Casa D Bonecas
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enrik Ibsen (1828-1906) descrito por Otto Maria Carpeaux1 como o maior dramaturgo do sculo XIX. Malcolm Bradbury, por seu turno, afirma que Ibsen o dramaturgo que, mais do que qualquer outro escritor, dominou o incio do movimento modernista2. Iniciando sua produo com peas calcadas no Romantismo a primeira foi Catilina, publicada em 1850 Ibsen enveredou pelo Realismo e chegou mesmo a tornar-se verdadeiro catalisador do Naturalismo (podese dizer que Ibsen significou para o teatro o que Zola significou para o romance naturalista). Ibsen acolheu em seus dramas os conflitos da sociedade e do indivduo, retratando com acurcia os problemas que percebia
CARPEAUX, Otto Maria. Ensaio sobre Henrik Ibsen. In: IBSEN, Henrik. Seis dramas. Peas traduzidas por Vidal de Oliveira. Rio de Janeiro: Ed. Globo, 1960. p. 31. BRADBURY, Malcolm. Henrik Ibsen. In:_____. O mundo moderno. Dez grandes escritores. Traduo de Paulo Henriques Britto. So Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 61.
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sua volta. Mais do que isso, abraou as concepes mais inovadoras de sua poca, explorando as noes de hereditariedade e supremacia do ambiente sobre o indivduo. Mas Ibsen no parou a: imbuiu-se das tendncias simbolistas e impressionistas, embrenhando-se pelos meandros de uma arte mais sutil e menos enraizada no contexto imediato. Por fim, ao longo de suas 25 peas (das quais a ltima Quando ns os mortos despertamos, de 1899), alcanou uma riqueza esttica que no se deixa limitar por qualquer movimento estanque. Ibsen desenvolveu uma arte que conjuga variados perfis estticos, visto que foi essencialmente inovadora e questionadora. Segundo Bradbury, Ibsen comeou a escrever
numa poca em que no havia uma dramaturgia nacional na Noruega e a tradio teatral europia estava agonizante; em que as nicas peas importantes eram dramas romnticos feitos para serem lidos e no montados. [...] Ibsen dominou e transformou toda a concepo de teatro moderno, alm de liderar uma revolta de idias modernas. Quando morreu, o teatro era uma arte importante, altura da poesia e do romance. Nenhuma outra figura do movimento moderno modificara no apenas o esprito das artes mas todo um gnero artstico. 3
Para chegar a esse ponto, Ibsen enfrentou uma oposio ferrenha. A encenao de suas peas foi acompanhada de protestos horrorizados que as taxaram de indecentes e depravadas. E quando os crticos no seguiam por esse caminho, censuravam seu descumprimento das convenes teatrais. Tanto uma linha como a outra fez-se ouvir inclusive na recepo de Ibsen no Brasil. Conforme nos relata Joo Roberto Faria4, uma crtica publicada no Jornal do Brasil, em 1895, acusou Ibsen de defender o amor livre em Os espectros apenas porque uma personagem (sra. Alving) hesita em contar ao filho (Osvaldo) que ele tem uma meia-irm (Regina). Por outro lado, a encenao de Casa de bonecas, em 1899, levou Artur Azevedo a expressar sua insatisfao no jornal A notcia, apontando para vrios aspectos que toma por defeitos da pea: considerou excntrica a cena (Segundo Ato) em que o Dr. Rank revela a Nora a gravidade de sua doena e
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Ibidem, p. 62. FARIA, Joo Roberto. Idias teatrais. O sculo XIX no Brasil. So Paulo: Perspectiva, 2001. (Coleo Textos, 15). p. 237.
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que lhe falta pouco de vida; avaliou como recurso dramtico ultrapassado a cena em que Nora dana a tarantela para adiar o momento de revelao da verdade; censurou o desfecho inesperado, pois ele no teria sido devidamente preparado pelos atos anteriores; e acusou a pea de no ser compreensvel para o pblico comum5. Tambm crticos brasileiros favorveis a Ibsen lamentaram que suas peas no seguiam o padro usual, conforme se v nas palavras de Joo do Rio:
As suas peas no constituem verdadeiras composies teatrais. H em todas elas uma verdadeira despreocupao das qualidades de autor dramtico, do escritor que tem de ser apreciado e discutido num meio convencional como o teatro.6
Em relao a essas crticas, vale a pena dizer que no apenas o Dr. Rank de Casa de bonecas (1879), mas diversos outros personagens de Ibsen, como Osvaldo de Os espectros (1881) e Hedvig de O pato selvagem (1884) so vtimas da sfilis, doena que teriam herdado de seus pais, culpados por levarem vidas dissolutas, entregando-se ao abuso do lcool e vida sexual desregrada. Conforme j enfatizou Anatol Rosenfeld7, embora Ibsen tenha sido taxado de imoral e at pornogrfico, suas peas tm na verdade um carter moralizante. De um lado, esse trao de Ibsen enfraquecido pelo seu vis positivista e cientificista usual na poca, e hoje ultrapassado. De outro, porm, mantm sua fora na medida em que est integrado impiedosa luta de Ibsen contra as hipocrisias sociais: as falhas, injustias e incoerncias da sociedade encontram-se assentadas sobre as fraquezas e insuficincias dos indivduos. Ibsen no poupou nada nem ningum. Quanto dana da tarantela por Nora, Joo do Rio equivocadamente serviu-se dela para ver na personagem de Ibsen um tipo complexo de histrica com o desequilbrio nervoso da mulher do norte, chicote5 6 7
Ibidem, p. 242-243. Ibidem, p. 236. ROSENFELD, Anatol. Navalha na nossa carne. In: ______. Prismas do teatro. So Paulo: Perspectiva, So Paulo: EDUSP, Campinas: EDUNICAMP: 1993. (Debates, 256). p. 143144.
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ada pelo vento glacial8 Tal interpretao de Nora j rejeitada por Joo Roberto Faria, para quem Joo do Rio aplicou indevidamente um esteretipo corrente na literatura naturalista, mas que no adequado personagem, pois seu nervosismo causado por um perigo concreto e iminente. Mas Wolfdietrich Rasch9, em seu ensaio A dana como smbolo de vida no drama por volta de 1900, vai ainda mais longe: para ele, Nora dana desesperadamente no apenas por que sua felicidade conjugal est por um triz e ela quer manter o marido longe da caixa postal (onde se encontra a carta reveladora), mas tambm por que seus movimentos frenticos indicam um impulso de libertao interna. Segundo a anlise de Rasch, o empenho do marido, Helmer, em conter a dana e torn-la mais lenta e controlada d continuidade ao processo de infantilizao e subjugao a que Nora esteve submetida durante toda a sua vida. Dessa vez, porm, ao invs de aceitar as diretrizes de Helmer (que se afasta do trabalho e se dedica a ensaiar sua esposa), Nora afirma que no consegue danar de outro jeito. Agitando-se cada vez mais rpido at ficar sem flego e com o penteado desfeito ela d a impresso de danar como se sua vida dependesse disso10. Sua dana, mais do que meramente postergar a leitura de uma carta pelo marido, torna-se assim um gesto libertador, que desprende, ainda em um nvel no verbal, as amarras que sempre a mantiveram presa e a boneca ou marionete passa a mexer-se conforme seus prprios impulsos, no se limitando a repetir os passos que seu adestrador quer lhe impor. Dessa forma, a tarantela serviria tambm de preparo para o desfecho, no qual a ex-marionete abandona definitivamente a casa de bonecas e vai viver sua prpria individualidade. Para Rasch11, Nora em 1879 foi a primeira danarina de uma fileira de vrias outras que logo a seguiram, como a Salom (da pea homnima, que, alis, Richard Strauss musicou em 1894) de Oscar Wilde; a Lulu (de O esprito da terra, 1895) de Frank Wedekind (musicada por Alban Berg); a
FARIA, op. cit, p. 238. RASCH, Wolfdietrich. Tanz als Lebenssymbol im Drama um 1900. In: ______. Zur deutschen Literatur seit der Jahrhundertwende. Gesammelte Aufstze. Stuttgart: J. B. Metzlersche Verlagsbuchhandlung, 1967. p. 62-63. 10 IBSEN, Henrik. Casa de bonecas. Drama em trs atos. Traduo de Cecil Thir. So Paulo: Abril Cultural, 1976. (Teatro Vivo). p. 119. 11 RASCH, op. cit., p. 61.
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Elektra (da pea homnima, 1903) de Hugo von Hofmannsthal; Pippa (de E Pippa dana, 1906) de Gerhart Hauptmann. A dana teria aqui a funo de ajudar a criar a conscincia moderna, uma forma especfica de ver e agir, prpria do sculo XX que despontava. Assim como essa poca presencia a alvorada da pintura abstrata, a dana tambm se remodelou, buscando novas formas de expresso. Isadora Duncan a musa dessa expanso de possibilidades, pelas quais os passos do bal convencional deram lugar a movimentos que seriam espontneos e autnticos, recuperando a expressividade primitiva do ser humano12. Essa, no fundo, a idia de Eric Bentley13 ao afirmar que:
Como pensador e artista, Ibsen representa o esprito do homem lutando por seus direitos como tambm por sua existncia em um mundo mecanizado, embora o Ibsen, geralmente mal-interpretado como materialista, prosaico e manipulador, parea ser um produto dcil dessa mecanizao.
Bentley14 v as peas de Ibsen como tragdia[s] em trajes modernos. De fato, em Casa de bonecas, por exemplo, diversos requisitos da tragdia clssica ou neoclssica parecem, primeira vista, terem sido cumpridos: ao centrada na protagonista Nora; nmero de personagens, espao e tempo concentrados; equilbrio e simetria na composio de cenas e atos, havendo dois momentos de maior tenso (a tarantela, que funciona como peripcia, e abandono do lar por Nora guisa de desfecho trgico). Alm disso, a herona agiu estritamente conforme suas crenas e valores pessoais: Nora falsificou uma assinatura, sim, mas para salvar ou resguardar entes queridos (pai e marido) em um momento de perigo (doena). Contudo, certos aspectos rompem de forma contundente com a forma clssica. Se no teatro grego o momento de reconhecimento fundamental, podendo servir para impulsionar a peripcia, em Casa de bonecas a tarantela
Ibidem, p. 63-64. BENTLEY, Eric. O dramaturgo como pensador. Um estudo da dramaturgia nos tempos modernos. Traduo de Ana Zelma Campos. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1991. p. 169. 14 Ibidem, p. 154.
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representa o pice da mentira, do disfarce, do mascaramento. Quanto ao, ela em boa medida desmembrada pelo ncleo paralelo que se cria e ganha volume com o reencontro de Krogstad e Sra. Linde e que, paradoxalmente, prepara um final feliz (mediado pela devoluo da promissria). Mas esse final feliz no ocorre por que, na verdade, a pea no sobre Nora, mas sobre a casa de bonecas. Ou seja, no trata simplesmente do destino individual da herona Nora, mas tambm da problemtica social mais ampla do materialismo, das falsas aparncias, das injustias e desigualdades que permeiam o espao pblico e inclusive o espao das relaes familiares. Com esse campo temtico, a obra de Ibsen desengata-se da tragdia clssica, e se filia ao gnero da tragdia burguesa. Na opinio de Gero von Wilpert15, a tragdia burguesa transita por trs caminhos temticos: a burguesia em combate contra a opresso pela nobreza (conforme exemplificam tambm as peas Emilia Galotti, de Lessing, e Os bandoleiros, de Schiller); os conflitos dentro da prpria burguesia (perscrutados por Ibsen, Bernhard Shaw, etc.); e o choque da burguesia com a classe trabalhadora, que reivindica melhores condies de vida (em cujo bojo se insere o teatro pico de Bertolt Brecht). No caso de Ibsen, de acordo com a interpretao de Elise Dosenheimer16, em O drama social alemo de Lessing a Sternheim, estamos diante de um dramaturgo destitudo de quaisquer intenes polticas, socialistas ou liberais. Enquanto pensador e crtico, no entanto, Ibsen dedicou-se a colocar mostra as incongruncias da sociedade burguesa: suas hipocrisias, preconceitos e convencionalismos. Em O pato selvagem, por exemplo, essa exposio vai sendo preparada desde o incio. A primeira cena introduz uma srie de elementos de mistrio que, como se fossem uma pesada neblina, insinuam erros e omisses do passado. Assim, um rico industrial (Sr. Werle) oferece um jantar para seu filho, que no via h cerca de quinze anos; treze lugares ocupados mesa parecem um prenncio de azar; um dos convivas esconde o rosto quando um velhote sai do escritrio e atravessa o salo porque a outra
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WILPERT, Gero von. Sachwrterbuch der Literatur. Aufl. Stuttgart: Alfred Krner, 1989. p. 129. DOSENHEIMER, Elise. Das deutsche soziale Drama von Lessing bis Sternheim. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1989. p. 122.
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porta estava trancada. Na opinio de Hans-Dieter Gelfert17, esses elementos formam um conjunto que fazem lembrar uma histria policial, uma histria de crimes. Essa comparao no to forada quanto parece primeira vista: Gregers Werle (o filho) reencontra seu amigo de infncia, Hjalmar Ekdal, e comea nessa mesma noite a juntar os pedaos do quebra-cabea. Conforme a neblina de segredos vai se dissipando, descobre um srdido cenrio de falsidades e manipulaes. Seu pai enriqueceu custa da runa da famlia Ekdal, traiu e maltratou a esposa at sua morte, casou sua examante grvida com o amigo de infncia do filho. Contudo, Werle Pai no um vilo; apenas mais um elo de uma longa cadeia formada por toda a sociedade. Tal como em um romance policial, no qual cada personagem poderia, em princpio ser o criminoso (e durante a investigao policial, um a um tratado temporariamente como suspeito nmero um), em Ibsen todas as figuras do drama acabam colocando mostra as suas torpezas. Ningum escapa, nem mesmo o prprio Gregers que, ao final, cego em sua fria corretiva, leva morte Hedvig, a filha de Hjalmar, que tem apenas quatorze anos. De uns o pecado a ambio desmedida, de outros, a fraqueza, a leviandade, o egosmo. Em Gregers, o radicalismo quase fantico com que se empenha por fazer valer a honra e probidade. O anjo da justia revela-se um anjo da morte. Nesse contexto, o pato selvagem simboliza o carter ilusrio e enganador que permeia todas as ligaes, sentimentos e gestos. A nica sada dessa armadilha encontrada pelo velho Werle e a Sra. Soerby, que tm a coragem de confessar abertamente um ao outro as suas falhas e deslizes. Ao encararem a verdade de suas prprias vidas, conquistam a chance de uma relao baseada na compreenso mtua e na aceitao de si mesmos e do outro. Nessa capacidade para o dilogo aberto e para o perdo, eles se assemelham a Krogstad e Sra. Linde de Casa de bonecas, que tambm encontraram a redeno da mentira. E aqui que encontramos o aspecto moralizante de Ibsen. A soluo que ele prope como capaz de redimir e sanar os pecados a verdade, a confisso aberta e franca dos erros, e o perdo!
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GELFERT, Hans-Dieter. Wie interpretiert man ein Drama? Stuttgart: Philipp Reclam, 1995, p. 137-138.
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Mas essa verdade plena barrada na vida cotidiana por valores hipcritas, como o senso de dever e o respeito pela opinio alheia. Outro inimigo da verdade o materialismo desmedido que, de um lado, faz com que tudo e todos tenham um preo e estejam venda, e, por outro, torna os indivduos dispostos a sacrificar qualquer coisa e qualquer pessoa para satisfazer suas prprias ambies. Esses so, para Ibsen, os oponentes no s da verdade em si, mas da prpria natureza humana dos homens. Ibsen apresentou esse seu diagnstico em vrias peas. O cerne de Casa de bonecas, por exemplo, o problema da falsidade e dissimulao indicado j no ttulo , que afeta inclusive as relaes familiares e o casamento. A dissimulao alimentada pela disputa por poder e dinheiro, pelo jogo de interesses que d as cartas na sociedade. Junto com o diagnstico, Ibsen apresenta tambm a soluo: a pea termina com a partida de Nora. Esse gesto, no entanto, tambm evidencia que o caminho rumo verdade exige coragem e firmeza: para tentar resgatar sua integridade e firmar-se como pessoa adulta, Nora precisa abrir mo do conforto e segurana para enfrentar o desconhecido e incerto. A verdade tem um custo. Em Os espectros, Ibsen retoma a mesma situao de Casa de bonecas, mas dessa vez apresenta a opo inversa: a Sra. Alving dobra-se ao senso de responsabilidade, curva-se perante a moral estabelecida e desiste de sua prpria paz e liberdade. O resultado nefasto: o sacrifcio que ela no teve foras para realizar no passado exigido dela no presente pela imolao de seu filho, Osvaldo. A falncia da moral e dos costumes no poderia ser mais evidente: o texto culmina com um efetivo desmoronamento da casa de bonecas pois loucura e incndio varrem do mapa o lugar que o pastor Manders chama de casa de pecados. A Sra. Alving que fez tudo para manter as aparncias e no deixar transparecer aos olhos do mundo a verdadeira situao de seu casamento obrigada a reconhecer a inutilidade de seus esforos. A despeito dessa mensagem to devastadora, trata-se de uma pea cuja estrutura formal das mais tradicionais: os trs atos passam-se em um mesmo aposento da casa dos Alving (unidade de espao); toda a ao se desenrola durante um dia at o alvorecer da manh seguinte (unidade
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de tempo); o retorno de Osvaldo traz de volta os espectros do passado e isso serve de elo entre os cinco personagens da pea (unidade de ao). Do ponto de vista da forma, a tradio mantida intacta; do ponto de vista temtico, porm, a runa final aponta para uma imperiosa necessidade de reviso dos valores estabelecidos. Mas esse aparente paradoxo est a servio da construo esttica: o conservadorismo formal serve de espelho e complementao ao conservadorismo da sociedade. Como resultado, a simetria e o comedimento formais tornam ainda mais evidentes as irregularidades e desequilbrios que pululam por debaixo da superfcie. Na pea O pato selvagem, Ibsen deixa transparecer o mesmo inconformismo social que impregna as peas anteriores. E o animal que serve de ttulo representa simbolicamente a condio humana. Tendo sido atingido por uma bala de caador e mergulhado at o fundo do mar, o pato foi salvo da morte por um triz e, desde ento, mantido em um sto, onde vive em meio a coelhos e galinhas. O pato funciona no texto como um elemento aglutinador e cheio de significados. Para comear, serve de metfora para o anseio do homem em libertar-se da masmorra em que as convenes o aprisionaram. Alm disso, simboliza ainda a solido humana, a falta de comunicao, a falncia de uma sociedade dividida entre caadores e caas. Ao lado do sentido social emerge em O pato selvagem uma constelao de temas e um modo de abordagem que se afasta claramente do perfil realista e adentra os limites mais sutis da psique humana. Conforme as palavras de Eric Bentley,
De O Pato Selvagem (1884) em diante, Ibsen torna-se cada vez mais o que foi chamado de mstico significando [...] edificante embora ininteligvel. A verdade que [...] o Naturalismo torna-se menos a substncia e mais uma mscara, que empregado um simbolismo complexo, astucioso para o pavor daqueles que esperam que o simbolismo seja puramente decorativo ou alegrico [...]. A primeira gerao dos filisteus, que era como Ibsen denominava homens como Manders [Os espectros], Kroll [Rosmerholm], ou Brack [Hedda Gabler], tentou abalar Ibsen com seu dio; a segunda gerao quase o matou com sua amizade. Deve-se voltar para as peas do ltimo perodo de Ibsen
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A temtica do indivduo em confronto com seu meio social no desapareceu da obra de Ibsen. Mas houve uma mudana de tom e um alargamento dos horizontes. Longe de perder de vista as incongruncias da sociedade, ele conseguiu utilizar sua sensibilidade para penetrar nos meandros da subjetividade, dos sonhos e das iluses pessoais. O leque de elementos artsticos e humanos coberto por sua obra extremamente amplo. Graas a isso, Ibsen no apenas um dos nomes mais consagrados da literatura norueguesa, mas da literatura dramtica mundial. Embora sua obra tenha sido declarada ultrapassada nas primeiras dcadas do sc. XX, logo em seguida, ainda nesse mesmo sculo, sua contribuio ao gnero dramtico foi reconhecida como uma das mais substanciais. E hoje em dia no podemos pensar no teatro social europeu sem pensar em Ibsen. Nesse sentido a leitura de peas como Casa de bonecas, Os espectros e O pato selvagem permite destilar algumas das marcas mais peculiares do teatro de Ibsen e evidenci-lo como um verdadeiro clssico da modernidade.
ZUSAMMENFASSU Ibsens Beitrag fr das Theater wird heute als grundlegend erkannt. Er hat sowohl Techniken der Tragdie des Altertums als auch Eigenschaften des Naturalismus aufgenommen; er hat sich sowohl mit dem Individuum im Konflikt mit der Umwelt als auch mit der Subjektivitt der Trume und Illusionen auseinandergesetzt. Diese Eigenschaften seines Werkes mchte ich analysieren unter dem Gesichtspunkt, dass Ibsen als eigentlicher Klassiker der Modernitt gelten kann. STICHWRTER: Henrik Ibsen; Das Puppenhaus Die wilde Ente.
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