2237-Texto Do Artigo-8825-1-10-20190501
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Considerações iniciais
Estudos acerca do processo de urbanização brasileiro desmistificam o discurso de
que a Amazônia expõe-se apenas como floresta. Esta região rica em biodiversidade, também é
palco de tramas urbanas, o que exprime também a condição de urbano a este espaço, tal qual é
evidenciado pelas cidades que o compõem. As redes urbanas das cidades amazônicas tornam-
se cada vez mais presentes na discussão sobre o espaço urbano, o que permite a criação e
formulação de estudos a fim de analisar os problemas urbanos, assim como, das
potencialidades e peculiaridades decorrentes das relações sociais neste território (Becker,
2005).
A urbanização brasileira, caracteriza-se pelo processo acelerado e tardio da
transformação dos espaços urbanos (Santos, 1993). De modo peculiar, na Amazônia os
grandes projetos aliados à intervenção do Estado nas formulações de políticas estatais de
incentivo à produção e ocupação relacionados às grandes empresas, foram responsáveis pelo
crescimento demasiado, formação e urbanização de várias cidades amazônicas (Porto, 2007).
O crescimento demográfico e urbano das cidades da Amazônia brasileira, segundo
Porto (2007) a nível regional cresceu de 37,4% para 69,9% entre os anos de 1960 a 2000. A
urbanização acelerada decorrente desse período promoveu uma urbanização precária e sem
precedentes na maioria dos casos, fato que implica diretamente na qualidade dos espaços que
compõem os centros urbanos. Dessa forma, estes espaços que promovem a interação e
conflito da população e das forças sociais, tais quais são denominados de espaços públicos,
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derivam inúmeras discussões no mundo contemporâneo e têm se tornado grandes desafios
para o planejamento urbano e ciências afins.
Nesse contexto, o objeto de estudo pesquisado tange aos espaços públicos da orla
da cidade ribeirinha de Afuá, situada no Estado do Pará, Arquipélago do Marajó. Esta que tem
suas origens ligadas ao período colonial e forte relação com o rio, se diferencia do modelo de
estruturação de urbe tradicional em função de sua peculiar apropriação do espaço, já que
consiste em quase sua totalidade uma “cidade-palafita”.
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prevalecem, além do que são criados e recriados pelas peculiaridades resultantes das
apropriações de grupos sociais e comunidades.
Quanto à perspectiva geral e conceitual de análise a partir do território, temos o
conceito fundamental para distinguir o espaço e território, formulado por Raffestin (1993),
que declara que o território, se forma a partir de uma produção a partir do espaço, portanto, o
território é produto da apropriação realizada por seus atores, a este processo denomina-se de
territorialização. Ainda segundo este autor, ao mesmo tempo que é o território é meio, ele
simultaneamente interage e modifica seus agentes e/ou atores. Raffestin discursa também
sobre o processo de territorialização, em que diz que território “é a prisão que os homens
constroem para si” (Raffestin, 1993, p. 144).
Por sua vez Haesbaert (1995; 1997), Haesbaert e Limonad (1999) apud Haesbaert
(2010) em síntese, agrupam as noções e concepções de território em três vertentes principais,
dentre as quais destacam-se a dimensão política, cultural e econômica. A primeira é referente
as relação de espaço e poder, a segunda à relação simbólico-cultural e, por conseguinte, a
última trata da dimensão oriunda entre economia e espaço.
Em consonância com antropólogo Arturo Escobar (2010), os territórios são
formados também pela diferenciação em distintos âmbitos, teoriza em função de que
“qualquer território é um território da diferença, o que implica uma formação ecológica,
cultural e socialmente única de lugar e região (Escobar, 2010, p. 40) (tradução nossa)”.
Escobar ainda, discursa acerca de modelos de apropriação da natureza, em que estes
constituem-se como um código cultural na apropriação do território consistindo num universo
denso de representações coletivas.
Como proposta de identificação dos territórios constituídos mediante os processos
em que a cultura, a identidade e o cotidiano se fazem presente, Raffestin (2003 apud Saquet
e Briskievicz, 2009) destaca quatro abordagens de territórios, as quais são: o território do
cotidiano, o território das trocas, o território de referência e o território sagrado.
O território do cotidiano consiste, propriamente, no território atual, em que
aspectos como tensão, conflito e distensão são evidenciados pelas territorialidades todos os
dias. No território das trocas as articulações entre economia e espaço são perceptíveis
através da fluidez de mercadorias e pessoas em constante movimento. Já no território de
referência as relações entre a materialidade e imaterialidade, memória individual e/ou coletiva
constituem as principais características dessa abordagem. Enquanto que o território sagrado
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evidencia aspectos relacionados com religião e à política, nas sacralidades e rituais que
promovem a construção da identidade de um território.
Conforme Saquet e Briskievicz (2009) esses territórios possuem interfaces e
sobreposições em função dos atributos relativos às relações efetivadas no cotidiano, isto é, das
diversas e múltiplas territorialidades recorrentes no território, dentre as quais atribuem e
constróem identidades, estas últimas que igualmente influenciam na constituição de
territorialidades.
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permitir a continuação do espaço urbano, no sentido de dar continuidade ao seu
desenvolvimento, além da função de ordenação e estruturação do território. Para esta autora,
os espaços públicos quando bem planejados e vividos pelos habitantes da cidade permitem a
criação de uma coesão territorial, logo, este fator torna mais propício o desenvolvimento do
território com equidade.
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colonos se intensificou apropriada para condições de porto e ponto de paragem de trânsito do
estuário amazônico (IBGE, 2010).
Figura 2 - Vista aérea da cidade de Afuá.
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Além disso, a arquitetura desempenha um papel muito importante na distinção do
território afuaense, em que há a predominância de casas de madeiras em palafitas. Carvalho
(2013) evidencia as cores marcantes das fachadas e a simplicidade das construções, que em
geral são de apenas um pavimento, formadas por dois ou três quartos, uma sala e cozinha.
Outra característica marcante da habitação afuaense é a presença do vernáculo, a
cozinha por exemplo, é um recinto que abriga uma forte ligação da população ribeirinha com
o rio, possui uma estrutura denominada de “jirau” que se assemelha em função com a pia,
“um local em que se lava o peixe antes de seu preparo para evitar que o cheiro permaneça
dentro da casa (Carvalho, 2013, p.147) (tradução nossa)”.
Figura 4 – Trecho de orla do Rio Afuá.
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para o entrevistado e para a cidade), assim como, sobre elementos que simbolizam a cidade de
Afuá.
Foram aplicados vinte questionários com uma amostra da população de faixa
etária entre 11 a 65 anos de idade, no sentido de obter informações de diferentes pontos de
vista sobre o cotidiano dessa população e da práticas sociais na cidade. Perguntou-se sobre os
trechos que os entrevistados mais permaneciam, dado que estes puderam identificá-los através
da planta da área em questão. Em função disso, elaborou-se um mapa que atribui valor aos
trechos mais frequentados. O trecho 1 conforme os questionários mostrou ser o mais
frequentado, seguido do trecho 3, depois e trecho 4 e, por conseguinte, o trecho 2.
Os motivos de frequentar a área são diversos, tais como, por razão de estudos,
residência, local para as compras, local de trabalho, apreciação da natureza, do rio, encontro
com os amigos, acesso a internet livre, jogo de futebol e fins recreativos.
Figura 6 – Gráficos com informações acerca da frequência e permanência nos trechos da orla de Afuá-
PA.
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passeio, como um espaço em que a cultura ribeirinha se manifesta, a porta de entrada da
cidade, um lugar em que há mais liberdade na cidade e onde se tem mais movimento.
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Fonte: Acervo dos Autores, 2014.
A figura acima, mostra basicamente a relação entre o formal e o informal na
economia urbana da orla de Afuá. O movimento de pessoas ocasionado pelo mercado de
carne, que funciona principalmente no período matutino, “atrai” a economia informal de
pequenos vendedores de hortaliças, frutas e de artigos como roupas e utensílios domésticos.
Os quiosques do trapiche municipal iniciam suas atividades em consonância com
o mercado de carne e as estendem até o período noturno, com a comercialização de alimentos.
Contudo, em volta do mesmo há ambulantes que também comercializam esses produtos, mas
de maneira informal, não “enquadrados” pela formalidade do planejamento do município.
Essa relação igualmente ocorre nos mercados de pescado e açaí, nota-se a presença de
feirantes e ambulantes aos arredores destes.
Figura 8 - Formalidade e informalidade no território de trocas dos portos.
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Por outro lado, há também a relação formal e informal oriunda dos portos. O porto
ou trapiche municipal dispõe de regras que não permitem embarque/desembarque de
mercadorias, funciona apenas como terminal de passageiros, em contrapartida, as
embarcações menores atracam em trapiches não oficiais. O mesmo acontece com os portos
privados e no porto da Igreja Matriz, ao seu redor acumulam-se pequenas embarcações
ribeirinhas que têm dificuldade de atracar em função de não possuírem espaço adequado para
este fim.
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Figura 10 - Territórios de referência por Ayla Raissa e Jhuly Abdon, respectivamente.
Fonte:http://missaomarajoafua.blogspot.com.br/, 2014.
Considerações finais
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