Webber Matos 19-39
Webber Matos 19-39
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Año 10, N° 19. Córdoba, diciembre 2023- mayo 2024. ISSN 2250-7264
Andrea Matallana
Resumo
Além de convulsões sociais e desaceleração econômica nos anos anteriores, logo nos
primeiros meses de 2020, a América Latina se deparou com outra crise, desta vez sanitária: a
pandemia de COVID-19. Inicialmente, as medidas tomadas pelos países da região foram
marcadas pelo protecionismo e pela ausência de coordenação em âmbito regional. Muito por
conta disso, o cenário que se seguiu durante os anos de 2020 e 2021 foi, no geral, de número
elevado de mortes e crises econômicas intensas. Nesse contexto, dois países se destacaram
negativamente na condução da pandemia: Brasil e México. Em vista disso, a pergunta que
este trabalho pretende responder é: qual o papel da ideologia nos desempenhos econômico e
político de Brasil e México durante a pandemia de COVID-19? O objetivo é identificar
elementos conexos entre os dois líderes que permitam relacionar políticas que contribuíram
para o aprofundamento dos desequilíbrios econômicos e das instabilidades sociopolíticas.
Adota-se a abordagem qualitativa. Quanto aos procedimentos, caracteriza-se como pesquisa
documental e bibliográfica. A pesquisa bibliográfica busca estudos sobre o tema em bases
científicas conhecidas, que serão avaliados, selecionados e obedecerão à organização
temática. Identificou-se que, embora tenham origens políticas distintas e não partilhem da
mesma ideologia, os dois líderes agiram de maneiras análogas ao subestimarem os efeitos da
pandemia, ao negarem ou atrasarem estratégias de contenção do vírus e negligenciarem
demandas dos mais pobres.
Palavras-chave: COVID-19; Brasil; México.
Abstract
In addition to social upheaval and economic slowdown in previous years, in the early months
of 2020, Latin America faced another crisis, this time a health crisis: the pandemic of
COVID-19. Initially, the measures taken by the region's countries were marked by
protectionism and a lack of coordination at the regional level. Because of this, the scenario
that followed during the years 2020 and 2021 was, in general, of high death tolls and intense
economic crises. In this context, two countries stood out negatively in the conduct of the
pandemic: Brazil and Mexico. In view of this, the question this paper aims to answer is: what
is the role of ideology in the economic and political performances of Brazil and Mexico
during the COVID-19 pandemic? The objective is to identify related elements among the two
leaders that allow relating policies that contributed to the deepening of economic imbalances
and sociopolitical instabilities. The qualitative approach is adopted. As for the procedures, it
is characterized as documentary and bibliographical research. The bibliographical research
seeks studies on the theme in known scientific bases, which will be evaluated, selected, and
will obey the thematic organization. It was identified that, although they have different
political origins and do not share the same ideology, the two leaders acted in similar ways by
underestimating the effects of the pandemic, denying, or delaying strategies to contain the
virus and neglecting demands of the poorest.
Keywords: COVID-19; Brazil; Mexico.
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Mateus Webber Matos y Jacqueline Hernández Haffner
Introdução
Percebe-se, desse modo, que os perfis ideológicos desses dois líderes pertencem a
espectros políticos divergentes. Tais visões díspares de mundo entre os dois maiores países da
América Latina (tanto em termos de população quanto de PIB) pode, por vezes, enfraquecer
esforços no sentido do processo de integração regional e redução de intercâmbios comerciais.
Para além disso, a identificação de um líder com uma dada corrente política pode determinar a
forma como este reagirá em momentos de crise. Os meses iniciais de 2020 exemplificam esse
argumento. Diante da pandemia de COVID-19, eram esperados, de Brasil e México,
posicionamentos assertivos e condizentes com as diretrizes dos organismos internacionais de
saúde, não só por serem considerados líderes regionais, mas, como no caso brasileiro, também
como referência histórica no combate a doenças e do desenvolvimento de suas respectivas
vacinas (Calil, 2021).
Doutorando e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais
(PPGEEI/UFRGS). Especialista em Estratégia e Relações Internacionais Contemporâneas (UFRGS). Membro do
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Relações Internacionais do Sul Global (NEPRISUL). E-mail:
[email protected]
Professora Associada III do Departamento de Economia e Relações Internacionais (DERI) da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Líder do Grupo de pesquisa dos BRICS (NEBRICS/UFRGS). Chefe do
Departamento de Economia e Relações Internacionais (DERI) da UFRGS. E-mail: [email protected]
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estratégias terão o mesmo resultado. Os casos brasileiro e mexicano durante os anos de 2020-
2022 são emblemáticos nesse sentido, considerando os posicionamentos ideológicos de seus
líderes à época. A expectativa internacional depositada no Brasil foi de encontro ao
direcionamento dado pelo governo Bolsonaro no combate à ameaça pandêmica. Ao invés de
liderança, o Brasil assumiu papel conservador e de negação à gravidade e impactos da
COVID-19. O mexicano López Obrador, ainda que não compartilhasse dos valores
ideológicos de seu homólogo, recorreu a medidas semelhantes e acabou por afetar
negativamente a economia de seu país (Madrid, 2021; Cerda y Martínez-Gallardo, 2022).
Importante pontuar que, desde que foram anunciados a descoberta e os primeiros casos
de contágio fora da China, o presidente brasileiro e a ala ideológica de seu governo agiram de
maneira a minimizar a magnitude da pandemia e suas implicações sanitárias, alinhados às
manifestações do então presidente norte-americano Donald Trump (2017-2020). Em
pronunciamento na noite de 24 de março de 2020, Bolsonaro expôs alguns argumentos nesse
sentido: apelidou a COVID-19 de “gripezinha”, desencorajou o isolamento social, e
promoveu o uso de medicamentos para prevenção à doença sem comprovação científica, tais
como a hidroxicloroquina. Diante disso, percebe-se que a postura inicial de Bolsonaro em
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Cenário econômico
O descrédito dado ao isolamento social se mostrou infundado; prova disso foi que tanto
os índices de desemprego e de inflação quanto a desaceleração produtiva de forma geral
foram agudizados (Moehlecke, 2021). Como se pode notar no gráfico 1, quando o assunto são
as taxas interanuais de crescimento do PIB entre países latino-americanos, o Brasil apresentou
números consideravelmente mais baixos do que a maioria de seus vizinhos. Isso é verdadeiro
não somente para o ano de 2021, mas também para 2020, no qual o país teve variação anual
do PIB de 4,2% ante os 7,2% registrados pela média sul-americana (FMI, 2022). Ainda
segundo dados obtidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o Brasil apresentou, em
2021, a maior taxa de desemprego entre os países pesquisados da América do Sul, no total de
14,2% (FMI, 2022).
Gráfico 1 – América Latina (17 países): taxas de crescimento interanual do PIB, segundo e terceiro trimestres de
2021 (em porcentagens, baseado em dólares constantes de 2010)
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A partir do gráfico, pode-se inferir que, na média, entre os dois trimestres estudados, o
Brasil ficou nas últimas posições do crescimento do PIB dos países sul-americanos. É bem
verdade que a economia brasileira demonstra sinais de estagnação desde o ano de 2010 (Feijó;
Araújo; Bresser-Pereira, 2022), mas o governo Bolsonaro pouco tem feito para recuperar as
atividades produtivas domésticas. Do ponto de vista do setor industrial, a atual gestão federal
adotou postura semelhante à de administrações anteriores, qual seja, a carência de medidas
que incentivem a produção de bens nacionais de maior valor agregado. Esse processo, que
tem seus primeiros sintomas durante a década de 1980, cristaliza-se quando se compara a
participação da indústria brasileira na indústria global: em 2002 esse percentual era de 1,90%,
baixando para 1,43% em 2015, 1,31% em 2020 até os dados mais atuais de 1,28% em 2021
(Fonseca, Arend y Guerrero, 2020; Moura, 2022).
Ainda que com demora e de maneira lenta, o governo federal elaborou políticas de
auxílio social frente à impossibilidade da população de exercer suas atividades laborais, e o
Auxílio Emergencial surgiu como uma tentativa de amenizar os efeitos econômicos da crise
sanitária para as parcelas mais pobres. Muito embora fosse essa a iniciativa esperada de um
representante do Executivo federal, tal política gerou desequilíbrio fiscal. Evidência disso é o
gráfico 2 que mostra o endividamento público de alguns países latino-americanos, estando o
Brasil somente atrás da vizinha Argentina; os dados a seguir apontam uma redução da dívida
pública entre dezembro de 2020 e junho de 2021. Contudo, os indicadores brasileiros ficam
quase 30 pontos percentuais acima da média dos países latino-americanos analisados.
Comparativamente, Peru e México foram tão afetados quanto o Brasil pela crise sanitária e,
mesmo assim, possuem endividamento público consideravelmente menor (FMI, 2022).
Gráfico 2 – América Latina (16 países): endividamento público bruto do governo federal, dezembro de 2020 e
junho de 2021 (em porcentagens do PIB)
1
Traduzido no original: “monthslong delay in the distribution of vaccines. The administration ignored literally
hundreds of e-mails from Pfizer offering vaccines and, instead, opted to overpay for an unapproved vaccine
from India, a deal later stalled over suspicions of corruption”.
2
O governo Bolsonaro (2019-2022) parece ter colocado em prática o conceito de neoliberalismo apregoado por
Harvey (2005, p. 51,77), no qual o autor afirma que “Os teóricos neoliberais têm [...] uma profunda suspeita
com relação à democracia. A governança pelo regime da maioria é considerada uma ameaça potencial aos
direitos individuais e às liberdades constitucionais. A democracia é julgada um luxo que só é possível em
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individuais. Nessa lógica, o Estado repassaria gradativamente funções que antes eram suas
para os indivíduos, tais como segurança pública (por meio da facilitação da aquisição de
armamento pela população), educação (homeschooling) e saúde (desmonte paulatino do
Sistema Único de Saúde [SUS]). Logo, pode-se resumir a postura de Bolsonaro como de
caráter negacionista, na qual há banalização da morte, criação de narrativas falsas, produção
de inimigos imaginários, enfraquecimento de instituições, ataque à academia e seus(uas)
pesquisadores(as), tudo em nome de ideais de liberdade, igualdade e justiça social (Xavier et
al., 2022).
Todos os dados apresentados até aqui nos gráficos podem induzir análises –
equivocadas– de que a desorganização no combate à pandemia no Brasil era relativa à
inexistência de estratégias e à inaptidão da gestão Bolsonaro em administrar demandas da
sociedade. Argumenta-se que, pelo contrário, as crenças religiosas, valores conservadores e
perfil político autoritário do presidente brasileiro são fundamentais para a compreensão da
gestão da crise por parte do governo, fazendo parte de um planejamento mais amplo e
permeado por ideologia que, à época, encontrava respaldo em alguns cantos do globo, tais
como os Estados Unidos de Donald Trump (2017-2020), a Polônia de Andrzej Duda (2015-) e
a Hungria de Viktor Orbán (2010-).
condições de relativa afluência, associado a uma forte presença da classe média para garantir a estabilidade
política. [...] Os valores "liberdade individual" e "justiça social" não são necessariamente compatíveis. A busca
da justiça social pressupõe solidariedades sociais e a propensão a submeter vontades, necessidades e desejos à
causa de alguma luta mais geral em favor de, por exemplo, igualdade social ou justiça ambiental”.
3
Traduzido no original: “Hay que preguntar cómo el neoliberalismo gana adhesión en la población, cómo se
arraiga en nuestros comportamientos y creencias, más allá de la ortodoxia económica y la represión de
Estado”.
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Outro ponto importante é a inflação. É certo que a pandemia, de maneira geral, foi um
dos indutores do temor da alta inflacionária, especialmente quando diz respeito a países
latino-americanos. Estes foram os mais afetados pelo aumento generalizado dos preços ao
longo das décadas de 1980 e 1990 e, desde então, fazem do controle inflacionário uma de suas
prioridades. De acordo com dados da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL),
o Brasil foi o país com a maior elevação da taxa de inflação (ficando à frente de Estados
Unidos, Reino Unido, Japão, China, Rússia, África do Sul e da Zona do Euro), entre os meses
de janeiro de 2018 e outubro de 2021. Ainda segundo essa pesquisa, a inflação brasileira teria
alcançado os 10,5%, enquanto a Rússia (segunda colocada) atingiu 8% (Cepal, 2021).
Por meio desse panorama inicial, pode-se depreender que o Brasil foi um dos mais
atingidos não somente com relação ao número de contágios e mortes por COVID-19, mas
também do ponto de vista econômico. Isso ocorreu muito em virtude da falsa dicotomia
criada por Bolsonaro entre saúde versus economia e sua inaptidão em lidar com a crise
sanitária. Na próxima seção, pretende-se investigar a situação do México nesse mesmo
período, bem como as políticas elaboradas por AMLO para conter a disseminação do vírus.
população de maneira a melhor distribuir sua renda e dirimir efeitos da alta do desemprego e
da perda de poder de compra pelos cidadãos (Huesca et al., 2021). De acordo com simulação
conduzida por Huesca et al. (2021), quase 30% dos mexicanos estariam vivendo na extrema
pobreza em 2020. Com o fechamento de milhares de vagas de emprego e a precarização das
condições de trabalho, os mexicanos passaram a atuar no mercado informal. Estima-se que 31
milhões deles (pouco mais de 55% da população economicamente ativa) estejam atualmente
na informalidade e, dessa forma, sem qualquer tipo de amparo por parte do estado (Karlik,
2021).
Voltando ao perfil e ao histórico político do líder mexicano, percebe-se que AMLO foi
eleito com propostas revolucionárias em questões como combate à violência urbana, à
corrupção e erradicação de desigualdades sociais (Renteria y Arellano-Gault, 2021). No que
diz respeito à ideologia de AMLO e às principais pautas por ele defendidas, nota-se que seu
regime é considerado populista e austero, o que levou a discordâncias (estratégicas, políticas e
de discurso) entre o presidente do país e governadores opositores, gerando descoordenação
entre os níveis regional e federal no combate à doença (Renteria y Arellano-Gault, 2021).
No caso brasileiro esse movimento ficou muito claro, na medida que Bolsonaro
escolheu plataformas como Twitter, Facebook e YouTube para entrar em contato diretamente
com seu público. Além disso, o ex-presidente, foi personagem de episódios de tensão entre a
presidência da república e instituições como o Superior Tribunal Federal (STF) e o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), por exemplo. O conceito de populismo mencionado acima se mostra
mais adequado, assim, pois, ainda que tenham visões políticas e econômicas diferentes,
líderes populistas partilham de uma lógica fundamental: todos, em maior ou menor medida,
buscam o poder político (Weyland, 2001).
A despeito de diferenças ideológicas, AMLO parece, mais uma vez, agir de maneira
análoga ao presidente brasileiro. Ambos prescindem das instituições de Estado para se
comunicar com a população, se manifestam de maneira autoritária diante de posicionamentos
que os contradigam, confundem a sociedade ao passarem orientações imprecisas sobre
protocolos sanitários e reúnem ao seu redor hordas fiéis e dispostas a emular e difundir
quaisquer teorias (Caamal-Olvera y García, 2021). Outro fator essencial para a contenção do
vírus era o mapeamento e a divulgação das zonas mais atingidas, de preferência diariamente.
Considerando que tanto Brasil quanto México são países com elevado número de habitantes e
grande território, era necessário realizar acompanhamento das efetividades das estratégias
adotadas por cada região, o que ou não foi feito ou foi executado de forma a não dar
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O reflexo das escolhas políticas tomadas por AMLO fez com que o México figurasse na
terceira posição no número total de mortes por COVID (331 mil) nas Américas, ficando atrás
somente de Estados Unidos (1 milhão e 70 mil) e Brasil (690 mil), posição que segue
incômoda, levando-se em consideração o panorama global (5º lugar, atrás também de Índia e
Rússia) (OMS, 2022). Renteria e Aellano-Gault (2021: 192) observam que, nas fases iniciais
de introdução da COVID-19 no México, o enquadramento das soluções políticas estava
“associado às estratégias para fortalecer o clientelismo, como a promoção de um papel
passivo dos cidadãos, e aumentar o financiamento dos principais programas associados a
transferências de dinheiro e infraestrutura de construção”.4 A partir do estudo desses autores,
ainda que sob certas demandas e condicionados por forte viés político, houve iniciativas do
governo mexicano para conter os efeitos da crise sanitária.
Assim como aconteceu com a economia do país, o sistema de saúde mexicano já era
carente de infraestrutura, insumos e profissionais antes dos primeiros casos de COVID-19 no
primeiro trimestre de 2020. O que a nova doença fez foi somente aprofundar as fragilidades
de um setor que, há muito, operava em condições inadequadas (Laurell, 2020). Mais uma vez,
de forma semelhante ao Brasil, o governo central mexicano não teve iniciativa na aquisição de
equipamentos hospitalares (cilindros de gás, luvas, máscaras) e de vacinas, o que possibilitou
aos líderes das diferentes regiões dentro do país executarem os planos que mais os
conviessem.
Ainda que a oferta desses bens em âmbito global não estivesse suprindo a demanda
(fazendo com que os preços aumentassem consideravelmente), a melhor estratégia seria, do
ponto de vista interno, a criação de um plano centralizado no governo federal (tendo em vista
que o Estado tem maior poder de barganha do que suas províncias separadamente) e,
externamente, a união de países do Sul Global para a compra de grandes quantidades de
vacinas a preço mais atrativos. Este ambiente é conhecido como “complexo médico-
industrial” (Laurell, 2020), neste sentido, é que se entende que poderiam ter sido aplicadas
outras táticas interna e externamente em relação à doença.
Era de se supor que, depois de todo o esforço dispendido por AMLO no sentido
contrário às recomendações de especialistas, os índices de apoio popular ao presidente
sofressem quedas proporcionais à dimensão que se tornou a crise sanitária de COVID-19.
Entretanto, o líder mexicano não só manteve sua aprovação em níveis satisfatórios (55%)
como também logrou duas vitórias políticas importantes no verão de 2021: a base governista
conservou sua vantagem numérica no Senado e seus aliados foram eleitos governadores na
maioria das 15 províncias mexicanas (Cerda y Martínez-Gallardo, 2022). A população
mexicana de maneira geral pareceu ter aprovado a postura de AMLO durante a condução da
crise, o que, para alguns autores (Renteria; Arellano-Gault, 2021; Cerda y Martínez-Gallardo,
2022) se deveu à estratégia política populista do presidente.
4
Traduzido no original: “associated with strategies to strengthen patronage, such as promoting a passive role of
citizens, and increasing the funding of flagship programs associated with cash transfers and building
infrastructure”.
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Gráfico 3 – América Latina (7 países): emprego registrado (janeiro de 2019 a março de 2021)
Para tentar compreender a adesão dos mexicanos a este novo estilo de governar de
AMLO, o gráfico 3 aponta as taxas de empregados no intervalo de janeiro de 2019 a março de
2021. A partir da leitura das informações, pode-se inferir que, à exceção de Argentina e
Uruguai, o México apresentou desempenho pior do que os outros quatro países pesquisados.
Isso significa que não só Costa Rica e El Salvador lidaram melhor com suas crises sanitárias e
lograram fomentar seus mercados de trabalho, mas também que os mexicanos ficaram atrás
do Peru, economia mais atingida pela COVID-19 nas Américas. Com o intuito de ilustrar esse
cenário, constatou-se que o Peru teve o 4º maior índice mundial de mortalidade pelo vírus (1º,
considerando-se somente as Américas), com um total de mais de quatro milhões de infectados
(OMS, 2022).
China e Estados Unidos, dessa forma, são atores fundamentais para a compreensão do
contexto pandêmico de maneira geral. A inclusão da China nessa pesquisa se justifica tanto na
medida em que foi aí que surgiram os primeiros casos quanto por ter sido ela alvo de
discursos xenófobos por parte de alguns países do Ocidente. Além disso, a China tem, nos
últimos 20 anos, se aproximado comercialmente de vários países latino-americanos, o que fez
com que os chineses se transformassem em parceiros estratégicos para a região. Os Estados
Unidos, por sua vez, serão abordados também pelo seu peso geopolítico na América Latina,
assim como por ter se convertido no epicentro da pandemia ainda em 2020 e, finalmente, em
razão da postura controversa de seu ex-presidente Donald Trump.
Nesse ponto, Bolsonaro e AMLO parecem ter reagido de maneiras análogas. Ambos
discursaram com o intuito de acalmar os ânimos sociais e ressaltaram a importância de se
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A falta de ações coordenadas pelo Poder Executivo federal fez com que governadores e
prefeitos das mais variadas regiões do Brasil elaborassem protocolos de saúde de maneira
autônoma, enquanto o presidente insistia, em rede nacional, que não havia motivos para se
preocupar e que um dos medicamentos recomendados para a doença seria a hidroxicloroquina
(Moehlecke, 2021). Em poucos meses a droga não só se mostrou ineficaz no tratamento da
COVID-19 como também, em muitos casos, causava lesões em órgãos perfeitamente
saudáveis. Portanto, Bolsonaro traçou dois caminhos possíveis, tendo, em ambos,
justificativas que favorecessem seus discursos:
Nesse contexto, não é possível negligenciar as relações dos dois países com a China:
Sobretudo com o Brasil de Bolsonaro e durante o primeiro ano de pandemia, tensão foi o
sentimento que imperou. Isso porque integrantes do círculo próximo ao presidente (como
Eduardo Bolsonaro, Abraham Weintraub e Ernesto Araújo) adotaram o tom utilizado por
Trump e passaram a responsabilizar os chineses pela disseminação da doença. Em abril de
2020, Araújo publicou em seu blog “Metapolítica 17” texto citando a COVID-19 como uma
criação comunista, forjando o termo “comunavírus”. Ernesto Araújo insinuou a existência de
um comunismo-globalista que estaria se utilizando da pandemia para causar rupturas na atual
ordem democrática liberal do Ocidente (Araújo, 2020), fazendo alusões ao Partido Comunista
Chinês como a liderança por trás desse projeto.
O México, por sua vez, manteve sua tradição de alinhamento com Estados Unidos e
Canadá. Em cúpula realizada em Washington e que contou com a presença dos líderes dos
três países que compõem a América do Norte, AMLO reiterou a necessidade de o bloco reagir
diante do avanço comercial chinês, sugerindo que, caso nada seja feito, em 30 anos os
chineses teriam cerca de 42% do comércio mundial, deixando para os membros do NAFTA
(Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio, na tradução em português) uma fatia de
apenas 12% (Manetto, 2021). Para esse grupo, portanto, quando a pauta envolve os chineses
ela é, usualmente, tratada do ponto de vista securitário.
Por outro lado, parece haver uma tentativa de aproximação dos chineses em relação aos
mexicanos. No começo de 2022, o presidente Xi Jinping sinalizou interesse de estreitar os
laços entre os dois países, destacando a parceria estratégia desenvolvida desde 2013 e a
cooperação mútua construída por ambos durante a pandemia de COVID-19 (XI, 2022). Em
termos comerciais, o México exportou para a China quase 30% a mais em 2021 em
comparação com o ano anterior, perfazendo um comércio total de US$ 110 bilhões,
compostos, basicamente, por produtos agropecuários (Embajada de México, 2022).
Tabela 2 – Exportações chinesas para Brasil e México entre 2018-2022 (em bilhões de US$)
A partir da leitura da tabela 2, pode-se verificar que houve queda das exportações
chinesas tanto para Brasil quanto para México de 2019 para 2020, exatamente o período
inicial dos surtos de SARS-CoV-2. Apesar de esperada, tal redução foi bem menor do que
aquela prevista pelos governos dos respectivos países. Um detalhe ainda mais interessante é o
aumento considerável das exportações chinesas para ambos os países entre 2020-2022, tendo
em vista que somente o México quase dobrou suas importações oriundas de seu parceiro
asiático de 2021 para 2022.
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No que diz respeito ao investimento externo direto (IED) chinês no México, esse
número saltou de US$ 215 milhões em 2020 para US$ 414 milhões em 2021, aumento de
mais de 92% (Embajada de México, 2022). De acordo com dados de agosto de 2022, os bens
mexicanos exportados têm os Estados Unidos como principal destino (82,5%), ficando a
China com cerca de 1,9%, enquanto 20,3% das importações mexicanas provém dos chineses e
44% de seus vizinhos norte-americanos (Data México, 2022). Por esse motivo, os Estados
Unidos são elemento essencial para se compreender a realidade mexicana, ainda mais em um
contexto de pandemia. Isso ocorre, pois tanto a economia mexicana quanto a conjuntura
política estão historicamente entrelaçados com a dos norte-americanos.
5
Traduzido no original: “have minimized the risks associated with the pandemics, have polarized the political
discussion about public health policies, have criticized and stigmatized minorities and vulnerable groups, have
engaged in conflict with other government institutions and have underrated the merit of public service”.
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tendência: assim como Trump havia perdido por, entre outros motivos, negligenciar a maior
crise sanitária em 100 anos, Bolsonaro também não se reelegeu por relativizar a dor e os
efeitos da pandemia nos lares dos brasileiros. Trump e Bolsonaro agiram da mesma forma
desde os momentos iniciais da crise e acabaram, também, no mesmo local: fora da presidência
de seus países.
Considerações Finais
O que se viu, portanto, é que nos casos de Brasil e México a distinção político-
ideológica não foi elemento importante em seus posicionamentos diante da crise sanitária.
Isso significa que tanto um líder de extrema-direita, como Bolsonaro, quanto um de esquerda,
como AMLO, tiveram atitudes semelhantes em um momento delicado de seus governos.
Além disso, tiveram discursos parecidos em relação à China, país que, segundo eles, seria o
responsável pela origem e disseminação do vírus. Quanto aos Estados Unidos, por
mimetização ou não, Brasil e México adotaram posturas alinhadas ao governo, sobretudo, de
Donald Trump, no que diz respeito à negação da pandemia e de seus efeitos.
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Não por acaso, tanto Trump quanto Bolsonaro tentaram a reeleição em 2020 e 2022,
respectivamente, e ambos saíram derrotados. Em alguma medida, as implicações da pandemia
(tanto econômicas, políticas, sanitárias quanto relativas ao número de infectados e mortos)
foram questões que condicionaram o processo eleitoral e enfraqueceram as candidaturas de
ambos. Em relação a AMLO, não será possível medir sua aceitação/rejeição no que diz
respeito ao gerenciamento da crise sanitária da COVID-19, pois não é permitida a reeleição
presidencial no México, uma vez que o mandato corresponde a seis anos. Entretanto, pode-se
analisar qual será a resposta da população à(o) candidata(o) escolhido e apoiado por AMLO.
Nesse caso é possível que essa correspondência entre a vitória (ou não) da(o) candidata(o) de
AMLO e sua gestão à época da pandemia não seja tão perceptível, tendo em vista que,
diferentemente dos pleitos presidenciais nos Estados Unidos e no Brasil, as eleições
mexicanas ocorrerão em um momento no qual a população mexicana já não estará tão imersa
em um ambiente de insegurança e pânico como os de 2020-2022.
Por fim, constatou-se que, não só dentro do âmbito latino-americano, mas também
globalmente, Brasil e México estiveram em posições delicadas quanto ao número de
contaminados e mortos. Essas foram consequências da irresponsabilidade e da incapacidade
de seus líderes em elaborar planos de contenção do vírus e de preservação da vida de seus
cidadãos. Para além disso, as relações sino-brasileiras saem estremecidas depois de vários
episódios de preconceito e xenofobia de membros do governo Bolsonaro no sentido de
associar o vírus ao comunismo ou a um suposto plano chinês para enfraquecer o poder norte-
americano.
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Año 10, N° 19. Córdoba, diciembre 2023- mayo 2024. ISSN 2250-7264
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