Direito Coletivo - Artigo Luiz Philippe

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 11

ENTIDADES SINDICAIS DE GRAU SUPERIOR: CRITÉRIOS E LIMITES DA

UNICIDADE SINDICAL
Luiz Philippe Vieira de Mello Filho 1
Renata Queiroz Dutra2

Sumário: 1. Introdução. 2. Entre liberdade e unicidade: os paradoxos do texto


constitucional. 3. Unicidade sindical e entidades sindicais de grau superior:
jurisprudência em transformação. 4. Considerações finais. Referências.

1. Introdução
A Lei nº 13.467/2017, intitulada “Reforma trabalhista”, trouxe para a
ordem jurídica polêmicas e controversas inovações, cuja constitucionalidade e
convencionalidade devem ser detidamente aferidas por aqueles e aquelas que
vivenciam, pensam e aplicam o direito.
As luzes lançadas sobre as negociações coletivas, que passam a ter
funções diversas no ordenamento jurídico 3, e, em alguma medida, a retirada da
obrigatoriedade da contribuição sindical – desobrigação cujos fundamentos e
ausência de mediações sociais são questionáveis – renovam o imprescindível
debate sobre a liberdade sindical no país.
Nesse artigo, e na esteira dos silêncios eloquentes da reforma
trabalhista, busca-se debater os limites à aplicação do princípio da unicidade
sindical às entidades sindicais de grau superior, considerando a tensão
constitucional entre os postulados da liberdade sindical e da unicidade sindical.
A existência de vetores contraditórios no texto constitucional, que, de um
lado, aponta para a não intervenção do Estado nas instituições sindicais e para
o fomento do pluralismo político e da representatividade democrática, e, de outro,

1 Ministro do Tribunal Superior do Trabalho.


2 Doutora em Direito pela Universidade de Brasília. Professora Adjunta de Legislação Social e
Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.
3 Consultar: SILVA, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da. Relações coletivas de trabalho:
configurações institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: LTr, 2008; DUTRA, Renata
Queiroz. Entre a normatização estatal e a negociação coletiva: os desafios da proteção social ao
trabalho. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, v. 82, p. 272-301, 2017.

1
institui obrigatoriamente a unicidade sindical por base territorial, é conflito que se
coloca tradicionalmente, entre as entidades sindicais de base.
Entretanto, o debate se modifica quando a questão alcança as entidades
sindicais de grau superior – as Federações e Confederações – uma vez que a
base territorial das referidas entidades é composta justamente pelas
agremiações sindicais que compõem o ente federativo e confederativo, abrindo
margem para uma maior densificação do princípio da liberdade sindical, sem que
haja assim conflito de bases territoriais entre entes sindicais que convivem.
A metodologia desse breve ensaio consistirá em revisão bibliográfica
empreendida por meio de diálogo das fontes, no qual o direito do trabalho será
lido e pensado a partir da hermenêutica constitucional.

2. Entre liberdade e unicidade: os paradoxos do texto constitucional


A questão debatida se reporta à originária tensão revelada na
Constituição de 1988 entre a garantia da liberdade sindical e a regra da
unicidade.
Está posto no art. 8º da Constituição Federal:

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o


seguinte:
I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação
de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente,
vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na
organização sindical;
II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em
qualquer grau, representativa de categoria profissional ou
econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos
trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser
inferior à área de um Município;

Identificada como um movimento constitucional contraditório em relação


ao Direito Coletivo do Trabalho, a Constituição de 1988, ao tempo em que
avança no sentido de afastar o controle estatal dos sindicatos e assegurar
expressamente a liberdade sindical enquanto garantia fundamental, preservou
estruturas já integrantes da nossa dinâmica sindical infraconstitucional que se
mostram, a priori, incompatíveis com a plenitude da liberdade sindical, como é o

2
caso da contribuição sindical obrigatória e da unidade sindical, submetida ao
controle pelo Ministério do Trabalho e Emprego 4. Nesse sentido:

Com a Constituição de 1988, todavia, a contradição tornou-se


evidente, na medida em que a liberdade e a unicidade constam
agora do mesmo texto. Além disso, o inciso I do art. 8º veda a
interferência e a intervenção do Poder Público na organização
sindical – o que, se não houvesse a unicidade prevista no inciso
II do mesmo dispositivo, seria um bom argumento em favor da
não recepção do art. 516 da CLT. Não obstante, foi apenas com
essa última Carta que a liberdade sindical e os direitos
trabalhistas deixaram de ser previstos no título destinado à
ordem econômica e social e passaram a figurar expressamente
como direitos e garantias fundamentais 5.

Como observa Ricardo Machado Lourenço Filho, os debates da


Constituinte de 1988 já demonstram a tensão entre as noções de liberdade e
unicidade, como se tais postulados fossem incompatíveis em essência: parte
significativa do movimento sindical e a maioria dos constituintes defendeu a
persistência da unicidade por temer a fragmentação e a pluralidade sindical
fragilizadoras do coletivo dos trabalhadores, sem observar a rica possibilidade
de construção da unidade sindical a partir da premissa da liberdade. Nesse
sentido, as palavras do autor:

Partindo dessas premissas vê-se o quanto há de inadequado em


se utilizar uma distinção simplificadora do tipo “amigo/inimigo”
para rejeitar o pluralismo – também aqui construções causais
parecem contribuir para o obscurecimento da realidade. Em
outras palavras, é a própria liberdade sindical, apreendida como
uma dimensão do direito de autodeterminação individual, que é
colocada em jogo quando se rejeita aos trabalhadores (e
também aos empregadores) o direito à diferença e, portanto, à
pluralidade. A unidade – desejada pelos defensores da
unicidade – não pode ser imposta sob o pretexto de necessidade
de proteção e, por conseguinte, de união contra o inimigo
comum. As condições para essa construção perpassam, num
plano mais amplo, a efetiva garantia na Constituição da
liberdade sindical como direito fundamental. A questão estava,
portanto, mal colocada nas discussões constituintes sobre
organização sindical e isso por duas razões. A primeira delas é
a de que não se trata apenas de decidir entre unicidade ou
pluralidade. Vale dizer, a unicidade não se opõe (apenas) à
pluralidade, mas principalmente, afronta a própria liberdade
sindical, ao negar aos empregadores e trabalhadores um

4DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2017.
5 LOURENÇO FILHO, Ricardo Machado. Liberdade sindical: percursos e desafios na história
constitucional brasileira. São Paulo: LTr, 2011, pp. 119.

3
relevante aspecto da sua capacidade de autodeterminação. A
segunda razão – como veremos adiante – diz respeito ao sujeito
competente para decidir (não entre unicidade e pluralidade, mas
entre unidade e pluralidade)6.

Em verdade, o comando constitucional contraditório, que remete os


intérpretes da Constituição à difícil tarefa de compatibilização dos postulados, se
deveu a demandas sociais concomitantes no sentido de assegurar a liberdade
de autodeterminação dos sindicatos e trabalhadores, sem, ao mesmo tempo,
fragiliza-los diante dos empregadores, como o pluralismo sindical supostamente
faria.
Essa leitura recebe uma análise crítica por parte de Lourenço Filho, que
demonstra que, se de um lado, a imposição da unicidade acaba por limitar o
conteúdo jurídico da liberdade sindical, por outro, assegurar a liberdade não
necessariamente acarreta a pluralidade de sindicatos, mas pode convergir para
a unidade sindical, a partir de escolhas políticas autônomas dos titulares da
decisão agremiativa, ou seja, os próprios trabalhadores, respeitados enquanto
sujeitos de suas próprias experiências políticas, na vivência cidadã do Estado
Democrático de Direito:

Permanece problemática, entretanto, uma situação em que, ao


lado da afirmação de uma liberdade, propõe-se medidas ou
regras que, em última análise, acabam por negar essa mesma
liberdade. É o que ocorre cm o texto constitucional elaborado
pela Constituinte de 1987/1988, o qual, no início do seu art. 8º,
dispõe ser “livre a associação profissional e sindical” para, logo
em seguida – no inciso II daquele preceito -, dizer que “é vedada
a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer
grau, representativa da categoria profissional ou econômica, na
mesma base territorial...”. O exame dessa questão, vinculada,
ainda, à garantia de direitos fundamentais e da liberdade
sindical, perpassa a própria definição (sempre aberta) da
identidade constitucional em um Estado Democrático de Direito,
como afirmado no art. 1º daquela Carta. Em termos práticos,
situando-se de novo no campo sindical, podemos colocar a
seguinte pergunta: tendo aquele paradigma como pano de
fundo, a quem compete decidir entre unicidade e pluralidade?
Esta é, pois, a segunda razão pela qual a questão entre
unicidade e pluralidade estava mal colocada: se o que se
pretende afirmar e consolidar é um Estado Democrático de
Direito, em que é reconhecida voz ao cidadão e garantido o
direito de participação nos debates da vida pública, aquela

6 LOURENÇO FILHO, Ricardo Machado. Liberdade sindical: percursos e desafios na história


constitucional brasileira. São Paulo: LTr, 2011, pp. 121-122.

4
decisão não pode competir a outra pessoa que não aos próprios
trabalhadores e empregadores, no exercício da liberdade
sindical positivada como direito fundamental. O reconhecimento
daquela competência decisória, principalmente no caso dos
trabalhadores, significa afastar a tutela paternalista e admiti-los
plenamente como cidadãos (e não meros “hipossuficientes”),
titulares de direitos e liberdades nas esferas privada e pública,
com todas as consequências, riscos e implicações
correspondentes 7.

Assentadas essas premissas teóricas, é a partir da concretude do texto


Constitucional e das escolhas – ainda que contraditórias – ali assentadas que se
dirime a questão.
Não se pode perder de vista que, ao lado de uma escolha política a
respeito da estrutura sindical – a unicidade –, a Constituição assenta um Direito
fundamental – a liberdade sindical – e que, se esses dois postulados colidem,
deve-se, sem desrespeitar os comandos constitucionais, construir exegese no
sentido de contemplar os ditames estruturais arquitetados pela Constituição para
os sindicatos, com a menor restrição possível aos direitos fundamentais ora
tangenciados.
Também não sobeja destacar que a liberdade sindical, em detrimento da
regra organizativa da unicidade sindical, foi assentada como direito humano
fundamental pela Organização Internacional do Trabalho (Convenções nº 87 e
98 - a primeira não ratificada pelo Estado Brasileiro) e também pelo Pacto
Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, ao qual o Brasil adere
inteiramente e que, consoante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tem
status supralegal (HC 87.585).
Do referido pacto extrai-se “o direito dos sindicatos de formar federações
ou confederações nacionais e o direito destas de formarem ou de se filiarem às
organizações sindicais internacionais”, com plena liberdade.
O desafio hermenêutico consiste, portanto, em reconhecer a densidade
e a efetividade da liberdade sindical, na amplitude assegurada pela Constituição
e pelos documentos internacionais de proteção, respeitando os ditames
infraconstitucionais que regem a estrutura sindical, que também devem ser lidos
e interpretados à luz da própria Constituição, das normas internacionais cuja

7 LOURENÇO FILHO, Ricardo Machado. Liberdade sindical: percursos e desafios na história


constitucional brasileira. São Paulo: LTr, 2011, pp. 123-124.

5
hierarquia os supera e, ainda, considerando as constantes alterações do mundo
do trabalho e a complexidade das relações sociais contemporâneas.

3. Unicidade sindical e entidades sindicais de grau superior


A Corte Constitucional Brasileira já reconheceu que a unicidade convive
com a garantia da liberdade sindical e que esta se aplica também às entidades
sindicais de grau superior, como Federações e Confederações.
No entanto, da jurisprudência do próprio STF se extrai a possibilidade de
desmembramento e criação de mais de uma Confederação, se atendido o
princípio da especialidade:

REPRESENTAÇÃO SINDICAL. TRABALHADORES EM


POSTOS DE SERVIÇO DE COMBUSTÍVEIS E DERIVADOS
DE PETRÓLEO (“FRENTISTAS”). ORGANIZAÇÃO EM
ENTIDADE PRÓPRIA, DESMEMBRADA DA
REPRESENTATIVA DA CATEGORIA DOS TRABALHADORES
NO COMÉRCIO DE MINÉRIOS E DERIVATIVOS DE
PETRÓLEO. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA
UNICIDADE SINDICAL. Improcedência da alegação, posto que
a novel entidade representa categoria específica que, até então,
se achava englobada pela dos empregados congregados nos
sindicatos filiados à Federação Nacional dos Trabalhadores no
Comércio de Minérios e Derivados de Petróleo, hipótese em que
o desmembramento, contrariamente ao sustentado no acórdão
recorrido, constituía a vocação natural de cada classe de
empregados, de per si, havendo sido exercida pelos “frentistas”,
no exercício da liberdade sindical, consagrada no art. 8º, II, da
Constituição. Recurso conhecido e provido (RE 202.097-4; Rel.
Min. Ilmar Galvão, DJ de 04/08/2000).

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE – HOSPITAIS,


ESTABELECIMENTOS E SERVIÇOS – CNS.
DESMEMBRAMENTO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO
COMÉRCIO. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA
UNICIDADE.
Improcedência da alegação, posto que a novel entidade
representa categoria específica, até então congregada por
entidade de natureza eclética, hipótese em que estava fada ao
desmembramento, concretizado como manifestação da
liberdade sindical consagrada no art. 8º, II, da Constituição
Federal. Agravo desprovido (RE 241.935-8, Rel. Min. Ilmar
Galvão, DJ de 27/10/2000).

Também se depreende que tais precedentes, em razão do momento


histórico de sua prolação, não dialogam com o controle de convencionalidade,

6
notadamente do Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e
Culturais – que ostenta, também pela jurisprudência do STF, status supra legal
-, tampouco com as recentes oxigenações da legislação trabalhista em matéria
de relações coletivas de trabalho.
Tais aspectos são relevantes porque, embora a unicidade seja afirmada
na Carta Constitucional (art. 8º, II), o seu conteúdo tem sido historicamente
preenchido com os comandos disciplinados na CLT (arts. 570 a 573, e 589 a
591, para a distribuição da contribuição sindical).
Assim, é certo que a própria legislação infraconstitucional deve ser relida
e reinterpretada em função da superveniência de normas supralegais (como o
PIDESC, subscrito pelo Estado Brasileiro em 1992), da revisão de sua
arquitetura pelo advento de novas figuras, experimentadas na premissa da
liberdade sindical plena (como as centrais sindicais, introduzidas pela Lei nº
11.648/2008) e inspiradas pela própria reformulação sistemática da CLT, com a
recente Lei nº 13.467/2017, que impõe perspectivas de autonomia novas e altos
níveis de responsabilidade para o movimento sindical, reabrindo importantes
discussões constitucionais.
Por consequência, a atribuição de sentidos restritivos aos direitos
fundamentais de qualidade constitucional, como é o caso da liberdade sindical,
deve ser revista em função das novas configurações da ordem jurídica
infraconstitucional que outrora o limitara.
Não se trata, em absoluto, de entender revogada a unicidade sindical,
mas sim de atribuir a ela sentidos mais compatíveis com a ordem jurídica vigente,
em exegese orientada para a maximização da eficácia dos direitos
fundamentais, e em atenção à imperativa oxigenação das relações coletivas de
trabalho e de seu importante papel em uma economia globalizada, forjada em
cada vez mais complexas relações de trabalho.
Dessa forma, entende-se, por exemplo, pela legitimação da convivência
de duas confederações potencialmente representativas de determinada
categoria de trabalhadores, observando que cada uma tenha sua base territorial
própria (aquela correspondente às federações que as integram). Tal
configuração respeita a unicidade sindical no âmbito confederativo e reafirma a
densidade constitucional da garantia da liberdade sindical.

7
Nesse sentido, as Federações integrantes de cada uma das
confederações podem destinar os recursos provenientes das contribuições
sindicais àquela que entenderem por bem se filiar e, assim sendo, caberá ao
movimento sindical, a partir da rica experiência sócio-política acumulada, eleger
se mais interessante a agremiação por especialidade ou a agremiação por
fortalecimento de confederações mais amplas e genéricas.
Nesse sentido, aliás, o recente precedente emanado da 7ª Turma do
Tribunal Superior do Trabalho, ainda pendente de publicação:

RECURSO DE REVISTA. PROCESSO REGIDO PELAS LEIS


13.015/2014 E 13.105/2015. ORGANIZAÇÃO SINDICAL
BRASILEIRA. VINCULAÇÃO ENTRE SINDICATOS E
ASSOCIAÇÕES SINDICAIS DE GRAU SUPERIOR. MATÉRIA
AFETA À LIVRE DISCRIÇÃO DOS SINDICATOS.
IMPOSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO ESTATAL.
PREVALÊNCIA DA LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO.
CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. REPASSE. Discute-se nos
presentes autos o direito da Confederação Nacional dos
Trabalhadores nas Indústrias Têxtil, Vestuário, Couro, Calçados
e afins (CONACCOVEST) ao recebimento da contribuição
sindical compulsória, decorrente do recolhimento processado
junto às categorias empresariais representadas pelas
Federações que figuram no polo passivo, contribuições
repassadas à Confederação Nacional da Indústria (CNI), à qual
as mencionadas federações se filiaram. De acordo com a
jurisprudência desta 7ª Turma (RR - 33740-81.2006.5.10.0018,
DEJT 11/12/2015), o postulado da unicidade sindical não se
mostra incompatível com a existência de entes sindicais de
segundo e terceiro graus, representativos do mesmo segmento
econômico ou profissional, desde que os quadros de associados
(sindicatos e federações, respectivamente) não sejam
coincidentes. Com efeito, o rígido sistema sindical brasileiro -
unitário e confederativo - idealizado a partir da década de 1930
do século passado sofreu mutação após o advento da Carta
Política de 1988. Desde então, embora mantidas as travas
corporativas da unicidade (CF, art. 8º III) e da contribuição
sindical compulsória (CLT, arts. 578 a 610 c/c o art. 7º da Lei
11.648/2008), o conceito de unicidade foi alterado, vinculando-
se à noção geográfica de base territorial, definida a partir dos
(sindicatos) e alcançando, por projeções sucessivas, as
federações e confederações (CF, art. 8º, II). Significa dizer que
as regras da CLT que definiam federações com âmbito estadual
(art. 534, § 2º) e confederações com base nacional (art. 535) não
foram recepcionadas pela Constituição de 1988. Não se
compadece com a noção essencial da liberdade sindical o
reconhecimento do monopólio de representação a ente sindical
com espectro subjetivo de representação – definido pelos entes
sindicais que lhe são vinculados - não coincidente com o do
outro ente de mesmo nível, quando diversas são as bases

8
territoriais. Afinal, se o postulado da unicidade sindical, segundo
a exata definição constitucional, deve ser cumprido em todos os
níveis de representação e está atrelado ao espaço físico ou
geográfico idealizado a partir dos sindicatos (CF, art. 8º, II),
apenas haverá ofensa à unicidade se as bases territoriais das
organizações forem coincidentes, o que não se verifica no caso
dos autos, em que as Federações Recorridas se associam a
Confederação diversa da Recorrente. Em igual perspectiva, a
noção de categorias rígidas e pré-definidas pelo Estado, por
meio do quadro anexo ao art. 577 da CLT e da Comissão de
Enquadramento Sindical, não mais se revela adequada e
compatível com as novas formas de organização da produção,
com a realidade econômica definida em escala global e com os
avanços proporcionados pelo progresso da tecnologia. Nesse
cenário, por imperativos de ordem lógica, democrática e jurídica,
nada obsta que os entes sindicais de primeiro e segundo graus
se vinculem às entidades de grau superior que considerem mais
representativas de seus legítimos interesses, sem que se cogite
de quebra do postulado da unicidade ou do sistema
confederativo. Em síntese, não há como dissociar a liberdade
sindical proclamada pela Constituição de 1988 do direito à livre
adesão a órgãos de classe superiores representativos de igual
segmento econômico ou profissional. No caso dos autos, fixada
a premissa da válida existência de duas confederações com
igual campo de representação, ainda que uma delas tenha
alcance mais amplo (CNI), não se divisa ilegalidade ou
inconstitucionalidade no repasse das contribuições sindicais
arrecadas junto aos sindicatos vinculados às federações rés. A
rigor, a singularidade do caso reside na circunstância de que
coexistem uma Confederação genérica - a CNI – e uma
específica – a CONACOVEST -, caracterizando-se, em razão do
vínculo das federações à confederação genérica, o fenômeno da
agregação, em oposição ao processo de desmembramento
antes idealizado. Fixada a possibilidade plena da adesão das
federações às confederações que considerem mais
representativas, porque consentânea com a concepção
democrática da liberdade sindical, correta a decisão regional.
Incólumes os artigos 8º, II e IV, da Constituição Federal, 589 a
591 da CLT, inexistindo contrariedade à Súmula 677 do STF.
Recurso de revista conhecido por divergência jurisprudencial e
não provido. (TST-ED-RR-214-96.2014.5.10.0001, 7ª Turma,
pendente de publicação).

Aliás, a escolha por critérios de representatividade, em detrimento do


critério objetivo da mera territorialidade, mais se aproxima das ideias de
cidadania e de pluralismo político que embasam o Texto Constitucional de 1988,
o qual, como cediço, não pode ser interpretado em tiras.
Assim se concretiza o art. 8º, I, da Constituição Federal, sem tolerar, de
outro lado, a presença simultânea de duas Confederações na mesma base
territorial alusiva às Federações delas integrantes.

9
Do contrário, preserva-se a unicidade de cada Confederação na base
territorial referente às Federações respectivas, sendo certo que a atuação
nacional da Confederação não se confunde com uma base territorial
imperativamente nacional. Tal interpretação decorreria de uma interpretação
literal e absolutizante do texto da CLT, em perspectiva restritiva da liberdade
sindical e incompatível com os demais diplomas infraconstitucionais vigentes.

4. Conclusão
O processo de amadurecimento constitucional e as transformações da
ordem jurídica no sentido de incorporar valores fundamentais de liberdade
contidos em normas internacionais bem como no sentido de atribuir centralidade
à negociação trabalhista na dinâmica de regulação do trabalho, impõem uma
densificação do princípio da liberdade sindical, para além das amarras da
unicidade sindical, sobretudo em relação às entidades sindicais de grau superior,
de modo a proporcionar amadurecimento, fortalecimento e diversificação das
ações sindicais superiores.
A maturação do conteúdo das decisões jurisprudenciais, seja na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, seja no âmbito do Tribunal Superior
do Trabalho convergem para uma remodelagem da arquitetura sindical.
Mais que isso, alterações no modo de regular o trabalho não podem
deixar de se fazer acompanhar de mecanismos de emancipação dos sujeitos
coletivos trabalhistas, no sentido de plenitude da sua liberdade de agir coletivo e
na qualificação de sua ação política e negocial, que converge para a efetivação
dos mandamentos constitucionais da cidadania e da valorização social do
trabalho8.

Referências

BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Processo nº TST-ED-RR-


214-96.2014.5.10.0001, 7ª Turma, pendente de publicação.

8 DELGADO, Gabriela Neves; PEREIRA, Ricardo Macêdo de Brito (Orgs.). Trabalho, Constituição e
Cidadania. São Paulo: LTr, 2014.

10
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCESSO Nº RE 202.097-4, Rel.
Min. Ilmar Galvão, DJ de 04/08/2000.

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCESSO Nº RE 241.935-8, Rel.


Min. Ilmar Galvão, DJ de 27/10/2000.

DELGADO, Gabriela Neves; PEREIRA, Ricardo Macêdo de Brito (Orgs.).


Trabalho, Constituição e Cidadania. São Paulo: LTr, 2014.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr,


2017.

DUTRA, Renata Queiroz. Entre a normatização estatal e a negociação coletiva:


os desafios da proteção social ao trabalho. Revista do Tribunal Superior do
Trabalho, v. 82, p. 272-301, 2017.

LOURENÇO FILHO, Ricardo Machado. Liberdade sindical: percursos e desafios


na história constitucional brasileira. São Paulo: LTr, 2011.

SILVA, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da. Relações coletivas de trabalho:


configurações institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: LTr, 2008.

11

Você também pode gostar