A Mulher Negra No Brasil - Lélia Gonzalez - 0001
A Mulher Negra No Brasil - Lélia Gonzalez - 0001
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lltulhcrcs ltcgl ls () -\(,1lrn(,ll(, rn,u: r.r1,lor ,rtlo r.( )l)l,intirl() rilr socit.tllclt. ltr.lrsilt,ir.it. rrrrr.r rnt'rrirr;l n('rlr.r (1, 1,.rr .lcs,..otrhr'cirlo, ctlttlltttrtacla com o sistema
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lin-iitandosuaspossibiliclaclcstlt'xs(('r)s.r. Irrrtclrnosrlccclucaç-ào,p()r.(,xrlrlpl(), ,l, r'rrsirro trrr.lirrr,.'rsrorr:rl (islo t', t'r-trocêtrtrico), centrado em valores que
é importante enlatizar qlle Llmâ visão clt'prcciativa ckrs ncgros ,,r() ()s clcla. Quanikr lulou clas clificuldades no aprendizado, Maria também
é tr;ursrriticla 16s
textos escolares e perpetuada em uma estética râcista constante menre trans ( r rtir.()Ll a atitude dos proÍêssores (autoritários e coionialistas), que já de saída
mitida pela mídia de massa. se adicionarmos o sexismo e a valorização dos (l(:iplczavam a pobreza e a negritude em fàvor das práticas e métodos de
privilégios de classe, o quadro fica então complero. , , rnhecinrento ltar excellence": aqueles da ciasse, raça e sexo dominantes.
começando por essas articulações ideológicas adotadas pelas escolas, nos Apesar da situação de extrema inferiorização, a mulher negra exercell
sas crianças são induzidas a acreditar que ser
um homem trranco e burguês rr rr r importante papel no âmbito da estrutura familiar ao unir a comunidade
constitui o grande ideal a ser conquistado. Em contraste, elas são tambén.r ,( gla parâ resistir aos efeitos do capitalismo e aos valores de uma cultura oci
induzidas a considerar que ser uma mulher negra e pobre e um dos piores ,lr ntal burguesa. Como mãe (real ou simbólica), e1a Íbi uma grande geradora
males. Devem-se levar em conta os efeitos da rejeição, da vergonha e da perda n,r pcrpetuação dos valores culturais afro-brasileiros e em sua transmissão
de identidade às quais nossas crianças são submetidas, especialmente
as me l,,r|ri a próxima geração.a
ninas negras. um dos fatores que contribuem para as altas taxas de evasão
escolar é justamente esse tipo de ideologia promovida nas escolas (de
modo
que, para mil crianças quc ingressam nas escolas primárias, apenas sessenta \ participação da mulher negra na luta sociopolítica
chegam a. terceir. ano). o outro fàtor ó econômico e se relaciona com o tra-
balh, clc nrenolcs de idade. Nossas crianças aderem à flcrça de trabalho muito r I tlcsenvolvimento e a expansão dos movimentos sociais na segunda metade
ccdo, dcvickr ;is conclições de pobreza e miséria em que a grande maioria ,lr rs âr1os r97o Íornaram possíveis a mobilização e a participação de amplos
da
lrrpulação negra vive. seu trabalho, que se inicia na idade de oito a nove anos, l()rcs da população brasileira, não apenas em termos de reivindicação de
,(
conlrii.lr-ri para os baixos rendimentos familiares. , iilcitos mas de uma intervenção mais direta na política, especialmente no
Em c.mparação com famílias brancas pobres, a situação das fàmílias rrrovimento negro e no movimento de favelas.
ne
gras que moram em favelas e zonas perifericas das cidades não é de igualdade. O movimento negro teve (e continua a ter) um papel extremamente rele-
De acordo com a Pnad 1976, esta era a situacão de famílias vivendo ,urte nâ luta antirracista em nosso país, inclusive sensibilizando setores nào
com até \
três sa1ários mínimos mensais: cerca de 5oo/o dasfamílias brancas, em r('u1'os, e buscou mobilizar cliferentes gruPos da comunidade afro-brasileira
compa r
mesma média salarial familiar. classe operária e nas classes medias, dos heróis da migração intertla; são mcscla
Em uma pesquisa Íecente realizada com muiheres negras de baixa renda rios entre os primeiros estudantes llegros a ingressarem na universidaclc,.jovens
(1983), constatou-se que poucas eram âs entrevistadas
que haviam começado i operários e trabalhadores negros e dançarinos de soui símbolo nloderrro da
À
a trabalhar na idade adulta. A grirnclc maioria comeÇou por volta § contestação da juventude negra à dominação branca e da miopia clos libe rais
dos oito ou
à
nove anos de idade nas "cas:ls dc Íanrília" (isto é, como empregadas domésti_ .t :rnte o racismo e sua falsa consciência nacional.5
cas), especialmente no cas() das Íilhrs nrais velhas. E isso significava abandonar i:
ts
&
§
I,,tr,lr,,r \ ntttllt,'t llr'(,,rt tlít ll,rl\t/
mencionar o Movimento Negro U,iÍicacki A cxplolaçrro st'rrr,rl ,l.rs rrrrrllrclt's í'tanrbér'n ciutro fàtor de grande impor-
(r,r rrl ,), quc e,,r seus primeiros crois
anos de existência (r97g-go) não apenas r,rrrr-iu no cr-rtcnclinrcnto cla r:clação de clpressão e dominação emnossa socie-
alcançou ourros estados do sudestc,
sul e Nordeste como desenvorveu uma ,l,rtlt'. Âs mr-rlheres que participaram do renascimento do movimento negro
série de atividades que contribuíram
enormemente para o avanço da consciência rr, l(io deJaneiro, por exemplo, costumavam se encontrar separadamente
democrática (antirracista e anti
coloniaiista) em nosso país. A presença I discutir seus problemas específicos antes de apresentá-los ao grupo como
,.rrrr
da mulher negra, não apenas em
sua rrrn todo, com a intenção de desenvoiver práticas não sexistas. Importante
criação mas também em sua direção,
não pode ser esquecida.6
Enquanto o movimento negro teve ilrltar que esse processo de reorganização do movimento negro nos anos
origem nos sel.res da crasse media
negra, o movimento de faveras foi r,r7o* se deveu à iniciativa de diversas mulheres negras sob a liderança da
criado pero subproletariado urbano,
habi rstoriadora Beatriz Nascimento.
tante das favelas e regiões perifericas, Ir
em associações de moradores. vimos
antes que a população das faveras, Em ry75, quando as feministas se reuniram na Associação Brasileira de Im-
em especiai nos grandes centros urbanos
do Sudeste (Rio'e são pauro), cresceu l)r'cnsa para comemorar o Ano Internacional da Mulher, as mulheres negras
enormemente e hoje constitui uma
parcela significativamente arta dessas ( trlvam presentes para denunciar a superexploração e a opressão da mulher
populações urbanas. suas reivindica_
nt grâ.8 muitas tendências diferentes der.rtro d<l movi
Entretanto, dadas as
ções dizem respeitr a melhores condições de transporte,
moradia, educação,
saúde etc' e a questões sobre os títuros lr(.ntu negro. esse grupo pioneiro Se Separou e suas integrant( S ('onlilttt:tt',tltt
de propriedade das terras que ocupam.
Desnecessário dizer que a presença ,rtivas em outras organizações que surgiram a partir então, mas apenâs conlo
de mulheres negras no movimenro
negro ,rlivistas do movimento negro.
tem sido muiro significativa.
Dado o seu caráter inovador em termos Os anos que se seguiram testemunharam a criação de outros grupos de
da sociedade brasireira, o mo-
vimento de favelas (como o movimento rrrLrlheres negras Aqualtune Gszs), Luísa Mahin (r98o), Grupo de Mulheres
negÍo, que iniciou o processo de -
germinar uma consciência nacional antirracista) Ncgras do Rio deJaneiro Gs8z) que, apesar dos esforços de suas integrantes,
também influenciou setores -
da classe média branca ,rt'rrbaram sendo absorvidos pelo movimento negro como um todo, assim
na organização do que veio a ser conhecido
como os , ,,rlo aquele grupo inicial. Ou seja, todas as mulheres voltaram à sua condi-
movimentos de bairros. Em termos de
Rio deJaneiro, por exemplo, temos
dois tipos de organização que correspondem , organizações tais como o Instituto de
r() de ativistas negras que, em várias
a ambos os movimentos: a Fe-
deração das Associações de Faveras l'|t'squisa das Culturas Negras (rcN), o Movimento Negro Unificado (lrNu), o
do Rio deJaneiro (Faferi), um movimenro
( :r'upo de Estudos André Rebouças, a Sociedade de Intercâmbio Brasil-África
de favelas, e a Federação cras Associações
de Moradores do Rio deJaneiro
(Famerj), um movimento cle bairros. rsinba) etc. , buscaram denunciar as práticas machistas de nossos irmãos,
Agora chego à questã. cra participação (luc muitas vezes nos excluíam dos processos de tomada de decisão ao nos
das mulheres negras propriamente
dita' os primeiros grLrp()s -rgarizados , lt'signarem tarefas mais "femininas".
de murheres negras .-.rgr.r-
dentro O engajamento no movimento de liberação das mulheres provocou rea-
do próprio movirrrcrr, ,('gr,(). Iss«r pocle
ser expricado primeiro peio fato
de , ,,cs contraditórias. Nos encontros e congressos feministas brancos, mulheres
que os setores nã,,rrrr.rris tr:r p,puiação
negra que competem no mercado
de trabalho são os nrn is (',, )sl.s
r)( . P.rrticas de discrimin ação.? Háportanto,
no
rr-rovimento negro, ,l)l.r ( r.(.s(.('rtt,
r-.rsciência política do racismo, sua mani- I rl lia Gonzalez se lefere à formação clo Grupo de Trabalho Andró Rebouças, o crAR, na
li'stação e relação crrr ir t r;rr.r'rrq ri, tr. classe. Em segundo lugar, I lnivcrsidade Federal Fluminensc, quü .onreçou a se esboçar desde r97r, sob a Lderança de
o movimento ll( irtriz Nascimento. (N. O.)
,1
\ rrrtr/ltIt ttr't'tr, ttrI lltrlrII
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n('glxs ('r'itnr 1l'('(lt-lL'nt("n1(.nl(.( ()nsr(l( r,t(l,t:, ,rt1,r.(.ssivlts" «rrt nllo Íi'rrtirristlrs l,rtl1,l (.1t 11t,t.,rrl,, r.rrr.r rr.r,l;i Lr rrrttl.tl.t. rtriltll,t r'.lirllr.r 1111 5.1111[1'f
por conta de sua insistôr-rcia crl qLlc o rirt'isrrro prccisava scr partc da lr,rta llrni ,lrz,r rrtítsit;t:
nista, já que, assim como o sexismo, era igualmente uma f'orma estrutural cl.
opressão e exploração. A questão da exploração das trabalhadoras domesricas ()ilc prt.§.§d coll'L qrd\-il
majoritariamente negras por suas empregadoras tampouco foi bem recebida ltttzcndo pirraça
na agenda do movimento de libertação das mulheres; argumentava-se que ao lringindo inocente
receberem remuneração elas estariam "liberadas" para o engajamento na luta 't'irando o sossego da gente.
sileiro de mulheres, na medida em que emergiu do movimento ocidentai de r,.r.n:rcionais, elogiada e admirada pelo mundo inteiro, ela segue magicamente,
liberação das mulheres, ainda reproduz seu "imperialismo cultural".e mais brilhante naquele espetáculo luminoso'to
rrrrris e
Amulata brasileira: uma categoria própria afro-brasileiras. Segundo Sahiins, é devido à conexão com
rr.r as muiheres
,, sisrema simbólico que o lugar da mulher negra em nossa sociedade como
Carnaval. Rio deJaneiro. Como sempre, o leitmotiv é bebida, mulheres e ,,rn lugar de inferioridade e pobreza é codificado em uma perspectiva
étnica
e televisão. Há penachos, lantejoulas, muira extravagância e luxúria, impe , ,rtcgoria de objeto sexudl.
radores, bandeirantes e exploradores, deuses africanos e indígenas, animais, Assim, não é coincidência que Ilma Fátima de Jesus e O' Oluwafemi
gays, reis e rainhas, marajás, escravos, soldados, baianas, ciganos, havaianos i )gunbiyi nos contem que historicamente "o ato sexual entle o homem branco
todos sob o comando dos toques de tambor e do remexer dos quadris das , ,r rnulher negra não é encarado como sexo normal; essa é a tazáo da palavra
-
mulatas que, na opinião de muitos, são de "outro mundo". rr('paÍ' (copular, transar), que qualifica o coito como um ato animal' Supomos
"Olha elas naquele carro alegórico chique ali." r t rc o terrno
'mulata' tem sua origem na grotesca visão do sistema dominante
I
tamento. Como um conto de fadas. , rrrltadas. Essa é a razáopelaqual eia nunca é uma mus&'que é uma categoria
O mito que descrevemos aqui é o da democracia racial, já que é exata- cultura. No máximo alguém já disse ela pode ser unta.fruta a
'l,r -
mente no momento do ritual do carr-ravai que o miro assume todo o seu .r.r degustuda, mas de todo modo é uma prisioneira permanente da natureza.
impacto simbólico. É nesse m()nr..lrt() que a mulher afro,brasileira se trans- d
( ) cstabelecimento definitivo do capitalismo na sociedade brasileira produziu
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I'lt r,ll,,t 'l ttrtrilt,'r rlí1,,rr lr{r Iirrl\ll l(t ''
s('LIs clcil()s ll:t r)tLl lrt;1. t.llr sc lorrr,)u unl,t l)l()lissi()llitl. Mcsrno il1](,r.t n.i(, (. ,A1rr':,.tt rl.r ,lr',r l( rL,l, LrLrLr {tr r,i,,1,.rt, ()Irr. (|tI( s( I( ( tIs()tI.I,IssIsIII ,tt,sIt,,rn,,
reconhecida como un1 ser human() c ncnlrunr nrovimento liri cíitivaclo pirr.ir l(rl:rt ttt,tt y .tlit ttt,,tt ( IrlIl',1.1',1Il,lil.l
restaurar sua dignidade como mulher. Ela Í'oi claramente transÍirrnrada crrr 'Ahl(]trerrr|r('rrlr,rrrr,:tt,r1,,111 ()ll()ss()J/lrlgr'/('.lit'vt-.. Nãohirsaícla! Nãoqucror-rada
uma mercadoria para consumo doméstico e internacional. Hoje, mulatas rutcrtr clc lcbolur'. ll lrto lrtnt.tsticllttclttc delicioso! Às rezes alguém fica sem sabel o
são treinadas para se apresentarem em shows em casas noturnas. Essa é a .1Lrc làzcr alérri dc sl3 perdcr clttre as garotas, mas nós sempre improvisamos algo."
demanda do mercado. Sc a chefe das mulatas ouvisse isso e1a não aprovaria. A produtora do show e
os trechos que se seguem são extremamente claros no que diz respeito ll.ofessora de modelagem do Senac llan Amaral ficava quase histérica todavez
à logica da dominação/exploração imposta às mulheres negras. São retirados tltLe alguma aluna ficava conÍusa no palco. Aos 34 anos,motando emParís há qualo,
de um artigo publicado em um jornal do Rio deJaneiro, O Globo, em ro de onde trabalha como modelo pdrd d Puco Rabanne, a srta. Amaral confessa ter vindo
julho de 1986 (os grifos são meus):r3 .ro Brasil apenas para ajudar no show. Durante a apresentação ela controlava a
Foram necessárias noventa horas de treinamento parâ que Lu.zacir e outras Oba. Pois, quem sabe? Ela podia ter unTd vída melhor com sua màe em uma casa na
-4r garotas brasileiras, entre dezesseis e trinta anos, nenhuma completamente llha do Governador. Fora uma das meihores candidatas do grupo e aprenclera
branca ou completamente negra, se enquadrassem na categoria nacional d-e pele muitas coisas, incluindo um jeito especial de andar...
para exportação: mulata. Mas, para se tornar um produto frnalizado, não bastava Marcia Andreia, dezoito anos, e Leonora Vidal, vinte, mal notaram o que Na-
n ascer com a cor abençoada pot Deus, europeus e amerícanos; para ser reconhecida zareth estava fazendo. Elas são todAs altas ebonitas. De acordo com a srta. Amaral,
como a agência de distribuição de mulatas do Rio, a oba oba se transformou em seriam candidatas maravilhosas para oportunidades nâ Itália e noJapão. Mas Mar-
uma escola de treinamento proÍissional. cia não quer se tornar uma mulata profissional. Seu maior sonho é ser modelo...
A autorização institucional para que a oba oba operasse foi dada pelo senac Gloria Cristal, um típico exemplo de mulata bem-sucedida (ela tem dois em-
(serviço Nacional de Aprendizagem comercial), que coordenou a iniciativa, e pregos excelentes: na Oba Oba e na tv Globo), djz: "Ser uma mulata é a melhor
pela Riotur (agência oficial de rurismo do Rio), o que deu o apoio necessário ao profssão do mundo, pois temos a oportunidade de nos tornarmos damas. Todos
programa. Afinal das contas, o empreendimentomulataéumnegóciomuitolucratiyo. nos tfatam com carinho e cuidado. Às uerrt penso que sou umdboneca de porcelana
Durante o show de duas horas, as performers exibiram suas melhores formas ( gosto muito disso".
e habilidades. Em biquínis mínimos e suriãs adornados com lantejoulas ou em Acontece que as bonecas de porcelana ganham muito pouco dinheiro no
elaboradas e requintadas fantasias, sempre em saltos extremamente altos, as mu- começo de suas carreiras. É esse o caso das mulatas que estão concluindo sua
iatas, destaques das escolas de samba, dançaram contorcendo seus corpos como lbrmação. As casas noturnâs do Rio pagam um salário mínimo me trsal para
flhas
de oxum e alongaram-se como em uma aula de ginastica, como garotds de lpanema. i as iniciantes. O empresário Elias Abifadel, dono da Oba Oba' afirma que todo
Era delirante para o cínegrafisla lltrmann Engle, q,e fez um videoclipe para a
$ começo é difícil. Entretanto, no caso de Maria Ltzacir, por exemplo, seu salário
t:
emissortt de TV alemã ZDF. Elt (strtvd c('t"Lo de que o clipelettaria seus comytatriotas à i é duas vezes maior do que ela ganha atualmente como empregada doméstica
loucura... em Copacabana, ou seja, menos de quarentâ dólares por mês.
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sez Llc lnLllatas capacitaLi.ts, clttztrtllts r'iin(li!lirtirs s('irl)l L'sclt1.trilil) piu';l () tt'(.iltlullcltl( ). (.1r6llr.i.t, s()l)t(.lg(11 11 lr('trrrrll rlir)rr 1,1.;rl. lsstl st'tlcvt'tt tlil'clatrtclltt'il() fc-
De acordo com Marcla Andreiir, as candidatas crar-n rigorosrrmcntr c-r.rrrinrrrlrrs ,Lrlt,rrlprltlpt'ittttitr)((rrsr)lrr,rsilt'itotlr-'rli7z(t.'conÍirmadoporump()Sterior,
"como se.fossemcdvdlos". É absolutar:nente necessário que estejâm fisicamente
pcrltiras. . , nl rllgo) rluc ittclicott tlttt'rt lllilioria c1a populaçào era negra'
Por fim, hâ o qtré-requísito ma[s unportante , sem o qual o grupo estaria reduzido a I)t,ve-sc llotar que o período histórico mencionado acima (que corres-
três alunas. uma mttlata devc ter delicados traços brancos espüd gdrdntido, () "grande imigração") foi uma época em que os ideólogos do
se sucesso
1,ontlc à chamada
que, é preciso dizer, não é fácii de encontrar, observa Ilan An-rar:irl. Em sua opir-riàe, l)r',r nLlueamento elaboravam Suas teses sobre a superioridade da raça branca
mesmo se a mulata não tiver um nariz fino e 1ábios bem desenhados, ela pode se , lrr rna:ndo a atenção, acima de tudo, para os perigos que ameaÇavam o Brasil
l
destacar no palco e ser invencível em sua profissão se"ayrender como serumamulher". ,lr. não se tornar um país civilizado por conta de seus negros, índios e mestiços.
Isso, diz Amaral, pode ser ensinado. Como? "Com aulas de uíqueta social", djz ela. I lt.r.cleiros colonizados das teorias racistas europeias, era Comum que esses
r,l.irlogos Íbssem eles mesmos de ascer-rdência africana'
Esse eloquente artigo dispensa comentários. Expressa habilmente o que As mudanças que ocorreram na sociedade brasileira durante os anos r93o
significa ser uma mulata no "paraíso racial'' chamado Brasil. ,,,sultaram em certos rearranjos políticos e ideológicos e, entre eles, a elabo
,,r,'i<r do mito dademocraciaracidl.EnÍÍetanto, apesar do fato de a política do
l,r:rrrqueamento não tel se materializado em termos demográficos (embora te-
A mulher negra como objeto no Brasil: contexto ideológico lrlr,r resultado no genocídio de uma grande parte da popuiação negra), ideolo
r,,it-rtlreflte ela se manteve efetiva em outros níveis: a projeção do Brasil como
Du:rs tendôrrcias irl:rilrigicas definem a identidade negra na sociedade brasileira: rrnr país racialmente branco e culturalmente europeu. Promovida junto com
por Lrnl laclo, ir noção de àemocraciaracial e, por outro, a ideologia dobranquea- (, ntito da democracia racial e dessa forma produzindo um dupio nó, segue
rrrt'rrlo, r'crslrlt:rndo em um tipo de duplo nó. Segundo Marilena Chaui, .rirrila hoje definindo a identidade dos negros no contexto social brasileiro.
Enquanto o mito da democracia racial funciona nos níveis púbiico e ofi
o cluplo nó consiste em afirmar e neÉJar, proibir e consentir alguma coisa ao , r,rl, o branqueamento define os afro brasileiros no nível privado e em duas
mesmo tempo (os lógicos afirmam que o duplo nó conduz à impossibilidade da í )u1ras esfelas. Numa dimensão Consciente, ele reproduz aquilo que os
blan-
decisão, os psiquiatras o consideram causa maior da esquizofrenia e os antipsi , , is dizem entre si a respeito dos negros e constitui um amplo repertório de
quiatras o consideram a prática típica da fàmí1ia e da ciência médica.ra ,.\ l)ressões populares pontuadas por imagens negativas dos negros:
"Branco
,,,r'rendo é atleta, negro correndo é ladrão"; "O preto, quando não srija na
A noção de democracia raciai, desenvolvida por Gilberto Freyre nos anos r rrtrada, suja na saída"; "Branca para casar, mulata para fornicar, negra para
r93o, constituiu a visão púbiica e oficiai dessa identidade. Assim, negros são r r,rbalhar" etc. Essa última expressão aponta para o segLrndo níve1 em que
cidadãos como quaisquer outros e, como tais, não estão sujeitos a precon- ,rtuam os mecaniSmos do branqueâmento: um nível mais inconsciente (lue
ceito ou discriminação. As imagens do carnaval e futebol brasileiros sào , ,,r.responde aos papéis e lugares estereotipados atribuídos a um homem ott
largamente utilizadas (especialmente no exterior) como "provas concretas" ,nulher negros. Assim, ele (ou ela) é representado como um trab;rlhador bra-
da "harmonia racial" brasileira. O.que predomina na "democracia racial" ,.r1, não qualificado, ou como alguém que conseguiu ascender socialmcrnte,
brasileira ê o preconceito de não ter prcconceito. lr:ls sempre pelos canais de mobilidade social considerados adequados para
Ântes da noção de democracia racial, a ideologia do branqueamento ser- ,,lt.ou ela. Imagens positivas são aquelas em que os negros desenlpcnham
viu como justificativa parzr umr política clesenvolvida pelos governos brasilei- e/ou compositor de
I 1,,rpéis sociais a eles atribuídos pelo sistema: cantor
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um elemento cofiIum: a pcss()it ncglil ('vis(ir r-onto Lrnt ()b.,ct() clc cntr.ctcli
mento. Essa tipificação cultural dos negros também assinala outro elelxento
comum condensado em atributos corporais: força/resistência física, ritmo/
sexualidade. Não é preciso dizer aqui que o homem ou mulher negros que
não se adequam a esses parâmetros são rejeitados pelo estereótipo.l5
Nesse contexto, as experiências das mulheres negÍas são bastante sig-
nificativas: não é raro que uma dona de casa negra de classe média, quando
atende a porta, seja surpreendida por um vendedor que insiste em falar com PARTE II
sua patroa. ou, ainda mais comum, quando porteiros de prédios de classe
média alta ou burguesa impeçam mulheres negras de usarem a entrada prin-
Intervenções
cipal, insistindo para que usem a poÍta de serviço. Em ambos os exemplos,
o estereótipo estabelece a relação: mulher negra = trabalhadora doméstica.
o ditado "Branca para casar, mulata para fornicar e negra para trabalhar" é
exatamente como a mulher negra é vista na sociedade brasileira: como um
corpo que trabalha e é superexplorado economicamente, ela é a faxineira,
arrumadeira e cozinheira, a "mula de carga" de seus empregadores brancos;
como um corpo que fornece pÍazer e é superexplorado sexualmente, ela é a
mul,rta do carnaval cuja sensualidade recai na categoria do "erótico-exótico".
Numa sociedade que separou espírito e corpo, fez do primeiro argo superior ao
scgundo, valoriza a razáo contra a paixão, a inteligência contra a sensibiiidad.e, o
elogio da sensualidade rítmica dos negros e das mulatas é a forma acabada e per-
feita do duplo nó: elogia-se aquilo mesmo que a sociedade inferioriza e condena.lc