Monografia Manuel
Monografia Manuel
Monografia Manuel
DELEGAÇÃO DE MAPUTO
LICENCIATURA EM DIREITO
DELEGAÇÃO DE MAPUTO
TEMA
SUPERVISOR:
REALIZADO POR:
LICENCIATURA EM DIREITO
Eu, Manuel Inácio Matsinhe, declaro por minha honra que o presente trabalho é da minha autoria e
nele observei os requisitos e recomendações do Instituto Superior Mutasa - ISMU concernentes à
elaboração de trabalhos de investigação científica. Declaro ainda que este trabalho não foi
apresentado em nenhuma outra instituição para obter qualquer grau académico.
Maputo.Março de 2024
------------------------------------------------
i
DEDICATÓRIA
ii
AGRADECIMENTOS
Nada neste mundo é alcançado sem a Graça de Deus. Minha mais humilde e gratidão
sincera são, portanto, oferecidas ao Todo-Poderoso, que graciosamente me abençoou com a
oportunidade de realizar esta tarefa.
Ao meu supervisor, Mestre Ivan Eric, pela paciência, orientação, conselho, encorajamento
e ensino ao longo deste grau licenciatura, e especialmente durante esta pesquisa, são todos
imensamente apreciados. Sem a sua dedicação desta monografia não teria sido possível.
A toda minha família, em especial a minha esposa e filhos, que sempre estiveram dispostos
a me ajudar em tudo, não medindo esforços, o meu muito obrigado um sincero agradecimento é
estendido..
iii
RESUMO
iv
ABSTRACT
The objective of this paper is to analyze the legal perspective on the civil liability of children for
abandonment by elderly parents in Mozambique. However, to achieve this objective as a
methodology, a qualitative approach was chosen that consisted of reading and interpreting the
existing legal mechanisms on the matter under analysis. From this research we can see that even if
the issue of family solidarity in the Mozambican context, the accountability of children is non-
existent. With this work, it can be demonstrated that it is the duty of children to provide assistance
to their elderly parents or even in case of need, guaranteeing them a safe and adequate life, and
therefore the non-compliance with this care generated by abandonment must be held responsible.
In this way, we also realize that greater effectiveness is needed in the protection instruments for
parents in vulnerable situations.
v
ÍNDICE GERAL
DECLARAÇÃO DE COMPROMISSO DE HONRA i
DEDICATÓRIA......................................................................................................................ii
AGRADECIMENTOS............................................................................................................iii
RESUMO................................................................................................................................iv
ABSTRACT.............................................................................................................................v
CAPITULO I - INTRODUÇÃO..............................................................................................1
1.1. Contextualização...............................................................................................................1
2.1. Família...............................................................................................................................7
2.1.3. Filiação.........................................................................................................................10
2.1.4. Abandono.....................................................................................................................11
vi
CAPÍTULO III: ANÁLISE E DISCUSSÃO DE RESULTADOS........................................25
5.1 Conclusão.........................................................................................................................35
5.2. Recomendações...............................................................................................................37
Apêndice- Questionário..........................................................................................................41
vii
CAPITULO I - INTRODUÇÃO
1.1. Contextualização
No entanto, a aplicação dessas leis no contexto específico do abandono dos pais idosos
pelos filhos enfrenta vários desafios. Um desses desafios é a questão da prova. Provar o
abandono dos pais idosos pode ser difícil, especialmente quando há dependência emocional
ou financeira entre as partes envolvidas. Além disso, a falta de registros adequados ou
testemunhas pode complicar ainda mais o processo de estabelecer responsabilidade.
1
Portanto, no contexto jurídico moçambicano, abordar a responsabilidade civil dos
filhos pelo abandono dos pais idosos requer uma abordagem holística que leve em
consideração não apenas as questões legais, mas também os aspectos culturais, sociais e
econômicos envolvidos. Isso pode incluir o fortalecimento do sistema jurídico para lidar com
casos relacionados aos idosos, o desenvolvimento de programas de conscientização e
educação sobre os direitos dos idosos e o fornecimento de apoio e recursos adequados para as
famílias que enfrentam dificuldades em cuidar de seus membros idosos.
A responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais idosos é um tema sensível
e complexo que tem ganhado cada vez mais relevância em diversas sociedades, incluindo
Moçambique. O envelhecimento da população é uma realidade global, e países em
desenvolvimento, como Moçambique, enfrentam desafios específicos relacionados ao cuidado
e proteção dos idosos.
Moçambique é um país situado na região sudeste da África, caracterizado por sua rica
diversidade cultural, mas também por desigualdades sociais e econômicas significativas. Com
a urbanização crescente e mudanças nos padrões familiares, o tradicional sistema de apoio
intergeracional, em que os mais velhos eram naturalmente cuidados pelos filhos e familiares,
vem enfrentando pressões e desafios.
Ao longo dos anos, a vida moderna, a migração para centros urbanos em busca de
emprego e oportunidades, bem como a crescente influência de valores individualistas,
levaram a uma mudança nos papéis e responsabilidades familiares. Como resultado, muitos
idosos têm sido negligenciados ou abandonados, o que levanta questões importantes sobre a
responsabilidade legal dos filhos em relação aos pais idosos.
2
É facto que a família é o porto seguro de todo ser humano, desde o nascimento, é o
primeiro referencial da socialização e de estabelecimento de vínculos sociais, sendo
responsável pelo equilíbrio físico, psíquico e afectivo, e quando há ausência ou rompimento
desse laço, cria-se um vazio, uma sensação de desamparo total. Por um lado os progenitores
têm a obrigatoriedade de prestação de alimentos, os filhos menores e incapacitados, é também
dever dos filhos de prestarem assistência afectiva aos pais, tal como se pode vislumbrar do
artigo 258 da Lei n.º 22/2019 de 11 de Dezembro, Lei da Família:
1. Os pais e filhos devem-se mutuamente respeito, cooperação,
auxílio e assistência.
2. O dever de assistência compreende a obrigação de prestar
alimentos1 e a de contribuir, durante a vida em comum, para os
encargos da vida familiar, de acordo com os recursos próprios.
3. Os filhos devem assistir os pais sempre que estes careçam de
alimentos nos termos do disposto nos artigos 417 e seguintes da
presente Lei.
Essa lacuna não só impacta diretamente a qualidade de vida e o bem-estar dos idosos,
mas também levanta questões éticas e morais sobre o papel da família e da sociedade no
cuidado dos mais velhos. Diante desse contexto, surge a necessidade premente de uma
1
Nos termos do artigo 417 da Lei n.º 22/2019 de 11 de Dezembro (Lei da Família) 1. Por alimentos entende-se
tudo o que é indispensável à satisfação das necessidades da vida do alimentado, nomeadamente, o seu sustento,
habitação, vestuário, saúde e lazer. 2. Os alimentos compreendem também a instrução e educação do alimentado
no caso de este ser menor ou, ainda que maior, se encontrar na situação descrita no artigo 295 da presente Lei.
3
investigação aprofundada que explore os desafios jurídicos enfrentados na aplicação da
responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais idosos na ordem jurídica
moçambicana. Quais são os desafios jurídicos específicos e as barreiras institucionais que
dificultam a aplicação efectiva da responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais
idosos na ordem jurídica moçambicana?
Além disso, o abandono de idosos não apenas viola seus direitos individuais, mas
também tem repercussões sociais e econômicas abrangentes. O abandono pode resultar em
danos físicos e psicológicos graves para os idosos, aumentando a demanda por serviços de
saúde e assistência social. Além disso, sobrecarrega o sistema de justiça ao lidar com disputas
familiares e questões de responsabilidade civil.
Outro ponto relevante é a necessidade de fortalecer a proteção dos direitos dos idosos
e promover uma cultura de respeito e cuidado para com os mais velhos. Esta pesquisa tem o
potencial de informar políticas públicas e práticas jurídicas mais eficazes que garantam o
cumprimento dos direitos dos idosos e a responsabilização daqueles que os negligenciam.
4
Portanto, esta pesquisa é justificada pela necessidade premente de compreender os
desafios jurídicos na aplicação da responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais
idosos em Moçambique, bem como pelo potencial de contribuir para o desenvolvimento de
soluções eficazes que protejam os direitos dos idosos e promovam o bem-estar social e
jurídico da sociedade como um todo
Analisar a eficácia jurídica da responsabilidade civil dos filhos por abandono dos pais
idosos em Moçambique.
A responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais idosos é um tema relevante
e sensível em Moçambique, assim como em outras sociedades que enfrentam desafios
relacionados ao envelhecimento da população. Este trabalho foi estruturado com 5 capitulos.
No primeiro fez-se uma contextualização breve do trabalho, justificativa e objectivos.
5
familiares. Também serão consideradas as mudanças sociais, econômicas e culturais que
podem estar contribuindo para o aumento desse fenômeno.
No quarto foi de feita a análise e Discussão dos Dados, os dados obtidos na revisão da
literatura e na pesquisa serão analisados e discutidos em profundidade. Serão identificadas as
principais tendências, padrões e problemas relacionados à responsabilidade civil dos filhos
pelo abandono dos pais idosos em Moçambique. Foram discutidas as implicações legais,
sociais e culturais desse fenômeno, bem como os impactos para a sociedade moçambicana
como um todo. Serão apresentadas conclusões e recomendações com base nos resultados
obtidos na pesquisa.
6
II. CAPITULO I. REVISÃO DA LITERATURA
2.1. Família
A família pode ser entendida como um grupo de pessoas que vivem juntas e
compartilham responsabilidades mútuas, tanto emocionais quanto práticas. As formas de
família podem ser diversas, como a família nuclear tradicional, famílias monoparentais,
famílias reconstituídas, famílias extensas, entre outras. “A família não é apenas um grupo de
pessoas que compartilham o mesmo teto, mas sim um lugar onde se encontram o amor, o
cuidado e o apoio mútuo.” - Desmond Tutu
Além dos laços afectivos e da convivência diária, a família desempenha várias funções
importantes na vida de seus membros. Ela é responsável pela socialização das crianças,
transmitindo valores culturais, éticos e morais, além de ajudar na construção da identidade de
cada indivíduo.
7
“A família é a primeira escola para as crianças, onde elas aprendem sobre o amor, respeito e
valores fundamentais.” - Barbara Bush
A classificação da pessoa como idosa é influenciada por fatores culturais, sociais e até
mesmo legais, variando de um país para outro. Por exemplo, alguns países podem adotar uma
idade mais baixa ou mais alta para definição de pessoa idosa em suas legislações. Na maioria
das sociedades, a chegada à terceira idade é vista como uma fase da vida marcada por
mudanças físicas, psicológicas e sociais. As pessoas idosas podem enfrentar desafios
relacionados à saúde, como a diminuição da capacidade física e doenças crônicas, bem como
questões psicológicas, como a solidão ou a adaptação à aposentadoria.
8
países têm leis e políticas específicas para garantir a proteção e a dignidade das pessoas
idosas, buscando assegurar-lhes uma qualidade de vida adequada, o acesso a cuidados de
saúde, o respeito aos seus direitos e a participação ativa na comunidade.
O critério etário, é o mais prudente, adequado para a qualificação da pessoa que atinge
a etapa idosa em sua vida, pois é objectivo, sem maiores perquirições pessoais. Ao completar
o sexagésimo ano de sua vida, toda e qualquer pessoa física, para todos os efeitos legais, é
considerada idosa, independente de suas condições físicas, psíquicas, emocionais, sociais,
econômicas (Rodrigues, 2016, p. 16).
Com a definição da Resolução nº 84/2002 (GdM 2002), fica evidente que este
conceito teve como base a questão etária indo ao encontro da perspectiva da Organização das
9
Nações Unidas (ONU), onde se preconiza que o limite etário mínimo quando a questão se
referi ao conceito da pessoa idosa devera ser de 60 anos. Segundo essa perspectiva acredita-se
que este é aquele que melhor espelha a realidade verificada num maior número de países no
continente africano.
Em suma, a pessoa idosa é aquela que atingiu uma fase avançada da vida e que merece
respeito, cuidado e valorização, reconhecendo suas contribuições passadas e presentes para a
sociedade. É importante considerar suas necessidades e promover políticas e práticas que
assegurem a dignidade e o bem-estar das pessoas idosas em nossa comunidade.
2.1.3. Filiação
O Direito da Filiação pode ser analisado em sentido amplo, isto é, incluindo tanto a
filiação biológica como a filiação jurídica (que podem coincidir ou não). Já a filiação em
sentido estrito refere-se ao laço biológico de parentesco (é esta a acessão dos artigos 1796.º e
seguintes). A filiação em sentido amplo abrangerá tanto aquela gerada pelo vínculo biológico,
como a afectiva e meramente jurídica (como a adopção).
Existem vários princípios constitucionais relevantes nesta sede, tais como: - o direito
de constituir família, artigo 119º, n.º 1 da Constituição da República de Moçambique – CRM
(na medida em que todos têm o direito de ver juridicamente reconhecidos os seus laços de
10
parentesco); - A família é responsável pelo crescimento harmonioso da criança e educa as
novas gerações nos valores morais, éticos e sociais. (artigo 120.º, n.º 2 CRM) 2 - Os pais e as
mães devem prestar assistência aos filhos nascidos dentro e fora do casamento. (120.º, n.º 4
CRM).
2.1.4. Abandono
O abandono pode ser entendido como o distanciamento entre pais e filhos instigado
pela ausência de cuidado, educação, companhia e afectividade. Nessa realidade, a
convivência familiar é um critério para caracterizar essa conduta, visto que ela se compõe
pela ausência de um dos genitores, ou ambos, no quotidiano do filho. Desse modo, é
obrigação de ambos participarem efectivamente da vida criança ou adolescente, em todos os
âmbitos, a partir da convivência, juntamente com toda e qualquer assistência.
Para conceituar o abandono pode dizer-se que nada mais é que negligência, ausência
dos pais na vida dos filhos e neste caso concreto ausência dos filhos na vida dos pais. Deve
levar em conta que ao abandonar um pai idoso é de certa forma a falta de comprometimento
da solidariedade familiar sendo que a justiça oferece o direito a alimentos 2.
2
Segundo o artigo n.º 411º Lei n.º 22/2019 de 11 de Dezembro (Lei da Família) os alimentos podem assumir a
natureza de definitivos ou provisórios, sendo que estes últimos se destinam a obstar que o menor, enquanto não
lhe forem atribuídos alimentos definitivos, se veja privado dos meios que necessita para conseguir viver com
dignidade. Deste modo, os alimentos devidos a menor compreendem tanto as quantias necessárias à sua
instrução e educação, como as quantias necessárias para prover o seu sustento, habitação, vestuário, saúde e
segurança, competindo a ambos os pais prestar esses alimentos
11
Assim, a falta de convívio, cumplicidade entre pais e filhos tende a gerar um
rompimento do elo de afectividade, o que pode comprometer seriamente a saúde física e
psicológicas dos pais idosos pela sua situação de vulnerabilidade. Sendo que essas situações
o torna uma pessoa insegura, infeliz e consequentemente terá grandes sequelas psicológicas
e consequentemente uma morte infeliz.
Assim, face a questão do abandono, Lobo (2008) acredita que ao tratar do abandono
em todas as suas formas há um dever imposto aos pais em relação os seus filhos menores e
incapacitados assim como dos filhos aos seus pais idosos, ainda que haja desamor ou
desafeição entre eles”
Essa posição jurídica tem como fundamento a questão da igualdade de todos perante a
lei, a situação social, económica e política como podemos ler do artigo 35 da CRM:
3
Os preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais são interpretados e integrados de harmonia com
a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Carta Africana dos Direitos
12
“Todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos
mesmos direitos e estão sujeitas aos mesmos deveres,
independentemente da cor, raças, sexo, origem étnica, lugar de
nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado
civil dos pais, profissão ou opção política”
Assim, fica claro que é neste normativo que se encontra salvaguardado outros direitos
fundamentais, como sejam a protecção do direito a identidade pessoal, ao desenvolvimento da
personalidade à capacidade, ao bom nome, à reserva da vida privada e familiar ou protecção
contra qualquer forma de discriminação.
De uma forma específica quando a questão é a pessoa idosa podemos ainda perceber
que para além dos direitos fundamentais ela tem alguns direitos que devem ser observados
como podemos ler no artigo 125 da CRM :
13
2.3. Responsabilidade Civil
Em outras palavras, quando alguém causa um dano a outra pessoa ou a seus bens, essa
pessoa pode ser responsabilizada civilmente e ter a obrigação de compensar os prejuízos
causados. A Responsabilidade Civil pode abranger uma ampla gama de situações, incluindo
acidentes de trânsito, danos causados por produtos defeituosos, negligência profissional,
invasão de privacidade, difamação, entre outros.
14
incentivando o cuidado e a prudência por parte de todos os cidadãos e empresas em suas
atividades cotidianas.
A responsabilidade civil quanto a origem encontra-se na Lei de Talião (olho por olho,
dente por dente), cujo objectivo era devolver o mal pelo mal (sistema arcaico). A Lei das XII
Tábuas (450 a. C) adoptou a Lei de Talião, e também estabelecia uma responsabilidade
pessoal (COELHO, 2012,p. 22).
É uma verdade que a teoria da culpa trazida pela legislação francesa não respondeu
com o passar do tempo os novos casos concretos que foram surgindo em diversos contextos
facto que fez com que novas teorias de culpa surgissem. Tais teorias são amparadas em várias
legislações mundiais, sem, contudo, fazer desaparecer totalmente a teoria clássica da culpa, o
que ocorreu inclusive com o Código Civil Moçambicano.
A responsabilidade civil pode ser objectiva assim como pode ser subjectiva, no que se
refere ao instituo da responsabilidade civil por abandono dos pais no ordenamento jurídico
moçambicano.
A responsabilização civil por danos pressupõe alguns factos, uma vez que todos os
actos ilícitos são aqueles que contrariam as normas objectivas do ordenamento jurídico
lesando desde modo o direito subjectivo de alguém.
Nesta lógica faz nascer à obrigação de reparar o dano de que se pode ler no artigo 483
do Código Civil Moçambicano (CC) vigente: “Aquele que, por acção ou omissão voluntaria,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete acto ilícito” assim estamos diante de um acto ilícito.
15
Assim, por forma aludir o dever de indemnizar, faz-se necessário a verificação de
certos pressupostos, factores, factos dominantes, elementos representantes da retribuição
social, assim para que haja uma responsabilidade civil do agente infractor é necessário que
haja: Acção ou omissão violadora do Direito; Dano; Culpa ou dolo do Agente; Nexo de
Causalidade.
Como verificamos anteriormente, não se pode falar de uma responsabilidade civil sem
dano, assim o ónus de prova cabe a pessoa que invoca tal direito. Dessa forma, fica evidente
que o dano é o elo de imputação da responsabilidade civil, e torna importantes as
consequências que a partir dela possa advir o dever de reparação.
Segundo Antunes Varela, o direito subjectivo é o poder conferido pela ordem jurídica
a certa pessoa de exigir determinado comportamento de outrem, como meio de satisfação de
interesse próprio ou alheio. O titular do direito subjectivo não é apenas um vigilante do
comportamento, é um árbitro em cada caso concreto da tutela jurídica do dever.
Tendo como base a questão do abandono dos pais pelos filhos no contexto
moçambicano, vários são os danos que são causados a esses pais, seja por acção, omissão ou
mesmo por negligência por parte dos seus filhos, que por culpa exclusiva dos filhos muitas
vezes são privados dos seus direitos fundamentais e sendo dever da família o de cuidar, dai
que havendo a violação desse dever, é possível despoletar o instituto da responsabilidade
civil.
16
Face ao tema em análise é possível ter elementos suficientes para responsabilizar os
filhos pelo abandono dos pais idosos pois o Código Civil Moçambicano estabelece que
“aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer
disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado
pelos danos resultantes da violação (Cfr artigo 483 Código Civil Moçambicano).
2.5. Responsabilidade civil dos filhos por abandono dos pais idosos em Moçambique
A questão da relação jurídica entre os pais e os filhos tem sua base jurídica na ideia de
filiação e paternidade. Assim segundo Gonçalves (2012, p.318): “A filiação é o parentesco
consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram,
ou a receberam como se tivessem gerado. Todas as regras sobre parentesco consanguíneo
estruturam-se a partir da noção de filiação, pois a mais próxima, a mais importante, a
principal relação de parentesco é a que se estabelece entre pais e filhos.”
A lei prevê a especial obrigação a cargo dos progenitores de proverem ao sustento dos
filhos cujo conteúdo repousa nos vínculos da filiação e nos poderes-deveres incluídos nas
responsabilidades parentais. O dever de assistência entre pais e filhos tem duas vertentes
como podemos observar no artigo 258 da Lei n.º 22/2019 de 11 de Dezembro - Lei da
Família:
17
obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a
vida em comum, para os encargos da vida familiar, de acordo
com os recursos próprios. 3. Os filhos devem assistir os pais
sempre que estes careçam de alimentos nos termos do disposto
nos artigos 417 e seguintes da presente Lei.
Com esta informação fica assim evidente que relativamente nesta relação tanto o pai
assim como filho têm obrigação e dever de se cuidar mutuamente sendo esses um princípio de
solidariedade familiar.
Acresce que, as referidas normas devem ser interpretadas à luz da nossa Constituição,
mormente o disposto no seu artigo 120º n.º 3, sob pena da tutela da solidariedade familiar
esvaziar de sentido o princípio de que é aos pais a quem incumbe, primacialmente, a
obrigação de educar, sustentar e manter os seus filhos.
Associados ainda a essa questão da responsabilidade dos filho um novo conceito nos é
apresentado pelo legislador como forma de garantir maior protecção a todos os elementos da
18
família que é o princípio da solidariedade incide permanentemente sobre a família, impondo
deveres a ela enquanto ente colectivo e a cada um de seus membros, individualmente. Ao
mesmo tempo, estabelece directriz ao legislador, para que o densifique nas normas
infraconstitucionais e para que estas não o violem; ao julgador, para que interprete as normas
jurídicas e solucione os conflitos familiares tendo em vista as interferências humanas que
encerram, sem a dura escolha do tudo ou nada.
A responsabilidade dos filhos decorre dos princípios assegurados pela própria CRM
bem, como pela lei, sem como dos protocolos ratificados como exemplo, a dignidade da
pessoa humana e a solidariedade. A partir da dignidade da pessoa humana são elencados
todos os direitos inerentes a condição humana: direito à vida; à saúde; à alimentação; à
educação; à cultura; ao exporte; ao lazer; ao trabalho; à cidadania, entre outros.
19
CAPÍTULO II: METODOLOGIA DE PESQUISA
20
3.1. Tipo de abordagem
Para uma pesquisa sobre a responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais
idosos em Moçambique, uma abordagem qualitativa seria adequada e enriquecedora. A
abordagem qualitativa é uma metodologia de pesquisa que busca compreender e interpretar os
fenômenos sociais de forma mais profunda, explorando as perspectivas, percepções e
experiências dos participantes.
21
Perspectiva dos participantes: A abordagem qualitativa coloca os participantes no
centro da pesquisa, permitindo que suas vozes, percepções e experiências sejam valorizadas.
Isso é essencial para entender o fenômeno do abandono de pais idosos a partir das
perspectivas dos próprios filhos e dos idosos afetados.
22
3.2. Amostra e Procedimentos
Como forma de recolher os dados para essa pesquisa optamos por um questionário com
perguntas abertas para os primeiros 50 elementos que participaram desse estudo, e para os
restantes 50 elementos dessa pesquisa sendo todos idosos optamos em fazer uma entrevista
semi-estruturada4.
Na pesquisa sobre a responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais idosos
em Moçambique, a definição dos critérios de seleção da amostra é um passo crucial para
garantir a representatividade e relevância dos dados coletados. Dada a natureza complexa e
sensível do tema, é importante que a amostra seja selecionada de forma cuidadosa e
estratégica. Alguns dos critérios que podem ser considerados para a seleção da amostra
incluem:
Faixa etária dos filhos: Considerar a faixa etária dos filhos envolvidos é essencial,
pois diferentes gerações podem ter perspectivas e experiências distintas em relação ao
cuidado dos pais idosos.
4
Neste tipo de entrevistas o entrevistador pergunta para os diversos entrevistados uma mesma série de perguntas
pré-estabelecidas, ficando o entrevistador preso ao enunciado específico no roteiro da entrevista: ele não é livre
de adaptar suas perguntas à situação específica, de modificar a ordem dos tópicos ou de fazer perguntas Gil A.C
(2008) Métodos e Técnicas de Pesquisa Social São Paulo Atlas
23
Diversidade cultural: Moçambique é uma nação culturalmente diversa, e é
importante garantir a inclusão de participantes de diferentes grupos étnicos e culturas
para entender como as tradições e normas culturais podem afetar a responsabilidade
dos filhos em relação aos pais idosos.
Relações familiares: A amostra pode incluir filhos que tenham diferentes tipos de
relações familiares, como aqueles que vivem com os pais idosos, aqueles que vivem
separados e aqueles que residem em outras localidades. Isso permitirá entender como
a proximidade física afeta o cuidado dos idosos.
Experiências com abandono de idosos: Pode ser relevante incluir filhos que tenham
experiências de abandono de pais idosos ou que tenham conhecimento de casos de
abandono em suas famílias ou comunidades. Isso fornecerá insights sobre as razões e
implicações desse comportamento.
24
CAPÍTULO III: ANÁLISE E DISCUSSÃO DE RESULTADOS
O capítulo de análise e discussão dos dados foi uma etapa essencial desta pesquisa
sobre a responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais idosos em Moçambique.
Neste capítulo, os resultados coletados por meio da metodologia qualitativa foram
minuciosamente examinados e interpretados, com o objetivo de compreender as
complexidades subjacentes ao tema em estudo.
A pesquisa teve como base uma abordagem qualitativa, que permitiu explorar as
perspectivas e experiências dos participantes de maneira profunda e contextualizada. Através
de entrevistas em profundidade, grupos focais e observações, pudemos capturar os
significados atribuídos pelos filhos em relação ao abandono de seus pais idosos, bem como os
fatores culturais, sociais e familiares que influenciam suas atitudes e comportamentos.
25
Os depoimentos dos participantes foram utilizados para ilustrar e respaldar as
conclusões, e foram tratados com o máximo de respeito e confidencialidade, garantindo a
privacidade e o anonimato dos envolvidos. Foram apresentados insights relevantes e reflexões
importantes, proporcionando uma visão holística sobre o fenômeno do abandono de pais
idosos em Moçambique e suas implicações jurídicas e sociais.
Este capítulo forneceu uma análise crítica e fundamentada dos dados coletados,
buscando responder às questões de pesquisa e aos objetivos estabelecidos no início do
trabalho. Foram discutidas as implicações dos resultados para a compreensão do fenómeno e
foram propostas recomendações pertinentes para enfrentar esse desafio social. Assim, foi um
dos momentos mais importantes desta pesquisa, pois foi nele que os dados brutos ganharam
significado e relevância. Ao compreender e interpretar os resultados obtidos, estivemos
avançando no conhecimento sobre a responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais
idosos em Moçambique, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e
solidária com os idosos e suas famílias.
Relativamente ao género dos que participaram dessa pesquisa o gráfico 1 nos mostra
que 30% são do género masculino e 70% são do género feminino. Desses dados ficou
evidente a existência de maior prevalência de mulheres (mães idosas) abandonadas pelos seus
filhos por vários motivos quando comparados com os de género masculino.
26
Gráfico 1
27
Esses dados podem fornecer subsídios importantes para aprimorar e fortalecer as
políticas e práticas voltadas para a proteção dos idosos em Moçambique. Podem também
destacar a necessidade de campanhas de conscientização e educação sobre os direitos dos
idosos e a importância do respeito e cuidado por parte dos familiares.
Relativamente a idade dos participantes dessa pesquisa, podemos perceber que a maior
deles são pessoas idosas com idade entre 55- 75 anos de idade com 60% de participação,
sendo que 25% possuem uma idade entre 35 -45 anos de idade e finalmente os 15% para os
que tem uma idade entre 25 -34 anos de idade, como ilustra o gráfico 2.
Gráfico: 2
28
A escolha desses intervalos de idade foi intencional uma vez que permitiram a
pesquisadora alcançar um dos objectivos específicos desta pesquisa sendo que por meio dessa
divisão foi possível colher dos jovens o seu sentimento em relação a obrigação constitucional
de cuidar os seus pais em caso de velhice bem como em caso de incapacidade.
Por outro lado, permitiu perceber dos pais (pessoas idosas) o sentimento em relação a
legislação que os protege em relação ao direito a alimento um direito fundamental consagrado
constitucionalmente em Moçambique e que é dever da família, da sociedade e do estado
garantir a efectiva realização.
Gráfico: 3
29
Com estes dados podemos perceber que a soma dos que tem filhos em um total de 30
participantes perfaz 99% facto esse que nos remete a uma situação da relação jurídica
existente entre os pais e os filhos que se assenta no princípio de solidariedade familiar como
esta prevista na lei5.
Gráfico: 4
5
Cfr: artigo 258 da Lei n.º 22/2019 de 11 de Dezembro - Lei da Família - 1. Os pais e filhos devem-se
mutuamente respeito, cooperação, auxílio e assistência. 2. O dever de assistência compreende a obrigação de
prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, para os encargos da vida familiar, de acordo com
os recursos próprios. 3. Os filhos devem assistir os pais sempre que estes careçam de alimentos nos termos do
disposto nos artigos 417 e seguintes da presente Lei.
30
Ainda sobre este ponto de solidariedade familiar a lei prevê que os alimentos serão
proporcionados aos meios daqueles que houver de presta-los e ha necessidade de aqueles que
haver de recebe-los.
Assim, 20% dos idosos inquiridos tem menos de 2 anos que foram abandonados,
todavia os dados nos revelam que as causas de abandono são na maioria das vezes acusados
de serem promotores da infelicidade dos filhos.
Gráfico 5
31
Com estes dados ficou ainda evidente que as questões do abandono no contexto
Moçambicano ocorrem muitas das vezes após os filhos constituírem novos lares. Pois esses
acreditam não terem nenhuma obrigação perante aos pais idosos limitando-se a cuidar da
esposa e dos seus filhos. Nesta lógica, todos preceitos constitucionais estão sendo violados
cabendo aos lesados despoletar o instituto da responsabilidade civil e até criminal em caso de
discriminação e maus tratos.
32
Gráfico: 6
Assim, podemos encontrar ainda nesta mesma legislação outros direitos fundamentais
como sejam a protecção do direito à identidade pessoal, ao desenvolvimento da
personalidade, à capacidade, ao bom nome, à reserva da vida privada e familiar, ou a
protecção contra quaisquer formas de discriminação 7 Face ao exposto fica evidente que toda
pessoa idosa abandonada pelos seus familiares encontra protecção na Constituição da
6
Cfr: artigo 25 da Constituição da Republica de Portugal
7
Cfr: artigo 26 da Constituição da Republica de Portugal.
33
República dai que o legislador português garante no artigo 72 uma protecção as pessoas da
terceira idade e busca sempre meios judiciários para responsabilizar todos os infractores.
Já no Brasil a questão das pessoas idosas são tuteladas por vários diplomas legais
tendo até um estatuto que visa garantir maior protecção a esta classe social que muitas das
vezes vê seus direitos organizados. O Estatuto do Idoso é destinado a regular os direitos
assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
34
Conforme Dias, “o Estado não tem apenas o dever de se abster de praticar actos que
atentem contra a dignidade humana, mas sim ser responsável por acções positivas”. Por esse
motivo, a legislação normatiza sobre o cuidado inerente as relações familiares, atribuindo
direitos e deveres recíprocos entre os sujeitos dessas relações.
A Constituição Federal de 1998, dispõe em seu artigo. 229 sobre os deveres entre pais
e filhos: Artigo. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os
filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
35
CAPITULO V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
5.1 Conclusão
Após uma análise cuidadosa dos dados colectados nesta pesquisa sobre a
responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais idosos em Moçambique, podemos
validar a hipótese de que não há uma efectiva responsabilização civil dos filhos diante desse
cenário. Os resultados revelam indícios claros de que o abandono de pais idosos por parte de
seus filhos é uma realidade preocupante no contexto moçambicano e que a responsabilização
por esse comportamento é limitada.
Dessa forma, foi possível concluir que a hipótese de que não há uma efetiva
responsabilização civil dos filhos pelo abandono dos pais idosos em Moçambique foi validada
pelos resultados desta pesquisa. Essa conclusão destaca a importância de se enfrentar esse
problema com ações concretas, incluindo o fortalecimento da legislação, a promoção de
campanhas de conscientização, o investimento em sistemas judiciais e de proteção social e o
estímulo ao debate público sobre essa questão crítica.
É fundamental que medidas sejam adotadas para garantir uma sociedade mais justa e
solidária com os idosos e suas famílias, assegurando que os filhos assumam sua
responsabilidade de cuidar e proteger seus pais idosos. Somente assim será possível superar
36
os desafios relacionados ao abandono de pais idosos em Moçambique e garantir o respeito e
dignidade a essa parcela da população que tanto contribuiu para o país ao longo de suas vidas
37
5.2. Recomendações
Com base nas conclusões da pesquisa, que validaram a hipótese de que não há uma
efectiva responsabilização civil dos filhos pelo abandono dos pais idosos em Moçambique,
apresento algumas recomendações para enfrentar esse problema e promover o cuidado e
proteção adequados aos idosos:
38
5. Criação de redes de apoio familiar: Estimular a criação de redes de apoio familiar
para famílias que enfrentam desafios no cuidado de seus idosos. Essas redes podem
oferecer suporte emocional, social e prático para as famílias, contribuindo para a
manutenção do cuidado adequado aos idosos.
39
6. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICA
2. Dias, M. B. (2011). Manual de Direito das Famílias. 8ª ed.rev. e atual. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais.
4. Gil, A. C. (2008). Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6ª ed. São Paulo: Atlas.
5. Gomes, O. (2001). Direito Civil: Direito de Família. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense.
10. Maria Berenice; Pereira, R. da C. (coord.). (2003). Direito de família e o novo Código
Civil. 2ª ed. 2ª tir.
40
11. Oliveira, E.; Hironaka, G. M. F. N. (2003). Do Direito de Família. In: Dias, M. B.
(org.). Direito de Família no Século XXI. In: Naves, B. T. de O.; Fiuza, C.; Sá, M. de
F. F. de (coords.). Direito Civil: atualidades. Belo Horizonte: Del Rey.
14. Stoco, R. (2014). Tratado de responsabilidade civil. 10ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais.
17. Moçambique. (2014). Lei da promoção e protecção dos Direitos da Pessoa Idosa.
19. Brasil. (2003). Lei 10.741, de 01 de outubro de 2003: Dispõe sobre o Estatuto do
Idoso e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. Recuperado de
[www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm].
41
Apêndice- Questionário
2- Sexo?
6. Tendo sido abandonada, se recebe assistência de seus filhos, comida, roupa, lencois para
dormir, etc.
42