junori36,+REV 4.+As+cartas+no+Anatômico+jocoso+ (1755) Pdfa
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RESUMO: O presente artigo tem como objetivo apresentar uma análise das
missivas contidas no tomo II do periódico português Anatômico jocoso (1755),
atribuído a Frei Lucas de Santa Catarina. Este trabalho também busca lançar luz
sobre os modos de composição epistolar nos periódicos jocosos portugueses, em
seu diálogo com a correspondência jornalística e periódica e com a prática cotidiana
de urbanidade dos escritores de cartas (MIRANDA; LISBOA, 2011). Para tal, foi feito
um levantamento dos principais temas contidos nas cartas, além da presença de
composições em verso, revelando aspectos interessantes sobre algumas práticas de
leitura e de escrita no século XVIII português. Ademais, considerando o que afirma
D. F. Mckenzie (2004) sobre o fato de novos suportes criarem novos gêneros, este
artigo também visa contribuir com os estudos da história da literatura e dos gêneros
literários, particularmente no que tange à sua origem, à sua fusão ou ao seu
desaparecimento, quando de sua publicação em suportes diversos. Como resultado,
percebemos que o nosso corpus demonstra o papel da epístola como gênero
literário e retórico proeminente, apresentando expressiva crítica a comportamentos
sociais, além de trazer a própria sátira à retórica e à poética por meio do tratamento
jocoso oferecido aos vários modelos de carta presentes nos manuais e secretários,
revelando artimanhas de composição e adaptação ao suporte folheto.
PALAVRAS-CHAVE: Anatômico jocoso. Cartas. Século XVIII. Frei Lucas de Santa
Catarina.
*
Mestre em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e aluno de Doutorado no Programa
de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da mesma instituição, vinculado à área de Literatura, Teoria e
Crítica.
**
Doutora em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP). Professora titular da
Universidade Federal da Paraíba (UFPB), vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Letras
(PPGL) da mesma instituição. Bolsista de produtividade e pesquisa do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
1
Segundo Rodrigues (1983), Frei Lucas de Santa Catarina nasceu em Lisboa, em 1660, filho de
Pascoa de Mesa e de Manoel de Andrade Barreto, cantor da Capela Real. Professou a Ordem dos
Pregadores, no Real Convento de Benfica, em 20 de abril de 1680. Há dúvidas se teria efetuado os
seus estudos no Convento de Benfica, onde teria se dedicado ao estudo da História Eclesiástica e
Secular. Da vasta bibliografia elencada por Inocêncio Francisco da Silva (1858), no Dicionário
Bibliográfico Português, interessa as obras que podem ser catalogadas como não oficiais (Academia
Real de História, da qual fazia parte) ou religiosas (o frei era dominicano). Nesse rol, além de
Anatômico jocoso, tem-se o Parnaso jocoseiro, com 592 páginas não numeradas, que consta de
farsas, loas, entremeses etc., sendo as principais: “Das regateiras e malsins”, “Do exame das
danças”, “Dos bichos”, “Dos Ofícios”, “Jardim de Apolo”, “O carro de Faetonte” e “O Polifemo”.
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Para esse artigo 2, foi considerado tão somente o segundo tomo, constituído
por oitenta e três cartas 3.
2
O presente estudo originou-se do Projeto de Iniciação Científica - PIBIC Ler e escrever nos folhetos
periódicos lusos dos séculos XVIII e XIX, com plano de trabalho centrado na análise das cartas do
periódico português Anatômico jocoso. A pesquisa foi premiada no XX Encontro Nacional de Iniciação
Científica - ENIC, realizado em novembro de 2014, na Universidade Federal da Paraíba - UFPB,
tendo o seu relatório final incluído em edição especial da série Iniciados, publicação em e-book da
referida instituição com foco em trabalhos de destaque acadêmico.
3
No decorrer da pesquisa, identificamos a presença de duas missivas além das oitenta e uma
indicadas no INDEX da coleção. Uma é referenciada como anexo e a outra é simplesmente suprimida
do guia apontado no início do tomo. Foi a partir disso que observamos uma possível relação
distribucional entre as cartas relacionadas a elementos da estrutura dos textos e a sua temática, o
que pode ter motivado tal situação. A Carta XXI De piques, com rebuço de pêsames, por certa
mudança, com resposta a ela (MATA ZEFERINO, 1755, p. 203-211) une duas missivas em seu
interior. A carta Resposta (MATA ZEFERINO, 1755, p. 206-211) aparece anexada à carta que
reponta, sendo assim indicada no INDEX. Contudo, notamos que a missiva que antecede este caso,
a Carta XX Em que o Autor se desculpa com certas Religiosas de ter faltado, e acusa o que terão
dele dito (MATA ZEFERINO, 1755, p. 194-202), também apresenta esta estrutura que compreende
uma resposta ao texto primário. A carta traz, inicialmente, diversos comentários possivelmente
proferidos por algumas freiras (referenciadas como flores), reclamando da ausência do autor da
primeira carta, sendo respondidas logo depois com a justificação da falta. Com a leitura do texto,
percebemos que estas falas foram na verdade possivelmente idealizadas pelo próprio autor desta,
não constituindo realmente duas missivas, mas uma só dividida em duas partes: as possíveis reações
das freiras em relação ao desaparecimento do autor e a resposta/justificativa deste a tais reações. Já
a carta Ao mesmo Senhor Enviado (MATA ZEFERINO, 1755, p. 359-362) pode ter sido confundida
com as duas outras que a antecedem, a Carta XXXXVII e a Carta XXXXVIII, já que as três
apresentam o mesmo título. O organizador acabou por indicar no índice apenas duas dessas cartas
homônimas.
4
Essa opinião é parcialmente desconstruída na nota de rodapé nº 9, do capítulo II, na qual o autor
afirma: “Com base na teoria que defendemos no Capítulo I deste trabalho (Cf. p. 37), julgamos poder
atribuir a Frei Lucas grande parte das cartas que têm por tema a comida. No entanto, algumas das
cartas freiráticas/antifreiráticas devem também ser do dominicano” (ALFARO, 1994, p. 153).
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sentido, também vale salientar que a epístola não deve ser confundida com uma
carta comum:
[...] pois não se destina à simples comunicação de factos de natureza
pessoal ou familiar, aproximando-se mais da crónica histórica que
procura relatar acontecimentos do passado. A utilização do termo
alarga-se, depois, a todo o tipo de correspondência privada ou oficial,
literária ou filosófica, religiosa ou política [...] (CEIA, 2014, s/p.).
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Lisboa e Miranda (2011, p. 373) listam alguns desses manuais: Perfeito pedagogo ou arte de educar
a mocidade, em que se dão as regras da polícia e urbanidade cristã, conforme os costumes de
Portugal (1782), de João Rosado de Vila Lobos; Escola política do tratado prático da civilidade
portuguesa (1786), de D. João de Nossa S. da Porta Siqueira; Elementos da civilidade e da decência,
para instrução da mocidade de ambos os sexos (1777), sem alusão a autor.
373) e, por isso, nas cartas jocosas de o Anatômico, o “alvo principal da sua
vituperação são ações que, por ameaçar e destruir a coesão pressuposta no
conceito de “bem comum”, são constituídas como abusos contra naturam, vício
moral, erro político, heresia religiosa, que corrompem os bons usos estabelecidos”
(HANSEN, 2003, p. 71).
Não é à toa que, entre as oito dezenas de cartas, encontram-se quase todos
os tipos de cartas e de sujeitos representados nos modelos dos secretários, em sua
forma jocosa, já identificada nos títulos. Assim, temos a Carta V Que um amigo
escreveu a outro dando-lhe conta das maravilhosas causas, e razões
extraordinárias, que precederam para chegar a seu poder a mais alta, e mui
endeusada Genealogia da Senhora Maria da Gloria (MATA ZEFERINO, 1755, p. 66-
88), a Carta VII Do Autor dando desenganos a um freirático, e explicando que cousa
é o amor (MATA ZEFERINO, 1755, p. 101-105), a Carta XII Em resposta de outra
vinda do Brasil a esta Corte (MATA ZEFERINO, 1755, p. 150-158), Carta XXI De
piques, com rebuço de pêsames, por certas mudanças, com resposta a ela (MATA
ZEFERINO, 1755, p. 203-210), Carta LXXVIII Ou discurso do autor sobre as
impaciências de Cloris em as fortunas de Nize (MATA ZEFERINO, 1755, p. 460-
468), entre outras.
Sem ser necessária a leitura das cartas em si, observa-se que, desde o
índice, o Anatômico jocoso trata de forma jocosa os vários modelos de cartas,
presentes nos manuais e secretários, resumindo-os a três tipos: metafóricas, joco-
sérias e gazetárias. É dessa forma que o segundo tomo de Anatômico jocoso
apresenta algumas cartas que são traduções livres de obras consagradas. Por
exemplo, a “Novela disparatória do gigante sonhado: obra joco-séria para
divertimento de curiosos”, de autoria de Antônio Serrão de Castro, publicada em
1745, pela oficina de Pedro Ferreira 6 , é apropriada e apresentada em forma de
relato, na Carta IX Em que o Autor dá noticia a um amigo da Novela disparatória por
ele composta a rogo de um Cavalheiro, que pediu-lhe a compusesse (MATA
ZEFERINO, 1755, p. 113-133), demonstrando as artimanhas de composição no
suporte folheto, ao mesmo tempo em que apresenta a ampla capacidade de
adaptação e transformação do gênero epistolar e a sua representação social. Dessa
6
Segundo Gomes (1981), a “Novela disparatória do gigante sonhado” circulou em Lisboa no século
XVII, em forma manuscrita, e no século XVIII, em forma impressa, mas sem identificação do autor,
fato ocorrido também com sua produção poética.
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O presente abreviado
Vai, sem que se lhe dê disso,
Sem doces em papeliço,
Sem momos empapelado.
FRANGAS.
COELHOS.
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Frase breve de carácter aforístico, geralmente de alcance universal. O apotegma aparece quase
sempre com linguagem figurativa e na forma de uma máxima ou sentença. Distingue-se do aforismo
e do provérbio por ser mais prático e focalizado; a autoria do apotegma é também, regra geral,
reservada a figuras notáveis da cultura, ao passo que o aforismo e o provérbio podem ter origem
popular. [...] O Padre Manuel Bernardes deixou na sua A Nova Floresta ou Silva de Vários
Apotegmas, e Ditos Sentenciosos Espirituais, e Morais, com Reflexões em que o Útil da Doutrina se
Acompanha com o Vário da Erudição Assim Divina, Como Humana (5 vols., 1706-1728) uma
importante colecção de apotegmas. O Marquês de Maricá ficou célebre pelas suas Máximas,
Pensamentos e Reflexões (1837-43), de onde se regista este apotegma: “A vaidade de muita ciência
é prova de pouco saber.” (CEIA, 2018).
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Conclusão
REFERÊNCIAS
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ALFARO, J. O jogo das cartas. O lúdico numa antologia epistolar barroca. Lisboa:
Quimera, 1994.
Recebido em 12/07/2019
Aceito em 20/08/2019
Publicado em 09/09/2019
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