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Building the way

PRÁTICAS MULTIMODAIS NO ENSINO/APRENDIZAGEM DE LÍNGUA


ESTRANGEIRA

MULTIMODAL PRACTICES IN THE TEACHING/LEARNING OF FOREIGN


LANGUAGE

100 Carolina Soares Moreira


Mestranda em Letras – Linguagem em novos contextos pela Universidade
Federal de São Paulo – UNIFESP
[email protected]

RESUMO: Com o avanço tecnológico é importante que o ensino/aprendizagem tanto


de Língua Materna como de Língua Estrangeira adapte-se às novas tecnologias
fazendo uso de diversos materiais e recursos que atraiam a atenção do aprendiz,
cada vez mais conectado ao universo digital. Assim, tem-se buscado no universo do
ensino elementos mais atrativos, entre eles, práticas multimodais nas quais
misturam-se linguagem verbal e não verbal. Essa nova linguagem apresenta a
vantagem de oferecer a complementação dos modais e transmitir mensagens que,
às vezes, um modo só não passaria. Para a reflexão desse tema, este artigo faz
uma breve apresentação da evolução do ensino de língua estrangeira ao longo dos
anos até os dias atuais. Além disso, discute o papel do livro didático no ensino. Para
isso, apresenta a definição de multimodalidade e letramento, passando pelas
metodologias e ensino de Língua Estrangeira através dos anos e chegando aos
livros didáticos. Em seguida, apresenta a expectativa em relação a esse material e
sua evolução junto às metodologias e ao ensino até os dias atuais.

Palavras-chave: Práticas Multimodais. Ensino. Língua Estrangeira.

ABSTRACT: Technological progress requires that both mother tongue and foreign
language teaching/learning strategies adapt to them by using different materials and
resources. This updating will likely attract the attention of the learner, who is
increasingly connected to the digital universe. In order to do this, educators have
been looking for more effective and attractive teaching strategies, including
multimodal practices in which verbal and non-verbal language are mixed. This new
language has the advantage of offering complementary modes and of conveying
messages, more effectively than it would be possible to do by using just one mode.
This article briefly presents the evolution of foreign language teaching since 1658 to
the present day. In addition, it discusses the role of the textbook in language
teaching. As its analytical framework, it presents the definition of multimodality and
literacy, and it employs it to examine methodologies and foreign language teaching
and textbooks. It concludes by discussing current expectations in relation to this
material.

Palavras-chave: Multimodal Practices. Teaching. Foreign Language.

v. 10, n. 1, junho/2020 Lingua(gens) ISSN 2237-2075


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Considerações Iniciais

Na sociedade moderna, diferentes tipos de linguagem se articulam e


criam “situações de comunicação” que dependem da apropriação de diferentes
modais por parte do receptor. Exemplo dessa linguagem pode ser visto em
diferentes mídias que conjugam elementos do texto verbal e do não verbal (imagens,
101 gestos, sons, etc.) que compõem uma nova linguagem em que elementos trazem
significados para o texto como um todo. Cabe ao receptor decodificar esses
significados para entender a mensagem e também, como observa Heimas (2010, p.
1), ser capaz de captar “o mais importante para entender o que aquilo diz sobre o
mundo em volta dele.”
Ao transportar essa perspectiva para o universo do ensino/aprendizagem,
pode-se constatar que o apelo a novas possibilidades, além da tradicional linguagem
verbal, invade esse campo do saber. No campo do ensino de uma língua
estrangeira, observa-se uma explosão significativa de novos suportes que
colaboram para a formação do aprendiz que não se vê mais confinado a métodos
antigos em que o texto verbal reinava. Assim, este artigo investiga essa nova
perspectiva de possibilidade de expansão de elementos constituintes para a
formação desse novo aprendiz. Então, começaremos por apresentar a noção de
letramento e multimodalidade, em seguida um breve histórico das metodologias e do
ensino de LE no Brasil e por fim, falaremos sobre o livro didático de LE e as
mudanças que foram vistas até os dias de hoje. Para tanto, foram utilizados
principalmente os conceitos de Multimodalidade, Letramento e Ensino-
Aprendizagem de LE.

1. Letramento e Multimodalidade

Segundo Kleiman, crianças e adolescentes já tem contato com a


tecnologia e estão sempre conectados a tablets e computadores. Cabe à escola
encontrar estratégias para se adaptar e pensar essa mudança:

onde se esperava que a criança usasse lápis e papel para escrever


de forma legível, hoje se espera que ela escreva coisas com sentido
no caderno e no computador, e também que use a Internet
(KLEIMAN, 2005, p. 20-21)

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Essa perspectiva torna-se mais palpável atualmente em que, devido à


pandemia da Covid-19, estudantes se encontram em confinamento, distantes de seu
espaço de ensino, manuseando de suas casas seus smartphones, tabletes etc.
Diante desses aparelhos, o aprendiz se vê diante de uma infinidade de modais que
constroem a linguagem a partir de várias reconfigurações. Para Ramazzina Ghirardi,
102 a multiplicação de linguagens representa atualmente um tema relevante e

[...] deve necessariamente avançar para além da constatação das


reconfigurações das formas textuais. Seu enfoque na relação
específica entre multiplicidade de linguagens e sua organização
como elementos de uma composição final única remete justamente à
noção de comunicação multimodal, oferecendo uma perspectiva de
investigação que acrescenta diferentes modos de expressão à
linguagem verbal e escrita. Essa perspectiva multimodal permite
examinar de modo particularmente produtivo as características do
funcionamento da linguagem no contexto atual das novas mídias.
Tal processo de multiplicação de linguagens solicita uma atenção
particular, bem como o estabelecimento de uma perspectiva de
análise que articule a reflexão sobre a pluralidade da língua e de
seus sentidos à pluralidade do mundo e de seus sujeitos, suas
culturas e seus modos de expressão (RAMAZZINA GHIRARDI, 2016,
p. 302).

O ensino de língua estrangeira não fica excluído dessa nova perspectiva


e vem, cada vez mais, adaptando-se às diferentes fontes de transmissão de
conhecimento, principalmente a internet, que possibilita o rápido acesso a materiais
que abrangem todas as competências e não necessariamente foram concebidos
para o ensino de línguas, mas que estão inseridos em contextos reais de falantes
nativos da língua em questão. Como consequência disso, os benefícios para o
aprendiz são vários, pois, além de ter contato com diversos tipos de texto, com
vocabulários adequados aos seus formatos, em diferentes suportes e com as mais
variadas linguagens (revistas, livros, HQs, músicas, sites, filmes, programas de TV
etc.), o estudante ainda está em permanente contato com a cultura, história e
atualidades do(s) país(es) em que seu idioma estrangeiro de interesse é falado, pois
segundo Kress:

Os textos são o resultado de ações sociais com a linguagem e


representam um aspecto relevante que contribui para situar o
enquadre dos gêneros textuais, pois eles são artefatos linguísticos,

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mas de natureza cultural e social, envolvendo muitos outros


fenômenos (Kress, 2003, p. 87 apud MARCUSCHI, 2011, p. 28).

Por mais que o acesso às informações e a diversos materiais esteja mais


fácil hoje em dia, os materiais didáticos (livros e métodos) ainda são os principais
meios de ensino tanto de cursos de línguas estrangeiras, quanto para aprendizes
que estudam em autonomia. Esse material funciona como um suporte importante,
103 principalmente no início do processo de aquisição da LE, estruturando o percurso do
aprendiz no início de sua aquisição.
Quando falamos de modernidade tecnológica no ensino, segundo
Dionísio, o primeiro conceito que precisamos rever é o de letramento, e temos que
enxergar esse conceito num sentido mais amplo e não só na habilidade de ler e
escrever; hoje em dia “uma pessoa letrada deve ser capaz de atribuir sentidos a
mensagens oriundas de múltiplas fontes de linguagem, bem como ser capaz de
produzir mensagens incorporando múltiplas fontes de linguagem” ( DIONISIO, 2011,
p. 138). Assim, Kress (2003) reforça essa ideia ao afirmar que:

Não é mais possível repensar o letramento isoladamente de uma


vasta gama de fatores sociais, tecnológicos e econômicos. Dois
fatores distintivos e relacionados merecem destaque especial. Trata-
se, por um lado, do amplo movimento, desde agora, de longo
domínio da escrita para o novo domínio da imagem e, por outro lado,
o movimento do domínio do meio do livro para o domínio do meio da
tela. Estes dois juntos estão produzindo uma revolução nos usos e
efeitos do letramento e dos meios associados que representam e
comunicam em todos os níveis e em todos os domínios (KRESS,
2003, p. 1 apud SANTOS e TIBURTINO, 2018, p. 172).

Partindo desta ideia de “múltiplas fontes de linguagem”, pode-se observar


que a multimodalidade está inserida neste contexto e que os estudos nessa área
vêm se expandindo nos últimos anos. Kress e Van Leeuwen (2001) definem a
multimodalidade como:

o uso de diversos modos semióticos na concepção de um produto ou


evento semiótico, juntamente com o modo particular segundo o qual
esses modos são combinados – podem, por exemplo, reforçar-se
mutuamente (“dizer a mesma coisa de formas diferentes”),
desempenhar papeis complementares [...], ser hierarquicamente
ordenados, como nos filmes de ação, onde a ação é dominante, com
a música acrescentando um toque de cor emotiva e sincronizar o

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som de um toque realista “presença”. (KRESS, VAN LEEUWEN,


2001: 20 Apud MELO; OLIVEIRA; VALEZI, 2012).

Assim, podemos definir a multimodalidade como “a co-presença de vários


modos de linguagem, sendo que os modos interagem na construção dos
significados da comunicação social.” (HEIMAS, 2010, p. 1).
Para Dionísio (2011), estamos vivendo em uma sociedade cada vez mais
104 visual. Segundo a autora, os materiais didáticos utilizam uma diversidade maior de
gêneros e, de acordo com a teoria cognitiva da aprendizagem multimodal, os
aprendizes aprendem melhor quando temos o texto verbal e não verbal juntos do
que quando só temos o texto verbal, pois quando juntamos os dois, juntamos modos
diferentes de representar o conhecimento.
Como vimos acima, conseguimos observar a Multimodalidade no ensino
tanto de Língua Materna (LM) quanto de LE como elemento relevante, pois os
avanços tecnológicos tendem a aumentar e com isso o ensino precisa se adaptar
sempre a essas mudanças.

2. Metodologias e Ensino de LE no Brasil

2.1 Breve histórico das metodologias de LE1

A Metodologia Tradicional ou gramática- tradução, era baseada no estudo


da tradução de textos clássicos2 e, esses mesmos textos, eram utilizados para a
análise gramatical, o que configura como o primeiro método utilizado no ensino de
uma LE. Ele surgiu no século XVII e foi utilizado entre os séculos XVII e XIX.
Segundo Coste (1970), de um lado tínhamos o livro de gramática no qual haviam as
explicações de regras e de outro um dicionário bilíngue ou um livro que agrupava
listas de palavras. E, junto com os dois livros, textos - de preferência literários
quando possível - para serem traduzidos.
Em 1658, foi publicado o livro Orbis Sensualium Pictus do autor Jan Amos
Komensky (1592-1670), mais conhecido como Comenius. O autor uniu o texto visual
com o texto verbal e queria que assim o aprendizado de LE fosse feito de forma

1
Utilizaremos aqui como base teórica principal os Puren (1988) e Germain (1993).
2
Era basicamente utilizada no ensino de grego e latim

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lúdica. Hoje em dia, ele é considerado o primeiro livro didático ilustrado (Cristóvão,
2015).
A metodologia que a sucede é a Metodologia Direta que consiste em
ensinar uma língua estrangeira sem ser intermediada pela língua materna, nem pela
escrita e nem por regras gramaticais explicitas (PUREN, 1988, p. 64). Para Coste
(1970, p. 8) ela “veio como uma ‘recusa’ ao exercício ‘indireto’ que é a tradução.”
105 Segundo Wickerhauser, uma pesquisadora alemã da área de didática:

evitar a língua materna não é a única particularidade da metodologia


direta. Nós vamos chamar essa nova metodologia ou metodologia
direta aquela que evita:
1º o desvio pela língua materna,
2º o desvio pela ortografia,
3º o desvio pelas regras gramaticais superficiais.
(WICKERHAUSER, 1907, p. 213 apud PUREN, 1988, p. 64)3

Pietraróia (2008), ao descrever a Metodologia Direta, acrescenta uma


crítica em relação ao modo artificial do qual o método se valia:

procurando oferecer ao aluno uma língua mais cotidiana, que


pudesse ser utilizada em seu dia a dia, a metodologia direta abusava
de textos fabricados, artificiais e destinados sobretudo à aquisição
lexical, prioridade da que se traduzia na memorização, por parte do
aluno, de listas inteiras de palavras. (PIETRAROIA, 2008, p. 13)

Ainda segundo a autora, essa metodologia privilegiava processos ditos


“intuitivos” – “gestos e mímicas e dos recursos como a demonstração de objetos, de
imagens, e exemplos” (Op. cit, p. 13).
Após essas duas metodologias, a Metodologia SGAV4 surgiu
primeiramente como “metodologia do exército”5 em 1929, a partir da necessidade de
comunicação do exército americano com outros exércitos de outras línguas além do
inglês. A partir daí, o exército lança o programa ASTP (Army Specialised Training
Program), fazendo assim com que um grande número de militares tivessem um
conhecimento prático de várias línguas estrangeiras faladas.

3
Tradução Nossa: « Éviter la langue maternelle n’est pas la seule particularité de la méthode directe. Nous allons
appeler nouvelle méthode ou méthode directe celle qui évite : 1° le détour par la langue maternelle, 2° le détour
par l’orthographe, 3° le détour par des règles de grammaire superflues. »
4
Structuro-Globale Audiovisuelle.
5
Depois essa metodologia foi adaptada para as escolas e foi chamada de metodologia áudio-oral antes de se
tornar metodologia SGAV.

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Essa metodologia se valia de cursos que duravam aproximadamente


nove meses e segundo Puren (1988), o aprendiz estava exposto a

quinze horas por semana de trabalhos coletivos em grupos de dez.


Seis aulas de duas horas, sob a direção de um assistente6,
dedicadas exclusivamente à pratica oral da língua estrangeira e três
aulas de uma hora, ministradas pelo professor linguista e reservadas
ao ensino teórico da fonética, do vocabulário (formação das palavras,
106 por exemplo) e da gramática (Puren, 1988, p. 195, tradução
nossa).7

Após isso, nos EUA e em países da Europa a MD continuava a ser


utilizada o que levou o linguista Bloomfield a criticar essa metodologia dizendo que
os professores “ falam da língua estrangeira em vez de usá-la” (tradução nossa).8
Em 1968, o primeiro material de ensino do francês é elaborado a partir da
metodologia SGAV: Voix et Images de France. Esse método tinha a língua falada
como estruturadora do ensino:

O trabalho com o texto escrito iniciava-se apenas após cerca de 60


horas de ensino a fim de não “atrapalhar” a compreensão global do
sentido nessa primeira fase de aprendizagem. As imagens dos
manuais SGAV são situacionais, no sentido em que ilustram
situações de comunicação. (CRISTOVAO, 2015, p. 48)

Nos anos 70, o termo metodologia foi substituído pelo termo abordagem e
assim chegamos à abordagem comunicativa (AC)9 que trabalha com situações de
comunicação levadas do exterior (da sociedade) para dentro da sala de aula. É a
partir desse momento que começa o ensino de LE a partir da ideia de 4
competências de comunicação: a compreensão escrita, compreensão oral, a
expressão escrita e a expressão oral. Segundo Bourguignon (2005), nessa
abordagem o aprendiz é o centro da relação de comunicação. O professor tem que
levá-lo a encontrar uma maneira de externar o que ele precisa dizer e se apropriar
de saberes para construir seu savoir-faire. Nessa abordagem, começou-se a utilizar

6
Existiam os professores linguistas e os assistentes.
7
“quinze heures par semaine de travail collectif par groupes de dix. Six classes de deux heures, sous la direction
d’un assistant, étaient consacrées exclusivement à la pratique orale de la langue étrangère, et trois classes d’une
heure, assurées par le professeur linguiste, étaient réservées à l’enseignement théorique de la phonétique, du
vocabulaire (formation des mots par ex.) et de la grammaire.” (Puren, 1988, p. 195).
8
No original : « parlent de la langue étrangère au lieu de l’employer » (GIRARD D., 1974, p. 78 apud PUREN,
1988, p. 194)
9
L’Approche Communicative

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os “documentos autênticos”, que representam todos documentos que não foram


concebidos para o ensino de língua, que circulam na sociedade como videoclipes,
programas de TV, fichas, jornal, panfletos, etc., tudo que foi produzido pelos próprios
falantes nativos de determinada língua
Na perspectiva acional10 (que leva em conta a razão pela qual o aprendiz
deve se comunicar), a comunicação é um meio para atingir o objetivo principal que é
107 o de haver uma interação entre aprendizes e cidadãos da LE. Puren (2006) diz que
a perspectiva é uma ação social, e por ação social entende-se ação coletiva com
finalidade coletiva. E assim ele pontua três ideias convergentes. Primeira, “a
comunicação sozinha não é o suficiente para a ação social”, a segunda de que “a
ação social que determina a comunicação” e a terceira é a de que “é a ação comum
e não a comunicação a condição de uma verdadeira compreensão do outro”
(PUREN, 2006, p. 38)11
A partir desse histórico das metodologias, podemos observar a evolução
do ensino-aprendizagem de LE e constatar que, nos dias de hoje, além de seu
desenvolvimento no contexto acadêmico, a modernidade tecnológica e a importância
de elementos multimodais se somam à elaboração de conceitos e materiais de LE.
Essa mudança pode ser geradora de maior atenção do aprendiz no contexto de
ensino-aprendizagem e estimular o professor de forma eficaz no ato do ensino da
língua alvo.

2.2 Ensino de LE no Brasil

Segundo Leffa (1999), o que aconteceu com o ensino de línguas em


contexto nacional é um eco do sucedido nos outros países, mas com um atraso.
Como exemplo, o autor cita a metodologia direta que chegou ao Brasil 30 anos após
a sua implementação na França.
O autor traça a história do ensino de línguas no Brasil antes do Império,
na colonização. Depois da chegada dos jesuítas e do ensino do português aos
índios, as línguas dominantes eram as clássicas (grego e latim). Após a chegada da

10
Perspectiva acional de acordo com o CECR (QECR – Quadro Europeu Comum de Referência para as línguas)
11
“la communication ne suffit pas pour l’action sociale », « c’est l’action sociale qui détermine la
communication » e « c’est l’action commune, et non la communication, qui est la condition d’une véritable
compréhension de l’Autre »

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família real ao Brasil, com a criação do Colégio Pedro II, em 1837, e com a reforma
de 1855, as línguas modernas foram incluídas de forma definitiva no ensino básico.
A metodologia usada era a gramática/tradução, ou seja, a mesma que era mais
comumente usada para o ensino de línguas clássicas. Segundo Nogueira (2007
apud Moreno Junior, 2018, p. 56-57), o colégio deu às línguas modernas12 o mesmo
prestígio daquele das línguas clássicas. E, segundo Paiva, apesar da metodologia
108 de ensino de LE ser a mesma para as línguas clássicas e as modernas, para as
clássicas era utilizado o texto literário e para o inglês “listas de vocabulário,
conjugações e exercícios de tradução que estivessem mais próximos do contexto
sociocultural da época” (PAIVA 2009 apud MORENO JUNIOR, 2018, p. 57)
Com a reforma de 1931, foi dada mais ênfase ao ensino das línguas
modernas e foi inserida a metodologia direta que tinha sido introduzida na França 30
anos antes, ou seja, o ensino da língua era realizado através da própria língua e não
mais por traduções como previa a metodologia anterior.
A Reforma Capanema, em 1942, continuou privilegiando a metodologia
direta, e foi a que deu mais importância ao ensino de LE. Segundo Leffa (1999), os
alunos estudavam latim, francês, inglês e espanhol e muitos terminavam o ensino
médio lendo autores no original.
Com a LDB de 1961, o ensino de línguas foi drasticamente reduzido e na
LDB de 1971, muitas escolas tiraram a língua estrangeira do 1º grau 13 e diminuíram
o número de horas de estudo de língua estrangeira a uma hora por semana no
segundo grau.
Com a LDB de 1996, a base nacional da época deixa clara a necessidade
do ensino de LE no Ensino Fundamental. Complementando a LDB, são publicados
Parâmetros Curriculares baseados no princípio de transversalidade e uma
abordagem socio interacional que dê ênfase à leitura. Assim, a escola acaba não
trabalhando com outras habilidades linguísticas necessárias para falar e
compreender oralmente bem uma LE.
O que se pode observar é que as abordagens e perspectivas mais
modernas no Ensino de LE fica delegada aos cursos de línguas que trabalham com
os métodos inseridos na abordagem comunicativa e na perspectiva acional.

12
Nesse momento as línguas modernas estudadas no colégio eram inglês e francês.
13
Primeiro e segundo grau nessa época é o que hoje chamamos de Ensino fundamental e médio.

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3. Métodos de LE e a Multimodalidade

Segundo Cristovão (2015), tanto no ensino de língua materna como


estrangeira, tanto na esfera pública como na privada, o livro didático é usado como
fonte de conteúdos a serem passados aos alunos.
Assim, ocupando um espaço relevante para o ensino, o livro didático
109 busca formas de se adaptar para conseguir atrair a atenção de aprendizes que,
ainda tão jovens, entram em contato com diversos tipos de tecnologias nas quais
encontramos uma grande variedade de conteúdo.
Devemos lembrar que o espaço para imagens e outros elementos
multimodais nos livros didáticos já é pré-determinado, assim o autor tem o controle
limitado do uso destes elementos; além disso, imagens, programas de rádio, tv, etc.
estão submetidos a direitos autorais, às vezes caros demais. (CRISTOVAO, 2015).
Segundo Paiva (2009), os primeiros livros didáticos eram gramáticas e o
conceito de língua se restringia a estrutura. O primeiro livro ilustrado foi o Orbis
Pictus, que era um livro infantil de vocabulário composto de 150 capítulos, divididos
por temas diversos como botânica, religião, atividades humanas etc. Segundo Kelly
(1969, p. 267 apud PAIVA, 2009, p. 19) cada ilustração era numerada para que
pudesse ser ligada com a palavra correspondente. Ainda segundo a autora, esse
livro se tornou modelo para outros livros didáticos, principalmente nos séculos XVIII
e XIX.
Sempre houve quem defendesse e quem rejeitasse os livros didáticos;
Lambert Sauver, em 1875, dizia que os professores deveriam proibir o uso do livro
em sala de aula: os livros se destinariam ao momento em que os alunos se
preparassem para as aulas e, durante a aula, eles tinham que ouvir o professor.
No Brasil, em 1930, surge um material inovador para a época que é o livro
An English Method, do Padre Julio Albino Pinheiro. A novidade no livro, apesar de
ainda ter foco nas estruturas gramaticais, era que ele incluía “a língua como veículo
de práticas sociais diversas, da conversa à manifestação estética.” (PAIVA, 2009, p.
24). Ele tinha o intuito de promover a autonomia do estudante, assim, as
transcrições fonéticas das palavras eram colocadas ao lado da palavra no livro e
assim os alunos conseguiam ler as palavras e aprender como se pronunciava sem
ter o tempo todo a ajuda do professor. Outro fato que o tornava inovador era a

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ausência dos exercícios de tradução tão comuns nos livros didáticos de épocas
anteriores.
No final da década de 40, começaram a surgir materiais, os quais
enfatizavam mais a língua falada do que a estrutura como nos anteriores. Alexander
(1967) afirma que a língua deveria ser ensinada, fazendo com que o aluno a usasse
e não falando sobre a língua, o que nos mostra que ele rejeitava materiais que
110 ensinasse a língua por meio de estruturas e, para ele, usar a língua significava fazer
exercícios de repetição.
Na década de 1970, surgem materiais audiovisuais que davam
preferência à oralidade na sala de aula. Acreditava-se que a escrita prejudicava a
compreensão oral; havia duas estratégias que tentavam evitar a leitura precoce:
livros que não tinham textos (os textos ficavam no livro do professor), para que os
alunos não tivessem acesso nenhum à escrita e livros com textos que usavam
máscara para cobrir os diálogos. Nessa década, segundo Paiva, surge uma grande
preocupação com as necessidades do aluno e, assim, surgem muitos livros com
propósitos especiais.
Hoje em dia, apesar da discussão se o livro didático inibe ou fomenta a
autonomização, várias escolas de idiomas ainda utilizam esse meio de transmitir
conteúdo e conhecimento. Segundo Little e Perciclová (2006, p. 28 apud Magno e
Silva, 2009, p. 63) o livro deveria ser usado com flexibilização e não como planos de
aula, pois “estaríamos impondo aos nossos alunos os objetivos de aprendizagem e
os processos de aprendizagem do autor do livro.”
Ao longo dos séculos, é possível notar a relevância dos livros didáticos e
métodos de ensino que já introduziam em seu conteúdo imagens e outros elementos
multimodais. Ainda que se pense que em algum momento houve a suposição de que
as imagens atrapalhavam o desenvolvimento e a aprendizagem de uma LE, o que
se pode verificar é que houve uma emancipação desse elemento que, por vezes, se
sobressai a outros artifícios utilizados no ensino.

Considerações Finais

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Com o avanço das tecnologias e o momento que estamos vivendo de


pandemia da COVID-19, é necessário que o ensino se adapte e que busque cada
vez mais meios de atrair os alunos.
Mesmo com todas as mudanças já feitas, tanto no ensino de língua
materna como de língua estrangeira, é necessário que o ensino acompanhe o
campo da tecnologia e esteja em constante evolução.
111 Com o livro didático não é diferente; mesmo com muitas maneiras diferentes
e opções de estudo, tanto de língua estrangeira quanto materna como, por exemplo,
a internet, o livro didático é ainda o principal suporte utilizado nas instituições de
ensino para adquirir conhecimento. Ele se presta como guia indicando o que estudar
em determinadas séries ou em determinados níveis de LE. Os livros didáticos de LE
das principais escolas de idiomas seguem os níveis de acordo com o Quadro
Europeu Comum de Referência para Línguas, elaborado pelo Conselho da Europa
em 2001, largamente difundido no mundo todo. Esse documento estabelece um
padrão internacional para descrever habilidades linguísticas em geral.
Atualmente, os materiais didáticos recentes apresentam diversos artifícios
multimodais. Além disso, o professor tem acesso a plataformas com recursos
gratuitos na web (materiais, aplicativos, sites etc.) que ele pode lançar mão e
acrescentar às suas aulas para complementar o conteúdo dos livros. Assim, é
possível afirmar que a contribuição de uma perspectiva multimodal para a área de
ensino/aprendizagem, tanto em suporte pedagógico em papel quanto em elementos
digitais, contribui para a evolução e a eficiência do ensino/aprendizagem tanto de
uma LE como da LM.

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