Direito Coletivo - Artigo Luiz Philippe
Direito Coletivo - Artigo Luiz Philippe
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UNICIDADE SINDICAL
Luiz Philippe Vieira de Mello Filho 1
Renata Queiroz Dutra2
1. Introdução
A Lei nº 13.467/2017, intitulada “Reforma trabalhista”, trouxe para a
ordem jurídica polêmicas e controversas inovações, cuja constitucionalidade e
convencionalidade devem ser detidamente aferidas por aqueles e aquelas que
vivenciam, pensam e aplicam o direito.
As luzes lançadas sobre as negociações coletivas, que passam a ter
funções diversas no ordenamento jurídico 3, e, em alguma medida, a retirada da
obrigatoriedade da contribuição sindical – desobrigação cujos fundamentos e
ausência de mediações sociais são questionáveis – renovam o imprescindível
debate sobre a liberdade sindical no país.
Nesse artigo, e na esteira dos silêncios eloquentes da reforma
trabalhista, busca-se debater os limites à aplicação do princípio da unicidade
sindical às entidades sindicais de grau superior, considerando a tensão
constitucional entre os postulados da liberdade sindical e da unicidade sindical.
A existência de vetores contraditórios no texto constitucional, que, de um
lado, aponta para a não intervenção do Estado nas instituições sindicais e para
o fomento do pluralismo político e da representatividade democrática, e, de outro,
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institui obrigatoriamente a unicidade sindical por base territorial, é conflito que se
coloca tradicionalmente, entre as entidades sindicais de base.
Entretanto, o debate se modifica quando a questão alcança as entidades
sindicais de grau superior – as Federações e Confederações – uma vez que a
base territorial das referidas entidades é composta justamente pelas
agremiações sindicais que compõem o ente federativo e confederativo, abrindo
margem para uma maior densificação do princípio da liberdade sindical, sem que
haja assim conflito de bases territoriais entre entes sindicais que convivem.
A metodologia desse breve ensaio consistirá em revisão bibliográfica
empreendida por meio de diálogo das fontes, no qual o direito do trabalho será
lido e pensado a partir da hermenêutica constitucional.
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caso da contribuição sindical obrigatória e da unidade sindical, submetida ao
controle pelo Ministério do Trabalho e Emprego 4. Nesse sentido:
4DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2017.
5 LOURENÇO FILHO, Ricardo Machado. Liberdade sindical: percursos e desafios na história
constitucional brasileira. São Paulo: LTr, 2011, pp. 119.
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relevante aspecto da sua capacidade de autodeterminação. A
segunda razão – como veremos adiante – diz respeito ao sujeito
competente para decidir (não entre unicidade e pluralidade, mas
entre unidade e pluralidade)6.
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decisão não pode competir a outra pessoa que não aos próprios
trabalhadores e empregadores, no exercício da liberdade
sindical positivada como direito fundamental. O reconhecimento
daquela competência decisória, principalmente no caso dos
trabalhadores, significa afastar a tutela paternalista e admiti-los
plenamente como cidadãos (e não meros “hipossuficientes”),
titulares de direitos e liberdades nas esferas privada e pública,
com todas as consequências, riscos e implicações
correspondentes 7.
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hierarquia os supera e, ainda, considerando as constantes alterações do mundo
do trabalho e a complexidade das relações sociais contemporâneas.
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notadamente do Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e
Culturais – que ostenta, também pela jurisprudência do STF, status supra legal
-, tampouco com as recentes oxigenações da legislação trabalhista em matéria
de relações coletivas de trabalho.
Tais aspectos são relevantes porque, embora a unicidade seja afirmada
na Carta Constitucional (art. 8º, II), o seu conteúdo tem sido historicamente
preenchido com os comandos disciplinados na CLT (arts. 570 a 573, e 589 a
591, para a distribuição da contribuição sindical).
Assim, é certo que a própria legislação infraconstitucional deve ser relida
e reinterpretada em função da superveniência de normas supralegais (como o
PIDESC, subscrito pelo Estado Brasileiro em 1992), da revisão de sua
arquitetura pelo advento de novas figuras, experimentadas na premissa da
liberdade sindical plena (como as centrais sindicais, introduzidas pela Lei nº
11.648/2008) e inspiradas pela própria reformulação sistemática da CLT, com a
recente Lei nº 13.467/2017, que impõe perspectivas de autonomia novas e altos
níveis de responsabilidade para o movimento sindical, reabrindo importantes
discussões constitucionais.
Por consequência, a atribuição de sentidos restritivos aos direitos
fundamentais de qualidade constitucional, como é o caso da liberdade sindical,
deve ser revista em função das novas configurações da ordem jurídica
infraconstitucional que outrora o limitara.
Não se trata, em absoluto, de entender revogada a unicidade sindical,
mas sim de atribuir a ela sentidos mais compatíveis com a ordem jurídica vigente,
em exegese orientada para a maximização da eficácia dos direitos
fundamentais, e em atenção à imperativa oxigenação das relações coletivas de
trabalho e de seu importante papel em uma economia globalizada, forjada em
cada vez mais complexas relações de trabalho.
Dessa forma, entende-se, por exemplo, pela legitimação da convivência
de duas confederações potencialmente representativas de determinada
categoria de trabalhadores, observando que cada uma tenha sua base territorial
própria (aquela correspondente às federações que as integram). Tal
configuração respeita a unicidade sindical no âmbito confederativo e reafirma a
densidade constitucional da garantia da liberdade sindical.
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Nesse sentido, as Federações integrantes de cada uma das
confederações podem destinar os recursos provenientes das contribuições
sindicais àquela que entenderem por bem se filiar e, assim sendo, caberá ao
movimento sindical, a partir da rica experiência sócio-política acumulada, eleger
se mais interessante a agremiação por especialidade ou a agremiação por
fortalecimento de confederações mais amplas e genéricas.
Nesse sentido, aliás, o recente precedente emanado da 7ª Turma do
Tribunal Superior do Trabalho, ainda pendente de publicação:
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territoriais. Afinal, se o postulado da unicidade sindical, segundo
a exata definição constitucional, deve ser cumprido em todos os
níveis de representação e está atrelado ao espaço físico ou
geográfico idealizado a partir dos sindicatos (CF, art. 8º, II),
apenas haverá ofensa à unicidade se as bases territoriais das
organizações forem coincidentes, o que não se verifica no caso
dos autos, em que as Federações Recorridas se associam a
Confederação diversa da Recorrente. Em igual perspectiva, a
noção de categorias rígidas e pré-definidas pelo Estado, por
meio do quadro anexo ao art. 577 da CLT e da Comissão de
Enquadramento Sindical, não mais se revela adequada e
compatível com as novas formas de organização da produção,
com a realidade econômica definida em escala global e com os
avanços proporcionados pelo progresso da tecnologia. Nesse
cenário, por imperativos de ordem lógica, democrática e jurídica,
nada obsta que os entes sindicais de primeiro e segundo graus
se vinculem às entidades de grau superior que considerem mais
representativas de seus legítimos interesses, sem que se cogite
de quebra do postulado da unicidade ou do sistema
confederativo. Em síntese, não há como dissociar a liberdade
sindical proclamada pela Constituição de 1988 do direito à livre
adesão a órgãos de classe superiores representativos de igual
segmento econômico ou profissional. No caso dos autos, fixada
a premissa da válida existência de duas confederações com
igual campo de representação, ainda que uma delas tenha
alcance mais amplo (CNI), não se divisa ilegalidade ou
inconstitucionalidade no repasse das contribuições sindicais
arrecadas junto aos sindicatos vinculados às federações rés. A
rigor, a singularidade do caso reside na circunstância de que
coexistem uma Confederação genérica - a CNI – e uma
específica – a CONACOVEST -, caracterizando-se, em razão do
vínculo das federações à confederação genérica, o fenômeno da
agregação, em oposição ao processo de desmembramento
antes idealizado. Fixada a possibilidade plena da adesão das
federações às confederações que considerem mais
representativas, porque consentânea com a concepção
democrática da liberdade sindical, correta a decisão regional.
Incólumes os artigos 8º, II e IV, da Constituição Federal, 589 a
591 da CLT, inexistindo contrariedade à Súmula 677 do STF.
Recurso de revista conhecido por divergência jurisprudencial e
não provido. (TST-ED-RR-214-96.2014.5.10.0001, 7ª Turma,
pendente de publicação).
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Do contrário, preserva-se a unicidade de cada Confederação na base
territorial referente às Federações respectivas, sendo certo que a atuação
nacional da Confederação não se confunde com uma base territorial
imperativamente nacional. Tal interpretação decorreria de uma interpretação
literal e absolutizante do texto da CLT, em perspectiva restritiva da liberdade
sindical e incompatível com os demais diplomas infraconstitucionais vigentes.
4. Conclusão
O processo de amadurecimento constitucional e as transformações da
ordem jurídica no sentido de incorporar valores fundamentais de liberdade
contidos em normas internacionais bem como no sentido de atribuir centralidade
à negociação trabalhista na dinâmica de regulação do trabalho, impõem uma
densificação do princípio da liberdade sindical, para além das amarras da
unicidade sindical, sobretudo em relação às entidades sindicais de grau superior,
de modo a proporcionar amadurecimento, fortalecimento e diversificação das
ações sindicais superiores.
A maturação do conteúdo das decisões jurisprudenciais, seja na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, seja no âmbito do Tribunal Superior
do Trabalho convergem para uma remodelagem da arquitetura sindical.
Mais que isso, alterações no modo de regular o trabalho não podem
deixar de se fazer acompanhar de mecanismos de emancipação dos sujeitos
coletivos trabalhistas, no sentido de plenitude da sua liberdade de agir coletivo e
na qualificação de sua ação política e negocial, que converge para a efetivação
dos mandamentos constitucionais da cidadania e da valorização social do
trabalho8.
Referências
8 DELGADO, Gabriela Neves; PEREIRA, Ricardo Macêdo de Brito (Orgs.). Trabalho, Constituição e
Cidadania. São Paulo: LTr, 2014.
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BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCESSO Nº RE 202.097-4, Rel.
Min. Ilmar Galvão, DJ de 04/08/2000.
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