSOR.


EXONERAÇÃO. Admissibilidade. Impetrante que cometeu 90
(noventa) faltas injustiçadas durante o período de estágio probatório,
em razão de suas convicções religiosas. Ausência de violação a direito
líquido e certo. Dever de assiduidade não cumprido. Mero decurso do
prazo trienal que, por si só, não defere ao servidor o direito à
estabilidade, sendo necessária a aprovação na avaliação do estágio
probatório. Art. 41, § 4°, da CF. Sentença mantida. Recurso
conhecido e não provido.”

2. Contra esse acórdão Margarete da Silva Mateus Furquim interpôs


recurso extraordinário e alegou:

“No presente caso, a Administração ignorou a justificativa da


Recorrente para não participar de quaisquer atividades marcadas do
por do sol de sexta ao por do sol de sábado, já que professa sua fé na
religião cristã Adventista do Sétimo Dia, e tem como um de seus
deveres a guarda do dia de sábado.
A Recorrente justificou sua convicção religiosa logo no início de
suas atividades (fls. 49/77), oportunidade em que mencionou que não
poderia laborar no período noturno às sextas feiras, e justificou as
faltas, que foram reconhecidas como faltas justificadas, e após, a
Impetrada informou a não necessidade de realizar uma justificativa a
cada sexta feira, pois já tinham conhecimento do caso.”

Explicou que, “por inúmeras vezes (...) se colocou a disposição para


laborar em horários alternativos às sextas feiras, porém, isso nunca lhe foi
permitido em afronta a parte final do inciso VIII do art. 5º da nossa Magna
Carta.”

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Anotou ter sido exonerda “por não aprovação no estágio probatório sob
Inteiro Teor do Acórdão - Página 99 de 187
alegação do não cumprimento do requisito assiduidade” salientou que “tal
exoneração fora realizada intempestivamente, após o decurso do prazo de três
anos”.

Pediu o provimento do recurso extraordinário a fim de se anular sua


exoneração.

3. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da


matéria (Tema 1021):

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO.


LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E CRENÇA. ADVENTISTA
DO SÉTIMO DIA. MAGISTÉRIO. JORNADA NOTURNA.
SEXTA-FEIRA. CUMPRIMENTO DE CARGA HORÁRIA.
REPROVAÇÃO EM ESTÁGIO PROBATÓRIO.
1. É dotada de repercussão geral a questão constitucional
referente à objeção de consciência, por motivos religiosos, como
justificativa para gerar dever do administrador de disponibilizar
obrigação alternativa para servidores públicos, em estágio probatório,
cumprirem seus deveres funcionais.
2. Repercussão geral da questão constitucional reconhecida.”

4. A Procuradoria-Geral da República opinou pelo provimento do


recurso extraordinário:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 1.021.
SERVIDOR PÚBLICO. MAGISTÉRIO. ESTÁGIO
PROBATÓRIO. CARGA HORÁRIA. DESCUMPRIMENTO.
REPROVAÇÃO. OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA. ADVENTISTA
DO SÉTIMO DIA. LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E CRENÇA.
PROVIMENTO.
1. Recurso extraordinário com agravo, leading case do Tema da
sistemática da repercussão geral: “dever do administrador público de
disponibilizar obrigação alternativa para servidor em estágio
probatório cumprir deveres funcionais a que está impossibilitado em
virtude de sua crença religiosa.”
2. O Estado há de proteger a diversidade em suas múltiplas
formas de expressão, dentre as quais se inclui o direito de o indivíduo

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

adotar conduta compatível com suas convicções, desde que não se


Inteiro Teor do Acórdão - Página 100 de 187
revele antissocial, tendo em conta ser a liberdade de consciência e
crença inviolável, conforme previsto no art. 5º, VI, da CF.
3. A permissão de obrigação alternativa para que servidores
públicos cumpram seus deveres funcionais, dentro de limites de
adaptação razoável, após manifestação prévia e fundamentada de
objeção de consciência por motivos religiosos, representa a viabilidade
de concretização de liberdade religiosa sem prejuízo do exercício de
outros direitos fundamentais (no caso, a educação e o trabalho) e
impede a ocorrência de impactos desproporcionais sobre determinados
grupos religiosos de normas aparentemente neutras.
4. A necessidade de regular procedimento administrativo
permite que sejam ponderados, diante das obrigações profissionais
postas no caso concreto, os limites e as exigências da objeção de
consciência, coordenados com os deveres inafastáveis do servidor
público, viabilizando o controle do ato por parte do Judiciário e da
própria sociedade, destinatária última da coisa pública.
5. Propostas de teses de repercussão geral:
I - A objeção de consciência, por motivos religiosos, previamente
apresentada e devidamente fundamentada pelo professante, é
justificativa para gerar dever do administrador de disponibilizar,
dentro de critérios de adaptação razoável, obrigação alternativa para
servidores públicos, em estágio probatório, cumprirem seus deveres
funcionais, em observância ao dever de neutralidade religiosa do
Estado e a fim de evitar-se impacto desproporcional sobre determinado
grupo religioso das obrigações atinentes ao serviço público.
II - A impossibilidade de adaptação razoável, após requerimento
do solicitante, deve ser objetivamente fundamentada pelo gestor
público, dentro de procedimento administrativo regular. Parecer pelo
provimento do recurso extraordinário, com a fixação das teses
sugeridas” (e-doc. 26).

5. O Centro Brasileiro de Estudos em Direito e Religião, a


Confederação Israelita Do Brasil -Conib e a Associação Nacional De
Juristas Evangélicos – Anajure foram admitidos como amici curiae (e-doc.
19 e 50).

Estado laico e Liberdade religiosa

6. Em 7.1.1890, o Presidente Deodoro da Fonseca editou o Decreto n.

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

119-A, pelo qual Inteiro


se proibiu a "intervenção da autoridade federal e dos Estados
Teor do Acórdão - Página 101 de 187
Federados em matéria religiosa, [e se] consagr[ou] a plena liberdade de cultos" e,
na sequência, no § 2º do art. 11 da Constituição de 1891 se garantiu a
laicidade do Estado, vedando-se aos Estados e à União estabelecer,
subvencionar ou embaraçar "o exercício de cultos religiosos".

Ruy Barbosa sobre o propósito da escolha pela laicidade do Estado


ressaltou:
“O seu propósito, literalmente explícito nesses termos, foi
acabar com “a dependência ", em que outrora estavam os cultos para
com o Estado, e, até certo ponto, o Estado para com os cultos; foi
dissolver “a aliança”, que dantes existia, entre e o Estado e a igreja,
entre a igreja e o Governo; foi extinguir a subvenção oficial, de que
antigamente gozava o culto cathólico a igreja católica romana,
vedando que, de futuro, outras igrejas ou cultos percebam subvenções;
foi proibir que, nos estabelecimentos públicos o ensino se ministre com
a colaboração de igrejas e cultos, ou embebido nas influencias
religiosas que delles emanam.
Violadas estarão, pois, essas determinações constitucionais, toda
a vez que se pretenda locupletar com uma subvenção qualquer igreja
ou culto. Violadas se acharão essas interdicções constitucionais, todas
as vezes que se estabeleçam relações de aliança ou dependência entre
algum culto ou igreja e o governo do Paiz, de um Estado, ou de uma
municipalidade. Violadas serão essas proibições constitucionais, toda a
vez que no ensino fornecido por um estabelecimento publico, federal,
estadoal, ou municipal, se dê entrada a uma igreja, a um culto, a uma
religião.
(...)
Não foi em ódio à igreja catholica, ao christianismo, ao
sentimento religioso, a quaesquer igrejas ou cultos, que nossa
Constituição traçou entre o temporal e o espiritual estas extremas. A
nossa lei constitucional não é nem antirreligiosa nem irreligiosa. Não.
A Constituição, pelo contrário, altamente reconhece o valor da
religião, da existência dos cultos, do desenvolvimento dos princípios
religiosos" (BARBOSA, Ruy. Comentários à Constituição Federal
Brasileira. São Paulo: Livraria Acadêmica. 1934, Volume V. p.
261-262, 266-267).

Nas Constituições que se seguiram à de 1891 se reiterou a escolha


pelo Estado laico e se ampliou a possibilidade de as liberdades serem

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exercidas sem que o Estado tivesse que colocar, de alguma forma, nas
Inteiro Teor do Acórdão - Página 102 de 187
mãos de uma pessoa, uma escolha entre praticar os cultos e as liturgias da
religião por ela eleita e outros direitos igualmente fundamentais.

Na Constituição da República de 1988, no inc. I do art. 19,


prescreveu-se ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los,
embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes
relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de
interesse público”.

Estado laico é aquele que respeita a diversidade de pontos de vista


dos diversos credos sem, entretanto, deixar-se influenciar por algum
deles em específico. Para Flávia Piovesan,

“no Estado laico, marcado pela separação entre Estado e religião,


todas as religiões merecem igual consideração e profundo respeito,
inexistindo, contudo, qualquer religião oficial, que se transforme na
única concepção estatal, a abolir a dinâmica de uma sociedade aberta,
livre, diversa e plural. Há o dever do Estado em garantir as condições
de igual liberdade religiosa e moral, em um contexto desafiador em
que, se, de um lado, o Estado contemporâneo busca adentrar os
domínios do Estado (ex: bancadas religiosas no Legislativo).
Destacam-se, aqui, duas estratégias: a) reforçar o princípio da
laicidade estatal, com ênfase à Declaração sobre a Eliminação de todas
as formas de Discriminação com base em Intolerância Religiosa; e b)
fortalecer leituras e interpretações progressistas no campo religioso, de
modo a respeitar os direitos humanos" (Direitos Humanos (coord).
Curitiba: Juruá editora, 2007, p. 24-25).

7. Para Karl Lowenstein a fé constitui um dos “três incentivos


fundamentais que dominam a vida do homem na sociedade e regem a totalidade
das relações humanas”, são eles “o amor, a fé e o poder, [que] de uma maneira
misteriosa estão unidos e entrelaçados” (LOWENSTEIN, Karl. Teoría de la
Constitución. Barcelona, Editorial Ariel S.A. 1986, p. 23, tradução livre).

Assim, o Estado separa-se da religião mas o ser humano não se


separa da fé. O Estado é leigo, o ser humano não precisa ser, pois a força

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da fé se revela atéInteiro
na falta da fé.
Teor do Acórdão - Página 103 de 187

Tem-se, no art. 5º, proteção à liberdade religiosa de que os cidadãos


usufruem:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma
da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; (...)
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença
religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para
eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir
prestação alternativa, fixada em lei (...)”.

Pelo Decreto n. 678 de 6.11.1992, o Brasil promulgou a Convenção


Americana sobre Direitos Humanos de 22.11.1969 (Pacto de São José da
Costa Rica). No art. 12 se preceitua que toda pessoa tem direito à
liberdade de consciência e religião:

“Artigo 12 - Liberdade de consciência e de religião


1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de
religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou
suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a
liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças,
individual ou coletivamente, tanto em público como em privado.
2. Ninguém pode ser submetido a medidas restritivas que
possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas
crenças, ou de mudar de religião ou de crenças.
3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias
crenças está sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se
façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a
moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.
4. Os pais e, quando for o caso, os tutores, têm direito a que seus
filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de
acordo com suas próprias convicções”.

No Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, ao qual

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aderiu o Brasil pelo Decreto n. 592/1992, dispõe-se:


Inteiro Teor do Acórdão - Página 104 de 187
“Artigo 18
1. Toda pessoa terá direito a liberdade de pensamento, de
consciência e de religião. Esse direito implicará a liberdade de ter ou
adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a liberdade de
professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto
pública como privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos,
de práticas e do ensino.
2. Ninguém poderá ser submetido a medidas coercitivas que
possam restringir sua liberdade de ter ou de adotar uma religião ou
crença de sua escolha.
3. A liberdade de manifestar a própria religião ou crença estará
sujeita apenas à limitações previstas em lei e que se façam necessárias
para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os
direitos e as liberdades das demais pessoas.
4. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a
respeitar a liberdade dos pais e, quando for o caso, dos tutores legais -
de assegurar a educação religiosa e moral dos filhos que esteja de
acordo com suas próprias convicções”.

Em obra coordenada por Paulo Bonavides, Otavio Luiz Rodrigues


Junior leciona ser a liberdade religiosa uma expressão da dignidade
humana, pelo que o Estado deve assegurar o pluralismo religioso:
“A liberdade religiosa, por conseguinte, é uma expressão
da dignidade humana e manifesta o direito de
autodeterminação subjetiva. Vista sob o aspecto externo, em
sua implicação com o Estado Democrático de Direito, a
liberdade religiosa é um índice de comprometimento da ordem
jurídico-política com a Democracia e com seus valores
fundamentais, especificamente o pluralismo. A essência do
pluralismo está em aceitar a desigualdade de ser, agir, pensar e
crer, no que se une à ideia de autodeterminação. O pluralismo
exalça-se no plano da defesa estatal dessa diferença entre os
sujeitos. O Estado contemporâneo não apenas deve aceitar o
pluralismo, em sua feição religiosa, como deve assegurar sua
livre expressão e impedir quaisquer atos de caráter persecutório
ou de favorecimento a tais ou quais crenças. Chega-se, por
conseguinte, a outra faceta da liberdade religiosa: a atuação
ponderada do Estado em permitir o pluralismo de crenças, seja
abstendo-se de refreá-lo, seja atuando comissivamente para

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prestigiá-la. É por essa causa que ao Estado Democrático de


Inteiro Teor do Acórdão - Página 105 de 187
Direito torna-se impeditivo subvencionar ou estimular
expressões religiosas de modo discriminatório ou orientado a
conferir privilégios" (RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz, In:
BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de
Moura. (Coord.) Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio
de Janeiro: Forense, 2009, p. 100-101).

Guilherme Assis de Almeida, ao comentar os incs. VI a VIII do art.


da Constituição da República, ressalta que ”o desafio que se coloca é se é
possível um Estado defender e promover o pluralismo religioso e manter-se
neutro.”

Salienta que “a inviolabilidade de consciência e crença diz respeito à


proteção que o Estado garante ao indivíduo de não ser obrigado a abdicar (no
sentido de "abrir mão', renunciar), sendo inviolável, faz parte do foro íntimo de
cada pessoa” (ALMEIDA, Guilherme Assis de. In. MORAES, Alexandre,
[et al], Constituição Federal Comentada.1.ed. Rio de Janeiro: Forense.p. 64).

A Igreja Adventista do Sétimo Dia

8. O Brasil, como se sabe, é país conhecido por seu sincretismo


religioso, no qual coexistem diferentes credos.

A Igreja Adventista do Sétimo Dia, fundada em 1863 nos Estados


Unidos da América, é uma denominação cristã protestante,
restauracionista e trinitariana.

No Brasil, foi instalada em 1896 e é a maior denominação protestante


não pentecostal em número de membros, com cerca de 1.700.000,00 (um
milhão e setecentos mil membros). No mundo, tem cerca de 22.000.000
(22 milhões) de membros, com igrejas em 212 países e territórios.

Os membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia atribuem


fundamental importância à observância do sábado como o dia de repouso
– o qual é o sétimo dia nos calendários cristão e judaico –, após a criação
do mundo realizada nos seis dias precedentes.

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O sábado (sabath) é observado desde o pôr do sol na sexta-feira até o


Inteiro Teor do Acórdão - Página 106 de 187
pôr do sol no sábado. Os fiéis interrompem as atividades laborais,
compras, esportes e diversões. Muitos se reúnem na sexta-feira, à noite,
para saudar o início do sabath e alguns também se reúnem para
comemorar seu encerramento.

9. A guarda do sábado muitas vezes resulta em dificuldades, por


exemplo, a alunos que, por serem membros da Igreja Adventistas do
Sétimo Dia, têm que conciliar sua vida escolar com sua religião.

Por esse motivo, editou-se no Brasil a Lei n. 13.796/2019,l pela qual


se incluiu na Lei n. 9.394/1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, autorização para que alunos do ensino público e privado
pudessem, por motivo de crença, realizar prestações alternativas:

“Art. 7º-A - Ao aluno regularmente matriculado em


instituição de ensino pública ou privada, de qualquer nível, é
assegurado, no exercício da liberdade de consciência e de
crença, o direito de, mediante prévio e motivado requerimento,
ausentar-se de prova ou de aula marcada para dia em que,
segundo os preceitos de sua religião, seja vedado o exercício de
tais atividades, devendo-se-lhe atribuir, a critério da instituição
e sem custos para o aluno, uma das seguintes prestações
alternativas, nos termos do inciso VIII do caput do art. 5º da
Constituição Federal:
I - prova ou aula de reposição, conforme o caso, a ser realizada
em data alternativa, no turno de estudo do aluno ou em outro horário
agendado com sua anuência expressa;
II - trabalho escrito ou outra modalidade de atividade de
pesquisa, com tema, objetivo e data de entrega definidos pela
instituição de ensino.
§ 1º A prestação alternativa deverá observar os parâmetros
curriculares e o plano de aula do dia da ausência do aluno.
§ 2º O cumprimento das formas de prestação alternativa de que
trata este artigo substituirá a obrigação original para todos os efeitos,
inclusive regularização do registro de frequência.
§ 3º As instituições de ensino implementarão progressivamente,
no prazo de 2 (dois) anos, as providências e adaptações necessárias à
adequação de seu funcionamento às medidas previstas neste artigo.

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§ 4º O disposto neste artigo não se aplica ao ensino militar a que


Inteiro Teor do Acórdão - Página 107 de 187
se refere o art. 83 desta Lei”.

Na exposição de motivos do Projeto de Lei n. 2171/2003, que


resultou na Lei n. 13.796/2019, enfatizou-se ser necessário tratar da
situação, entre outras, dos alunos Adventistas do Sétimo Dia:

“A proposição tem como meta regulamentar situações outras


que a exemplo do serviço militar, possam ensejar alegação de
imperativo de consciência por motivo de crença religiosa, filosófica ou
política. Especificamente, tratamos da situação dos Protestantes, dos
Adventistas do Sétimo Dia, dos Batistas do Sétimo Dia, dos Judeus e
de todos os seguidores de outras religiões que guardam o período
compreendido desde o por do sol da sexta-feira até o por do sol do
sábado em adoração divina. E que por isso, por seguirem a risca as
determinações das religiões que professam, frequentemente são vítimas
de um dilema: cumprem as suas obrigações escolares e desrespeitam as
suas crenças religiosas ou, de forma inversa, mantêm suas convicções
religiosas com grandes e graves prejuízos à sua formação intelectual e
profissional ? Tanto de parte do legislador, quanto dos governantes, a
formação religiosa sempre foi objeto de atenção e respeito. A Lei das
Diretrizes e Bases da Educação (LDB) , por exemplo, sancionada em
20 de dezembro de 1996, estabelece no artigo 33 que “o ensino
religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido,
sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências
manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis...” E a própria
Constituição Federal, ao prever a prestação alternativa de obrigações,
permite a coexistência dos preceitos religiosos e do aperfeiçoamento
intelectual e/ou profissional”.

Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

10. A problemática do confronto entre a liberdade de religião e a


guarda do sábado pelos fiéis e o princípio da isonomia e a prevalência do
interesse público foi tangenciada por este Supremo Tribunal na
Suspensão de Tutela Antecipada – STA n. 389/MG.

A STA n. 389/MG foi ajuizada pela União objetivando suspender

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decisão pela qualInteiro


se determinava fosse oportunizada a vinte e dois alunos
Teor do Acórdão - Página 108 de 187
da fé judaica a participação no Exame Nacional do Ensino Médio – Enem
em data alternativa que não coincidisse com o shabat. Para tanto,
determinou-se fosse elaborada prova diversa da dos demais, a qual
deveria observar o mesmo grau de dificuldade.

O Ministro Gilmar Mendes, Relator, deferiu a suspensão


fundamentando sua decisão na dificuldade em se realizar provas
distintas a indivíduos que participam da mesma seleção e ponderou que
essa medida poderia vir a inviabilizar o Exame Nacional do Ensino
Médio – Enem, pelo que concluiu que a decisão impugnada na suspensão
não estaria “em sintonia com o princípio da isonomia, convolando-se em
privilégio para um determinado grupo religioso” (DJe 14.12.2009).

Ressaltou que teria sido ofertada a quem tivesse solicitado


atendimento especial por motivo de crença a realização da prova após o
pôr-do-sol e ponderou ser essa “medida razoável, apta a propiciar uma
melhor ‘acomodação’ dos interesses em conflito”.

Essa decisão foi mantida em sede de agravo regimental pelo Plenário


deste Supremo Tribunal:

“EMENTA: Agravo Regimental em Suspensão de Tutela


Antecipada. 2. Pedido de restabelecimento dos efeitos da
decisão do Tribunal a quo que possibilitaria a participação de
estudantes judeus no Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM) em data alternativa ao Shabat 3. Alegação de
inobservância ao direito fundamental de liberdade religiosa e
ao direito à educação. 4. Medida acautelatória que configura
grave lesão à ordem jurídico-administrativa. 5. Em mero juízo
de delibação, pode-se afirmar que a designação de data
alternativa para a realização dos exames não se revela em
sintonia com o principio da isonomia, convolando-se em
privilégio para um determinado grupo religioso 6. Decisão da
Presidência, proferida em sede de contracautela, sob a ótica dos
riscos que a tutela antecipada é capaz de acarretar à ordem
pública 7. Pendência de julgamento das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade nº 391 e nº 3.714, nas quais este Corte
poderá analisar o tema com maior profundidade. 8. Agravo

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Regimental conhecido e não provido” (STA n. 389-AgR/MG,


Inteiro Teor do Acórdão - Página 109 de 187
Relator o Ministro Gilmar Mendes, Plenário, DJe 14.5.2010).

11. Ressalto que a matéria não foi debatida no julgamento da Ação


Direta de Inconstitucionalidade n. 2.806/RS, ocaisão em que este Supremo
Tribunal declarou a inconstitucionalidade formal de lei do Rio Grande do
Sul na qual se adequavam as atividades do serviço público estadual e dos
estabelecimentos de ensino público e privados aos dias de guarda de
diferentes religiões (Relator o Ministro Ilmar Galvão, Plenário, DJ
27.6.2003).

12. Também não se chegou a adentrar a questão na Ação Direta de


Inconstitucionalidade n. 3.714/SP ajuizada pela Confederação Nacional
dos Estabelecimentos de Ensino – Confenen contra lei do Estado de São
Paulo na qual se assegurava aos candidatos de provas de concursos
públicos e exames vestibulares e aos alunos da rede pública e privada de
ensino que alegavam motivo de crença religiosa, a realização de provas
em horário compatível com seu período de guarda, pois a ação teve seu
seguimento negado pelo Ministro Alexandre de Moraes em razão da
alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional pela Lei
federal n. 13.796/2019 (DJe 26.2.2019).

13. Pende de julgamento neste Supremo Tribunal a Ação Direta de


Inconstitucionalidade n. 3.901/PA, ajuizada pela Procuradoria-Geral da
República contra dispositivos da Lei n. 6.140/1998 do Pará, pela qual se
dispõe que “as provas de concursos públicos e exames vestibulares no Estado do
Pará serão realizadas no período compreendido entre às 18:00 horas de sábado e
às 18:00 horas da sexta-feira seguinte”.

Dimensão positiva do direito à liberdade de religião e o Direito Comparado

14. A atuação do Estado laico diante do princípio da liberdade de


religião deve se dar de duas formas, uma negativa e outra positiva.

Para Canotilho, a liberdade de religião, em sua dimensão negativa, é


“uma liberdade de defesa perante o Estado” (CANOTILHO, J. J. Gomes;
MOREIRA,Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada. 4.ed.
Coimbra: Coimbra Editora. 2007, Volume I. Art. 41. p. 610).

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 110 de 187


Ao Estado laico exige-se que não se imponha qualquer religião e
proíbe-se qualquer forma de intervenção nas diversas religiões adotadas
por seus cidadãos.

Com a liberdade de religião que garante a liberdade de crença, de


opção por cultos e de manifestação e expressão da fé, surge o dever do
Estado de garantir o exercício dessa liberdade.

A respeito da dimensão positiva da atuação do Estado laico, Magno


Alexandre F. Moura salienta ser forçosa a criação de condições para o
efetivo exercício da crença:

“Quanto à dimensão positiva, os poderes públicos deverão criar


as condições mais favoráveis para que o exercício das mais distintas
opções religiosas, individuais ou coletivas, possam se desenvolver de
forma livre e igual, sem interferências de qualquer espécie. São as
condições criadas para que o indivíduo religioso possa exercer seu
direito fundamental à prática, aprendizagem e cumprimento de seus
deveres para com sua fé. Neste caso, o Estado não deixa de ser neutro,
porém, incorpora uma atitude proativa, de atenção e consideração com
as crenças religiosas dos cidadãos, e com isto coopera com suas
expressões coletivas de índole confessional' porque se extrai da
Constituição a religião (seja maioritária ou minoritária) como uma
expressão do livre desenvolvimento da personalidade."
Existindo recursos por parte do Estado, ele coopera para o
evento religioso, na educação, na cultura e no ensino. Esta é uma
visão mais atual, mais moderna, sobre o princípio da laicidade com
interligação com o princípio da liberdade religiosa. Tem-se o alcance e
a extensão dessa visão mais concreta, ou seja, da fruição desse bem
fundamental, porque o princípio da laicidade é garantia da liberdade
religiosa, e não o contrário.
O Estado transmite e garante a segurança jurídica necessária
para cada cidadão como praticante da fé religiosa, que ele abraçou com
a liberdade de adoração e a proteção de seus locais de culto e de suas
manifestações externas, disponibilizando os meios necessários para
tais consecuções. Trata-se de carga positiva em matéria de liberdade
religiosa" (MOURA, Magno Alexandre F. Princípios Políticos
Constitucionais Estruturantes da Liberdade Religiosa no Estado

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Brasileiro. In: PINTO, Hélio Pinheiro, (coord). Constituição,


Inteiro Teor do Acórdão - Página 111 de 187
Direitos Fundamentais e Política, Belo Horizonte: Fórum, 2017. p.
442).

A Constituição não dá com a mão direita para tirar com a mão


esquerda; ela não pode ter garantido liberdades e, depois, dizer que ou
você exerce aqueles rituais da sua fé ou opta por trabalhar.

Cabe ao Estado, o qual não pode ser nem intolerante nem ineficiente,
efetuar ações positivas no sentido de dar concretude ao direito de
liberdade religiosa, como, por exemplo, possibilitando ao indivíduo que
exerça, de fato, sua crença, sem criar privilégios.

Jurisprudência Comparada

15. Em Portugal, o Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.


545/2014, Relator o Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha, assentou o
direito de magistrada adventista do sétimo dia ser dispensada da
realização de turnos de serviço que coincidissem com o sábado.

Salientou-se, naquela oportunidade, que o direito de liberdade


religiosa comportaria uma dimensão positiva, a qual imporia ao Estado
uma atuação para se evitar, em certas circunstâncias, afrontamento ao
princípio da liberdade religiosa:
“O Estado não confessional deve respeitar a liberdade religiosa
dos cidadãos. Mas ele só respeita esta liberdade se criar as condições
para que os cidadãos crentes possam observar os seus deveres
religiosos - permitindo-lhes o exercício do direito de viverem na
realidade temporal segundo a própria fé e de regularem as relações
sociais de acordo com a sua visão da vida e em conformidade com a
escala de valores que para eles resulta da fé professada (cfr. Guiseppe
Dalla Torre, La Questione Scolastica nei Rapporti fra Stato e Chiesa,
2ª ed., Bologna, Pàtron Editore, 1989, p. 79) - e as confissões
religiosas possam cumprir a sua missão.
Significa isto que a liberdade religiosa, enquanto dimensão da
liberdade de consciência (artigo 41º, nº 1, da Constituição), assume
também, como já foi referido, um valor positivo, requerendo do Estado
não uma pura atitude omissiva, uma abstenção, um non facere, mas
um facere, traduzido num dever de assegurar ou propiciar o exercício

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da Inteiro Teor do Acórdão


religião (Disponível em:
- Página 112 de 187
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20140545.htm
, tradução livre).

16. Nos Estados Unidos da América, a Suprema Corte decidiu, em


1963, o caso Sherbert v. Verner, no qual Adell Sherbert, membro da Igreja
Adventista do Sétimo Dia, demitida por se negar a trabalhar no sábado,
insurgia-se contra decisão da Corte da Carolina do Sul, que negava a ela o
direito de receber benefícios decorrentes de desemprego.

Naquela oportunidade, o Justice Brennan ressaltou que a decisão


recorrida acabava por impor à apelante uma escolha entre sua religião e o
recebimento dos benefícios pelo Estado da Carolina do Sul:
“Aqui, não só fica claro que a inelegibilidade declarada da
apelante para benefícios deriva unicamente da prática de sua
religião, mas a pressão sob ela para renunciar a essa prática é
inequívoca. A decisão a obriga a escolher entre seguir os
preceitos de sua religião e perder benefícios, por um lado, e
abandonar um dos preceitos de sua religião para aceitar
trabalho, por outro. A imposição governamental de tal escolha
coloca o mesmo tipo de fardo sobre o livre exercício da religião
que uma multa imposta contra a recorrente por seu culto de
sábado” (Disponível em: https://www.oyez.org/cases/1962/526,
tradução livre).

Em seu voto, o Justice Potter Stewart asseverou fazer-se necessária


uma atuação afirmativa do Estado para proteger e acomodar as diferentes
crenças individuais:
“Acho que o processo de decisão constitucional na área
das relações entre governo e religião exige muito mais do que a
invocação de uma retórica ampla do tipo que citei. E eu acho
que a garantia da liberdade religiosa corporificada na Cláusula
de Livre Exercício requer afirmativamente que o governo crie
uma atmosfera de hospitalidade e acomodação à crença ou
descrença individual. Em suma, acho que nossa Constituição
comanda a proteção positiva da liberdade religiosa pelo
governo - não apenas para uma minoria, por menor que seja -
não apenas para a maioria, por maior que seja - mas para cada
um de nós” (Disponível em:

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https://www.oyez.org/cases/1962/526, tradução livre).


Inteiro Teor do Acórdão - Página 113 de 187

Adaptação razoável e o Direito Comparado

17. Ricardo Raemy Rangel explica que o termo adaptação razoável


ou acomodação razoável, no campo das liberdades de religião, originou-
se nos Estados Unidos da América:
“Quanto à origem da ideia, caberia aduzir que o
conceito de dever de adaptação razoável (“the duty
of reasonable accommodation") foi desenvolvido no
direito norte-americano. O termo foi originariamente
utilizado exatamente no campo discriminação religiosa. Depois de
alguns debates doutrinários sobre o tema, ocorridos no final dos anos
1960 e início dos 1970, e bem assim de algumas decisões judiciais
negando reconhecimento à referida obrigação, o Congresso norte-
americano houve por bem aprovar, em 1972, uma alteração legislativa
no Civil Rights Act impondo aos empregadores o aludido dever”
(RANGEL, Ricardo Raemy. O Dever de Adaptação Razoável e a
Discriminação por Motivo Religioso nas Relações de Trabalho. ão
Paulo: Revista Legislação do Trabalho. Ano 77. N. 9. p.

O conceito de adaptação razoável veio, posteriormente, a ser


aproveitado no campo dos direitos dos deficientes físicos no ambiente de
trabalho.

18. No Brasil, pelo Decreto n. 6.949/2009 se promulgou a Convenção


Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual,
assinada em Nova Iorque em 30.3.2007, buscou garantir aos portadores
de deficiências proteção legal contra discriminações e promover, por
diferentes meios, a igualdade.

No art. 5º da Convenção, tem-se determinação para que os Estados


adotem medidas para garantir uma adaptação razoável aos portadores de
deficiência:
“Artigo 5 Igualdade e não-discriminação
1.Os Estados Partes reconhecem que todas as pessoas são iguais
perante e sob a lei e que fazem jus, sem qualquer discriminação, a
igual proteção e igual benefício da lei.
2.Os Estados Partes proibirão qualquer discriminação baseada

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naInteiro
deficiência e garantirão às pessoas com deficiência igual e efetiva
Teor do Acórdão - Página 114 de 187
proteção legal contra a discriminação por qualquer motivo.
3.A fim de promover a igualdade e eliminar a discriminação, os
Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para garantir
que a adaptação razoável seja oferecida.
4.Nos termos da presente Convenção, as medidas específicas que
forem necessárias para acelerar ou alcançar a efetiva igualdade das
pessoas com deficiência não serão consideradas discriminatórias”.

Em seu art. 2 º definiu-se o que viria a ser adaptação razoável:

“Artigo 2 Definições Para os propósitos da presente Convenção:


(...)
“Adaptação razoável” significa as modificações e os ajustes
necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou
indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as
pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de
oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e
liberdades fundamentais”.

19. A adaptação razoável encontra limites.

Para Ricardo Raemy Rangel “a própria expressão dever de adaptação


razoável pressupõe que o aludido dever encontre sua primeira baliza no princípio
da razoabilidade. Demais disso, a moldura da razoabilidade pressupõe que os
custos necessários para a realização da adaptação não sejam excessivos ou
desproporcionais” (RANGEL, Ricardo Raemy. O Dever de Adaptação
Razoável e a Discriminação por Motivo Religioso nas Relações de Trabalho. ão
Paulo: Revista Legislação do Trabalho. Ano 77. N. 9)

20. No caso Trans World Airlines Inc. v. Hardison, julgado em


16.6.1977, a Suprema Corte Americana deu ganho de causa à Trans World
Airlines Inc., que teria feito consideráveis esforços, os quais teriam sido
comprovados no caso, no sentido de acomodar Larry Hardison, que, em
razão de sua religião, não podia trabalhar aos sábados.

Assentou-se, naquela oportunidade, não se poder exigir do


empregador ônus excessivo (undue hardship) e ressaltou-se que a
acomodação requerida por Hardison, em razão da necessidade de se

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montar turnos de revezamento aos sábados, implicaria em tratamento


Inteiro Teor do Acórdão - Página 115 de 187
anti-isonômico frente aos demais empregados da empresa.

A objeção de consciência e os limites impostos pelos princípios da razoabilidade,


da proporcionalidade, da isonomia e do interesse da Administração Pública

21. O exercício da liberdade de religião não pode ser interpretado a


partir da ideia de direito absoluto.

Os incs. VI e VIII do art. 5º da Constituição da República devem ser


interpretados e aplicados de forma ponderada, além de compatibilizados
com outros princípios igualmente postos no sistema constitucional, como
o da isonomia (inc. I do art. 5ª) da impessoalidade (art. 37, caput), da
razoabilidade e da supremacia do interesse público.

Ingo Wolfgang Sarlet enfatiza que a liberdade religiosa “encontra


limites em outros direitos fundamentais e na dignidade da pessoa humana, o que
implica, em caso de conflito, cuidadosa ponderação e atenção, entre outros
aspectos, aos critérios da proporcionalidade” (SARLET, Ingo Wolfgang;
MITIDIERO, Daniel; MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Direito
Constitucional. 9.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 542).

Aquele autor explica:


“Embora sua forte conexão com a dignidade da pessoa humana,
a liberdade religiosa, mas também a liberdade de consciência,
notadamente naquilo em que se proteja para o exterior da pessoa,
mediante atos que afetam terceiros ou levem (ainda que em situação
extrema) a um dever de proteção estatal da pessoa contra si própria,
como no caso de uma greve de fome por razões de consciência, são,
como os demais direitos fundamentais, limitados e, portanto, sujeitos
a algum tipo de restrição”.

Para Celso Antônio Bandeira de Melo, “o princípio da supremacia do


interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de Direito inerente a
qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência (…) é um pressuposto
lógico do convívio social” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de
Direito Administrativo. São Paulo:Malheiros, 17.ed. 2004. p. 87).

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22. O interesse público é, por isso mesmo, indisponível e tem


Inteiro Teor do Acórdão - Página 116 de 187
precedência sobre interesses privados.

Hely Lopes Meirelles esclarece que “a finalidade terá sempre um


objetivo certo e inafastável de qualquer ato administrativo: o interesse público.
Todo ato que se apartar desse objetivo sujeitar-se-á a invalidação por desvio de
finalidade (...)”(MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro.
São Paulo: Malheiros, 24. ed.,1999, p. 85-86).

Salienta, ainda, o professor Hely Lopes, que “o princípio da finalidade


veda é a prática de ato administrativo sem interesse público ou conveniência para
a Administração, visando unicamente a satisfazer interesses privados, por
favoritismo ou perseguição dos agentes governamentais, sob a forma de desvio de
finalidade” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São
Paulo: Malheiros, 24. ed.,1999, p. 85-86).

23. O direito à liberdade religiosa e à objeção de consciência dão azo


à prestação alternativa desde que compatível com os limites impostos
pelos demais princípios constitucionais, como o da supremacia do
interesse público e o da isonomia.

Por esse motivo a objeção de consciência não é oponível pelos


titulares de cargos públicos para deixarem de cumprir com seus deveres.
Nesse sentido, Canotilho alerta:
“(...) objecção de consciência não vale evidentemente para os
titulares de cargos públicos em relação ao cumprimento dos seus
deveres públicos, dado a responsabilidade democrático-republicana em
que estão investidos, tratando-se, aliás, em geral, de cargos de
candidatura livre.
O exercício do direito à objecção de consciência é em certos casos
um direito procedimentalmente dependente, pois exige um
procedimento de reconhecimento do estatuto do objector de
consciência. Este procedimento tem de ser um procedimento justo,
mas não é necessário que a aquisição do estatuto pressuponha uma
decisão judicial (reserva de juiz), visto que se não trata de um acto
materialmente jurisdicional” (CANOTILHO, J. J. Gomes;
MOREIRA,Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada.
4.ed. Coimbra: Coimbra Editora. 2007, Volume I. Art. 41. p.

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616).
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O caso dos autos

24. No caso dos autos, a Recorrente é membro da Igreja Adventista


do Sétimo Dia que exercia o cargo de professora no Município de São
Bernardo do Campo/SP e veio a ser exonerada por obter, ainda em
estágio probatório, avaliação negativa de desempenho em razão de 90
(noventa) faltas não justificadas, por não ter trabalhado no período
noturno das sextas-feiras.

Assim, considerando que é direito de todos ter uma escolha por uma
fé e poder manifestar os rituais dessa religião e, considerando, ainda, que
na espécie havia a possibilidade de remanejamento das aulas da
recorrente sendo que o concurso não foi especificamente para as sextas a
noite e para o sábado, tenho que deveria ser adotada a prática que, sem
qualquer prejuízo para Administração Pública e sem criar privilégios,
melhor atendesse aos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade e
se acomodasse às exigências constitucionais de proteção às liberdades
fundamentais.

Concluo que a disponibilização, pela Administração Pública de


prestação alternativa para garantir a observância do inc. VIII do art. 5ª da
Constituição da República desde que dentro dos limites da razoabilidade
e da proporcionalidade e compatível com o interesse público, não ofende
os princípios da isonomia, da impessoalidade ou da moralidade.

25. Pelo exposto, dou provimento ao recurso.

É o meu voto.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 118 de 187

25/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

VOTO

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Excelentíssimos


Senhores Ministros, saúdo-os pelos percucientes votos daqueles que me
antecederam e peço vênia para adotar o relatório distribuído pelo relator
do feito, eminente Ministro Edson Fachin, apenas ressaltando que o cerne
do debate ora travado diz respeito à existência de dever de
disponibilização, pela Administração Pública, de obrigação alternativa a
servidor em estágio probatório que se encontre parcialmente
impossibilitado de cumprir integralmente seus deveres funcionais devido
à sua crença religiosa.

Bem examinados os autos, e após esta breve síntese, observo que a


tutela da liberdade de pensamento, de consciência, de religião ou de
convicção encontra-se abrigada no art. 5°, VI, VII e VIII da Constituição
Federal, verbis:

“VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença,


sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a
suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de
assistência religiosa nas entidades civis e militares de
internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de
crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se
as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e
recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; [...]”.

Vê-se, portanto, que existe um mandamento constitucional


inequívoco que protege estas liberdades, o qual se inspira no art. 18.3 do
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, litteris:

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 119 de 187

ARE 1099099 / SP

“A liberdade de manifestar a própria religião ou crença


estará sujeita apenas à limitações previstas em lei e que se
façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde
ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais
pessoas”.

E também no o art. 12.3 da Convenção Americana sobre Direitos


Humanos, litteris:

“A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias


crenças está sujeita unicamente às limitações prescritas pela lei
e que sejam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a
saúde ou a moral públicas ou os direitos ou liberdades das
demais pessoas”.

E, ainda, aos parâmetros da Declaração sobre a Eliminação de Todas


as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou nas
Convicções, de 1981, cujo art. 3º dispõe:

“Art. 3º A discriminação entre os seres humanos por


motivos de religião ou de convicções constitui uma ofensa à
dignidade humana e uma negação dos princípios da Carta das
Nações Unidas, deve ser condenada como uma violação dos
direitos humanos e das liberdades fundamentais proclamados
na Declaração Universal de Direitos Humanos e enunciados
detalhadamente nos Pactos internacionais de direitos humanos,
e como um obstáculo para as relações amistosas e pacíficas
entre as nações.”.

Dessa Convenção, vale destacar, em especial, o que consta o art. 6°,


especialmente em sua alínea h, abaixo transcrito:

“Art. 6. O direito à liberdade de pensamento, de


consciência, de religião ou de convicções compreenderá

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ARE 1099099 / SP

especialmente as seguintes liberdades:


[...]
h) A de observar dias de descanso e de comemorar
festividades e cerimônias de acordo com os preceitos de uma
religião ou convicção”.

Pois bem. Como é sabido, o regramento geral que estipula os dias


úteis e os feriados geralmente reflete a tradição religiosa predominante
em determinado país, que no caso do Brasil é a católica. Entretanto,
muitos cidadãos brasileiros professam religiões cujo dia de guarda é o
sábado, a exemplo dos judeus, especialmente os ortodoxos, e os membros
da Igreja Adventista do Sétimo Dia, à qual pertence o ora recorrido.

A fim de evitar limitações excessivamente onerosas à liberdade


religiosa dessas e de outras minorias, sem contudo deixar de se observar
os princípios da igualdade, do pluralismo e da proibição da
discriminação indireta, penso que a conciliação dessas normas
constitucionais, em aparente conflito, parece ser a alternativa mais
condizente com o imperativo democrático da convivência harmônica
entre indivíduos que professam crenças distintas.

Exemplos típicos dessa conciliação, em casos semelhantes ao


presente, consistem na flexibilização da jornada de trabalho ou na sua
reorganização ou, ainda, na compensação de dias não trabalhados, além
de outras medidas de cunho alternativo às obrigações impostas às
pessoas em geral, as quais devem ser implementadas sempre que
viáveis, e desde que não representem um ônus significativo para a
Administração Pública, com vistas a permitir o atendimento de restrições
religiosas daqueles que professam crenças distintas daquelas adotadas
pela maioria, sempre que não traduzam demandas triviais ou objetivem
atender a conveniências pessoais.

Assim, penso que convém aplicar para a solução da questão aqui


debatida aquilo que o direito positivo internacional denomina de “dever

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de acomodação razoável”, o qual já é reconhecido em outras searas. Veja-


se o que dispõe, nesse sentido, o art. 2° da Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência:

“‘Adaptação razoável’ corresponde a modificações e


ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus
desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso,
a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar
ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas, todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais;”.

O art. 5.3, dessa mesma Convenção, por sua vez, estipula o seguinte:

“A fim de promover a igualdade e eliminar a


discriminação, os Estados Partes adotarão todas as medidas
apropriadas para garantir que a adaptação razoável seja
oferecida”.

Como se vê a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com


Deficiências prevê que a adaptação razoável consubstancia um dever do
Estado, embora não possa implicar a assunção de ônus indevidos ou
desproporcionais, seja para a Administração Pública, seja para o
beneficiário das medidas, pois os dispositivos em tela admitem ambas as
interpretações. Em consequência, a análise desses custos deve ser feita à
luz de cada caso concreto, e sempre de forma transparente e motivada,
até porque o erário não pertence ao Estado, mas a todos os cidadãos que
ele representa. Extraio esse sentido não apenas dos preceitos
supracitados, mas também daqueles que listo em seguida: arts. 4º, item
1, f; 24, item 2, c; 24, item 5; 27, item 1, i, todos da Convenção. Portanto,
concluo que o dever de adaptação razoável há de levar em consideração
também as limitações do Estado, eis que este deve atender aos interesses
de toda a coletividade, inclusive das pessoas com deficiência, com vistas a
concretizar, na maior medida possível, o princípio da igualdade

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ARE 1099099 / SP

substancial.

Nessa linha de entendimento, trago a colação achega doutrinária de


Wallace Corbo, abaixo transcrita:

“O direito à acomodação, portanto, não é um direito à


acomodação a qualquer custo. Ou seja, não se trata de um
direito à máxima acomodação possível, e sim de um direito à
acomodação razoável, vedando-se a imposição de medidas
desnecessárias, inadequadas e, especialmente, que gerem ‘ônus
desproporcional ou indevido’. A incorporação da ideia de
razoabilidade ao direito à acomodação, especialmente com
relação à vedação de imposição de ônus desproporcional ou
indevido, traduz deferência à percepção de que, como
formulado por Flavio Galdino (2005), ‘direitos não nascem em
árvores’. O combate à discriminação e seus efeitos perniciosos,
ainda que de extrema relevância no contexto constitucional
vigente, não pode se desconectar da realidade de que as
alterações na realidade implicam custos - e que estes custos
serão suportados por alguém. No caso de um direito oponível
tanto contra o Poder Público quanto contra particulares, estes
custos serão suportados pela integralidade da população ou por
pessoas específicas.” (CORBO, Wallace. O direito à adaptação
razoável e a teoria da discriminação indireta: uma proposta
metodológica. RFD-Revista da Faculdade de Direito da UERJ 34
(2018), p. 220).

Ressalto ainda que a liberdade de prestar ou não um concurso


público não pode ser utilizada como argumento para eventuais violações
do direito à liberdade religiosa, eis que tal raciocínio implica uma
inadmissível simplificação da complexidade das histórias de vida e das
escolhas e opções profissionais das pessoas, bem como das relações entre
estas e o exercício da liberdade de religião e de crença.

Por fim, observo que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com

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Deficiências prevê claramente que, como visto acima, a adaptação


razoável não pode implicar ônus desproporcionais ou indevidos ao
Estado. A análise dos custos deve ser feita de forma transparente, à luz do
contexto específico, de maneira concreta, sendo recomendável, contudo,
que o Estado desenvolva um protocolo para este tipo de análise, à luz do
que prevê o art. 4.1 da Declaração sobre Eliminação de Todas as Formas
de Intolerância e Discriminação com Base em Religião ou Crença.

Nesse mesmo sentido, assim pontuou o relator:

“A mera conveniência para administração não constitui


justificativa idônea para limitação de um direito fundamental.
O dever de motivação das decisões administrativas impõe ao
Estado que justifique, com razões concretas e específicas, suas
decisões para que seja sindicável a proporcionalidade da
limitação do direito fundamental à liberdade religiosa.
A administração pública somente pode recusar-se a
estabelecer obrigações alternativas diante da impossibilidade de
compatibilização, nos termos do artigo 5°, VIII, da CRFB. Se
assim não for, é inconstitucional que o indivíduo seja privado
de um direito expressamente previsto na Carta, qual seja, o
cumprimento de obrigações alternativas por objeção de
consciência, sem que o administrador justifique a restrição a tal
direito.
[...]
Não se pode deixar de registrar, por outro lado, que os
direitos fundamentais, pela sua própria natureza, não são
absolutos, dessa forma, diante de decisão administrativa
fundamentada no sentido da impossibilidade de ofertar
obrigação alternativa, por colidir com outro direito de ordem
pública, por meio de um processo de ponderação, regrado pelo
devido processo legal substantivo, poderá a administração
pública restringir um direito individual para garantir direitos
coletivos, independente da recusa à alternativa.”

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Isso posto, dou parcial provimento ao recurso para determinar a


reintegração ao serviço público da recorrente, cabendo ao Estado analisar,
neste caso concreto e de maneira justificada, a possibilidade de efetivar
ajustes para acomodar, de forma razoável, a pretensão de resguardo
religioso conforme a liberdade de pensamento, de consciência, de religião
ou de convicções da recorrente.

Proponho um aperfeiçoamento da redação da tese da repercussão


geral, nos seguintes termos:

“A Administração Pública deve analisar, à luz do


princípio da razoabilidade e mediante decisão
fundamentada, se as peculiaridades do caso concreto
possibilitam efetivar ajustes para acomodar a pretensão de
resguardo religioso com o interesse público, conforme a
liberdade de pensamento, de consciência, de religião ou de
convicções do servidor”.

É como voto.

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25/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

DEBATE

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Presidente,


eu ouvi com atenção o voto do Ministro Ricardo Lewandowski e, para ser
sincero, senti muita proximidade da posição de Sua Excelência com a
posição que eu mesmo defendi - e penso que, anteriormente, o Ministro
Alexandre de Moraes - no sentido de que a acomodação razoável por
motivo religioso deve se dar quando não afete a isonomia e quando não
imponha ônus desproporcional à Administração. Pelo que entendi, foi
isso que Sua Excelência disse.
E quanto a esse ponto, Ministro Ricardo Lewandowski, nós estamos
de pleno acordo. É isso que eu penso também: a Administração deve
procurar acomodar, desde que não incida em uma dessas duas hipóteses.
De modo que eu não vi maior divergência - pelo contrário - entre a
posição de Vossa Excelência e a posição que eu mesmo defendi.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Perfeito!
Concordo com Vossa Excelência, Ministro Barroso, e também entendo
que essa minha posição se aproxima daquela externada por Vossa
Excelência e também pelo Ministro Alexandre de Moraes. Só que eu
entendi que a conclusão, data venia, mais técnica seria dar provimento
parcial, porque nós estamos ainda atendendo em parte à pretensão dos
recorrentes, não é?
De um lado, estamos no caso da professora determinando a sua
reintegração, mas não, no caso, uma reintegração absolutamente
fundamental, ela terá que se acomodar, ou a Administração terá que se
acomodar às pretensões da professora.
De outro lado, no caso do candidato ao concurso público que integra
a relação processual do recurso extraordinário relatado pelo Ministro
Dias Toffoli, penso que a decisão judicial atacada é absolutamente
irretocável, ou seja, atendeu aos interesses não só do candidato, mas
também da Administração Pública. Só que eu agasalho a tese... Eu não

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 126 de 187

ARE 1099099 / SP

posso concordar integralmente com a União no sentido de dizer que


sempre a alteração dos horários e das condições das provas e dos
concursos seja um direito subjetivo do candidato.
É por isso que eu, com a devida vênia, entendi que a solução mais
técnica seria o provimento parcial em ambos os casos. É claro que posso
e, certamente, devo estar equivocado, porque a conclusão da maioria é
sempre a mais acertada.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - O Ministro
Alexandre de Moraes pede a palavra.
Vossa Excelência pode utilizá-la.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Obrigado,
Presidente!
Só para completar. Como o eminente Ministro Roberto Barroso disse,
acho que a posição, principalmente, eu diria, da repercussão geral, em
relação à minha posição, à posição do Ministro Roberto Barroso e à do
Ministro Ricardo Lewandowski são praticamente idênticas.
Eu também parti do pressuposto de que não é um direito subjetivo.
Exatamente por isso, na primeira tese proposta, deixei claro que, desde
que presente a razoabilidade da alteração e a preservação da igualdade
entre todos os candidatos, e, na segunda, que me parece muito
importante também, e isso foi ressaltado pelo eminente Ministro Ricardo
Lewandowski, desde que também presente a razoabilidade da alteração e
não se caracterize desvirtuamento no exercício das funções do cargo.
Então, em ambos os casos, também não entendo que seja um direito
subjetivo, mas a Administração não pode negar o pedido sem analisar
dentro daquela tolerância que nós dissemos que deve caracterizar o
respeito à liberdade religiosa.
A questão da procedência total, improcedência, ou não, no caso
concreto, eu acho que há uma diferença entre o nosso posicionamento,
porque me parece que o Ministro Roberto Barroso, ao concordar com as
premissas lançadas, nós concedemos a segurança para que a professora
seja reintegrada e que a Administração faça a ela um horário que não a
prejudique, até porque são 28 horas semanais e ela já não dava a aula de

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ARE 1099099 / SP

sexta-feira. E parece que aí é que há a nossa única divergência e depois


podemos debater.
Agradeço, Senhor Presidente!
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Isso.
Senhor Presidente, só mais uma pequena intervenção. Eu sei que estou
atrapalhando, dado o horário.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Não, de
forma alguma.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - É que
justamente, como Vossa Excelência, Ministro Alexandre de Moraes, e -
penso - também como o Ministro Barroso, não atender integralmente a
pretensão da recorrente, porque ela é reintegrada, mas ela não pode
escolher livremente o horário de cada aula, é preciso haver uma
acomodação por parte dela e da Administração, dentro do razoável,
sempre respeitando o interesse público.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO – Ministro
Ricardo Lewandowski, é só um slot, é só sexta-feira depois de 18 horas. É
só esse slot que ela não pode. E o Ministro Alexandre de Moraes e eu
achamos que ela tem esse direito.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - E, nesse caso
concreto, ela já não dava aula nesse horário.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Pode ser
que, depois do julgado, eu me acomode a uma ou outra posição.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Apenas uma
observação. Eu entendo absolutamente paradoxal acolher um mandado
de segurança que exige direito líquido e certo e dizer que não há direito
subjetivo. Mas isso eu vou deixar para falar amanhã, porque hoje o
próximo votante seria o Ministro Gilmar Mendes. E o Ministro Gilmar
Mendes anuncia que gostaria de expor o seu voto, que ele tem uma
densidade, é um voto longo, não é isso, Ministro Gilmar Mendes?
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Presidente, é isso, eu
iria me estender, mas antes eu iria fazer até uma consideração, porque
estamos discutindo, na realidade, temas com repercussão geral. Portanto,

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ARE 1099099 / SP

estamos fixando uma orientação.


Eu fico a imaginar a Prefeitura de Diamantino, no Mato Grosso, a
minha terra, que decida contratar um médico que tenha essas
peculiaridades em termos de religião, quer dizer, tem direito ou não tem
direito? Deve trabalhar ou não? Porque é isso que vai se colocar no final.
Nós estamos falando de uma professora de um município, é disso de
que estamos falando, isso que precisa ser examinado. Então, porque fixar
a tese e dizer que não tem o direito, parece, realmente, uma contradição
nos termos. Então, parece-me que isso precisa ser acertado, mas eu
reservo para amanhã. Eu só gostaria que nós refletíssemos um pouco
sobre essas questões, porque, como dizem os portugueses, as
consequências vêm depois. E, de fato, isso se coloca.
No caso de concurso, nós já sabemos, nós já gerenciamos todos os
concursos, às vezes, concurso para cem mil pessoas, cem mil concorrentes
ou mais. Quer dizer, como administrar isso e dizer que as provas só
podem ser, sei lá, ao domingo, ou talvez, daqui a pouco, com as
peculiaridades e o pluralismo religioso, só de seis à meia-noite? Veja,
então, isso é a vida cotidiana, estou falando de concurso para as mais
diversas funções.
Vamos estabelecer regras ou vamos estabelecer exceções? Mas, sobre
isso, nós falamos amanhã.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Presidente,
eu gostaria de fazer uma breve intervenção para deixar clara a minha
posição e acho que coincide com a de outros Colegas.
Nesses dois casos, têm direito, porque é possível uma acomodação
razoável sem ônus desproporcional para a Administração e sem violação
ao princípio da igualdade.
Portanto, se nós estivermos diante de uma situação, por exemplo, em
que a Administração precise fazer um concurso no sábado e no domingo
para milhares de pessoas em condições de igualdade, eu acho que não
tem como fazer a exceção. O conceito jurídico indeterminado aqui de
ônus desproporcional é que vai permitir à Administração definir ou não
se é possível a acomodação razoável e a questão da isonomia, porque, se

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 129 de 187

ARE 1099099 / SP

tiver de fazer em dia separado o concurso, você quebra a isonomia.


Assim, é um direito condicionado a não haver ônus desproporcional e
não vulnerar o princípio da igualdade.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Bom, eu
também vou deixar para expor amanhã, porque acho que aqui ou tem
direito, ou não tem direito, no meu modo de enfrentar a questão.
Eu, digamos assim, quando ouvi o voto do Ministro Edson Fachin,
pude compreender que, para gerar segurança jurídica, é preciso saber se
essas pessoas têm direito a esse discrímen ou não têm, porque, se deixar
por conta da Administração Pública verificar o caso concreto se é razoável
ou não, nós não estamos fixando tese absolutamente nenhuma.
Mas, de qualquer maneira, à semelhança do Ministro Gilmar, vou
me reservar para me manifestar amanhã.

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Extrato de Ata - 25/11/2020

Inteiro Teor do Acórdão - Página 130 de 187

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099


PROCED. : SÃO PAULO
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
RECTE.(S) : MARGARETE DA SILVA MATEUS
ADV.(A/S) : PATRICIA CONCEICAO MORAIS (208436/SP)
RECDO.(A/S) : MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO
CAMPO
AM. CURIAE. : CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS EM DIREITO E RELIGIÃO
ADV.(A/S) : ANAISA ALMEIDA NAVES SORNA (192347/MG)
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO ISRAELITA DO BRASIL -CONIB
ADV.(A/S) : FERNANDO KASINSKI LOTTENBERG (74098/SP)
ADV.(A/S) : RONY VAINZOF (231678/SP)
ADV.(A/S) : ANDREA VAINER (305946/SP)
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS EVANGÉLICOS -
ANAJURE
ADV.(A/S) : LUIGI MATEUS BRAGA (32862/DF, 3250/SE)
ADV.(A/S) : UZIEL SANTANA DOS SANTOS (4484/SE)
ADV.(A/S) : ACYR DE GERONE (24278/PR)
ADV.(A/S) : RAÍSSA PAULA MARTINS (15481/RN)

Decisão: Após a leitura do relatório, o julgamento foi


suspenso. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 18.11.2020
(Sessão realizada inteiramente por videoconferência - Resolução
672/2020/STF).

Decisão: Após o voto do Ministro Edson Fachin (Relator), que


dava provimento ao recurso extraordinário, de modo a conceder a
segurança, e fixava a seguinte tese (tema 1.021 da repercussão
geral): “O administrador deve oferecer obrigações alternativas
para que seja assegurada a liberdade religiosa ao servidor em
estágio probatório”, o julgamento foi suspenso. Falaram: pela
recorrente, a Dra. Patrícia Conceição Morais; pelo amicus curiae
Associação Nacional de Juristas Evangélicos–ANAJURE, o Dr. Luigi
Mateus Braga; pelo amicus curiae Confederação Israelita do Brasil
– CONIB, o Dr. Fernando Kasinski Lottenberg; e, pela Procuradoria-
Geral da República o Dr. Antônio Augusto Brandão de Aras,
Procurador-Geral da República. Presidência do Ministro Luiz Fux.
Plenário, 19.11.2020 (Sessão realizada inteiramente por
videoconferência - Resolução 672/2020/STF).

Decisão: Após o voto do Ministro Dias Toffoli, que negava


provimento ao recurso e fixava tese; do voto do Ministro Nunes

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Extrato de Ata - 25/11/2020

Inteiro Teor do Acórdão - Página 131 de 187

Marques, que negava provimento ao recurso extraordinário e


propunha um acréscimo à tese do Ministro Dias Toffoli; do voto do
Ministro Alexandre de Moraes, que dava provimento ao recurso e
concedia a segurança, estabelecendo tese, no que foi acompanhado
pela Ministra Cármen Lúcia; do voto do Ministro Roberto Barroso,
que dava provimento ao recurso e estabelecia tese diversa; do voto
da Ministra Rosa Weber, que, por ora, apenas dava provimento ao
recurso; e do voto do Ministro Ricardo Lewandowski, que dava
parcial provimento ao recurso e fixava tese, o julgamento foi
suspenso. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 25.11.2020
(Sessão realizada inteiramente por videoconferência - Resolução
672/2020/STF).

Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux. Presentes à sessão os


Senhores Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo
Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber, Roberto
Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Nunes Marques.

Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Augusto Brandão de


Aras.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 132 de 187

26/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

VOTO

O Senhor Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de recurso


extraordinário com agravo em que se analisa o eventual dever do
administrador público em disponibilizar obrigação alternativa para
servidor em estágio probatório cumprir deveres funcionais a que está
impossibilitado em virtude de sua crença religiosa.
O acórdão recorrido não vislumbrou, no caso dos autos, a violação a
direito líquido e certo a agasalhar a pretensão da impetrante. Entendeu
que "a impetrante, ao se inscrever no respectivo concurso público para o cargo de
Professor de Educação Básica II-EJA, submeteu-se às regras do edital. Assim,
tinha ciência de que deveria cumprir jornada de 24 horas semanais, sendo que foi
informada que tal carga distribuir-se-ia de segunda a sexta-feira, consoante a
conveniência da distribuição da grade horária e dos serviços, por ordem da
Administração Pública". Nesse sentido, concluiu que a impetrante "tinha
pleno conhecimento das condições de trabalho, cabendo a ela fazer a escolha:
assumir as obrigações inerentes ao cargo, as quais constaram previamente no
certame, ou não, preservando sua profissão de fé". Eis a ementa deste julgado:

“MANDADO DE SEGURANÇA. PROFESSOR.


EXONERAÇÃO. Admissibilidade. Impetrante que cometeu 90
(noventa) faltas injusticadas durante o período de estágio
probatório, em razão de suas convicções religiosas. Ausência de
violação a direito líquido e certo. Dever de assiduidade não
cumprido. Mero decurso do prazo trienal que, por si só, não
defere ao servidor o direito à estabilidade, sendo necessária a
aprovação na avaliação do estágio probatório. Art. 41, § 4º, da
CF. Sentença mantida. Recurso conhecido e não provido”.

No presente recurso extraordinário, argumenta-se que a


Administração ignorou sua justificativa "para não participar de quaisquer
atividades marcadas do pôr do sol de sexta ao pôr do sol de sábado, já que professa

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 133 de 187

ARE 1099099 / SP

sua fé na religião cristã Adventista do Sétimo Dia, e tem como um de seus


deveres a guarda do dia de sábado". Sustenta-se que “basear uma exoneração
tão somente no fato da Recorrente guardar sua consciência religiosa e não laborar
às sextas feiras em horário noturno, colocando-se à disposição em horários
alternativos, é uma afronta direta a nossa Magna Carta, o que não se pode
admitir”.
Em contrarrazões, o Município de São Bernardo do Campo alega
que "as condições de trabalho foram de conhecimento antecipado da recorrente,
sendo que a ela caberia fazer a escolha, assumir suas obrigações funcionais nos
termos das condições previamente estabelecidas, ou não, preservando sua
profissão de fé". Acrescenta que "a liberdade de crença e seu exercício é o
princípio que na realidade está sendo confrontado com os princípios da
legalidade, impessoalidade, eficiência e isonomia, sendo que estes últimos
constituem a base fundamental de condução e justificação dos atos da
Administração Pública". Pondera, ainda, que "a aquisição da estabilidade no
serviço público somente ocorre após o implemento cumulativo de dois requisitos:
(i) o transcurso de 3 anos no cargo pretendido; e (ii) aprovação na avaliação de
estágio probatório".
O Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral da questão
constitucional suscitada, por meio de acórdão que restou assim
ementado:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LIBERDADE


DE CONSCIÊNCIA E CRENÇA. ADVENTISTA DO SÉTIMO
DIA. MAGISTÉRIO. JORNADA NOTURNA. SEXTA-FEIRA.
CUMPRIMENTO DE CARGA HORÁRIA. REPROVAÇÃO EM
ESTÁGIO PROBATÓRIO. 1. É dotada de repercussão geral a
questão constitucional referente à objeção de consciência, por
motivos religiosos, como justificativa para gerar dever do
administrador de disponibilizar obrigação alternativa para
servidores públicos, em estágio probatório, cumprirem seus
deveres funcionais. 2. Repercussão geral da questão
constitucional reconhecida”.
(ARE 1099099 RG, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 134 de 187

ARE 1099099 / SP

Pleno, julgado em 13/12/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-


048 DIVULG 11-03-2019 PUBLIC 12-03-2019)

É o breve relatório.
Passo às considerações do meu voto.

Do Direito à Liberdade de Religião e de Consciência

Verifico que a questão constitucional do presente recurso


paradigmático reside em saber se é dever do administrador público
disponibilizar obrigação alternativa para servidor em estágio probatório
cumprir deveres funcionais a que está impossibilitado, em razão de
crença religiosa.
A liberdade de crença e de culto, usualmente caracterizada apenas
pela forma genérica “liberdade religiosa”, é um dos mais antigos anseios
do ser humano, considerado seu caráter sensível e associado a
perseguições, explorações políticas, atrocidades cometidas em nome da
religião.
Trata-se, pela importância, de uma das primeiras liberdades
garantidas pelas declarações de direitos a alcançar a condição de direito
humano e fundamental, consagrada não apenas na esfera do direito
internacional, mas também nos catálogos constitucionais de direitos
(SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 337).
Especialmente o advento da imprensa e a Reforma Protestante foram
marcantes para facilitar o acesso aos escritos religiosos e criticar o
cristianismo imperial, caracterizado por ser centralizado, autoritário e
hierarquizado (MACHADO, Jónatas E.M. “A jurisprudência
constitucional portuguesa diante das ameaças à liberdade religiosa”. In:
Boletim da Faculdade de Direito. Coimbra: Universidade de Coimbra,
vol. LXXXII, 2006, p. 65).
No processo de afirmação da liberdade religiosa como direito
fundamental, mencione-se que foi o Bill of Rights da Virgínia, de 1776, que
o elevou pela primeira vez a essa posição. Nos termos do art. 16,

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 135 de 187

ARE 1099099 / SP

consignou-se que: “A religião ou o culto devido ao Criador, e a forma de dele se


desobrigar, podem ser dirigidos unicamente pela razão e pela convicção, e jamais
pela força e pela violência, de onde se segue que todo homem deve gozar de inteira
liberdade na forma do culto ditado por sua consciência; e é o dever recíproco de
todos os cidadãos praticar, uns com os outros, a tolerância, o amor e a caridade
cristã”.
No direito internacional, no período pós Segunda Guerra Mundial, e
seguindo tradição iniciada com o Tratado de Paz de Vestfália, de 1648, a
liberdade religiosa acabou prevista em diversos instrumentos firmados
entre os países. Trata-se de consagração que representa importante
conquista no âmbito dos direitos humanos (MACHADO, Jónatas E.M. “A
jurisprudência constitucional portuguesa diante das ameaças à liberdade
religiosa”. In: Boletim da Faculdade de Direito. Coimbra: Universidade
de Coimbra, vol. LXXXII, 2006, p. 67).
Nesse aspecto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de
1948, preceitua, em seu art. 18, que “toda a pessoa tem direito à liberdade de
pensamento, de consciência e de religião”, sendo que “este direito implica a
liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de
manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como
em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”.
Em sentido semelhante e de forma mais ampla, transcrevo o art. 12
da Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, que dispõe:

“1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de


religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua
religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças,
bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou
suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público
como em privado.
2. Ninguém pode ser objeto de medidas restritivas que
possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas
crenças, ou de mudar de religião ou de crenças.
3. A liberdade de manifestar a própria religião e as
próprias crenças está sujeita unicamente às limitações prescritas

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 136 de 187

ARE 1099099 / SP

pela lei e que sejam necessárias para proteger a segurança, a


ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos ou liberdades
das demais pessoas.
4. Os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que
seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que
esteja acorde com suas próprias convicções”. (art. 12)

A Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos, de 1981, é, por


sua vez, mais sucinta, e prescreve apenas que “a liberdade de consciência, a
profissão e a prática livre da religião são garantidas. Sob reserva da ordem
pública, ninguém pode ser objeto de medidas de constrangimento que visem
restringir a manifestação dessas liberdades” (art. 8º).
Em âmbito nacional, menciono, de forma exemplificativa, o art. 4º da
Lei Fundamental de Bonn, de especial significância por marcar o período
pós Segunda Guerra Mundial. Pelo texto garante-se a liberdade de crença
e de consciência, bem como a liberdade de confissão religiosa e
ideológica, assegurado, igualmente, o livre exercício da religião.
Trata-se, portanto, de direito de liberdade essencial à ordem
democrática, que, ao garantir a liberdade espiritual como pressuposto
fundamental do livre desenvolvimento da personalidade, dá a base para
a livre formação de valores.
A liberdade religiosa, por sua natureza de direito fundamental,
abrange, a um só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da
ordem constitucional objetiva.
Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos
titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face do Estado ou
de particulares. Incluem-se aqui, por exemplo, a liberdade de confessar
ou não uma fé e o direito contra qualquer forma de agressão a sua crença.
O âmbito de proteção da liberdade religiosa abrange, portanto, a
liberdade de formar, de possuir e de manifestar uma crença ou uma
ideologia. Também estão protegidas as respectivas negações, isto é, a
liberdade de não acreditar nem professar nenhuma ideologia.
Na sua dimensão como elemento fundamental da ordem
constitucional objetiva, os direitos fundamentais formam a base do

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ordenamento jurídico de um Estado de Direito Democrático. No tocante à


liberdade religiosa, a manutenção deste quadro de democracia é
garantida pela neutralidade religiosa e ideológica do Estado (SARLET,
Ingo Wolfgang. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2012, p. 464).
Fala-se, igualmente, de liberdade coletiva de religião, relacionada a
uma associação religiosa, como tal. Trata-se de uma forma de proteger
todas as atividades que também estão abrangidas pela liberdade
individual de religião e de ideologia (PIEROTH, Bodo; SCHLINK,
Bernhard. Direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 247).
Entre nós, a liberdade religiosa é garantida por diversos dispositivos
da Constituição Federal de 1988, que preceitua ser “inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (art.
5º, VI).
A Constituição Federal de 1988 determina ainda que não cabe ao
Estado - União, Estados federais, Distrito Federal ou Municípios -
“estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o
funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de
dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse
público” (art. 19, I, CF). Inclusive, para evitar-se qualquer espécie de
embaraço à atuação das comunidades religiosas, o Constituinte houve
por bem garantir imunidade de impostos aos templos de qualquer culto
(art. 150, VI, b, CF).
Vê-se, pois, que não se revelaria aplicável à realidade brasileira as
conclusões a que chegou o Justice Black da Suprema Corte
norteamericana, no famoso caso Everson v. Board of Education, segundo as
quais a cláusula do estabelecimento de religião (establishment of religion
clause) prevista na Primeira Emenda à Constituição norte-americana não
determinaria apenas que “nenhum Estado, nem o Governo Federal,
podem fundar uma Igreja”, mas também que “nenhum dos dois podem
aprovar leis que favoreçam uma religião, que auxiliem todas as religiões”.
Segundo Thomas Jefferson, a referida cláusula deveria ser compreendida

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como a construção de um “muro” entre Igreja e Estado (“erect a wall of


separation between Church and State”).
O texto constitucional brasileiro prevê, ademais, que o casamento
religioso tem efeito civil, nos termos que a lei definir (art. 210, § 1º, CF).
Assegura-se, igualmente, a prestação de assistência religiosa nas
entidades civis e militares de internação coletiva (art. 5º, VIII, CF), isto é,
um direito prestacional, não cabendo ao Estado impor tal assistência, mas
sim colocá-la à disposição dos que a desejam. Também, que recursos
financeiros possam ser destinados a escolas confessionais, definidas em
lei, nos termos do art. 213.
Finalmente, a Constituição de 1988 admite o ensino religioso em
escolas públicas, de caráter facultativo (art. 210, § 1º, CF).
Anoto, ainda, que a liberdade religiosa tem estreita relação com a
liberdade de consciência. Apesar do caráter complementar que possuem,
uma não se confunde com a outra.
A liberdade de consciência está prevista na Constituição Federal de
1988 em seu art. 5º, VI, que dispõe ser “inviolável a liberdade de consciência e
de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na
forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
Nesse sentido, anotam Pieroth e Schlink:

“A consciência é uma atitude moral que ajuda a constituir


a identidade pessoal de uma pessoa e lhe prescreve, de maneira
subjetivamente vinculativa, que, numa situação concreta,
pratique como ‘boas’ ou ‘justas’ certas ações ou as omita como
‘más’ ou ‘injustas’. De acordo com este entendimento, não se
verifica uma decisão de consciência numa avaliação segundo as
categorias ‘bonito/feio’ ou ‘verdadeiro/falso’. O Tribunal
Constitucional Federal definiu corretamente: ‘como decisão de
consciência, deve, por conseguinte, ser considerada toda a
decisão séria e moral, isto é, orientada pelas categorias do ‘bem’
e do ‘mal’, que o particular sente intimamente, numa
determinada situação, como sendo para si vinculativa e
absolutamente compromissiva, de tal maneira que não poderia
agir contra ela sem um sério peso de consciência”. (PIEROTH,

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Bodo; SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais. São Paulo:


Saraiva, 2011, p. 250)

A objeção de consciência pode estar ligada a assuntos como opor-se


à guerra, com a consequente não prestação de serviço militar (art. 143 da
Constituição Federal). Nesse sentido, a previsão do art. 5º, VIII, da
Constituição Federal, que dispõe que “ninguém será privado de direitos por
motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as
invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir
prestação alternativa, fixada em lei”.
Vê-se, pois, que se trata de direito fundamental, que não se restringe
ao aspecto religioso, mas tem igual relação com visão de mundo e com
questões morais do indivíduo.
Portanto, liberdade de religião e de consciência são direitos
fundamentais na ordem jurídica brasileira, devendo o Estado não só
deixar de se imiscuir nessa esfera da intimidade, mas também vela para
que haja um efetivo respeito ao exercício desses direitos, modo que os
cidadão não sejam privados dos gozo de direitos civis diante do exercício
de liberdade de consciência.

A Jurisprudência do STF

Relativamente aos precedentes desta Corte, relembro que, na


qualidade de Presidente do Supremo Tribunal Federal, decidi suspensão
de tutela antecipada que envolvia matéria de direito religioso.
Tratava-se de grupo de estudantes judeus que se opunham à
realização da prova do Enem em data alternativa a fim de não conflitar
com o chamado Shabat.
Apontei, em minha decisão, que a liberdade religiosa é um direito
fundamental e como tal impõe ao Estado um dever de neutralidade em
relação às religiões existentes. Todavia, no caso em comento, não
vislumbrei o favorecimento de alguma religião específica.
Neutralidade não é o mesmo que indiferença e, ainda que o Estado
seja laico, a religião foi e continua sendo importante para a própria

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formação da sociedade brasileira, de sua cultura. Assim, entendi que:

“[...] A designação de dia alternativo para a realização das


provas do ENEM por um determinado grupo de alunos que
respeitam a milenar tradição do Shabat poderia ser, a priori,
considerado uma medida de ‘acomodação’, apta a afastar
sobrecargas indesejáveis sobre aquele grupo religioso, que, em
nosso país, revela-se minoritário.
Ocorre que, apesar das diversas dificuldades
administrativas e práticas que decorreriam da medida, aptas,
inclusive, a inviabilizar ENEM (não em virtude de dificuldades
financeiras ou meramente operacionais, mas em razão dos
problemas advindos da aplicação de provas distintas a
indivíduos que participam de uma mesma seleção), a
designação de data alternativa parece, em mero juízo de
delibação, não estar em sintonia com o princípio da isonomia,
convolando-se em privilégio para um determinado grupo
religioso.
Até mesmo porque, conforme registrado na decisão
agravada, o Ministério da Educação oferta aos candidatos que,
em virtude de opções religiosas não podem fazer as provas
durante o dia de sábado, a possibilidade de fazer a prova após o
pôr-do-sol (deve-se lembrar que o Shabat judaico inicia-se no
pôr-do-sol da sexta-feira e termina no pôr-do-sol do sábado).
Tal medida já vem sendo aplicada, há algum tempo, no tocante
aos adventistas do sétimo dia, grupo religioso que também
possui como ‘dia de guarda’ o sábado.
[...] vejo que a medida adotada revela-se, em face dos
problemas advindos da designação de dia alternativo, mais
consentânea com o dever do Estado de neutralidade diante do
fenômeno religioso (que não se confunde com indiferença,
consoante salientado anteriormente) e com a necessidade de se
tratar todas as denominações religiosas de forma isonômica”.
(STA 389 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes (Presidente),
Tribunal Pleno, DJe 13.5.2010)

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Ao analisar a liberdade de religião a partir de outras perspectivas, a


Corte tem promovido a tutela jurisdicional desse direito fundamental.
Nesse sentido, o Tribunal reconheceu a constitucionalidade do sacrifício
ritual de animais por adeptos de religiões de matriz africana. Eis a ementa
do referido julgado:

“DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO


EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL.
PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. LIBERDADE RELIGIOSA.
LEI 11.915/2003 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
NORMA QUE DISPÕE SOBRE O SACRIFÍCIO RITUAL EM
CULTOS E LITURGIAS DAS RELIGIÕES DE MATRIZ
AFRICANA. COMPETÊNCIA CONCORRENTE DOS
ESTADOS PARA LEGISLAR SOBRE FLORESTAS, CAÇA,
PESCA, FAUNA, CONSERVAÇÃO DA NATUREZA, DEFESA
DO SOLO E DOS RECURSOS NATURAIS, PROTEÇÃO DO
MEIO AMBIENTE E CONTROLE DA POLUIÇÃO.
SACRIFÍCIO DE ANIMAIS DE ACORDO COM PRECEITOS
RELIGIOSOS. CONSTITUCIONALIDADE. 1. Norma estadual
que institui Código de Proteção aos Animais sem dispor sobre
hipóteses de exclusão de crime amoldam-se à competência
concorrente dos Estados para legislar sobre florestas, caça,
pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos
recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da
poluição (art. 24, VI, da CRFB). 2. A prática e os rituais
relacionados ao sacrifício animal são patrimônio cultural
imaterial e constituem os modos de criar, fazer e viver de
diversas comunidades religiosas, particularmente das que
vivenciam a liberdade religiosa a partir de práticas não
institucionais. 3. A dimensão comunitária da liberdade religiosa
é digna de proteção constitucional e não atenta contra o
princípio da laicidade. 4. O sentido de laicidade empregado no
texto constitucional destina-se a afastar a invocação de motivos
religiosos no espaço público como justificativa para a imposição
de obrigações. A validade de justificações públicas não é
compatível com dogmas religiosos. 5. A proteção específica dos

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cultos de religiões de matriz africana é compatível com o


princípio da igualdade, uma vez que sua estigmatização, fruto
de um preconceito estrutural, está a merecer especial atenção
do Estado. 6. Tese fixada: “É constitucional a lei de proteção
animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o
sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz
africana”. 7. Recurso extraordinário a que se nega provimento”.
(RE 494601, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/
Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em
28/03/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-251 DIVULG 18-11-
2019 PUBLIC 19-11-2019)

Em sentido semelhante, ao analisar o ensino religioso confessional


em escolas públicas, esta Corte assentou que a facultatividade do ensino
acomoda os interesses contrapostos envolvidos, motivo pelo qual respeita
a liberdade de religião. Eis a ementa desse julgado:

“ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS.


CONTEÚDO CONFESSIONAL E MATRÍCULA
FACULTATIVA. RESPEITO AO BINÔMIO LAICIDADE DO
ESTADO/LIBERDADE RELIGIOSA. IGUALDADE DE ACESSO
E TRATAMENTO A TODAS AS CONFISSÕES RELIGIOSAS.
CONFORMIDADE COM ART. 210, §1°, DO TEXTO
CONSTITUCIONAL. CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO
33, CAPUT E §§ 1º E 2º, DA LEI DE DIRETRIZES E BASES DA
EDUCAÇÃO NACIONAL E DO ESTATUTO JURÍDICO DA
IGREJA CATÓLICA NO BRASIL PROMULGADO PELO
DECRETO 7.107/2010. AÇÃO DIRETA JULGADA
IMPROCEDENTE. 1. A relação entre o Estado e as religiões,
histórica, jurídica e culturalmente, é um dos mais importantes
temas estruturais do Estado. A interpretação da Carta Magna
brasileira, que, mantendo a nossa tradição republicana de
ampla liberdade religiosa, consagrou a inviolabilidade de
crença e cultos religiosos, deve ser realizada em sua dupla
acepção: (a) proteger o indivíduo e as diversas confissões
religiosas de quaisquer intervenções ou mandamentos estatais;

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(b) assegurar a laicidade do Estado, prevendo total liberdade de


atuação estatal em relação aos dogmas e princípios religiosos. 2.
A interdependência e complementariedade das noções de
Estado Laico e Liberdade de Crença e de Culto são premissas
básicas para a interpretação do ensino religioso de matrícula
facultativa previsto na Constituição Federal, pois a matéria
alcança a própria liberdade de expressão de pensamento sob a
luz da tolerância e diversidade de opiniões. 3. A liberdade de
expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma
sociedade democrática e compreende não somente as
informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou
favoráveis, mas também as que possam causar transtornos,
resistência, inquietar pessoas, pois a Democracia somente existe
baseada na consagração do pluralismo de ideias e pensamentos
políticos, filosóficos, religiosos e da tolerância de opiniões e do
espírito aberto ao diálogo. 4. A singularidade da previsão
constitucional de ensino religioso, de matrícula facultativa,
observado o binômio Laicidade do Estado (CF, art. 19,
I)/Consagração da Liberdade religiosa (CF, art. 5º, VI), implica
regulamentação integral do cumprimento do preceito
constitucional previsto no artigo 210, §1º, autorizando à rede
pública o oferecimento, em igualdade de condições (CF, art. 5º,
caput), de ensino confessional das diversas crenças. 5. A
Constituição Federal garante aos alunos, que expressa e
voluntariamente se matriculem, o pleno exercício de seu direito
subjetivo ao ensino religioso como disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental,
ministrada de acordo com os princípios de sua confissão
religiosa e baseada nos dogmas da fé, inconfundível com outros
ramos do conhecimento científico, como história, filosofia ou
ciência das religiões. 6. O binômio Laicidade do
Estado/Consagração da Liberdade religiosa está presente na
medida em que o texto constitucional (a) expressamente
garante a voluntariedade da matrícula para o ensino religioso,
consagrando, inclusive o dever do Estado de absoluto respeito
aos agnósticos e ateus; (b) implicitamente impede que o Poder

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Público crie de modo artificial seu próprio ensino religioso, com


um determinado conteúdo estatal para a disciplina; bem como
proíbe o favorecimento ou hierarquização de interpretações
bíblicas e religiosas de um ou mais grupos em detrimento dos
demais. 7. Ação direta julgada improcedente, declarando-se a
constitucionalidade dos artigos 33, caput e §§ 1º e 2º, da Lei
9.394/1996, e do art. 11, § 1º, do Acordo entre o Governo da
República Federativa do Brasil e a Santa Sé, relativo ao Estatuto
Jurídico da Igreja Católica no Brasil, e afirmando-se a
constitucionalidade do ensino religioso confessional como
disciplina facultativa dos horários normais das escolas públicas
de ensino fundamental”.
(ADI 4439, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Relator(a) p/
Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado
em 27/09/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-123 DIVULG
20-06-2018 PUBLIC 21-06-2018)

Esses casos revelam que esta Corte promove uma tutela jurisdicional
efetiva das liberdades de religião e de consciência. Ocorre que, no caso
dos autos, há que se levar em conta também o interesse público, tendo
sempre em vista que a Administração atua pautada em princípios de
transparência, impessoalidade e igualdade, com o menor custo para os
cofres públicos.
Assim, não me parece razoável a movimentação de toda a máquina
estatal para privilegiar determinados servidores que se encontram
impossibilitados de realizar atividade em determinados horários da
semana, em razão de convicções pessoais. Trata-se de obediência aos
princípios da isonomia e impessoalidade.
A Administração não deve ficar à mercê de particularidades de cada
um dos seus servidores, notadamente quando estamos diante de
limitação permanente ao exercício das funções durante determinados
horários de cada semana. Tal situação poderia inclusive conduzir à
inviabilidade do serviço público e afetar o interesse de toda a
coletividade. Basta imaginarmos a situação de um médico plantonista ou
de um professor de município pequeno. Se considerarmos a

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impossibilidade de substituição do agente, toda a sociedade local poderá


ser privada de serviços de saúde ou educação, em razão de convicções
pessoais de um agente, que integra a Administração Pública de um
Estado laico.
Relembro, a propósito da laicidade estatal, que, após a decisão deste
Supremo Tribunal Federal sobre as uniões estáveis homoafetivas, o
Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 175/2013, por meio da
qual estabeleceu que “é vedada às autoridades competentes a recusa de
habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em
casamento entre pessoas de mesmo sexo”.
Essa norma foi editada justamente diante a conjuntura daquele
momento, em que alguns oficiais de registro público invocavam escusa de
consciência para obstar tratamento isonômico entre as relações homo e
heteroafetivas. Assim, o Conselho Nacional de Justiça, em síntese,
reconheceu a possibilidade de casamento homoafetivo,
independentemente do entendimento pessoal do notário ou do
registrador, que atuam como agentes do Estado, de modo que eventuais
convicções pessoais não devem prevalecer ou inviabilizar o direito de
terceiros.
Esse entendimento está consonante com a ideia segundo a qual
normas neutras, que regem a Administração Pública e se dirigem, em
abstrato, a todos os servidores não podem ser excepcionadas por
convicções de minorias religiosas.
No direito comparado, podemos encontrar decisões que corroboram
esse entendimento. Em Employment Div. V. Smith, a Suprema Corte do
Estados Unidos convalidou uma lei do Novo México que proibia o uso de
“peiote” (um tipo de cacto com efeitos psicotrópicos), ainda que seu
consumo ocorresse rituais religiosos. A Corte afirmou que regras neutras
não deveriam ser excepcionadas diante de particularidades de caráter
religioso.
Em Ebrahimian v. France, ao analisar a restrição de uso de sinais
religiosos ostensivos por agentes públicos franceses, a Corte Europeia de
Direitos Humanos assentou que, em países onde o sistema constitucional

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

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ARE 1099099 / SP

do Estado faz suas relações com diferentes denominações religiosas


sujeitas ao princípio da neutralidade do secularismo, o fato de que os
tribunais internos atribuam maior peso a este princípio e aos interesses
do Estado do que aos interesses do funcionário não limita a expressão de
crenças religiosas dos cidadãos. Diante dessa conjuntura, a Corte validou
a demissão de assistente social que se recusou a tirar o véu islâmico
durante o trabalho.
Todos esses precedentes têm em comum o fato de reconhecer que as
liberdades de religião e de consciência não são direitos absolutos, de
modo que podem ser restringidos, justificadamente, em contextos onde o
Estado precisa manter uma posição de neutralidade para preservar o
interesse público, a laicidade e a isonomia.
Diante de todas essas considerações, divirjo do relator para negar
provimento ao recurso extraordinário.
É como voto.

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Incidências ao Voto

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26/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

INCIDÊNCIAS AO VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) - E é coisa


em que o depoente, aqui, Presidente, não acredita, porque, em muitos
casos, não haverá substituto, como nós sabemos. Há locais, nesses
longínquos rincões do Brasil, que mal têm um médico. E Vossa Excelência
sabe, hoje, presidindo o CNJ, também a dificuldade de provimento das
comarcas. Então são situações que se colocam, que estão se colocando
neste momento.

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Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 148 de 187

26/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, atuamos


em sede extraordinária e o fazemos a partir das premissas fáticas dos
acórdãos – já que são dois recursos extraordinários – impugnados. Não
podemos substituir essa premissa.
Julgamos extraordinários que, em última análise, viabilizam o exame
de uma ação mandamental, ou seja, viabilizam exame de mandados de
segurança. Em última análise, com a roupagem de recurso extraordinário,
estaremos julgando mandados de segurança. E todo mandado de
segurança pressupõe uma primeira condição: a existência de direito
líquido e certo.
Os casos, para mim, são simples. E faço justiça tanto ao Tribunal
Regional Federal da 1ª Região quanto ao Tribunal de Justiça de São Paulo,
ao não colocarem em segundo plano qualquer dos princípios versados
pelos Colegas: a liberdade religiosa e o fato de o Estado brasileiro ser
laico.
O que se tem no recurso extraordinário nº 611.874? Situação com
peculiaridades próximas: concurso para cargo no Tribunal Regional
Federal. E, então, certo candidato disse que não poderia fazer a prova de
esforço no dia designado, sábado, e sinalizou a possibilidade de fazê-la
no domingo, junto aos candidatos, para o mesmo cargo, situados no
Estado de Manaus, sem ônus para a Administração.
A Presidente do Tribunal indeferiu o pedido. Ocorreu a formalização
de mandado de segurança, e o juiz federal – recuso-me a utilizar a
nomenclatura desembargador, própria dos integrantes de tribunais de
justiça, e aguardemos o que o Congresso fará com o resíduo da reforma
judiciária, considerado o resquício, o saldo que se tem de matéria
presente a Emenda Constitucional nº 45 – Ítalo implementou liminar,
tutela de urgência. Ainda bem que não se fez em jogo deliberação do
Conselho Nacional de Justiça, porque, senão, se teria dito – no que o
Tribunal placitou, contra o meu voto e o do ministro Nunes Marques, o
artigo 106 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça – que

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Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 149 de 187

ARE 1099099 / SP

essa liminar seria um penduricalho, a ceder ao pronunciamento


simplesmente administrativo. Foi implementada a medida acauteladora,
e o impetrante fez a prova – repito – com outros candidatos ao mesmo
cargo – não o fez em separado –, em Manaus, e prosseguiu-se com o
mandado de segurança.
Em homenagem à Relatora desse mandado de segurança originário
no Tribunal Regional Federal, leio trechos do voto condutor do
julgamento. Consignou, então, a Relatora que não se poderia ter o
manuseio de atos da Administração Pública em detrimento do interesse
coletivo, para agasalhar-se situação concreta do impetrante, e fez ver – é o
trecho do acórdão:

“As atividades administrativas, desenvolvidas objetivando


prover os cargos públicos, não podem estar condicionadas às
crenças dos interessados, possibilitando-lhes realizar as etapas
do processo de seleção segundo os preceitos da sua religião.”

O tratamento dos candidatos, como disse, há de ser igualitário e o


foi, no que, em vez de fazer a prova de esforço com os candidatos do
Distrito Federal, fez com os candidatos, para o mesmo cargo – vamos
repetir esse dado à exaustão –, em Manaus.
Concluiu, então, a Relatora que o caso apresentava peculiaridades.
Em primeiro lugar, fez ver que o candidato requerera a feitura da prova
de esforço em Manaus. Em segundo lugar, não pretendeu uma nova
chamada para a realização dessa prova, mas a feitura com candidatos ao
cargo, embora situados não no Distrito Federal, mas no Estado do
Amazonas. Em terceiro lugar, ressaltou que a crença religiosa não
autorizava – e concordo – embaraços ou qualquer tipo de ônus à
atividade administrativa. Por último, ante as peculiaridades, considerado,
até mesmo o bom senso, o razoável, ter-se-ia de deferir a ordem.
A homenagem que acabei de prestar é à hoje ministra, então juíza,
Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues.
Ao meu ver, essas premissas são inafastáveis, a não ser que se
potencialize a forma pela forma, em prejuízo do fundo, e que se diga que

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Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 150 de 187

ARE 1099099 / SP

candidatos inscritos no Distrito Federal apenas poderiam fazer as provas


no Distrito Federal, não podendo fazer uma delas, justamente a prova
física de esforço, junto a candidatos situados em outro Estado.
Portanto, Presidente, não tenho como censurar a decisão impugnada
mediante o recurso extraordinário nº 611.874. Por isso, estou desprovendo
o recurso da União e vou seguir aqueles que votaram a partir da
divergência inaugurada pelo ministro Luiz Edson Fachin, penso, se não
estou enganado.
O segundo processo também tem peculiaridades, mas contrárias à
impetrante. O que ocorreu no segundo processo? A impetrante
apresentou-se espontaneamente para fazer um concurso público. Logrou
êxito e assumiu o cargo de Professor de Educação Básica II – EJA. Ainda
dentro do estágio probatório de três anos, foi instaurada a Comissão de
Avaliação Especial de Desempenho do Servidor, constatando-se que
simplesmente faltara, no período, noventa vezes, sem aviso algum, sem
qualquer requerimento, sem tentar nem mesmo permuta com colega de
profissão, para poder observar o rito da religião abraçada. Simplesmente
deixou de estar em sala de aula.
Indaga-se: no que se concluiu, a partir da legislação de regência, a
Lei nº 2.240, que não se mostrou habilitada para o cargo, transgrediu-se
algum direito? Essa postura da Administração Pública, que, repito, não
foi avisada antes das faltas, pode ser glosada, entendendo-se que haveria
direito líquido e certo a não comparecer à sala da aula, sem qualquer
aviso, noventa vezes porque abraçara a religião que abraçou, a de
adventista do sétimo dia? A resposta é desenganadamente negativa. Não
cabe concluir por esse direito, líquido e certo, sob pena de ter-se, na
Administração Pública, bagunça, a babel. Deixa-se a sala de aula, os
alunos, portanto, sem as aulas, não se comunica coisa alguma à
Administração, não se tenta permuta com colega de magistério e quer-se
o reconhecimento de que estaria aprovada no estágio obrigatório. E, como
não houve esse reconhecimento, ante noventa faltas, não são duas faltas,
sem comunicação, sustenta-se a existência de direito líquido e certo.
Ante o quadro, estou desprovendo também esse recurso.

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Observação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 151 de 187

26/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


RECTE.(S) : MARGARETE DA SILVA MATEUS
ADV.(A/S) : PATRICIA CONCEICAO MORAIS
RECDO.(A/S) : MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO DE SÃO
BERNARDO DO CAMPO
AM. CURIAE. : CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS EM DIREITO E
RELIGIÃO
ADV.(A/S) : ANAISA ALMEIDA NAVES SORNA
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO ISRAELITA DO BRASIL -CONIB
ADV.(A/S) : FERNANDO KASINSKI LOTTENBERG
ADV.(A/S) : RONY VAINZOF
ADV.(A/S) : ANDREA VAINER
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS
EVANGÉLICOS - ANAJURE
ADV.(A/S) : LUIGI MATEUS BRAGA
ADV.(A/S) : UZIEL SANTANA DOS SANTOS
ADV.(A/S) : ACYR DE GERONE
ADV.(A/S) : RAÍSSA PAULA MARTINS

OBSERVAÇÃO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Presidente, como eu


disse na sessão de ontem, o que me preocupa é estar discutindo este tema
com o viés de repercussão geral, porque, de fato, inevitavelmente, vão-se
buscar os fundamentos determinantes do decisum.
O primeiro caso, o RE 611.874, é muito particularizado e o próprio
TRF, como agora apontou o Ministro Marco Aurélio, ressaltou essas
particularidades, o fato de se poder fazer a prova em outro local, e é isso
que ele pedia naquelas circunstâncias. Mas é claro que se, até esse fato se
generalizar, isso, como nós sabemos, considerando inclusive a massa de
pessoas que se habilitam aos concurso os públicos, isso passa a ser um
grave problema de organização e procedimento. Mas o que me preocupa

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Observação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 152 de 187

ARE 1099099 / SP

é exatamente estarmos discutindo a temática no contexto de casos com


repercussão geral, que, inevitavelmente, serão aplicados, as conclusões
serão aplicadas nesse longínquo Brasil, neste distante Brasil, com as
realidades que nós bem conhecemos e com todas as peculiaridades.
Eu não quero nem fazer aqui viagens especulativas, mas um dos
problemas que se coloca na literatura mundial e na jurisprudência
constitucional mundial é o problema, a eventualidade da conversão, da
adoção de uma nova religião, que impõe determinados hábitos e
determinadas condutas, como esse caso discutido na Corte Europeia.
Uma professora adota agora a religião muçulmana, vai colocar as vestes
adequadas e vai para a sala de aula. Em suma, aqui também se coloca
essa questão, quer dizer, como devemos nos portar diante desse tipo de
situação? Veja, portanto, a minha preocupação é essa. Veja, toda simpatia
para a liberdade religiosa, e é fundamental, a liberdade religiosa é talvez
uma das bases do nosso pluralismo, tanto é que não temos aqui, ao
contrário do que acontece mundo afora, os problemas, os conflitos; pelo
contrário, temos o amplo reconhecimento e isso tem que continuar. Nós
temos que preservar essa ampla tolerância e essa convivência pacífica que
temos entre os vários grupos. Mas, a mim me parece, e isso é
fundamental, que, na ideia da laicidade e da neutralidade do Estado em
relação às religiões, têm que estar também presente a ideia de que o
Estado, o aparato estatal, não pode ficar refém de idiossincrasias e
peculiaridades ou de particularidades de uma dada religião. Isso precisa
ser olhado.

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Esclarecimento

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26/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

ESCLARECIMENTO
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Egrégia
Corte, pede a palavra, pela ordem, a Doutora Patrícia Conceição Moraes.
Então, eu indago aos eminentes relatores, Ministro Dias Toffoli e Ministro
Edson Fachin, a este especificamente, porque a Doutora Patrícia
Conceição Moraes pede a palavra para esclarecimento de matéria de fato,
suponho eu, no ARE 1.099.099. Eu pergunto então a Sua Excelência o
Ministro Edson Fachin se disponibilizaria a palavra à Advogada para
esclarecimento de matéria de fato - evidentemente.
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR) - Pois não,
Senhor Presidente.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Doutora
Patrícia Conceição Moraes, então, Vossa Senhoria tem a palavra para o
esclarecimento de matéria de fato.
A SENHORA PATRÍCIA CONCEIÇÃO MORAES (ADVOGADA) -
Muito obrigada, Senhor Presidente; obrigada, Senhor Ministro Edson
Fachin.
Gostaria só de reiterar, não obstante o maravilhoso voto do eminente
Ministro Marco Aurélio, que a impetrante informou, sim, desde o
momento em que ela assumiu o cargo, tanto a religião que ela professava,
quanto o fato de que ela gostaria de não realizar as aulas às sextas-feiras,
do pôr do sol, até o pôr do sol do sábado. Isso está às fls. 51 do processo.
Inclusive, ela deixou disponível outros horários, outras formas, ou até
mesmo que ela pudesse fazer a troca com algum outro colega.

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Esclarecimento

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26/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

ESCLARECIMENTO
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR) -
Presidente, Vossa Excelência me permite, com o perdão da ilustre
Advogada?
Presidente, a matéria que a ilustre Advogada vem de trazer já está
posta nos autos e foi objeto quer das sustentações orais, quer da
apreciação que todos nós levamos a efeito. Eu sempre ouço com gosto,
obviamente, quando sou Relator, mas o fato que está trazido é um fato
que está nos autos. E, com todo respeito à ilustre Advogada, creio que
debater o voto de um ou de outro Ministro me parece que, obviamente,
não seria a hipótese.
Portanto, da minha parte, estou bem esclarecido, Senhor Presidente,
e agradeço à ilustre Advogada.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Pois não.
Doutora Patrícia, então, o Relator se considera esclarecido e Vossa
Senhoria teve a palavra, que já não poderá mais utilizar.
Agora o Ministro Marco Aurélio pede a palavra. Vossa Excelência
tem a palavra, Ministro Marco Aurélio.

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Esclarecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 155 de 187

26/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, vi com


bons olhos os embargos declaratórios orais interpostos pela ilustre
advogada ao meu voto, mas devo lembrar como o comecei.
Iniciei assentando que, em sede extraordinária, julga-se a partir das
premissas fáticas contidas no acórdão impugnado. E o que nos vem do
acórdão? Ao contrário do que ocorreu no do processo que está sendo
julgado em conjunto, notícia de requerimento no qual informado que não
poderia a impetrante e recorrente comparecer ao trabalho, ante aulas nas
noites de sexta-feira? Não! A única notícia que se tem é a seguinte:

“Submetida à avaliação de estágio probatório junto à


Comissão de Avaliação Especial de Desempenho do Servidor,
decidiu essa comissão pela não confirmação da nomeação da
servidora em razão da quantidade de 90 (noventa) faltas” – e,
aí, veio o vocábulo – “injustificadas durante o período de
estágio probatório.”

Não posso substituir esse trecho, que diz respeito à prova, para
consignar, reelaborando o acórdão – e não é a via própria o julgamento
do extraordinário –, que ela teria pleiteado, a uma colega de magistério, a
permuta nesse dia, consideradas as aulas, ou requerido, à própria
Administração Pública, que a substituísse em sala de aula, não deixando,
portanto, os alunos a “ver navios”. Mas, simplesmente, não deu bola:
durante noventa dias, faltou. Por isso, não se teve como concluir pela
assiduidade.
Perdoe-me a advogada, mas procedi a leitura do acórdão com
esferográfica vermelha e régua, sublinhando as partes mais importantes.

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Antecipação ao Voto

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26/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Egrégia


Corte, Excelentíssimos Senhores Relatores, Ministros Dias Toffoli e Edson
Fachin, Senhores Ministros, Senhores Advogados.
Cumprimento os Relatores, respectivamente, Ministro Dias Toffoli e
Ministro Edson Fachin, pela minudência do relatório e profundidade dos
votos; todos os Colegas que ontem votaram durante a sessão, trazendo
argumentos filosóficos, jurídicos e da academia científica, com os mais
expressivos doutrinadores; e também todos os advogados que aqui
fizeram sustentações brilhantes.
A nossa posição, na presidência, tem um lado extremamente ingrato:
não tenho muita coisa a acrescentar, a não ser dizer que possuo um longo
voto. Na verdade, se eu dissesse que o leria, não seria um voto, mas uma
ameaça. Então, não tenho mais nada a acrescentar do que todos os
senhores.
Apenas sobejou, na minha perplexidade, diante de votos tão
brilhantes, que as liberdades foram feitas para serem exercidas. A
liberdade de expressão libera a expressão; a liberdade de reunião libera a
reunião; a liberdade de imprensa libera a publicação. E a liberdade
religiosa não pode ser uma mera divagação acadêmica, deve ter efeitos
práticos; ela é fruto da evolução do próprio conceito de liberdade, e a
antítese da liberdade é a intolerância.
Ao concluir meu voto para acompanhar uma das correntes, dizendo
que a tolerância, na visão de Victor Hugo, é a melhor das religiões.
É exatamente sob essa óptica que faço, depois de ouvir belíssimos
votos, a minha opção, com relação ao recurso extraordinário, pedindo
vênia aos Ministros Dias Toffoli, Nunes Marques e Gilmar Mendes, de
negar provimento ao recurso da União, porque ela negou o exercício da
liberdade religiosa.
A liberdade religiosa tem uma composição. Se, por força da

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 157 de 187

ARE 1099099 / SP

liberdade religiosa, eu não posso fazer alguma coisa, e o Poder Público


não aceita a minha objeção de consciência, evidentemente que haverá
uma violação à liberdade religiosa.
Por isso, acompanho os Ministros Edson Fachin, Alexandre de
Moraes e Roberto Barroso e as Ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber,
formando aqui então uma posição majoritária.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 158 de 187

26/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX: Eminentes pares, ilustre


representante do Ministério Público, demais presentes, a controvérsia
posta no presente caso cinge-se ao dever do administrador público de
disponibilizar obrigação alternativa para servidor em estágio probatório
cumprir deveres funcionais a que está impossibilitado em virtude de sua
crença religiosa.

A Constituição consagra a liberdade de religião, direito complexo


que se desdobra-se em liberdade de crença, liberdades de expressão e
informação em matéria religiosa, liberdade de culto, direito à assistência
religiosa, liberdade de manifestação pública de sua fé, a liberdade de
consciência, que se densifica na escusa de consciência, e outros direitos
fundamentais relacionados, como o de reunião e associação e a
privacidade (art. 5º, VI e VII, CRFB).

A Constituição, além de demandar do Estado uma postura neutra


em relação às escolhas religiosas de cada indivíduo, determina que se
assegure a sujeitos de diferentes confissões religiosas tratamento com
igual respeito e consideração em relação a seus pares na sociedade
(dimensão de igualdade religiosa); que eles tenham a liberdade para
exercício de suas crenças, proteção aos locais de culto e a suas liturgias
(dimensão de liberdade religiosa); assim como estabelece a diretriz de
erradicação de toda forma de discriminação, o que demanda uma postura
ativa do Estado no combate à intolerância religiosa (dimensão de
combate ao preconceito).

A proteção à dignidade de grupos religiosos minoritários pode se


fundamentar no princípio da igualdade, vez que “é necessário um grau
substancial de liberdade para que tal processo seja adequado, pois o verdadeiro

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 159 de 187

ARE 1099099 / SP

preço para outrem de uma pessoa ter algum recurso ou oportunidade só pode ser
descoberto quando as aspirações e as convicções das pessoas são autênticas e suas
opções e decisões bem adaptadas a essas aspirações e convicções” (DWORKIN,
Ronald. A virtude Soberana: a teoria e a prática da igualdade. Martins
Fontes: São Paulo, 2016. P. 160) ou na busca da felicidade, sobretudo na
vertente da autonomia privada, como a “faculdade de autodeterminar-se no
que tange aos padrões éticos e existenciais, seja da própria conduta ou da alheia -
na total liberdade de autopercepção, seja em nível racional, mítico-simbólico e até
de mistério” (SARLET, Ingo W; e WEINGARTNER NETO, Jaime. A
Liberdade Religiosa aos Trinta Anos da Constituição Federal Brasileira. In
Carlos Bolonha. Fabio C. S. de Oliveira. 30 anos da Constituição de 1988:
uma jornada democrática inacabada, p. 259; e, no mesmo sentido, BARROSO,
Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional
contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da
jurisprudência mundial. Editora Fórum, 2012.

No Brasil, as religiões católica e evangélica representam


respectivamente, 65% e 22,2% da população, de acordo com o Censo 2010
do IBGE; e 50% e 31%, de acordo com levantamento feito pelo Datafolha
entre 5 e 6 de dezembro de 2019. Já as minorias religiosas são
representadas pelos espíritas (3%), umbandistas ou adeptos de religiões
afro-brasileiras (2%); e judeus (0,3%), de acordo com dados do Datafolha.

Os evangélicos - juntamente com os católicos - constituem grupos


religiosos amplamente hegemônicos, entretanto, sob o título, coexiste
uma miríade expressiva de subdivisões que seguem dogmas e práticas
muito peculiares, o que abrange tanto as igrejas evangélicas históricas,
como as Adventista, Batista, Metodista e Presbiteriana, quanto as
pentecostais, como a Assembleia de Deus, Igreja Universal do Reino de
Deus, Congregação Cristã e Igreja do Evangelho Quadrangular e, ainda,
as neopentecostais.

In casu, ambos os recursos extraordinários tratam da oponibilidade

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 160 de 187

ARE 1099099 / SP

do exercício da liberdade religiosa ao Estado (educador ou empregador).


É esse o desafio que se impõe presentemente, o que enseja a ponderação
da liberdade religiosa, com a laicidade estatal e os direitos de terceiros.

A Constituição Federal de 1988 instituiu um Estado laico, assim


como o fizeram todas as constituições brasileiras desde 1891, ao
estabelecer a segregação entre Estado e Igreja, à inexistência de uma
religião oficial e à equidistância em relação a todas as religiões. A
laicidade estatal se expressa como regra no artigo 19, I, da Constituição,
ao vedar qualquer tipo de dependência, aliança, preferência ou
hostilidade com relação às religiões, e, como princípio, ao impedir que o
Estado passe a “manter relações de dependência ou aliança” com os
cultos religiosos ou igrejas, por ser ínsito à organização político-
administrativa do Estado democrático de direito o uso de razões públicas.

Como consequência da laicidade estatal, o Estado deve se abster de


intervir nas questões internas das confissões religiosas – a exemplo de
seus dogmas, cultos, formas de organização hierárquica –, ao passo que
também se encontra protegido de indevidas influências religiosas.

Por se tratar de questão relativa a elemento constitucional essencial e


justiça básica, reclama o uso de razões públicas. O ideal de razão pública
importa conduzir discussões fundamentais baseadas em valores que se
pode razoavelmente esperar dos outros, estando cada qual de boa-fé e
jungido àquilo que cada qual considera uma concepção política de justiça.
Sobre o tema, convém transcrever trecho de obra seminal de John Rawls:
“ao discutir sobre elementos constitucionais essenciais e sobre questões
de justiça básica, não devemos apelar para doutrinas religiosas e
filosóficas abrangentes”, mas “elementos constitucionais essenciais e à
justiça básica devem repousar sobre verdades claras, hoje amplamente
aceitas pelos cidadãos em geral, ou acessíveis a eles.” (RAWLS, John. O
Liberalismo Político. São Paulo: Ática, 2000. p. 274).

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 161 de 187

ARE 1099099 / SP

Crítico à perspectiva de racionalidade extrema como fundamento do


secularismo, o filósofo pragmatista Richard Rorty defende o que chama
de “secularismo romântico”, concepção segundo a qual, sob uma
perspectiva humanista, cabe ao homem, por sua própria imaginação,
produzir a esperança messiânica na justiça e na resposta centrada em
uma visão democrática, como “uma religião cívica patriótica” (RORTY,
Richard. Filosofia, Racionalidade, Democracia: os debates Rorty &Habermas.
Org. José Crisóstomo. São Paulo: Ed. UNESP, 2005. p. 85-92)

O Estado brasileiro é laico, mas não é laicista, como o seriam a França


e a Turquia, porque não impede os cultos de quaisquer religiões, tendo
por traço característico a tolerância religiosa. Além da liberdade religiosa
(art. 5º, VI e VIII) e do direito a não discriminação (art. 3º, IV), assegura-
se, ainda, a objeção de consciência (art. 143, §1º), os efeitos civis do
casamento religioso (art. 226, §2º) e o ensino religioso nas escolas públicas
(art. 210, §1º).

O princípio da laicidade estatal abrange uma dimensão positiva que


corresponde à proteção à pluralidade e tolerância religiosas. Há um dever
de neutralidade diante do fenômeno religioso, que revela proscrita toda e
qualquer atividade do ente público que favoreça determinada confissão
religiosa em detrimento das demais. Para além do dever de prestação
negativa – de não obstar e não deixar que obstem -, o dever de
neutralidade por parte do Estado abrange, ainda, algumas prestações
positivas. É que, sem se confundir com indiferença estatal, a neutralidade
impõe a adoção de comportamentos positivos, que afastem barreiras ou
sobrecargas, públicas ou privadas, que possam impedir ou dificultar
determinadas práticas que concretizem o exercício da fé.

A falácia da neutralidade, traduzida no fato de o edital ou a legislação


não discriminarem crenças religiosas e não se identificar uma conduta
preconceituosa específica, é incapaz de assegurar a igualdade material.
Consoante o entendimento da Suprema Corte dos Estados Unidos,

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 162 de 187

ARE 1099099 / SP

consolidado no caso paradigmático Everson vs Board of Education, por 5 a


4, em 1947, a Primeira Emenda veda que se prefira uma religião em
detrimento das demais, mas a neutralidade se assegura ao se atribuir a
qualquer religião idêntica previsão (P. 330 US 16).
A respeito da correlação entre igualdade e liberdade, Ronald
Dworkin defende que as liberdades moralmente importantes, como
liberdade de religião e pensamento, liberdade de escolha em assuntos
pessoais importantes, liberdade de expressão deveriam ser protegidas
como a melhor definição de igualdade distributiva, aquela que melhor
explicita quando a distribuição de recursos na sociedade trata cada
cidadão com igual consideração. Em suas palavras “se aceitarmos a
igualdade de recursos como a melhor concepção de igualdade distributiva, a
liberdade se torna um aspecto da igualdade, em vez de um ideal político
independente possivelmente em conflito com ela” (DWORKIN, Ronald. A
virtude Soberana: a teoria e a prática da igualdade. Martins Fontes: São
Paulo, 2016. P. 158).

A teoria do impacto desproporcional (“disparate impact theory”)


reconhece a inconstitucionalidade de práticas que não são
discriminatórias em abstrato, mas têm um efeito desproporcionalmente
negativo sobre membros de grupos legalmente protegidos. Os interesses
de grupos não hegemônicos possuem menor capacidade de influência na
formulação e implementação das normas jurídicas, políticas públicas e
práticas sociais, ainda quando tais ações persigam objetivos legítimos e
não tenham sido confeccionadas com qualquer intenção discriminatória,
caso em que podem ter um impacto desproporcional sobre determinada
pessoas, em razão das suas características identitárias.

A teoria surgiu no leading case da Suprema Corte dos Estados Unidos


Griggs vs Duke Power Co. (1971), em que se considerou que a
Constituição “proibe não apenas a discriminação aberta, mas também práticas
que são justas na forma, mas discriminatórias na operação”. O impacto
desproporcional poderia ser mensurado a partir da “necessidade do negócio.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 163 de 187

ARE 1099099 / SP

Se uma prática de emprego que opera para excluir não puder ser relacionada ao
desempenho no trabalho, a prática é proibida.”

Assim, ao limitar as oportunidades de realização de certame em data


alternativa ou ao impedir que a servidora compense jornada de trabalho
do estágio probatório, o Estado não estaria sendo neutro, mas
legitimando que as religiões hegemônicas se sobreponham às demais. A
pretensa igualdade provoca um impacto desproporcional sobre
determinado grupo religioso - no primeiro caso, por se tratar de um
processo competitivo e, no segundo, por impedir a realização
profissional.

Nestas hipóteses de evidente colisão, deve-se buscar, sempre que


possível, uma acomodação razoável entre os interesses.

A ampla acessibilidade a cargos, empregos e funções públicas, como


corolário do princípio da isonomia (art. 37, I, CRFB), impede
discriminações pautadas em razões de toda a sorte, dentre as quais por
motivos religiosos, não se limitando ao momento inicial de seleção dos
integrantes da Administração Pública. Por decorrer de outros princípios
de relevo constitucional, a exemplo do republicano e o de participação
política, deve-se oportunizar a todos concorrer a posições públicas
estáveis e, assim, integrar a Administração Pública (ROCHA, Cármen
Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo:
Saraiva, 1999. p. 144).

A ampla acessibilidade, especificamente em relações trabalhistas,


promove a eficiência administrativa, ante a necessidade de otimizar a
atuação estatal por meio da seleção dos mais aptos (MOTTA, Fabrício
Macedo. Comentário ao artigo 37, I. In: CANOTILHO, J. J. Gomes;
MENDES, Gilmar, F; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lênio L (coord).
Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 826).

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 164 de 187

ARE 1099099 / SP

Especificamente em relação ao local de trabalho, a Corte Europeia


de Direitos Humanos, em 2013, ao apreciar, no caso Eweida e outros vs
Reino Unido, assentou a existência de um direito de manifestação de
religião, decorrente do artigo 9º da Convenção Europeia de Direitos
Humanos, embora deva ser ponderado com os direitos de terceiros.
Confira-se o extrato do julgamento:

“O Tribunal sublinha a importância da liberdade religiosa,


um elemento essencial da identidade daqueles que creem e a
base - entre outros - de sociedades democráticas pluralistas. A
liberdade de religião garantida pelo artigo 9º da Convenção
implica a liberdade de manifestar sua religião, inclusive no
local de trabalho. No entanto, quando a prática religiosa de um
indivíduo infringe os direitos de outros, pode estar sujeita a
restrições. Compete principalmente às autoridades dos Estados
Contratantes determinar as medidas que considerem
necessárias. Por seu turno, incumbe ao Tribunal verificar se as
medidas tomadas a nível nacional se justificam em princípio e
se estabelecem um justo equilíbrio entre os diversos direitos e
interesses em causa” (CEDH 012. 15.01.2013)

Em relação à Nadia Eweida, a Corte repudiou a conduta da


companhia aérea British Airways de licenciar sem vencimentos a
funcionária por se recusar a retirar ou esconder um cordão com um
crucifixo e a se transferir para uma atividade interna, o que contrariava o
código interno da empresa à época, que proibia o uso de adereços alheios
ao uniforme de seus empregados. Mesma conclusão não alcançou Shirley
Chaplin, enfermeira geriátrica, impedida de expor o crucifixo pelo
hospital em que trabalhava por razões de proteção da saúde e segurança
nos hospitais, cuja análise, segundo a Corte reconheceu, compete melhor
aos funcionários do hospital que a um tribunal.

A adaptação razoável, segundo a qual “as modificações e os ajustes


necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido,
quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 165 de 187

ARE 1099099 / SP

deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as


demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais”, possui
previsão internacional expressa no art. 2º da Convenção Internacional
sobre os Direitos das Pessoas com deficiência, cuja aprovação com status
de emenda constitucional lhe atribui eficácia irradiante.

A objeção de consciência impõe a substituição de um dever jurídico


em relação àquele que se objeta em razão de convicções religiosas,
políticas ou filosóficas, desde que atendidos determinados requisitos.
Dentre essas condições, o Procurador Geral da República lista “a) referir-
se a uma norma jurídica; b) fundar-se na convicção íntima do objetor; c)
ser, formalmente, um ato privado; d) caracterizar-se por meios não
violentos; e) não visar à mudança da norma, mas uma exceção ao seu
cumprimento, no caso concreto; e f) não causar danos essenciais e
irreversíveis a terceiros”.

Tal caracterização da escusa de consciência a diferencia da


adequação razoável, de espectro mais amplo. Embora persigam idêntico
propósito de viabilizar a fruição de liberdade individual, em conflito com
regra a todos imposta, na objeção de consciência esquiva-se de uma
obrigação legal. No caso, ao dar concretude à liberdade religiosa na área
da educação, a lei retirou esse direito da esfera meramente especulativa
para efetivá-lo na prática das escolas, mediante a aplicação de critérios de
adaptação razoável, mas também aplicou escusa de consciência, dada a
obrigatoriedade do ensino básico.

O administrador tem o dever de disponibilizar, após requerimento


do solicitante e dentro de suas possibilidades fáticas, obrigação
alternativa. Evidentemente, na hipótese de essa adaptação mostrar-se
faticamente inviável, resta ao gestor público objetivamente fundamentar a
recusa, dentro de procedimento administrativo regular e sindicável

A substituição de um dever jurídico em relação àquele que se objeta

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 166 de 187

ARE 1099099 / SP

em razão de convicções religiosas, políticas ou filosóficas, impõe-se como


direito subjetivo, desde que atendidos determinados requisitos, como
fundar-se na convicção íntima do objetor; não causar danos essenciais e
irreversíveis a terceiros; e, “como norma de eqüidade, deve-se exigir sempre
um serviço público equivalente daquele que se escusa ao cumprimento de uma
ordem geral por objeção de consciência” (DALLARI, Dalmo de. A objeção de
consciência e a ordem jurídica. Revista de Ciência Política, 2(2), 1968, p. 55).

A escusa de consciência em âmbito escolar foi positivada pelo


legislador federal, em relação aos alunos, preservando seu direito à
manifestação da liberdade religiosa, nas instituições de ensino públicas e
privadas. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi alterada
pela Lei 13.796/2019, passando a tratar da escusa de consciência em razão
da observância de dia de guarda religiosa, quando o objetor for o aluno.

A lei não se refere a professores ou demais funcionários da escola,


mas, sem que se pretenda interpretar a Constituição à luz da lei, é
razoável preservar o exercício desse mesmo direito à outra face da mesma
relação jurídica, sobretudo em se tratando de servidor público, contanto
que não haja risco efetivo ao direito de terceiros, que, no caso,
compreendem os alunos, demais servidores e a sociedade em geral,
destinatários do serviço público, assim como seja possível a composição
entre valores, propósitos e planos de ensino, a exemplo da compensação
da carga horária em jornada alternativa.

In casu, a permissão de que servidores públicos cumpram seus


deveres funcionais por meio de obrigação alternativa, após manifestação
prévia e fundamentada de objeção de consciência por motivos religiosos,
viabiliza a concretização de liberdade religiosa, em harmonia com o
exercício dos direitos constitucionais de educação e trabalho.

Ex positis, voto pelo provimento do recurso extraordinário,


acompanhando o Ministro Relator.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 167 de 187

26/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

DEBATE

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - O voto do


Ministro Ricardo Lewandowski se encaminhou para a procedência,
trazendo inclusive o plus da eficácia prática da reintegração.
Ministro Lewandowski, pergunto se posso computar o voto de Vossa
Excelência com a corrente da procedência, quando, então, alcançaríamos
sete votos?
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI -
Presidente, muito obrigado por Vossa Excelência ter feito essa indagação
a este Ministro, que não é Relator, mas simplesmente apresenta um voto
como Vistor.
Percebo, Senhor Presidente, que se materializaram três correntes
neste julgamento. Uma primeira corrente afirma, taxativamente, não
haver direito subjetivo à alteração de normas de editais de concurso ou
vestibulares, ou das regras que dizem respeito à atuação de servidores
públicos na Administração estatal. Essa primeira regra é uma visão
muito, digamos assim, concreta e, de certa maneira, radical, no sentido de
afirmar que não há direito público, ou seja, direito subjetivo público. Não
é possível exigir da Administração que se alterem as regras prefixadas ou
previamente estabelecidas.
Há uma segunda corrente, salvo melhor juízo, que afirma que há,
sempre e necessariamente, a necessidade de a Administração Pública
atender os candidatos que professem determinada crença ou que tenham
algum tipo de restrição. Essa segunda corrente, a meu ver, opõe-se quase
que radicalmente, frontalmente, à primeira. Uma admite sempre que se
atenda os candidatos, os servidores públicos; outra diz que nunca se deve
atender.
Eu, filio-me à corrente que entende justamente no campo
intermediário: não há direito subjetivo absoluto a se alterarem as regras
da Administração Pública. No entanto, a Administração Pública é

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 168 de 187

ARE 1099099 / SP

obrigada, sopesando o princípio da razoabilidade e do interesse público,


a procurar, de forma motivada, atender ou rejeitar o pedido daqueles que
professam uma religião distinta.
Senhor Presidente, essa é a razão pela qual ousei apresentar voto no
sentido do provimento parcial, porque me situo justamente nessa linha
intermediária, entendendo que não há direito subjetivo absoluto, mas,
por outro lado, que a Administração é obrigada a contemplar, de forma
fundamentada, o pleito do candidato ou do servidor.
Desse modo, Senhor Presidente, tenho a impressão de que me
aproximo mais... e os Ministros Alexandre de Moraes e Roberto Barroso
podem, eventualmente, desmentir-me, se for o caso, dessas duas
correntes.
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Ministro Ricardo,
Vossa Excelência me permite um aparte?
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI – Claro!
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Se Vossa Excelência
me permitir e o Senhor Presidente e os eminentes Pares também, gostaria
de me somar às premissas que Vossa Excelência está trazendo, no sentido
de reconhecer que se formou em torno da posição originariamente
exposta pelo Ministro Alexandre de Moraes em sua tese, a percepção que
reputo majoritária. Portanto, gostaria, aproveitando o ensejo e
agradecendo o aparte, de dizer que, em meu voto, tanto na hipótese do
primeiro feito quanto na do segundo, estou acolhendo, em homenagem
ao consenso e à colegialidade, as duas teses como propostas pelo
eminente Ministro Alexandre de Moraes.
Agradeço o aparte a Vossa Excelência.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Senhor
Presidente, a bem da harmonia e para facilitar a proclamação do
resultado, também não me aferro à solução que dei no sentido de um
provimento parcial.
O que me importa, a meu ver, é a tese a ser formulada. E, em matéria
de tese, Senhor Presidente, então acompanho, agora tal como explicitado
pelo Ministro Edson Fachin, a proposta formulada tanto pelo Ministro

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 169 de 187

ARE 1099099 / SP

Alexandre de Moraes quanto pelo Ministro Barroso.


O meu pensamento e a minha conclusão se aproximam das
proposições desses dois magistrados.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - De sorte que
posso computar seu voto na corrente de denegar o recurso da União. No
caso do ARE 1.099.099, Vossa Excelência, então, está preconizando
exatamente o oposto?
São duas teses. No RE 611.874, a maioria que se formou, com seis
votos e, agora, com a declaração de voto de Vossa Excelência, somam sete
votos, que negam provimento ao recurso da União. Essa foi sua primeira
colocação.
A segunda colocação é que, no ARE 1.099.099, temos, agora, com a
sua posição também dando provimento ao recurso, que a Administração
tem de conceder a oportunidade levando em conta a razoabilidade e as
possibilidades da Administração.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Senhor
Presidente, Vossa Excelência me permite?
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Pois não.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Podendo
eventualmente rejeitar esse pedido, não é? Obrigada a atender o pedido e,
motivadamente, rejeitá-lo ou admiti-lo, em homenagem à liberdade de
religião, de crença e de convicção.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Estou
entendendo a posição de Vossa Excelência.
De acordo com o que votei - acho que liberdade não é divagação
acadêmica, tem de ter realização prática -, preferi, logo, de imediato, a
tese do Ministro Fachin. O administrador deve oferecer obrigações
alternativas para que seja assegurada a liberdade religiosa ao servidor em
estágio probatório. Isso no ARE 1.099.099. Então, reconheci, aqui, que se o
administrador tem dever, é porque o concursando tem direito subjetivo.
Aplicaria a mesma tese no recurso extraordinário de relatoria do
Ministro Dias Toffoli, no sentido de que, como diz o Ministro Edson
Fachin, diante de objeção de consciência por motivos religiosos,

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 170 de 187

ARE 1099099 / SP

previamente apresentada e devidamente fundamentada, há dever de o


gestor público disponibilizar data e horários alternativos para realização
da etapa de concurso público, certame ou vestibular. Essa seria a tese que
se adequaria a minha percepção de que não atender a objeções de
consciência violaria a liberdade religiosa.
Entretanto, Sua Excelência, o Ministro Edson Fachin, em prol da
colegialidade, adere à tese do Ministro Alexandre de Moraes, que, na
parte conclusiva, foi na direção idêntica à do Ministro Edson Fachin.
Eu também, na qualidade de Presidente, principalmente, vejo-me na
obrigação de, em função da colegialidade, aderir à tese do Ministro
Alexandre de Moraes.
Aí, no RE 611.874, temos sete votos pelo provimento do recurso com
a adoção da tese do Ministro Alexandre de Moraes e, no ARE 1.099.099,
também temos sete votos com a adoção da tese do Ministro Alexandre de
Moraes, no sentido...
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN- Presidente, o primeiro
é negar provimento e o segundo, dar provimento, se Vossa Excelência me
permitir.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Isso. O
primeiro é negar provimento.
Ao RE 611.874, a Corte negou provimento, por maioria, vencidos os
Ministros Dias Toffoli, Nunes Marques e Gilmar Mendes, adotando a tese
fixada pelo Ministro Alexandre de Moraes.
Ministro Luís Roberto Barroso, como foram citadas as teses do
Ministro Alexandre e de Vossa Excelência, gostaria que Vossa Excelência
também se pronunciasse.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Presidente,
a tese do Ministro Alexandre de Moraes, que votou antes de mim, é muito
semelhante à minha. Apenas, aonde ele fala "alteração razoável", eu falo
"que não se imponha ônus desproporcional à Administração"; considero
que são conceitos amigos e não brigaria pela redação.
Apenas gostaria, aderindo à posição majoritária, como aderi, e
assentindo à tese do Ministro Alexandre de Moraes, gostaria de acentuar

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 171 de 187

ARE 1099099 / SP

um ponto destacado pelo Ministro Gilmar Mendes e, outro, pelo Ministro


Ricardo Lewandowski, que considero importantes.
No primeiro caso, o do Ministro Fachin, tínhamos o exame de
aptidão física que, sem maior transtorno, poderia ser realizado em dia e
local diferentes. No caso da professora, também tínhamos uma situação
de fácil acomodação, porque, de todos os dias úteis da semana e de todos
os expedientes, ela só não podia um. Dos dez expedientes, ela só não
podia o final do dia de sexta-feira. Estamos diante de duas hipóteses em
que, sem ônus desproporcional, com um pouquinho de boa vontade, a
Administração poderia resolver.
O ponto que o Ministro Gilmar Mendes destacou e que considero
importante é que o que estamos assentando não vale, por exemplo, para
provas objetivas ou dissertativas, que têm de ser de aplicação única para
todo mundo - nesse caso, a acomodação não é possível. Adiro a essa tese,
mas queria deixar clara a posição de que não é toda e qualquer
circunstância que faculta a alteração; é só quando ela seja razoável, como
diz o Ministro Alexandre, ou que não imponha ônus desproporcional.
O Ministro Ricardo Lewandowski observou um ponto que também
considero importante: feito o pedido do tratamento diferenciado, a
Administração tem o dever de justificar se não puder atender, para que se
possa controlar se a justificativa é legítima ou não.
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhor Presidente, assim
como fez o Ministro Luís Roberto, iria pedir para ouvir, em primeiro
lugar o Ministro Alexandre e a complementação da fala do Ministro Luís
Roberto. O que quero expor é a qual tese irei aderir, porque, justamente
quando terminei de votar, notando a similitude entre as teses do Ministro
Alexandre de Moraes e do Ministro Luís Roberto, disse que sobre elas me
pronunciaria após a deliberação final do Plenário.
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Presidente, só peço
licença a todos para ler a tese que entendo que restou majoritária, a do
Ministro Alexandre de Moraes, para que tenhamos presentes os dois
casos, se Vossa Excelência me permitir.
No RE 611.874, da relatoria do Ministro Dias Toffoli, a tese à qual

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aderi, em homenagem ao consenso e à posição que entendo majoritária,


no curso dos debates e proposta pelo Ministro Alexandre de Moraes, ao
negar provimento a esse RE 611.874:
Nos termos do art. 5º, VII, da Constituição Federal é possível a
realização de etapas de concurso público em datas e horários distintos
dos previstos em edital, por candidato que invoque a escusa de
consciência por motivo de crença religiosa, desde que presente a
razoabilidade da operação e a preservação da igualdade entre todos os
candidatos.
Essa é a tese no primeiro feito, da relatoria do Ministro Toffoli.
No segundo, de nossa relatoria, o ARE 1.099.099, o Ministro
Alexandre de Moraes nos acompanha no provimento do recurso - que já
se sagrou com sete votos, orientação majoritária deste Tribunal - e propõe
a seguinte tese - à qual aderi também em homenagem à posição que se
mostrou majoritária e em homenagem ao consenso:
Nos termos do art. 5º, VIII, da CF, é possível à Administração
Pública, inclusive em estágio probatório, estabelecer critérios alternativos
para o regular exercício dos deveres funcionais inerentes aos cargos
públicos, em face de servidores que invoquem escusa de consciência por
motivos de crença religiosa, desde que presente a razoabilidade da
alteração e não se caracterize o desvirtuamento no exercício de suas
funções.
São as duas teses e agradeço a Vossa Excelência, aos Pares e ao
Ministro Barroso.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Muito
obrigado, Ministro Luiz Edson Fachin! Agora, o Ministro Luís Roberto
Barroso, para a complementação da fala que permitirá à Ministra Rosa
concluir.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Presidente,
minha tese é, em substância, igual à do Ministro Alexandre de Moraes,
com diferença de fórmula. Minha tese no caso um - depois quero fazer
um breve comentário:
Candidato em concurso público tem direito, por motivo de crença

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religiosa, a realizar etapas do certame em datas e horários distintos dos


previstos no edital, desde que a solução de acomodação religiosa:
I) não crie um ônus desproporcional para a Administração Pública;
II) não interfira na isonomia entre os participantes do concurso
público.
Esse é o meu texto, Ministra Rosa.
No segundo, minha tese é:
É dever do administrador público considerar alternativas razoáveis
para servidor em estágio probatório cumprir deveres funcionais que
importem violação de sua crença religiosa, desde que isso não crie ônus
desproporcional para a Administração Pública.
Estou de acordo com a tese do Ministro Alexandre. É claro que a
minha redação parece mais comigo, mas estou de acordo com a
substância da redação dele, só acrescentaria a sugestão do Ministro
Ricardo Lewandowski: nos casos em que a Administração recusar a
solução de acomodação religiosa, deverá justificar a decisão.
Isso eu considero importante.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI -
Presidente, gostaria de, em aparte ao Ministro Roberto Barroso, dizer o
seguinte: simpatizo muito com a tese de Sua Excelência, o Ministro
Roberto Barroso, porque introduz um componente que me parece muito
importante e que, talvez, agregaria à tese do Ministro Alexandre de
Moraes, que é justamente a ideia de não acarretar ônus desproporcional
ou indevido à Administração.
Em meu voto - digo isso com muita modéstia -, invoquei o art. 2º da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Lá, esse
conceito está expresso muito claramente, portanto já integra o direito
positivo internacional - não é algo que vamos criar aqui cerebrinamente.
O que diz esse art. 2º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência? “’Adaptação razoável’ significa as modificações e os
ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional
ou indevido, quando requeridos em cada caso (...)”
Parece-me que, salvo melhor juízo, se o eminente Ministro

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Alexandre de Moraes incorporasse, além da razoabilidade da proposta, a


ideia de que não se pode acarretar ônus desproporcional ou indevido à
Administração, agregaria, digamos assim, um conceito mais abrangente à
tese e, de certa maneira, até satisfaria, enfim, os demais que votaram em
sentido contrário.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Agora, ouço a
Ministra Rosa e, por fim, antes de concluir a votação, consta aqui uma
anotação de que a Doutora Maria Claudia traria, posteriormente, alguma
questão de fato.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Depois da
Ministra Rosa, eu gostaria de falar, Presidente.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Pois, não.
Todos falarão, como têm falado. Agora, passo a palavra à Ministra Rosa
Weber.
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhor Presidente,
diante da manifestação do Ministro Luís Roberto, enfatizando que, em
essência, a tese por ele proposta está contemplada na tese, na enunciação
trazida pelo Ministro Alexandre de Moraes, não tenho por que deixar de
acompanhar o Ministro Alexandre de Moraes - embora, em meu voto,
também tenha destacado a questão do ônus desproporcional à
Administração, enfatizada na tese do Ministro Luís Roberto, e também
me referido à necessidade de justificação do administrador público,
trazida e enfatizada pelo Ministro Ricardo Lewandowski. Entendo que o
administrador público há de justificar seja ao proceder, ao fazer a
acomodação, seja ao indeferir.
Então, estou acompanhando a tese do Ministro Alexandre de
Moraes, mas também sugerindo a Sua Excelência uma eventual
complementação quanto ao ônus desproporcional, já que o critério da
razoabilidade, às vezes, é muito amplo. Acho que isso facilitaria.
É o voto, Senhor Presidente.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Pois, não.
Agora, concedo-me a palavra, um minuto, só para dizer o seguinte: o que
o Ministro Ricardo Lewandowski leu do documento transnacional é que

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o ônus desproporcional não pode ser à pessoa. Se Vossa Excelência


verificar bem, não pode criar um ônus desproporcional para a pessoa
humana. É isso que está escrito.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Isso está
inserido em dois aspectos.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Agora,
Ministro Alexandre de Moraes, a tese de Vossa Excelência está sendo
acolhida. Vossa Excelência vê lugar para encartar em sua tese, ao invés da
razoabilidade, conceito do qual a Administração pode se valer para
denegar a pretensão da parte, essa necessidade de a Administração
inverter o ônus? A Administração é que tem que justificar.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Presidente, se
me permite, rapidamente, entendo que todas as considerações feitas
agregam. Essas duas questões, do ônus desproporcional e da decisão
fundamentada, parecem-me que aproximam, inclusive, aqueles que
votaram em sentido contrário: o Ministro Toffoli, o Ministro Gilmar, o
Ministro Nunes Marques e o Ministro Marco Aurélio.
Se Vossa Excelência e o Ministro Edson Fachin, como Relator de um
e Redator do outro, permitirem-me, lerei novamente as duas teses, com
acréscimo das sugestões - obviamente ainda aberto aos debates. Acho
que, com esses dois acréscimos, as posições majoritárias e, inclusive, as
minoritárias ficam extremamente próximas.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Ministro
Alexandre de Moraes, só vou fazer uma observação. Vossa Excelência vai
ler, e, se houver alguma divergência, vou suspender a sessão pelo horário
regimental. Reiniciaremos, digamos assim, passado o calor dos bons
debates, com uma tese fixada com bastante serenidade, para não apressar
Vossa Excelência a estabelecer algo que agrade aos Colegas que têm
posições antagônicas.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Mas aqui acho
que vai agradar a corintianos, flamenguistas e até ao santista que votou
vencido.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Gostaria que

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Vossa Excelência levasse em consideração que o Presidente é Fluminense.


O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Uma “tese
flamenguista” fica muito difícil, no sentido de desprover o recurso.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Presidente,
então no RE 611.874:
Nos termos do art. 5º, VIII, da Constituição Federal, é possível a
realização de etapas de concurso público em datas e horários distintos
dos previstos em edital para o candidato que invoca a escusa de
consciência por motivos de crença religiosa, desde que presente a
razoabilidade da alteração, a preservação da igualdade entre todos os
candidatos e que não acarrete ônus desproporcional à Administração
Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada.
No ARE 1.099.099:
Nos termos do art. 5º, VIII, da Constituição Federal, é possível à
Administração Pública, inclusive durante o estágio probatório,
estabelecer critérios alternativos para o regular exercício dos deveres
funcionais inerentes aos cargos públicos, em face de servidores que
invocam escusa de consciência por motivos de crença religiosa, desde
que, presente a razoabilidade da alteração, não se descaracterize o
desvirtuamento no exercício de suas funções e não acarrete ônus
desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira
fundamentada.
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Presidente, como
Relator e/ou Redator, estou acolhendo a rerratificação do eminente
Ministro Alexandre de Moraes.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Há
divergência?
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Presidente,
também estou de acordo.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – É muito difícil um
flamenguista acompanhar um corintiano.
Então, Presidente, o que penso? Vou voltar ao início de meu voto.
Não se julga recurso extraordinário fora das balizas do acórdão

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impugnado. E não é o Supremo Órgão consultivo. É dificílimo julgar um


conflito de interesses. Imagine-se, então, pretender – e é simples
pretensão – solucionar todos os problemas que possam ocorrer fora do
que está na lide, fora do que está no processo.
Por isso, fico vencido quanto à eleição de tese no processo em que
desprovi, com a maioria, o recurso extraordinário interposto.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Senhor Presidente, como Relator, mantenho minha proposta de tese
vencida. Geralmente, quando profiro voto vogal, uma vez vencido,
acompanho a tese formada pela maioria, mas, no caso concreto, sou o
Relator do processo. E como sou o Relator do processo, proferi, em meu
voto, tese em um determinado sentido e peço a Vossa Excelência que
mantenha minha posição vencida, inclusive quanto à tese.
Muito obrigado!
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Presidente, quero
saudar o esforço que se está fazendo para incorporar as ressalvas, tanto
das posições vencedoras quanto das posições vencidas.
Como disse e quero de novo repetir, os casos são muito singulares,
talvez eles próprios não servissem para serem alvo, objeto, de
repercussão geral.
Percebi o esforço que se está fazendo no sentido de obter ressalvas
que permitam que, eventualmente, os certames continuem a ser feitos,
porque, daqui a pouco, se onerarmos muito a Administração no
fazimento de concursos, talvez se desestimule fazer concursos. Se os
concursos só puderem ser feitos aos domingos, daqui a pouco, alguém
vai dizer "isso é extremamente oneroso". Sabemos que temos os exames
vestibulares, concursos para 300 mil pessoas, em suma, é preciso que
saibamos que o Tribunal está assumindo uma grande responsabilidade
em relação a isso.
Em relação à questão da prestação de serviço, também. Como já
disse e dei exemplos, quantas comarcas sequer tem juiz? Daqui a pouco, o
juiz ou o médico dizem que não vão atuar no plantão - e essa questão se
vai colocar. É preciso que essas ressalvas realmente sejam devidamente

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amarradas para que o serviço público continue a ser aquilo que deve ser:
serviço ao público.
É fundamental que tenhamos exata consciência da nossa
responsabilidade, porque senão vai-se dizer: "o Supremo decidiu isso" e
vai-se interpretar essa razoabilidade na largueza conveniente. É preciso
estar muito atento em relação a isso. Vossa Excelência mesmo, na leitura,
já dizia "mas o ônus desproporcional não é em relação à Administração, é
em relação ao indivíduo". Dependendo da opção que se faça, se um
concurso, ao invés de se fazer em dois dias ou três dias, tiver que se fazer
em semanas, o órgão pode optar por não fazê-lo.
Então é preciso que tenhamos dimensão do que estamos regulando e
estamos regulando para toda a Administração Federal. Isto tem
significado para toda a Administração estadual, para as empresas
públicas, e para 5.650 municípios que prestam concurso. É disso que
estamos falando.
Fico a pensar, por exemplo, em um concurso de policial em São
Paulo. Feito o concurso, agora em escala policial, não pode trabalhar em
dados momentos, aos sábados, porque é adventista do sétimo dia, ou seja
lá que limitações as religiões imponham, as mais diferentes.
Gostaria de compartilhar com o Tribunal esses questionamentos.
Não vou votar a tese, mas acho imensa responsabilidade do Tribunal,
neste caso, porque pode levar, sim, a afetar o serviço público. É disso que
se cuida, é disso que estamos a falar nos dois tópicos, no que diz respeito
à seleção do agente e no que diz respeito à prestação do serviço. Por isso
que, em alguns casos, já sugeri que decidíssemos até o caso, mas tirando o
viés de repercussão geral. A partir daí, a leitura que se vai fazer é uma
leitura autônoma, e vamos ter uma série de embates, com sérias
consequências, para a segurança jurídica.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Muito
obrigado, Ministro Gilmar Mendes! Apenas indago a Vossa Excelência:
posso anotar que Vossa Excelência fica vencido na tese também?
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Sim, fico.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Ministro

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 179 de 187

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Nunes Marques?

O SENHOR MINISTRO NUNES MARQUES: Senhor Presidente,


apenas para justificar a manutenção da minha posição.

Queria, na esteira do que já disse o Ministro Gilmar Mendes,


parabenizar a Corte pelo esforço que tem feito em buscar uma posição de
consenso, que, nesta oportunidade, não será possível. Aproveito o ensejo
para justificar minha posição.

Presidente, voto e comungo também com a tese do eminente


Ministro Relator, por entender que a Constituição Federal, no inciso VIII
do art. 5º, confere ao Congresso Nacional a eleição das hipóteses de
fixação de prestação alternativa.

De um lado, estamos aqui autorizando a Administração a fixar


as hipóteses. Não verifico, na atual conjuntura do País, nenhuma
omissão por parte do Congresso Nacional, a exemplo da própria
Lei nº 13.796/2019, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, regulamentando a prestação alternativa.

Por outro lado, como está sendo construída a tese, ela vem trazendo
elementos subjetivos: a necessidade de configuração da razoabilidade, o
prejuízo desproporcional à Administração e a não violação da isonomia.

Pedindo novamente vênia a todos que entendam de forma diferente,


quem laborou em tribunais ordinários e toda a magistratura nacional
esperam do Supremo Tribunal Federal um norte para exatamente
diminuir o fenômeno da judicialização no Brasil. Quando se insere no
tema razoabilidade, desproporcionalidade do prejuízo e não violação do
princípio da isonomia, o que teremos a cada minuto, a cada decisão da
Administração, no Brasil? Uma nova ação, trazendo novamente uma
discussão, com quaisquer desses elementos subjetivos que estão ou serão

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 180 de 187

ARE 1099099 / SP

inseridos no contexto.

Não podemos também esquecer que há o elemento subjetivo na


adesão de agremiações ou na própria criação de agremiações religiosas.
É uma mera autodeclaração. O Poder Judiciário não vai poder contestar
qualquer religião que seja criada amanhã ou que alguém venha a aderir
ou declarar aderência. Uma pequena igreja no interior do Estado do
Maranhão, por exemplo, pode guardar a segunda-feira ou a quarta,
ou outras medidas pessoais que o fiel tenha que adotar segundo a sua
religião. A simples adesão e a criação de igrejas pelo Brasil não poderá
ser sindicada pelo Poder Judiciário. Não podemos decidir da
desproporcionalidade dessas adesões. Na esteira, mais ou menos, do que
colocou o Ministro Gilmar Mendes, preocupei-me com isso – e espero
estar errado –, porque é a inteligência da maioria.

Pedindo vênia novamente, vou manter minha posição e esperar


que isso não venha a acontecer. Mas, se vier a acontecer, estaremos
aqui novamente reunidos para revisitarmos o tema em uma outra
oportunidade.

Era só isso, Presidente.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Pois não. Boa


observação do Ministro Nunes Marques, mas tenho a impressão de que a
redação definitiva da tese do Ministro Alexandre de Moraes vai inibir
esse subjetivismo, porque a razoabilidade está cercada por outros pré-
requisitos.
Vossa Excelência, Ministro Alexandre, tem a palavra.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Presidente,
com todo respeito às posições em contrário, fica parecendo que a decisão
da maioria vai criar uma confusão no País. É absurda essa afirmação! A
maioria decidiu que eventuais e pouquíssimas dificuldades práticas não
podem servir para afastar a eficácia das garantias fundamentais. Foi o

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que a maioria decidiu! Não podem afastar a eficácia das garantias


fundamentais de forma analisada, detalhada, análise do ônus para a
Administração, da razoabilidade, do desvio de função do serviço público.
Gostaria de lembrar também que 0,8% dos brasileiros - repito, 0,8%
dos brasileiros - são adventistas que guardam o sábado e judeus. Dos
0,8%, 14%, no máximo, são servidores públicos - ou seja, 0,1%, que atuam
pelo Brasil todo, inclusive, como citado pelo Ministro Gilmar, na Polícia
Militar do Estado de São Paulo, sem ocorrer nenhum problema.
Trabalham corretamente, com troca de escala, quando necessário, porque
a Constituição garante a tolerância religiosa. Há, por parte da
Administração Pública, seja da Polícia Militar do Estado de São Paulo,
seja por outras agremiações, essa tolerância, para que ocorra essa
conjugação.
Senhor Presidente, pedindo novamente todas as vênias - faço
questão de me manifestar -, essa decisão consagra a efetividade de uma
das mais antigas e mais importantes garantias fundamentais da história
da humanidade, e parece que está sendo feita para criar confusão. Não!
Está sendo feita para resolver pouquíssimos casos, em que a intransigente
Administração Pública não fundamentava, não respondia e negava a
liberdade religiosa.
Obrigado, Presidente!
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Presidente,
uma palavra rápida, endereçando a preocupação veiculada pelo eminente
colega Ministro Kassio Nunes Marques e na linha do que disse o Ministro
Alexandre de Moraes.
Estamos decidindo dois casos em que era relativamente fácil a
individualização e, consequentemente, a acomodação religiosa
Vou repetir - e gostaria que constasse do meu voto-: a nossa decisão,
pelo menos tal como eu a entendo, não vale para provas objetivas e
dissertativas de aplicação única. Estamo-nos referindo a situações
particulares. Por exemplo, se o vestibular de uma instituição pública
estiver marcado para sábado e domingo - queria deixar claro isso -, a
nossa decisão não permite que algum postulante queira mudar para fazer

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ARE 1099099 / SP

a prova na segunda-feira. Quando estivermos falando de prova de


aplicação única, a exceção não se aplica. Agora, sempre que for possível
individualizar a situação, sem ônus desproporcional e com razoabilidade,
aí se aplica.
Acho que esse esclarecimento, elimina os riscos e as preocupações
manifestadas pelo Ministros Gilmar Mendes e Kassio Nunes Marques.
Presidente, esse era o ponto no qual gostaria de deixar clara minha
posição e creio que seja a posição que estamos definindo
majoritariamente aqui.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Esses dados
trazidos pelo Ministro Alexandre revelam quão excepcional será a
hipótese de a Administração ter de se adequar a uma situação
excepcional.
Mas, por outro lado - não li o voto e nem irei fazê-lo -, tenho dois
tópicos, em meu voto, que se referem exatamente ao esclarecimento dos
casos agora submetidos, principalmente quando se trata de concurso
público, de acesso ao serviço público.
Leio da minha ementa:
A ampla acessibilidade a cargos, empregos e funções públicas, como
corolário do princípio da isonomia, impede discriminações pautadas em
razões de toda a sorte, dentre as quais por motivos religiosos, não se
limitando ao momento inicial de seleção de integrantes da Administração
Pública.
No decorrer de outros princípios de relevo constitucional, a exemplo
do republicano e o de participação política, deve-se oportunizar a todos
concorrer a posições públicas estáveis e, assim, integrar a Administração
Pública.
Essa bela passagem está na obra Princípios Constitucionais dos
Servidores Públicos, São Paulo, Saraiva, 1999, de autoria da professora e
nossa eminente Colega, Cármen Lúcia Antunes Rocha. Consignei esse
trecho aqui.
Por outro lado, essa nossa discussão muito se assemelha ao leading
case da Suprema Corte americana, no caso Griggs v. Duke Power, em que

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 183 de 187

ARE 1099099 / SP

se considerou que a Constituição proíbe não apenas a discriminação


aberta, mas também práticas que são justas na forma, mas
discriminatórias na operação.
Em meu modo de ver, à luz desses dois itens de uma ementa
bastante autoexplicativa e extensa, afora a ameaça de um voto de setenta
laudas, chego à conclusão de que nosso Tribunal está dando uma solução
justa para ambos os casos.
Com essa manifestação - por último -, depois desse diálogo
democrático entre Colegas e advogados, proclamo os resultados.

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Retificação de Voto

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26/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

REAJUSTE DE VOTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI -


Presidente, pela ordem.
Estou reajustando meu voto para me adequar à maioria que se
formou e que se encaminhou no sentido da tese do eminente Ministro
Alexandre de Moraes.
Então, para que haja harmonia e a bem da colegialidade, eu estou
aderindo à maioria vencedora.

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Esclarecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 185 de 187

26/11/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099 SÃO PAULO

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO NUNES MARQUES: Senhor Presidente,


apenas cinco segundos, só para que fique esclarecido à Corte, inclusive
ao Ministro Alexandre de Moraes.

Não tive absolutamente nenhuma intenção – talvez tenha sido mal


compreendido – de dizer que o encaminhamento dado pela Corte criará
algum tipo de confusão jurídica dentro da sistemática adotada pela
Administração.

Tentei alertar apenas que aqueles casos em que houver negativa por
parte da Administração, diante talvez de uma carga subjetiva, dentro da
tese fixada, provavelmente não vá atingir o desiderato almejado pela
Corte, vai também encaminhar para novas judicializações.

Porém, veja a diferença, não é que a solução trará uma judicialização


maior. Não. Apenas naqueles casos em que houver a negativa por parte
da Administração calcada na tese agora que está sendo firmada poderão
ter novas judicializações.

Foi isso que quis encaminhar e pedir (ininteligível) à Corte se fui


interpretado de uma outra forma.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - O Ministro


Alexandre de Moraes sinaliza que interpretou exatamente da forma como
Vossa Excelência acaba de explicitar.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Ministro
Nunes Marques, a minha fala na conclusão foi em virtude do aparte do
Ministro Gilmar.

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Extrato de Ata - 26/11/2020

Inteiro Teor do Acórdão - Página 186 de 187

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.099.099


PROCED. : SÃO PAULO
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
RECTE.(S) : MARGARETE DA SILVA MATEUS
ADV.(A/S) : PATRICIA CONCEICAO MORAIS (208436/SP)
RECDO.(A/S) : MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO
CAMPO
AM. CURIAE. : CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS EM DIREITO E RELIGIÃO
ADV.(A/S) : ANAISA ALMEIDA NAVES SORNA (192347/MG)
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO ISRAELITA DO BRASIL -CONIB
ADV.(A/S) : FERNANDO KASINSKI LOTTENBERG (74098/SP)
ADV.(A/S) : RONY VAINZOF (231678/SP)
ADV.(A/S) : ANDREA VAINER (305946/SP)
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS EVANGÉLICOS -
ANAJURE
ADV.(A/S) : LUIGI MATEUS BRAGA (32862/DF, 3250/SE)
ADV.(A/S) : UZIEL SANTANA DOS SANTOS (4484/SE)
ADV.(A/S) : ACYR DE GERONE (24278/PR)
ADV.(A/S) : RAÍSSA PAULA MARTINS (15481/RN)

Decisão: Após a leitura do relatório, o julgamento foi


suspenso. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 18.11.2020
(Sessão realizada inteiramente por videoconferência - Resolução
672/2020/STF).

Decisão: Após o voto do Ministro Edson Fachin (Relator), que


dava provimento ao recurso extraordinário, de modo a conceder a
segurança, e fixava a seguinte tese (tema 1.021 da repercussão
geral): “O administrador deve oferecer obrigações alternativas
para que seja assegurada a liberdade religiosa ao servidor em
estágio probatório”, o julgamento foi suspenso. Falaram: pela
recorrente, a Dra. Patrícia Conceição Morais; pelo amicus curiae
Associação Nacional de Juristas Evangélicos–ANAJURE, o Dr. Luigi
Mateus Braga; pelo amicus curiae Confederação Israelita do Brasil
– CONIB, o Dr. Fernando Kasinski Lottenberg; e, pela Procuradoria-
Geral da República o Dr. Antônio Augusto Brandão de Aras,
Procurador-Geral da República. Presidência do Ministro Luiz Fux.
Plenário, 19.11.2020 (Sessão realizada inteiramente por
videoconferência - Resolução 672/2020/STF).

Decisão: Após o voto do Ministro Dias Toffoli, que negava


provimento ao recurso e fixava tese; do voto do Ministro Nunes
Marques, que negava provimento ao recurso extraordinário e
propunha um acréscimo à tese do Ministro Dias Toffoli; do voto do

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Extrato de Ata - 26/11/2020

Inteiro Teor do Acórdão - Página 187 de 187

Ministro Alexandre de Moraes, que dava provimento ao recurso e


concedia a segurança, estabelecendo tese, no que foi acompanhado
pela Ministra Cármen Lúcia; do voto do Ministro Roberto Barroso,
que dava provimento ao recurso e estabelecia tese diversa; do voto
da Ministra Rosa Weber, que, por ora, apenas dava provimento ao
recurso; e do voto do Ministro Ricardo Lewandowski, que dava
parcial provimento ao recurso e fixava tese, o julgamento foi
suspenso. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 25.11.2020
(Sessão realizada inteiramente por videoconferência - Resolução
672/2020/STF).

Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 1.021 da


repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário, nos
termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Dias Toffoli,
Nunes Marques, Gilmar Mendes e Marco Aurélio. Em seguida, por
maioria, foi fixada a seguinte tese: “Nos termos do artigo 5º,
VIII, da Constituição Federal é possível à Administração Pública,
inclusive durante o estágio probatório, estabelecer critérios
alternativos para o regular exercício dos deveres funcionais
inerentes aos cargos públicos, em face de servidores que invocam
escusa de consciência por motivos de crença religiosa, desde que
presentes a razoabilidade da alteração, não se caracterize o
desvirtuamento do exercício de suas funções e não acarrete ônus
desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de
maneira fundamentada”, vencidos os Ministros Dias Toffoli, Marco
Aurélio, Gilmar Mendes e Nunes Marques. Nesta assentada o Ministro
Ricardo Lewandowski reajustou seu voto. Presidência do Ministro
Luiz Fux. Plenário, 26.11.2020 (Sessão realizada inteiramente por
videoconferência - Resolução 672/2020/STF).

Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux. Presentes à sessão os


Senhores Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo
Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber, Roberto
Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Nunes Marques.

Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Augusto Brandão de


Aras.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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