Aula de Filosofia 01
Aula de Filosofia 01
Aula de Filosofia 01
A partir de agora nós vamos começar a trilhar um caminho de reflexão filosófica com
base em alguns textos muito tradicionais no yoga, para que você compreenda cada vez mais e
amplie cada vez mais o seu horizonte de conhecimento e que você possa se unir cada vez mais
nessa experiência do yoga que vai conduzir você ao pleno entendimento e realização. Esse é o
nosso objetivo aqui. Nós vamos investigar algumas escrituras ao longo do curso, mas nós va-
mos iniciar por essa, que talvez seja a escritura mais famosa do yoga, que é o Yoga Sutra.
O Yoga Sutra é um conjunto de 196 sutras, ou seja, 196 aforismos, escrito por Patanjali,
que é um Brahmani, que é um membro do clérigo, ou seja, da Alta Casta sacerdotal, e aqui ele
divide em quatro capítulos aquilo que será a apresentação do yoga pela primeira vez na história
com um foco, um enfoque específico no tema “yoga”. Nunca antes havia tido essa ênfase no
yoga.
Esse texto, ele é datado mais ou menos do século 2 ao século 6 A.C, então não se sabe
muito bem a datação, mas como nesse período foi a época onde o texto aforístico estava mais
em ascensão, desconfia-se que foi por essa data que ele escreveu.
Portanto, o primeiro capítulo chama-se Samâdhi-Pâda, ou seja, a trilha ou o caminho do Sa-
madhi, da realização, do êxtase ou da êntase. Depois o caminho da Sadhana-Pâda, ou seja, o
caminho de como você vai realizar o Yoga. O terceiro caminho, o Vibhûti-Pâda, que fala sobre os
poderes adquiridos ao longo desse percurso, e por fim, quarto e último capítulo, que é o menor
deles, com apenas 34 aforismos, que é o caminho da libertação: Kaivalya-Pâda.
Eu vou começar a leitura dele aqui, na tradução feita pelo Georg Feuerstein, no livro “A tradição
do Yoga”, uma tradução do texto original. Eu vou lendo cada um dos sutras e vou comentando
a respeito desses aforismos.
No primeiro aforismo ele diz: “Agora começa a exposição do Yoga”. Esse primeiro aforis-
mo parece bastante dispensável, mas tem um dito que diz que: “Se um bom escritor colocou
uma corda no canto da sala, no livro, ele vai utilizar essa corda nem que seja para se enforcar.”,
ou seja, tudo que está contido aqui tem algum significado e a gente pode descomprimir isso,
meditar sobre isso ativamente, ruminar isso que está sendo dito, para chegar no que Patanjali
realmente quis dizer ao escrever isso, por que ele botou este sutra ali?
Então, essa idéia de que cada palavra significa realmente algo, e que algo bem escrito
são palavras carregadas de significados no mais alto grau possível, nós temos, é claro, que não
fazer “vista grossa” para esse tipo de sutra: “Agora começa a exposição do Yoga”. Então eu que-
ro meditar basicamente nesse primeiro sutra, no que é esse “agora”, ou seja, nesse momento
da sua vida, agora, uma exposição vai entrar dentro da sua consciência. Ou seja, agora começa
essa exposição. É como se eu chamasse a atenção para um discurso que começa agora, e que a
partir deste momento ele começa a se fundir com a sua atenção, começa a ser captado pela sua
consciência. E este conteúdo, essa exposição, vai servir como algo importante para modular a
sua consciência, certo? Então, agora começa a exposição do yoga. Então é um marco inaugural
na sua vida. E o que é uma exposição? A exposição, ela sempre é feita por meio da linguagem.
E é muito importante você aprender isso. O que é a linguagem? O que são as palavras? As pa-
lavras são verdadeiros intermediadores, que intermediam o que? As palavras intermediam a
minha consciência com o que Patanjali fala. E a consciência dele? Existe uma certa experiência
dentro do próprio Patanjali, e essa experiência só pode sair de dentro dele por algum símbolo.
Se ele fosse mudo saíria por símbolos, se ele falasse ia sair por som, se ele escrevesse ia sair
por desenhos, em um papel. Mas essa exposição, ela não é em si aquilo que ele está falando.
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Essa exposição, ela aponta apenas para uma experiência que em algum momento entrou na
experiência dele, na consciência dele. Patanjali praticava, Patanjali realizava o yoga, Patanjali se
isolava, ele fazia retiros, ele se dedicava à prática espiritual, e ao longo dessa vida de dedicação,
ele teve experiências. Essas experiências espirituais modularam a consciência dele. E ele se
torna algo a partir dessa vida que ele levou. Então, em um dado momento, ele decide compilar
a respeito do Yoga. Mas o que é o Yoga? O Yoga são experiências que existem dentro desse ser
humano chamado Patanjali. Ele é um ser humano que nem você. Ele teve uma vida, ele teve
experiências. E ele utiliza então a linguagem como intermediário, como meio, que se refere a
um conjunto de experiências interiores que ele teve. Qual era a grande esperança de Patanjali
ao se dedicar para escrever e resumir tudo isso? Qual é a grande esperança dele ao fazer esta
exposição? É que você encontre no seu interior as mesmas experiências que ele passou, e que
você, se não encontrar na sua memória, no seu passado essas experiências, que você busque
encontrar do que ele está falando na realidade concreta das coisas. Portanto, essa é a grande
esperança que faz com que alguém que teve uma experiência tão, tão, tão relevante que o con-
duziu a um estado tão tão tão profundo de realização, escreva algo que já dura mais de milhares
de anos. Nós estamos lendo aqui algo que foi escrito A.C, a respeito do yoga, e o tempo é aquilo
que não consegue dissolver apenas um elemento, que é a verdade! Portanto, são experiências
extremamente verdadeiras, extremamente sinceras e que nós, durante essa exposição, ele está
expondo, ele está colocando para fora, ele tá tirando de dentro e colocando para fora, ele quer
que você faça o seguinte: Que você pegue aquilo que ele tirou de dentro dele, assim como eu
estou pegando algo que eu tiro de dentro de mim agora para dar para você, e que você não
coloque isso na sua cabeça. mas que você coloque isso na sua consciência, no seu coração, e
busque na sua vida, na sua experiência pessoal, para onde essas palavras apontam. Essa ex-
posição, ela pode ser um conjunto de vibrações sonoras ou de rabiscos em um papel. Ou ela
pode ser um conjunto de placas e sinais que apontam para um determinado lugar e o seu papel
como estudante, buscador, é buscar perceber para onde que essas palavras apontam na sua
realidade, do mesmo modo que quando você fala a palavra eu, você nunca aponta, por exemplo,
pra sua cabeça. Você nunca aponta para o seu ombro. Você nunca aponta para o seu queixo
quando você fala, “ó, eu”. Quando você fala eu, você aponta para o seu peito. A palavra eu, ela
tem um direcionamento no espaço, ela aponta para algum lugar, como uma seta que indica al-
guma experiência. Eu quero que você se pergunte: Para onde essas palavras que são símbolos,
que são sinais, que te indicam, que apontam para você na direção de algum lugar, para onde
elas estão apontando? Para onde que elas fazem com que você olhe? Para onde essas palavras
direcionam a sua consciência e direcionam a sua atenção? Palavras são como sinais, e cada
vez que a gente se reúne aqui nós estamos procurando nessa realidade interior e na realidade
exterior para onde Patanjali estava apontando. Então, esse é o exercício da leitura. Não se trata
de decorar aqui quais são as cinco flutuações da mente. Não é isso! Você não tem que decorar
as coisas, você tem que buscar a raiz das coisas. Porque a raiz é a fonte, é onde ela está. Você
não é um colecionador de placas, você não é um organizador de placas, você aqui recebe sinais
para onde a sua atenção deve voltar e se orientar, para que você encontre alguma coisa, e quan-
do você encontra alguma coisa na realidade, você vai ter, assim, a realização de perceber que a
verdade em si ela transcende infinitamente qualquer palavra. Nenhuma palavra pode resumir
uma verdade, mas você pode contemplar a verdade, falar e utilizar a linguagem pra apontar pra
ela, pra que uma outra pessoa também olhe. Mas se essa pessoa ficar olhando pra palavra, ela
não vai enxergar na realidade que nem aquela citação, aquele provérbio chinês que diz: “Quan-
do aponto para a lua, o tolo olha para o dedo, o sábio olha para a lua.” A maioria das pessoas
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fica procurando sentido nas próprias palavras, ao invés de utilizar as palavras para olhar para
outra coisa. Por mais que seja um mistério. Portanto, é muito, muito importante que isso esteja
bem claro. Esta exposição é apenas um conjunto de vibrações, um conjunto de desenhos em
um papel que formam essas palavras, e essas palavras, elas indicam algum outro lugar. E esse
algum outro lugar, é o lugar onde o conhecimento está. Eu quero que vocês gravem bem isso na
mente. E comecem a perceber como esse mundo é estruturado dessa forma. A linguagem é o
meio pelo qual você conhece aquilo que existe dentro das outras pessoas. Você não pode adi-
vinhar o que se passa na cabeça de alguém, você não pode adivinhar a experiência de vida que
alguém teve. Mas a linguagem é este meio pelo qual você pode penetrar na experiência pessoal
de uma pessoa. E essa experiência, ela está dentro dela, encerrada. Para que você compreenda
a experiência pessoal que essa pessoa vive, você deve buscar experiências semelhantes dentro
do seu interior.
Então quando, por exemplo, a gente lê aqui a primeira frase, qual deve ser o seu com-
portamento para que você entenda? “O Yoga é a contenção/ o silenciamento das flutuações
da mente”. Você deve pensar assim: O yoga é este momento na vida em que os pensamentos,
as preocupações, as emoções, os desejos, a repulsa, a vontade, as tensões, elas param. Elas
momentaneamente deixam de existir. Elas se extinguem. Na sua experiência de vida, quando
você era pequeno, adolescente, enfim, em algum momento da sua vida, você teve essa experi-
ência do silenciamento do falatório interno? Busque na sua memória. “Carlo, eu não sei como
é a contenção das instabilidades da mente, eu nunca passei por essa experiência.” A prática do
yoga vai te levar até lá. E agora, que você sabe o que é, oh: o yoga é o silenciamento das insta-
bilidades da mente. Agora que você sabe o que é o silêncio. O silêncio é a ausência de barulho.
O que é a mente? A mente é esse lugar onde os pensamentos acontecem, onde o falatório
interior acontece, onde a imaginação acontece. Então, a boa nova é que se o yoga é o silencia-
mento dessas flutuações da mente, existe a possibilidade de você, voluntariamente, alcançar
um estado, onde a sua própria mente pára. Ela silencia o falatório. Nesse aspecto de atividade,
as flutuações param. E agora você deve se perguntar: “Como é que é essa experiência? Como é
a experiência de eu estar presente nessa realidade sem esse movimento automático instintivo
e muitas vezes irrefreável que é o meu pensamento? Como será que é isso? O que é ter essa
experiência? O que é poder conter o falatório mental? Que se você observar o dia a dia, ele é
constante e não para. O que é isso? Você percebe que a atividade que a gente está fazendo, ela
é uma atividade de ler o texto. E a partir da leitura do texto, perceber onde, na vida de Patanjali,
na experiência dele, essas palavras surgiram. Quais são as experiências que ele teve para que
essas palavras fossem escritas? Nunca antes na história, Yoga tinha sido definido como esse si-
lenciamento da mente. Portanto, houve uma experiência. O que é ter essa experiência? E agora
você chega em um lugar com a sua consciência em que você evoca a sua vontade, você inspira
a sua vontade para perceber de modo concreto essas palavras abstratas. Yoga é a ausência, o
silenciamento da atividade mental. Então existe essa diminuição da atividade psicomental. O
que é a atividade psicomental? Imaginação, o pensamento, a emoção, um sonho, tudo isso que
se movimenta de modo sutil dentro do nosso interior cessa. E aqui, nesse próximo momento,
vem algo muito, muito definitivo nos próximos dois sutras.
Primeiro ele diz assim, ó. Então, aquele que vê, que é o Dráshtu hu, subsiste, ou seja,
permanece em sua forma essencial. Agora eu vou explicar uma coisa que é vital para que você
entenda a filosofia do Yoga.
Existe alguma coisa em você que vê que não são os olhos. Existe alguma coisa em você
que nota a existência da sua mão. Que nota a existência de um sinal na sua mão. Que nota a
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pressão do seu quadril no solo. Ou na cadeira. Que nota os sons que chegam até os ouvidos,
que nota os sonhos que acontecem dentro da sua mente quando você está dormindo. Existe
alguma coisa em você que nota a existência das memórias que fluem do passado e aparecem
na sua mente por algum instante e depois deixa de existir. Existe em você algo que nota, algo
que percebe que alguma coisa existe. Existe essa faculdade dentro de você. E sem isto, você
não seria nada. Imagina se você não percebesse nada. Portanto, você não percebe o corpo, você
não percebe o que o corpo percebe, você não percebe o que o seu olho vê, você não percebe o
que a sua mão sente, você não percebe o que se passa dentro da sua cabeça. Você não percebe
os batimentos do seu coração. Bem me parece que se você não percebe mais nada, você não
existe. Aquele que vê a si mesmo, ele tem a primeira característica que é consciência. A primeira
característica do si mesmo é a consciência. O que é tomar consciência de alguma coisa? É notar
que algo existe. Desde um sonho, de uma experiência onírica, até o pôr do sol ou um beliscão,
você precisa notar que as coisas existem. E quando a gente fala... “O fulano está cego”. Ele não
está vendo com a pessoa ruim que ele está se metendo. O que isso quer dizer? Ele não tomou
consciência de uma parte daquele ser humano que eu tomei consciência. Quando eu sei que o
fulaninho está se envolvendo com uma pessoa má, ele não viu ainda que aquela pessoa é má.
Ele não viu ainda isto. Mas ele viu outras coisas. Então ele tem uma consciência, ele percebeu
também. Portanto, note que ao olhar para uma coisa, eu tomo consciência, geralmente, parcial
daquela coisa. 99 % dos casos, parcial. A não ser que eu tenha uma experiência transcendente,
mística. Porque é da propriedade, da própria matéria, da própria coisa em si. se mostrar para
mim apenas de um dos lados, certo? Portanto, o ser humano tem uma consciência. Essa cons-
ciência significa, literalmente, notar a existência de algo. Quando uma pessoa fala o seguinte:
“Estou passando por um processo de expansão da consciência”. O que é isso? Olha, eu estou
passando por um processo onde eu estou notando muita coisa a respeito da vida, a respeito
de mim, que antes eu não via. As coisas não existiam? Não, não é que a coisa não existia. É que
eu não tinha tomado consciência ainda. A luz da minha consciência não tinha chegado nessa
parte da vida, ou nessa dimensão da coisa. Portanto, dentro do ser humano existe aquele que
vê, existe uma consciência, e esta consciência, ela sempre percebe, nota alguma outra coisa.
Essa consciência ela sempre nota alguma outra coisa. Se eu olho este copo assim, eu não estou
olhando ele assim, e é impossível, o observador, você tomar consciência simultaneamente do
copo assim e assim, e veja, isto não é uma limitação da sua consciência, isto é uma limitação
do próprio copo. Ele não consegue se revelar para você neste ângulo e neste ângulo ao mes-
mo tempo. Portanto, eu quero que você entenda que a realidade, ela pode ser vista em muitas
dimensões e muitas perspectivas. Ou seja, se eu olho assim é uma coisa, se eu olho assim é
a mesma coisa, porém de outro ângulo se eu olho assim é outra coisa de outro ângulo. Se eu
olho bem de pertinho ou bem de longe, a coisa continua a mesma, mas a minha consciência a
respeito da coisa vai se transformando. Portanto, tudo isso é a consciência, aquilo que em você
nota a existência de algo, de um pensamento, de uma emoção, de um desejo, de uma vontade,
mas ela sempre nota de modo parcial. Quando eu olho para um corpo de um ser humano, eu
não consigo ver esse corpo de frente e de costas ao mesmo tempo. Eu não consigo ver o corpo
por dentro, os órgãos, e por fora ao mesmo tempo. Eu só consigo ver esse corpo ou nu ou ves-
tido. Portanto, a realidade, ela tem muitas e muitas formas de se apresentar para nós. E a gente
só vai tomar consciência de uma forma de cada vez e não de todas ao mesmo tempo. Com o
pensamento é a mesma coisa. Quantas vezes você na sua vida não pensou em alguma coisa
para fazer tal coisa? E no dia seguinte, se você é vata principalmente, no dia seguinte você vê
“que ideia ruim que eu tive”. No momento pareceu boa, mas hoje já parece ruim. Porque a mes-
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ma ideia foi vista de diferentes perspectivas e ela foi maturando ao longo do tempo. E você foi
vendo outras dimensões, consequências e esforços que você deveria fazer para que ela se con-
cretizasse, e ela, em um momento, parou de valer a pena dentro da sua percepção de valor. Mas
o que é isso? É a sua consciência vendo, observando uma ideia, um pensamento. É a sua cons-
ciência vendo e observando um objeto. A sua consciência é aquela que vê. E quando aquilo que
ela vê, internamente, na sua mente, porque você entende que a mente narrativa sempre narra,
sempre julga, então você olha pra janela e pensa: janela, olha para o teto: Teto, Para parede:
Parede, você olha para aula: Aula. É muito raro que existam momentos onde esse julgamento
automático, essa narração espontânea da mente, cesse. E quando essa narração cessa, a minha
consciência subsiste na sua forma essencial. Antes disso, ela está sempre como um espelho
refletindo o que existe no meu pensamento que, por sua vez, é sempre um símbolo a respeito
daquilo que eu vejo na realidade. Portanto, a minha consciência, a sua consciência, aquilo que
vê, aquilo que existe dentro de você, você pode entender como um espelho que é preenchido,
que reflete a forma do pensamento. E quando essa mente silencia, esse reflexo das emoções,
dos pensamentos, da imaginação, eles se dissolvem. E esse espelho que é a sua consciência,
subsiste em forma essencial. Você começa a notar a presença da própria consciência, daquilo
que percebe, daquilo que conhece.
Quando você pensa, (próximo Sutra), em outros momentos o si mesmo conforma-se às
flutuações, ou seja, no momento onde existe pensamento, onde existe emoção, onde existe
desejo, onde existe tensão no meu mundo interior, esse espelho, que é o si mesmo, que é a
consciência, ele reflete, ele toma forma desses pensamentos, dessas emoções. E aí eu acho que
eu sou as emoções, eu acho que eu sou os pensamentos, eu acho que eu sou essas flutuações.
No momento em que o Nirodha, o silenciamento, a contenção das flutuações se dissolve, esse
si mesmo ele nota a sua própria presença, naquilo que eu gosto de chamar de “ensimesmamen-
to”. Agora, ele não reflete mais nada, ele não assume a forma de nada, mas sim repousa em si
mesmo e nota a sua existência, na ausência das volições mentais e psicológicas. Por isso que o
nirodha, o silenciamento da mente, resultará na subsistência da forma essencial dos si mesmo,
que é a primeira qualidade, a primeira manifestação é consciência. Você portanto vai conhecer
aquilo que conhece. Você entende que a sua consciência não é alguma coisa em si, mas ela é a
possibilidade de todas as coisas? Ela assume a forma de todas as coisas? Ela reflete todas as
coisas, e muitas vezes esta consciência que constitui a essência do seu ser nunca foi percebida,
nunca foi conhecida. Então, uma ilusão se estabelece naturalmente. Eu acho que eu sou o meu
pensamento. Eu acho que eu sou os meus desejos, eu acho que eu sou as minhas repulsas.
Portanto, cada vez que eu não conseguir cumprir um desejo, cada vez que eu não conseguir
fugir de algo que me incomoda, cada vez que alguém discordar de mim, do que eu penso, vai ser
algo muito dolorido. Por quê? Porque trata-se de mim. Trata-se da minha essência, do meu eu.
E aqui a ilusão se estabelece. Aqui são as raízes da ilusão. Se você nunca silenciou completa-
mente a sua mente e percebeu que ali restou alguma coisa, justamente aquilo que toma todas
as formas, justamente aquilo que precisa existir para que o resto das coisas existam. É como o
espaço. O espaço precisa existir para que as outras coisas possam existir dentro dele. A consci-
ência precisa existir para que aquilo que acontece no seu interior exista dentro dela. A gente vai
ver mais ao longo das aulas de Filosofia como é claro que essa consciência não se limita à sim-
ples notar uma coisa, outra coisa. Claro que eu já estou falando, já estou narrando, mas é a ma-
neira que eu tenho de me comunicar. Mas é claro que vai além da simples tomada de consciên-
cia. É a partir dali que nasce uma noção autêntica de Eu. É a partir dali que existe um mistério.
É a partir dali que surge a minha energia, é a partir dali que surge a minha inteligência e isto que
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é a fonte de toda a minha existência, eu não consigo olhar para isso, eu posso perceber e criar
intimidade com esta presença da consciência. Mas eu não consigo enxergar, olhar diretamente
pra ela, porque ela não é alguma coisa que existe como um pensamento. E aqui fixa-se mais
uma premissa. Entre o mundo divino, transcendente do qual nós fazemos parte. Por quê? Por-
que você não consegue ver isso, você não consegue enxergar isso, você não consegue metrifi-
car, você nunca vai conseguir aferir, a ciência nunca vai conseguir provar isso, porque não é
medível, entendeu? Não é, você não consegue mensurar. E o mundo observado, da matéria, da
substância. Você nunca vai encontrar em você a consciência. Existem discussões hoje em dia,
mas já se desistiu disso, basicamente. A consciência não está dentro do corpo. E a maior prova
disso são eventos clássicos. Ex: O filho sai de carro pra balada, adolescente, e a mãe fala, te cui-
da porque eu tive uma sensação ruim, ele vai lá e bate o carro. Existe alguma coisa que tomou
consciência, a consciência tomou consciência de algo atemporal, alguma coisa está para acon-
tecer. E essa consciência recebeu essa informação. Então aqui nós temos mais um dado para
que a gente comece a meditar a respeito disso. Quando eu falo neste si mesmo, quando eu falo
nessa consciência, nós estamos falando de uma dimensão da realidade imaterial, mas da qual
toda a existência material depende. Porque sem a minha consciência não posso perceber a
existência material. Não posso sequer existir sem a minha consciência. Não é verdade? Não
posso sequer existir. Portanto, existe essa dualidade entre o mundo divino, transcendente, ima-
terial, que, na linguagem simbólica, é o céu. E existe o mundo material, onde as coisas são con-
cretas e que na linguagem simbólica é a terra... Carlo, não entendi. Tem diferença da noite para
o dia? Muita, né? O mundo vive nessa função, da noite para o dia. Pois é, o céu que determina
o que acontece na Terra. Do mesmo modo que no mundo imaterial e espiritual, este mundo
imaterial e espiritual que determina o que acontece na Terra, no seu corpo, na sua mente, esta
é a ordem. Existe um mundo imaterial, existe um mundo espiritual e imanifesto concretamente
que é a base, a sustentação de todo o mundo material. É daqui que tudo sai, daqui que tudo flui.
Se não houver esse mundo espiritual, se não houver consciência não há o mundo material. Esta
dualidade tem que ficar bem clara em você. Autoconhecimento não significa conhecer as coisas
visíveis, passageiras e transitórias, mas significa criar intimidade com o que em você é. A cons-
ciência é a única coisa que em você é. Você já teve várias ideias durante a sua vida, você já teve
vários valores durante a sua vida, você já teve várias emoções, várias fases, vários gostos, várias
vontades, vários desejos. Você já pode ter se confundido ao longo da vida um tanto de vezes a
respeito dessas questões. Mas a sensação de que você é você para você mesmo você nunca
perdeu. Você se lembra de você com 5 anos de idade. Você fez um negócio lá com 5 anos de
idade. Você sabe que foi você que fez. Esse princípio de autoria, eu sou eu, tudo que acontece
em mim, acontece em mim, mas eu sou eu. Eu tenho uma unidade, eu tenho algo que perma-
nece em mim. E esse algo que permanece em mim é a fonte da consciência de tudo aquilo que
passou por mim ao longo do tempo. Portanto, em mim existe algo permanente e em mim exis-
te algo transitório. Existem essas duas dimensões no ser humano. Existe algo permanente, exis-
te algo transitório. Existe algo que eu posso perceber e ver e notar a existência. Existe outra
coisa que é um mistério, que eu posso ensimesmar. Que eu posso me dobrar sobre mim mes-
mo, mas eu não posso ver isto. Eu não posso tocar nisso, eu não posso cheirar isto, mas eu
posso criar intimidade com a minha própria consciência e tomar consciência de mim mesmo,
tomar consciência da minha consciência, percebendo que no momento do Nirodha, no mo-
mento que eu silêncio, essa consciência permanente, de caráter transcendente espiritual, pro-
fundo, subsiste em sua forma essencial. Então, essa consciência, ela é alguma coisa e ela em si
não muda, como o espelho, ele só reflete o resto, mas ele em si não muda, ele é imutável. Se
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tudo em você mudasse, você não saberia que o EU de um ano atrás é o mesmo EU de agora.
Nota isso? Eu sei que eu sou o Carlo, dormi, tudo em mim mudou. Como é que eu vou saber que
eu sou eu mesmo amanhã? Alguma coisa dentro de mim, que não está em nenhuma das mi-
nhas células, não está em nenhum dos meus pensamentos, incrivelmente sabe dentro desse
mundo onde tudo se transforma, que eu sou eu para mim mesmo. Eu nunca me confundi com
outra pessoa. Eu nunca confundi outra pessoa com outra pessoa. A gente confunde por causa
de aparência, não faz essa troca, ou seja, existe no ser humano.. (Eu quero que você saia dessa
primeira aula com isso muito claro dentro de você, e pergunte-se a si mesmo: Fazendo uma li-
nha de tempo da sua vida, quando aconteceu aquele fato lá na minha infância, fui eu, é, eu tinha
5 anos mas era eu ainda. Este eu ainda está em mim. Este eu continua. Por mais que eu, com
cinco anos de idade, seja bem mais parecido do que outra criança com cinco anos de idade, eu
sei que sou eu. Quem que sabe que sou eu? Essa permanência, essa coisa imutável que existe
dentro do ser humano não existe em lugar nenhum da natureza. Isto é uma regra metafísica.
Isso está além da física.
Repassando esses quatro sutras que a gente falou hoje: A exposição, o ensinamento,
como ele deve ser interpretado. Vá na experiência. Busque a experiência dentro do seu interior.
Busque a experiência a qual o texto se refere na realidade, no exterior. Não fique tentando de-
corar texto, isso não serve para nada. Quando as flutuações da mente diminuem, quando elas
silenciam, a sua consciência para de refletir. Isso que acontece na sua mente. Antes deste si-
lenciamento acontecer a sua consciência está refletindo e você está se confundindo com essas
volições. Você está se confundindo com a história que você conta para você mesmo. Portanto,
ao silenciar esse pensamento, essa consciência perdura. E essa consciência está em você desde
o primeiro dia da sua vida e vai acabar a vida com você e vai para a próxima vida com você, ou
vai para o céu e para o inferno com você. Se você quer saber o que em você é eu, está no centro
isso, todas as coisas que estão no centro, elas são imóveis. Todas as coisas estão no centro são
imóveis. Você pega a roda de um carro, o centro dela é imóvel. A lógica astronômica, o centro
é imóvel, a roda da vida gira ao redor de uma coisa. E o primeiro objetivo do Yoga é simples as-
sim, silencie o pensamento para encontrar o que em você sempre esteve aí. Que é um grande
mistério. E ali é a fonte de todas as respostas. Todas as respostas que a gente vive procurando
fora é ali que está, a inteligência, é ali que está. A realização dessa frase que existe em todos e
todas as abordagens filosóficas “Conheça a ti mesmo”, ela, nas primeiras quatro frases do Yoga
Sutra, Patanjali já mostra o caminho inicial, observa os teus pensamentos, procure silenciar
os teus pensamentos. E quando isso acontecer, aquilo que é permanecerá lá, ao contrário dos
pensamentos, que fazem parte do mundo transitório.
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