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Dossiê Autoetnografias: (In)visibilidades, reflexividades e interações entre “Eus” e “Outros”

Tradução

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais - UFJF v.17 n.3 Dezembro. 2022 ISSN 2318-101x (on-line) ISSN 1809-5968 (print)
Dossiê Autoetnografias: (In)visibilidades, reflexividades e interações entre “Eus” e “Outros”

EU SOU uma Mulher Negra com Raiva: Autoetnografia Feminista


Negra, Voz e Resistência

(Título original em inglês: “I AM an Angry Black Woman: Black Fem-


inist Autoethnography, Voice, and Resistance”) 1

Rachel Alicia Griffin 2

Tradução de Silvio Matheus A. Santos e Carlos P. Reyna 3

Resumo
Este artigo une o pensamento feminista negro (Collins, 2009) e a autoetnografia para defender a autoetno-
grafia feminista negra (AFN) como um meio teórico e metodológico para as acadêmicas negras narrarem
criticamente o orgulho e a dor da feminilidade negra. Enraizada em meu desejo de “erguer a voz” [“Talk
Back” (hooks, 1989)] à opressão sistêmica como uma mulher negra birracial (preta e branca), eu posiciono
a raiva como uma força produtiva que alimenta a voz através do AFN como um ato de resistência. Neste ar-
tigo, a AFN é usada para explorar autorreflexivamente minhas experiências cotidianas como uma ‘‘outsider
de dentro’’ [“Outsider Within” (Collins, 1986)] e problematizar a onipresença do racismo e do sexismo (no
mínimo) na vida cotidiana das mulheres negras. Situando a minha raiva como justa e justificável, localizo a
minha voz diretamente em resposta às imagens de controle, tais como a safira raivosa4 que denota as mulhe-
res negras como raivosas, como indisciplinadas, ao mesmo tempo que enfatizo a necessidade de “políticas
sexuais negras progressistas” que testemunham a raiva produtiva das mulheres negras.
Palavras-chave: Raiva; Autoetnografia; Identidade Birracial; Pensamento Feminista Negro; Resistência e
Voz.

A raiva é carregada de informação e energia. (Lorde, 1984, p. 127)

1 To cite this article: Rachel Alicia Griffin (2012) I AM an Angry Black Woman: Black Feminist Autoethnography, Voice, and Resistance, Wo-
men's Studies in Communication, 35:2, 138-157, DOI: 10.1080/07491409.2012.724524; To link to this article: http://dx.doi.org/10.1080
/07491409.2012.724524
2 Associate Professor of Race and Communication Associate Chair (2021-) Department of Communication, University of Utah. Ethnic Studies
(affiliated faculty), University of Utah. Published online: February, 2012.
3 Silvio Matheus Alves Santos é Doutor em Sociologia pela USP e atualmente Pesquisador Bolsista CAPES de Pós-Doutorado na Sociologia
– IFCH/UNICAMP. Email: [email protected] / ORCID: 0000-0002-4110- 8064. Carlos P. Reyna é Doutor em Cinema pela UNICAMP e
atualmente prof. Associado III do PPGCSO e do Departamento de Cinema do IAD da Universidade Federal de Juiz de Fora / ORCID: 0000-
0003-0049-2706.
4 Nota do Tradutor (N.T.): A autora deste texto desenvolverá mais explicações e análises sobre esta caricatura ao longo do trabalho. Mesmo
assim, apresento sucintamente um entendimento geral. A caricatura de “Safira Raivosa” retrata as mulheres negras como rudes, barulhentas,
maliciosas, teimosas e autoritárias. Safira expressa uma imagem de controle e/ou estereótipo que visa retratar duramente as mulheres negras. É
bastante conhecido nos EUA e em sua cultura nacional. Em síntese, “é um mecanismo de controle social que é empregado para punir as mulheres
negras que violam as normas sociais que as encorajam a serem passivas, servis, não ameaçadoras e invisíveis.”. Ver link: https://www.ferris.edu/
HTMLS/news/jimcrow/antiblack/sapphire.htm

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Dossiê Autoetnografias: (In)visibilidades, reflexividades e interações entre “Eus” e “Outros”

Eu SOU uma Mulher Negra com Raiva51. Sem alianças nas interseções de marginalização e privilégio.
arrependimento, racionalmente e com razão. Eu estou Convido os leitores em minha jornada para posicionar a
morrendo de raiva! Eu estou frustrada e furiosa! Estou AFN como um meio para as mulheres negras acadêmicas
devastada e meu sangue está fervendo a uma temperatura destacarem e desafiarem as falhas da sociedade norte-
tão alta que acho que meu coração pode parar de bater americana em reconhecer totalmente o racismo e o
a qualquer momento! Estou com tanta raiva que me sexismo. Em resposta às falhas, EU SOU uma mulher
sinto neurótica; sinto como se minha mente tivesse se negra com raiva.
perdido para meu olhar crítico (Pelias, 2000). Todas Para aqueles que estão com raiva ao meu lado, Eu
as manhãs, quando acordo e inspiro nosso mundo, dou as boas-vindas à sua presença e só posso esperar
minha raiva é acompanhada por uma dor aguda que que este artigo ajude a fortalecer sua firme adesão
torce meu espírito e desafia minha fé. Tornar minha à escrita autoetnográfica como meio de resistência.
dor uma questão de registro público como uma mulher Este trabalho é dedicado a todas as mulheres negras
negra 26. birracial é aterrorizante. Desde que me lembro, que tiveram que morder a língua com tanta força que
meu corpo negro/branco, branco/negro tem sido um ela chega a sangrar para proteger seu corpo, mente,
tabu: uma detestada ponte feminina suspensa entre alma, entes queridos, sustento ou até mesmo sua
locais raciais (Anzaldúa, 1990; Ono, 1997). Escrito vida. Preparando-nos para essa empreitada, Calafell
para aqueles que abraçam os binários como absolutos, e Moreman (2009) nos lembram que “As feministas
atropelam a agência com sua debandada essencialista negras há muito defendem a importância de ouvir as
e alimentam o frenesi de desumanizar os Outros, este experiências das mulheres negras e atender às políticas
artigo ilumina a onipresença da opressão na vida das que fundamentam essas vozes”. Mais expressamente
mulheres negras em geral e em minha própria vida em relação às mulheres negras, inúmeros estudiosos
como uma acadêmica negra birracial em particular. dentro e fora do campo da comunicação marcaram a
Para tanto, abordo primeiramente a invisibilidade invisibilidade do conhecimento por parte de e sobre
da mulher negra no campo da comunicação e no da mulheres negras (Collins, 1986, 2009; Davis, 1998,
academia, de maneira mais ampla. Então, eu processo 1999; hooks, 1981; Houston, 1992; Houston &
cronologicamente por meio da minha introdução Davis, 2002). Refletindo sobre a história, Davis
pessoal ao pensamento feminista negro para posicionar (1998) pergunta: “Onde está a voz crítica que fala da
a pesquisa feminista negra em conversa com a identidade da mulher negra constituída na experiência
autoetnografia. Conectar os dois leva a uma discussão da escravidão, exílio, peregrinação e luta?” (p. 83).
sobre a autoetnografia feminista negra (AFN) 73, seguida Falando aos estudiosos contemporâneos, Houston e
pelo meu uso da raiva para alimentar minhas reflexões Davis (2002) oferecem: “O fato lamentável é que os
autoetnográficas feministas negras. Finalmente, eu estudiosos da comunicação ainda precisam desenvolver
termino com uma discussão sobre as ricas possibilidades um corpo substancial de estudos que explorem as
da AFN como meio de resistência que pode inspirar experiências comunicativas vividas pelas mulheres
5 N.T.: a palavra Angry será traduzida por “Raiva” posto que esta é a afro-americanas” (pp. 2-3).
palavra que mais se encaixa com o que é desenvolvido pela autora e As mulheres negras têm muito com o que se irritar
com algumas das principais referências apresentadas pela mesma, como
é o caso de Audre Lorde (1984) e sua obra Sister outsider: Essays and na academia, incluindo a ínfima representação de
speeches by Audre Lorde. acadêmicas negras (Gregory, 2002; “The Profession”,
6 Escolho me identificar como uma mulher Negra birracial para marcar
tanto a confissão quanto a atribuição em relação à performance identi- 2011) 84 , e a dificuldade de publicar pesquisas
tária. Por isso, me identifico como birracial para marcar minhas raízes relacionadas à raça (Hendrix, 2002, 2005, 2010; Orbe,
culturais Negras e Brancas. No entanto, meu corpo é muitas vezes lido
apenas como preto. Eu marco isso como uma escolha política, que re- Smith, Groscurth, & Crawley, 2010), ambos
conheço que pode ser lida como ofensiva. Por exemplo, muitas vezes alimentando a ausência de estudos emancipatórios
me perguntam: “Por que você não pode ser apenas Negra?”, o que in-
terpreto como um pedido, tanto de Brancos quanto de Negros, para que por parte de e sobre mulheres negras.
eu seja “Negra e ponto final” - como um facilmente carimbado “En-
tendido.” Embora compreenda o desejo de simplicidade que interpreto
apoiando tais pedidos, em alinhamento com Collins (2009), que chama
a atenção para a rica diversidade entre as mulheres negras, prefiro re- 8 De acordo com The Chronicle of Higher Education (“The Profes-
conhecer todas quem sou em vez de escolher entre oposições binárias. sion”, 2011) Edição Almanac (informando sobre as estatísticas mais re-
7 N.T.: A expressão ou conceito de Autoetnografia Feminista Negra será centes disponíveis), no outono de 2009, nos Estados Unidos, dos 4,7%
apresentada ao longo do texto com a sigla “AFN”, seguindo a forma do total, 6,6% dos associados e 7,9 % dos professores assistentes eram
adotada pela autora do texto. identificados como negros e mulheres.

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Olhando para trás para avançar um pouco mais a somebody / anybody


frente, a raiva que eu sinto não é inventiva, já que as sing a black girl’s song
mulheres negras contestam furiosamente as injustiças bring her out
na educação e em outros lugares há séculos (Allen, to know herself
1998; Cooper, 1995; Davis, 1998; hooks, 1981; to know you
Houston, 1992; Jones, 2003; Lorde, 1984; Madison, but sing her rhythms
1994, 2009; Patton, 2004; Shange, 1975; Stewart, 1992; carin / struggle / hard times
Truth, 1992). Embora eu encontre uma forte sensação sing her song of life
de esperança no poder da repetição, minha esperança she’s been dead so long
parece mais tenra contra a sombria realidade de que closed in silence so long
os apelos anteriores por igualdade expressados por she doesn’t know the sound
mulheres negras ainda não ressoaram genuinamente of her own voice (p. 4)
no coração da maioria. No entanto, estou otimista em alguém / qualquer pessoa
acreditar que se eu entrar nos espaços que os gritos de cante uma canção de menina negra
resistência criaram, talvez, apenas talvez, algo sobre trazê-la à tona
minha voz resistente neste momento será ouvido, conhecer a si mesma
aceito e levado a sério. Possivelmente. conhecer você
Para incorporar a tenacidade orgulhosa que a mas cante seus ritmos
feminilidade negra traz, farei exatamente as coisas que cuidados / luta / tempos difíceis
as mulheres negras são discursivamente disciplinadas cante a canção da vida dela
a não fazer. Bradarei [rant]91,sem um pingo de ela está morta há tanto tempo
arrependimento, e farei isso com a cabeça erguida, fechou em silêncio por tanto tempo
acreditando que vale muito a pena me defender em ela não conhece o som
um mundo que grosseiramente me diz o contrário! de sua própria voz (p. 4)
Plantando meus pés em desafio, terminarei exatamente
como comecei – cansada, esgotada, “abalada, embora Abraçando a prática cultural de chamada e resposta
não despedaçada” (Yancy, 2008, p. 2), e convencida através de gerações, a articulação do AFN que se segue
de que sou uma mulher negra brilhante que é digna é oferecida para dar testemunho do apelo dela.
de absoluta honestidade, profunda contemplação
e celebração eterna. Para acalmar meus nervos e Lendo Mulheres Negras para Me Escrever
fortalecer minha voz, recorro ao refrão de Shange
(1975), em for colored girls who have considered Comecei a imaginar a promessa da AFN no campo
suicide when the rainbow is enuf 102, quando a senhora da comunicação enquanto lia as obras de escritoras e
de brown (marrom) diz: ativistas feministas negras. Os escritos de que mais me
lembro são os que pareciam me ler enquanto eu lia. As
autoras que os escreveram criaram espaço para que
9 Este verbo “rant”, em inglês, é entendido na maioria das vezes como mulheres que se parecem comigo fossem lembradas,
uma “reclamação” ou um discurso feito em voz alta e com raiva. consideradas e fortemente defendidas. Essas mulheres
10 N.T.: Apesar desta referência se referir ao título de um livro utiliza-
do pela autora Griffin, é necessário informar que antes de ser lançado foram para as páginas com um sentimento de fúria
como livro, este trecho citado no artigo compõem uma importantíssi- que deixou impressões permanentes em meu coração.
ma peça de teatro cuja a autoria é de Ntozake Shange. Ela foi “uma
artista de palavras faladas que se transformou em dramaturga com Enquanto eu lia, eu podia sentir sua raiva saturada e
sua peça canônica ‘For Colored Girls Who Have Considered Suicide/ reforçada por uma profunda frustração e uma perda
When the Rainbow is Enuf’. [...] Com apenas 27 anos quando ‘For
Colored Girls’ estreou no Booth Theatre, em 1976, Shange era uma que eu só me permiti saber em segredo.
raridade da Broadway por dois motivos: ela era negra e era mulher. Lembrando cada momento de exposição ao
Mas sua peça não convencional foi um sucesso e nomeada para um
Tony Award. Uma série de monólogos feministas... para sete perso- pensamento feminista negro, a primeira vez que li
nagens femininas negras nomeadas com as cores do arco-íris (grifo o livro de bell hooks (1981) Ain’t I a Woman: Black
e tradução feitos pelos tradutores) – a própria Shange interpretou a
Dama de Laranja – inspirou gerações de dramaturgos (...).”. Fonte: Women and Feminism (Eu não sou uma mulher: Mulher
https://www.nytimes.com/2018/10/28/obituaries/ntozake-shange-is- Negra e Feminismo), me arrepiei quando ela insistiu
-dead-at-70.html .

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Tendo primeiramente encontrado o pensamento


que o mundo tomasse conhecimento dos maus-tratos feminista negro além do campo da Comunicação111,
históricos e contemporâneos às mulheres negras. acabei me voltando para o nosso campo na esperança
Intitulado após o famoso discurso de Sojourner Truth, de encontrar mais do que eu tinha perdido. Encontrando
hooks expandiu os limites dominantes da feminilidade ausência e invisibilidade à primeira vista, acabei
para incluir aquelas que não são brancas, de classe conhecendo as obras de Brenda Allen, Olga Davis e
média e/ou formalmente educadas. Ela me acenou em Marsha Houston, seguidas por Joni Jones, D. Soyini
suas páginas marcando a irônica fala da boca para fora Madison e Tracey Owens Patton. A primeira vez que
dirigida às mulheres negras de dentro dos movimentos eu seguirei Centering Ourselves: African American
de libertação das mulheres e direitos civis. Usando Feminist and Womanist Studies of Discourse (Houston
as palavras como seu arsenal pedagógico, ela me & Davis, 2002), fiquei encantada e desanimada.
avisou, sobre as guerras nos complexos cruzamentos Fiquei encantada ao encontrar um livro em nosso campo
de raça, gênero e classe. Aliviada por sua atenção plena dedicado a explorar a vida comunicativa das mulheres
interseccional, aceitei a tensão que sempre senti como negras, mas desanimada com as maneiras pelas quais
uma mulher negra birracial como genuína, em vez de eu sabia que suas palavras eram verdadeiras quando li
descartá-la como uma invenção hipersensível da minha “os textos das Mulheres Negras são muito mais bem-
imaginação. bell hooks (1981) não apenas me encontrou vindos nas salas de aula do ensino superior do que as
e me afirmou; talvez o mais importante, ela me ajudou próprias Mulheres Negras” (Houston & Davis,
a desenterrar o amor próprio para servir como meu 2002, p. 9). Lendo esta última linha repetidamente, senti
santuário em um mundo em grande parte relutante em meu rosto ficar quente quando uma apresentação de
me conceder legitimidade como ser humano. slides de memórias passou pela minha mente. Lembro-
Da mesma forma, a caneta de Angela Davis (1981) me dos momentos marcantes de ser uma “outsider
marcou um descontentamento permanente com as within” (Collins, 1986) e uma insider outside também;
formas como as mulheres negras são silenciadas e as maneiras que eu sempre fui a garota “preta demais
frequentemente apagadas em Mulheres, Raça e para ser branca” e “branca demais para ser negra” na
Classe. À medida que ela aumentava sua recusa à escola. A Oreo. A Zebra. A Vira-lata.
dominação ideológica a cada página condenatória, Centering Ourselves (Houston & Davis,
me senti inspirada por seu desejo de marcar nossos 2002) me levou a Houston (1992), que me ensinou a
opressores e suas instrumentalizações propositais do defender academicamente a marcação das nuances da
sofrimento feminino negro como vergonhosas. Ela nos feminilidade negra sem usar a típica conduta “‘adicionar
lembra dos fundamentos históricos da invisibilidade mulheres negras e mexer’ na abordagem”122,(Houston,
feminina negra contemporânea e traz à tona o aumento 2000, p. 679).
da vulnerabilidade e o trabalho incessante das mulheres Assustada, mas preparada, senti-me pronta para
negras pobres. Suas palavras me transformaram ao começar a articular a mim e ao meu trabalho como
relatar as indignidades da escravidão e da segregação, interseccional; comecei a entender que podia posicionar
e as lutas por direitos iguais para garantir que aqueles meu corpo como uma ponte em meus próprios termos.
que sofreram além de nossa imaginação contemporânea 11 N.T.: – Se refere ao curso ou ao campo acadêmico da Comunicação.
não sejam esquecidos. Depois de Davis veio minha 12 N.T.: – Busquei o trecho do artigo de Houston (2000, p. 679) para
que pudéssemos compreender melhor o sentido atribuído pela autora
primeira leitura de Black Feminist Thought (Pensamento Griffin. A passagem traz o seguinte: “Quando os estudiosos adotam a
Feminista Negro), de Patricia Hill Collins (2000). conduta ‘adicionar mulheres negras e mexer’, eles não apenas falham
em abordar a vida comunicativa das mulheres negras comuns, como
Collins deu vida à minha caneta de uma maneira também cometem dois erros adicionais. Primeiro, eles não questionam
que eu nunca havia conhecido antes. Ao virar cada se há suposições culturais inadequadas ou prejudiciais embutidas em
teorias não derivadas das experiências e perspectivas das mulheres
página, rabisquei nas margens para registrar todas as afro-americanas e, segundo, ignoram a longa tradição intelectual das
maneiras pelas quais eu sabia que as suas palavras eram mulheres negras como um recurso conceitual.”. A seguir, o trecho em
inglês: [When scholars take the ‘add Black women and stir’ approach,
verdadeiras. Seu intelecto fez cócegas em meu coração; they not only fail to address the communicative lives of ordinary Black
eu ri, tremi e chorei – às vezes tudo de uma vez. women, they make two additional errors as well. First, they fail to ques-
tion whether there are inappropriate or detrimental cultural assump-
tions embedded in theories not derived from African-American wo-
men's experiences and outlooks, and second, they overlook Black
women's lengthy intellectual tradition as a conceptual resource.].

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tal trabalho do ponto de vista feminista negro, em


Lembrando-me do significado da autodefinição e resposta às perguntas de porquê? Por que tentar, por
autodeterminação, Lorde (2009) diz: “Se eu não trago que escrever, por que falar, por que ficar, por que
tudo o que sou para tudo o que faço, então não trago lutar?, como Jones em “sista docta”, “eu acredito
nada, ou nada de valor duradouro, pois retive minha que o trabalho pode ser transformador” (Jones, 2003,
essência” (pp. 182-183). Tendo sido impedida de trazer p. 240). Além disso, espelhando Houston (1992) e
minha essência tomada pela raiva por tanto tempo, Collins (2009), sinto-me obrigada a usar meu acesso
já que emoções carregadas de raiva são proibidas às aulas e ao privilégio acadêmico para defender que
para mulheres negras que desejam ser bem-vindas, as mulheres que se parecem comigo tenham acesso
eu ansiava por um meio através do qual minha voz à voz. Eu o faço em busca de ser e me tornar uma
pudesse ser ouvida. mulher negra intelectual (Collins, 2009): “As mulheres
Ainda imatura academicamente, eu ansiava por negras intelectuais não são todas acadêmicas nem se
mais insights sobre a vida das mulheres negras geradas encontram principalmente na classe média negra. Em
por estudiosos da comunicação. Eu queria saber vez disso, todas as mulheres negras dos EUA que de
como eles teorizavam e o que sentiam. Fui aquecida alguma forma contribuem para o pensamento feminista
e alertada pela transparência de Davis (1999), Jones negro como teoria social crítica são consideradas
(2003), Patton (2004) e Harris (2007), que politizaram ‘intelectuais’”. (Collins, 2009, p. 17). Inspirada pela
e divulgaram as formas como o racismo e o sexismo Collins (2009), eu compreendi mais claramente a
se infiltram em suas experiências como mulheres necessidade de aproveitar conscientemente meu
negras na academia. Então, um mentor querido me doutorado para trabalhar contra forças opressivas; ter
apresentou a Joni Jones e D. Soyini Madison, que um doutorado acompanhado por um status de classe
enriqueceram minha perspectiva sobre como entender média, por si só, simplesmente não é suficiente.
o feminismo negro como uma prática incorporada que
havia sido, poderia ser e precisava continuar sendo
escrita em nosso campo. Conhecendo a Srta. Bertha
na página, uma idosa da família na casa dos noventa
anos que “passou por guerra, pobreza, depressão,
Jim Crow e direitos civis” (Madison, 1994, pp. 46-
47), aprendi que os corpos, experiências e vozes de
mulheres negras fazem o importante trabalho de
transmitir comunicativamente a cultura. A voz rítmica
da senhorita Bertha, nas interseções de raça, gênero,
classe e idade, me ensinou a ouvir, através de minha
raiva, as histórias de fé e progresso.
Depois de Madison (1994), comecei a me perguntar
se poderia canalizar minha raiva produtivamente e
conseguir ver mais do que apenas vermelho. Imaginei-
me olhando intencionalmente para dentro de mim
para questionar como entendo quem sou, nosso
mundo e como me movo através dele. Lentamente
compreendendo como fazê-lo, escutei atentamente
quando Lorde (1984) me disse que “Toda mulher tem
um arsenal de raiva bem estocado e potencialmente
útil contra essas opressões, pessoais e institucionais,
que trouxeram essa raiva à existência. Se direcionada
com precisão, esta raiva pode se tornar uma poderosa
fonte de energia servindo ao progresso e à mudança”
(p. 127). Dada a enorme vulnerabilidade de fazer

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Localizando um Terreno Comum: (Beale, 1970; Crenshaw, 1995; King, 1988). Levar em
Pensamento Feminista Negro e Autoetnografia conta a multiplicidade de vulnerabilidades sistêmicas
que as mulheres negras podem encontrar nos permite
No campo da comunicação, “Outras histórias” mapear interseccionalmente como, por exemplo, os
autoetnográficas (Calafell & Moreman, 2009) esforços feministas foram prejudicados pelo racismo;
que trabalham contra forças sistêmicas como racismo, pela unidade racial frustrada pelo classismo; e
sexismo, heterossexismo e classismo da perspectiva pela consciência de classe adiada para preservar o
das mulheres negras permanecem raras.131Como uma patriarcado (Collins, 2009; Davis, 1981; hooks, 2000).
metodologia posicionada para abraçar a subjetividade, A autoetnografia feminista negra também oferece um
envolver a autorreflexividade crítica, falar em vez de ser meio narrativo para que se destaquem as lutas comuns à
falado, interrogar o poder e resistir à opressão (Calafell feminilidade negra sem apagar a diversidade entre elas,
& Moreman, 2009; Denzin, 1997; Jones, 2005; aliada à estratégia de “erguer a voz153” ou “repudiar”
Warren, 2001), a autoetnografia pode ser produtivamente (Talking Back164) (hooks, 1989) aos sistemas de
associada ao pensamento feminista negro para que as opressão (por exemplo, sexismo, racismo, capacitismo,
acadêmicas negras possam “olhar para dentro (para heterossexismo, classismo).
si mesmas) e para fora (para o mundo) conectando o Dando vida ao significado de “talking back”, bell
pessoal ao cultural” (Boylorn, 2008, p. 413). Além disso, hooks oferece:
mulheres negras com acesso a privilégios acadêmicos
podem usar a AFN como um meio de falar com, Passar do silêncio para a fala é para os oprimidos, coloni-

em meio a, e às vezes para as mulheres negras “que zados, explorados e aqueles que se erguem e lutam lado

não têm acesso direto aos fóruns públicos de nossas a lado um gesto de desafio que cura, que torna possível

conferências, periódicos e livros” (Houston, 1992, p. uma nova vida e um novo crescimento. É esse ato de fala,

55). Afirmando a declaração de Collins (2009) de que de “talking back”, que não é um mero gesto de palavras

o insight experiencial das mulheres negras oferece vazias, que é a expressão de nosso movimento de objeto

um “ângulo de visão único” (p. 39) apesar de nossa a sujeito – a voz liberada. (1989, pág. 9).

exclusão orquestrada do reino epistemológico, Davis


(1999) diz: “As mulheres negras têm sido invisíveis para
a cultura dominante; suas formas únicas de conhecer e
compreender o mundo não foram conhecidas” (p. 152).
Posicionada para contestar essa ausência, a
conceituação142formal da AFN torna as mulheres negras
mais visíveis no âmbito da autoetnografia, que na
academia é mais frequentemente associada e publicada
por mulheres brancas (Calafell, 2007; Calafell &
Moreman, 2009). Tal escrita expõe, politiza e narra o
“conhecimento subjugado” (Collins, 2009) nascido de
um ponto de vista informado pela interseccionalidade
13 Embora “Outras histórias” (Calafell & Moreman, 2009) escri-
tas por mulheres negras na academia permaneçam raras, especialmente
em revistas de comunicação nacionais, há uma série de coleções pode-
rosas e editadas que abordam esse tópico. Para exemplos, ver Berry e
Mizelle (2006); James e Farmer (1993); e Niles e Gordon (2011).
14 O uso de “conceituação formal” aqui é feito intencionalmente para
marcar que ativistas e acadêmicas negras como Sojourner Truth, Harriet
Jacobs, Maria Stewart, Anna Julia Cooper, Ida B. Wells-Barnett, Zora
Neale Hurston, Fannie Lou Hamer, Ella Baker, Maya Angelou, Alice
Walker, Toni Morrison, bell hooks, June Jordan, Angela Davis, Mi-
chelle Wallace, Audre Lorde, Barbara Smith, Barbara Ransby, Beverly 15 A expressão Talking Back que também é o título de um livro da
Guy-Sheftall, Patricia Hill Collins e inúmeras outras têm se engajado na autora bell hooks (Talking Back: Thinking Feminist, Thinking Black,
arte da retórica, narrativa e escrita autoetnográfica por anos sem o uso originalmente em 1989 nos Estados Unidos) foi traduzido para o portu-
de rótulos acadêmicos formais. Esta lista de ativistas feministas Negras guês por uma editora importante com o título de “Erguer a Voz: pensar
não está completa. Para compilações de obras feministas Negras, ver como feminista, pensar como negra”.
Bambara (2005); Guy Sheftall (1995); Hull, Scott e Smith (1982); Ler- 16 N.T.: Expressão que demonstra uma resposta hostil, indignada e/
ner (1972); e Smith (2000). ou crítica.

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muitas vezes presumida, de que uma mulher negra


a AFN como meio de voz é obrigada a elevar a com raiva é uma safira louca e dominadora. Enraizada
consciência social a respeito das lutas diárias comuns na instituição social da escravidão e popularizada
às mulheres Negras; abraçar a autodefinição como pelo programa de televisão dos anos 1950 Amos’n
um meio para as mulheres Negras serem rotuladas, Andy (hooks, 1981), as mulheres negras como safiras
reconhecidas e lembradas como desejarem; humanizar são caracterizadas como más, perigosas e vingativas
as mulheres Negras nas interseções de múltiplas formas por meio de sua raiva, hostilidade e perspicácia
de opressão; resistir à imposição de controlar a imagem; conivente (hooks, 1981; Hull, Scott, & Smith,
e autorreflexivamente explicar como as mulheres 1982). Descrevendo a safira de acordo com a ideologia
Negras podem reproduzir a opressão sistêmica. dominante, Cole e Guy-Sheftall (2003) utilizam as
Embora este pedido de AFN provavelmente seja definições ‘‘exagerada, mandona, de língua afiada,
simples da boca aos ouvidos, é importante reconhecer falastrona, controladora e, é claro, castradora’” (p.
que, apesar de uma busca determinada e versátil xxxiii).
de visibilidade acadêmica, existem relativamente Lembrando-nos da presença contemporânea
poucas acadêmicas de comunicação negras que da safira através do estereótipo da “mulher negra
publicaram relatos de suas experiências pessoais e/ raivosa” (‘‘angry black woman’’ – ABW), Madison
ou críticas de opressão (Allen, 1998; Davis, 1999; (2009) desconstrói o discurso público em torno da
Harris, 2007; Jones, 2003; Patton, 2004), e menos primeira-dama Michelle Obama durante a campanha
ainda que explicitamente marcam seu trabalho como presidencial de 2008 e argumenta, “estereotipá-la era
autoetnografia (Boylorn, 2008; Durham, 2004; mais fácil e mais compatível com noções normalizadas
Hendrix, 2011). Eu suspeito, sentindo-me bastante de gênero e negritude do que envolver-se na genealogia
enjoada com essa empreitada, que nossa ausência mais complicada da raiva negra nos EUA” (p. 323).
é perpetuada por múltiplas forças. Não apenas as Delineando de forma importante entre as mulheres
mulheres negras foram ensinadas e informadas por negras como o estereótipo ABW e a articulação de
meio de discursos dominantes que nossas experiências Lorde (1984) sobre a raiva como justa e útil, Madison
vividas são insignificantes, mas também aprendemos oferece: “Desmontar o estereótipo e tentar compreender
duras lições sobre as consequências de falar nossas como os contextos de raiva das mulheres negras abrem
verdades ao poder. Além disso, muitas estudiosas a possibilidade de alterar radicalmente as suposições
negras lutam para alcançar o status de acadêmica “real” sobre pertencimento em relação às recompensas,
como estudiosas cujo trabalho é amplamente publicado, consequências e construções de cidadania” (2009,
lido, respeitado e celebrado (Davis, 1999; Hendrix, p. 323; grifo no original). Na seção a seguir, articulo
2002, 2005, 2010). Desde sempre preocupadas com minha raiva de forma produtiva como um exemplo
as lutas de publicação de pesquisas relacionadas à de AFN.
raça, que muitas vezes são recebidas com acusações
de interesse próprio, narcisismo e vingança (Calafell
& Moreman, 2009; Hendrix, 2005, 2010; Orbe Reflexões Autoetnográficas de
et al., 2010), optando por um método contestado e Feministas Negras com Raiva
subjetivo como a autoetnografia (Ellis, 2009; Shields,
2000) corre o risco de fornecer mais munição para
aqueles que têm interesse em silenciar nossas vozes. Preparando-me para encontrar minha raiva na
Sentindo a promessa da AFN enquanto avanço, página, imagino que nos sentiremos mutuamente
alimentada pela agitação da minha raiva, não tenho a (embora provavelmente em momentos diferentes e
intenção de manter a privacidade pessoal, porque pisar por razões diferentes) enervados, chateados e inquietos
leve quando se trata de racismo e sexismo está me – talvez até golpeados por minha franqueza. Nutrindo
matando suavemente. Para garantir que eu não faleça a possibilidade que a fúria pode trazer, Audre Lorde
lentamente ou, pelo menos, não morra em silêncio, vou (1984) nos lembra que as emoções raivosas
lhes dizer tudo o que puder sobre minha raiva - na raiva,
através da raiva e com raiva - para contestar a noção,

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voz à minha raiva reflete o privilégio ao lado da


não nos matará se conseguirmos articulá-las com precisão, se marginalização, porque muitos sem indulto ou recurso
ouvirmos o conteúdo do que é dito com pelo menos tanta intensidade vivem com sua raiva, terminando suas vidas muito
quanto nos defendemos contra a maneira de dizer. (p. 131). antes que a promessa de morte seja cumprida. Mas,
fortalecida por aquelas que deixaram um rastro, cheguei
Encontrando esperança em suas palavras, eu me a um ponto de virada crítico em minha vida “pessoal/
aproximo do risco da AFN com os olhos lacrimejantes e, acadêmica” (Ono, 1997): tenho mais medo do silêncio
como Smith, “prendendo a respiração” . . . e colocando do que da resposta dura que minha voz provavelmente
minha armadura” (Orbe et al., 2010, p. 185). Para acenará. Pelo menos eu acho que estou, ao pegar e soltar
acalmar a enxurrada de medo, volto a olhar para Lorde minha raiva através da AFN, falando não por todas as
(1984) mais uma vez para encorajar: mulheres negras, mas por mim mesma, na esperança
de que minha voz ecoe e afirme as experiências de
Nós podemos sentar em nossos cantos silenciosos para
mulheres que se parecem comigo.
sempre, enquanto nossas irmãs e nossos eus são desper-
diçados, enquanto nossos filhos são distorcidos e destru-
Traçando Minha Raiva
ídos, enquanto nossa terra é envenenada; Nós podemos
sentar em nossos cantos seguros em silêncio como gar-
Inúmeras vezes em minha vida, alguém me
rafas, e ainda assim não teremos menos medo. (Lorde,
perguntou com um tom exasperado: “Rachel, por que
1984, p. 42).
você está tão brava?”, como se a expressão da minha
raiva devesse vir com um sinal de alerta, um pedido
À medida que suas palavras dançam entre meus de desculpas e uma equipe de limpeza. Na maioria
ouvidos, eu adquiro um senso de agência. Engolindo das vezes, minha resposta é fazer perguntas de volta,
sua doce franqueza como um fósforo aceso, minha raiva dizendo: “Olhe para o mundo. Como posso não ficar
se inflama, incitando-me a lutar por mim mesma, na com raiva? Como não ficar com raiva?”. Em um dia em
página com mais força do que nunca, porque mesmo que o atrevimento escapa pela ponta da minha língua,
que eu me cale de todas as maneiras que o mundo me eu poderia acrescentar: “Como o mundo inteiro pode
ordena a fazer como uma Negra/Branca, Branca/Mulher NÃO estar com raiva?” Confrontando essas perguntas,
Negra Outra, ainda assim não terei menos medo. eu descobri a utilidade de rastrear minha raiva feminina
Essa percepção aumenta minha raiva a ponto de negra através e entre as vidas de mulheres que se parecem
transbordar como uma panela de água que atingiu comigo: suas perspectivas, experiências, ações, vidas e
sua fervura escaldante. Sinto-me enfurecida porque mortes. Aqui eu ofereço o mesmo, caso você também
grande parte do meu trabalho diário está ancorado em esteja se perguntando por que estou tão brava. Estou
convencer os outros da minha humanidade. Todos os zangada com os europeus brancos que implantaram as
dias me deparo com o preço de resistir ao que todos raízes da violência sistêmica e do descaso insensível
fomos socializados para acreditar que eu sou: uma nos Estados Unidos quando construíram a instituição
mãe gostosa, uma prostituta faminta por dinheiro, um social da escravidão. Eu estou com raiva dos negros
cargo público. Agachada nos cantos solitários do meu africanos que venderam mulheres que se parecem
coração, temo a lição que nossas histórias pregam: com eles para esse mesmo sistema traiçoeiro. Estou
com raiva porque as condições da escravidão eram tão
Mentes Cerebrais e Corpos vis que muitas mães negras sabiam em seus corações
Humanizados de Mulheres Negras que matar seus bebês lhes oferecia mais alívio do que
viver. Estou com raiva de homens negros que mutilam
NÃO SÃO BEM-VINDOS AQUI e brutalizam os corpos de mulheres negras e usam o
racismo como justificativa para suas escolhas violentas.
Apesar da minha angústia, posiciono meu acesso Estou com raiva por causa do esforço pacificador da
à voz como uma forma de privilégio acadêmico e de sociedade dominante para oferecer lembranças como
classe. Embora forças de opressão sistêmica tenham se fosse uma troca igual pela perda de vidas.
sido e continuem sendo impostas à minha vida, dar
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em meus estudos. Eu não fui obrigada a aprender


Por exemplo, acho preocupante a presença conveniente suas histórias de vida ou admirar suas realizações da
da negritude aos olhos do público, durante o Mês da maneira que me ensinaram sobre George Washington
História Negra, porque nossas realidades como pessoas e Abraham Lincoln como primeiros presidentes
negras são moldadas e sombreadas de acordo com dos Estados Unidos, Elizabeth Cady Stanton como
ideologias racistas durante todo o ano. Estou com sufragista ou Louisa May Alcott como autora de Little
raiva que o Mês da História Negra possa ser intitulado Women. Você pode imaginar minha ira quando soube
com mais precisão Mês da História do Homem Negro, de Henrietta Lacks pela primeira vez quando eu tinha
dada a lembrança das mulheres negras nas margens 29 anos. Ela era uma pobre mulher Negra nascida no
das margens. O exemplo que mais me toca no coração sul segregado dos Estados Unidos que se tornou uma
é que o Dr. Reverendo Martin Luther King Jr., tão das pessoas mais importantes da história da ciência
poderoso quanto se tornou, estava no Ensino Médio médica (Skloot, 2010). Suas células, colhidas de forma
quando Rosa Parks começou a construir as bases para antiética na década de 1950, antes e depois de ela
a resistência coletiva que deu origem ao movimento morrer de câncer cervical, foram as primeiras células
pelos direitos civis (McGuire, 2010). Saber que humanas a crescer fora do corpo humano. Conhecidas
Parks, uma das poucas mulheres negras reconhecidas como células HeLa, elas foram usadas em mais de
nacional e internacionalmente por sua defesa, é mais 60.000 experimentos para desenvolver tratamentos
frequentemente lembrada como secundária a King traz para doenças que vão desde a gripe básica até formas
à tona a dolorosa frustração que apenas o apagamento medonhas de câncer (Cohen, 2011; Skloot, 2010).
e a perda podem trazer. As perguntas que colocam minha raiva na frente e
Eu estou com raiva e consternada por nos no centro são: E se eu não tivesse os recursos para
esquecermos de lembrar das mulheres Negras. Em me educar? E se eu nunca tivesse feito doutorado?
um momento em que nossa nação estava em alta pós- Não esqueçamos que a maioria das mulheres que
racial, eu me encontrei nas profundezas do desespero. se parecem comigo nunca anda pelos corredores da
Quando o então Senador Barack Obama começou a torre de marfim171. Essa realidade sombria exige outra
fazer campanha pela indicação presidencial Democrata, pergunta: por que mais mulheres negras não estão
a empolgação de milhões de Americanos era tangível. posicionadas para escrever nossas vidas em vários
Eu também me arrepiei com a possibilidade de ter um níveis de educação formal? Além disso, por que as
presidente negro e também chorei de alegria em sua obras daquelas que se inscreveram em nossas histórias
posse, e ainda assim minha raiva, pela ausência da geralmente não são indicadas pelos professores?182
memória de Shirley Chisholm, ainda não diminuiu.
Como a primeira mulher Negra eleita para o Congresso EU ESTOU com Raiva. Eu estou com raiva por causa
em 1968 e a primeira mulher e Afro-Americana a fazer do absurdo da nossa ausência.
campanha pela indicação presidencial Democrata em
1972 (Chisholm, 1970; Lynch & Sissel, 2004), EU ESTOU com Raiva. Eu estou com raiva do meu
onde estava seu nome em nossos lábios nacionais? Na silêncio e do seu; da minha cumplicidade e da sua; do
maioria das vezes, ouvi a menção das campanhas de meu mundo e do nosso.
Jesse Jackson em 1984 e 1988, embora ele também
tivesse seguido os passos de Chisholm. Mais uma vez, EU ESTOU com Raiva.
o trabalho inspirador das mulheres negras tornou-se
irritantemente obsoleto. 17 N. T.: Esta expressão se refere a uma metáfora que diz respeito à
Colocando minha própria educação formal na minha Academia ou Universidade. Que expressa também um entendimento
de que esta “torre de marfim” será frequentada majoritariamente por
linha de raiva, eu nunca me inspirei academicamente um grupo específico da sociedade com elevado poder aquisitivo, me
nas obras de mulheres que se pareciam comigo na refiro aqui aos Brancos. Neste sentido, entendemos que a maioria da
população negra e pobre não teria acesso ou oportunidade de fazer
escola porque não eram trazidas para minhas salas de parte deste ambiente.
aula. Com exceção de algumas disciplinas que fiz no 18 Para discussões reveladoras sobre a falta de trabalhos acadêmicos
de e sobre as experiências vividas por mulheres Negras e críticas de
doutorado, perto do final de mais de 20 anos como aluna, como os sistemas de opressão restringem a visibilidade dos trabalhos
as mulheres Negras estavam em grande parte ausentes publicados, particularmente no campo da comunicação, ver Allen
(2002); Davis (1998, 1999); e Houston e Davis (2002).

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Meu Corpo Não É Seu Playground Midiatizado de America’s Next Top Model com modelos aparecendo
em Blackface213é humilhante e problemático. Em
Voltando-se para um campo de extermínio resposta à minha frustração, espelhada pelas críticas
contemporâneo para o corpo feminino negro, a mídia negativas que recebeu na mídia, a Sra. Banks ofereceu:
é como um esquadrão de execução do qual não há
escapatória. Para onde quer que eu me volte como uma Quero ser bem clara: eu, de forma alguma, coloco meus

“espectadora feminista negra” (Madison, 1995; hooks, ‘‘Top Models’’ em blackface [...]. Eu sou uma mulher ne-

1992), vejo imagens do meu corpo refém como Outro; gra. Eu estou orgulhosa. Eu amo meu povo e a luta pela

aprisionada nas imagens controladoras da mammy, qual passamos continua e a última coisa que eu faria é

jezebel, safira, matriarca e a rainha do bem-estar mais fazer parte de algo que degradou minha raça. Sinto muito

contemporânea, hoodrat191, aberração, negra maluca, por qualquer um que assistiu “Top Model” e ficou ofendi-

super-mulher, ou alguma combinação delas (Collins, do com as fotos porque eles não entenderam a verdadeira

2009; hooks, 1989, 1992; Hull et al., 1982; Neubeck história por trás delas ou mesmo se você viu o episódio

& Cazenave, 2001; Reynolds Dobbs, Thomas, inteiro e ainda ficou ofendido, eu realmente peço des-

& Harrison, 2008). Nas trincheiras da “política culpas porque essa não é minha intenção [. . .]. Minha

sexual negra” (Collins, 2005), que informam quem intenção é espalhar beleza e quebrar barreiras. (Acesse

eu me entendo ser e como sou percebida e tratada Hollywood, 2009).

pelos outros, eu me vejo constantemente lutando pela


libertação nas ondas de rádio, na televisão e na tela
Em resposta, posso aceitar seu pedido de desculpas
do cinema, na sala de aula e na calçada. Refletindo
e, no entanto, tudo o que posso pensar em dizer em um
sobre o tempo e a energia que essa luta exige, minha
tom que revela meu temperamento furioso é: Dada a
raiva se manifesta em ondas de injustiça. O corpo que
degradação histórica das performances do Blackface
eu aprecio e a mente que trabalhei duro para cultivar
(Patton, 2008), como diabos pintar mulheres claras e
são continuamente mutilados em canção após canção,
brancas de cor escura ajuda a “espalhar a beleza” e
imagem após imagem e enredo após enredo.
“quebram barreiras”?
Estou com raiva de todos os fãs que compram
Ainda não terminei com os magnatas da mídia,
qualquer álbum que se refira a qualquer mulher negra
também estou com raiva de Tyler Perry por não usar
como uma vadia, uma prostituta ou uma armadilha.
seu talento para representar mulheres Negras como
Quem eu sou não depende de ninguém além de mim,
mulheres fortes e talentosas, apaixonadas por si
independentemente do que eu diga ou como eu pareço, e
mesmas, por quem são e pelo que têm a oferecer, em
ainda assim esses estereótipos são rabiscados nas costas
oposição à cascata das imagens de controle que se
(e nas bundas) de mulheres que se parecem comigo dia
desenrola em Diary of a Mad Black Woman, a série de
após dia. Também estou com raiva de A Princesa e o
filmes Madea, e a recentemente lançada For Colored
Sapo serem celebrados como um sinal de progresso
Girls. Particularmente repugnantes são os estereótipos
social quando a Disney criou a primeira personagem
difundidos em sua adaptação de roteiro de For Colored
de princesa Negra 72 anos após a estreia da primeira
Girls baseado no texto revolucionário de Shange (1975
princesa Branca, a Branca de Neve. Sim, garotinhas
para meninas de cor que consideraram o suicídio
Negras podem amá-la, e sim, o filme pode ser divertido,
quando o arco-íris é suficiente. Seu trabalho original,
mas não esqueçamos que a exclusão de uma princesa
celebrado como uma “bíblia feminista negra”
Negra não foi acidental. Talvez ainda mais revelador é
que a princesa Tiana passou mais tempo na tela como
uma anfíbia verde do que como uma princesa Negra.202 21 N.T.: O blackface é uma prática vista negativamente e ainda muito
criticada pelos movimentos negros dos EUA e do Brasil. Diz respeito,
Uma fonte igual de consternação, Tyra Banks me deixa especificamente, ao fato de usar uma maquiagem escura por uma pes-
furiosa por não entender por que ter um episódio inteiro soa branca para parecer uma pessoa negra. Apresento aqui um trecho de
uma matéria da BBC News Brasil: “O blackface é uma prática que tem
19 N.T.: De acordo com o dicionário Collins (online), se trata de uma pelo menos 200 anos. Acredita-se que ela tenha se iniciado por volta
gíria depreciativa dos EUA que remete a “uma jovem promíscua de de 1830 em Nova York. Mas não se trata apenas de pintar a pele de cor
uma área urbana empobrecida”. diferente. Era uma prática na qual pessoas negras eram ridicularizadas
20 Para discussões populares e acadêmicas sobre a celebração e con- para o entretenimento de brancos. Estereótipos negativos vinham as-
trovérsia em torno de “A Princesa e o Sapo”, ver Barnes (2009); Jones sociados às piadas, principalmente nos Estados Unidos e na Europa.”.
(2009); e Lester (2010). Link: https://www.bbc.com/portuguese/geral-49769321 .

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(Atwater, 2009; Boylorn , 2008; Joseph, 2009;


(black feminist bible) (Tillet, 2010), foi revivido por Madison, 1995, 2009).
Perry apenas para ser invadido por seu privilégio Em momentos de recuo, minha raiva se transforma
patriarcal. Justamente celebrado como o homem em uma dor sem fim por justiça na representação da
mais bem pago na indústria do entretenimento e o mídia. Quero ligar a televisão e ver meu eu radiante,
primeiro proprietário Negro de um grande estúdio de refletido de volta para mim. Eu quero ver uma
cinema (Aitken, 2011; Segal, 2009), Eu estou com mulher Negra intelectual que não esteja figurativa ou
raiva dele por não aspirar a representações positivas literalmente se lixando com seu caminho para o topo,
e progressivas da feminilidade Negra. como se sua mente não pudesse levá-la até lá. Quero
Intelectualmente, eu sei que a mídia trabalha ver a coragem, força e sabedoria das mulheres Negras
para derrubar os corpos femininos negros, porque se aplaudidas e admiradas. Eu quero ver uma mulher
eles não nos jogassem nos espólios da inferioridade Negra valorizada por sua astúcia sem ser ridicularizada.
e do exílio, alguém teria que explicar a falta de Balançando com uma melodia interior de desespero,
representações positivas das mulheres negras. Eu Eu quero que alguém, algum programa de TV, ou
também sei que aqueles na mídia não querem se alguma música, escolha me dizer que eu importo e
explicar para a minha raiva dolorosa; ninguém quer ganhe milhões!
responder ao desgosto feminino negro alimentado
por séculos de indignação – e ninguém o fará, porque EU ESTOU com Raiva. Estou com raiva por causa da
ninguém os faz. Eu posso ouvir os pressentimentos presença repressiva de mulheres Negras na mídia.
de “Rachel, acalme-se. É apenas entretenimento.”
Em resposta de uma só palavra: Não. Não, Eu não EU ESTOU com Raiva. Estou com raiva que a mídia
vou me acalmar, voltar um pouco ou varrer a massa desaprovou meu corpo feminino negro birracial durante
cancerosa de imagens controladoras para debaixo toda a minha vida. Para aqueles que supervisionam a
do tapete proverbial. Importa; representatividade degradação institucionalizada das mulheres Negras na
na mídia importa! Como Collins (2005), não estou mídia, vocês acabaram de tomar um fora. Tome nota:
argumentando que as representações da mídia meu corpo não é mais seu playground.
determinam o comportamento ou o tratamento; no
entanto, a mídia tem o poder de moldar, influenciar e EU ESTOU com Raiva.
sugerir quem são as pessoas e, posteriormente, como
elas podem ser tratadas de maneira aceitável (Collins, Lembrando Nossa Interdependência
2005; Madison, 2005). Para as mulheres Negras, essa e Rezando Minhas Orações
realidade é sombria, portanto, mesmo na ausência
de nós mesmas na cultura popular, somos definidas Não me identifico com a religião organizada e, no
contra as noções dominantes de feminilidade Branca e entanto, faço minhas orações com frequência. Rezo
as características que, hegemonicamente, presume-se pelo reconhecimento mútuo, pela apreciação recíproca
que não temos: inocência, beleza, valor e virtude221. e pela resistência conjunta. Quero que as pessoas olhem
Este ataque implacável de representações negativas umas para as outras com um sentimento melancólico
da mídia em nossa humanidade é decorrente (Collins, de esperança que guie suas mãos machucadas e dedos
2009; hooks, 1992; Jordan-Zachery, 2009); tais práticas quebrados, esmagados por outros antes, a superar suas
continuamente excluem as possibilidades de serem diferenças novamente. Falando de nossa luta imersa na
conhecidas e compreendidas, além da pretensão de política de convivência e voz, bell hooks nos disse há
controlar imagens que promovem desumanização, e muito tempo: “Certamente para as mulheres negras,
para mulheres Negras em particular internalizadas, nossa luta não foi para emergir do silêncio para a fala,
entendimentos de mulheres Negras como inferiores, mas para mudar a natureza e a direção de nossa fala,
não inteligentes, dependentes, ociosas e indignas para fazer um discurso que compele os ouvintes, que
22 Veja Madison (1995) para uma rica crítica feminista negra sobre as seja ouvido” (hooks, 1989, p. 6).
formas como a representação de Vivian, a personagem principal que
é uma mulher Branca em Pretty Woman, reproduz noções dominantes Em essência, as mulheres negras precisam inundar
de inferioridade sobre a mulher Negra apesar da ausência de uma per- as ondas de rádio com nosso orgulho, dor e raiva, e para
sonagem principal Negra.

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estou esperançosa de que podemos e vamos escolher


isso precisamos de amor incondicional e apoio daqueles fazer mais uma pelo outra.
que se parecem conosco e daqueles que não se parecem.
Embora nossas vozes soem diferentes nas interseções de EU ESTOU com Raiva pelo fato de o mundo permanecer
nossas identidades e sejam negociadas pelo privilégio fechado em um olhar de desprezo sobre as mulheres
(se houver) a que temos acesso, temos que falar em Negras.
casa, no trabalho, nas reuniões da prefeitura, na igreja,
nas reuniões de pais e professores, paradas de ônibus, EU ESTOU com Raiva que as populações marginalizadas
conferências, clínicas, academias e na mídia – em todos permaneçam presas em políticas divisórias que
os lugares, o tempo todo. mascaram o potencial de construir coalizões em meio
Precisamos nos acostumar com som de nossas às nossas diferenças.
próprias vozes exigindo espaço e respeito porque cada
um de nós merece, e devemos entender que todos EU ESTOU com Raiva. Não uma safira histérica,
somos dignos da energia do outro. Neste momento, doente, desmiolada, excêntrica, maluca, tola, infantil,
lembro-me da perspicácia de Maria Stewart quando juvenil, selvagem, brutal, primitiva, incivilizada,
ela disse: “Você só pode morrer se tentar; e certamente grosseira, rude, inepta, estupida, estressada, mas justa
morreremos se você não o fizer” (qtd. in Richardson, e justificadamente com raiva.
1987, p. 38). Sua franqueza fortalece minha crença de
que nossos futuros interdependentes estão claramente Temos sido tão invisíveis para a cultura dominante
escritos nas paredes opressivas de nossos tempos, a quanto a chuva; temos sido conhecedoras, mas não
menos que nós mesmos os apaguemos, reconstruamos somos conhecidas. (Braxton, 1989, p. 1).
e reescrevamos. Mantendo a fé na humanidade, as
mulheres Negras precisam resistir, imaginar e insistir Um Fim Momentâneo
em um mundo diferente.
Se sua língua formigar de medo com a noção de Exausta ao chegar ao fim de minhas intermináveis
segurar sua voz resistente e seus ouvidos se encolherem reflexões autoetnográficas feministas negras, minha
antecipando as palavras que ouvirão em resposta, raiva é acompanhada pela percepção de que o que
quero que você saiba que os meus também. Se seu eu quero é que as pessoas reconheçam com um
estômago se sente mal com o pensamento de reclamar senso de urgência que as mulheres negras – todas as
publicamente, quero que você saiba que o meu também. mulheres negras – importam. Coletivamente, quero que
Chorei até sentir frio por dentro tentando encontrar meu lembremos que Sarah Baartman foi dissecada e exibida
caminho de casa para mim mesma, e minhas lágrimas em nome do conhecimento científico (Fausto-Sterling,
frias aqueceram minhas bochechas tentando encontrar 1995) e Margaret Garner matou sua filha para poupá-la
meu caminho de casa para você. Aproximando-me da dos horrores da escravidão (Mintz, 2009). Quero que
minha verdade com raiva, eu realmente só quero que as imaginemos o preço pago por Angela Davis quando
pessoas nos vejam umas nas outras. Um novo senso de foi forçada a fugir de um país que deveria ser sua casa
responsabilidade consigo mesma e com as outras abala (Davis, 1974)231e Anita Hill quando foi sacrificada ao
minha alma quando me entendo como toda mulher Negra aceitar testemunhar ao patriarcado branco, a pedido
que foi abusada, esquecida e desmoralizada. Sou toda de uma intimação federal, contra o assédio sexual de
mulher Negra que 16 anseia por ser querida, protegida
e amada apenas para ser sistematicamente desprezada
enquanto reza aos céus para que sua mente, corpo e
23 Angela Davis era uma ativista política quando foi apontada como
espírito possam resistir a outro golpe brutal. Abraçando cúmplice de um tiroteio em massa ocorrido em agosto de 1970; ela foi
a interconexão da humanidade compartilhada, eu sou acusada porque algumas das armas usadas estavam registradas em seu
nome (Davis, 1974; James, 1998). Acreditando que as acusações eram
parte dela e você é parte de mim. Meu apelo para que injustas e baseadas em sua associação com os Partidos Comunista e dos
as pessoas se vejam umas nas outras não pretende Panteras Negras, juntamente com seu medo das práticas desumanas do
governo dos EUA, ela fugiu por dois meses e foi listada como uma das
minimizar o significado de nossa individualidade única Mais Procuradas do FBI. Capturada em 1970, ela foi acusada de cons-
nas interseções. No entanto, apesar de nossas diferenças, piração, sequestro e assassinato e, em seguida, totalmente absolvida em
1972 (James, 1998).

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desafiar as forças opressoras que as mulheres Negras


Clarence Thomas (Morrison, 1992). Quero que 241
encontram em suas vidas cotidianas, tanto seu potencial
respeitemos Desiree Washington por sua coragem de quanto seu poder serão minados se não for usado para
nomear Mike Tyson, o mais jovem campeão mundial construir alianças humanizadoras nas interseções da
dos pesos pesados em 1986, como seu estuprador marginalização e do privilégio. Lembrando-nos da
(ABC News, 1992).252Combinado com meu desejo complexidade de tal trabalho, Anzaldúa (1990) diz:
de que iluminemos nossa memória coletiva, quero
que reconheçamos a luta que os sistemas de opressão O trabalho de aliança é a tentativa de mudar de posi-

exigem para que as mulheres Negras perseverem, ção, mudar de posição, reposicionar-nos em relação a

tenham sucesso e até mesmo apenas respirem. nossas identidades individuais e coletivas. Em aliança,

Embora a autoetnografia feministas negra (AFN) somos confrontados com o problema de como comparti-

não possa retificar os repetidos fracassos da sociedade lhamos ou não o espaço, como podemos nos posicionar

dominante em respeitar a humanidade das mulheres com indivíduos ou grupos que são diferentes uns dos

Negras, nem erradicar os danos que as mulheres outros e estão em desacordo uns com os outros, como

negras já sofreram e continuam sofrendo, o que a podemos conciliar o amor de uma pessoa por diversos

AFN pode fazer é marcar nossa presença determinada grupos quando os membros desses grupos não se amam,

e nossas ricas contribuições dentro e fora da academia; não podem se relacionar e não sabem como trabalhar

documentar nossa força em meio à rotina das lutas juntos. (p. 219).

impostas; servir como uma liberação emotiva; e talvez


o mais importante, preservar a sabedoria coletiva Ao escolher as palavras de Anzaldúa dessa página,
de nossas experiências vividas. Nesse sentido, a entendo a construção de alianças como difícil, ousada e
AFN surge como um canal de difusão para a voz indispensável. Isto não quer dizer que certas identidades
resistente e situa as mulheres Negras não apenas como não possam ser tornadas mais ou menos salientes,
conhecedoras, que leem a cultura dominante como que questões baseadas na identidade não possam ser
meio de sobrevivência, mas também como conhecidas posicionadas como mais ou menos significativas, ou
por meio de nossas próprias palavras e expressões. que as pessoas devam ideologicamente concordar
Ainda que eu esteja convencida do poder da AFN em se unir; mas é para dizer que, se os sistemas de
de florescer como um meio acadêmico para destacar e opressão funcionam em uníssono, os que são alvos
24 Anita Hill foi convocada pelo Comitê Judiciário do Senado dos
de forças opressoras também deveriam funcionar.
EUA, como sobrevivente de assédio sexual, para testemunhar contra Enfatizando nosso interesse em ouvir, sentir e levar a
seu agressor, Clarence Thomas, quando ele foi nomeado para a Supre-
ma Corte em 1991. Forçada a testemunhar em audiências convocadas
sério as reflexões autoetnográficas de múltiplos Outros,
para determinar se Thomas seria confirmado como o 106º Juiz da Su- Lorde (1983), que também foi alvo simultaneamente
prema Corte, o testemunho de Hill foi ao ar em todo o mundo atra-
vés da mídia, o que resultou em críticas racistas e sexistas dirigidas a
de racismo, sexismo e heterossexismo, nos diz:
Hill, apesar de sua posição como sobrevivente da violência de gênero.
Apesar de seu testemunho confiável e gráfico, Hill foi condenada ao Não posso me dar ao luxo de lutar contra uma única for-
ostracismo como uma safira traidora enquanto Thomas foi confirmado
ma de opressão. Não posso me dar ao luxo de acreditar
na Suprema Corte. Ilustrando a natureza contínua da violência con-
tra as mulheres negras, Hill foi recentemente contatada por Virginia que a liberdade da intolerância é o direito de apenas um
Thomas, esposa de Clarence Thomas: Virginia Thomas deixou uma
grupo em particular. E não posso me dar ao luxo de es-
mensagem telefônica em outubro de 2010 solicitando um pedido de
desculpas de Hill e uma explicação: “por que você fez o que fez com colher entre as frentes nas quais devo combater essas
meu marido” (Savage, 2010). Para discussão popular e acadêmica so- forças de discriminação, onde quer que apareçam para
bre o significado das audiências, ver Bell (2004); Gibbs (1991); Mor-
rison (1992); e Smolowe (1991). me destruir. E quando elas aparecerem para me destruir,
25 Logo após as audiências de Thomas-Hill, Desiree Washington tes- não demorará muito até que elas apareçam para destruir
temunhou contra Tyson por estuprá-la em seu quarto de hotel em 1991
em State of Indiana v. Michael G. Tyson. Ela fez isso apesar de um você. (p. 9).
grande número de ameaças, acusações de que ela estava mentindo e
sendo estereotipada como uma jezabel “garimpeira” (gold- digging =
uma “mulher que busca meio de obter ouro, dinheiro a qualquer cus-
to). Tyson foi sentenciado a seis anos, cumpriu apenas três, e então Nesse sentido, torna-se essencial entender a AFN
foi recebido de volta à sua casa em Southington, Ohio, por fãs e um não apenas como meio de resistência, mas também
desfile, liderado pelo reverendo Al Sharpton, no Harlem, Nova York
(Coleman, 1995; Simms, 1995). Para discussão popular e acadêmi- como instrumento de construção da comunidade.
ca do significado deste caso, ver Brown (1999); Roberts e Garrison
(1994); Rosenfeld (1992); Steptoe (1992); e White (1999).

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Em suma, as histórias que contamos sobre nossas accesshollywood.com/tyra banksfinally-addresses-top-


vidas são importantes. As histórias podem inspirar model-bi-racial-photo-shoot-controversy_article_25749
autorreflexividade, expor o intrincado funcionamento do
poder e trazer à luz a cumplicidade e a complacência com Aitken, P. C. (2011, September 13).Tyler Perry tops
a dominação; elas também podem contemplar o “poder Forbes’ list of highest-paid men in entertainment
de resistência e o potencial libertador” (Flores, 2000, with $130 million made in a year. New York Daily
p. 692) e desencadear a possibilidade de identificação News. Retrieved from http://articles.nydailynews.
e confiança entre diferentes identidades e interesses. com/2011-09-13/entertainment/30173758_1_forbes-
Tendo falado através da AFN, preciso de tempo para list brownsand-house-tyler-perry
descansar e me curar. Meu corpo como uma ponte entre
o privado e o público/pessoal e acadêmico/eu e o outro Allen, B. (1998). Black womanhood and feminist
(Anzaldúa, 1990; hooks, 1989; Ono, 1997) se sente standpoints. Management Communication Quarterly,
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machucam ao socar o teclado, e minha cabeça dói de
correr para acompanhar meu coração. Sinto-me esgotada Allen, B. J. (2002). Goals for emancipatory
ao máximo, mas permaneço comprometida agora mais communication research on Black women. In M.
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