Maria Florencia Dos Santos

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

MARIA FLORÊNCIA DOS SANTOS

A VALORIZAÇÃO SOCIAL DA MEMÓRIA E EXPERIÊNCIA DE VIDA


NA ÓTICA DA PESSOA IDOSA

FRANCA
2017
MARIA FLORÊNCIA DOS SANTOS

A VALORIZAÇÃO SOCIAL DA MEMÓRIA E EXPERIÊNCIA DE VIDA


NA ÓTICA DA PESSOA IDOSA

Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências


Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para
obtenção do Título de Mestre em Serviço Social. Área
de Concentração: Serviço Social: Trabalho e
Sociedade.

Orientadora: Profª. Drª. Nanci Soares.

FRANCA
2017
Santos, Maria Florência dos.
A valorização social da memória e experiência de vida na ótica
da pessoa idosa / Maria Florência dos Santos. –Franca: [s.n.],
2017.

175 f.

Dissertação (Mestrado em Serviço Social). Universidade Esta-


dual Paulista. Faculdade de Ciências Humanas e Sociais.
Orientadora: Nanci Soares

1. Serviço social com idosos. 2. Memória autobiográfica.


3. Memoria em idosos. I. Título.
CDD – 362.8996
MARIA FLORÊNCIA DOS SANTOS

A VALORIZAÇÃO SOCIAL DA MEMÓRIA E EXPERIÊNCIA DE VIDA


NA ÓTICA DA PESSOA IDOSA

Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade


Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para a obtenção do
Título de Mestre em Serviço Social. Área de concentração: Serviço Social: Trabalho e
sociedade.

BANCA EXAMINADORA

Presidente:_____________________________________________________________
Profa. Dra. Nanci Soares

1º Examinador: _________________________________________________________
Profa. Dra. Sálvea de Oliveira Campelo e Paiva - UPE

2º Examinador:_____________________________________________________________
Profa. Dra. Marta Regina Farinelli - UFTM

Franca, ______ de ________________ de 2017.


Dedico este trabalho em primeiro lugar a Deus, pois sem ele nada seria
possível. Dedico, ainda, a todas as pessoas idosas, que contribuem,
através da sua memória, com a transmissão de suas experiências de
vida para as demais gerações.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela vida e por ter mim concedido força e coragem para lutar e não
desistir diante dos obstáculos que a vida impõe. Obrigada papai do céu, por tudo. Agradeço
ainda a minha família (meus pais) por tudo que fizeram por mim nessa vida.
Às amigas que conheci durante a trajetória da pós-graduação, em especial, a Thamiris,
Cristiane, Mayara, Luany, Mariana, Jéssica, Carla, Soraya, Priscila, Cintia, Helena, Rachel e
Jéssica. Agradeço em especial às amigas: Cristiane e Mariana, que me acolheram com muito
carinho em Franca, e que, mesmo à distância, estiveram comigo durante esse percurso tão
intenso do mestrado. A Cristiane, que conheci antes do mestrado e tanto acreditou e contribuiu
antes e durante meu ingresso na pós-graduação. Obrigada a amiga Thamiris, que dividiu
comigo esse período de construção e aprendizagem, a nossa temática “envelhecimento humano”
nos aproximou, pois quantas coisas pudemos dividir, desde referências bibliográficas, artigos
escritos juntas, angústias, dúvidas, medos, alegrias e conquistas, a parceria foi maravilhosa e
desejo que continue sendo, pois sei que ganhei uma amiga para vida.
À amiga (irmã) Vivia, que mesmo à distância esteve me ajudando, continuamos nossa
parceria, que vem desde a graduação, quantas dúvidas, angústias, enfim, pudemos dividir um
pouco de tudo, desde assuntos relacionados a estudos até acontecimentos da vida pessoal,
pois quando a amizade é verdadeira, o tempo nem a distância destrói. Muito obrigada pela
amizade sincera!
Ao meu noivo, José Cleveilton, que sempre esteve do meu lado, não importando a
distância, sempre esteve comigo, me dando forças, carinho e acreditando na realização deste
sonho. Meu obrigada a você, José Cleveilton, e a certeza que tudo que vivemos valeu a pena.
A minha orientadora Drª. Nanci Soares, pela paciência, compreensão e entusiasmo
quando se tratava do tema “envelhecimento humano” e por acreditar que podemos contribuir
nesta área do conhecimento, fazendo-me ficar ainda mais apaixonada por esse tema, o que me
faz renovar as forças para continuar na luta em busca de mais conhecimento e poder contribuir
de alguma forma para conquista e efetivação de direitos desse grupo etário.
À toda equipe de professores da Pós-graduação em Serviço Social da UNESP, a
coordenação e a toda a equipe técnica, em especial ao secretário Mauro, obrigada pela
paciência.
À toda equipe do Lions Sobral, em especial, à equipe que desenvolve o Serviço de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFV, e à equipe do CRAS Norte, em especial à
assistente social.
A todas as pessoas idosas usuárias do SCFV, em especial, aqueles que participaram
dessa pesquisa e deram sua contribuição no desenvolvimento deste trabalho.
Às professoras Drª. Sálvea e a Drª. Marta, que aceitaram o convite para compor a
banca examinadora da minha defesa do mestrado, sei que na correria da vida não é fácil
tirar um tempo para se debruçar sobre um trabalho, olhar cada detalhe com atenção e dar as
contribuições necessárias para seu aperfeiçoamento, assim sei que tiveram que parar e
deixar para depois algumas das suas atividades para lerem este trabalho e para estarem
presentes no dia tão esperado: a defesa, obrigada imensamente por terem aceitado o convite
e por dividirem um pouco do conhecimento de vocês. Agradeço a vocês e aproveito para
expressar todo meu respeito e admiração pelas duas, que detêm um conhecimento imenso
sobre a temática “envelhecimento humano”.
Agradeço ainda, à professora Drª. Raylane Andreza Dias Navarra Barreto,
responsável por mim guiar na iniciação científica, ainda na graduação, me proporcionando
momentos de grande aprendizado. Agradeço a todos (as) professores (ras) da Universidade
Tiradentes (UNIT), local onde construí minha base.
Agradeço, em especial, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), pela oferta da bolsa, que foi essencial para o desenvolvimento deste
trabalho e a conclusão da minha pós-graduação em nível de mestrado.
Para terminar com um toque de leveza e a certeza de que tudo valeu a pena, cito o
refrão de uma música que afirma que é possível renovar as forças e os sonhos, porque o sol
sempre volta com um novo amanhecer, trazendo um novo dia, com novas possibilidades para
continuar lutando.

Mas é claro que o sol vai voltar amanhã


Mais uma vez, eu sei
Escuridão já vi pior, de endoidecer gente sã
Espera que o sol já vem

Nunca deixe que lhe digam que não vale a pena


Acreditar no sonho que se tem
Ou que seus planos nunca vão dar certo
Ou que você nunca vai ser alguém
Tem gente que machuca os outros
Tem gente que não sabe amar

(Música: Mais uma vez- Autor/Interprete: Renato Russo/ Legião Urbana)


Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,


assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,


tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,


tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?

Cecília Meireles
SANTOS, Maria Florência dos. A valorização social da memória e experiência de vida
na ótica da pessoa idosa. 2017. 175 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) –
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, Franca, 2017.

RESUMO

O estudo ora apresentado tem como objetivo geral analisar a percepção da pessoa idosa sobre
a valorização social através dos significados das memórias advindas da experiência de vida,
diante do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) e da família. O
estudo procurou discutir acerca da importância das memórias e experiências de vida da
população idosa, e de como podem contribuir para valorização social desse grupo etário e
ainda para a intergeracionalidade, o que ocasionaria também um fortalecimento de vínculos
tanto à nível familiar, quanto comunitário, conforme prevê Política Nacional de Assistência
Social (PNAS) na sua proteção social básica. O método escolhido foi o materialismo histórico
dialético de Karl Marx. O caminho metodológico foi pesquisa bibliográfica, documental e
campo. Realizamos uma pesquisa de abordagem qualitativa, utilizamos a entrevista
semiestruturada. Os dados apreendidos foram desvendados através do método “análise de
conteúdo”. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de
Ciências Humanas e Sociais da UNESP. Os resultados desta investigação indicam aspectos
contraditórios na percepção dos sujeitos participantes, no que que se refere a valorização das
memórias e experiências de vida da pessoa idosa, que em alguns momentos são valorizadas e
em outros são desvalorizadas e até mesmo despercebidas, pois são relações sociais
estabelecidas numa sociedade capitalista, e tais relações seguem essa lógica. Assim, podemos
inferir que para a realização da valorização social desse segmento etário, conforme abordada
neste trabalho, é necessário a luta por uma outra sociedade mais justa, pois dentro da
sociabilidade do capital não tem como haver, de forma plena, a emancipação humana e
política. No tocante, ao SCFV do Lions Sobral, são desenvolvidas atividades que estimulam a
memória numa perspectiva do envelhecimento ativo, focando no autocuidado para evitar
perdas e dependências. Destarte, ressaltamos a importância de ações que trabalhem este tipo
de memória, o que poderá proporcionar mais autonomia e independência para população
idosa, mas também ressaltamos a importância de ações que trabalhem e valorizem a memória-
lembrança/memória-experiência, como um instrumento que poderá proporcionar a
valorização entre as diversas gerações, fortalecendo os vínculos familiares e comunitários,
podendo assim reduzir e amenizar os preconceitos, discriminações e violências contra a
pessoa idosa.

Palavras-chave: pessoa idosa. memórias. valorização social. família. política de assistência


social.
SANTOS, Maria Florência dos. A valorização social da memória e experiência de vida
na ótica da pessoa idosa. 2017. 175 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) –
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, Franca, 2017.

ABSTRACT

The purpose of this study is to analyze the elderly person's perception of social value through
the meanings of the memories of the life experience, before the Service of Coexistence and
Strengthening of Links (SCFV) and the family. The study sought to discuss the importance of
the memories and life experiences of the elderly population and how they can contribute to
the social valorization of this age group and also to intergenerationality, which would also
lead to a strengthening of ties both at the family and community level, According to National
Social Assistance Policy (PNAS) in its basic social protection. The method chosen was the
dialectical historical materialism of Karl Marx. The methodological approach was
bibliographical, documentary and field research. We performed a qualitative research, we
used the semi-structured interview. The seized data were unveiled using the "content analysis"
method. The research was approved by the Ethics and Research Committee of the Faculty of
Human and Social Sciences of UNESP. The results of this investigation indicate contradictory
aspects in the perception of the subjects involved, in what refers to the valorization of the
memories and life experiences of the elderly person, who in some moments are valued and in
others are devalued and even unnoticed, since they are social relations Established in a
capitalist society, and such relations follow this logic. Thus, we can infer that for the
realization of the social valorization of this age segment, as addressed in this work, it is
necessary to fight for a more just society, because within the sociability of capital there is no
way to fully emancipate human and policy. Regarding the Lions Sobral SCF, activities are
developed that stimulate memory in an active aging perspective, focusing on self-care to
avoid losses and dependencies. Thus, we emphasize the importance of actions that work this
type of memory, which may provide more autonomy and independence for the elderly
population, but also emphasize the importance of actions that work and value memory-
memory / memory-experience as an instrument that It can bring about the valorization
between the different generations, strengthening family and community ties, thus reducing
and alleviating prejudices, discrimination and violence against the elderly.

Keywords: elderly person. memoirs. Social valuation. family. Social assistance policy.
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Sobre a faixa etária ........................................................................................ ...103


Quadro 2 - Sexo dos usuários do SCFV.............................................................................. 112
Quadro 3 - Faixa etária dos usuários do SCFV ................................................................. 113
Quadro 4 - Escolaridade dos usuários do SCFV ............................................................... 114
Quadro 5 - Estado Civil dos usuários do SCFV................................................................. 115
Quadro 6 - Renda dos usuários do SCFV .......................................................................... 115
Quadro 7 - Com quem residem os usuários do SCFV ...................................................... 116
Quadro 8 - Número de filhos ............................................................................................... 117
Quadro 9 - Motivo de entrada no SCFV ............................................................................ 118
LISTA DE SIGLAS

AME Assembleia Mundial do Envelhecimento


BPC Benefício de Prestação Continuada
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CCI Centro de Convivência de Idosos
CLT Consolidação das Leis Trabalho
COBAP Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas
COMUTI Conselho Municipal do Idoso de Franca
CRAS Centro de Referência de Assistência Social
CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ILPI Instituição de Longa Permanência
LOAS Lei Orgânica de Assistência Social
MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MPAS Ministério da Previdência e Assistência Social
OMS Organização Mundial de Saúde
PAIF Serviço de Proteção e Atendimento Integral a Família
PAME Plano de Ação Mundial sobre o Envelhecimento
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNAS Política Nacional de Assistência Social
PNI Política Nacional do idoso
PSF Programa Saúde da Família
SBGG Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia
SCFV Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
SESC Serviço Social do Comércio
TNSS Tipificação dos Serviços Socioassistenciais
UBS Unidade Básica de Saúde
UNATI Universidade Aberta da Terceira idade
UNESP Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
UNIT Universidade Tiradentes
UTI Unidade de Terapia Intensiva
VOSF Voluntárias Sociais de Franca
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13

CAPÍTULO 1 O ENVELHECIMENTO E A VELHICE NA ÓTICA DO CAPITAL COM


ÊNFASE NA VALORIZAÇÃO SOCIAL DO SEGMENTO IDOSO .......... 26

1.1 Mudanças na pirâmide etária: o envelhecimento populacional como problema ou


conquista social? ............................................................................................................... 27

1.1.1 Mudanças na pirâmide etária: contexto internacional ................................................... 27


1.1.2 Mudanças etária no Brasil: reflexos da agenda internacional e das mudanças
econômicas, culturais e a conquista de direitos sociais pela classe trabalhadora e
subalterna .......................................................................................................................... 32
1.2 A multidimensionalidade do processo de envelhecimento numa perspectiva de
totalidade .......................................................................................................................... 46
1.3 A valorização social da pessoa idosa na sociedade do capital ...................................... 50

CAPÍTULO 2 A VALORIZAÇÃO SOCIAL DO VELHO E DA VELHA E A TROCA


INTERGERACIONAL: CONTRIBUIÇÕES DA MEMÓRIA E DA
EXPERIÊNCIA DE VIDA NA FAMÍLIA E NA SOCIEDADE
CAPITALISTA ............................................................................................. 61
2.1 A memória e a experiência de vida como fonte de conhecimento ................................ 62

2.2 As transformações e reconfigurações da instituição familiar e suas consequências e


rebatimento na relação família-pessoa idosa ................................................................ 70
2.3 A intergeracionalidade no tempo do capital: valorização ou desvalorização social
entre as gerações .............................................................................................................. 78

CAPÍTULO 3 A VOZ DO SILÊNCIO: PERCEPÇÕES DOS (AS) VELHOS (AS)


USUÁRIOS (AS) DO SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E
FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS- SCFV SOBRE SUA
VALORIZAÇÃO SOCIAL ATRAVÉS DA MEMÓRIA E DAS
EXPERIÊNCIAS DE VIDA .......................................................................... 85
3.1 A cidade de Franca e sua população idosa ..................................................................... 86
3.2 A Política Nacional e Assistência Social - PNAS e a matricialidade sócio familiar .... 89
3.3 A proteção social básica para pessoas idosas: CCI’s x SCFV ...................................... 96
3.4 A voz do silêncio: a percepção dos (as) velhos (as) usuários (as) do SCFV sobre sua
valorização social ........................................................................................................... 111
3.4.1 Perfil dos usuários do SCFV do Lions Sobral ............................................................... 111
3.4.2 O Significado da valorização social para as pessoas idosas ........................................ 119
3.4.3 Percepção da pessoa idosa sobre o significado da valorização social das suas
memórias e experiências de vida no SCFV e na família ................................................. 131
3.5 O olhar profissional: a visão da orientadora social ..................................................... 148

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 152

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 157

APÊNDICES
APÊNDICE A – Roteiro da entrevista semiestruturada .................................................. 171
APÊNDICE B – ENTREVISTA (Orientadora Social) ..................................................... 173

ANEXO
ANEXO A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) ...... 175
INTRODUÇÃO
14

Podemos afirmar que, ao desenvolver uma pesquisa, ao optar por uma temática
específica, dentre tantas possibilidades a serem investigadas, principalmente na área das
Ciências Sociais Aplicadas, especificamente no Serviço Social, que tem como principal
objetivo intervir nas expressões da questão social, elementos para pesquisar é o que não falta,
mas a opção e escolha pelo objeto de pesquisa além de fazer parte da trajetória
acadêmica/profissional, também faz parte da trajetória pessoal. Assim, muito antes da
graduação, a pesquisadora sempre teve interesse em ouvir histórias contadas por pessoas mais
velhas, a exemplo de como era a vida na época da juventude, de como a era cidade, enfim,
conseguia mergulhar e imaginar junto com a pessoa idosa 1 , como eram os cenários que
estavam sendo relatados e identificava tais momentos como de aprendizagem, deste modo
enxergando o (a) idoso (a) como detentor (a) de um conhecimento, embora nesse momento
ainda não possuísse um conhecimento teórico sobre esse processo.
As primeiras aproximações com a temática tiveram início durante a trajetória
acadêmica, uma vez que a autora realizou diversos trabalhos sobre temáticas relevantes para a
formação profissional, dentre elas investigações referentes à pessoa idosa, motivadas através
de experiência em Iniciação Científica, em que pôde realmente compreender, através da
utilização de métodos científicos, a importância de momentos de instigar a pessoa idosa a
falar e de ouvi-la contar por meio das suas memórias, suas histórias e experiências
relacionadas a temas como trabalho, vida pessoal, família, à política, à cidade, ao bairro, entre
outros, processo que produz conhecimentos, muitas vezes não encontrados em livros, e que
possibilitam a valorização social do segmento idoso, através das suas memórias e experiências
de vida, além de poder proporcionar uma aproximação intergeracional e a valorização entre as
gerações.
Concluída a graduação, iniciou-se uma residência multiprofissional em Unidade de
Terapia Intensiva Adulto (UTI), na Fundação de Beneficência Hospital de Cirurgia, na
cidade de Aracajú-SE, dando continuidade ao processo de formação profissional, e neste
espaço continuou com a temática de envelhecimento e velhice, uma vez que muito se tem a
ser investigado sobre esta área do conhecimento. Assim, a partir de ambas as experiências,
fora estimulada a permanecer pesquisando na área do envelhecimento, por entender a
relevância social da temática, pois segundo a Organização Mundial de Saúde

1
Neste trabalho adotou-se o uso do termo “pessoa idosa ou idoso(a)”, assim como também “velho e velha” por
uma questão de gênero, mesmo que alguns autores e a própria legislação utilizem o termo “idoso”. Embora o
termo “velho e velha” seja usado, algumas vezes, na sociedade capitalista, como algo pejorativo, aqui ele foi
adotado para se referir àqueles (as) que já estão numa fase de vida considerada socialmente como velhice, sem
preconceitos e discriminações.
15

(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2005), em 2025, o Brasil será o sexto país com
maior número de pessoas idosas. Mas vale ressaltar que “[...] ainda que se tenha elevado a
esperança média de vida, isso não significa que tenham melhorado as condições objetivas de
vida da classe trabalhadora [...].” (HADDAD, 1986, p. 17). Se a expectativa de vida cresce é
porque houveram algumas mudanças na sociedade que tornaram possíveis tal processo, não
obstante a condição de vida da classe trabalhadora e subalterna ainda é perpassada por
carência e insuficiência de acesso a recursos e serviços públicos que possibilitem um
envelhecimento ativo, independente e saudável.
Segundo Veras (1988, p. 385-386), o envelhecimento de uma população acontece da
seguinte forma: “O processo é, portanto, dinâmico e para que uma população envelheça é
necessário: que nasçam muitas crianças; que as mesmas sobrevivam até idades avançadas e
que, simultaneamente, o número de nascimentos diminua”, isto proporciona uma mudança na
pirâmide etária, que no caso do Brasil, que era considerado um país de jovens, agora está se
tornando um país de longevos.
Essa mudança que está em curso e que vem acontecendo de forma acelerada, no
Brasil, é bem contraditória, visto que este país ainda está num processo de desenvolvimento, e
os dados já mostram que a expectativa de vida está aumentando e as taxas de natalidade
diminuindo rapidamente, tal realidade só vem acontecendo devido às descobertas científicas,
aos avanços tecnológicos, as mudanças culturais e as conquistas de direitos sociais, e segundo
Kalache (2009), os países desenvolvidos tiveram tempo para desenvolver-se e enriquecer,
para só depois desse processo, sua população envelhecer, já no Brasil acontece o contrário, e
isso é um grande desafio a ser enfrentado, ainda mais numa sociedade tão desigual.
Assim, os países em processo de desenvolvimento estão vivenciando essa realidade,
com diferenças, ressaltando que ainda existem países, como a África, que ainda não
conquistaram o direito de envelhecer. E como é envelhecer na sociedade capitalista de um
país ainda em processo de desenvolvimento? As pessoas idosas estão sendo valorizadas pela
família, pelo Estado e pela sociedade de forma geral? As memórias advindas das experiências
de vida das pessoas idosas estão sendo ouvidas e valorizadas? São indagações como estas que
se procura responder com o desenvolvimento deste trabalho.
Entendemos aqui que uma pessoa valorizada na fase da vida demarcada social e
culturalmente como velhice: é aquela que se autovaloriza, e para isso poderá ser necessário
que ela tenha valorização perante a sociedade, a família e o Estado. No tocante à sociedade e à
família, que ambas respeitem a pessoa idosa e não a discrimine por questões etárias, e outras
relacionadas às mudanças próprias desse período da vida, e veja-a como sujeito de direitos.
16

No que cabe ao Estado, este deverá garantir e efetivar os direitos sociais da pessoa idosa,
através das políticas públicas, inclusive com ações que possam sensibilizar toda a sociedade
sobre a importância da pessoa idosa, além de não impor e responsabilizar a família e a própria
pessoa idosa por possíveis situações de fragilidades e vulnerabilidades 2 . Desta forma, os
preconceitos e discriminações sociais dirigidos contra a população idosa poderiam ser
reduzidos e amenizados, pois segundo o Paulo Netto (2001), a questão social é produto do
modo de produção capitalista, portanto enquanto persistir tal sistema, ela também continua, e
mesmo que ela seja suprimida, com o socialismo ou comunismo, existirão outros problemas
relacionados à existência humana.
No que se refere à memória, ela é entendida neste trabalho como sinônimo de
experiência de vida, ou seja, tudo aquilo que a pessoa vivenciou ao longo da vida, seja em
relação a sua história familiar, ao seu trabalho, cidade, bairro onde viveu, a política, etc.,
porque “A memória é, sim, um trabalho sobre o tempo, mas sobre o tempo vivido, conotado
pela cultura, e pelo indivíduo.” (BOSI, 2003, p. 53).
O método que elegemos para este trabalho foi o materialismo histórico dialético de
Karl Marx, por entender que esta teoria dá conta de explicar a realidade de forma crítica e que
este método é o melhor que pode explicar o objeto em estudo, possibilitando compreender a
totalidade, a historicidade, a mediação e a contradição.
Conforme Simionatto (2009, p. 1), as revoluções que ocorreram entre os séculos XVI
e XVII marcam o período moderno com a chamada “razão moderna”, tendo sua gênese na
astronomia e na física e mudando a maneira de explicar o mundo. A fé e a religião eram, até
então, as únicas formas de explicar a realidade. Ocorre então uma mudança nunca vista antes,
pois sai-se do dogma e adentra-se no mundo científico. Passa-se agora a acreditar na razão e
na capacidade do homem em criar teorias científicas, e foi o filósofo Immanuel Kant que “[...]
ampliará as reflexões acerca das possibilidades da razão na organização e sistematização dos
dados empíricos de forma mais científica [...].” (SIMIONATTO, 2009, p. 2). Este filósofo
vislumbra uma nova forma de explicar a realidade a partir da razão, mas para ele na

2
Segundo a Política Nacional de Assistência Social de 2004 (PNAS) (BRASIL, 2005, p. 34), “[...] cidadãos e
grupos que se encontram em situações de vulnerabilidade e riscos, tais como: famílias e indivíduos com perda
ou fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidades
estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências; exclusão
pela pobreza e, ou, no acesso às demais políticas públicas; uso de substâncias psicoativas; diferentes formas de
violência advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou não inserção no mercado de
trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem representar
risco pessoal e social.”
17

[...] produção do conhecimento, destacam‐ se dois elementos fundamentais:


a existência do objeto que desencadeia a ação do pensamento e a
participação do sujeito ativo e de sua capacidade de conhecer. Ao vincular
“razão” e “experiência”, afirma que o sujeito não tem a capacidade de
conhecer “a coisa em si”, somente captar sua aparência, sua expressão
fenomênica, não sendo possível conhecer a essência dos fenômenos
pesquisados. (SIMIONATTO, 2009, p. 2).

Kant defendia que para realização do processo de conhecimento, desencadeado com a


razão moderna, era necessário o objeto e a ação do homem para conhecê-lo, embora o homem
ficasse limitado a conhecer apenas a aparência fenomênica das coisas, sem, portanto, chegar a
sua essência. Ainda segundo a autora referenciada, esse pensamento perdurou durante todo o
Iluminismo e só é superado por Hegel, quando “A ‘razão fenomênica’ ou acrítica presente em
Kant é substituída, em Hegel, pela ‘razão dialética’, capaz de captar a processualidade dos
fenômenos sociais para além de sua mera aparência.” (SIMIONATTO, 2009, p. 2), foi Hegel
que superou Kant e abriu uma nova possibilidade de conhecer a realidade.
O contexto social da passagem do século XVIII para o XIX é marcado pela formação
do Estado burguês, a saída do feudalismo e o surgimento do modo de produção capitalista, o
que favoreceu o processo de modernização com “[...] uma série de transformações que de
longa data encontravam se latentes na Europa, seja no campo da ciência e da tecnologia, seja
na organização política, no trabalho, nas formas de propriedade da terra, na distribuição do
poder e da riqueza entre as classes sociais.” (SIMIONATTO, 2009, p. 3). Nesse período da
razão moderna, surgiram duas grandes teorias: o funcionalismo de Comte e a teoria social de
Marx, ambas procuravam explicar a realidade. A primeira visava fortalecer a ordem social
estabelecida e era a ideologia da classe dominante; já a segunda visava, além de explicar a
realidade de forma crítica, à possibilidade da sua transformação para uma nova ordem
societária.
As transformações ocorridas no século XX, envolvendo a crise capitalista de 1970, as
respostas dadas pelo capital, a crise das ideologias com o colapso do socialismo real nos
países do leste europeu, o questionamento dos paradigmas teóricos, políticos e históricos, a
não realização dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, tudo isto, entre outras coisas,
abriram o debate do projeto da modernidade (SIMIONATTO, 2009), surgindo então à
oposição entre modernidade e pós-modernidade.
Na década de 1970, tem-se a intensificação da pós-modernidade, como uma ideologia
posta para o capitalismo superar a crise, assim “Faz ressurgir os postulados da ‘razão
fenomênica’ kantiana ou da ‘razão instrumental’ positivista, na medida em que categorias
como ‘essência e totalidade’ são abandonadas em nome da aparência e da imediaticidade.”
18

(TONET, 2006 apud SIMIONATTO, 2009, p. 7).


A pós-modernidade recupera o positivismo e formas antigas de explicar a realidade
que, favorecendo a classe social dominante, procurando manter a classe trabalhadora e
subalterna cada vez mais submissa aos comandos do capital, além de desprezar e desacreditar
no marxismo, afirmando que este já não responde às demandas sociais, entre outras coisas.
Em consonância com Simionatto (2009), são características da pós-modernidade: a
imediaticidade, o singular, o subjetivo, o efêmero, o fragmentado, a aparência, o descontinuo,
o consumismo e o individualismo. Na visão de Coutinho (2006, p. 111-113 apud
SIMIONATTO, 2009, p. 8-9), a pós-modernidade seria a “[...] ‘combinação de irracionalismo
e de miséria da razão’, representando ‘a superestrutura ideológica da contra-reforma
neoliberal’ que vivemos na contemporaneidade”, ou seja, uma ideologia que favorece a classe
que defende o neoliberalismo e também o capital.
Mesmo diante dessa pós-modernidade, que tenta desqualificar a teoria marxista, o
método elegido para guiar o desenvolvimento desta pesquisa foi o materialismo histórico-
dialético de Marx, uma vez que acreditamos que tal teoria continua dando conta de explicar a
realidade de forma crítica e que este método seja o que melhor pode explicar o objeto em
estudo, já que possibilita compreender a totalidade, a historicidade, a mediação e a
contradição, desta forma, mesmo em tempos de barbárie social, parafraseando um ditado
popular: continuamos a remar contra a maré.
O materialismo histórico-dialético de Marx é histórico porque para se entender o
presente, é necessário conhecer o passado, as lutas sociais e a formação da sociedade,
dialético porque a sociedade vive num movimento, em processo de (re) construção (KOSIK,
1976), ou seja, um processo contraditório. Segundo Tonet (2013, p. 11), em seu livro sobre o
Método Científico, explica e esclarece acerca do método, afirmando que:

Crítico, no sentido marxiano, significa sempre a busca dos fundamentos


históricos e sociais que deram origem a determinado fenômeno social,
permitindo, com isso, compreender a sua natureza mais profunda e não
simplesmente o questionamento de lacunas e imperfeições.

Assim, procuramos, neste trabalho, ir além de responder as indagações sobre a


mudança na pirâmide etária e a valorização social do segmento idoso através de suas
memórias e experiências de vida na sociedade do capital, mas de compreender também como
foi possível tal processo de transformação demográfica, e como esses (a) velhos (a) foram
valorizados ou desvalorizados no decorrer da história e como estão sendo tratados na
contemporaneidade.
19

O método escolhido se difere de outros métodos pela riqueza de conhecimento que ele
pode proporcionar, uma vez que “[...] é o ponto de vista da totalidade e não a predominância
das causas econômicas na explicação da história que distingue de forma decisiva o marxismo
das ciências burguesas.” (LUKÁCS, 1974, p. 14 apud PAULO NETTO, 2011, p. 14). Esse
método permite perceber todos os aspectos que perpassam o objeto de estudo.
Partimos do entendimento que a realidade vivenciada pela sociedade é algo imediato,
aparente e ilusório, e que para compreendê-la como uma totalidade, é preciso buscar a
essência dos fenômenos, pois para Kosik (1976), saber lidar com as coisas no mundo não
significa compreender sua realidade, assim pode-se manipular e descrever dados e
informações, sem, contudo, compreender seus fundamentos. De tal modo, buscamos entender
como o a pessoa idosa está inserida nesse contexto social. Desta forma, o método proposto
poderá contribuir para desvelar a realidade, pois,

A totalidade concreta como concepção dialética-materialista do


conhecimento do real [...] significa, portanto, um processo indivisível, cujos
momentos são: a destruição da pseudoconcreticidade, isto é, da fetichista e
aparente objetividade do fenômeno, e o conhecimento da sua autentica
objetividade, em segundo lugar, conhecimento do caráter histórico do
fenômeno, no qual se manifesta de modo característico a dialética do
individual e do humano em geral; enfim, o conhecimento do conteúdo
objetivo e do significado do fenômeno, da sua função objetiva e do lugar
histórico que ele ocupa no seio do corpo social. (KOSIK, 1976, p. 51-52).

Para entender a realidade, é necessário compreender esse processo dialético, e ir além


do que a aparência mostra, conforme a afirmação do autor, que isto é possível através da
destruição da pseudoconcreticidade, que seria uma falsa concreticidade para chegar à essência
verdadeira do fenômeno. Para Paulo Netto (2011, p. 22), a aparência fenomênica é o caminho
onde se inicia o conhecimento, não devendo ser desprezado, porém deva ser ultrapassado para
que se possa atingir, a partir dele, a essência, ou seja, “a estrutura e a dinâmica” do objeto
pesquisado. Simionatto (2009, p. 4) corrobora com isso quando afirma que

O conhecimento da realidade aqui não se restringe à mera aparência, aos


elementos imediatos da vida social, mas implica o desvendamento de todas
as suas determinações e relações intrínsecas: sociais, econômicas, políticas e
culturais. Ao contrapor‐ se à “razão instrumental”, o método proposto por
Marx também tem na realidade empírica seu ponto de partida, mas, ao
desvendá‐ la, possibilita uma crítica radical à sociedade capitalista,
revestindo‐ se, assim, de grande força política na luta pela transformação
social.

O conhecimento na perspectiva crítica busca ir além do imediato, do que está posto no


20

cotidiano, procurando desvendar a essência do objeto, mas parte sempre do empírico, que
seria o primeiro conhecimento, mas que por ser superficial e mostrar apenas a aparência, é
necessário ultrapassá-lo, ou seja, superar o conhecimento empírico.
O método eleito materialismo histórico-dialético permitirá a apreensão das
contraditoriedades do movimento do real, para desvendar o significado da velhice na
sociedade do capital. Nesse raciocínio, permitirá compreender a “[...] problemática social do
envelhecimento dos trabalhadores e de suas determinações fundamentais na ordem do capital
que, pelas lutas e pelos mecanismos organizativos e reivindicatórios, pressionam por
respostas do Estado e da sociedade.” (TEIXEIRA, 2009, p. 67). Ainda sobre esse método,
“Cabe também precisar o sentido das ‘determinações’: determinações são traços pertinentes
aos elementos constitutivos da realidade; nas palavras de um analista, para Marx, a
determinação é um ‘momento essencial constitutivo do objeto’.” (DUSSEL, 1985, p. 32 apud
PAULO NETTO, 2011, p. 45).
O objeto pode possuir diferentes determinações, que precisam ser identificadas a partir da
realidade, pois só assim poderá ter o conhecimento concreto do objeto, e para isso é necessário
conhecer suas determinações, e as mais simples podem ser encontradas no nível da universalidade
e da imediaticidade do real, apresentando-se como singularidades, embora o conhecimento do
concreto executa-se abrangendo universalidade, singularidade e particularidade (PAULO
NETTO; BRAZ, 2012). Assim, é necessário conhecer o todo, partindo do universal para o local,
desta forma será possível compreender e associar que as expressões da questão social na
sociedade do capital, por exemplo, que não é apenas uma realidade local, de um indivíduo ou de
uma família isoladamente, mas algo maior, que tem caráter mais abrangente nesse modo de
produção, ou seja, compreender que é de nível estrutural.
Sobre totalidade, Paulo Netto (2011, p. 56, grifo do autor) afirma que,

Para Marx, a sociedade burguesa é uma totalidade concreta. Não é um


"todo" constituído por "partes" funcionalmente integradas. Antes, é uma
totalidade concreta inclusiva e macroscópica, de máxima complexidade,
constituída por totalidades de menor complexidade. Nenhuma dessas
totalidades é "simples"- o que as distingue é o seu grau de complexidade (é a
partir desta verificação que, para retomar livremente uma expressão
lukacsiana, a realidade da sociedade burguesa pode ser apreendida como um
complexo constituído por complexos).

Não é uma junção de partes que formam um todo, mas são as partes que em si mesmo
possuem totalidade, embora seja a junção de todas essas partes, que são por si só complexa,
que formam uma totalidade ainda maior, que é a sociedade burguesa. Ainda segundo Paulo
21

Netto (2011), nesta sociedade, a totalidade é dinâmica e contraditória, e é isso que permite a
sua transformação.
Nesta investigação, o caminho metodológico foi da pesquisa bibliográfica, documental
e de campo. A pesquisa bibliográfica, segundo Gil (2002, p. 44) “[...], é desenvolvida a partir
de material já elaborado constituído, principalmente de livros e artigos científicos”, utilizando
assim dos diversos autores sobre determinado assunto. Este tipo de pesquisa é importante e
traz como “A sua principal vantagem reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de
uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar
diretamente.” (GIL, 2002, p. 45).
As entidades que atendem a população idosa no nível de proteção básica, segundo
Poltronieri (2014), no município de Franca-SP, são: CCI3 Lions Sobral, CCI Nelson de Paula
Silveira, CCI Rodolfo Vilas Boas, CCI Voluntárias Sociais de Franca (VOSF) e a
Universidade Aberta à Terceira Idade (UNATI). Todas as instituições não são residenciais. A
pesquisa foi desenvolvida no CCI Lions Sobral, pois este foi o primeiro CCI em Franca a
desenvolver trabalho social com pessoas idosas, inaugurada em 03/08/2009, e desenvolve o
SCFV com pessoas idosas referenciadas pelo Centro de Referência de Assistência Social
(CRAS) da região Norte, além de ser uma referência na cidade de Franca.
Destarte, traçamos objetivos, sendo o principal analisar a percepção da pessoa idosa
sobre a valorização social através dos significados das memórias advindas da experiência de
vida, diante do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) e da família. Já
os objetivos específicos visam a 1- conhecer o perfil socioeconômico dos usuários do SCFV;
2- identificar nas ações do serviço se existe trabalho com a memória, e se este favorece o
fortalecimento de vínculo e a valorização social da pessoa idosa; e 3- compreender a
percepção das pessoas idosas usuárias dos serviços prestados pelo SCFV Lions Sobral, a
respeito do trabalho com a memória enquanto ação para o fortalecimento de vínculo familiar e
sua valorização social.
Também buscamos mapear nosso objetivo geral teoricamente, a partir de autores
críticos compreender o processo de envelhecimento e velhice numa perspectiva de totalidade,
com ênfase na valorização social da pessoa idosa na ótica do capital; apreender a importância
da memória e da experiência de vida da pessoa idosa como um valor social, pelas suas
capacidades, competências e contribuição com as novas gerações, dialeticamente, isto foi
desenvolvido nos capítulos iniciais.

3
Centro de Convivência de Idosos (CCI).
22

O SCFV é destinado a pessoas idosas e para adultos, e no momento da pesquisa


tinham 72 usuários (as), sendo que 4 tinham menos de 60 anos de idade, e 68 pessoas tinham
a partir de 60 anos de idade. A pesquisa foi realizada no segundo semestre de 2016.
Os sujeitos da pesquisa foram pessoas idosas usuárias do SCFV, desenvolvidos dentro
do CCI Lions Sobral. Os critérios para seleção foram: 1- ter a idade a partir de 60 anos ou
mais, de acordo com o Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741 de 1º de outubro de 2003, no seu Art.
1º “Pessoa idosa é aquela com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.” (BRASIL, 2003);
2- que tenham sido encaminhados pelo CRAS para o SCFV há 1(um) ano ou mais e que
tenham entrado no SCFV como público prioritário por alguma vivência de isolamento social,
entendendo que, por estar inserido no serviço há mais de um ano, poderá ter percebido como
o próprio serviço vem contribuindo com esse fortalecimento de vínculos e valorização da
pessoa idosa. Foram consultados os registros/prontuários dos sujeitos para verificar a
quantidade de usuários que se encaixam nos critérios mencionados e, em seguida, foi
realizado um levantamento para obter informações sobre o perfil destes usuários.
Pretendíamos realizar um sorteio com os participantes que se enquadrassem nos critérios
mencionados e para eleger 10 pessoas idosas de ambos os sexos, sempre respeitando a
liberdade e autonomia do sujeito em participar da pesquisa.
Dentre os participantes do SCFV, 20 se encaixavam nos critérios estabelecidos, mas
devido questões de afastamento temporário do serviço por problemas de saúde e outros
motivos, não foi necessário a realização do sorteio, uma vez que dos 20, apenas 10 estavam
frequentando o serviço no momento da pesquisa (entrevistas), e estes aceitaram participar da
pesquisa de forma voluntária.
No decorrer da pesquisa, sentimos a necessidade de entrevistar também a orientadora
social, que é uma das profissionais responsável pelo SCFV. Desta forma, foi explicado os
objetivos da pesquisa e a profissional aceitou participar como voluntária da pesquisa.
Os sujeitos foram esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa e ao aceitarem
participar, assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), obedecendo
durante toda a realização da pesquisa, os aspectos éticos, o anonimato dos participantes e a
confidencialidade das informações, de acordo com a Resolução nº 466 de 12 de dezembro de
2012 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012), e com a Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016,
que dispõe sobre pesquisa na área das ciências humanas e sociais (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2016).
23

Encaminhamos o projeto encaminhado ao Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade


Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) - Faculdade de Ciências Humanas e
Sociais- câmpus de Franca-SP, e foi aprovado com o número do parecer: 1.706.571.
O instrumento utilizado para coleta de dados foi através da técnica da entrevista
semiestruturada que teve um roteiro que norteou o desenvolvimento da pesquisa, também foi
utilizado um gravador, pois este “[...] tem contribuído bastante no registro não só das
palavras, como também dos silêncios, vacilações, tons de voz do narrador, que posteriormente
contribuem para análise do conteúdo.” (ROJAS, 1999, p. 91).
Sobre a pesquisa documental, que segundo Minayo (2007, p. 26) faz parte do trabalho
de campo, pois,

[...] consiste em levar para a prática empírica a construção teórica elaborada


na primeira etapa. Essa fase combina instrumentos de observação,
entrevistas ou outras modalidades de comunicação e interlocução com os
pesquisados, levantamento de material documental e outros.

A pesquisa documental e a pesquisa de campo estão interligadas, uma vez que, neste
momento, serão realizadas as entrevistas com os participantes da pesquisa, observações, assim
como o levantamento do material disponível sobre a temática, no que se refere aos arquivos.
Assim, na fase documental de investigação, analisamos os documentos oficiais,
registros/prontuários dos participantes do SCFV, que foram utilizados para traçar o perfil das
pessoas idosas e selecionar os participantes da pesquisa, baseado nos critérios mencionados
neste projeto. Também nesta fase analisamos o estatuto e regimento do SCFV e outros
documentos que vieram ao encontro com o objeto de pesquisa.
Em seguida, realizamos a abordagem qualitativa, que para Minayo (2007, p. 21) “[...]
trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos
valores e das atitudes [...]”, isto através da escuta, que poderá revelar dados que não podem
ser encontrados em documentos, uma vez que faz parte da vivência e percepção,
experimentada e vivenciada no dia-a-dia.
A etapa de análise e tratamento empírico e documental, segundo Minayo (2007, p. 26-
27), é um “[...] conjunto de procedimentos para valorizar, compreender, interpretar os dados
empíricos, articulá-lo com a teoria que fundamentou o projeto ou com outras leituras teóricas
interpretativas [...].” A autora divide este processo em três procedimentos: (a) Ordenação dos
dados; (b) Classificação dos dados; (c) Análise propriamente dita.
Os dados foram analisados pelo método “análise de conteúdo”, que segundo Chizzotti
(2006, p. 98) é, “[...] um método de tratamento e análise de informações, colhidas por meio de
24

técnicas de coleta dedados, consubstanciadas em um documento. A técnica se aplica à análise


de textos escritos ou de qualquer comunicação (oral, visual, gestual) reduzida a um texto ou
documento [...].”
As etapas básicas no processo de análise de conteúdo são três: pré-análise, descrição
analítica e interpretação inferencial (BARDIN, 1977 apud TRIVIÑOS, 2009). A primeira fase
será o estudo do material envolvendo as entrevistas, a observação e a legislação e referências
sobre a temática. A segunda fase do método ocorre quando “[...] o material de documentos que
constitui o corpus é submetido a um estudo aprofundado, orientado, este, em princípio, pelas
hipóteses e referenciais teóricos. Os procedimentos como a decodificação, a classificação e a
categorização são básicos nesta instância do estudo.” (TRIVIÑOS, 1009, p. 161), assim, é
possível para o pesquisador perceber as ideias coincidentes e divergentes. Na terceira fase, de
interpretação inferencial, é possível articular os dados da pesquisa com os referenciais teóricos,

Na fase de interpretação referencial, apoiada nos materiais de informação,


que se iniciou já na pré-análise, alcança agora sua maior intensidade. A
reflexão, a intuição, com embasamento nos materiais empíricos, estabelecem
relações [...]. (TRIVIÑOS, 2009, p. 162, grifo do autor).

O pesquisador deve ultrapassar o conhecimento expresso nos documentos e buscar ir


além do que está posto de imediato, desta forma irá chegar na essência do objeto de estudo.
As categorias de análise desta pesquisa foram: o trabalho, totalidade, classe social,
família, memória/experiência, a memória/lembrança.
Desta forma, a dissertação está dividida em três capítulos, e no primeiro e segundo
procurou-se realizar uma revisão histórico-crítica da literatura, que, para Iamamoto (2011,
p. 70), o conhecimento teórico “[...] é apenas um tipo de conhecimento entre outros, mas,
sobretudo, tende a ser o mais universal e mais completo, uma vez que ele busca captar e
reproduzir o real por meio do pensamento.”
No capítulo primeiro abordamos sobre o processo de mudanças na pirâmide etária
brasileira, um fenômeno complexo, histórico, heterogêneo, bem como quais fatores vêm
contribuindo para que isso aconteça, sobre a multidimensionalidade que envolve o processo
de envelhecimento humano, e sobre as diferentes formas que cada sociedade valoriza suas
pessoas idosas.
No segundo capítulo discutimos e definimos sobre qual a memória foi o foco deste
trabalho e de que forma ela pode contribuir com a intergeracionalidade, além de discutir como
as mudanças na configuração da família podem afetar a relação entre seus membros mais
jovens com as pessoas idosas.
25

O terceiro capítulo trazemos informações sobre o município de Franca, e trazendo


ainda, uma breve discussão acerca da PNAS, dando ênfase para a proteção social básica; o
surgimento do CCI, e após a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais de 2009
(TNSS), a mudança para SCFV, discutido também sobre o perfil dos usuários do SCFV
desenvolvido no CCI Lions Sobral e a análise das falas dos participantes da pesquisa,
trazendo seus resultados e, a visão da orientadora social, em seguinda, algumas considerações
finais.
A pesquisa foi desenvolvida na cidade de Franca, e segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o crescimento da população idosa nesta cidade
acompanha os dados nacionais (IBGE, 2016).
Utilizamos autores críticos e significativos à área, como Eneida Gonçalves de Macedo
Haddad, Guita Grin Debert, Simone de Beauvoir, Solange Maria Teixeira, Sálvea De Oliveira
Campelo e Paiva, Nanci Soares, Renato Veras, Alexandre Kalache, Daiane Papalia, José
Paulo Netto, Marcelo Braz, Karl Marx, Friedrich Engels, Ecléa Bosi, Paul Thompson,
cadernos do Serviço Social do Comércio (SESC), Maria Cecília de Souza Minayo, Augusto
Nibaldo Silva Triviños, entre outros. Também foram utilizados dados do IBGE, da legislação
vigente, a exemplo da PNAS, Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), TNSS,
Orientações Técnicas do SCFV para pessoas idosas, Estatuto do idoso e outros documentos
referentes à temática.
Finalmente, traçamos algumas considerações finais, tendo como marco alguns pontos
que se evidenciaram para o entendimento do nosso objeto de pesquisa, com a intenção não de
fechar essa questão, mas sim de pontuar algumas características que devem estar presentes
sobre a reflexão.
CAPÍTULO 1 O ENVELHECIMENTO E A VELHICE NA ÓTICA DO CAPITAL
COM ÊNFASE NA VALORIZAÇÃO SOCIAL DO SEGMENTO
IDOSO
27

1.1 Mudanças na pirâmide etária: o envelhecimento populacional como problema ou


conquista social

Enfatizo o fato de que envelhecer é um privilégio, envelhecer é bom, e basta


pensar na única alternativa: a morte precoce. (KALACHE, 2009, p. 31).

Neste capítulo procuramos compreender o processo de envelhecimento e a velhice


numa perspectiva de totalidade e com ênfase na valorização social da população idosa na
ótica do capital. Neste tópico discutimos acerca das transformações que vem ocorrendo na
pirâmide etária, procurando compreender se o envelhecimento é um problema ou conquista da
sociedade capitalista; em seguida, a discussão foi sobre os fatores internos e externos, ou seja,
da multidimensionalidade do envelhecimento numa perspectiva de totalidade; e por último,
uma discussão em torno da valorização social da pessoa idosa dentro desta sociedade. Sempre
com intuito de procurar desvendar a realidade de forma crítica, uma vez o método do
materialismo histórico-dialético de Marx, permite uma abordagem histórico-social, capaz de
possibilitar a desmistificação das relações sociais tão naturalizadas na sociedade do capital.

1.1.1 Mudanças na pirâmide etária: contexto internacional

Discutimos aqui acerca do crescimento da expectativa de vida, que resulta no


envelhecimento humano, que ora visto como conquista social, ora visto como problema
social, e sobre o contexto internacional, ou seja, sobre a entrada da discussão desse assunto
nas assembleias mundiais, e as orientações sugeridas para os países.
É preciso atentar para o fato que o envelhecimento é um fenômeno mundial, mas
segundo Paiva (2014, p. 27), não são todas as populações que têm o direito de envelhecer, a
autora citou o relatório da OMS, de 2003, que mostrou as condições de saúde em países da
África “[...] nos anos 1990 e início do século XXI, a taxa de mortalidade superava a dos anos
1970”, isto mostra que nem todos os seres humanos conquistaram a efetivação do direito de
envelhecer. Sobre isso, Kalache (2009, p 31) também afirma que “[...] no Japão, tínhamos 82
anos de expectativa de vida, em 2002; em Serra Leoa, a mesma expectativa era de apenas 34
anos.” O que revela uma disparidade social entre os países, que também pode ser percebida
dentro de um mesmo país, de uma região para outra.
Considerando a atual conjuntura histórica-social, é importante compreender como o
envelhecimento populacional passa a ser visto e sentido por aqueles que envelhecem e/ou já
estão vivenciando essa etapa da vida. Esta realidade seria um problema ou uma conquista na
28

sociedade brasileira? Seria uma conquista, independente de classe social ocupada pela pessoa
idosa? Ou seria um problema, dependendo da classe social que a pessoa idosa pertença na
sociedade do capital? São indagações como estas que procuramos responder com o
desenvolvimento deste trabalho.
No Brasil, país em processo de desenvolvimento, que vem alcançando um aumento
repentino desse segmento, ao contrário do que ocorreu em países desenvolvidos, que foi de
forma lenta e gradual, logo tiveram preparação para lidar com as demandas dessa população,
além de proporcionar maiores chances de uma velhice ativa e independente, principalmente
digna. Assim, este processo de mudanças na pirâmide etária provoca “O crescimento da
população de idosos e a longevidade, em números absolutos e relativos, é um fenômeno
mundial e está ocorrendo a um nível sem precedentes, atingindo todas as classes sociais [...].”
(TEIXEIRA, 2009, p. 21), embora a forma de vivenciá-la não seja igual para todas as classes
sociais, existindo diferenças inclusive dentro de uma mesma classe, sobre esta categoria,
Paulo Netto e Braz (2012, p. 97, grifo do autor) afirmam que

As classes fundamentais do modo de produção capitalista, assim,


determinam-se pela propriedade ou não dos meios de produção: os
capitalistas (a classe capitalista, a burguesia) detêm essa propriedade,
enquanto o proletariado (o operariado, a classe constituída pelos produtores
direto) dispõe apenas de sua capacidade de trabalho e, logo, está
simultaneamente livre para/compelido a vendê-la como e vende qualquer
mercadoria; no modo de produção capitalista, o capitalista é o representante
do capital e o proletariado o do trabalho.

Ainda para os referidos autores, além das classes sociais fundamentais que formam a
sociedade capitalista, existem ainda as classes intermediárias. Assim sendo, através da
compreensão desse conceito de classes sociais, é possível perceber a diferença nos modos de
vida de cada uma delas, marcados pela diferenciação de acesso à cultura, aos bens e direitos
sociais, entre outras coisas, que irão implicar no seu modo de envelhecer. Desta forma,
considerando as condições de vida dos (as) velhos (as), principalmente da classe trabalhadora,
que venderam sua força de trabalho durante toda a vida para sobreviver, sendo que

A força de trabalho, durante a jornada de trabalho, produz mais valor que


aquele necessário a sua produção/reprodução, valor esse expresso no salário;
assim, mesmo pagando o valor da força de trabalho, o capitalista extrai da
jornada de trabalho do trabalhador um excedente (a mais-valia, fonte de seu
lucro) [...]. (PAULO NETTO; BRAZ, 2012, p. 114).
29

A relação entre a classe trabalhadora e a classe capitalista é antagônica, contraditória,


de interesses opostos, assim “[...] o mecanismo de exploração que garante a extração da mais-
valia, também expropria o (a) trabalhador (a) do seu tempo de vida.” (PAIVA, 2014, p. 110),
dessa maneira, pode-se afirmar que esse (a) trabalhador (a) teve reduzido o tempo de
convivência com seus familiares e amigos, devido aos níveis de exploração que foi
submetido, também poderá desenvolver doenças ou agravar as já existentes, e na velhice irá
sofrer os reflexos desses acontecimentos, podendo perder sua capacidade funcional, sua
autonomia e não desenvolver nenhuma ou ter dificuldades para realizar algumas das
atividades básicas da vida diária, além de poder ter afetado sua relação com familiares. Assim,
poderá demandar ao Estado intervenções cada vez maiores, e dentro da sociedade capitalista,
que defende um Estado mínimo para o campo social, o envelhecimento populacional poderá
ser visto como um problema social, uma vez que irá demandar o uso frequente de várias
políticas sociais, principalmente de saúde, previdência e assistência social.
Entender o envelhecimento dentro da sociedade capitalista implica refletir como este
fenômeno está se configurando: seria um problema ou uma conquista da humanidade? Pode-
se analisar esse processo através das perdas de autonomia e independência que os(a) idosos
(a) velhos(a) (de 75 a 84 anos de idade) e os(a) idosos mais velhos (a) (de 85 anos ou mais)
podem sofrer, sendo necessário atentar que,

Assim sendo, o envelhecimento não se constitui um problema social pelas


restrições físicas, fisiológicas ou biológicas do organismo, pelo crescimento
demográfico da população idosa, pela restrição de papéis sociais, familiares,
trabalhistas. É a classe trabalhadora a protagonista da tragédia no
envelhecimento, considerando-se a impossibilidade de reprodução social e
de uma vida cheia de sentido e valor, na ordem do capital, principalmente,
quando perde o valor de uso para o capital, em função da expropriação
dos meios de produção e do tempo de vida. Portanto, não é para todas as
classes que o envelhecimento promove efeitos imediatos de isolamento,
de exclusão das relações sociais, do espaço público, do mundo produtivo,
político, artístico, dentre outras expressões fenomênicas dos processos
produtores de desigualdades sociais. (TEIXEIRA, 2009, p. 64, grifo
nosso).

Não são todas as pessoas idosas que passam por situações que tornam sua velhice um
problema social, pois a autora afirma que restrições físicas, fisiológicas ou biológicas não são
sinônimo de velhice como problema. Ela ainda chama a atenção para a classe trabalhadora,
que ao perder seu valor de uso para o capital, poderá ser isolada e excluída da sociedade, e
assim poderá ser vista como problema, pois irá demandar a intervenção do Estado. A
população de longevos provenientes dessa classe sofre todas as opressões que o sistema
30

capitalista impõe, inclusive poderá ser vista na velhice como um problema para sociedade.
Ressaltando que durante toda a sua vida, e não apenas na velhice, pode ter vivenciado
situações em que seus direitos sociais foram negados e/ou negligenciados pelo Estado.
O crescimento populacional das pessoas idosas precisa ser entendido como conquista
social da humanidade, pois envelhecer é um direito da pessoa humana, mas devido à classe
social que pertença e das determinações advindas do capital, envolvendo também os aspectos
socioeconômicos e culturais, pois

Insta esclarecer que as condições materiais de produção e reprodução social


sob a lógica do capital, da produção para valorização do capital e não, de
satisfação de necessidades humano-sociais são geradoras de desigualdades
sociais, pobreza, desemprego, população excedente, vidas sem valor,
desvalorizações e degradações sociais. Essas desigualdades sociais são
reproduzidas e ampliadas no envelhecimento do trabalhador, geralmente,
para os trabalhadores pobres, cuja trajetória foi marcada por piores
condições de vida e trabalho, que tiveram suas necessidades sociais
rebaixadas, submetidas a mínimos sociais para sua sobrevivência e de sua
família. Os determinantes materiais somam-se aos subjetivos, aos culturais,
como a predominância do valor econômico dos indivíduos, que promove
desvalorização social (aos destituídos de renda), quando retirados do mundo
produtivo, tendo perdido a rentabilidade para o capital, privando-se da
qualidade de homem (econômico), parâmetro para a definição dos direitos
humanos e de cidadania. (TEIXEIRA, 2009, p. 67).

Na realidade da sociedade capitalista, produzir significa valorizar o próprio capital,


independente de satisfazer as necessidades sociais. O homem é desvalorizado neste sistema,
quando não é mais útil ao capital, e é nesse contexto que o trabalhador (a) velho (a) será visto
como problema, porquanto não “serve” mais para satisfazer as necessidades do capital, e pelo
contrário, poderá necessitar de políticas sociais, o que para o capitalismo é um problema, pois
o Estado irá arcar com gastos para atendê-los, ao invés de investir no capital. Nesta
conjuntura, o capital culpabiliza a própria pessoa idosa pela sua condição, já que não se
cuidou e por isso poderá necessitar de cuidados, assistência e atendimento.
Deste modo, é importante que as questões referentes ao envelhecimento sejam
debatidas, e tais discussões só começaram a ser abordadas e fazer da agenda mundial, em
1982, na Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento que ocorreu em Viena, que segundo
Camarano e Pasinato (2004), representou um avanço, pois a questão não recebia atenção nem
das assembleias gerais. Assim, na Assembleia de Viena foi traçado um Plano de Ação com
objetivos de garantir a segurança econômica e social das pessoas idosas e identificar
oportunidades de integração para o processo de desenvolvimento do país, no plano foram
31

estruturadas 66 recomendações para os países membros, referentes a sete áreas, sendo elas:
saúde e nutrição, proteção ao consumidor idoso, moradia e meio ambiente, família, bem-estar
social, previdência social, trabalho e educação (CAMARANO; PASINATO, 2004).
As preocupações do Plano de Viena centravam-se no envelhecimento individual e
focava no bem-estar social de pessoas idosas, sendo que estas possuíam independência
financeira e pertenciam a países desenvolvidos, e com tais características, possuíam poder de
compra, além disso, de acordo com Camarano e Pasinato (2004), o plano possuía uma visão
de medicalização do processo de envelhecimento. Mesmo com a recomendação voltada para
países desenvolvidos, alguns países da América Latina começaram a modificar suas
constituições, inclusive o Brasil, todavia deve-se ressaltar que essa constituição foi resultado
de lutas, através da organização política em movimentos sociais.
Ainda sobre o Plano de Ação Mundial sobre o Envelhecimento (PAME), que foi
traçado na Assembleia de Viena, Teixeira (2008a) alerta que ao Estado foi oferecido o papel
de regulador, além de proporcionar meios, através de auxílios para que outras áreas cumpram
seus papéis; a comunidade deve contribuir para que as pessoas idosas participem da
sociedade; e que a família continue sendo a base dos cuidados, o que para a referida autora, no
contexto neoliberal, as políticas não são apenas de responsabilidade pública, mas envolve as
empresas, as organizações não governamentais, a família, a sociedade e o próprio indivíduo.
Percebemos que há um chamamento da sociedade e da família para cuidar das suas pessoas
idosas, recebendo mínimas contribuições do Estado, cabendo a ele apenas regular através de
leis, normas e de algum incentivo financeiro também mínimo, se ausentando cada vez mais
desta responsabilidade, uma vez que no modo de sociabilidade burguesa, em que reina o
capital, a responsabilidade passa a ser da família e da sociedade, e a culpabilização das
pessoas que não conseguem desenvolver os papéis esperados pela sociedade.
Outros eventos foram realizados à nível internacional e contribuíram com a
visibilidade do envelhecimento, apesar das contradições existentes, assim a segunda
Assembleia Mundial aconteceu em Madri, em 2002, e trouxe mudanças em relação à
primeira, visto que

[...] foram aprovados uma nova declaração política e um novo plano de ação
que deverá servir de orientação à adoção de medidas normatas sobre o
envelhecimento no início do século XXI. Espera-se que o plano de ação
exerça uma ampla influência nas políticas e programas dirigidos à população
idosa em todo o mundo, especialmente nos países em desenvolvimento.
(CAMARANO; PASINATO, 2004, p. 258).
32

Percebe-se que o novo plano incluiu os problemas dos países em desenvolvimento que
possuem realidades diferentes dos países desenvolvidos, assim foram traçados três princípios:
“a) participação ativa dos idosos na sociedade, no desenvolvimento e na luta contra a pobreza;
b) fomento da saúde e bem-estar na velhice: promoção do envelhecimento saudável; e c)
criação de um entorno propício e favorável ao envelhecimento.” (CAMARANO; PASINATO
2004, p. 259). O primeiro princípio instiga a participação das pessoas idosas como seres
ativos e que podem contribuir na luta contra a pobreza; o segundo princípio assevera a
questão da saúde, que se for garantida durante todas as fases do ciclo de vida, o resultado
poderá ser uma velhice mais saudável, ressaltando que não apenas o direito à saúde, mas se os
direitos sociais forem garantidos durante a vida, na velhice a pessoa poderia ter uma maior
qualidade de vida; o terceiro princípio é a criação de um ambiente favorável ao
envelhecimento, que seriam políticas sociais que propiciassem condições dignas para o
processo de envelhecimento e velhice de qualidade.
Para Paiva (2014, p. 29), “A segunda AME veio reafirmar o discurso pelo
Envelhecimento Ativo, indicando uma verdadeira bula a ser seguida enquanto estratégia
mundial (global, nacional e local), cujo tripé “independência, participação e segurança [...]”, é
realmente um manual, uma receita a ser seguida para alcançar uma velhice de maneira ativa,
cuja tendência na sociedade do capital é responsabilizar aqueles (aquelas) que não atingem
esse tripé na velhice, sem considerar as reais condições objetivas de vida da classe
trabalhadora e subalterna.

1.1.2 Mudanças etária no Brasil: reflexos da agenda internacional e das mudanças


econômicas, culturais e a conquista de direitos sociais pela classe trabalhadora e
subalterna

Discutimos aqui acerca das mudanças na pirâmide etária brasileira com base nos dados
do IBGE, que permitem acompanhar como essas alterações foram acontecendo, e utilizando
também autores críticos que estudam o envelhecimento na sociedade capitalista, e procurando
ainda associar esses dados às mudanças econômicas, culturais e a conquista de direitos sociais
pela classe trabalhadora e subalterna, que contribuíram nesse processo de transformações,
ressaltando que desde a década de 1990 vivencia-se um período de desmonte desses direitos.
Analisando a história, identificamos que, no Brasil, especificamente, as questões
referentes ao envelhecimento foram colocadas como um problema social, “[...] inicialmente,
através das lutas operárias, não como uma questão autônoma, de lutas por políticas específicas
33

para esse segmento, mas como parte das lutas operárias por melhores condições de vida e de
trabalho.” (TEIXEIRA, 2008a, p. 153). Na década de 1930, tem-se a conquista de direitos
através da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), embora nessa época o “[...]
envelhecimento, aquele que ganha visibilidade social, é o dos trabalhadores inseridos no
mercado de trabalho formal; continuam os mais pobres ‘invisíveis’ para o capital e
desprotegidos.” (TEIXEIRA, 2008a, p. 156). Havendo dentro da própria classe trabalhadora
diferenças, pois aqueles que não faziam parte do mercado de trabalho formal não tinham
direitos, ficando a mercê de ações filantrópicas.
Na década de 1970, especificamente em 1974, com a Lei n. 6.179, surge o amparo da
previdência social para velhos carentes com mais de 70 anos de idade e para inválidos, tinham
direito ao benefício de meio salário mínimo, desde que se encaixem nos requisitos de não
trabalhar, não ser mantido pela família e não ter outros meios de sobrevivência (TEIXEIRA,
2008a). De forma contraditória, esse benefício pode ser entendido como um ganho para essa
população, assim como o atendimento de forma precária às necessidades de sobrevivência e
de reprodução física desse segmento etário.
As lutas específicas por políticas para as pessoas idosas iniciaram no país, a partir da
década “[...] de 1970, que começou a surgir um número significativo de idosos em nossa
sociedade, preocupando alguns técnicos da área governamental e do setor privado, o que
provocou o despertar dessas pessoas para a questão social do idoso.” (RODRIGUES, 2001, p.
149), neste momento os técnicos da área iniciaram a luta pela questão do crescimento
populacional e suas demandas, e em 1961 foi criada a Sociedade Brasileira de Geriatria e
Gerontologia (SBGG); em 1985, a Confederação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas
(COBAP), dentre outras, que travaram lutas pelos direitos das pessoas idosas.
Na década de 1980, conjuntura em que o país passava pelo processo de
redemocratização, o movimento de aposentados e pensionistas se fortalece e defende, desde
suas origens, os direitos dos beneficiários da previdência social, tornando-se sujeitos políticos,
assim uma parte das conquistas que vieram com a promulgação da Constituição Federal de
1988 (BRASIL, 1988) foram resultados de discussões e debates desse movimento, que
desenvolveram eventos, a exemplo do I Congresso dos Aposentados e pensionistas em São
Paulo, na cidade de Praia Grande, em 1987, em Rio Grande do Sul, entre outros (TEIXEIRA,
2008a).
Assim, neste contexto de lutas, a Constituição Federal foi promulgada em 1988, e
alguns grupos vulneráveis passaram a ter direitos sociais garantidos constitucionalmente. E
partir daí surgem leis que visam a regulamentá-los e especificá-los. É necessário frisar que
34

essa constituição é conhecida como cidadã, e que os direitos sociais garantidos nela são
resultados de lutas da sociedade, não foram concessões do Estado, embora algumas vezes
sejam prestados como se fossem.
Este estudo restringe-se aos direitos da população idosa, que em 1994 passa a dispor
da Política Nacional do Idoso e, em 2003, do Estatuto do Idoso, ambas as legislações vêm
afirmar o que prega a Constituição Federal de 1988, que são direitos inerentes a sua condição
de ser humano, considerando que com o avanço da idade e as condições objetivas de vida, a
pessoa idosa poderá enfrentar ou não limitações físicas nessa fase da vida, mas valorizando
sua condição de cidadão de direitos e valorizando sua experiência de vida, ou seja, sua
importância para novas gerações. O Art. 3º do Estatuto do Idoso no seu Parágrafo único
afirma que: a garantia de prioridade compreende, entre outras, a

IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e


convívio do idoso com as demais gerações; VII – estabelecimento de
mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter
educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento; Art. 10. §
1o O direito à liberdade compreende, entre outros, os seguintes aspectos: V
– participação na vida familiar e comunitária. (BRASIL, 2003).

Embora a garantia na legislação não signifique sua materialização, pois para Teixeira
(2008a) o movimento de aposentados e pensionistas viu suas reivindicações incorporadas na
Constituição de 1988, “Porém, o não-atendimento do preceito constitucional, nos anos
seguintes, marcou o início do segundo momento da luta pelo cumprimento da Constituição.”
(TEIXEIRA, 2008a, p. 173), assim, ainda segundo esta autora, as pessoas idosas continuaram,
após a promulgação da Constituição, participando das lutas contra a política neoliberal que
visava ao arrocho nas aposentadorias e pensões, desta maneira,

Tal participação na esfera pública revelou em face da velhice


completamente diferente daquela produzida socialmente, marcada pelo
conformismo, apatia e resignação a uma “vida sem valor” e “sem
necessidades” humanas. Essa nova fase rompeu com as imagens históricas
de “inutilidade”, de “reclusão”, de “afastamento da vida política”, da “vida
pública”, isso para os trabalhadores idosos, já que, para a classe dominante,
nunca houve essa interdição à vida pública e à produtiva, intelectual,
artística e a suas outras dimensões. Sem dúvida, as lutas sociais impuseram
respeitabilidade e reconhecimento social aos trabalhadores idosos.
(TEIXEIRA, 2008a, p. 173-174).

Essas lutas mostraram que as pessoas idosas têm potencial para reivindicarem do
Estado o atendimento as suas demandas, assim como exigirem a efetivação dos direitos
35

previstos nas legislações, pois não adianta garanti-los em leis, sem criar as condições para sua
real consolidação. A entrada desse segmento na cena pública também mostra que eles são
seres humanos com necessidades iguais a qualquer outra pessoa, e que a velhice não é
sinônimo de impotência e de incapacidade de se expressar, deixando aos outros o encargo de
falar em nome deles, pelo contrário, a população idosa mostrou que tem voz, e que também
pode se organizar para cobrar do Estado seu reconhecimento como sujeito de direitos. Esse
movimento foi responsável por mostrar que as pessoas idosas da classe trabalhadora podem e
devem sair do cenário privado (doméstico) e estar presente na cena pública, diferente da
classe dominante, que sempre teve acesso à esfera pública em suas diversas dimensões. A
partir de tais lutas, estes/estas trabalhadores (ras) idosos (as) conquistaram reconhecimento,
embora ainda se tenha muito a ser realizado para que esse segmento seja valorizado por toda
sociedade.
A mudança que vem ocorrendo na pirâmide etária à nível mundial começou a entrar na
agenda internacional e em seguida na nacional e significou muito para sociedade, pois passa-
se a observar as necessidades da população que envelhece, embora o sistema capitalista
busque aproveitar para valorizar-se, através de serviços como, por exemplo, a saúde, passando
a ofertá-la como mercadoria para essa população.
O processo de transição da fecundidade representa a mudança do elevado número de
nascimentos por mulher para níveis inferiores (CAMPOS; BORGES, 2015). Ainda para esses
autores, essa transformação é chamada de processo de modernização da sociedade. No Brasil,
embora este processo tenha iniciado tarde, “[...] a rápida transição da fecundidade brasileira se
dá com a passagem de uma taxa de fecundidade total de mais de 6 filhos, em média, por
mulher, em 1960, para menos de 2 filhos, em média, por mulher, em 2010.” (CAMPOS,
BORGES, 2015, p. 33), observa-se que este processo ocorreu em apenas cinco décadas. No
que se refere aos dados dos censos das décadas de 1950 e 1960,

Enquanto os níveis de mortalidade declinavam entre os Censos


Demográficos 1950 e 1960, os de fecundidade permaneciam elevados e
constantes. Em 1950, o nível da fecundidade proveniente deste censo era de
6,2 filhos por mulher. Segundo as informações provenientes do Censo 1960,
uma mulher ao final de seu período fértil teria em média 6,3 filhos, sendo de
5,0 filhos e 8,4 filhos as taxas para as áreas urbana e rural, respectivamente.
(MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, 2011,
p. 44).

Desde a década de 1940, a mortalidade infantil tende a diminuir no Brasil, por causa
das campanhas de vacinação, dispersão de antibióticos, e mais recentemente, exames pré-
36

natais, campanhas de aleitamento materno, entre outras ações na área da saúde (MINISTÉRIO
DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, 2004). Na década de 1930, a saúde
passou a ser dividida entre saúde pública e medicina previdenciária, sendo que a primeira era
destinada para população que não contribuía, pois não estavam inseridas no mercado de
trabalho com carteira assinada, então tinha acesso às campanhas sanitárias, já a segunda era
limitada apenas para quem contribuía (BRAVO, 2009).
O Movimento pela Reforma Sanitária, que teve início em 1970, e buscava lutar pela:

[...] universalização do acesso; concepção de saúde como direito social e


dever do Estado; a reestruturação do setor através da estratégia do Sistema
Unificado de Saúde, visando um profundo reordenamento setorial com um
novo olhar sobre a saúde individual e coletiva; a descentralização do
processo decisório para as esferas estadual e municipal, o financiamento
efetivo a democratização do poder local através de novos mecanismos de
gestão – os Conselhos de Saúde. (BRAVO, 2009, p. 96).

Em 1986, ocorre a 8ª Conferência de Saúde, e com a promulgação da Constituição


Federal em 1988, a saúde passa a ser direito de todos e dever do Estado, assim, em 1990, é
instituída a Lei nº 8.080 (BRASIL, 1990), que dispõe sobre as condições para a promoção,
proteção e recuperação da saúde, a organização e funcionamento dos serviços
correspondentes e dá outras providências. Nesta mesma década, especificamente em 1994,
surge o Programa de Saúde da Família (PSF)4 e, inicialmente, visava atender áreas de maior
risco social (ESCOREL et al., 2007), sendo exigido uma equipe multiprofissional, com no
mínimo 1 médico generalista ou especialista em Saúde da Família ou médico de Família e
Comunidade, enfermeiro generalista ou especialista em Saúde da Família, auxiliar ou técnico
de enfermagem e agentes comunitários de saúde, podendo acrescentar a esta composição,
como parte da equipe multiprofissional, os profissionais de saúde bucal: cirurgião-dentista
generalista ou especialista em Saúde da Família, auxiliar e/ou técnico em saúde bucal
(BRASIL, 2012, p. 55). A estratégia do PSF propõe assistência universal, integral, equânime,
contínua e resolutiva a população, o atendimento é realizado na Unidade Básica de Saúde
(UBS) e no domicílio (SECRETARIA DE POLÍTICAS DE SAÚDE, 2000). As UBS fazem
parte da atenção básica que

4
O objetivo aqui não é fazer uma discussão acerca do PSF, nem de retomar a história da política de saúde, mas
de exemplificar como as ações nesta área contribuíram para a diminuição da mortalidade infantil e de outras
faixas etárias, contribuindo para a maior expectativa de vida.
37

[...] caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual


e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de
agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a
manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver uma atenção integral
que impacte na situação de saúde e autonomia das pessoas e nos
determinantes e condicionantes de saúde das coletividades [...]. (BRASIL,
2012, p. 19).

A partir da conquista do direito à saúde, vão surgindo vários programas específicos


para cada parcela da população, a exemplo do Pacto pela Saúde, através da Portaria nº 399 do
ano de 2006, que “[...] está constituído por um conjunto de compromissos sanitários,
expressos em objetivos de processos e resultados e derivados da análise da situação de saúde
do país e das prioridades definidas pelos governos federal, estaduais e municipais”, sendo
suas prioridades: saúde do idoso; câncer de colo de útero e de mama; mortalidade infantil e
materna; Doenças Emergentes e Endemias, com ênfase na Dengue, Hanseníase, Tuberculose,
Malária e Influenza; promoção da saúde e atenção básica a saúde (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2006).
Assim, percebe-se que desde as campanhas sanitárias (vacinação), até a conquista do
direito à saúde para todos, momento que foram surgindo outros programas com objetivo de
prevenção de doenças, promoção e recuperação da saúde, todas essas ações podem ter
contribuindo com a redução da mortalidade infantil e de outras faixas etárias, além de
proporcionar meios para que as pessoas possam se cuidar mais e aumentar a expectativa de
vida, embora existam alguns limites na concretização desse direito à saúde, pois é uma
política social e os investimentos neste setor são mínimos, como será discutido adiante.
Outros fatores que podem ter contribuído para diminuição na taxa de natalidade e
mudança na estrutura etária, segundo Veras (2003), seria o crescimento da urbanização,
necessidade de limitação da família, ditada pelos modos de vida nos centros urbanos,
incorporação da mulher ao mercado de trabalho e mudanças socioculturais decorrente da
migração.
No que se refere ao crescimento das taxas de fecundidade, esta realidade começou a
mudar ainda no final da década de 1960, uma vez que as taxas de fecundidade começam a
diminuir, mesmo que timidamente, sendo que “O Censo 1970 registrou uma taxa de
fecundidade total de 5,8 filhos por mulher, sendo de 4,6 filhos e 7,7 filhos, as taxas para as
áreas urbana e rural, respectivamente.” (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO,
ORÇAMENTO E GESTÃO, 2011, p. 45).
38

Observa-se uma diferença no crescimento populacional entre as áreas urbana e rural,


devido ao êxodo rural,

Na década de 1970, a população rural brasileira entrou pela primeira vez em


fase de diminuição absoluta, com uma taxa negativa anual de crescimento de
0,62%. O Censo Demográfico 1980 registrou uma perda de população em
relação ao anterior, realizado em 1970, da ordem de 2,5 milhões de
habitantes, aproximadamente. Nesta década, o êxodo rural foi intenso nas
Regiões Nordeste, Sudeste e Sul, para as áreas urbanas das próprias regiões,
bem como em direção aos centros urbanos da Região Sudeste,
principalmente para o Estado de São Paulo. A velocidade de crescimento da
população residindo em áreas urbanas também declinou em relação ao
período anterior, 4,44% ao ano. (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO,
ORÇAMENTO E GESTÃO, 2011, p. 45).

É na década de 1970 que a fecundidade diminui de forma absoluta, observada também


nas áreas urbanas. Essa realidade só tendeu a crescer, porquanto “A taxa de crescimento que
era de 2,48%, no período 1970/1980, declina para 1,93%, no período 1980/1991.”
(MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, 2011, p. 45). Os dados
dos censos revelam uma tendência de redução cada vez maior na taxa de fecundidade, e como
resultado, uma redução considerável da população. Analisando a década seguinte, pode-se
perceber que, “No período 1991/2000, a taxa média geométrica de crescimento anual
continuou com a tendência de redução. A população total cresceu a uma taxa de 1,64% ao ano
e a urbana, 2,47% [...].” (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E
GESTÃO, 2011, p. 46). O período seguinte é uma continuidade desse declínio, pois de
2000/2010, a população brasileira passa a crescer a um ritmo menos acentuado, 1,17% ao ano.
Segundo o Censo de 2010, nascem mais crianças do sexo masculino, embora existam
mais mulheres do que homens, em virtude da diferença nas taxas de mortalidade entre os
sexos (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, 2011).
Atualmente, na fase da velhice existem mais mulheres do que homens, tal processo é
conhecido como feminização da velhice. Sobre este processo, Camarano, Kanso e Mello
(2004, p. 29) afirmam que “O envelhecimento é também uma questão de gênero.
Considerando a população idosa como um todo, observa-se que 55% dela são formados por
mulheres [...]”, dados da PNAD de 1997 citados por Veras (2003), também mostraram que as
mulheres têm predominância (55%) em relação aos homens (45%).
Para Veras (2001, p. 13-14), existem diversos fatores que podem explicar porque as
mulheres vivem mais do que os homens, entre eles:
39

a) diferenças na exposição aos riscos - acidentes domésticos e de trabalho,


acidentes de trânsito, homicídios e suicídios [...];
b) diferenças no consumo de tabaco e álcool- fumar e beber constituem
fatores de risco associados às mortes por neoplasias e doenças
cardiovasculares [...];
c) diferenças na atitude em relação às doenças - as mulheres têm, de um
modo geral, percepção mais adequada da doença e fazem uso mais constante
dos serviços de saúde do que os homens[...],
d) atendimento médico-obstétrico–- a mortalidade materna, antes uma das
causas principais de morte prematura entre mulheres, experimentou reduções
substanciais, e atualmente apresenta valores reduzidos.

Somam-se a estes fatores as questões de gênero 5 , pois a sociedade impõe papéis


sociais aos homens e as mulheres, como citado por Veras (2001,) as mulheres têm a tendência
de se cuidarem mais do que os homens, já que

O modelo hegemônico de masculinidade é centrado no controle da


afetividade, em trabalhar, exercer exacerbadamente a sexualidade, não
controlar riscos, e situar-se em uma cultura distante do autocuidado. Dessa
forma, esses hábitos levam o homem ao longo de sua trajetória a um estilo
de vida prejudicial à saúde, que deságua em uma qualidade de vida precária
na velhice e em uma expectativa de vida inferior à das mulheres.
(NOGUEIRA; ALCÂNTARA, 2014, p. 267).

Historicamente, a educação transmitida aos homens foi de aprender a ser “macho”,


“forte”, “valente” e não mostrar fragilidade, pois isso era coisa de mulher, assim, isso
contribui para que os homens procurem pouco o atendimento em serviços de saúde, ou seja,
se cuidem bem menos do que as mulheres.
Veras (2003) afirma que como as mulheres vivem mais do que os homens, tem a
tendência a viverem mais sozinhas na velhice, sendo que o número de viúvas é maior do que
o de viúvos em todos os países, mas naqueles em desenvolvimento isso está ocorrendo em
proporções menores, pois a maioria dos (as) idosos (as) vive com seus filhos (as). Mas o autor
ressalta, ainda, que juntamente com a redução da taxa de natalidade e as mudanças nos
valores tradicionais da família, as futuras gerações de mulheres idosas vivendo sozinhas
poderão aumentar e sem um sistema de proteção para provê-las quando se tornarem
dependentes.
Retomando às quedas nas taxas de fecundidade, é perceptível que está acontecendo
uma mudança na pirâmide etária brasileira, segundo dados do Censo de 2000, em 1980

5
As sociedades humanas, com uma notável monotonia, sobrevalorizam a diferenciação biológica, atribuindo aos
dois sexos funções diferentes (divididas, separadas e geralmente hierarquizadas) no corpo social como um
todo. Elas lhe aplicam uma “gramática”: um gênero (um tipo) “feminino” é culturalmente imposto a fêmea
para que se torne uma mulher social, e um gênero “masculino” ao macho, para que se torne um homem social
(MATHIEU, 2009, p. 222).
40

existiam cerca de 16 pessoas idosas para cada 100 crianças, 20 anos após a relação dobra,
passando para quase 30 pessoas idosas para cada 100 crianças (MINISTÉRIO DO
PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, 2002). Ainda segundo dados do censo
realizado pelo IBGE (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO,
2002), nos anos 2000, a população de pessoas com 60 anos ou mais de idade, representava
quase 15 milhões (8,6% da população brasileira). A previsão é que “Em 2050, seremos 259,8
milhões de brasileiros e nossa expectativa de vida, ao nascer, será de 81,3 anos, [...].”
(MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, 2004, p. 1)
As taxas de natalidade vêm reduzindo e, paralelamente a isso, o envelhecimento
populacional cresce, já em 2000, o grupo de 0 a 14 anos de idade representava 30% da
população, enquanto os maiores de 65 anos eram de 5%, mas a previsão é que, em 2050, estes
grupos se igualem a 18%, e em 2062, o número de brasileiros poderá parar de aumentar
(MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, 2002). Vivemos um
momento de transição demográfica, de mudança na base da pirâmide, e de acordo com os
dados, a população idosa continuará em crescimento pelos próximos anos, resta compreender
se esta realidade é um avanço da sociedade ou um problema social? Para Alves Junior (2009,
p. 19),

Na sua elaboração enquanto um problema, o envelhecimento pode receber


influência além do ‘envelhecimento da população’, de outras como da
‘pobreza’, da ‘dependência’, ou ainda das ‘relações entre as gerações’. O
papel definido aos velhos em determinada sociedade é fruto das influências
exercidas pela organização sócio-econômica-cultura, que acaba sugerindo a
imagem do que serão seus velhos. Podemos considerar que a visão
marginalizada dos que se transformam em velhos perdurou durante muitos
séculos e continua no século XXI, apenas de forma mais sutil.

Percebemos que o autor associa a visão de envelhecimento como problema, quando se


trata da velhice pobre, da velhice sem independência, que poderá provocar conflitos entre as
gerações, pois os (as) filhos (as) são chamados (das) e até responsabilizados (das) pelo Estado
pelo cuidado com os pais, lembrando que o número de filhos (as) para cuidar desses pais só
diminui. Assim, fica o questionamento acerca da velhice sem pobreza, como ficariam aqueles
velhos e aquelas velhas que possuem uma condição socioeconômica satisfatória? O autor
também ressalta que a marginalização da velhice se alastra desde outros séculos e que persiste
nos dias atuais, embora se apresente com novas formas. Na atualidade, apesar das lutas sociais
deste segmento, e dos direitos conquistados ao longo da história (a exemplo das legislações
41

destinas para essa categoria), que representam avanços, ainda vemos a “velhice trágica”, que
segundo Haddad (1986, p. 17):

Crescendo numericamente, os velhos se tornam objeto de estudo. As


propostas aparecem pela boca da “ciência”, do Estado, dos meios de
comunicação... Não mudando a história do trabalhador, não muda a história
do menino, não muda a história do velho, não muda a história do homem.

O número de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos vem crescendo


consideravelmente, embora as formas objetivas de vida, da classe trabalhadora e subalterna,
permaneçam sem grandes alterações.
Sobre as mudanças demográficas que identificamos nos censos do IBGE,
mencionados aqui, fica explícito que está em curso desde o século XX até o XXI, no Brasil,
um crescimento da população idosa, portanto, deixando de ser um país de jovens e, em breve,
passando a ser um país de longevos. Sobre esse processo de transição, pode-se afirmar que

Este fenômeno é decorrente do forte aumento da expectativa de vida e de


uma significativa diminuição da taxa da fertilidade, ambos ocorridos em
determinados períodos, e passa por quatro etapas. Na primeira haveria um
número elevado de filhos, uma baixa longevidade e a população se manteria
constante. Nesta etapa a duração média de vida é baixa em relação à forte
taxa de mortalidade infantil. A grande quantidade de óbitos infantis é
compensada pela grande quantidade de nascimento. Na segunda etapa, como
efeito dos avanços da saúde pública e das melhorias econômicas, a
mortalidade infantil diminui e a duração média da vida aumenta. A
manutenção da elevada taxa de natalidade por cada mulher e o aumento da
longevidade proporcionam um significativo aumento populacional. Na
terceira etapa há uma diminuição na taxa de natalidade e aumento na
expectativa de vida aumenta, o que gera um aumento da população. O
cenário é de poucos filhos por mulher, consequência de uma maior
consciência sobre o que representa dar subsistência aos filhos. A mortalidade
continua baixa, os nascimentos ainda são superiores aos óbitos e a população
continua a aumentar. Na quarta etapa, o número de filhos continua baixo, a
duração da vida é alta e a população se mantém constante. A expectativa de
vida é elevada e os casais cada vez mais diminuem a quantidade de filhos
[...]. (ALVES JUNIOR, 2009, p. 19-20).

A afirmação do autor se refere aquilo que vem ocorrendo no Brasil, e poderíamos


acrescentar que poderá ocorrer a quinta etapa, que seria a previsão que, em 2062, o número de
brasileiros poderá parar de crescer, como citado anteriormente.
Segundo a Berzins (2003), o envelhecimento não é um problema, mas pelo contrário, é
uma conquista, e acrescenta que poderá torna-se um problema, caso os países desenvolvidos
ou em desenvolvimento não elaborarem e executarem políticas para garantir um
42

envelhecimento digno e que contemple as demandas de toda a população, em especial, do


segmento com idade igual ou superior a 60 anos de idade, tais políticas devem levar em
consideração as preferências e capacidades desse segmento e reconhecer a importância das
suas experiências individuais. Concordamos com o autor supracitado, e citamos o Estatuto do
Idoso, para mostrar que envelhecer é um direito previsto na legislação, como pode ser visto no
seu Art. 8º: “O envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito
social.” (BRASIL, 2003).
O modo de perceber o envelhecimento, como problema social, é imposto pela
ideologia dominante, que defende um Estado neoliberal. Podemos perceber que como “O pós-
1970 foi marcado por uma profunda crise, que perdura até os dias atuais, possibilitando a
emergência do projeto neoliberal como parte da reação burguesa à crise de acumulação
capitalista.” (PEREIRA, 2006, p. 2). Essa crise foi causada pela superprodução e baixos
níveis de consumo, o que provocou quedas nas taxas dos lucros da produção capitalista, e foi
através da reestruturação produtiva que se buscou sair da crise. Assim, ocorre a saída do
modelo de produção designado como Fordismo, que era a produção em massa para um novo
modelo que era denominado “[...] Toyotismo, implica a constituição de um empreendimento
capitalista baseado na produção fluida, produção flexível e produção difusa [...].” (ALVES,
2007, p. 158), que traz sérias implicações para classe que trabalhadora, porquanto afeta a
conquista de direitos trabalhistas, uma vez que o trabalhador passa a desempenhar diversas
atividades (trabalho multifuncional), sendo submetido a precarização do trabalho, com
subcontratação, terceirização, entre outros. Este processo resulta em outras mudanças, já que
“As transformações no mundo do trabalho têm alterado as relações entre Estado e sociedade,
redefinindo o papel dos Estados nacionais e alterando os parâmetros de constituição de seu
sistema de proteção social.” (CEOLIN, 2014, p. 250).
E é justamente este processo de mutações e alterações no mundo do trabalho e a
adoção pelo Estado de uma política neoliberal, que faz com que “A afirmação da hegemonia
neoliberal no Brasil tem sido responsável pela redução dos direitos sociais e trabalhistas,
desemprego estrutural, precarização do trabalho, desmonte da previdência pública,
sucateamento da saúde e educação.” (BRAVO, 2009, p. 100).
Este processo de crise do capital, envolvendo suas estratégias para se reerguer, que
seria a redução de investimentos do Estado no campo social, com a incorporação da política
neoliberal, essas medidas são responsáveis pela regressão dos direitos sociais. Embora a
classe capitalista e dominante divulgue que o envelhecimento da população poderá acarretar
em problemas sociais, uma vez que poderá afetar, principalmente as políticas de saúde,
43

previdência e assistência social, pois as pessoas idosas irão demandar o uso destas com maior
frequência, gerando gastos, e sendo o Estado obrigado a investir mais, o que poderá afetar as
contas públicas, mas é ocultado pela própria classe dominante que se tais políticas públicas
estão sucateadas, e a culpa não é do crescimento da população idosa, mas sim do desmonte
dos direitos sociais que é realizado pela própria classe capitalista a qual investe de forma
mínima no social e máxima no capital.
Neste cenário, a discussão da velhice como problema social, segundo Teixeira
(2008a), não deve ser vista apenas pelo crescimento da população idosa, apesar que isso
contribui para procura dos serviços públicos por aqueles que não podem pagar, e
considerando que as transformações nas famílias também dificultem a proteção social e
cuidado, mas é a vulnerabilidade que a classe trabalhadora enfrenta quando perde seu valor
de uso para o capital, pois não possuem meios materiais que lhes garanta uma velhice digna,
sendo que nessa fase a incidência a doenças é maior, devido às condições de vida e às
oportunidades que tiveram em todos os ciclos da vida. Ressaltando que é durante toda a sua
existência que a classe trabalhadora é despossuída de meios materiais, porque o único bem
que possui é a força de trabalho, e com a velhice esse bem perde o valor de uso, restando a
sobrevivência através de benefícios assistenciais e/ou de precárias aposentadorias.
Percebemos, então, que se houvessem investimentos por parte do Estado, para
concretização dos direitos sociais garantidos pela Constituição Federal de 1988, que no seu
Art. 6º assevera “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”, se tais direitos fossem
materializados em todas as fases da vida, a velhice poderia ser uma experiência sem tantas
demandas para o setor da saúde, da previdência e da assistência social, por exemplo, e como
resultado, poderia ser mais independente.
A saúde e a assistência social são direitos sociais não contributivos, e a aposentadoria,
segundo Haddad (1993), é a extensão do direito ao trabalho, que pode permitir o descanso na
velhice, e foi objeto de lutas através do movimento e associações dos aposentados e
pensionistas, através da COBAP.
A população idosa está crescendo também dentro do seu grupo, pois “[...] a proporção
da população ‘mais idosa’, ou seja, a de 80 anos e mais, também está aumentando, alterando a
composição etária dentro do próprio grupo.” (CAMARANO, 1999, p. 1), assim,
44

Hoje, os cientistas sociais que se especializam no estudo do envelhecimento


se referem a três grupos de adultos mais velhos: os “idosos jovens”, os
“idosos velhos” e os “idosos mais velhos”. Cronologicamente, o termo
idosos jovens refere-se a pessoas de 65 6 a 74 anos, que costumam estar
ativas, cheias de vida e vigorosas. Os idosos velhos, de 75 a 84 anos, e os
idosos mais velhos, de 85 ou mais anos, têm maior tendência para a fraqueza
e para a enfermidade e podem ter dificuldade para desempenhar algumas
atividades da vida diária. (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006, p. 667,
grifo do autor).

Dentro do grupo de pessoas idosas, existem subgrupos divididos em: idosos jovens,
idosos velhos e idosos mais velhos, e são esses dois últimos que poderão demandar maior
atenção por parte da família e do Estado, pois poderão desenvolver enfermidades e ter
dificuldade nas atividades diárias e, com isso, perder parcial ou totalmente a autonomia e
independência.
Outro fator importante a ser observado é a heterogeneidade dentro do próprio grupo e
dos subgrupos, pois o fato de terem a mesma idade e de pertencerem a mesma geração, não
significa que possuem realidades iguais, pois “A heterogeneidade desse segmento extrapola a
da composição etária. Dadas as diferentes trajetórias de vida experimentadas pelos idosos,
eles têm inserções distintas na vida social e econômica do país.” (CAMARANO; KANSO;
MELLO, 2004, p. 25-26). A população idosa possui histórias de vida e condições
socioeconômicas diferentes. Então, para se entender como ocorre o processo de
envelhecimento e a velhice propriamente dita, tem-se que considerar a heterogeneidade da
população.
Sobre a heterogeneidade da população idosa, observamos que o documento sobre
Orientações Técnicas do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Pessoas
Idosas traz uma divisão de três grupos de pessoas idosas, o primeiro seria aquelas que
começam a perceber as mudanças físicas, pois “A imagem que a pessoa idosa se depara diante
do espelho não é mais a mesma de sua juventude [...].” (MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2012, p. 13). Ressaltando que
nem todas as pessoas possuem a oportunidade de refletirem sobre essas transformações.
Outro tipo seria aquele (a) aposentado (a), tendo reduzido seu ciclo social, mas que continua
exercendo uma ou mais funções na família, como exemplo de: provedor, pai, mãe, avô, avó,
de responsável pelas atividades domésticas, entre outras, que podem sentir limitações físicas,
mas continua exercendo suas atividades; Outro grupo seria de pessoas idosas com idade mais

6
Nos países desenvolvidos, considera-se idoso (a) a partir dos 65 anos de idade, nos países em desenvolvimento
é a partir dos 60 anos, como é o caso do Brasil.
45

avançadas, com limitações funcionais, com perdas de autonomia e de papel social perante a
família, sendo que podem necessitar de cuidados, “O grupo de pessoas com 80 anos ou mais é
o segmento populacional que mais cresce e, geralmente, compreende o grupo que exige mais
cuidados cotidianos [...].” (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E
COMBATE À FOME, 2012, p. 14).
Essa divisão foi apenas didática para demonstrar que a fase da velhice não é igual, pois
dentro da população idosa existem subgrupos com características específicas, além disso, as
condições de vida, o lugar onde reside, urbano ou rural, gênero, raça, enfim, as características
de cada pessoa e do contexto social em que esteve inserida durante a trajetória de vida, são
fatores importantes para se compreender quem é a pessoa idosa e como ela vivencia o
envelhecimento.
Portanto, as reflexões, até momento, na perspectiva dialética de análise que adotamos
nesta investigação, permitiram compreender o aumento populacional da população idosa,
como um fenômeno social que está ocorrendo em países desenvolvidos e em
desenvolvimento, sendo contraditório, heterogêneo e multidimensional, um direito
conquistado pela classe trabalhadora e subalterna e materializado na contemporaneidade,
embora necessite de lutas para que possa ter mais qualidade, pois a classe trabalhadora, como
já discutido, sofre a opressão e exploração do capital durante toda a sua vida, na velhice isso
só poderá ser exacerbado, com situações de isolamento, de dependência por desenvolver
doenças ou ter acirradas algumas já existentes, perda de funcionalidade, falta ou acesso
mínimo às políticas sociais, fruto de organização e lutas dos(as) trabalhadores(ras).
Ainda procurando fazer uma análise na perspectiva de totalidade, abordamos as
conquistas das políticas públicas da categoria de pessoas idosas, ao nível internacional e
nacional, das lutas pelos direitos sociais, Behring e Boschetti (2011, p. 51) afirmam que

As políticas sociais e a formatação de padrões de proteção social são


desdobramentos e até mesmo respostas e formas de enfrentamento às
expressões multifacetadas da questão social no capitalismo, cujo fundamento
se encontra nas relações de exploração do capital sobre o trabalho.

Na contemporaneidade, vemos a crise na lógica do capital e este cenário político afeta


a classe trabalhadora, na medida em que ocorre a regressão dos direitos conquistados, quanto
aos serviços oferecidos a esta população, em especial, as políticas sociais de saúde e de
assistência social, trazendo impactos significativos na qualidade de vida das pessoas idosas,
principalmente nos que estão em situação de vulnerabilidade social. Outro aspecto importante
46

é a desvalorização quando sai do mercado de trabalho, a necessidade de continuar trabalhando


na velhice para complementar a renda.
O desvendamento dos determinantes do envelhecimento do (a) trabalhador (a) pode
tornar a velhice como problema para sociedade na ordem do capital, mas se todos (as)
tivessem os direitos sociais materializados com qualidade, em todas as fases da vida, então na
velhice poderiam ter menos chances de desenvolver doenças e perder a funcionalidade, e ter
maior independência e autonomia. Este panorama quer mais do que nunca a organização, luta
e resistência da classe trabalhadora, diante dos ataques aos direitos conquistados.
Os ataques a classe trabalhadora também rebatem na valorização social da pessoa na
sociedade do capital, questão que procuramos discutir no decorrer deste trabalho, e no
próximo item que segue abordaremos sobre a multidimensionalidade do processo de
envelhecimento que envolve aspectos físico, social, mental e cultural.

1.2 A multidimensionalidade do processo de envelhecimento numa perspectiva de


totalidade

[...] o homem não vive em estado natural. Antes, ao contrário, pelo trabalho
a natureza é constantemente transformada, inclusive, a do próprio homem,
transformando a si próprio e aos outros. Nessa perspectiva, circunstâncias
socioeconômicas, e de forma mais ampla, a posição de classe, além de
fatores psicológicos, culturais, genético-biológicos, criam distinções no
modo como se envelhece, situações que tornam o envelhecimento um
fenômeno biopsicossocial. (TEIXEIRA, 2008a, p. 77).

O envelhecimento humano envolve diversos fatores, sendo eles o biológico, o


psicológico e o social, podendo ainda incluir o aspecto cultural, uma vez que cada sociedade
impõe regras e atividades para determinadas faixas etárias. Na sociedade capitalista, o
envelhecimento é identificado quando a pessoa sai do mercado de trabalho e surge a
aposentadoria, passando a ser visto como improdutivo para o sistema, além disso, o Estatuto
do Idoso assegura que pessoa idosa é aquela com 60 anos de idade ou mais. O processo de
envelhecimento é biopsicossocial, podendo ainda ser visto como multidimensional e se dar ao
longo da vida, já a velhice é uma fase delimitada socialmente, sendo uma construção social
permeada por valores que dependem do tempo, pois cada sociedade tem seu modo próprio de
tratar seus velhos.
A sociedade divide a vida em etapas, sendo que “A idade cronológica refere-se
somente ao número de anos que tem decorrido desde o nascimento da pessoa, portanto não é
47

um índice de desenvolvimento biológico, psicológico e social, pois ela por si só não causa o
desenvolvimento.” (SCHNEIDER; IRIGARAY, 2008, p. 589-560), pois para a pessoa
desenvolver-se ela irá precisar de meios, de condições ofertadas pela sociedade, por exemplo,
através de políticas públicas como a educação e a saúde.
Portanto, não se pode definir alguém como “velho” ou “jovem” considerando apenas a
idade, mas principalmente seu modo de vida, suas condições socioeconômicas, seu nível de
acesso aos bens e produtos sociais, pois para Paulo Netto e Braz (2012, p. 58, grifo do autor),
“[...] até hoje, o desenvolvimento do ser social jamais se expressou como o igual
desenvolvimento da humanização de todos os homens [...]”, ou seja, os autores afirmam que
nem todos os homens e mulheres na sociedade capitalista têm acesso e podem se
humanizarem (educação formal, informal, valores, política, ética, etc.), enfim, nem todos têm
acesso ao acervo de conhecimentos que a sociedade construiu, mesmo que seja um patrimônio
de todos(as), a forma de acesso é completamente desigual, pois as relações sociais nessa
sociedade é marcada pela desigualdade.
Envelhecer não significa perder autonomia, nem tornar-se fragilizado e doentio, e
segundo Machado et al. (2009), “Apesar do envelhecimento humano ser um processo
gradual, irreversível e incontrolável de declínio das funções fisiológicas, ele não resulta,
necessariamente, em incapacidade, mas à medida que o indivíduo envelhece, as chances de
sofrer lesões provocadas por acidentes aumentam”, com isso, o autor quis ressaltar que
envelhecer é um processo inerente ao ser humano, não tem como escapar dele, mas que não é
sinônimo de incapacidade, apesar que as chances de sofrer lesões podem aumentar, isto
devido ao declínio das funções biológicas do organismo, pois

[...] a idade biológica se refere ao envelhecimento de órgãos e sistemas, que


reduzem o seu funcionamento e a capacidade de autorregulação torna-se
deficiente e precária. A idade social, por sua vez, refere-se ao papel que o
indivíduo exerce na sociedade, aos estatutos e hábitos, relacionada com a
característica histórico cultural de um país. A idade psicológica, no entanto,
refere-se às competências comportamentais que o indivíduo pode mobilizar
em resposta às variações ambientais, incluindo a inteligência, memória e
motivação. (FREITAS; CÂNDIDO; FAGUNDES, 2014, p. 74).

A idade biológica tem a ver com o envelhecimento físico do corpo e de seus órgãos,
sendo um fator interno e externo, através das mudanças que vão ficando visíveis, já a idade
social é o papel imposto e exercido pela pessoa na sociedade, que depende da cultura do país
em cada momento histórico. Já a idade psicológica tem referência aos comportamentos das
pessoas em determinada situação.
48

Assim, entendemos que de acordo com as diferentes inserções na vida social, e as


diferentes condições socioeconômicas, o que fica evidente que pessoas pertencentes à classe
trabalhadora e subalterna terá um modo de envelhecimento diferenciado daqueles
pertencentes à classe capitalista e burguesa. Mas na sociedade do capital, o velho e a velha
são responsabilizados pelas suas perdas e dependências, já que

A questão social da velhice é formulada desconsiderando os fundamentos


matérias da sua existência, vista como ameaça que paira sobre todos os
homens, independentemente do lugar que ocupam no processo produtivo,
camuflando o fato de que é a classe trabalhadora, formada pelos homens-
mercadoria, que aciona o processo produtivo, a protagonista,
historicamente constituída, da tragédia do fim da vida. (HADDAD,
1986, p. 42, grifo nosso).

Assim impõe-se uma ideologia que trata a velhice de forma homogênea para todas as
classes sociais, sendo uma ideologia da classe capitalista, pois “As ideias da classe dominante
são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material
dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante [...].” (MARX;
ENGELS, 2009, p. 67, grifo do autor). Tal sociedade capitalista explora o (a) trabalhador (a) e
no fim da vida procura reparar os danos que lhes foram causados através da recomendação
para participar de algumas atividades, ou até mesmo culpar a pessoa por não ter tido uma vida
com qualidade, sem considerar as condições reais e objetivas de vida que essa pessoa teve,
com falta de acesso e de efetivação dos direitos sociais, isto é, sem considerar as precárias
condições de vida e a exploração que ela foi submetida. Além de impor que o envelhecimento
e a velhice são iguais para todos, desconsiderando os aspectos externos, como já referidos,
porque uma pessoa da classe trabalhadora e subalterna terá uma forma de envelhecimento
secundário diferente de outra pessoa pertencente à classe capitalista, pois os fatores externos
que ambas foram expostas ao longo da vida são diferentes e trarão consequências diferentes
para cada uma.
Podemos verificar um exemplo claro sobre o que foi dito, imagine uma pessoa que foi
obrigada a trabalhar desde muito jovem até em mais de um emprego, com ou sem carteira de
trabalho assinada e que teve ou não acesso à educação formal, (e quando teve foi de forma
precária), agora imagine o processo de envelhecimento e a própria fase de velhice dessa
pessoa. Agora pense em outra pessoa que teve acesso à educação formal de qualidade, que
teve uma boa formação profissional e que teve acesso a um mercado de trabalho formal com
todas as garantias de direitos trabalhistas. É fácil imaginar a diferença entre ambas? A velhice
49

da primeira poderá trazer as consequências das suas condições objetivas de vida, lembrando
que não foi escolha dela ter sido explorada no trabalho, pois na falta dos meios de produção,
teve que vender seu único bem, que era sua força de trabalho para poder sobreviver, e que se
não teve uma boa educação formal, foi por falta da efetivação do direito à educação e como
não dispunha de condições socioeconômicas para pagar por uma educação, ficou excluída. Já
a velhice da segunda poderá também ter as consequências do seu modo de vida, que
diferentemente da primeira, foi de acesso e de qualidade. Mesmo ambas fazendo parte da
classe trabalhadora, o modo de envelhecer será diferente. Agora imagine alguém que seja o
dono dos meios de produção, como vai acorrer seu o processo de envelhecimento e a fase
velhice.
Assim, “[...] a verdadeira ‘tragédia do envelhecimento’ é, por sua vez, o resultado das
condições objetivas de vida dos (as) trabalhadores (as) e não um dado natural do
envelhecimento do ser humano na sua universalidade [...].” (PAIVA, 2014, p. 52), envelhecer
com dependência não é algo natural, mas o resultado das condições socioeconômicas.
Sobre o envelhecimento social, em conformidade a Zimerman (2007, p. 24, grifo do
autor), ele provoca uma transformação no status da pessoa e no relacionamento dela com
outras pessoas devido à

Crise de identidade, provocada pela falta de papel social, o que leva o velho
a uma perda da auto estima.
Mudanças de papéis na família, no trabalho e na sociedade. Com o
aumento do seu tempo de vida, ele deverá se adequar a novos papéis.
Aposentadoria, já que, hoje, ao aposentar-se ainda restam à maioria das
pessoas muitos anos de vida; portanto, elas devem estar preparadas para não
acabarem isoladas, deprimidas e sem rumo.
Perdas diversas, que vão da condição econômica ao poder de decisão, à
perda de parentes e amigos, da independência e da autonomia.
Diminuição dos contatos sociais, que se tornam reduzidos em função de
suas possibilidades, distância, vida agitada, falta de tempo, circunstâncias
financeiras e a realidade da violência nas ruas.

Estas são algumas das mudanças que as pessoas idosas passam ao adentrarem na fase
de vida definida como velhice. Tais modificações podem afetar a forma como a pessoa idosa
passa ser vista, podendo existir o preconceito e a discriminação da velhice, visto que na
sociedade capitalista, há uma sobrevalorização da produção, assim Zimerman (2007, p. 27)
comenta sobre a necessidade de mudarmos nossa postura: “[...] no ‘pacote’ da velhice devem
constar ideais como a de que os velhos já produziram muito ao longo de sua vida, continuam
produzindo de diversas maneiras e agora merecem receber mais atenção e respeito”, ou seja, a
50

forma de enxergar e tratar as pessoas idosas deve mudar, pois não são elas que terão que se
“adaptar” a sociedade, mas é esta que deve atender as necessidades da primeira.
Ainda procurando mapear nosso objeto de estudo, ou seja, a valorização social da
pessoa idosa, através do significado de suas experiências e sabedorias, advindas da memória,
entendemos ser importante fazer uma discussão e refletir sobre a valorização social da pessoa
idosa na sociedade do capital.

1.3 A valorização social da pessoa idosa na sociedade do capital

Cada sociedade tem um modo diferenciado de tratar a pessoa idosa, que varia de
acordo com sua tradição, sua cultura e seu grau de desenvolvimento socioeconômico. Embora
num mesmo momento histórico possam coexistir diversas formas de tratar a população idosa,
mas o que podem ter em comum é que “Toda sociedade tende a viver, a sobreviver; exaltar o
vigor e a fecundidade, ligados à juventude; teme o desgaste e a esterilidade da velhice [...].”
(BEAUVOIR, 1990, p. 52), pois várias transformações podem ocorrer no corpo e nas relações
sociais do velho, e tais mudanças são temidas pela humanidade.
Nesta investigação, adotamos a perspectiva dialética de análise, portanto, entendemos
ser importante fazer um breve resgate teórico acerca da valorização da pessoa idosa, pois
segundo Tonet (2013, p. 10), “[...] a justa compreensão da problemática do conhecimento
implica que este seja tratado sempre em sua articulação íntima com o conjunto do processo
histórico e social, permitindo, assim, compreender a sua vinculação, mesmo que indireta, com
determinados interesses sociais.”
Nas sociedades primitivas era comum que os demais membros da comunidade
matassem a pessoa idosa ou que ela própria suicidasse, pois já não era mais útil para
comunidade, poderia torna-se um peso para os parentes (BEAUVOIR, 1990). Sobre essa
realidade, pode-se observar a desvalorização da pessoa idosa em algumas comunidades,

Os tongas não são nômades; esses bantos instalaram-se na costa leste da


África do Sul, em terras áridas. A população é dispersa [...] As refeições são
feitas em comum. Servem-se primeiro os maridos, depois aa crianças, depois
as mulheres; em princípio, partilha-se com os deficientes e os velhos. Estes
são pouco considerados. Economicamente desfavorecidos, não inspiram
afeição. As crianças vivem, dos 3 aos 14 anos, com os avós, que as deixam
crescer ao acaso; têm sempre fome, roubam, e a iniciação dos meninos é
uma prova muito severa. Em seguida, os jovens dos dois sexos vivem juntos
numa cabana que lhes é reservada. Têm pouca ligação com os pais, e rancor
para com a geração que os criou com negligencia. Quando adultos, se
mostram grosseiros com as pessoas idosas. As próprias crianças, condenadas
51

a coabitar com seus avós, não gostam dos velhos; zombam deles e comem
sua parte da comida. Os tongas não têm quase nenhuma tradição cultural e
social: a memória dos mais velhos não serve para nada [...]. (BEAUVOIR,
1990, p. 62-63).

Percebemos que já nas comunidades primitivas, o fator econômico tinha uma


importância na vida social, e esse aspecto nas sociedades capitalistas é cada vez mais
valorizado. Valoriza-se o ter e o poder em detrimento do ser, assim descarta-se o que não é
mais produtivo e útil. Ainda sobre as sociedades primitivas, era comum,

Em certos rincões do Japão, e até uma época recente, as aldeias era tão
pobres que, para sobreviver era-se obrigado a sacrificar os velhos: eles eram
transportados para as montanhas chamadas “montanhas da morte”, sendo ali
abandonados. (BEAUVOIR, 1990, p. 68).

Nessas sociedades não havia um nível elevado de desenvolvimento do trabalho. O


homem ainda não dominava por completo a natureza, muitos ainda eram nômades, tinham
que se deslocar de um lugar a outro, sobreviviam em condições precárias e o velho (a) era
visto (a) como aquele (a) que podia atrapalhar a sobrevivência dos jovens, assim era deixado
para traz.
No que se refere ao trabalho, este é necessário em qualquer sociedade, independente
do seu nível de desenvolvimento, pois

O trabalho, como criador de valores-de-uso, como trabalho útil, é


indispensável à existência do homem – quaisquer que sejam as formas de
sociedade, - é necessidade natural eterna de efetivar o intercambio material
entre o homem e a natureza, e, portanto, de manter a vida humana. (MARX,
1987, p. 50).

Nas comunidades primitivas, os meios de produção eram precários, por isso tinham
dificuldades em relação a conseguirem o básico como alimentação então optavam por
abandonar aqueles que não conseguiam acompanhar os mais jovens, que partiam em busca de
sobrevivência. Nessas sociedades, existia a desvalorização e o abandono das pessoas idosas,
seja por motivos de inutilidade e/ou falta de afeto, por falta de meios de subsistência, essa
realidade coexistia com outra inversa, que pode ser observada com

Os yahgans, que vivem em número de aproximadamente 3.000, na costa da


Terra do Fogo, contam-se entre os povos mais primitivos que se conhecem:
não possuem machados, nem anzóis, nem utensílios de cozinha, nem
cerâmica. Não fazem provisões e são, portanto, obrigados a viver o dia-a-dia;
não têm jogos, nem cerimônias, nem religião verdadeira; apenas uma vaga
52

crença num ser supremo e no poder dos xamãs [...] A comida é partilhada por
toda a comunidade: os velhos são os primeiros a serem servidos; dá-se a eles o
melhor lugar na cabana. Não são nunca deixados sozinhos, há sempre um filho
que cuida deles. Nunca são alvo de zombaria. Ouvem-se seus conselhos [...] A
experiência das pessoas idosas serve à comunidade: elas sabem como obter
alimentos e executar as tarefas domesticas. São elas que transmitem e fazem
respeitar a lei não escrita. Dão bom exemplo, educam e, se necessário, punem
aqueles que se comportam mal. (BEAUVOIR, 1990, p. 74-75).

De acordo com o exposto até aqui, não é correto afirmar que a pessoa idosa sempre foi
valorizada pela sua sabedoria, suas memórias e experiências de vida, assim como não se pode
generalizar que foram maltratados, desvalorizados, abandonados ou mortos. A história mostra
que cada comunidade tratava a pessoa idosa de acordo com o grau de desenvolvimento das
suas forças produtivas, da cultura da sua sociedade, dos seus costumes e tradições. Embora
seja difícil compreender que o (a) velho (a) poderia ser jogado a própria sorte e desrespeitado
por todos, é necessário entender que nesse período não existiam leis, normas e regras de
convívio social, eram sociedades primitivas e até selvagens, com precárias condições e
enfrentavam dificuldades para sobreviver.
Segundo Paula (2016), nas sociedades da antiguidade, especificamente entre os
gregos, sabedoria e velhice estavam relacionadas, assim eram os velhos os responsáveis por
transmiti-la. Sobre os tipos de sabedoria, o autor não se refere a mesma sabedoria adquirida
pelos filósofos como Sócrates, Epicuro, Sêneca, “[...] mas pelo menos certo conhecimento de
si, da natureza e da vida pública, capaz de proporcionar algum bem-estar, fosse individual ou
coletivo. Ser mais velho era ser mais sábio [...].” (PAULA, 2016, p. 262-263).
Assim, é necessário e urgente uma reflexão sobre como o velho está sendo tratado nas
sociedades contemporâneas. Mesmo com o elevado grau dos meios de produção, a
especialização do trabalho e as normas e leis estabelecidas, o (a) velho (a) não continua sendo
abandonado e/ou negligenciado, embora de formas diferenciadas? Ele continua sendo
desvalorizado e desrespeitado? Como a sociedade capitalista do século XXI valoriza a pessoa
idosa? Será que o (a) velho (a) é visto como detentor de sabedoria, através das suas memórias
e vivências? Ou é tido como inservível, improdutivo e inútil? Que tipo de valorização ocorre
na sociedade do capital? São questões que necessitam ser pensadas e repensadas, para que se
possam buscar respostas e formular estratégias de garantir os direitos das pessoas idosas,
assim como a sua valorização social.
Entendemos que a valorização social aqui, seria sobre o arcabouçou de conhecimentos
adquiridos pelas experiências de vida e que podem ser transmitidos através da memória da
pessoa idosa, podendo ser proporcionado uma troca intergeracional. Além do respeito aos
53

demais direitos sociais desse segmento etário. A pessoa idosa tem experiências referentes ao
trabalho que desenvolveu, a sua história familiar, seus costumes, da comunidade, onde
nasceu, cresceu e viveu, enfim, memória de tudo que vivenciou ao longo da sua trajetória de
vida.
É importante ressaltar que, na sociedade capitalista, “[...] quando até a força de
trabalho se converte em mercadoria, está posta a possibilidade de mercantilizar o conjunto
das relações sociais.” (PAULO NETTO; BRAZ, 2012, p. 98, grifo do autor). Assim, a pessoa
que pertence a classe trabalhadora, detentora da sua força de trabalho e destituída dos meios
de produção, é obrigada a vendê-la ao capitalista (possuidor dos meios de produção), em troca
de um salário para sobreviver, assim é tida como uma mercadoria.
Destarte, na sociedade onde reina o modo de produção capitalista, a valorização que se
busca é do próprio capital, pois “[...] o trabalho é, além de processo de criação de valor,
processo de valorização do capital. A criação do valor opera-se no tempo de trabalho
necessário; a valorização opera-se no tempo de trabalho excedente [...].” (PAULO NETTO;
BRAZ, 2012, p. 124, grifo do autor). Desta forma, através do trabalho, o ser humano cria
valor, mas também possibilita a valorização do capital, pois é através do processo de
exploração do trabalho, da extração da mais-valia que o capital se autovaloriza, em detrimento
disso, o (a) trabalhador (a) sofre todas as opressões que tal sistema admite.
De tal modo, é possível e urgente a reflexão: os (as) velhos (as) são valorizados (as)
pelo papel que ocupou e continua ocupando na sociedade do capital? Com sua saída do
mercado de trabalho, a pessoa idosa deixaria de ser produtiva para o capital e passaria a ser
apenas uma aposentada e/ou pensionista? Seriam as pessoas idosas responsáveis pelo
desenvolvimento da sociedade em um determinado período? Elas teriam contribuído ou
poderiam continuar contribuindo com essa sociedade, mesmo estando fora do mercado de
trabalho?
Almeida (2003, p. 40), em seu artigo Modernidade e Velhice, afirma que foi “[...] no
contexto da modernidade que infância, adolescência e velhice foram alçadas a condição de
etapas singulares da vida”, assim estabeleceu-se culturalmente comportamentos e funções
esperados para cada fase da vida. A autora assevera, ainda, que,

Nas sociedades modernas, a velhice é sinônimo de recusa e banimento.


Recusa revestida com diferentes roupagens: algumas bastante evidentes,
passam pela segregação e pelo isolamento social, pela ruptura dos laços
afetivos, familiares e de amizade, pela negação do direito de pensar, propor
decidir, fazer, pela expropriação do próprio corpo; outras mais sutis, são
54

encontradas no tom protetor, muitas vezes cercado de cinismo, com que


lidamos com nossos “velhinhos”. (ALMEIDA, 2003, p. 41).

Nesta sociedade moderna, a velhice é algo sem valor, pois “Quando se vive o primado
da mercadoria sobre o homem, a idade engendra desvalorização [...].” (BOSI, 1994, p. 78). A
pessoa idosa, além de perder o trabalho, pode também em algumas situações ter negado o
direito de participar da vida familiar, tornando-se alguém sem voz, nem vez, e sem função útil
na sociedade e na família. Além disso, o termo “velhinho” para autora pode ter sentido
ambíguo, de carinho e de menoridade, este último nega a pessoa idosa a possiblidade de se
constituir como sujeito.
A autora cita o exemplo de um seriado, que atualmente não está mais no ar na
televisão, para mostrar como a velhice é visualizada, “A Família Dinossauro”, que mostrava
que o (a) velho (a) ao completar 70 anos seria jogado num poço de lama, seguindo uma
tradição. Assim, a vovó dinossauro seria atirada do alto de uma colina num poço de lama,
sendo que sua filha e o genro estavam de acordo em seguir tal ritual, mas seus netos
discordavam e faziam de tudo para mudar essa regra (ALMEIDA, 2003).
Segundo Paiva (2014), a divisão da vida em fases elege a juventude como um valor,
isto devido a sua possibilidade de ser vendida no mercado igual qualquer outra mercadoria,
em oposição à velhice, que é tida como um desvalor, já que perdeu seu valor de uso para o
capital, portanto sua força de trabalho.
Nos países desenvolvidos, e recentemente em países em desenvolvimento, após a
conquista de direitos sociais, as pessoas idosas passaram a ter

O acesso à renda, que permitiu que esse segmento social de aposentados


pensionistas emergisse como objeto de consumo diferenciado das novas
relações de produção. Tudo isso deu origem a pseudovalorização da pessoa
idosa, que ascende à condição de consumidor manipulado de mercadorias,
bens e serviços, posto que o fim da produção é a valorização do capital, e
não a satisfações de necessidades humanos-societais. (TEIXEIRA, 2008a,
p. 34).

Ocorre a falsa valorização da pessoa idosa, visto que o capital não está interessado em
satisfazer as necessidades desse segmento, mas de tirar proveito dessa população,
enxergando-a como um consumidor potencial. Assim, “Com a pseudovalorização emerge um
conjunto de comportamentos, valores e visões de mundo diferenciadas – em oposição às
tradicionais visões do envelhecimento [...].” (TEIXEIRA, 2008a, p. 34). Na realidade, o que
o capital pretende é continuar o processo da sua autovalorização.
55

Ao envelhecer, as pessoas parecem sair de cena e deixam de ser vistas e, para Haddad
(1986, p. 32), “[...] na medida em que na sociedade industrial moderna o que importa é
produzir, os idosos são esquecidos o tempo todo, porque não interessa a essa sociedade
investir em programas que não ofereçam retorno”, pois investir 7 em crianças e/ou jovens,
espera-se um retorno no futuro, e o que poderá uma pessoa idosa dar de retorno?
Ainda sobre o momento em que o (a) trabalhador (a) sai do mercado de trabalho,
Teixeira (2008a, p. 66) alega que

[...] estar fora do trabalho é estar fora da vida, excluído das condições de
reprodução social e, no caso do envelhecimento do trabalhador, do mundo
público, das relações sociais, condição que implica desvalorização social por
não contribuir para a riqueza social e para a reprodução biológica e social.

Assim, o (a) aposentado (a) e/ou o (a) pensionista e quem é usuário(a) do Benefício de
Prestação Continuada (BPC), pertencentes à classe trabalhadora e subalterna (de maneira
formal ou informal), ao deixar de desenvolver atividade remunerada no mundo do trabalho,
passa a ser visto como alguém “inútil” ao capital, pois não serve mais, não contribui mais com
o processo de produção, visto que o capital não está interessado no bem estar das pessoas,
mas no processo de (re) produção e autovalorização, através da obtenção da mais-valia.
Conforme afirmado pela autora, estar fora do mercado, porque se envelheceu, é não mais
produzir economicamente, biologicamente, nem socialmente, portanto pode-se concluir que
para a sociedade onde impera o modo de produção capitalista, a pessoa idosa deixa de ser
valorizada, ressaltando que esse trabalhador (a) nunca foi realmente valorizado (a), foi apenas
usado pelo sistema, que utilizou-se da sua força de trabalho, para produzir e obter lucros,
satisfazendo suas próprias necessidades. Numa concepção crítica,

A questão social da velhice é formulada desconsiderando os fundamentos


matérias da sua existência, vista como ameaça que paira sobre todos os
homens, independentemente do lugar que ocupam no processo produtivo,
camuflando o fato de que é a classe trabalhadora, formada pelos homens-
mercadoria, que aciona o processo produtivo, a protagonista, historicamente
constituída, da tragédia do fim da vida. (HADDAD, 1986, p. 42).

Nesta perspectiva, é a classe trabalhadora e subalterna quem vivencia uma experiência


de velhice como tragédia, uma vez que são “homens/mulheres-mercadoria”, como afirmou a
autora, que ao deixar de servir ao capital, ao perderem seu valor de uso, podem tornar-se um
problema social. Portanto, para as pessoas idosas da classe dominante, a velhice poderá não

7
Embora os investimentos sejam mínimos para toda a área social.
56

acarretar um problema, pois elas têm direito de envelhecer, inclusive com dignidade e acesso
aos serviços e bens que necessitar, pois sua condição econômica lhes possibilita o que não
significa que não possam passar por situações de violência e desvalorização como pessoa. Já
aqueles provenientes da classe trabalhadora, não têm esse direito materializado, pois
dependeria do Estado para sua realização, e isto acarreta gastos e investimentos na área das
políticas sociais, o que é contrário à ideologia da classe dominante, que defende um Estado
neoliberal.
Ainda sobre a valorização da pessoa idosa na sociedade capitalista, ficou explícito que
o único valor que interessa ao capital é sua autovalorização, desta forma,

E não tendo o homem valor, a não ser o econômico, como força de trabalho,
“condição material da produção”, a velhice está fadada à pobreza e à
dependência dos recursos da família e da sociedade, como está sujeito a uma
desvalorização social, que reflete a desvalorização da vida humana fora dos
circuitos produtivos. (TEIXEIRA, 2008a, p. 135).

O homem e a mulher só possuem algum “valor” para o capital enquanto possui forças
para produzir, mas com a chegada da velhice, são abandonados e vistos como improdutivos
(as), portanto sem valor nenhum. Nesta perspectiva, a vida humana para o capital nada vale, a
não ser até o momento que pode ser explorada com o objetivo de valorizar ainda mais o
próprio capital.
Na velhice, o (a) trabalhador (a) poderá passar a depender dos recursos financeiros da
família e da sociedade para arcar com suas necessidades básicas, no último caso, através da
filantropia e da benemerência. Mas tal realidade vem mudando, com a conquista do direito à
aposentadoria para aqueles que contribuíram para previdência social, e a pensão para os
dependentes, além da assistência social, que garante o direito de um salário mínimo à pessoa
idosa com 65 anos de idade ou mais, que possua renda mensal familiar per capita inferior a ¼
do salário mínimo (BRASIL, 2011a), o que representa uma conquista de direitos, embora não
transforme a vida dessa população, pois são mínimos e muitas vezes não consigam suprir
todas as necessidades dessa população, que às vezes tem que sustentar a família, sendo, em
alguns casos, a única renda fixa.
Diante deste cenário, a geriatria e a gerontologia formularam um tripé envolvendo:
educação, trabalho e família, que formam um conjunto de representações da velhice,
porquanto se o homem for educado para envelhecer; o trabalho for a terapia para esta fase
da vida; e a família aliada ao Estado, agir como protetora da velhice, a pessoa idosa saberá
lidar melhor consigo mesma, com a sociedade e com a vida, uma espécie de fórmula mágica
57

para resolver os problemas do envelhecimento, sendo uma expressão da ideologia


dominante, uma vez que esta forma de pensamento não leva em consideração, por exemplo,
a trajetória de vida dessa população idosa, que pertencendo à classe trabalhadora e
explorada, que vendeu a vida inteira a sua força de trabalho para sobreviver, na velhice pode
encontrar-se cansado e esgotado fisicamente (HADDAD, 1986). Desta forma, “A
problemática social da velhice, assim como é formulada pelos seus teóricos, de forma
autônoma, independentemente da realidade concreta que a produz, é uma falsa questão:
expressão da ideologia dominante.” (HADDAD, 1986, p. 54).
A velhice é colocada como responsabilidade da própria pessoa idosa e da família, que
se não seguir as orientações dos experts no envelhecimento, poderá ter uma velhice com
problemas. Percebemos uma intenção de culpar as pessoas idosas pelo seu estado, pois se não
se cuidou conforme orientações, serão culpabilizados pelas suas perdas e fragilidades,
camuflando o processo de exploração ao qual o (a) trabalhador (a) foi submetido(a) ao longo
da vida, já que o capitalismo é o responsável por sugar o tempo de vida do homem, seja
dentro do mercado de produção, seja enquanto desempregado buscando emprego, seja como
pessoa idosa, aposentado (a) e/ou pensionista, com tempo para consumir os produtos impostos
pelo capital (TEIXEIRA, 2008a).
A velhice não é um processo homogêneo, pois cada indivíduo irá experimentá-la de
forma diferenciada, de acordo com sua realidade, assim,

Tanto ao longo da história como hoje em dia, a luta de classes determina a


maneira pela qual um homem é surpreendido pela velhice; um abismo separa
o velho escravo e o velho eupátrida, um antigo operário que vive de pensão
miserável e um Onassis. A diferenciação das velhices individuais tem ainda
outras causas: saúde, família, etc. Mas são duas categorias de velhos (uma
extremamente vasta, e outra reduzida a uma pequena minoria) que a
oposição entre exploradores e explorados cria. Qualquer afirmação que
pretenda referir-se à velhice em geral deve ser rejeitada porque tende a
mascarar este hiato. (BEAUVOIR, 1990, p. 17).

Neste cenário, concluímos que a valorização social da pessoa idosa se apresenta como
um dos desafios ao crescimento populacional deste segmento, porque quando se olha uma
pessoa idosa pela ótica do capital, vê-se apenas alguém que não poderá mais servir como
força de trabalho, portanto sem utilidade. Ver apenas a aparência externa, e esquece-se que
esta pessoa idosa pode já ter contribuído de diversas formas para sua sociedade. Traz consigo
uma história de vida com experiências, que através da memória poderiam ser transmitidas as
demais gerações, proporcionando uma troca de conhecimentos. Neste sentido, esquece-se que
58

toda sociedade e toda comunidade tem uma história que foi construída pelas pessoas que hoje
estão envelhecidas, pelos ancestrais, e que continuará sendo escrita pelas gerações atuais e
que vierem no futuro.
Na realidade da sociedade do capital, o (a) velho (a) não possui um lugar valorizado e
enaltecido, mas pelo contrário,

O papel exercido pelas pessoas idosas em algumas sociedades tradicionais,


como conselheiro e guardião da sabedoria e da cultura da comunidade,
torna-se, em nossa sociedade, um estereótipo ingênuo e romântico diante do
lugar social comumente reservado para a pessoa idosa relacionada ao não
produtivo e à solidão, que fortalecem a imagem desse indivíduo como
arcaico, ultrapassado, ocioso, que está “fora do tempo e de lugar”, “fora do
mundo”. Contudo, é preciso reinventar uma nova cultura que acolha o
envelhecer, que integre essa pessoa no espaço atual que também é seu, que
produza novos sentidos de ser velho hoje e que reconheça a valiosa
contribuição social da pessoa idosa. (MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2012, p. 15).

Vivemos na cultura do imediato, do efêmero, do individual e da exacerbação da


produção, além das rápidas mudanças tecnológicas, sendo todos obrigados a se adaptarem as
transformações, caso contrário são excluídos do sistema, excluídos das novas relações sociais
através dos meios de comunicação social, e não se tem tempo para ouvir aqueles(aquelas) que
envelhecem, pois as notícias são instantâneas, e não se pode perder tempo com histórias
contadas por velhos (as) sobre suas vidas ou o contexto social em que viveram. Destarte, se o
(a) velho (a) já teve em algum momento e espaço para rememorar suas experiências e dividi-
las com as gerações descendentes, no tempo do capital é imposta a cultura da utilidade das
coisas, inclusive das pessoas, descartando tudo que não sirva para incrementar o processo de
produção e lucro. Embora seja urgente reinventar a cultura e acolher esse segmento idoso que
cresce consideravelmente e reconhecer sua contribuição para sociedade. Eis o grande desafio
contemporâneo.
Ainda sobre a valorização da pessoa idosa, nas relações familiares, Soares e José Filho
(2012) ratificam que para que aconteça, deve envolver: o diálogo entre as gerações que poderá
contribuir para acabar com desrespeito; o ato de escutar a pessoa idosa, pois “[...] nas relações
familiares procurar envolvê-lo nas conversações, inclusive participar de deliberações sobre
assunto que dizem respeito a sua vida; abrir maior diálogo; ter sua opinião ouvida; partilhar da
rotina de vida dentro dos seus lares [...].” (SOARES; JOSÉ FILHO, 2012, p. 18), posturas
assim mostram que a pessoa idosa tem importância dentro do seio familiar, fazendo com ela
59

sinta-se um membro desta família que contribui para decisões e atitudes tomadas no
enfrentamento de problemas cotidianos.
Outro aspecto sobre a valorização colocado por Soares e José Filho (2012) é o cuidar
da pessoa idosa, porque muitas vezes a família elege um membro para ser o cuidador (a) ou a
depender das condições econômicas contrata um (a) cuidador (a), que na maioria das vezes se
desdobra com os afazeres domésticos e com os cuidados exigidos pela pessoa idosa e acaba
não tendo tempo ou preparação para entender que além de cuidados como de higiene e
alimentação, a pessoa idosa necessita de atenção e espaço para compartilhar suas experiências
por meio de suas memórias e experiências de vida. Uma pessoa idosa, mesmo que possua
restrições físicas, não significa que não possa compartilhar conhecimentos da sua experiência
de vida por meio das suas memórias. Algumas podem sentir-se incomodando a família, e
ficarem restritas e silenciadas a um cômodo da casa, assim “Muitas pessoas morrem
gradualmente; adoecem, envelhecem. As últimas horas são importantes, é claro. Mas muitas
vezes a partida começa muito antes [...].” (ELIAS, 2001, p. 8).
Nas sociedades capitalistas, o “[...] valor do conhecimento é socialmente medido e
apreciado não pelo grau de sabedoria que proporciona, mas pelo quantum de produtos
fabricados pelas forças econômicas.” (PAULA, 2016, p.271), ou seja, a utilização do
conhecimento para produzir e gerar lucros, se tal conhecimento não puder ser utilizado para
esse fim, poderá ser descartado.
Ainda segundo Paula (2016), o número de suicídios entre pessoas idosas está
crescendo, principalmente em países desenvolvidos, mesmo com o avanço da tecnologia, da
indústria farmacêutica, que contribuem para o aumento da expectativa de vida, mesmo assim
elas parecem não estar felizes ou satisfeitas, e o autor cita como possíveis causas:

Sem descartar a importância de fatores como enfermidades físicas e


transtornos psicológicos (como a depressão), sugerimos que as causas
profundas e complexas do suicídio entre os idosos estão também ligadas a
fatores sociais e, portanto, ao nosso modo de vida capitalista. [...]. (PAULA,
2016, p. 276-277).

É necessário refletir sobre este modo de vida capitalista, em que tudo é imediato,
prático superficial, fragmentado e supérfluo, e que valoriza o conhecimento apenas se ele
servir para produzir algo e valorizar o capital.
Portanto, observando a sociedade de classes, a despeito das reflexões sobre a
valorização social da pessoa idosa, podemos inferir que está ligada ao mundo do trabalho,
pois na sociedade do capital, o valorizado é quem produz, o trabalhador (a) idoso (a) é
60

considerado (a) inútil, alguém que não poderá mais servir como força de trabalho, portanto
sem utilidade. Muitos (as) trabalhadores (as), durante sua existência, tiveram péssimas
condições de vida, devido ao “[...] desemprego estrutural; do empobrecimento dos (as)
trabalhadores (as); da flexibilização dos direitos sociais conquistados; do desmantelamento
dos equipamentos, inclusive os da saúde pública, para atender à referida população; a
mercantilização dos serviços de proteção social.” (PAIVA, 2014, p. 168), deste modo, como
ficam esses (as) trabalhadores (as) na velhice? Existem, hoje, programas, ações e políticas
sociais que tentam amenizar a degradação que essa população passou durante toda sua
trajetória de vida.
Para haver a valorização social do trabalhador (a) idoso (a), é preciso que as políticas
públicas, conquistadas por este segmento através da organização e luta, sejam efetivadas para
poder proteger o(a) trabalhador(a) na sua velhice. Mas o cenário que vemos na sociedade do
capital é desvalorização social da pessoa idosa, pois a

[...] velhice que para muitos(as) e cada vez mais, ao revés de ser uma fase da
vida marcada pelo descanso do trabalho, protegida pela família, pelas
políticas sociais e acolhida pela sociedade, ser a evidência do coroamento da
decrepitude, do abandono e da negação de qualquer indício da realização da
emancipação humana. (PAIVA, 2014, p. 30).

Embora a população tenha conquistado uma série de legislações sociais, o desafio


ainda é a sua efetivação pelo Estado através das suas políticas sociais e pela sociedade que
precisa ser sensibilizada para valorizar e respeitar a pessoa idosa como cidadão de direitos.
Desta forma, também é necessária uma valorização entre as diversas gerações, políticas que
trabalhem além da garantia dos direitos sociais, a intergeracionalidade.
CAPÍTULO 2 A VALORIZAÇÃO SOCIAL DO VELHO E DA VELHA E A TROCA
INTERGERACIONAL: CONTRIBUIÇÕES DA MEMÓRIA E DA
EXPERIÊNCIA DE VIDA NA FAMÍLIA E NA SOCIEDADE
CAPITALISTA
62

2.1 A memória e a experiência de vida como fonte de conhecimento

A memória dos velhos pode ser trabalhada como uma mediação entre a
nossa geração e as testemunhas do passado. Ela é o intermediário informal
da cultura, visto que existem mediadores formalizados constituídos pelas
instituições (a escola, a igreja, o partido político, etc.) e que existe a
transmissão de valores, de conteúdo, de atitudes, enfim, os constituintes da
cultura. (BOSI, 2003, p. 15).

O objetivo aqui é apreender a importância da memória e da experiência de vida da


pessoa idosa como um valor social, pelas suas capacidades, competências e contribuição com
as novas gerações, numa perspectiva dialética de análise. Desta forma, observa-se, como
ressaltado pela Bosi (2003), a importância da memória dos velhos (as) para as gerações, sendo
uma maneira informal de transmitir conhecimentos, de ensinar e que podem contribuir muito
com a transmissão da cultura e com a valorização da própria pessoa idosa, que poderá sentir-
se “útil” nesse processo, pois na sociedade capitalista aquele (aquela) que já está afastado (a)
do processo de produção é visto (a) como algo que já não serve.
A memória pode ser estudada pelas diversas ciências, como a psicologia, a neurologia,
entre outras, mas aqui será discutida acerca da memória e experiência de vida no campo
social, numa perspectiva crítica.
A memória que será tratada aqui não é aquela memória de acontecimentos imediatos,
mas relacionada as experiências ao longo da vida do ser humano, ou seja, as memórias sobre
como era a família, como era a cidade, o bairro, as brincadeiras de outra época, os costumes,
os acontecimentos históricos relacionados a política, ao trabalho, enfim, tudo aquilo que a
pessoa vivenciou e que faz parte da sua trajetória e história de vida, pois,

Quando falamos sobre projetos de memória, certamente nosso foco não é a


memória fatual, do imediato ou do curto prazo: onde deixei as chaves da
porta? qual a senha do banco? qual era escalação do Brasil na equipe do
Felipão? qual o dia da proclamação da República? Estamos falando da
memória-experiência, da memória do vivido nos diferentes tempos das
nossas vidas: sobre como era São Paulo na minha infância, como era a
minha família, que festas celebrávamos, como era a minha escola, as aulas,
os professores. Enfim, aquilo que vivi e que carrego comigo, passados
muitos anos. Vivências que me ensinaram coisas [...]. (KESSEL, 2004,
p. 54-55).

Acreditamos que a memória-experiência poderá contribuir na sociedade capitalista


com aproximação entre as diversas gerações, especialmente entre as gerações de pessoas
idosas com crianças e jovens. Como expresso por Bosi (2003), a memória é um intermediário
63

da cultura informal, mas que possui grande valor e poderá ser um instrumento de transmissão
de conhecimentos. Mas para que isto aconteça, é necessário que a sociedade compreenda que
as pessoas idosas possuem “valor” primeiro, porque são seres humanos, e segundo porque já
contribuíram muito com o processo de desenvolvimento da sociedade, pois já venderam sua
força de trabalho, ou seja, já contribuíram na construção dessa sociedade, tendo ou não
consciência disso, uma vez que essa população pode ter ou não consciência da sua
contribuição com o desenvolvimento social, devido as suas condições socioeconômicas e o
grau de acesso a escolaridade, por exemplo, assim, podem não refletir sobre sua importância
no contexto social, uma vez que foi um trabalhador formal ou informal, que além de produzir
e ser explorado pelo capital, pagou e continua pagando impostos, enfim, deu sua contribuição
até mesmo com o próprio processo de (re) produção do capital.
Um terceiro aspecto que mostra o valor que uma pessoa idosa pode ter seria por ser
possuidora de memórias relacionadas a sua história e experiência de vida, uma vez que já
colaborou com o desenvolvimento da sociedade e pode continuar colaborando, à medida que
tiver oportunidade e espaço para compartilhar suas memórias e experiências, assim como
também pode aprender com as memórias e experiências dos mais jovens, pois não pretende-se
valorizar a pessoa idosa em detrimento das demais gerações, mas de mostrar a contribuição da
troca intergeracional para a aproximação e fortalecimento da relação da pessoa idosa com os
jovens.
As pessoas idosas precisam ser instigadas a rememorar e lembrar suas experiências, já
que “[...] é do presente que parte o chamado ao qual a lembrança responde.” (BERGSON,
1959 apud BOSI, 1994, p. 48), caso não tenham oportunidades de expor suas memórias, elas
ficarão silenciadas, mas isso não significa que não existam, apenas não encontraram espaço
para serem ouvidas e divulgadas. Para lembrar, o indivíduo precisa estar se relacionando com
outros, uma vez que a memória que ele possui vai estar relacionada a acontecimentos
vivenciados e, por conseguinte, depende das instituições que frequentou e participou do
relacionamento do indivíduo com a família, classe social, escola, igreja, profissão (BOSI,
1994), assim como necessita de instituições e/ou pessoas interessadas em ouvi-las.
Para Bergson (1959 apud BOSI, 1994), existem dois tipos de memória, a memória-
hábito, que estaria relacionada aos aprendizados durante o processo de socialização do
indivíduo, como por exemplo, saber comer segundo regras sociais, dirigir um automóvel, etc.,
e a imagem-lembrança a qual está relacionada com momentos singulares, não repetitivos, ao
contrário da primeira, que faz parte das atividades do dia-a-dia.
64

Os acontecimentos vividos não são guardados na memória igual ao momento que


ocorreu, desta forma, no ato de rememorar, a pessoa vai selecionar aquilo que foi mais
significativo, pois

[...] lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e
ideias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é
trabalho. Se assim é, deve-se duvidar da sobrevivência do passado, “tal
como foi”, e que se daria no inconsciente de cada sujeito. A lembrança é
uma imagem construída pelos materiais que estão, agora à nossa disposição,
no conjunto de representação que povoam nossa consciência atual. (BOSI,
1994, p. 55).

A pessoa irá reconstruir o passado, através da atividade mental, de acordo com o que
ela tem a sua disposição e no que ela se transformou, pois com a passar dos anos e a vivência
de novas experiências, a pessoa também se transforma, não sendo possível retomar algo do
passado igual como ocorreu, porque é a partir do presente, é este que invoca e torna possível
reviver o passado. A autora dá um exemplo de um jovem que lê um livro e passados anos, ao
fazer uma releitura, com certeza o seu entendimento será outro, pois ele já não será o mesmo,
a autora dá este exemplo para mostrar porque ao lembrar e recordar, a pessoa idosa refaz e
reconstrói o passado a partir do que ela é hoje.
Conforme Halbwachs (1990, p. 47), o homem acredita que suas lembranças
pertencem a si mesmo, sem considerar que muitas delas foram inspiradas pelo grupo do qual
fez parte, desta forma fica evidente que “[...] na medida que cedemos sem resistência a uma
sugestão de fora, acreditamos pensar e sentir livremente. É assim que a maioria das
influências sociais que obedecemos com mais frequência nos passam despercebidas [...].”
A memória coletiva é formada por um conjunto de homens e mulheres que por
formarem um grupo com duração, possuem lembranças em comum, já a memória individual é
o ponto de vista que cada um dos membros deste grupo possui sobre a memória coletiva, que
irá depender do lugar que ocupa e das relações sociais estabelecidas (HALBWACHS, 1990),
ainda sobre a memória individual, o autor ressalta que o homem, para evocar seu passado,
sempre fará apelo às lembranças dos outros.
As lembranças dos (as) velhos (as) fazem parte da sua vida e até os objetos que lhes
pertencem também representam um pouco de si, existindo os objetos de status e os objetos
biográficos, sendo que

São estes os objetos que Violette Morin chama de objetos biográficos, pois
envelhecem com o possuidor e se encorporam à sua vida: o relógio da família,
o álbum de fotografias, a medalha do esportista, a máscara do etnólogo, o
65

mapa-múndi do viajante... Cada um desses objetos representa uma experiência


vivida, uma aventura afetiva do morador. (BOSI, 2003, p. 26).

A autora aborda sobre objetos de status que são aqueles que a moda valoriza, mas que
são apenas para decorar o ambiente e tem pouca durabilidade, estes não envelhecem com o
dono, ao contrário dos objetos biográficos, “[...] as coisas que envelhecem conosco nos dão a
pacífica sensação de continuidade.” (BOSI, 2003, p. 26), por isso pessoas idosas costumam
ser apegadas aos seus objetos, eles possuem um valor que não é financeiro, mas sentimental,
fazem parte da sua história de vida e algumas vezes da história da sua família. Assim, o
bairro, a cidade, a casa onde a pessoa nasceu, morou, cresceu, constituiu família, viu seus
filhos crescerem, o local onde as mudanças ocorrerem, os objetos passam a possuir
significados afetivos, tudo faz parte da história de vida, mas devido à mobilidade imposta pelo
sistema econômico, pode perder-se a cronologia da família e até mesmo da cidade,
acontecendo o desenraizamento que é responsável pela desagregação da memória (BOSI,
2003).
Segundo Halbwachs (1990), cada homem faz parte de grupos maiores e menores,
sendo a nação, um exemplo, de um grupo maior, que se interessa pelos acontecimentos mais
importantes que podem modificar a vida da própria nação, influenciando a vida de cada
indivíduo e de suas famílias, mas a nação não se interessa pelos acontecimentos individuais,
ao contrário, os grupos menores, a exemplo da família, de um bairro, que possuem memórias
em comum e se interessam pela vida de cada membro e que possuem suas memórias em
comum, assim,

Embora seja fácil ser esquecido e passar despercebido dentro de uma grande
cidade, os habitantes de um pequeno vilarejo não param de se observar
mutuamente, e a memória de seu grupo registra fielmente tudo aquilo que
pode dizer respeito aos acontecimentos e gestos de cada um deles, porque
repercutem sobre a pequena sociedade e contribuem para modificá-la.
Dentro de tais meios, todos os indivíduos pensam e se recordam em comum
[...]. (HALBWACHS, 1990, p. 80).

Destarte, dentro destes grupos, desenvolvem-se memórias coletivas, pois existem


vivências partilhadas, experimentadas pela coletividade, pelos moradores de determinado
bairro, por exemplo, e, portanto, comum a todos.
As memórias podem ser provenientes das experiências e estão relacionadas ao trabalho,
pois “O trabalho [...] é indispensável à existência do homem – quaisquer que sejam as formas de
sociedade, - é necessidade natural eterna de efetivar o intercambio material entre o homem e a
natureza, e, portanto, de manter a vida humana.” (MARX, 1987, p. 50), assim sendo
66

fundamental na vida do ser humano. De tal modo, como as memórias de experiências


relacionadas à família e aos costumes de sua época, já que “[...] a história da família pode dar ao
indivíduo um forte sentimento de uma duração muito maior de vida pessoal [...].”
(THOMPSON, 1992, p. 21), pois a família é um espaço de socialização primária e de cuidado e
proteção dos indivíduos, em que se estabelecem normas e hierarquias entre os seus membros,
além de conflitos e afetos.
E ainda as histórias e experiências relacionadas à comunidade, como “Por meio da
história local, uma aldeia ou cidade busca sentido para sua própria natureza em mudança, e os
novos moradores vindos de fora podem adquirir uma percepção das raízes pelo conhecimento
pessoal da história [...].” (THOMPSON, 1992, p. 21), assim a pessoa idosa guarda na
memória a história do bairro onde reside8, suas mudanças e transformações e perceber que
juntamente com tais alterações, seu corpo e suas relações sociais também mudaram. Ainda
sobre a memória relacionada à cidade e ao bairro, “Cada geração tem, de sua cidade, a
memória de acontecimentos que são pontos de amarração de sua história [...].” (BOSI 2003,
p. 70), do mesmo modo uma determinada geração acompanha mudanças ocorridas na
estrutura física da cidade, além dos acontecimentos políticos, dos acontecimentos ligados à
vida pessoal, à constituição de família, o casamento na igreja da cidade, a formatura do ensino
médio no colégio de determinado bairro, enfim, memórias de fases da vida que foram vividas
em determinada cidade. Quando se reside num bairro por muitos anos, seus moradores
poderão ter “[...] o sentimento de pertencer a uma tradição, a uma maneira de ser que anima a
vida das ruas e das praças, dos mercados e das esquinas. A paisagem do bairro tem uma
história conquistada numa longa adaptação.” (BOSI, 2003, p. 76). Por isso para uma pessoa
idosa mudar de cidade, de bairro, de uma casa, é um processo difícil e até doloroso, pois ela
tem memórias relacionadas aquele ambiente, que este faz parte dela.
Na fase da velhice ocorrem várias mudanças, como já referido neste trabalho, assim
“Enquanto os jovens estão voltados para o futuro, os idosos contemplam o passado e fazem
um constante balanço daquilo que viveram, presenciaram, testemunharam.” (WHITAKER,
2010, p. 184), e fazem isto através da memória e lembranças, Bosi (1994) também corrobora
com esta afirmação, que quando o homem deixa de ser um membro ativo na sociedade, passa
na velhice a ter a função de lembrar, tornando-se a memória da família, do grupo, de
instituições e da própria sociedade.

8
Com o processo de desenraizamento colocado pela própria Bosi (2003), podem acontecer mudanças, seja por
questões financeiras e/ou por outros fatores, assim, a pessoa idosa poderá não ter muitas memórias
relacionadas ao bairro que reside atualmente, mas sobre outro local onde residiu durante muitos anos.
67

Através da memória experiência de vida, é possível ensinar e aprender, pois “O idoso


revê posições, reformula atitudes, repara seus erros. Está em constante trabalho da memória.”
(WHITAKER, 2010, p. 186), poderá com suas experiências contribuir com o processo de
aprendizagem dos jovens, porque até mesmo os erros podem ensinar e dar lição para que não
sejam repetidos, e é com experiências que deram certas que a sociedade pode evoluir.
Entendemos ainda que “O velho é depositário de uma experiência e de um saber único
e exclusivo dado pelos anos vividos. A memória é um bem valioso que, assim como a
história, deve ser transmitida às gerações mais jovens [...].” (DEBERT, 1999, p. 100-101),
pois só dessa forma será possível que

A memória revive a partir do momento em que é compartilhada, todavia


gerações mais jovens, em geral, não dão importância aos ensinamentos e
conselhos das pessoas de mais idade, pois momentos de partilhas foram e
são suprimidos. Quando as experiências não são valorizadas e sequer
ouvidas, paira o silencio, e acabam por ser enterradas muitas histórias de
vida que poderiam confluir para a melhoria da humanidade.
(POLTRONIERI, 2014, p. 160).

Através da memória, a pessoa idosa poderá transmitir e socializar seus conhecimentos


com as pessoas da comunidade e com seus familiares, pois

Todo indivíduo nasce num grupo de pessoas que já existiam antes dele. E
não é só: todo individuo constitui-se de tal maneira, por natureza, que
precisa de outras pessoas que existam antes dele para poder crescer. Uma das
condições fundamentais da existência humana é a presença simultânea de
diversas pessoas inter-relacionadas [...]. (ELIAS, 1994, p. 26-27).

Esta teoria da interdependência mostra que nenhum ser humano vive sozinho, ele
necessita de outros para desenvolver-se e viver, ao nascer precisa de alguém que cuide, que o
alimente, que lhe ensine os primeiros passos, as primeiras palavras, as normas e regras
sociais, este processo continua na fase da velhice, uma vez que a pessoa idosa necessita das
demais gerações e vice-versa.
Sobre este aspecto da interdependência, da necessidade que o ser humano possui do
outro, pode-se associar a memória individual e coletiva, que Halbwachs (1990) faz uma
distinção da memória interna, pessoal ou autobiográfica e a memória exterior, social ou
histórica, a primeira se apropria da segunda, uma vez que as histórias de vida dos homens
fazem parte da história geral, a segunda é bem mais ampla e a primeira mais densa e contínua.
Assim, o ser humano começa a construir sua história pessoal sempre a partir da história
coletiva, desta forma, para construir a sua memória individual, ele depende da memória
68

coletiva, e esta, por sua vez, depende das relações sociais estabelecidas, é um processo
contínuo de interdependência.
Ferreira (1998) afirma que algumas pessoas idosas, sujeitos de sua pesquisa,
afirmaram que estavam surpresas ao poder falar de suas vidas a alguém mais jovem sem
preocupar-se em serem vistas como caducas, porquanto o silêncio é uma estratégia para não
serem discriminadas, pois o fato de relembrar pode ser visto como falta de sintonia com o
presente, ou seja, se a pessoa idosa relembra, é porque não acompanha as mudanças sociais e
não se adapta com a realidade atual, de tal modo, para evitar essa discriminação, elas podem
preferir o silêncio, não por terem esquecido sua história, mas para manter sua identidade.
As pessoas idosas, muitas vezes, são silenciadas, invisíveis e esquecidas, vistas como
serem a-históricos, pois desconsiderar e não valorizar suas memórias relacionadas a vários
aspectos da vida social é também desconsiderar que o ser humano é histórico, social e
cultural. E que em cada época vivenciou experiências diferentes, que contribuíram para seu
crescimento individual e social.
O fato das pessoas idosas relembrar não significa que elas sejam obsoletas e que não
tenham acompanhando as transformações sociais e tecnológicas, mas que elas possuem
conhecimentos de uma época, de um lugar, de uma cidade, de um bairro, de uma família,
brincadeiras de sua infância, de conquistas sociais que vivenciou e/ou participou, e que
através do trabalho formal ou informal contribuiu para o desenvolvimento econômico e social
do país. O ato de rememorar significa que a pessoa idosa possui conhecimentos que não estão
em livros, em arquivos, mas na sua memória, pois é um ator social que experimentou uma
vida com seus limites e suas possibilidades. Uma pessoa idosa, por exemplo, que tenha
participado do movimento de aposentados e pensionistas, pela luta do direito à aposentadoria,
contribuiu com a conquista de um direito para a classe trabalhadora, e outra pessoa idosa que
tenha trabalhado informalmente na agricultura de subsistência, ambas possuem contribuições
para a sociedade e conhecimentos relacionados ao trabalho que desenvolveram, ambas
possuem importância e devem ser valorizadas por possuírem memórias e saberes adquiridos
nas suas vivências, cada uma de acordo com suas trajetórias e condições de vida.
A pessoa idosa possui uma identidade social construída durante toda a sua trajetória de
vida, costumes de sua época, educação familiar, modos de vida, pois “É no mundo do vivido
que as identidades se constroem e se afirmam e é do passado que os velhos se nutrem.”
(FERREIRA, 1998, p. 211). Na velhice, a reflexão sobre o passado se torna mais constante,
pois devido às mudanças nos papéis sociais, poderá dispor de mais tempo para contemplar o
passado, mas é sempre a partir do presente que é possível relembrar esse passado, sendo
69

necessário estímulo e interesse de outras pessoas sobre as experiências que as pessoas idosas
possuem através das suas memórias, e na falta de oportunidades, corre-se o risco de serem
desconsideradas e nunca conhecidas pelas gerações mais jovens.
Portanto, analisando a memória e a experiência de vida como fonte de conhecimento,
dialogamos com autores significativos e críticos da temática, e vimos a importância da
memória e a experiência de vida da pessoa idosa como um valor social. O quanto é importante
à sociedade ser sensibilizada do valor da memória das pessoas idosas, pois é intermediaria da
cultura, um instrumento de transmissão de conhecimento. A valorização deste segmento
poderá trazer uma contribuição na troca intergeracional. A memória da pessoa mais velha
relacionada à comunidade, por meio da história oral, narrando as mudanças, transformações
ocorridas no bairro, poderá proporcionar aos mais jovens conhecer e compreender as
mudanças, os acontecimentos políticos e sociais daquela comunidade.
Resgatar as memórias e experiências de vida das pessoas idosas é uma forma de
enfrentar a ideologia dominante que busca difundir a ideia que há uma homogeneidade nesse
segmento etário, escamoteando a velhice trágica vivenciada pela classe que foi explorada pelo
capital ao vender seu único bem: sua força de trabalho (no mercado formal ou informal), e
que na velhice passa a ter suas memórias silenciadas e esquecidas, sendo esta uma forma
desenvolvida pelo capital, de camuflar as condições objetivas de vida dessa classe.
Entretanto, na atual conjuntura política e econômica, é preciso fazer uma leitura crítica
para compreender a realidade, pois a sociedade é dinâmica, e convive com o inverso e com
oposto (KOSIK, 1976). A mídia antidemocrática e os aspectos ideológicos de reprodução dos
interesses das classes dominantes passam uma imagem de pseudovalorização da pessoa idosa,
“[...] que ascende à condição de consumidor manipulado de mercadorias, bens e serviços,
posto que o fim da produção é a valorização do capital, e não a satisfações de necessidades
humanos-societais.” (TEIXEIRA, 2008a, p. 34). Ou ainda a imagem negativa, de uma pessoa
que não produz mais, portanto inútil na ótica do capital.
Procurando ainda mapear nosso objeto de estudo, ou seja, a valorização social da
pessoa idosa, através do significado de suas experiências e sabedorias, advinda da memória,
iremos analisar historicamente as transformações e reconfigurações da instituição familiar e
suas consequências na relação família-pessoa idosa, e o rebatimento na valorização social
deste segmento.
70

2.2 As transformações e reconfigurações da instituição familiar e suas consequências e


rebatimento na relação família-pessoa idosa

Assim, contextualizando historicamente a instituição familiar, numa perspectiva crítica


dialética, as famílias estão atravessando uma série de mudanças significativas na sua
estrutura, composição, nas suas funções e nos papéis atribuídos aos seus membros. Tais
transformações sofrem influências da sociedade, da cultura e do período histórico, e vice-
versa. Essas questões têm rebatimento nas relações estabelecidas entre seus membros, neste
tópico será discutida a relação dos demais componentes da família com a pessoa idosa.
Na sociedade contemporânea, coexistem vários modelos de família, sendo que um
deles é visto como ideal pelos mais conservadores, assim, a família

[...] (1) tem sua origem no casamento; (2) é constituído pelo marido, pela
esposa e pelos filhos provenientes de sua união; e (3) os membros da família
estão unidos entre si por (a) laços legais, (b) direitos e obrigações
econômicas e religiosas ou de outra espécie, (c) um entrelaçamento definido
de direitos e proibições sexuais, e uma quantidade variada e diversificada de
sentimentos psicológicos, tais como amor, afeto, respeito, medo e outros.
(LÉVI-STRAUSS, 1956, p. 34 apud OLIVEIRA, 2009, p. 26).

Este é um modelo de família nuclear, mais tradicional, embora a realidade mostre


diversificados arranjos familiares, que estão conquistando reconhecimento da sociedade,
inclusive nas legislações, embora exista resistência por alguns mais conservadores. No que se
refere aos novos modelos de famílias Kaslow (2001, p. 37 apud SZYMANSKI, 2002, p. 10),
cita nove tipos de composição familiar, são elas,

1-família nuclear, incluindo duas gerações, com filhos biológicos;


2- famílias extensas, incluindo três ou quatro gerações;
3- famílias adotivas temporárias,
4-famílias adotivas, que podem ser bi-raciais ou multiculturais;
5-casais;
6-famílias monoparentais, chefiadas por pai ou mãe;
7-casais homossexuais, com ou sem crianças;
8- famílias reconstituídas depois do divórcio;
9-várias pessoas vivendo juntas, sem laços legais, mas com forte
compromisso mútuo.

Estas são as novas estruturas que formam as famílias na contemporaneidade e


expressam a realidade e a diversidade de arranjos, além de revelar que em uma mesma época
podem coexistir diversos modelos de famílias, pois não existe um modelo ideal de família.
71

Segundo Teixeira (2008b), trabalhos acadêmicos abordam a tese que na fase da


velhice existem os ninhos vazios, que são famílias compostas por idosos (as), que vivem
sozinhos (as) ou em casal, que não tiveram filhos, ou quando tiveram, eles não residem mais
com os pais. Ainda segundo Teixeira (2008b), com a queda na taxa de fecundidade,
crescimento da longevidade, urbanização e industrialização, os ninhos vazios estão crescendo,
embora nas famílias mais pobres isso não ocorra, sendo mais numerosas, convivendo várias
gerações, até como estratégi7j a de sobrevivência.
São notórias algumas mudanças ocorridas recentemente nas famílias, uma vez que
aquelas que contêm pessoas idosas podem estar em melhores condições econômicas, pois os
benefícios previdenciários e assistenciais que essa categoria conquistou podem contribuir ou
até mesmo ser a única fonte de renda da família, isto devido ao desemprego estrutural para
aqueles que estão em idade ativa para o trabalho, realidade que requer um apoio dos pais
desses jovens, provavelmente pessoas idosas, isto também mostra que houve uma redução de
pessoas idosas residindo em casa de parentes, como dependentes financeiros, pois eles estão
agora sendo os chefes da família (CAMARANO, 2002). Dessa maneira, estas pessoas idosas
podem continuar contribuindo com a (re)produção de suas famílias, no que se refere às
necessidades básicas de sobrevivência. Sobre isso,

O compartilhamento do mesmo espaço físico é afetado pelas condições de


vida, pois tudo passa a ser compartilhado, desde a renda, os afazeres
domésticos, o cuidado com as crianças, enfim todas as obrigações que
devem ser supridas em uma família extensa. Nessa perspectiva, há idosos
que cuidam e há aqueles que precisam de cuidados. (TEIXEIRA, 2008b,
p. 67).

As pessoas idosas quando residem no mesmo espaço que seus (suas) filhos (as) ou
outro familiar, passam a contribuir com a questão financeira, atividades domésticas e até no
cuidado com crianças e adolescentes, assim terão aquelas pessoas idosas que desenvolvem
todas as atividades básicas da vida diária9, e aquelas que necessitam de cuidados, devido às
condições de saúde.
Para Marangoni e Oliveira (2010), com o enxugamento do Estado na área social e a
necessidade daqueles que estão em idade produtiva, de trabalhar por períodos prolongados,

9
“A função é avaliada com base na capacidade de execução das atividades da vida diária (AVD), que por sua
vez se dividem em: (a) atividades básicas da vida diária – tarefas próprias do autocuidado, como alimentar-se,
vestir-se, controlar os esfíncteres, banhar-se, locomover-se, etc.; (b) atividades instrumentais da vida diária –
indicativas da capacidade para levar uma vida independente na comunidade, como realizar as tarefas
domésticas, compras, administrar as próprias medicações, manusear dinheiro, etc.; e (c) atividades avançadas
da vida diária. – marcadoras de atos mais complexos, e em grande parte, ligados à automotivação, como
trabalho, atividades de lazer, contatos sociais, exercícios físicos, etc.” (CALDAS, 2003, p. 775).
72

realidade que faz com que as famílias desenvolvam estratégias para cuidarem dos seus
membros mais jovens, assim pais e avós estão dividindo essa responsabilidade. No caso das
pessoas idosas que contribuem com atividades domésticas, estas podem muitas vezes assumir
papéis diante das crianças, que seriam dos pais, ficando sobrecarregadas e até sem tempo para
cuidarem de si. A convivência entre diferentes gerações favorece o respeito e a valorização
entre ambas, além de proporcionar uma troca de conhecimentos. Mas, responsabilizar
totalmente a pessoa idosa pelo cuidado com os (as) netos (as) pode prejudicar sua qualidade de
vida, retirando dela o direito de desenvolver outras atividades que favoreçam sua saúde física e
mental, pois podem ficar sem tempo para realizar atividades de cuidados pessoais.
Assim, tal processo pode ter dois lados contraditórios, uma vez que se não houver
equilíbrio na divisão dessas tarefas e funções dos membros da família, as pessoas idosas (no
caso avós) ficarão sobrecarregadas, por outro lado, a convivência entre as gerações poderá
proporcionar a troca de experiências e a valorização mútua.
A pessoa idosa poderia falar sobre suas experiências relacionadas à infância, as suas
brincadeiras, os costumes de sua época, como foi sua adolescência, seu trabalho, um pouco da
história da família, dos seus antecedentes, da história da cidade onde cresceu e passou maior
parte de sua vida, mostrando para a geração mais jovem que o (a) idoso (a) também tem uma
história de vida, uma trajetória, pois também teve infância, adolescência, etc., para que os
jovens possam olhar além da aparência física, enxergando a pessoa idosa na sua essência,
como uma pessoa que transcorreu por diversas fases na vida, adquirindo, com isso, sabedoria
e experiência; da mesma forma que o jovem pode contar sobre seu modo de viver e de ver o
mundo, o que também poderá proporcionar a convivência com respeito entre ambos.
Como foi mostrado acima, também existem pessoas idosas que necessitam de
cuidados, e sobre a dependência ou independência da pessoa idosa, Jede e Spuldaro (2009)
afirmam que idosos que cultivam autodeterminação, sem necessitar de ajuda ou
acompanhamento para realizar as atividades diárias, é avaliado como saudável, mesmo que
apresente uma ou mais doenças crônicas, neste caso ele mantém a capacidade funcional para
uma vida independente e autônoma. Caldas (2003, p. 775) afirma que “A dependência se
traduz por uma ajuda indispensável para a realização dos atos elementares da vida [...].”
Jede e Spuldaro (2009, p. 416) asseveram que “Quando o idoso se torna dependente,
as alterações são inevitáveis e envolvem afeto, finanças, relações de poder e outras,
desenvolvendo um processo de reorganização familiar.” É um processo de mudanças e
readaptações tanto da pessoa idosa dependente, quanto da família.
73

Segundo Teixeira (2008b), as transformações geradas pelo sistema capitalista e os


problemas sociais surgidos com seu desenvolvimento derrubaram e tornaram sem efetividade
as solidariedades de parentesco, assistência e ajuda mútua, e as lutas sociais trouxeram para
cena pública problemas antes do domínio privado, exigindo agora a intervenção estatal,
inclusive na reprodução da classe trabalhadora e de sua família. Mas na contemporaneidade,
após a crise do sistema capitalista da década de 1970, e com a política neoliberal, o Estado
sofre um encolhimento, assim no tocante as respostas as questões da área social é realizado
um apelo pela responsabilização da família e da sociedade civil, para dar conta de atender às
demandas e necessidades dos membros que compõem a família.
Segundo Goldani (1994), uma das explicações mais comuns sobre as mudanças nas
estruturas familiares é a presença das mulheres em espaços públicos, discussões sobre
feminismo, trabalho, desigualdade e direito da mulher, que teve na década de 1980 uma
discussão mais ampla, com a luta pela busca de direitos e cidadania, e que teve com a
Promulgação da Constituição Federal de 1988 uma série de direitos garantidos
constitucionalmente.
Ainda segundo Goldani (1994), nos países ricos, o aumento de famílias chefiadas por
mulheres se deu devido à modernização, industrialização e um leque de opções, já nos países
pobres foi devido às precárias condições de vida, que gera instabilidade nas relações pessoais
e familiares. Sobre as mudanças, a autora destacou: as demográficas, as elevadas taxas de
separação e divórcios, maior expectativa de vida para mulheres, gerando maior número de
viúvas, crescimento de mulheres solteiras com filhos, ingresso das mulheres no mercado de
trabalho, aumento da educação, diminuição da fecundidade, desigualdades de renda, raciais e
regionais. Segundo Oliveira (2009, p. 75),

Diante dessas transformações, várias questões precisam ser melhor


refletidas. Apesar de todos os avanços familiares, a desvalorização do
trabalho da mulher ainda ocorre nitidamente, principalmente entre as pessoas
que não possuem acesso às políticas públicas, à escola e às condições dignas
de sobrevivência, fatos estes que propiciam à mulher a má remuneração por
sua mão de obra.

Conforme explicitado, transformações vêm ocorrendo, mas a mulher ainda enfrenta


grandes desafios, pois a sociedade possui seus traços de uma cultura machista, desta forma
“Desvalorizada no mercado de trabalho, ao chegar em casa, a mulher continua esse processo,
a dupla ou a tripla jornada de trabalho pode ocasionar um desgaste à mulher, que não tem seu
potencial de dona de casa, esposa, mãe e profissional reconhecidos.” (OLIVEIRA, 2009,
74

p. 75). A mulher ainda é a principal responsável também pela reprodução da força de


trabalho.
A mulher sempre teve um papel essencial, pois sempre foi a principal responsável
pelos afazeres domésticos, e apesar de estar conquistando direitos, ela continua realizando tais
atividades, impostas por uma ideologia machista, que é incorporada de forma consciente ou
inconsciente e até como forma de evitar conflitos (OLIVEIRA, 2009).
No artigo sobre feminização da velhice, Salgado (2009) aborda questões enfrentadas
pela mulher idosa. As pessoas idosas, de forma geral, podem sofrer com a gerofobia, que são
preconceitos e estereótipos baseados na idade (BUTLER; LEWIS; SUDERLAND, 1991 apud
SALGADO, 2002). No que se refere às mulheres, a discriminação é dupla, pois “[...] a mulher
idosa é particularmente desvalorizada, não só por ser velha, mas também por ser mulher.”
(SALGADO, 2002, p. 13).
Outro aspecto citado por Salgado (2009, p. 14) é a pobreza e a solidão que as mulheres
velhas podem enfrentar, pois elas possuem maiores chances de ficarem sem seus
companheiros na velhice, além de

[...] não se dar compensação, reconhecimento ou direito à aposentadoria a


mulheres cujo trabalho tenha sido primordialmente doméstico; devido à
discriminação sexual, as mulheres ganham menos e, por esta razão, as
aposentadorias são mais baixas; caso decidam voltar a trabalhar, não são
admitidas por falta de experiência recente ou pela idade; muitas não têm
direito à pensão de seus maridos por serem muito jovens.

Ainda conforme Salgado (2009), na velhice, a mulher enfrenta perdas e mudanças que
podem ser físicas, relacionadas a doenças, emocionais e de mudanças de papéis sociais,
quando os filhos saem de casa, perdas com o divórcio ou a viuvez, a necessidade de torna-se
cuidadora dos pais, assim também como a possibilidade de conviver mais com os netos, o que
pode proporcionar ganhos para ambas as gerações. Mas o autor também cita o lado positivo
de ser mulher e ser idosa, pois de forma contraditória, essa fase da vida pode trazer perdas,
mas também ganhos, assim “Quando os filhos saem de casa, são mais hábeis em combinar as
tarefas familiares com o trabalho, a recreação e a participação em atividades comunitárias.”
(SALGADO, 2009, p. 16).
A Constituição Federal de 1988, como resultado de lutas, trouxe no seu texto
constitucional artigos que garantem os direitos das mulheres, e as transformações no esfera
familiar, respondendo às demandas e lutas sociais e acompanhando as mudanças societárias,
exemplos podem ser vistos no Título I dos princípios fundamentais Art. 3º “IV-promover o
75

bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação”, no Título II, Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, Art.
5º “I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição”; no capítulo VII da família, da criança, do adolescente, do jovem e do idoso,
Art. 226 que aborda sobre a família formada por qualquer um dos pais e seus descendentes,
etc., são apenas alguns exemplos que mostram como a família vem mudando, deixando de ser
apenas entendida como a unidade do casal e seus descendentes (BRASIL, 1988).
A PNAS de 2004 (BRASIL, 2005, p. 41) também trouxe esse entendimento sobre
família que extrapola os conceitos tradicionais, e assegura que “[...] podemos dizer que
estamos diante de uma família quando encontramos um conjunto de pessoas que se acham
unidas por laços consanguíneos, afetivos, e, ou, de solidariedade.” No que se refere às funções
exercidas pela família, são históricas e depende do contexto socioeconômico.

Na sociedade capitalista, essas funções vão desde a reprodução biológica,


material, à reprodução social de seus membros, como a manutenção da
estrutura familiar e da sociedade, além de ser também o lócus da estrutura
psíquica do indivíduo, como espaço de geração de afeto, cuidado, segurança,
sentimento de pertença, de grupo, espaço de solidariedade primária. Pode-se
dizer também que se trata de um espaço da reprodução da hierarquia, de
autoridade, de dominação pela idade e sexo; logo, espaço de conflitos e
relações de forças, de luta pelo poder. (TEIXEIRA, 2008b, p. 63-64).

Entendemos que a família é o local de desenvolvimento do ser humano, de amor e


afeto, mas também de conflitos, pois não existe uma família perfeita, que não tenha passado
por algum momento de dificuldades, que pode ser financeira, de doença, de relacionamento
entre seus membros, entre outros. Tais situações podem ser resolvidas no âmbito privado, mas
também podem requerer a intervenção estatal através das suas políticas públicas. O que não
significa que a família seja incapaz de gerir seus problemas, mas pelo contrário, se ela tiver a
contribuição e apoio das políticas sociais, ela poderá desenvolver-se, proporcionando o
desenvolvimento de todos os seus membros.
A família assume historicamente o papel de reprodução biológica, através da
procriação, além disso, também lhe é imposta a função de reprodução material dos seus
membros, o que acaba contribuindo para a manutenção da força de trabalho. A família
também é lugar de hierarquia, de poder, em que a lógica estabelecida culturalmente é o
homem ser o chefe, embora como já discutido aqui, devido às mudanças que a família vem
passando, existem mulheres sendo chefe das famílias. Mas independentemente de ser o
homem ou a mulher ou até ambos exercendo o poder de chefia, de responsável pela família,
76

sempre são os pais que cuidam e são a autoridade diante dos filhos, realidade que pode mudar
quando estes filhos crescem e esses pais entram na fase da velhice. Neste cenário, as relações
podem mudar e ocorrer a perda de poder dos pais, mudanças que ocorrem nas relações
intrafamiliares.
As funções destinadas a cada membro da família podem variar e receber influências de
gênero, uma vez que historicamente é imposto à mulher atividades como cuidado com os
filhos e ao homem o sustento da família, embora a mulher também venha conquistando seu
espaço no mercado de trabalho e no espaço público, a ela ainda é incumbido o cuidado com
os filhos. As meninas ainda são educadas para se comportarem de forma feminina, assim
como ao menino é cobrado modos de comportamentos masculinos. Assim, “A categoria
gênero incorpora atributos e funções - socialmente construídos - que configuram diferenças e
inter-relações entre os sexos, que vão além do biológico.” (FERNANDES, 2009, p. 706), a
sociedade cria papéis e atitudes diferenciadas para o homem e para a mulher, e as impõe como
se fossem naturais.
A própria Constituição Federal de 1988 assegura no seu Art. 229: “Os pais têm o
dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e
amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.” (BRASIL, 1988), ou seja, é evocada
em primeiro lugar a responsabilidade da família para cuidar das suas pessoas idosas. Mas o
Estado e a sociedade também são chamados a protegê-las, isto pode ser observado no seu Art.
230 “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas,
assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e
garantindo-lhes o direito à vida.” (BRASIL, 1988).
Diante de todas as transformações que as famílias vêm atravessando, principalmente
aquelas que apresentam maior vulnerabilidade social, podem necessitar de intervenção para
desenvolver a função de cuidar de seus membros, pois,

Independentemente de alterações e mudanças substantivas na composição e


nos arranjos familiares, a família é um forte agente de proteção de seus
membros: idoso, doente crônico, dependentes, crianças, jovens,
desempregados. Não podemos, porém, exaurir esse potencial protetivo sem
lhe ofertar um forte apoio. Há aqui uma mão dupla a ser garantida.
(CARVALHO, 2010, p. 274).

Percebemos que a família pode apresentar momentos de dificuldades, conflitos, mas


também potencialidades, que precisam ser identificadas e trabalhadas para que possam
77

desenvolver-se e poder continuar cumprindo suas funções. Assim, ela não pode ser
responsabilizada sozinha, mas precisa que seus direitos sejam efetivados pelo Estado.
Com todas as alterações da instituição familiar, a relação entre seus membros também
são afetadas, e no que se refere à relação da família com as pessoas idosas, com a saída da
mulher para o mercado de trabalho, ela que historicamente assumiu a função de cuidadora, as
famílias podem passar a ter uma menor disponibilidade para convivência entre seus membros,
além da institucionalização, que ocorre quando as pessoas idosas não contam com uma rede
de apoio ou quando a família não dispõe de tempo para cuidar ou até de conviver e dar
atenção.
A situação pode piorar quando a pessoa idosa torna-se dependente e necessita de
cuidado, o que pode mexer com a dinâmica familiar, como já comentado acima. O processo
de dependência do (a) idoso (a) pode acarretar também conflitos familiares.
Para Alcântara (2004), os novos arranjos familiares trazem também novos desafios,
pois devido à redução no número de membros, além da sociedade moderna ser movida pelo
trabalho, falta tempo para convivência com os velhos, assim, envelhecer junto com a família é
um desafio nessa sociedade.
Concluímos que a família vem se transformando e atualmente coexistem diversos
modelos, assim a relação estabelecida entre pessoa idosa e os demais membros também vem
se transformando, pois com o crescimento da expectativa de vida, são estabelecidas novas
funções para pessoa idosa, e aquelas que convivem com familiares exige-se desde a
contribuição financeira, até os cuidados domésticos, além de cuidados com crianças e
adolescentes; outra mudança é à saída da pessoa idosa do espaço doméstico para espaços
públicos, pois estão participando de serviços ofertados para este público, além de se
organizarem em associações, confederações, conselhos dos direitos da pessoa idosa para
reivindicar o atendimento as suas demandas.
Outra realidade é pessoas idosas vivendo sozinhas, mantendo contato e/ou apoio dos
familiares, assim como aquelas que não possuem familiares ou não possuem vínculos. Há
também as que se tornam dependentes e demanda cuidados, acarretando profundas mudanças
na família e aquelas que não possuem família e podem ir residir em Instituição de Longa
Permanência para Idosos (as) (ILPI).
Portanto, podemos inferir que todas as transformações ocorridas na instituição familiar
interferem na relação família e pessoa idosa, e rebate na valorização social deste segmento,
pois a forma como a família e a sociedade tratam e enxergam a velhice irá mostrar se há
valorização ou desvalorização. Destarte, é através das ações realizadas pela família e pela
78

sociedade que poderá ser identificado se ambas valorizam as pessoas idosas. Assim, outro
aspecto importante, para melhor conhecer e analisar o objeto de estudo desta investigação,
refere-se a intergeracionalidade no tempo do capital e a valorização social entre as gerações,
assunto do próximo item.

2.3 A intergeracionalidade no tempo do capital: valorização ou desvalorização social


entre as gerações

Para compreender como o homem se relaciona com o outro na contemporaneidade


numa perspectiva de totalidade, é necessário entender que nesta sociedade, onde reina o modo
de produção capitalista, tem como único objetivo valorizar o próprio capital para obter cada
vez mais lucro e se expandir, de tal modo, "[...] em poucas palavras: as relações sociais dos
produtores aparecem como se fossem relações entre as mercadorias, como se fossem relações
entre coisas [...].” (PAULO NETTO; BRAZ, 2012, p. 105, grifo do autor), e o próprio capital
não tem interesse em satisfazer necessidades humanas, mas apenas de autovalorizar-se, neste
cenário, a pessoa relaciona-se com a outra como se essa outra fosse uma coisa, um objeto,
fragilizando os vínculos e enaltecendo o individualismo. Desta forma,

A essa forma fantasmagórica, a esse poder autônomo que as mercadorias


parecem ter efetivamente exercem em face dos seus produtores, Marx
chamou de fetichismo da mercadoria. É no modo de produção que
universaliza a lógica mercantil – isto é, no modo de produção capitalista –
que o fetichismo alcança a sua máxima gradação: nas sociedades em que
esse modo de produção impera, as relações sociais tomam a aparência de
relações entre coisas. (PAULO NETTO; BRAZ, 2012, p. 105, grifo do
autor).

O ser humano não passa de um objeto que “serve” apenas enquanto tiver forças para
produzir mercadorias, e com a chegada da velhice e suas forças físicas sendo cessadas, ele
deixa de ser “útil” para o capital e é “descartado”, sem considerar suas contribuições para o
próprio desenvolvimento de tal sociedade, pois a grande maioria dedicou toda sua juventude
ao trabalho, pois necessitava sobreviver e se (re) produzir enquanto ser humano.
Além disso, na sociedade do capital, os espaços de encontro entre as gerações são
raros, pois o crescimento da urbanização e a forma de organização social não favorecem a
criação e o fortalecimento de laços e de vínculos afetivos, pelo contrário, estimula o
individualismo, a competição, o consumismo, que contribuem ainda mais para distanciar as
pessoas, principalmente com o crescimento urbano, o relacionamento entre amigos, parentes e
79

vizinhos fica escasso, o que diminui as relações de ajuda e a cooperação entre as pessoas
(GERÊNCIA DE ESTUDOS E PROGRAMAS DA TERCEIRA IDADE DO SESC SÃO
PAULO, 2013). Soma-se a isso, segundo Ferrigno (2011), o comportamento que a sociedade
impõe para pessoas de determinadas faixas etárias, a mercantilização das relações sociais, a
exacerbação da juventude, e o desprezo pelas tradições culturais, que expressa a ideologia
capitalista, tudo isto contribui para afastar velhos e jovens, desta forma,

Consequentemente, temos um distanciamento emocional e mesmo uma


compartimentalização geográfica das faixas de idade, uma segregação
geracional em espaços exclusivos. Crianças no espaço escolar, jovens com
suas “tribos” em seus pontos de encontro, adultos com seus pares no trabalho
e idosos em grupos de convivência e associações assemelhadas para a prática
do lazer. Mesmo na família, onde a proximidade física é inevitável, o
diálogo entre pais e filhos e avós e netos é parco, empobrecido ou até
inexistente. (FERRIGNO, 2011, p. 78).

Esse distanciamento é consequência das normas e regras impostas pela sociedade do


capital, que estabelece modos de comportamento para pessoas, contribuindo para segregação
entre as diferentes gerações. Kessel (2004) também escreveu acerca dessa divisão de espaços,
afirmando que “numa sociedade em que a experiência dos mais velhos não tem valor, e é
difícil que seja comunicada, cresce o fosso entre as gerações: elas vivem separadas, cada qual
reunida em torno de atividades destinadas à idade: a escola, o trabalho, o lazer, o asilo” (p.55).
Há uma separação entre as pessoas, estabelecida por idade, sexo e outros fatores, que só
contribuem para o preconceito e discriminação, muitas vezes gerados pela falta de
convivência com o diferente.
Uma pesquisa realizada por Marangoni e Oliveira (2009) identificou que um dos
motivos de conflitos intergeracionais na relação de avós e netos é a diferença de valores entre
ambos, sendo que os avós sempre se remetem aos costumes de sua época de juventude, e os
netos sobrevalorizam a sua juventude que faz parte do modo de viver do tempo atual,
estabelece-se então uma relação que falta compreensão de ambas as partes, podendo gerar
conflitos e até distanciamento.
Assim, é preciso de “[...] projetos e programas que visem promover espaços
construtivos e saudáveis de interações entre jovens e velhos, para que ambos os grupos
possam estabelecer novos vínculos intergeracionais, marcados pela experiência de alteridade,
respeito e inclusão.” (MARANGONI; OLIVEIRA, 2009, p. 48).
Na velhice, as pessoas idosas sempre estiveram presas ao ambiente doméstico, local
onde elas deveriam passar o resto dos seus dias de vida, mas algumas mudanças vêm
80

ocorrendo e novos espaços estão sendo conquistados por esse segmento, eles participam de
associações, clubes, centros de convivência, SCFV, Universidades Abertas a Terceira Idade
(UNATI), COBAP, Conselhos da pessoa idosa, entre outros espaços que podem proporcionar
lazer, socialização, desenvolvimento de habilidades e potencialidades, lutas e conquistas de
direitos sociais. Desta forma, a velhice passa a ser vista sobre outra perspectiva, pois as
pessoas idosas são protagonistas na luta por direitos, não sendo passivas à espera de políticas
sociais por parte do Estado, mas ativas tanto no que se refere às lutas, quanto em relação à
participação em espaços que extrapolam o ambiente doméstico, buscando novas amizades e
novos objetivos para continuar vivendo.
Mas são necessários espaços que proporcionem o encontro das gerações mais velhas
com as mais jovens, um exemplo seria a escola poder receber a pessoa idosa e os serviços
destinados às pessoas idosas poder receber os jovens.
Diante deste cenário, fica explícito que há possibilidades de aproximação, de vivência
e de compartilhamento entre as diversas gerações. O SESC, por exemplo, que foi o pioneiro
no Brasil a desenvolver trabalho com pessoas idosas, e em 2003 criou o programa SESC
Gerações, “[...] objetivando integrar crianças, jovens e adultos, estimulando suas relações em
um clima de solidariedade entre as pessoas de diferentes faixas etárias.” (GERÊNCIA DE
ESTUDOS E PROGRAMAS DA TERCEIRA IDADE DO SESC SÃO PAULO, 2013, p. 6).
Ainda segundo esta Gerência de Estudos e Programas da Terceira Idade do SESC São
Paulo (2013), esta não foi a primeira experiência com trabalho intergeracional, pois em 1977
foram criadas oficinas nas quais os idosos desenvolviam suas habilidades e na semana da
criança esses idosos foram convidados a assumir essas oficinas e ensinar as crianças a
confeccionar brinquedos artesanais, e como resultado,

Esse processo repercutiu no sentimento de valorização dos idosos ao se


darem conta do quanto têm a ensinar às novas gerações. Também puderam
recuperar suas experiências de infância, o que, de acordo com especialistas,
é uma forma que lhes permitem compreender melhor sua própria história,
dando a ela um sentido. (GERÊNCIA DE ESTUDOS E PROGRAMAS DA
TERCEIRA IDADE DO SESC SÃO PAULO, 2013, p. 6).

Assim, acreditamos que a população idosa seja importante nesse processo, mas não
desconsideramos o conhecimento das gerações mais jovens, pois busca-se a troca de
conhecimentos entre ambos, visto que só assim poderá haver a intergeracionalidade. Para
Ferrigno (2011), outra questão que contribui para o afastamento das relações entre as gerações
seria a existência do preconceito tanto do jovem com relação à pessoa idosa, mas também
81

pode ocorrer o inverso, a isto o autor dá o nome de “preconceito etário”. Mas também existem
pessoas idosas que valorizam o contato com jovens, assim como jovens que valorizam o
contato com pessoas idosas. Um estudo desenvolvido por Gvozd e Dellaroza (2012, p. 298),
que teve como objetivo analisar a percepção de estudantes da 6ª série de uma escola pública
do norte do Paraná sobre a velhice, os sujeitos pesquisados tinham de 11 a 16 anos de idade,
sobre os resultados, estes mostraram que

Oitenta e sete participantes afirmaram já ter convivido com pessoas idosas.


Destes, 77 (88,5%) consideraram esse convívio positivo e 10 (11,5%)
avaliaram de forma indiferente. Nenhum considerou a qualidade do convívio
com a pessoa idosa como negativa; 69,9% referiram já ter pensado em seu
envelhecimento.

Tais resultados mostram que pode haver uma visão positiva dos jovens com relação às
pessoas idosas, mas as autoras do referido estudo ressaltaram que os adolescentes tiveram
atividades relacionadas com o tema envelhecimento, e que isto pode ter contribuído com suas
respostas, o que mostra a importância da instituição escolar em estar desenvolvendo
atividades que envolvam a questão do envelhecimento. Diante do exposto, fica claro que não
se pode afirmar que há apenas afastamento e preconceito entre as gerações, pois o inverso
também ocorre, desta forma fica claro que “[...] a cotidianidade é o mundo fenomênico em
que a realidade se manifesta de um certo modo e ao mesmo tempo se esconde.” (KOSIK,
1976, p. 72). A sociedade é dinâmica, convive com o inverso e com o oposto, assim é
necessário realizar uma leitura crítica para compreender a realidade, pois não é correto
afirmar que as pessoas idosas são menosprezadas pelos jovens, pois existem jovens, mesmo
que seja a minoria, que valorizam as pessoas idosas presentes na sociedade. É necessário
enxergar essa contradição.
Segundo Soares e José Filho (2012), no ano de 2008, uma pesquisa foi realizada na
cidade de Franca, pela prefeitura municipal e pela Universidade Aberta a Terceira Idade
(UNATI) da (UNESP-Franca), em parceria com o Conselho Municipal do idoso de Franca
(COMUTI), e como resultado foi detectado a desvalorização social do segmento idoso. Então,
a UNATI ficou responsável pelo projeto “Valorização Social do Idoso”, e em parceria com o
COMUTI, buscaram desenvolver uma política de valorização deste segmento etário,
procurando intervir em questões relacionadas aos

[...] atritos nos relacionamentos entre idosos e seus familiares, bem como em
sua convivência com outros grupos sociais, o Comuti definiu como uma das
primeiras ações desta política municipal, estabelecer parceria com a área da
82

Educação, visando introduzir nas classes de ensino formal (Ensino


fundamental, ensino médio), oportunidade para debates, estudos e diferentes
formas de abordagens das questões ligadas à velhice, envelhecimento e às
pessoas idosas. (SOARES; JOSÉ FILHO, 2012, p. 15-16).

Ainda em consonância com os autores, o projeto buscou trabalhar a temática do


envelhecimento, abordando sobre os aspectos “[...] idoso e a nova geração e o idoso e a
sociedade [...].” (SOARES; JOSÉ FILHO, 2012, p. 16), o trabalho colocou em prática o que o
Estatuto do Idoso no seu Art. 3º parágrafo único institui que o “VII – estabelecimento de
mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os
aspectos biopsicossociais de envelhecimento.” (BRASIL, 2003). Desta forma, a população
poderá conhecer como ocorre o processo de envelhecimento, e a aproximação das gerações,
pois trabalhar está temática numa instituição escolar contribui para formação de cidadãos
sensibilizados sobre a importância da pessoa idosa na sociedade, o que poderá também
colaborar para conscientização das gerações para a convivência com respeito e valorização
entre ambas. Ressaltamos que as crianças e adolescentes, levando para casa as discussões
travadas no âmbito escolar, poderão atuar como multiplicadores, levando esta discussão para
suas famílias.
Segundo Whitaker (2010), as escolas poderiam desenvolver projetos para coletar
histórias de vida para compor arquivos, o que poderia beneficiar os alunos, enriquecendo seu
capital cultural e crescer a autoestima do (a) entrevistado (a). Este processo poderá beneficiar,
ainda, em relação aos vínculos entre as gerações, devido a aproximação, além da troca de
conhecimento, pois poderá haver essa troca entre ambos. Tais projetos com memória podem
ser sobre a história do bairro, da cidade, da família, do trabalho, das brincadeiras de uma
época, os acontecimentos políticos e históricos que a pessoa tenha vivenciado, como já
discutido ao longo deste trabalho.
Ainda no Estatuto do idoso no Capítulo da Educação, Cultura, Esporte e Lazer, é
garantido que Art. 22 “Nos currículos mínimos dos diversos níveis de ensino formal serão
inseridos conteúdos voltados ao processo de envelhecimento, ao respeito e à valorização do
idoso, de forma a eliminar o preconceito e a produzir conhecimentos sobre a matéria.” Sobre
isto, a Política Nacional do Idoso (PNI) (Lei nº 8.842/1994) no seu Art. 4º que constituem
diretrizes da PNI “I- Viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio
do idoso, que proporcionem sua integração às demais gerações.” (BRASIL, 1994). A
legislação garante o direito tanto da população idosa em ser valorização pela sociedade, assim
83

como garante que esta sociedade também seja preparada para conviver e valorizar suas
pessoas idosas.
A sociedade necessita de ações como as mencionadas acima para despertar seu
interesse sobre como estão tratando suas pessoas idosas e refletir sobre suas ações e a
importância dada a elas numa realidade tão individualizada e competitiva. Projetos que
tenham como objetivo aproximar as gerações e mostrar a importância de cada uma para a
construção da história da própria sociedade precisa ser desenvolvido, pois desta forma o
direito previsto nas legislações citadas poderá ser materializados e contribuir para uma maior
valorização social da pessoa idosa e com a convivência e a troca intergeracional.
Ainda no Estatuto do idoso, no seu Capítulo V da Educação, Cultura, Esporte e Lazer,
no Art. 20 “§ 2o Os idosos participarão das comemorações de caráter cívico ou cultural, para
transmissão de conhecimentos e vivências às demais gerações, no sentido da preservação da
memória e da identidade culturais.” (BRASIL, 2003), tal inciso garante que as pessoas idosas
tenham o direito de participarem de momentos de comemorações em sua cidade, seu
município, e que em tais ocasiões, seus conhecimentos sobre a cultura local possam ser
transmitidos. Mas ressaltamos que não apenas em momentos de comemorações, mas no dia-a-
dia isto também poderá ser desenvolvido. Desta forma, é necessário criar espaços para que
isto ocorra. Desta forma, Kessel (2004, p. 54) afirma que “[...] o trabalho com a memória
pode ser um instrumento importante capaz de gerar o diálogo entre crianças e idosos e
propiciar aprendizagens importantes sobre cada um e sobre a comunidade que integram.”
Assim, utiliza-se das memórias relacionadas à experiência de vida para aproximação das
gerações.
Sobre o que seria uma geração, Debert (1998, p. 60) afirma que “[...] não se refere a
pessoas que compartilham a mesma idade, mas às que vivenciaram determinados eventos que
definem trajetórias passadas e futuras.” Entende-se então que pessoas de uma mesma geração
não se limitam apenas à faixa etária, a terem nascido num mesmo período, pois a classe
social, o gênero, etnia, as oportunidades que tiveram irá contribuir também com seu grau de
conhecimento sobre determinado assunto, desta maneira,

[...] jovens que hoje têm vinte anos podem experimentar de forma diferente
acontecimentos atuais, dependendo da classe social a que pertença, do fato
de se tratar de um homem ou de uma mulher, de um branco, um negro, um
indígena, etc.; ou seja, a experiência geracional depende também de
particularidades encontradas em cada universo cultural mais específico que
atravessa as gerações. (BORGES; MAGALHÃES, 2011, p. 172).
84

Podemos citar, como exemplo, um grupo de jovens da mesma idade da classe


trabalhadora e outro grupo de jovens da classe burguesa, ou um grupo de idosos da primeira
classe e outro grupo da segunda classe, as experiências de cada grupo provavelmente terão
diferenças, mesmo tendo nascido na mesma época, pois as condições socioeconômicas têm
grande relevância na história de vida, no grau de instrução formal, nos locais frequentados por
cada indivíduo e nos assuntos de interesse de cada um. Sobre isto, Weller (2010, p. 212)
afirma que “De acordo com Mannheim, não basta haver nascido em uma mesma época [...], o
que caracteriza uma posição comum daqueles nascidos em um mesmo tempo cronológico é a
potencialidade ou possibilidade de presenciar os mesmos acontecimentos.”
As diferenças entre as gerações mudam de acordo com a dinâmica social, e segundo
Borges e Magalhães (2011), na contemporaneidade, as diferenças estão camufladas, devido à
homogeneização de valores, tendo a juventude como ideal, pois é imposto que todos
permaneçam jovens, assim os mais velhos não se identificam como tal, mas sim como jovens,
desta forma, isto pode facilitar a aproximação dos mais velhos com os jovens, assim como
pode ser prejudicial para troca intergeracional, pois negar as diferenças entre gerações de
épocas distintas é uma perda para a troca de conhecimentos e experiências entre ambas.
Segundo Debert (1998), em sociedades pré-modernas, a transmissão de tradições
estava ligadas às gerações, sendo que cada geração redescobre e revive maneiras de viver de
gerações precedentes, já nas sociedades modernas, as práticas só são repetidas se tiverem
justificativas.
Portanto, inferimos que existem possiblidades para que a intergeracionalidade e a
valorização aconteçam, a própria legislação prevê esse direito, e conforme foi discutido e
mostrado neste trabalho, algumas ações já foram desenvolvidas, mas não se pode esquecer
que dentro da sociabilidade do capital existem muitos limites e desafios para realização de tais
práticas.
CAPÍTULO 3 A VOZ DO SILÊNCIO: PERCEPÇÕES DOS (AS) VELHOS (AS)
USUÁRIOS (AS) DO SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E
FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS - SCFV SOBRE SUA
VALORIZAÇÃO SOCIAL ATRAVÉS DA MEMÓRIA E DAS
EXPERIÊNCIAS DE VIDA
86

3.1 A cidade de Franca e sua população idosa

Neste capítulo buscamos discutir de forma breve sobre a história da cidade de Franca,
para que se possa conhecer mais sobre o local onde foi realizada a pesquisa, além de mostrar
dados sobre como está o crescimento da população idosa nesse município. Em seguida,
realizamos uma breve discussão acerca da PNAS, dando ênfase para a proteção social básica;
o surgimento do CCI, e após a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais de 2009
(TNSS), a mudança para SCFV, discutido também sobre o perfil dos (as) usuários (as) do
SCFV desenvolvido no CCI Lions Sobral e a análise das falas dos (as) participantes da
pesquisa, trazendo seus resultados e, a visão da orientadora social, em seguinda, algumas
considerações finais.
Franca é uma cidade do interior de São Paulo, localizada no Nordeste do Estado, a 401
km da capital, fica próxima ao Estado de Minas Gerais, e segundo Poltronieri (2014), é
conhecida como a cidade do calçado, pois no Brasil ela se destaca na produção de calçados
para o público masculino.
Ainda segundo Poltronieri (2014, p. 98), “A formação econômica de Franca deu-se no
século XIX, caracterizada pela exploração agrária e, fundamentalmente, pelo cultivo do café.”
Essa é uma das marcas da formação da sociedade brasileira, e Franca faz parte da região que
desenvolvia esse tipo de atividade, que foi responsável pelo desenvolvimento inicial do país.
Algumas transformações foram ocorrendo ao longo do tempo e mudaram o foco da
produção no referido município, saindo da produção de café e criação de gado para produção
de calçados, isso aconteceu porque,

Com o declínio do setor cafeeiro no início do século XX, a produção de


calçados desponta como atividade capaz de absorver parte da mão de obra
excedente, que se desloca do campo para as cidades. E como é forte a
atividade pecuária na região, desponta a facilidade no fornecimento da
matéria prima necessária aos artesãos que se dedicavam a trabalhar com o
couro na confecção de selas, arreios, chinelos e sapatos, confeccionados de
forma rústica. (FARINELLI, 2003, p. 81-82).

Com a crise no setor da produção e exportação do café, nasce uma nova atividade
capaz de gerar emprego e renda para os habitantes da cidade que estava crescendo, devido ao
êxodo rural, que contribui no processo de urbanização e crescimento das cidades. Mas o
desenvolvimento de uma indústria de calçados só foi possível porque a atividade da
agropecuária permitiu o fornecimento da matéria prima essencial: o couro para fabricação de
sapatos. Assim, ainda segundo Farinelli (2003, p. 82), “[...] o desenvolvimento da indústria de
87

calçados de Franca teve esses fatores como condições favoráveis: a existência dos artesãos do
couro, o excedente da mão de obra das plantações de café e os imigrantes italianos [...].”
Assim, o setor de produção foi sendo modificado, e aos poucos foi saindo de uma economia
agrária exportadora para a industrial, que embora tenha começado de forma simples e
artesanal, com o passar do tempo foi evoluindo e contribuindo com o processo de
industrialização da economia brasileira.
Conforme Farinelli (2003), a industrialização em Franca foi intensificada a partir de
1930, período que deu início ao uso de máquinas nas fábricas de sapatos, tais equipamentos
foi substituindo os artesãos, que antes eram responsáveis por todo o processo de produção. Só
três décadas depois desse período é que a produção de amplia de modo significativo, pois

A produção industrial de calçados na cidade expande-se na década de 60,


com a abertura para o mercado externo e ampliação significativa do número
de indústrias com a consequente implantação de novas tecnologias e o
desenvolvimento político e econômico, transformando a cidade num dos
maiores pólos calçadista do país. (FARINELLI, 2003, p. 83).

Ainda segundo a autora mencionada, só nas décadas de 1970 e 1980 o setor cresce e
desenvolve-se consideravelmente com a exportação dos produtos para outros países, passando
então a comercializar seus produtos não apenas a nível nacional, mas conquistando o mercado
internacional (FARINELLI, 2003).
Para Farinelli (2003, p. 83), “A produção de calçados em Franca é favorecida pela
facilidade de aquisição de matéria prima e contratação, resultado dos anos de experiências dos
trabalhadores no mundo profissional ligado à indústria calçadista.” Segundo Cintra, Ribeiro e
Andrade (2010), a questão da competição entre as empresas envolve as estratégias
desenvolvidas para reduzir os custos, como resultado tem crescido a informalidade no setor de
trabalho, envolvendo a produção de sapatos na cidade de Franca, o que vem representando
uma opção para pessoas aposentadas, assim como para outras pessoas, incrementarem sua
renda. Isto vem ocorrendo em todo o país, pois aquelas pessoas que necessitam trabalhar, mas
que não conseguem se inserir no mercado formal, submetem-se à precariedade e
informalidade em diversos setores, sendo muitas vezes a única forma de obter uma renda,
ainda que mínima.
Sobre a população idosa em Franca, é necessário ressaltar que vem crescendo
consideravelmente, para exemplificar isso, segue alguns dados do IBGE (2016), pois para
compreender como está ocorrendo o processo de envelhecimento numa perspectiva de
totalidade, é importante para entender o que está e o que poderá acontecer tanto a nível
88

mundial, nacional e local. Sendo a realização da pesquisa no município de Franca-SP, é


necessário perceber se a cidade acompanha o processo que vem ocorrendo a nível nacional.
Segundo dados do Censo Demográfico realizado em 2010, pelo IBGE, a população de
Franca era de 318.640 e a estimativa para o ano de 2015 era de 342.112. Sendo que desta
população, 155.464 eram de homens, destes 3.062 residiam em área rural e 152.402 na área
urbana. O número de mulheres era de 163.176, sendo que 2.532 na área rural e 160.644 na
área urbana. Pode-se observar que, de forma geral, as mulheres estavam em maior número,
sendo que existia cerca de 7.712 mulheres a mais do que de homens (IBGE, 2016).
No que se refere à população com 60 anos ou mais, as mulheres na faixa etária entre
60 a 64 era de 6.577; na faixa etária de 65 a 69 era de 4.672, de 80 a 84 anos de idade era de
1.730 mulheres, com 80 a 94 anos era 347 mulheres, de 95 a 99 era de 87, e com idade de 100
anos ou mais era 14 mulheres. No que se refere aos homens na faixa de 60 a 64 anos era de
5.570, de 65 a 69 era de 3.886, de 80 a 84 anos era de 1.043, de 95 a 99 anos era de 31
homens, com idade de 100 anos ou mais era de 9 homens (IBGE, 2016). Estes são apenas
alguns dos dados que mostram em números a realidade da população de Franca-SP, que
acompanhando os dados nacionais do país, demonstrando o crescimento do segmento idoso, e
sobre isso, Poltronieri (2014, p. 101) assegura que “[...] o cenário do envelhecimento
populacional de Franca deve ser visto não como um problema, mas como uma expressão do
impacto positivo de diversas áreas, ou seja, na qualidade de vida dos francanos.” A autora
assegura que o crescimento da população na cidade de Franca vem acontecendo devido aos
investimentos realizados nos diversos setores, seja saúde, educação, assistência social, entre
outros, que influenciam a qualidade de vida de toda a população do município, incluindo
aqueles que já estão na fase definida socialmente como velhice.
Poltronieri (2014, p. 102) afirma que, em Franca, o trabalho social com pessoas idosas
é desenvolvido pelo Poder Público e pela Sociedade Civil Organizada. A autora cita o Projeto
Viva Vida, da área da saúde e na área da Assistência Social, ela cita os

[...] programas e ações de Proteção Social Básica, os Centros de Referências


da Assistência Social (CRAS) fazem acompanhamento aos beneficiários do
Benefício de Prestação Continuada (BPC), assim como grupo de idosos em
algumas regiões da cidade. Dentro da Proteção Social Especial de Média
Complexidade, o Centro de Referência Especializado da Assistência Social
(CREAS) realiza atendimento à pessoas idosas vítimas de violência.

São instituições que desenvolvem serviços que buscam efetivar os direitos da


população idosa no município e que podem estar contribuindo para uma melhor qualidade de
89

vida. Outro espaço destinado para esse público, em Franca, é UNATI, que faz parte de um
projeto de extensão da UNESP de Franca, onde são desenvolvidas atividades de saúde e lazer,
arte e cultura, novos conhecimentos, cursos de memória e envelhecimento, filosofia,
informática básica e intermediária (SOARES; DI GIANNI, 2008).
Segundo Gonçalves (2015, p. 21), desde 1905, existe, na cidade de Franca, as
Instituições de Longa Permanência para Pessoas Idosas (ILPI), e a UNATI, desde 1993, esta
última é de caráter não asilar.

Na tentativa de romper com essa lógica ―asilar‖ tradicional, tem-se a


criação, em 2009 (mesmo ano de publicação da Tipificação), do 1º Centro de
Convivência de Idosos―Lions Sobral‖. Em 2012, são criados mais quatro
CCIs. Os problemas de base que deram origem a eles foram o aumento
populacional – ―demanda reprimida‖; a necessidade de prevenção, devido
aumento acelerado de pessoas idosas em situação de riscos e
vulnerabilidades; e a necessidade de um novo formato de política social para
pessoas idosas.

A criação dos CCI’s, na cidade de Franca, é recente e surge como respostas ao


crescimento de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, que por questões
socioeconômicas, culturais, de gênero, além da questão etária, podem se caracterizar em um
público vulnerável e sofrer diveros tipos de negligências, discirminações e preconceitos, e se
for proveniente da classe trabalhadora e subalterna, a vulnerabilidade social só tende a
aumentar.
A realidade demonstra que é preciso mudar a forma de atender esse grupo etário, pois
não são mais apenas as ILPI’s que irão suprir as necessidades dessa população, é preciso
investir em outras formas de atendimento, uma vez que as demandas também são outras. A
pessoa idosa de hoje conquistou direitos, e exige novos espaços, que vai além do ambiente
privado, lugares que proporcione a participação social e o desenvolvimento de atividades,
sejam: fisícas, sociais e/ou culturais. Assim, percebemos que o município de Franca vem
investindo para que sua população de longevos tenha seus direitos efetivados.
A seguir discutiremos sobre a PNAS, para em sequência adentrar no CCI e no SCFV –
que faz parte da asssitencia social.

3.2 A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e a matricialidade sócio familiar

A assistência social nem sempre foi um direito social, pelo contrário, era tratada como
um favor, uma benevolência, uma ajuda, no campo da filantropia, pois
90

Desde o século XVIII, a filantropia e a Assistência Social associavam-se


intimamente às práticas de caridade no Brasil. Dependiam de iniciativas
voluntárias e isoladas de auxílio aos pobres e desvalidos da “sorte”. Essas
iniciativas partiam das instituições religiosas que, sob o prisma da herança
moral cristã, dispensavam seus cuidados, oferecendo abrigos, roupas e
alimentos, em especial às crianças abandonadas, aos velhos e doentes em
geral. (BORBA, 2011, p. 42).

Diante de um cenário de pobreza, miséria e desigualdades, a classe trabalhadora


começa a se organizar iniciando um processo de lutas e mobilizações sociais, o Estado sente a
necessidade de se legitimar diante da classe trabalhadora e incorpora algumas de suas
reinvindicações e passa a intervir através de políticas sociais, pois “[...] num marco
democrático, para servir ao monopólio, o estado deve incorporar outros interesses sociais;
ele não pode ser, simplesmente, um instrumento de coerção – deve desenvolver mecanismos
de coesão social.” (PAULO NETTO; BRAZ, 2012, p. 217, grifo dos autor). Isto fica
perceptível quando retomamos a década de 1920, no Brasil, período que as expressões da
questão social eram tratadas como caso de polícia, o que só mudou a partir da década de 1930,
que segundo Iamamoto e Carvalho (2014), com a entrada da classe trabalhadora no cenário
político, quando começaram a exigir do Estado políticas que considerassem as suas
necessidades, é nesse momento que a questão social passa a ser objeto de intervenção estatal,
como caso de política. A partir daí foram criadas leis e profissões e foram regulamentadas, a
exemplo do Serviço Social, para executarem as políticas sociais no atendimento à classe
trabalhadora e subalterna, mas que não modificaram a estrutura da sociedade capitalista,
apenas amenizava a situação e transmitia a ideologia que o governo era bom pelo fato de estar
oferecendo aqueles benefícios, e desta forma obtinha legitimidade diante dessa classe e
evitava revoluções.
No que se refere à história da assistência social no Brasil, “Em 1942, o governo
brasileiro cria a LBA10 com a finalidade de prestar auxílio as famílias dos expedicionários
brasileiros.” (YAZBEK, 2006, p. 125). A LBA é a primeira ação do Estado nas expressões da
questão social, mas com viés paternalista, emergencial e clientelista (YAZBEK, 2006), que
marca a história da assistência no Brasil, pois não era a garantia de um direito, isto só vai
ocorrer no País, em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, que trouxe a
seguridade social como direito, incluindo a saúde, a previdência e a assistência social,
contendo as perspectivas de dois modelos: o bismarckiano da Alemanha e o beveridgiano da
Inglaterra.

10
Legião Brasileira de Assistência Social (LBA).
91

Segundo Boschetti (2009), o modelo bismarckiano é o do seguro social, pois só tem


direito aqueles que contribuíram previamente, tal modelo continua presente na previdência
social brasileira. Já o modelo beveridgiano propõe o welfare state, tendo o direito caráter
universal, como o caso da saúde e a assistência social, embora esta última seja apenas para
aqueles que necessitarem, ou seja, há uma seleção de acordo com os critérios para ter acesso a
esta política. Ainda para Boschetti (2009, p. 5), em países que mantêm esses dois modelos, ela
chama de atração e rejeição, pois na ausência de uma, traz a necessidade do outro,

Por exemplo, aqueles trabalhadores que não estão inseridos no mercado de


trabalho, que não têm acesso ao seguro, ou à previdência social, acabam
caindo em uma situação de ausência dos direitos derivados do trabalho.
Muitos deles, por não terem contribuído para a seguridade social, chegam
aos 65 anos (essa idade varia de país para país) e não têm direito à
aposentadoria. A exigência da lógica do seguro e a impossibilidade de sua
manutenção para todos os trabalhadores, sobretudo para os desempregados,
empurram esse trabalhador para demandar a outra lógica, a lógica social, do
direito não contributivo. Assim, aqueles que não contribuem, que não estão
inseridos em uma relação de trabalho estável e que não têm direito ao
benefício contributivo, tornam-se potenciais demandantes da lógica social,
do benefício não contributivo.

Assim, no Brasil coexiste, dentro da seguridade social, a lógica do seguro baseado no


modelo bismarckiano e a lógica do social baseado no modelo beveridgiano. O exemplo citado
expressa as duas lógicas, pois aqueles indivíduos que conseguem inserção no mercado formal
de trabalho e têm os direitos trabalhistas garantidos, através do pagamento de um seguro, para
casos de necessidades, podem ter o acesso aos benefícios para eles e até para seus
dependentes. Já os indivíduos que não conseguem inserção nesse mercado de trabalho ou que
se insere informalmente, sem a garantia dos direitos trabalhistas, esta parcela da população irá
demandar a lógica social, ou seja, de benefícios que não exigem contribuição prévia.
Para Boschetti (2009), até a década de 1970, nos países do norte e centro da Europa,
mesmo aqueles indivíduos que tinham emprego e contribuíam, mas que possuíam uma renda
baixa tinha direito a benefícios da assistência para complementar essa renda, mas com a crise
capitalista e com o neoliberalismo, o crescimento do desemprego estrutural, a assistência
social passa a substituir o trabalho, pois muitas vezes é a única renda de muitas famílias,
embora não seja esse o objetivo da assistência social, mas sim o de transferir renda do capital
para o trabalho.
Já no Brasil, a Assistência Social foi garantida num contexto de neoliberalismo e
contrarreforma do Estado, no final da década de 1988, com a Constituição Federal e início de
92

1990, ocasionando o que segundo Ceolin (2014), Behring e Boschetti (2011) chamam de
diretrizes de focalização, descentralização, privatização, desfinanciamento e regressão dos
direitos sociais. Sendo que a seguridade social no País surge de forma híbrida, com direitos
dependentes do trabalho (previdência), e de caráter universal (Saúde) e seletivo (assistência)
(BOSCHETTI, 2009), pois o artigo da Constituição Federal assevera que Art. 194 “A
seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes
Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à
assistência social.” (BRASIL, 1988), afirma ainda no seu Art. 203 que a assistência é um
direito social daqueles que necessitarem, não prevendo contribuição como requisito para
acessá-la, e tem como objetivos:

I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;


II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da
integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das
pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida
comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir
meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família,
conforme dispuser a lei. (BRASIL, 1988).

A partir da Constituição Federal de 1988, a assistência social ganhou status de política


pública, visando atender a família, em seus vários ciclos de vida, seja na maternidade, na
infância, na adolescência e na velhice. Na década de 1990, surgem várias legislações para
especificar esses artigos da constituição. Assim, em 1993, veio a Lei nº 8.742, que dispõe
sobre a organização da assistência social e dá outras providências, que ficou conhecida como
Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), fortalecendo o direito à assistência social no país
e sofreu alterações pela Lei n.12.435, de 6 de julho de 2011. Tais legislações versam sobre
dois tipos de proteção social: a básica e a especial (BRASIL, 1993).
Foi durante a realização da IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada
em Brasília, DF, em 2003, que “[...] apontou como principal deliberação a construção e
implementação do Sistema Único da Assistência Social – SUAS, requisito essencial da LOAS
para dar efetividade à assistência social como política pública.” (BRASIL, 2005, p. 13).
Assim, surge, em 2004, a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), tendo a proteção
social de garantir as seguranças de: “[...] sobrevivência (de rendimento e de autonomia); de
acolhida; de convívio ou vivencia familiar.” (BRASIL, 2005, p. 31).
Estas legislações colocam a família como o centro de atenção nos serviços oferecidos
através da matricialidade sociofamiliar, pois visa trabalhar não apenas o indivíduo, mas olhar
93

a família como um todo, desde sua configuração, sua realidade, a relação entre seus membros
(interna) e sua relação com a comunidade (externo), ou seja, procurando enxergar suas
vulnerabilidades, mas também suas potencialidades. A partir deste conhecimento, procura
superar as situações de vulnerabilidades com o desenvolvimento das potencialidades
encontradas.
Mas segundo Teixeira (2009, p. 256), a política social pode incorporar a família sob
duas perspectivas, a “familista” e a “protetiva”, sendo que

A primeira, “familista” é identificada com o projeto neoliberal que preconiza


a centralidade da família, apostando na sua capacidade de cuidado e
proteção, enquanto canal natural de proteção social, junto com o mercado e
organizações da sociedade civil. A intervenção do Estado se daria somente
quando falhassem esses canais naturais.

Ocorre uma transferência de responsabilidade, do Estado para a família, a juntamente


com o mercado e a sociedade civil, o que vai de encontro com a ideologia neoliberal. O
Estado nesse modelo só interfere em último caso, se realmente fosse necessário. Nessa
vertente, quando o Estado realiza intervenções, por meio das suas políticas públicas, faz
sempre de forma a culpabilizar a família por não ter conseguido cuidar e manter os seus
membros, não suprindo suas necessidades materiais e educacionais, tratando as expressões da
questão social vivenciada pela família pelo viés da moral, desconsiderando suas reais
condições de vida.
Ainda para Teixeira (2009, p. 256) a família é tratada dentro das políticas sociais
sobre outra perspectiva, que seria,

A segunda, a tendência “protetiva”, em contraposição, afirma que a


capacidade de cuidados e proteção da família está diretamente relacionada à
proteção que lhe é garantida através das políticas públicas, como instância a
ser cuidada e protegida.

Essa perspectiva da política coloca a família como a instituição que tem capacidades
para cuidar e proteger seus membros, mas para realizar isso é necessário que possa contar
com políticas públicas emanadas pelo Estado, sendo este o responsável principal por essa
garantia. Nesta vertente, a família, como um todo, precisa ser assistida e, portanto, ter a
efetivação dos direitos de todos os seus membros, pois desta forma acredita-se que ela poderá
exercer seu papel, mas com a contribuição das políticas públicas, ela não realizará isso
sozinha. A PNAS também engloba e reconhece as diversas configurações de família que
coexistem na sociedade, que vai além de relações consanguíneas.
94

Desta forma, a família é incorporada na PNAS de forma a englobar todos os seus


membros, pela matricialidade sociofamiliar, pois assevera ser um “[...] espaço privilegiado e
insubstituível de proteção e socialização primárias, provedora de cuidados aos seus membros,
mas que precisa também ser cuidada e protegida.” (BRASIL, 2005, p. 41). Assim, essa
política ora entende a família dentro da perspectiva protetiva, pois reconhece que ela precisa
ser cuidada para assim ter condições de cuidar, ora na perspectiva familista, devido ao Estado
neoliberal e às condicionalidades para ter acesso a alguns dos seus direitos.
São duas perspectivas contraditórias que podem coexistir ao mesmo tempo dentro das
políticas sociais, o que revela os limites e as possibilidades da atuação dos profissionais que
trabalham diretamente com tais políticas, assim como também para os (as) usuários (as) e a
sociedade como um todo, que podem lutar por uma sociedade mais justa. Os limites podem
representam as barreiras do acesso aos direitos e os obstáculos que impedem uma mudança
social. Já as possibilidades são brechas que podem permitir espaços de lutas para exigir a
efetivação dos direitos sociais, assim como um caminho capaz de contribuir para a
transformação social.
Em consonância ao PNAS de 2004, a proteção social básica atua na prevenção de
situações que possam contribuir com a quebra dos vínculos familiares e comunitários,
buscando meios de fortalecer tais relações através do desenvolvimento de potencialidades e
aquisições (BRASIL, 2005). Seu público alvo é a população

[...] que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza,


privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos,
dentre outros) e, ou, fragilização de vínculos afetivos – relacionais e de
pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por
deficiências, dentre outras). (BRASIL, 2005, p. 33).

Seu público pode já estar vivenciando ou não alguma das formas de vulnerabilidades
referidas, mas que recebendo atendimento neste nível de proteção a tempo de não permitir que
tal questão se agrave, podendo assim evitar o rompimento dos vínculos familiares e
comunitários, além de prevenir o agravamento de tais vulnerabilidades e a necessidade de
participação em outros níveis de complexidade.
Os serviços ofertados pela proteção social básica são: Serviço de Proteção e
Atendimento Integral à Família (PAIF); Serviços de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos para Pessoas Idosas (SCFV), Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para
pessoas com deficiência e idosas (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E
COMBATE À FOME, 2009).
95

Embora este nível de proteção englobe diversos tipos de vulnerabilidades sociais, mas
pelo objeto de pesquisa deste trabalho, focamos na fragilização de vínculos afetivos, de
relacionamento e de discriminação etária, uma vez que cabe refletir como fica a valorização
social da pessoa idosa num contexto de relações fragilizadas e de discriminação por idade.
No que se refere à proteção social especial, vale ressaltar que

[...] é a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e


indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por
ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual,
uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas,
situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras. (BRASIL, 2005,
p. 37).

Este tipo de proteção é dividido em média e alta complexidade. Na média


complexidade são ofertados: Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias
Indivíduos (PAEFI); Serviço Especializado em Abordagem Social; Serviço de proteção social
a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de
Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas
com Deficiência, Idosas e suas Famílias; Serviço Especializado para Pessoas em Situação de
Rua (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2009).
Já na alta complexidade são ofertados: Serviço de Acolhimento Institucional; Serviço de
Acolhimento em República; Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora; Serviço de
proteção em situações de calamidades públicas e de emergências (MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2009).
O foco desta pesquisa é acerca da valorização social da população idosa, que tendo o
direito de participar e usufruir do SCFV, embora tenham critérios que estabeleçam quem pode
participar de tal serviço, o que se busca aqui é compreender a percepção destes usuários sobre
a valorização social das suas memórias e experiências de vida pelo SCFV e pela família.
Desta forma, os resultados também poderão mostrar como tal serviço, que faz parte de uma
política social de um Estado capitalista, pode estar contribuindo com a valorização deste
segmento etário e com isso para o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários.
Tanto a LOAS quanto a PNAS surgem para dar a assistência social, o status de política
e de direito social, que deixa de ser um favor, antes praticado através do assistencialismo, tal
mudança só foi possível por causa das lutas e conquistas sociais. Essa política está dividia em
níveis de complexidade, com objetivo de garantir os direitos, seja prevenindo e/ou reparando
e remediando sua violação.
96

Este trabalho teve como foco os (as) usuários (as) do SCFV, sendo que tal serviço
compõe a proteção social básica, que visa justamente prevenir situações de vulnerabilidades
sociais que violem direitos, assim o próximo item trata sobre tal serviço, discutiremos sobre a
origem do trabalho social com pessoas idosas, que foi iniciado com os CCI’s e com grupos de
idosos até o surgimento do SCFV, este último faz parte da PNAS, integrando um dos serviços
da proteção social básica.

3.3 A proteção social básica para pessoas idosas: CCI’s x SCFV

Discutiremos aqui de forma concisa sobre a criação e o surgimento do trabalho social


com pessoas idosas, desenvolvido através de CCI’s até chegar ao surgimento do SCFV, seus
objetivos, os critérios que estabelecem quem são seus usuários, além de falar sobre o CCI
Lions Sobral, local de desenvolvimento desta pesquisa, procurando analisar numa perspectiva
totalizante.
Uma política pública surge a partir de reivindicações sociais e das respostas do Estado
às diversas expressões da questão social. Assim, com o crescimento do número de pessoas
idosas no Brasil, como já explicitado neste trabalho (Capítulo 1), surge a preocupação com
este segmento, pois com a chegada da velhice, ocorrem várias mudanças na vida de uma
pessoa, perpassando seus aspectos físicos, sociais e culturais, além de poder mudar também a
dinâmica familiar, portanto afetando todos os seus membros.
Segundo Dal Rio e Miranda (2009), por um longo período de tempo, a velhice foi uma
fase de isolamento, ocasionada pela fragilização das relações que se transformavam com as
mudanças de papéis sociais que esta fase trazia. A pessoa idosa era sempre afastada e
distanciada da vida pública, o que afetava suas relações sociais e não existia a preocupação
com esta parcela da população que parecia invisível, até que através da iniciativa do SESC,
em 1963 11 , que é pioneiro em trabalho social com pessoas idosas, surgem os Centros e
Grupos de Convivência de idosos, que

[...] são formas de associativismo que começaram a ser implementadas no


Brasil na década de 1960, como alternativas de convivência e participação
de idosos saudáveis que viviam isolados, sobretudo em decorrência da
diminuição do número de membros da família, dos baixos rendimentos

11
Segundo Teixeira (2008a, p. 214), o Serviço Social do Comércio (SESC) é parte das estratégias do patronato
do comércio e serviços de criar, através dos serviços sociais ao trabalhador e a sua família, tanto um
trabalhador adaptada e integrado às exigências do sistema produtivo, quanto relações harmoniosas e solidárias
entre capital e trabalho, mediante a “preocupação” com a qualidade e as condições de vida, principalmente dos
comerciários mais pobres.
97

da aposentadoria e da inexistência de políticas públicas de proteção.


(DAL RIO; MIRANDA, 2009, p. 17).

A partir daí com o aumento da expectativa de vida, e com as lutas e organizações


deste segmento, a questão da velhice começa a engatinhar nas entranhas da agenda política,
mesmo que de forma lenta, assim outras iniciativas foram surgindo através do setor público,
isto foi possível após a promulgação da Constituição Federal de 1988, e, posteriormente,
surge a Lei Orgânica de Assistência Social, A Política Nacional da Pessoa Idosa, O Estatuto
do Idoso e outras legislações sociais. De tal modo, tanto os CCI’s como os demais serviços
disponibilizados para pessoas idosas surgem para valorizá-los e ressocializá-los, abrindo
possibilidades e espaços para uma velhice mais ativa, com isto procura diminuir e/ou acabar
com a pobreza, abandono e dependência, além de negar os estereótipos negativos
(TEIXEIRA, 2008a).
Os CCI’s buscam (re) socializar e para Maragas (apud DAL RIO; MIRANDA, 2009,
p. 14), “‘Socialização’ é um termo amplo que indica que o ser humano, desde que nasce, não
apenas está sujeito às influências da sociedade de que participa e ajuda a construir, como
também a influência.” O ser humano é sociável e este processo inicia com a família e com os
demais grupos e instituições que ele participa ao longo da vida, e na velhice este processo
pode ser prejudicado pelas mudanças ocasionadas nesta fase da vida, mas que através de
políticas sociais e de uma nova forma de olhar, a velhice poderá mudar essa cultura do (a)
velho (a) ficar sozinho (a), invisível, inservível e isolado (a) da sociedade. Independente de
idade, o ser humano precisa estar em interação com seus semelhantes para desenvolver-se,
aprender e ensinar.
Os fatores que podem estar relacionados ao isolamento social na velhice, para
Gonçalves (2015, p. 57), são que

A pessoa idosa por motivos atrelados a biologia e genética, a fatores


psicológicos ou mesmo a fatores alistados ao ambiente físico, adicionada às
diversas expressões da questão social, tem ampliado sua permanência em
casa, o que afeta consideravelmente sua sociabilidade. Esses elementos
tencionam, além do surgimento (ou ampliação) de quadros de isolamento
social, a quadros de saúde, ampliação de conflitos familiares, violência e
outras expressões. A constituição de espaços de fortalecimento de vínculos
que previnam expressões como o isolamento social, se configuram como o
carro chefe dos CCIs.
98

A falta de contato, de relacionamento e de interação entre a pessoa idosa com as


demais pessoas, seja da mesma idade ou de outras gerações, poderá ocasionar o isolamento
social, que trará danos para sua saúde física e mental.
Os centros de idosos surgem como alternativa para uma nova forma de vivenciar a
velhice, pois a partir do seu surgimento, o segmento idoso passou a ocupar novos espaços na
sociedade, saindo do ambiente privado, do isolamento ao qual lhe era imposto, passando a
ocupar os espaços públicos e exigir seus direitos sociais. Segundo Camarano e Pasinato
(2004, p. 281), “Os centros de convivência consistem em atividades que visam ao
fortalecimento de atividades associativas, produtivas e de promoção da sociabilidade. Visam
contribuir para a autonomia, o envelhecimento ativo e saudável, a prevenção do isolamento
social e a geração de renda.” Sobre isso, Gonçalves (2015, p. 56) afirma que os objetivos dos
CCI’s são:

[...] a atualização do conhecimento; acesso a informação; inclusão social;


reflexão sobre envelhecimento humano; aquisição de novas habilidades;
desenvolvimento do protagonismo; identidade e potencialidades;
fortalecimento de vínculos de afetividade e apoio; desenvolvimento de
projetos de vida; enfim, consolidação de uma velhice satisfatória, ativa e
saudável.

Os CCI’s possuem grande relevância na construção de um novo modo de tratar a


velhice, como citado pela autora, embora existam algumas críticas, pois

[...] receitando o convívio social, desconsiderando as relações de produção, o


SESC, através de sua ação racional “em favor dos velhos”, propõe que eles
dancem e cantem; propõem-lhes o contato com os jovens, etc. como se,
sabiamente, estivesse lhes indicando o caminho que os conduzirá a um fim
feliz. (HADDAD, 1986, p. 113).

Destarte, Dal Rio e Miranda (2009, p. 19, grifo do autor) alertam que "[...] estar em
curso um dos maiores desafios para os centros e grupos de convivência de idosos: a mudança
de paradigma da prática do lazer para o exercício da cidadania", uma vez que a expectativa
de vida só tende a crescer e essa população de longevos para ter garantidos seus direitos
precisam conhecê-los e lutar pela sua efetivação e consolidação, sendo necessário ir além de
práticas de lazer, incluindo atividades que proporcionem o conhecimento das legislações e a
sensibilidade para o desenvolvimento de um senso crítico que exija também respeito e
reconhecimento perante a sociedade que poderá trazer como resultados a valorização social
desse segmento.
99

Conforme foi visto que os CCI’s e grupos de idosos surgem, em 1960, nas décadas de
1980 e 1990, surgem também as Universidades Abertas a terceira Idade UNATI's com
instituições públicas e privadas, oferecendo cursos de extensão universitária para pessoas com
idade a partir de 45 anos de idade (DEL RIO; MIRANDA, 2009). São ações que tornam a
população idosa visível à medida que extrapolam o âmbito privado, trazendo para cena
pública as necessidades deste grupo, que não é homogêneo, como já discutido neste trabalho,
exigindo agora a intervenção do poder público. Embora seja necessário considerar as
condições objetivas de vida a qual os (as) trabalhadores (a) vivenciam ao longo da vida, pois
não adianta querer prevenir doenças, incapacidades, dependências e isolamento na velhice, se
não der atenção à toda trajetória de vida, se não garantir os direitos sociais em todas as fases
da vida.
Considerando que a questão social tem sua gênese na exploração entre capital-
trabalho, como fica a velhice da classe trabalhadora e subalterna? Não se pode afirmar que
quem foi obrigado (a) a vender sua força de trabalho para sobreviver, que foi explorado (a)
pelo capital durante toda sua vida, (ressaltando que dentro da classe trabalhora e subalterna
existem níveis de exploração diferenciados), não terá como eliminar as perdas proporcionadas
durante esse processo, através de práticas de lazer e outras atividades oferecidas durante a
velhice, mas poderá remediar e atenuar alguns efeitos que os anos de exploração lhe causou.
Segundo Teixeira (2008a, p. 226), o público a quem se destinavam os CCI’s,
inicialmente, eram “[...] aqueles com renda de aposentadorias e pensões, com tempo
disponível para empregar em novas atividades [...]”, desta forma não atingia a parcela
vulnerável deste grupo etário, que não é homogêneo. Assim,

O idoso mobilizado por esses programas, entretanto, é o que pode pagar por
sua inclusão neles, bem como com condições de realizar campanhas
beneficentes, trabalho voluntário, diferentemente daquele dito
“marginalizado”, abandonado, ou daquele que ainda trabalha, chefia sua
família e tem baixo nível de escolaridade. (TEIXEIRA, 2008a, p. 227).

Dentro da realidade brasileira, as pessoas idosas mais pobres e que foram submetidas a
níveis maiores de exploração pelo capital, seja através de um trabalho formal e/ou informal,
são as que irão vivenciar a velhice trágica, como afirmaram Paiva (2014), Teixeira (2008a),
Haddad (1986), sem tempo, portanto para aproveitar sua velhice com autonomia e
independência, pois podem tornar-se dependentes parcial ou total de terceiros para
desenvolverem as atividades da vida diária, ou quando independentes são obrigados a retornar
para ao trabalho formal ou informal, para complementar a renda.
100

Percebemos que esses serviços foram pensados inicialmente para pessoas idosas, que
mesmo pertencentes à classe trabalhadora, tinham uma realidade que permitia o acesso a tais
serviços, diferente daqueles mais carentes e vulneráveis, uma vez que é necessário lembrar
aqui, que dentro da própria classe trabalhadora existem diferenças, um exemplo disso é um
professor (a) universitário (a) aposentado (a), e uma gari aposentado, dá para imaginar a
diferença entre ambos? Outra questão a ser observado é que, além da classe trabalhadora,
precisa-se observar a classe subalterna.
Assim, a maneira como essa parcela mais vulnerável da população idosa começou a
ter acesso a esses programas, segundo Gonçalves (2015, p. 70-71), foi da seguinte forma:

Com a expansão dos programas/serviços a diversos estados e cidades, foi


possível a aproximação (mesmo não em sua totalidade) a um público mais
diverso, em especial, pessoas idosas em situação de “vulnerabilidade social”.
Populações em situação de riscos e vulnerabilidades vivenciaram (e de certa
forma ainda vivenciam) dificuldade em acessar informações, serviços,
programas, enfim, direitos sociais. Essa problemática é resposta da
insuficiência de programas e ações no território, da insuficiência de
escolaridade e/ou capacitação para o mercado de trabalho, da necessidade de
mesmo aposentada a pessoa idosa continuar trabalhando para auxiliar a
família em suas necessidades básicas.

A partir do trabalho desenvolvido pelo Sesc, que foi o pioneiro no Brasil, aos poucos
devido a sua importancia social, “Suas ideias são proliferadas ao longo dos anos, o que o
torna essência comum nas diversas políticas sociais, em especial, na política de assistência
social.” (GONÇALVES, 2015, p. 71). Foi a partir daí que aos poucos os CCI’s foram sendo
incorporados nas políticas sociais que se destina para população idosa, incluindo também as
mais vulneráveis.
Assim, o Decreto nº 1.948, de 3 de julho de 1996 que regulamenta a Lei nº 8.842, de
04 de janeiro de 1994, no seu Art.4º entende como modalidade não asilar o: “I - Centro de
Convivência: local destinado à permanência diurna do idoso, onde são desenvolvidas
atividades físicas, laborativas, recreativas, culturais, associativas e de educação para a
cidadania.” (BRASIL, 1996).
Também foi instituída, em 2000, uma portaria da Secretaria de Estado de Assistência
Social (nº 2.854 - 2000), que afirma no seu

Art. 5º - Estabelecer que sejam mantidas as modalidades de atendimento


prestadas a idosos em instituições asilares ou congêneres e, a partir do
presente exercício, sejam implementadas novas modalidades que privilegiem
a família como referência de atenção, assim como alternativas que reforcem
a autonomia e independência da pessoa idosa, quais sejam: Residência com
101

Família Acolhedora, Residência em Casa-lar, Residência em República,


Atendimento em Centro-Dia, bem como a manutenção e implementação do
Atendimento em Centros de Convivência e do Atendimento Domiciliar.
(MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2000).

Segundo a Portaria nº 73, 10 de maio de 2001, que aborda sobre as Normas de


Funcionamento de Serviços de Atenção ao Idoso no Brasil, define os Centros de Convivência
como local de fortalecer atividades associativas, produtivas e promocionais, visando à
autonomia e ao envelhecimento ativo, prevenindo assim o isolamento social, sendo capaz
ainda de socializar e aumentar a renda, tem como objetivo o encontro da família com o idoso,
incluindo o convívio com a comunidade onde está inserido, tem como usuários pessoas
independentes a partir de 60 anos de idade e a família (MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E
ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2001).
A partir das lutas sociais, o Estado começa a atender e intervir nas expressões da
questão social na velhice e, em 2004, surge a PNAS a qual considera “[...] serviços de
proteção básica de assistência social aqueles que potencializam a família como unidade de
referência, fortalecendo seus vínculos internos e externos de solidariedade.” (BRASIL, 2005,
p. 36) e traz como um dos seus serviços: os Centros de Convivência para idosos. Devido à
relevância social de tal serviço, ele passa a ser ofertado por uma política pública, embora
segundo Gonçalves (2015, p. 64): “[...] devido ser o CCI um serviço anterior à
regulamentação da própria política de assistência social, não existem muitas informações
concretas e sistematizadas sobre esses serviços [...]”, mas passaram a integrar um dos serviços
da proteção social básica dentro da política de assistência social, destinado para pessoas
idosas.
Em 2009, com a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (TNSS)
(Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009), ocorre a padronização dos serviços, assim os
Centro de Convivência para Idosos (CCI’s) passam a ser agora Serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos (SCFV), mas que continuam sendo desenvolvidos pela proteção
social básica referenciado pelo CRAS. Este processo ocorre devido à necessidade de
reordenar os serviços que, de acordo com Gonçalves (2015, p. 81-82),

O reordenamento dos serviços pressupõe (como o próprio nome já revela)


‘recolocar em ordem’. Os serviços foram ‘colocados em ordem’ quando
publicadas as diversas leis e resoluções [...] Porém, devido sua essência não
se materializar de maneira unificada em todo o território brasileiro, foram
necessários amplos estudos e planejamentos de ações para reorganizar os
serviços, ou seja, ‘recolocar em ordem’.
102

Seria uma forma de reorganizar os serviços socioassistenciais com objetivo de unifica-


los e torná-los acessíveis a uma população que necessitava de tal atendimento, por isso foram
publicadas resoluções a exemplo da própria TNSSS, que especifica quem é o público de tais
serviços, o que é esse serviço, entre outras informações relevantes, além de outras publicações
que abordam sobre esse assunto. Assim, a descrição geral do SCFV, segundo a TNSS, é de

Serviço realizado em grupos, organizado a partir de percursos, de modo a


garantir aquisições progressivas aos seus usuários, de acordo com o seu ciclo
de vida, a fim de complementar o trabalho social com famílias e prevenir a
ocorrência de situações de risco social. Forma de intervenção social
planejada que cria situações desafiadoras, estimula e orienta os usuários na
construção e reconstrução de suas histórias e vivências individuais e
coletivas, na família e no território. Organiza-se de modo a ampliar trocas
culturais e de vivências, desenvolver o sentimento de pertença e de
identidade, fortalecer vínculos familiares e incentivar a socialização e a
convivência comunitária. Possui caráter preventivo e proativo, pautado na
defesa e afirmação dos direitos e no desenvolvimento de capacidades e
potencialidades, com vistas ao alcance de alternativas emancipatórias para o
enfrentamento da vulnerabilidade social. (MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2009, p. 14).

O serviço deve favorecer a re (construção) das histórias e vivencias dos seus usuários,
seja de modo individual e/ou coletivo, envolvendo família e território. Inclui ainda as trocas
culturais, que podem favorecer muito nesse processo de (re) socialização e fortalecimento de
vínculos, pois uma geração pode aprender e/ou ensinar a outra, tal processo permite a
aproximação e também a valorização entre ambas, além de fortalecer os vínculos, uma vez
que se um determinado grupo se enxerga como possuir de um conhecimento importante sobre
sua comunidade e percebe interesse de outro grupo em querer conhecer tal história e os
costumes, pode haver aí uma interação capaz de mudar a forma de ambos se olharem.
O serviço visa prevenir situações que venham a violar os direitos sociais e desenvolver
as habilidades de cada grupo e, especificamente, em cada indivíduo, para que possam
enfrentar as vulnerabilidades que possam surgir ao logo da vida.
Tal serviço é voltado para o desenvolvimento de atividades intergeracionais e o grupo
deve ser heterogêneos em relação ao sexo dos seus participantes, presença de pessoas com
deficiência, etnia, raça, entre outras, e deve ter ligação com o Serviço de Proteção e
Atendimento Integral à Família (PAIF), a fim de garantir a matricialidade sociofamiliar
(MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2009).
103

O SCFV está elaborado da seguinte forma:

Quadro 1 – Sobre a faixa etária


DIVISÃO DO SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS -
SCFV POR FAIXA ETÁRIA
Para crianças de até 06 anos de idade.
Para crianças e adolescentes de 06 a 15 anos de idade.
Para adolescentes e jovens de 15 a 17 anos de idade.
Para adultos e pessoas idosas.
Fonte: Dados elaborados por Maria Florência dos Santos com base no documento da TNSS (MINISTÉRIO
DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2009).

O SCFV está dividido por faixa etária, de acordo com o ciclo de vida, o que pode
facilitar a socialização e a troca de conhecimento entre seus membros e o desenvolvimento do
serviço, embora vise à intergeracionalidade nas suas atividades, o que é necessário para o
respeito e troca de conhecimentos entre as gerações.
Separar os grupos por idade poderá acarretar na segregação social, conforme afirmou
Ferrigno (2011, p. 78): “[...] temos um distanciamento emocional e mesmo uma
compartimentalização geográfica das faixas de idade, uma segregação geracional em espaços
exclusivos [...].” Percebe-se, assim, a relevância da aproximação entre os diversos serviços,
ou seja, atividades que envolvam as diferentes faixas etárias e que proporcionem as trocas de
aprendizagem entre todas e acima de tudo o respeito, pois uma sociedade que sabe cuidar e
valorizar as suas crianças, os seus jovens, seus adultos e seus idosos (as) será, com certeza,
mais humana e todos (as) poderão viver com menos violência, discriminação e preconceito.
Segundo Poltronieri et al. (2015, p. 300), “A transferência de experiências entre pais e
filhos tem início no seio familiar, assim a valorização da memória entre gerações também
deve ter início nesse grupo”, pois se as crianças forem tratadas desde cedo com respeito
poderão crescer e tornar-se adolescentes, jovens e adultos que também sabem respeitar. E na
velhice também poderá respeitar os mais novos. Seria, na verdade, um ciclo em que um
aprende a respeitar e valorizar o outro, e para isso seria necessário a quebra de tabus e de
preconceitos entre os diversos grupos formados a partir da idade.
Para Paiva (2014, p. 143), existe uma divisão cronológica nas legislações e nas
políticas sociais, e assim algumas instituições são específicas para atender às necessidades de
um público de determinada faixa etária, desta forma também há a divisão “[...] pelo menos em
texto, o tempo de estudar, de trabalhar e o de aposentar, ditando regras que antes pertenciam
ao domínio privado, familiar [...]” tudo é regido pelo tempo do capital.
104

Ter um serviço “preventivo” que perpassa todas as faixas etárias é de extrema


relevância para se garantir direitos, pois o sujeito pode vivenciar alguma situação de
vulnerabilidade social em qualquer fase da vida. Ressaltamos que existem grupos mais
vulneráveis por questões de idade, raça, etnia, etc. que devem receber uma atenção maior e
mais especifica.
Sobre a descrição do SCFV específico para pessoas idosas, o documento de
Orientações Técnicas assevera que

Tem por foco o desenvolvimento de atividades que contribuam no processo


de envelhecimento saudável, no desenvolvimento da autonomia e de
sociabilidades, no fortalecimento dos vínculos familiares e do convívio
comunitário e na prevenção de situações de risco social. A intervenção social
deve estar pautada nas características, interesses e demandas dessa faixa
etária e considerar que a vivência em grupo, as experimentações artísticas,
culturais, esportivas e de lazer e a valorização das experiências vividas
constituem formas privilegiadas de expressão, interação e proteção
social. Devem incluir vivências que valorizam suas experiências e que
estimulem e potencialize a condição de escolher e decidir. (MINISTÉRIO
DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2009, p. 15,
grifo nosso).

Este serviço busca contribuir com um processo de envelhecimento e velhice com mais
autonomia e independência, assim como no fortalecimento dos vínculos e da convivência, e
para isso deve ser considerada as demandas e necessidades próprias dos seus usuários, que
através da participação em um grupo, desenvolvimento de atividades artísticas, culturais,
esportivas e de lazer e a valorização das experiências vividas, possam possibilitar a interação,
a (re) socialização e a proteção social, além disso, este processo poderá proporcionar a
valorização da pessoa idosa, uma vez que ela poderá passar a se enxergar como alguém que
tem potencial e que pode desenvolvê-lo, e assim se autovalorizar. Como poderá também ser
vista pelo serviço, pela família e pela comunidade como alguém que ensina e também
aprende, ou seja, contribui com o desenvolvimento de outras pessoas da sociedade e também
se desenvolve.
A descrição do serviço mostra que a valorização das experiências vividas é importante
nesse processo de proteção social da pessoa idosa, pois incluir esse segmento etário num
serviço é permitir que se perceba como seres histórico, social e cultural, que possui uma
história de vida, o que poderá contribuir no processo de valorização desses usuários, indo
contra aquilo que é pregado pela sociedade capitalista, que “[...] ao invés de homens e
mulheres velhos serem vistos como experientes, vividos, sábios devido a sua longa vida, são
atrelados a um sistema de valores que elege a juventude como uma fase ideal,
105

supervalorizada, que deve ser alcançada de qualquer maneira.” (POLTRONIERI, et al., 2015,
p. 294).
Os objetivos específicos deste serviço para idosos, ainda segundo a TNSS, são:

- Contribuir para um processo de envelhecimento ativo, saudável e


autônomo;
- Assegurar espaço de encontro para os idosos e encontros intergeracionais
de modo a promover a sua convivência familiar e comunitária;
- Detectar necessidades e motivações e desenvolver potencialidades e
capacidades para novos projetos de vida;
- Propiciar vivências que valorizam as experiências e que estimulem e
potencializem a condição de escolher e decidir, contribuindo para o
desenvolvimento da autonomia e protagonismo social dos usuários.
(MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À
FOME, 2009, p. 17).

O envelhecimento ativo está presente nos seus objetivos, e também faz parte de uma
política de saúde, que perpassa diversas políticas sociais, como é o caso da PNAS. Envelhecer
de forma ativa requer o acesso e a efetivação a vários direitos sociais, o contrário é inviável.
Os objetivos também fazem menção a intergeracionalidade tanto com a família,
quanto com a comunidade, e sobre isso, Poltronieri et al. (2015, p. 290) afirmam que “[...] um
dos desafios que surge com a conquista da longevidade humana é a intergeracionalidade,
principalmente em um contexto de desvalorização das potencialidades humanas como nos
dias atuais [...].”
Outro objetivo do serviço procura identificar as necessidades e motivações presentes
nas pessoas idosas para, a partir delas, desenvolver as potencialidades e capacidades em busca
de novos projetos de vida, pois o ser humano precisa renovar-se a cada dia, e na velhice,
quando os sonhos da juventude, a exemplo de: casar, constituir família, seguir uma carreira
profissional, ou até mesmo de participar de movimentos sociais, de militância política, entre
outros objetivos, quando estes já foram realizados completamente ou em parte, quando chega
a aposentadoria, a fase de ser avô, avó, de mudanças de papéis sociais, é necessário se
reinventar, redescobrir-se, refazer-se e continuar buscando um sentido para viver, e o serviço
busca contribuir com esse processo. Outro objetivo é proporcionar vivências que procurem
valorizar as experiências, pois cada ser humano aprende ao longo da vida, assim adquire
experiências, sejam positivas ou negativas, que de alguma forma podem servir como
aprendizado. Também busca estimular a liberdade de escolher e decidir, o que poderá
contribuir para um protagonismo dos participantes de tal serviço, que seria tomar as decisões
sobre os rumos da sua própria história, de acordo com as condições objetivas. Ressaltando
106

que numa sociedade capitalista o indivíduo não está totalmente livre, devido à desigualdade
social, assim as oportunidades são também desiguais. Desta forma, não se pode apenas culpar
o indivíduo, sem observar a sua história de vida.
No que se referem aos (as) participantes desta pesquisa, os (as) mesmos (as) são
usuários (as) do SCFV, conforme os critérios estabelecidos já abordados neste trabalho (ver
capítulo1), sendo o serviço desenvolvido no CCI Lions Sobral, e sobre sua história, segundo
Poltronieri (2014), foi inaugurado em 03 de agosto de 2009, e fica localizado na região Norte
do município de Franca, atendendo a população desta região.
Como já discutimos neste trabalho, os CCI’s são entidades não asilar que desenvolvem
atividades para pessoas idosas, e no caso do Lions Sobral, ele vem desenvolvendo o SCFV
desde o ano de 2014, sendo seus (suas) usuários (as) encaminhados (as) pela técnica de
referência do CRAS Norte, que faz a avaliação sobre a necessidade ou não de inserção das
pessoas no serviço, sendo respeitando a autonomia deles em querer ou não participar.
Segundo a PNAS de 2004, os serviços da proteção social básica podem ser efetivados
diretamente no espaço do CRAS ou em outros ambientes públicos da assistência social, e de
formas indiretas nas organizações de assistencial social na área de abrangência do CRAS e a
ele referenciado (BRASIL, 2005). Sobre isso, é importante mencionar o território, pois o
serviço deve ser disponibilizado no espaço onde vive seus (suas) usuários (as), uma vez que

[...] o território é o espaço público onde vivem as famílias, é o lugar


geográfico com as características ambientais e naturais, onde os serviços
públicos e privados são organizados, onde são expressas as manifestações da
cultura local, onde podem ser visualizados os modos de vida das pessoas de
uma determinada região [...]. (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO
SOCIAL E COMBATE À FOME, 2012, p. 23).

O serviço deve estar próximo para facilitar o acesso e fazer parte da vida da população
local, e proporcionar aos profissionais o contato com os modos de vida dos (as) usuários (as),
contribuindo assim para buscar atender às necessidades locais, coletivas e individuais da
população daquele território específico.
Sobre a composição da equipe de profissionais que desenvolve o SCFV no Lions
Sobral, a Orientadora Social respondeu que

Equipe de referência de acordo com a exigência do edital do município:


orientador social, facilitador, auxiliar administrativo e serviços gerais.
(Orientadora Social).
107

Já sobre o CCI, ela respondeu que a equipe é formada por

Coordenadora, monitores de atividades, voluntários, auxiliar administrativo


e serviços gerais. (Orientadora Social).

O serviço faz parte da proteção social básica, e os critérios estabelecidos pela TNSS
para pessoa idosa participar do SCFV são os seguintes: ter idade superior a 60 anos de idade;
ser beneficiários (as) do BPC, idosos (as) de famílias beneficiárias de programa de
transferência de renda; idosos (as) com vivências de isolamento social por ausência de acesso
a serviços e oportunidade de convívio familiar e comunitário, e cujas necessidades e
disponibilidade indiquem a inclusão no serviço (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO
SOCIAL E COMBATE À FOME, 2009).
No Lions Sobral é desenvolvido o SCFV e o CCI, sendo que a diferença entre eles é
que,

O SCFV é um serviço tipificado da PNAS, com o objetivo de trabalhar a


convivência, a socialização, o fortalecimento de vínculos familiares e
comunitários, desenvolver habilidades, potencialidades e o reconhecimento
dos usuários em relação a serem sujeitos de direitos. Trabalha em parceria
com o CRAS.
O CCI é um serviço da política do idoso, local onde os participantes se
encontram para a prática de atividades e socialização. (Orientadora Social).

Sobre o SCFV, conforme já explicitado neste trabalho, faz parte da proteção social
básica desenvolvida pelo CRAS e podem ser realizados na sede dessa instituição ou em outros
espaços, mas sendo referenciado por ele. No que se refere ao CCI, a garantia do direito a
participação se dar mediante o que prevê a Política Nacional do Idoso (PNI) - (Lei nº 8.842,
de 4 de Janeiro de 1994), que no

Art. 10. Na implementação da política nacional do idoso, são competências


dos órgãos e entidades públicos:
I - na área de promoção e assistência social:
a) prestar serviços e desenvolver ações voltadas para o atendimento das
necessidades básicas do idoso, mediante a participação das famílias, da
sociedade e de entidades governamentais e não-governamentais.
b) estimular a criação de incentivos e de alternativas de atendimento ao
idoso, como centros de convivência, centros de cuidados diurnos, casas-
lares, oficinas abrigadas de trabalho, atendimentos domiciliares e
outros; (BRASIL, 1994).

O CCI é destinado para participação de pessoas idosas, ou seja, é um direito dessa


população, que não necessitam estar sendo acompanhadas pelo CRAS, nem inseridas no
108

SCFV, que tem alguns critérios, conforme já mencionado. O CCI é local de desenvolver
atividades e socialização.
Segundo o documento de Orientações Técnicas do SCFV para pessoas idosas, os
grupos devem ser compostos de 25 pessoas, com variação de 15 a 30 participantes, o que irá
depender do espaço físico, recursos humanos e das demandas, caso ultrapasse o número de 30
pessoas idosas, o ideal é criar mais de um grupo (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO
SOCIAL E COMBATE À FOME, 2012). O SCFV deve ser organizado com encontros
regulares, encontros mensais ou no final de cada percurso, oficinas e atividades de convívio.
Sobre a forma que deve ser realizado “[...] o trabalho com grupos no contexto do Serviço de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos deve se fundamentar no diálogo, no respeito e na
valorização do conhecimento, experiências e interesses dos participantes.” (MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2012, p. 56).
O documento sugere ainda que a organização do SCFV pode ser com duração de doze
meses com atividades em cinco percursos, sendo cada um deste com dois meses, e os dozes
meses deve incluir a organização e planejamento das atividades (MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2012).
O documento propõe uma metodologia de trabalho no SCFV para pessoas idosas que
se estrutura em 3 eixos: “1) Convivência Social e Intergeracionalidade; 2) Envelhecimento
Ativo e Saudável; e 3) Autonomia e Protagonismo”. (MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2012, p. 56).
No que se refere ao eixo de Convivência Social e Intergeracional,

A convivência intergeracional valoriza a contribuição da pessoa idosa para


sociedade, reduz os preconceitos, produz novos sentidos e papéis sociais
para as pessoas idosas, promove trocas afetivas e culturais, fortalece o
sentimento de utilidade e enriquece o aprendizado das novas gerações com a
vivência e experiências de pessoas mais velhas. (MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2012, p. 57).

Nesse eixo é destacada a contribuição que a pessoa idosa pode trazer para outras
gerações, que através da sua memória-lembrança, poderá transmitir suas experiências de vida.
Além disso, poderá ter o sentimento de utilidade, ter a diminuição do preconceito por
questões etárias, entre outras coisas que vem sendo discutido nesse trabalho.
No tocante ao segundo eixo de Envelhecimento Ativo e Saudável, deve ser
desenvolvido a partir do foi definido na AME (2002), com a intersetorialidade das políticas
109

públicas e a participação do Estado, da sociedade civil e dos usuários (MINISTÉRIO DO


DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2012), assim,

Este eixo traduz a concepção do direito ao processo de envelhecer com


dignidade e congrega uma visão de velhice ativa e saudável. Desta maneira,
é por meio deste eixo que o Serviço de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos para Pessoas Idosas é estruturado de modo a proporcionar entre os
participantes uma vivência da velhice de maneira integrada, ativa e saudável
com a orientação sobre práticas de autocuidado. (MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2012, p. 58).

Focar nas atividades de autocuidado, para uma velhice ativa e saudável, prestando
orientações para população idosa sobre autocuidados para evitar, por exemplo, quedas, o que
é, sem dúvida, de grande importância e relevância social, mas é necessário atentar também
para o fato de que a conquista de uma velhice ativa e saudável não está apenas atrelado aos
cuidados nessa fase de vida, mas as condições objetivas de vida que a pessoa teve durante sua
existência, incluindo as condições socioeconômicas e de acesso aos direitos sociais. Não
adianta ensinar práticas de como viver bem na velhice, desconsiderando as condições
objetivas de vida, e acreditar que a velhice será ativa e saudável, tais práticas poderão
contribuir sim para amenizar as expressões da questão social na velhice.
O terceiro eixo se refere à Autonomia e Protagonismo, visa contribuir para que a
pessoa idosa possa produzir suas escolhas e decisões, tendo independência, voz, e podendo
expressar suas necessidades, e controlar sua própria vida; já o protagonismo visa à
participação social, “[...] tendo como referência a participação de sua geração na construção
da sociedade atual e as possibilidades presentes e futuras de contribuição social da pessoa
idosa.” (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2012,
p. 58).
O documento traz, ainda, 6 temas transversais, quais sejam:
- Envelhecimento e Direitos Humanos e Socioassistenciais: Atividades que
envolvam conteúdos de direitos humanos e da legislação específica da população idosa;
- Envelhecimento Ativo e saudável: Trabalhar questões relacionadas a aspectos
biológicos, psicológicos, emocionais, espirituais e sociais do envelhecimento;
- Memória, Arte e Cultura: Deve valorizar a importância da memória, com
atividades com rodas de conversas sobre histórias de vida e da comunidade, além de valorizar
a expressão artística;
- Pessoa Idosa, Família e Gênero: Discussões sobre a atual configuração da família,
a questão de gênero na velhice, as funções atribuídas à mulher idosa e ao homem idoso;
110

- Envelhecimento e Participação Social: Reflexões sobre o lugar da pessoa idosa na


sociedade e sua forma de contribuição, ou seja, sua participação como cidadã;
- Envelhecimento e Temas da Atualidade: São desenvolvidas atividades que
envolvam temas atuais, como por exemplo, relacionados às tecnologias (MINISTÉRIO DO

DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2012).


Os três eixos estruturantes e os seis eixos transversais devem ser desenvolvidos no
grupo formado no SCFV durante os percursos de duração de um ano, para alcançar os
objetivos propostos.
O documento cita exemplo de oficinas, encontros que podem ser trabalhos com a partir
dos eixos propostos, destacamos o tema memória, para citar como exemplo, neste caso, poderia
fazer um encontro entre os (as) usuários (as) e trabalhar com álbuns de fotos pessoais, num
próximo encontro ampliaria para participação da comunidade, através de uma exposição que
contaria sobre os modos e costumes da geração das pessoas idosas, momentos históricos que
participaram, história do bairro, entre outras coisas, sendo uma oportunidade de aproximação
com a comunidade para fortalecer vínculos, além de oportunidade de valorização das
experiências das pessoas idosas (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E

COMBATE À FOME, 2012).


Discutimos aqui o surgimento do trabalho social com pessoas idosas através dos
CCI’s, e a reorganização dos serviços da assistência social, e do SFCV do Lions Sobral, e
analisamos o documento de orientações Técnicas deste serviço para pessoas idosas e
percebemos que existe um dos seus eixos estruturantes que aborda a questão da memória, e
sua contribuição para a pessoa idosa sentir-se útil e para intergeracionalidade. Mas
destacamos que podem existir dois tipos de memória, e ambas podem ser trabalhadas dentro
do serviço, pois tem o eixo que envolve as questões de envelhecimento ativo e saudável com
práticas de autocuidado, que pode trabalhar a questão da memória para evitar esquecimentos,
por exemplo. Assim como existe o eixo de memória, arte e cultura que valoriza a memória
sobre a história de vida da pessoa idosa. Além disso, tem o eixo que trabalha a
intergeracionalidade, e a memória é um forte meio de se trabalhar tal temática.
111

3.4 A voz do silêncio: a percepção dos (as) velhos (as) usuários (as) do SCFV sobre sua
valorização social

Discutiremos aqui sobre o perfil dos (as) participantes do SCFV, e em seguida a


análise das falas concedidas durante as entrevistas, com objetivo de identificar nas ações do
serviço se existe trabalho com a memória, e se este favorece o fortalecimento de vínculo e a
valorização social da pessoa idosa; e compreender a percepção das pessoas idosas usuárias
dos serviços prestados pelo SCFV Lions Sobral a respeito do trabalho com a memória
enquanto ação para o fortalecimento de vínculo familiar e valorização social do segmento
idoso.

3.4.1 Perfil dos usuários do SCFV do Lions Sobral

Para o alcance do objetivo geral, traçamos o perfil socioeconômico dos (as)


participantes do SCFV, para conhecer quem são os (as) usuários (as) inseridos (as) neste
serviço, que faz parte da política de assistência social. Utilizamos informações contidas nos
prontuários que ficam no CCI Lions Sobral, onde é desenvolvido o SCFV e também foi
necessário o acesso aos prontuários que ficam no CRAS, para complementar algumas
informações.
Os dados a seguir versam sobre sexo, idade, estado civil, escolaridade, renda, com
quem reside, número de filhos e motivo de entrada no SCFV. No período da coleta de dados
nos prontuários, o serviço contava com 72 usuários (as), sendo que destes, 68 possuíam a
partir de 60 anos de idade ou mais, e 4 eram pessoas adultas com menos de 60 anos, pois o
serviço também inclui esse público e sobre isso, Antunes e Alves (2004, p 339) afirmam
que “[...] vem ocorrendo também a exclusão dos trabalhadores considerados ‘idosos’ pelo
capital, com idade próxima de 40 anos e que, uma vez excluídos do trabalho, dificilmente
conseguem reingresso no mercado de trabalho [...]”, adultos que são excluídos do trabalho
pelo capital e que podem também sofrer outros tipos de exclusões e discriminações numa
sociedade capitalista e desigual.
Ainda sobre a inclusão de pessoas adultas no serviço, o documento de orientações
técnicas (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME,
2012) ressalta que, mesmo sem atingir a idade estabelecida pela legislação, tem-se que
observar sua história e suas condições objetivas de vida, e a partir disso, avaliar a necessidade
ou não de encaminhamento para o serviço, pois
112

[...] ainda que exista uma faixa etária específica a ser atendida pelo SCFV
para pessoas idosas, aquele que ainda não completou 60 anos, mas já
enfrenta situações de fragilidade de vínculos, de autonomia ou de falta de
acesso a direitos, poderá ser atendido pelos serviços, tendo em vista o seu
caráter protetivo. (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E
COMBATE À FOME, 2012, p. 34).

O serviço tem uma perspectiva protetiva e visa à prevenção, assim deve atingir as
pessoas que necessitarem de atendimento, independente da sua idade, uma vez que na
sociedade capitalista “[...] não há como deixar de considerar nesse sistema a introdução e
desenvolvimento, na era moderna, de uma dinâmica de expropriação – violenta – do tempo de
vida humana, cujo controle atende aos requisitos da mais-valia.” (PAIVA, 2014, p 125).
No que se refere ao sexo das pessoas usuárias do SCFV desenvolvido no Lions Sobral,
segue a tabela que mostra os resultados:

Quadro 2- Sexo dos usuários do SCFV


SEXO Quantidade de pessoas PORCENTAGEM
Masculino 14 19,5%
Feminino 58 80,5%
Total 72 100%
Fonte: Elaborado por Maria Florência dos Santos.

No que se refere ao sexo, a grande maioria é de mulheres representando a quantidade


de 58 pessoas (80,5%), o que evidencia que as mulheres participam mais do que os homens
desses espaços, e mostra também a feminização na velhice, ou seja, que nesta etapa da vida
existem mais mulheres do que homens, o que vai de acordo com os dados nacionais, como foi
explicitado no primeiro capítulo. Para Berzins (2003, p. 29), alguns dos fatores que podem
contribuir para maior expectativa de vida das mulheres seriam “[...] a proteção hormonal do
estrógeno, inserção diferente no mercado de trabalho, consumo diferente de álcool, postura
diferente em relação à saúde/doença e relação diferente com os serviços de saúde”, como já
abordado no primeiro capítulo, Veras (2001) também ressaltou que fatores relacionados à
exposição a acidentes, o uso de tabaco e álcool, as atitudes diferenciadas entre homens e
mulheres sobre saúde/doença e uso dos serviços disponíveis, contribuem para diferença na
expectativa de vida entre homens e mulheres, fazendo com que estas últimas tenham maior
expectativa de vida.
Desta forma, Berzins (2003, p. 28) ressalta que as desigualdades por sexo são
resultado das condições estruturais e socioeconômicas que podem afetar a saúde, a renda e a
dinâmica familiar, demandando políticas de proteção social, além disso,
113

[...] viver mais, não é sinônimo de viver melhor. As mulheres acumulam, no


decorrer da vida, desvantagens (violência, discriminação, salários inferiores
aos dos homens, dupla jornada, etc.) e as mulheres têm mais probabilidade
de serem mais pobres do que os homens e dependerem mais de recursos
externos.

O fato das mulheres estarem vivendo mais, não significa que tenham qualidade, assim
é necessário ficar atento para as condições de vida da pessoa idosa, para entender como está
acontecendo esse processo de envelhecimento.

Quadro 3- Faixa etária dos usuários do SCFV


FAIXA ETÁRIA QUANTIDADE DE PORCENTAGEM
PESSOAS
Adultos com menos de 60 4 5,56%
60 a 65 anos de idade 13 18,05%
66 a 70 anos de idade 23 31,94%
71 a 75 anos de idade 14 19,44%
76 a 80 anos de idade 12 16,67%
81 a 85 anos de idade 4 5,56%
86 a 90 anos de idade 2 2,78%
TOTAL 72 100%
Fonte: Elaborado por Maria Florência dos Santos.

No que se refere à idade dos usuários do SCFV, percebemos que a predominância é


das pessoas idosas com idade entre 66 a 70 , seguido dos idosos com idade entre 71 a 75 anos
de idade, o que também vem corroborar com a referência bibliográfica que mencionamos
neste trabalho, a exemplo de Papalia, Olds e Feldman (2006), que afirmam existir uma divisão
entre as pessoas idosas de acordo com a idade, uma vez que à medida que esta aumenta, a
pessoa idosa poderá ter a tendência de ser acometida por enfermidades 12 e até não
desenvolver todas as atividades da vida diária, o que também poderá limitá-la a frequentar
espaços públicos, que extrapolem o ambiente doméstico, inclusive a participação em SCFV.

12
Embora concorde-se com os autores, defendemos que a velhice não é sinônimo de doença, mas que o corpo
poderá ficar mais frágil e que algumas enfermidades já existentes poderão se agravar nesta fase, e que na
velhice a pessoa vai sentir os reflexos das condições socioeconômicas que teve.
114

Quadro 4- Escolaridade dos usuários do SCFV


Faixa etária Quantidade de Pessoas Porcentagem
Não alfabetizado 2 2,78%
1ª a 4ª série do ensino 52 72,22%
fundamental
5ª a 8ª série do ensino 11 15,28%
fundamental
Ensino médio 5 6,94%
Em alfabetização 2 2,78%
TOTAL 72 100%
Fonte: Elaborado por Maria Florência dos Santos.

Sobre a questão educacional e o grau de escolaridade, evidenciamos que 72,2% dos


usuários do serviço possuem apenas de 1ª a 4ª série do ensino fundamental, sendo que
15,28%, possuem de 5ª a 8ª série do ensino fundamental, e apenas 6,94% possuem o ensino
médio completo, e 2,78% estão em processo de alfabetização, e 2,78% são analfabetos, não
tendo sido identificado nenhum usuário do serviço com nível superior. Dados que revelam o
baixo nível de escolaridade dessa população, demonstrando a situação do acesso e da
permanência na escola, embora não tenha sido objetivo dessa investigação identificar os
motivos que levaram essas pessoas a não concluírem o ensino fundamental completo e/ou o
ensino médio, e até de atingir outros níveis de escolaridade, mas observamos que a grande
maioria deles (as) iniciaram o processo de alfabetização, mas não concluíram níveis básicos
de escolaridade, e num país como o Brasil, em processo de desenvolvimento e de capitalismo
periférico, isso só demonstra as altas taxas de desigualdades e da falta de garantia de direitos
sociais, neste caso o direito à educação formal.
Diante desta realidade, ressaltamos que apenas em 1988 os direitos sociais como
educação, saúde, lazer, entre outros, foram incorporados na constituição como dever do
Estado e direito de todo cidadão, e a partir daí surgiram leis que vieram regulamentá-los.
Observando a faixa etária dessa população, percebemos que em finais da década de 1980,
todos já eram adultos em idade ativa para o mercado de trabalho, período que ainda não era
obrigatório frequentar a escola.
Relacionando os dados de baixa escolaridade com a Política de Envelhecimento Ativo,
que traz três eixos como principais, sendo eles: saúde, participação e segurança, embora para
alcançar tais objetivos é necessário a materialização dos direitos sociais durante toda a
trajetória de vida, para que ao chegar aos 60 anos de idade, período reconhecido na legislação
brasileira como início da velhice, o indivíduo possa ter qualidade de vida e uma velhice com
autonomia. O que não pode acontecer é deixar de garantir direitos e culpabilizar as pessoas
115

pelas suas vulnerabilidades e dependências, sejam físicas, sociais ou econômicas. A educação


é a porta de entrada para o conhecimento, podendo proporcionar o acesso ao mercado de
trabalho, o conhecimento sobre questões de práticas saudáveis de saúde, entre outras
informações importantes para ter mais qualidade de vida, além de ser por meio do
conhecimento que poderá ser possível a emancipação do ser humano. Ressaltamos ainda que
não é apenas o acesso ao conhecimento por meio da educação que poderá proporcionar uma
vida mais saudável, mas através do acesso a um conjunto de direitos sociais.

Quadro 5- Estado Civil dos usuários do SCFV


Estado civil Quantidade de pessoas Porcentagem
Casados (a) 12 16,67%
Divorciados (a)/Separados (a) 16 22,22%
Viúvos (a) 34 47,22%
União estável 1 1,39%
Solteiros (a) 9 12,5%
TOTAL 72 100%
Fonte: Elaborado por Maria Florência dos Santos.

No que se refere ao estado civil dos (as) 72 usuários (as) do serviço, tem-se 47% que
são viúvos (as), sendo 22,22% que são separados (as) ou divorciados (as), e 12,5% são
solteiros (as) e 1,3 possui união estável. Portanto, a maioria são viúvos (as), é interessante
notar que Torres (2006, p. 7) realizou uma pesquisa intitulada “A viuvez na vida dos idosos”,
os resultados mostraram que a viuvez “[...] para alguns idosos é sinônimo de solidão, de
melancolia e tristeza pelo fato de não ter mais o companheiro ao seu lado, para outros revelou
um sentimento de alívio, de liberdade. Além disso, um deles referiu a viuvez como um evento
natural da vida de um casal.”

Quadro 6 - Renda dos usuários do SCFV


Renda Quantidade de pessoas Porcentagem
Aposentados (a) 27 37,5%
Aposentados e pensionistas 13 18,05%
Pensionistas 12 16,67%
Benefício de Prestação 9 12,5%
Continuada – BPC
Sem renda fixa 11 15,28%
Total 72 100%
Fonte: Elaborado por Maria Florência dos Santos.

A renda dos (as) usuários (as) do SCFV, que é proveniente apenas de aposentadorias,
representa 37,5% do total; de aposentadorias e pensões 18,05%; apenas de pensões 16,67%; e
116

de BPC 12,5% ; e os que não possuem fixa representa 15,28%. Ressaltando que estes (estas)
sem renda fixa sobrevivem de aposentadorias do esposo (a), do pai/mãe, de BPC de algum
parente com o qual reside, do Programa Bolsa Família (PBF), de aluguel de imóveis e do
trabalho rural, não possuindo uma renda fixa própria, sendo dependentes da renda de
familiares, de programas de transferência de renda do governo, do próprio trabalho e/ou de
aluguel de algum imóvel. Realidade que mostra a desproteção social que alguns brasileiros
ainda vivem e que pode piorar com a chegada da velhice.

Quadro 7 - Com quem residem os usuários do SCFV


Reside Quantidade Porcentagem
Sozinho 32 44,44%
Filho (a) 16 22,22%
Companheiro (a) esposo (a) 10 13,89%
Companheiro (a)/ esposo (a)/ 7 9,72%
filhos (s) e outros parentes
Outros familiares 7 9,72%
TOTAL 72 100%
Fonte: Elaborado por Maria Florência dos Santos.

Percebemos, com os dados apresentados, que há uma predominância de pessoas idosas


residindo sozinhas, 32 pessoas (44,44%), o que é positivo, pois mostra que esse segmento
possui autonomia para desenvolver suas atividades básicas da vida diária. Segundo a Berzins
(2003), o número de idosos (as) morando sozinhos (as) aumentou e pode estar ocorrendo
devido às condições de vida proporcionada pelos centros urbanos que possuem a oferta de
diversos serviços. Ainda segundo essa autora, há um maior número de mulheres residindo
sozinhas, que pode ser explicado pela maior longevidade feminina, e até pelo fato dos homens
casarem com mulheres mais jovens. Mas o fato das mulheres viúvas estarem morando
sozinhas não quer dizer que elas sofrem com solidão ou abandono, pelo contrário, pode ser
liberdade, uma vez que com a morte do marido e a saída dos filhos de casa, sentem-se livres
das rotinas doméstica, podendo nessa fase da vida dedicar-se mais a si mesmo e a atividades
que lhe dão prazer (BERZINS, 2003).
Neste caso, é importante observar se esses idosos possuem filhos, assim a tabela a
seguir mostra esses resultados:
117

Quadro 8- Número de filhos (as)


Filhos (as) Quantidade Porcentagem
Não possui 6 8,33%
Possui de 1 a 3 filhos (as) 34 47,22%
Possui de 4 a 6 filhos (as) 20 27,78%
Possui de 7 a 9 filhos (as) 10 13,89%
Possui 10 ou mais filhos (as) 2 2,78%
Fonte: Elaborado por Maria Florência dos Santos.

A maioria dos (as) usuários (as) do SCFV possuem filhos (as), sendo apenas 6 que não
possui (8,33%). Os dados revelam que 47,22% possuem de 1 a 3 filhos (as), o que demonstra
a queda na taxa de fecundidade, pois apenas 27,78% tiveram de 4 a 6 filhos (as) e apenas
13,98% tiveram de 7 a 9 filhos (as), assim podemos associar com os dados do Ministério Do
Planejamento, Orçamento e Gestão (2011, p. 44): “Segundo as informações provenientes do
Censo 1960, uma mulher ao final de seu período fértil teria em média 6,3 filhos, sendo de 5,0
filhos e 8,4 filhos as taxas para as áreas urbana e rural, respectivamente.” Assim, 47,22% da
geração dos (as) usuários (as) do SCFV atingiram uma significativa queda na taxa de
natalidade acima do previsto no censo de 1960, o que pode ter sido ocasionado pela política
de saúde pública, que iniciou-se através de campanhas de vacinação, até a conquista do SUS,
dentre outras políticas, podemos citar ainda a questão da urbanização, pois os dados mostram
que nas áreas urbanas o número de filhos por mulher tende a ser menor do que nas áreas
rurais.
A diminuição no número de filhos por mulher só tende a crescer, sem contar aquelas
pessoas que não possuem filhos, assim, resta refletir se tanto quem possui, como quem não
possui, conta com apoio e assistência seja por parte dos filhos e/ou de outros familiares ou
amigos. É uma preocupação contemporânea, pois devido ao prolongamento no número anos
de vida, a tendência é que quanto maior a idade, mais chances de tornar-se dependente e
necessitar de ajuda de terceiros, ressaltando que aumenta-se o número de anos, sem
necessariamente aumentar a qualidade de vida.
118

Quadro 9 – Motivo de entrada no SCFV


Motivo Quantidade Porcentagem
Isolamento social 38 52,78%
Violência psicológica, 8 11,11%
patrimonial
Público da assistência 19 26,39%
Deficiência 6 8,33%
Isolamento e deficiência 1 1,39%
Total 72 100%
Fonte: Elaborado por Maria Florência dos Santos.

Associado ao número de pessoas idosas residindo sozinhas, ao número de filhos (as) e


o motivo de entrada no serviço, percebe-se que grande parte foram referenciadas para o SCFV
pelo motivo de isolamento social, entendido na tipificação como “Idosos com vivências de
isolamento por ausência de acesso a serviços e oportunidades de convívio familiar e
comunitário, e cujas necessidades, interesses e disponibilidade indiquem a inclusão no
serviço.” (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME,
2009, p.16). Destarte, tal isolamento pode ser pela ausência de oportunidades de usufruir dos
serviços existentes na comunidade na qual reside, assim como pela ausência de convivência
com a família e com a própria comunidade. Mas ressaltamos que residir com um familiar não
significa que a pessoa idosa esteja isenta de sofrer com o isolamento social, pois mesmo numa
casa cheia, poderá ser desprezado, ser colocada num canto, não ter sua opinião considerada e
não receber atenção, pois mesmo residindo em locais diferentes a família (filhos (as), noras,
genros, netos (as), irmãos, irmãs, entre outros) podem manter contato diário com seus
parentes idosos (as) e dar-lhes atenção.
Outros motivos que podem contribuir para o isolamento social desse grupo etário, a
exemplo do desconhecimento/desinformação de serviços públicos disponíveis para atender
suas necessidades, a falta ou dificuldade no acesso, a distância, os estigmas, preconceitos e
discriminações, enfim, diversas barreiras que podem dificultar para que as pessoas idosas
tenham contato com sua comunidade. Restando para elas, o isolamento social.
As pessoas idosas que deram entrada no SCFV por serem público da assistência social
são aquelas que se encaixam nos demais critérios estabelecidos pela Tipificação Nacional dos
Serviços Socioassistenciais, a exemplo de serem beneficiárias do BPC ou de algum programa
de transferência de renda, pois busca-se a prevenção de situações e vivências de isolamento,
de quebra de vínculos e de violência, esta última já é a violação de direitos.
119

Também teve um número de pessoas que já sofreram algum tipo de violência, seja
psicológica ou patrimonial, e o serviço busca justamente contribuir com a autonomia dos (as)
seus (suas) usuários (as) e evitar o rompimento dos vínculos, uma vez que, mesmo com a
violação de um direito, os vínculos ainda podem existir e necessitar de um trabalho efetivo
para que se restaurem e não ocorra seu rompimento e para que a violência seja superada. A
deficiência também é outro motivo que poderá levar a inclusão no serviço, pois além da idade,
conviver com algum tipo de deficiência pode ser motivo de discriminação e preconceito nessa
sociedade.
Conhecer o perfil de quem são os (as) usuários (a) da PNAS, especificamente do
SCFV, permitiu-nos compreender, que apesar dos efeitos da política neoliberal, vimos a
importância da PNAS, visto que esse grupo etário está sujeito a diversas violações, que muitas
vezes iniciou-se em outras etapas da vida, com a falta e/ou deficiência na escolarização, no
acesso ao mundo do trabalho formal, que lhe permita o acesso aos direitos trabalhistas, a
exemplo da aposentadoria. Destarte, seguiram uma trajetória de vida que na velhice sofrem
reflexos de violações que se deram ao longo de suas vidas, vivenciando a violência
psicológica, tão comum numa sociedade preconceituosa, violência patrimonial, entre tantas
outras, e falta ou carência de convívio com a família e com a comunidade e de acesso aos
bens e serviços públicos.
A falta de acesso a bens e serviços públicos pode ter se dado ao longo da vida e só
piorar com a chegada da velhice. Embora o SCFV tenha muito que melhorar, a TNSS mostra
isso, pois visa reordená-lo no país, não se pode negar que é uma ação que atende pessoas que
estão sujeita a vivenciar algum tipo de violação de direitos, sem contar àquelas pessoas que já
sofreram alguma violação, então prevenir e recuperar é, na verdade, o objetivo do trabalho
desenvolvido pelo SCFV, que tem uma importância imensurável na sociedade, tendo em vista
o que vem mostrando os dados demográficos, que num futuro próximo, o Brasil será um país
de população envelhecida.
Resta-nos saber o que pensam as pessoas idosas, usuárias do SCFV, sobre a sua
valorização social na sociedade do capital.

3.4.2 O Significado da valorização social para as pessoas idosas

É assim a gente percebe, eu percebo às vezes se eu não percebo em mim, eu


percebo no meu próximo que já envelheceram mais, então sobre o jeito das
pessoas tratar, a gente percebe que as pessoas já não valorizam mais, não é
igual, antigamente o idoso ele era nossa [...] a pessoa retratada, olha você
120

tem que ser como fulano, a pessoa se retratava sobre aquela pessoa, hoje em
dia parece que já não [...]. (Senhora B5).

Usamos nomes fictícios para os sujeitos participantes da pesquisa, respeitando o


anonimato e os preceitos éticos em pesquisa envolvendo seres humanos. Destarte, o total de
participantes da pesquisa contabiliza 10 indivíduos, sendo 7 do sexo feminino e 3 do sexo
masculino, as mulheres serão chamadas como Senhora B e os homens Senhor B, um
devidamente enumerado: Sendo as Senhoras B1, B2, B4, B5, B6, B7, e B10, e os Senhores:
B3, B8 e B9.
Sobre o perfil dos (as) participantes da pesquisa segue alguns dados: duas viúvas e um
viúvo (sendo que este possui uma companheira), duas divorciadas, uma possui união estável,
uma solteira e um solteiro e duas são casadas. Dos (as) 10 participantes, cinco moram
sozinhos (as) e 5 residem com esposo (a)/companheiro (a), filhos (as)/netos (as) e mãe e/ou
irmão (irmã). Uma participante e um participante não possuem filhos (as), os demais
possuem.
Neste item tratamos acerca dos resultados das entrevistas, que passou por uma análise
de conteúdo. Inicialmente, sobre o que seria valorização social? A forma como se sentem
enquanto pessoa, no que se refere à valorização? E sobre suas memórias e experiências de
vida, estas são valorizadas?
A Senhora B1, ao ser indagada sobre o que seria valorização social, fez uma reflexão e
asseverou:

Bom, valorização social, eu acho assim, a gente não é muito valorizado né, o
pessoal não dá muito valor a gente nessa sociedade né? A gente não tem
muito valor não. (Senhora B1).

Ela respondeu usando o termo “a gente” se referindo à categoria idoso (a) e afirmou
que esse segmento não é valorizado na sociedade, ressaltando que é necessário atentar para
que tipo de sociedade é esta a qual ela se refere: a sociedade atual, que é capitalista e que
valoriza a produção através do trabalho, uma vez que é a partir da exploração que o capital se
autovaloriza. É uma sociedade que busca o lucro, e o trabalhador (a) não se engane,
acreditando que é valorizado (a) pela empresa, pois o que interessa ao capitalista é apenas a
sua força de trabalho, enquanto ela estiver em condições de ser explorada.
A sociedade atual é marcada pela produção e consumo de mercadorias e, nesse tipo de
organização social, retomando uma discussão já realizada neste trabalho, Bosi (1994, p. 78)
afirma que “Quando se vive o primado da mercadoria sobre o homem, a idade engendra
121

desvalorização [...]”, ou seja, vive-se no reino da mercadoria, e é esta quem tem valor, e a
classe trabalhadora e subalterna só vale enquanto pode disponibilizar a sua mercadoria, que é
a sua força de trabalho, a disposição do capital, e à medida em que vai envelhecendo, vai
também perdendo o seu valor de uso.
Ainda sobre o que seria valorização social,

[...] as pessoas ver né, não é porque a gente é assim idosa que eles não ver
né, através de ver a gente assim, aquele rosto sofrido, do jeito que a gente é,
dar pra notar que a gente foi assim igual eles também né, nasceu, cresceu,
passou muitos problemas né, e agora a gente conseguiu cuidar um pouco né
da família né, e ai a gente hoje tá como tá né? Então esse valor, eles não
valorizam a gente né, eles valorizam outras coisas né, que não tem
importância. (Senhora B1).

A minha opinião é a sociedade respeitar os direitos dos idosos, saber o que


nós precisamos né? E saber valorizar nós. (Senhora B2).

O que significa valorização, olha valorização é quando a gente vai tendo a


experiência, tem valor nas coisas, a gente dar mais valor né? (Senhor B3).

Ah, na minha opinião é o carinho que a gente recebe, o valor que eu vejo
que as pessoas reconhecem, tanto a família, como aqui no grupo de
convivência, como qualquer lugar que eu vou eu não sei se é porque eu
também me dou valor, ai eu sei o lugar que eu tenho que andar, como eu
tenho que andar, com quem eu vou conversar. (Senhora B7).

A partir das respostas dadas, percebemos que para os (as) participantes da pesquisa,
valorização social se refere a algo que tem algum tipo de importância na sociedade, seria a
forma como as pessoas olham e/ou de como tratam algo/alguém. A participante Senhora B1
dá um exemplo mostrando que a sociedade não consegue enxerga que por traz de um rosto
sofrido de uma pessoa idosa, possa existir uma história de vida, que perpassa a infância, a
adolescência, a fase adulta, e que durante sua trajetória enfrentou dificuldades, que construiu e
cuidou de uma família, enfim, uma história cheia de experiências vividas, que ultrapassa o
imediato de um rosto sofrido e de um corpo envelhecido. Além da aparência imediata, existe
um ser humano que possui histórias sobre sua infância, suas brincadeiras, histórias da sua
adolescência, da cultura da sua época de juventude, enfim histórias de uma vida inteira.
Já a participante a Senhora B2 fala que valorizar é respeitar os direitos da pessoa
idosa, assim ela dar o conceito de valorização através desse exemplo. Desta forma, Soares e
José Filho (2012) corroboram com esse tipo de valorização, pois segundo essa autora e esse
autor a valorização da pessoa idosa pode ser através das garantias previstas no Estatuto do
Idoso, que perpassa: a valorização do trabalho do (a) idoso (a), a valorização do (a) idoso (a)
122

enquanto sujeito de direitos, a valorização da educação dos (as) idosos (as), a valorização no
atendimento preferencial, a valorização no direito à saúde, a valorização em relação à cultura
e lazer, e ao transporte. Tal Estatuto assegura direitos que visam tender necessidades da
pessoa idosa e assim valorizá-la como cidadão, mas isso só ocorre se o Estado efetivar tais
direitos e a sociedade conhecer e respeitá-los.
No que se refere à valorização no trabalho, o Estatuto do idoso prevê no seu o Art. 28
que o poder público crie programas de incentivo para contratar pessoas idosas, mas,

Em relação ao mundo do trabalho, ser idoso poderia significar ser mais


valorizado devido ao acumulo de experiência e conhecimento, todavia, na
sociedade, ocorre o contrário; se vivenciamos condições precárias de
trabalho para a maioria dos cidadãos, a idade caracteriza-se mais um
fator de exclusão do mercado de trabalho e de condições dignas de vida.
(SOARES; JOSÉ FILHO, 2012, p. 22-23, grifo nosso).

Para Soares e José Filho (2012, p. 12-13), na velhice ocorre “[...] uma mudança que
inclui redução da renda, sensação de ociosidade e de perda de importância social [...]”, pois
vive-se numa sociedade que valoriza o trabalho, em detrimento do trabalhador (a), e quando
este sai do mercado de trabalho, perde também a importância que teve, ressaltando que tal
importância não é dada ao ser humano, mas aquilo que ele pode produzir.
Sobre o questionamento de sentir valorizado (a) como pessoa, grande parte dos (as)
participantes afirmaram que se sentem valorizados (as) sim como pessoas, e ressaltaram a
valorização recebida da família, dos amigos e do serviço de convivência. Já o Senhor B3,
ressaltou que

Sinto, sinto valorizado, hoje em dia eu sinto, antes eu não senti muito não,
mas, hoje em dia eu sinto valorizado. (Senhor B3).

Quando indagado o por quê antes não sentia essa valorização,

Ah, porque antes assim a pessoa tinha muitas assim um tipo de preconceitos,
era [...] a gente trabalhava, ficava aguentando humilhação, hoje não tem
mais disso. Ninguém hoje aguenta humilhação dos outros, porque a gente vai
aprendendo e vem aprendendo sobre as palavras as coisas que a gente escuta.
A gente, hoje em dia, a gente sabe mais conversar com as pessoas tanto faz
de uma classe como na outra, então a gente é mais valorizado. Porque a
gente foi criado assim, no meio de muitas pessoas, de tudo quanto é jeito de
pessoa, então hoje eu sinto valor, eu acho que as pessoas dão mais valor a
gente. (Senhor B3).
123

Ele ressalta que na época que trabalhava sofria preconceitos, humilhações e hoje não
sofre mais com isso, uma vez que aprendeu e atualmente ninguém é obrigado a aguentar esse
tipo de atitude das pessoas. Percebemos, a partir da fala dele, que hoje ele tem conhecimento
sobre as legislações que versam sobre essa temática, inclusive sobre a população idosa,
informações que foram adquiridas através da sua inserção no serviço.
Ainda sobre ser valorizada como pessoa, a Senhora B6 enunciou:

Como pessoa? Porque aqui eu aprendi muito sabe, aqui foi uma [...] foi uma
benção de Deus na minha vida sabe, a coisa mais boa que me aconteceu,
porque eu era sou uma pessoa assim muito, assim muito como eu quero dizer
[...] muito parada sabe, assim eu não gostava nem de conversar, eu era muito
fechada, as vezes eu tinha uma coisa, mas [não] contava pra ninguém, ficava
fechada comigo sabe, eu não tinha coragem de falar, ficava tudo calado, não
falava nada com ninguém, era muito tímida, aí depois que eu vim pra cá eu
me soltei mais sabe, deixei de ser um pouco tímida, estou mais aberta e foi
aqui que me ajudou. (Senhora B6).

Ela fala que, após a entrada no serviço, sua vida mudou, assim como seu
comportamento, e consequentemente podemos inferir que ela entende que agora é valorizada
como pessoa, pois conversa com outras pessoas e está mais sociável, pode-se concluir então, a
partir da fala dela, que sua vida ficou/está melhor e mais feliz.
A fala dessa participante, a Senhora B6, corrobora com a autora Gonçalves (2015, p.
57) a qual afirma que “[...] o objetivo primordial de um centro de convivência é a melhoria da
qualidade de vida das pessoas idosas através da convivência/socialização”, também corrobora
com a TNSS quando se refere aos SCFV, assegurando que podem contribuir com o
sentimento de pertença e de identidade, fortalecer vínculos e estimular a socialização (MDS,
2009).
Quando questionados (as) se são valorizados (as) pela sociedade, dos (as) 10
participantes, apenas 5 acreditam que são valorizados (as) (Senhora B2, Senhora B7, Senhor
B8, Senhor B9 e Senhora B10), pode-se exemplificar da seguinte forma,

Me sinto, me sinto, eu sou assim uma pessoa bem querida, tem amizade com
várias sociedades né? Tanto com a nossa sociedade, com os idosos, como as
pessoas mais evoluídas tenho, me sinto sim. (Senhora B2).

Embora esta mesma participante a Senhora B2 quando indagada sobre a valorização


das suas memórias e experiências de vida pela sociedade, tenha respondido de forma
diferenciada

Não, nem todas, algumas sim, mas nem todos. (Senhora B2).
124

E deu um exemplo,

Um rapaz dentro do ônibus estava um dia chuvoso e nós tínhamos uns


exercícios aqui no CCI, e nós chegamos aqui o ônibus ia sair pra levar nós,
então nós tínhamos que está aqui até 07:30, aí o rapaz: ah esses velhos ao
invés de ficar em casa dormindo, o que eles estão fazendo dentro do
ônibus? Aí eu falei pra ele: quantos anos você tem? Ele falou: 23. Eu
falei: então de fato os velhos estão em casa dormindo, aqueles que só
sabem cobrar, ir nos canto xingar, falar assim como você. Porque qual é
a diferença, eu falei, nós somos idosos, nós estamos indo pra exercício,
nós não estamos dormindo, estamos indo pra exercício, aí ele [...] e eu passei
pra trás, ele parou, atravessou a catraca e foi lá e falou bem assim: Me
desculpa viu, você tem razão. Eu falei: não, eu espero que você valoriza nós
porque um dia você vai ficar com a nossa idade, só que você vai ter que
escolher ou idoso ou velho? Ai ele me abraçou a falou: você tem razão.
E já tem outros muitos que falam: aí quando eu tiver essa idade de 70, 60, eu
quero ser igual essas pessoas, olhe que bonito.
Não é que eu gosto de me mostrar, é que meu problema fica em casa, aqui eu
tenho que me sentir feliz, porque aqui é onde eu arejo minha mente, que eu
vou de encontro com a minha felicidade, então eu sou brincalhona, tenho
mania de brincar, de fazer piadinha com todo mundo, então muita gente
gostaria de ser igual eu, pelo meu jeito de brincar. Pra mim não tem idade,
eu brinco com todo mundo, de criança até os velhos, é meu jeito assim.
(Senhora B2).

Percebemos uma contradição, pois ela se reconhece como alguém valorizada como
pessoa, mas não acredita ser valorizada pela sociedade como alguém que detém
conhecimentos, pois através do seu exemplo, ela cita uma situação que vivenciou dentro de
um transporte público coletivo, onde foi vítima de discriminação e preconceito por ser idosa e
estar fazendo uso daquele espaço público, este exemplo mostra a falta de respeito aos direitos
da pessoa idosa, previstos no Estatuto do Idoso, no seu Capítulo II sobre o direito à liberdade,
ao respeito e à dignidade, afirmando que,

Art. 10. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a


liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos
civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis.
§ 1o O direito à liberdade compreende, entre outros, os seguintes aspectos: I
– faculdade de ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços
comunitários, ressalvadas as restrições legais. (BRASIL, 2003).

Discriminar uma pessoa idosa dentro do transporte público coletivo é ignorar seus
direitos, portanto desvalorizá-la como cidadã, não se permitindo a efetivação do direito à
liberdade de ir e vir. Além disso, também é um tipo de violência, que é definida na Lei nº
12.461 de 2011 que altera a Lei nº 10.741 de 2003, que é o Estatuto do idoso, para estabelecer
a notificação compulsória dos atos praticados contra o idoso atendido em serviço de saúde, e
125

define no Art. 19 “§ 1o Para os efeitos desta Lei, considera-se violência contra o idoso
qualquer ação ou omissão praticada em local público ou privado que lhe cause morte, dano ou
sofrimento físico ou psicológico.” (BRASIL, 2011b), o sofrimento psicológico é um tipo de
violência que a pessoa idosa sofre ao ser tratada com discriminação e preconceito pelo fato de
estar fazendo uso do transporte público, pois a presença do (a) velho (a) nesses espaços parece
incomodar algumas pessoas.
Já a Senhora B7, afirma ser valorizada pela sociedade e dá exemplos do seu cotidiano,
para mostrar como essa valorização acontece,

Ah, eu sinto, eu sinto valorizada porque o ser humano é diferente do outro


né? Mas não é todos, então todos me recebem com muita educação, com
carinho sabe, eu tô dentro do ônibus, aí senta aqui, não fica em pé não, você
pode cair, estou numa clínica, aí fica aqui na frente né, ou então o médico
chama primeiro, atende primeiro conforme a idade né, então eu acho que a
pessoa quando entra na sociedade, tem comemoração, festinha de aniversário
de criança, é aniversário de família, nossa todos me dão respeito, e brinca,
umas brincadeira muito saudável, a gente vive um momento assim de alegria
como o pessoal todo onde eu vou me sinto bem. (Senhora B7).

Como já visto neste trabalho, cada sociedade tende a tratar suas pessoas idosas de
determinada forma, de acordo com seu grau de desenvolvimento dos meios de produção e da
sua cultura, não existindo apenas valorização ou apenas desvalorização, mas podendo
coexistir as duas formas em uma mesma sociedade, sendo um processo contraditório, que é
inerente à sociedade capitalista.
Já a Senhora B7 afirma que seu direito à prioridade no atendimento em instituições
públicas/ou privadas é garantido, conforme prevê o Estatuto do Idoso no Art. 3 parágrafo
único “I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e
privados prestadores de serviços à população.” (BRASIL, 2003), nos locais que ela frequenta,
ela afirma que as pessoas garantem tal direito.
Outro direito que a Senhora B7 assegura ter garantido é o previsto na mesma
legislação no capítulo X sobre o transporte “§ 2o Nos veículos de transporte coletivo de que
trata este artigo, serão reservados 10% (dez por cento) dos assentos para os idosos,
devidamente identificados com a placa de reservado preferencialmente para idosos.”
(BRASIL, 2003), pois as pessoas cedem o lugar para ela sentar, respeitando a lei e com isso
valorizando a pessoa idosa como cidadã de direitos.
126

Ainda sobre ser valorizado (a) pela sociedade, 2 participantes acreditam que podem
ser valorizados (as) por algumas pessoas, mas por outras não (Senhora B1 e Senhora B6),
seguem duas falas que exemplificam o que elas relataram:

Pela sociedade a gente é não é muito valorizada não, são algumas pessoas só.
(Senhora B1).

Alguns sim, alguns não. (Senhor B6).

Sendo que 3 dos (as) participantes afirmaram que são valorizados (as), embora tenha
certa desconfiança (Senhora B4), outra assegurou que a valorização é apenas pela família e
amigos, pela sociedade não sabe (Senhora B5) e outro afirmou que hoje é valorizado
(Senhor B3).
Foram mencionados alguns exemplos sobre vivências do dia-dia a respeito da
desvalorização da pessoa idosa, por 5 dos (as) participantes (B1, B2, B3, B5 e B6), estes
falaram sobre a desvalorização em espaços públicos, a exemplo do transporte público
coletivo,

Ah, já, assim dentro de ônibus uma pessoa maltratar o idoso entende?
Aquela pessoa acha que não vai ficar idoso também, então dentro de ônibus
a gente já viu maltratar idoso, as vezes a gente ouve as pessoas falar
qualquer coisa, a gente ver falar sobre a pessoa idosa [...] Não é só com os
outros não, já observei comigo mesmo, aconteceu de eu passar e
cumprimentar e a pessoa nem responder, mesmo no ônibus as vezes eu entro
no ônibus, eu cumprimento o motorista, eu cumprimento o cobrador, a
cobradora, tem motorista que responde o cumprimento, tem uns que ficam
com a cara fechada, como quem diz né: que bom dia ou que boa tarde, mas
sempre que você entra e cumprimenta uma pessoa, você está desejando um
bom dia ou uma boa tarde pra ele, mas tem uns que parece que fecha até a
cara, então eu acho isso muito [...] falta de ética deles, mas faz parte
também, faz parte. Se a gente for levar tudo ao pé da letra né? Então muita
coisa a gente tem que começar a entender ah é o mundo de hoje, ah é o
mundo de hoje, se você for levar tudo ao pé não vive, então você tem que
estar sempre lembrando é o mundo de hoje. Então assim a gente vai vivendo
né? (Senhora B5).

[...] eu acho, é no ônibus, eu acho que a gente é muito humilhada, criticada,


eu acho que as pessoas olham a gente de um jeito diferente.
São as que andam no ônibus, porque alguns que acham até que a gente é
ultrapassado dentro do ônibus, pelos comentários, pelos olhares, as coisas
que a gente escuta os comentários, a gente vê que eles acham que a gente tá
sendo intruso dentro do ônibus, que a gente não devia estar ali, que a gente tá
atrapalhando, que a gente serve de atrapalho pra eles. Esse negócio de sentar,
de ceder lugar pra idoso, isso daí eles não gostam de fazer isso, tem muitos
que até brigam com a pessoa de idade, porque as vezes a pessoa vai falar,
porque vai mostrar pra eles o seu direito que você tem, e eles não aceitam
né? Eles não aceitam. Então eles ficam bravo demais, porque se você
127

começa a falar, você tem medo até de apanhar dentro do ônibus. Já


aconteceu muitas vezes da pessoa quase apanhar dentro do ônibus porque
reclamou os direitos sabe, que tem dentro do ônibus, porque eles não gostam
que reclame, porque eles acham que gente idosa não tem que ficar andando
dentro do ônibus pra lá e pra cá, é pra ficar quieto dentro de casa. Mas ai eu
falo outro negócio porque gente de idade também tem as coisas pra fazer.
(Senhora B7).

Estes relatos são exemplos que evidenciam situações onde os direitos das pessoas
idosas não estão sendo concretizados, direitos referentes à liberdade de estar em espaços
públicos, em ter 10% de assentos reservados nos transportes, como já mencionada neste
trabalho, e o direito a convivência comunitária, porque se as pessoas idosas não podem sair
de suas casas e circularem nos espaços e transportes públicos, não terá garantida a
convivência com sua sociedade e o acesso aos bens e serviços disponíveis, ficando vulnerável
ao isolamento social, o adoecimento e a segregação social.
Além disso, as falas mostram a discriminação e o preconceito contra a pessoa idosa,
além de mostrar a perda de valores como o cumprimentar o outro, o dar bom dia, boa tarde,
formas de educação e gentileza, atos que tornam a vida em sociedade mais civilizada. E a
Senhora B5 relaciona isso às mudanças atuais, e que deve se adaptar a essas novas formas de
se relacionar. A Senhora B7 fala, inclusive, que os olhares das pessoas da sociedade para com
os(as) idosos(as) também demonstram discriminação, além dos comentários que é obrigada a
ouvir.
Destarte, se a sociedade desconsidera direitos básicos das pessoas idosas, como irão
valorizar memórias e experiências dessa população? As respostas mostram a contradição, em
que pode existir a valorização e também a desvalorização.
Sobre a desvalorização da pessoa idosa, Debert (1999, p. 199-200) afirma que “O
velho, por não se constituir em mão-de-obra apta para o trabalho, é desvalorizado e
abandonado pelo Estado e pela sociedade. A miséria e exclusão que acompanham vastos
segmentos da população brasileira se tornariam mais amargas na velhice [...]”, se a classe
trabalhadora e subalterna já vivencia durante toda sua vida a desigualdade e exclusão social,
na velhice esse processo só tende a piorar. Sobre isso, Paiva (2014, p. 139) também afirma
que

A velhice, assim reproduzida, perde a sua humanidade; o ser humano, igual a


qualquer mercadoria, com o passar do tempo, o tempo do capital, perde a sua
validade. O (A) velho (a) deixa de ser alguém com muito tempo de vida para
ser o (a) que se descarta por estar em desuso e, consequentemente, sem
valor. Concomitantemente, e com a mesma intencionalidade, se reproduz a
imagem fantasmagórica da velhice.
128

Perder a validade no tempo do capital significa ganhar preconceito, discriminação e


descarte, podendo perder sua utilidade, portanto, sem valor. Desconsiderando histórias de
vida, memórias, experiências, conhecimentos e sabedoria, descartando assim a vida humana.
Se considerar que o trabalho é a base da vida humana, pois “[...] o trabalho é fundante
do ser social [...].” (PAULO NETTO; BRAZ, 2012, p.49, grifo do autor), poderá entender
porque a sociedade valoriza tanto o trabalho, mas é necessário considerar que tipo de trabalho
é esse, e em quais condições ele acontece. O trabalho, nesse modo de produção, é alienante e
degradante. Na realidade, a valorização ocorre em cima da mercadoria força de trabalho que é
capaz de produzir a mais-valia e enriquecer cada vez mais o capitalista. Tudo que interessa é o
lucro, se a mercadoria força de trabalho não é capaz de proporcionar tal lucro, pois com o
tempo de uso ela perde sua vitalidade, ela é banida e substituída por outra mais nova. O ser
humano é algo descartável para o capital.
Retomando às falas dos (as) participantes da pesquisa, discutiremos sobre a visão
deles (as) no que se refere à valorização das suas memórias e experiências de vida pela
sociedade, seja como pessoas que detêm conhecimentos, relacionados ao seu trabalho,
família, comunidade, enfim, a tudo que adquiriu ao longo da vida. Grande maioria
responderam (6 participantes) que se sentem valorizados (as) por possuírem conhecimentos
referentes a sua história de vida. Outros (as) (4) responderam que poucos valorizam, ou que
alguns sim outros não, e que a família e o serviço de convivência valorizam.
Seguem falas para exemplificar aqueles (aquelas) que responderam que a memória e
experiência de vida têm valorização perante a sociedade,

Ah, valoriza, valoriza. Essa semana mesmo eu encontrei uma amiga nossa
menina você sabe fazer umas bolachinhas, ai fiz, passei lá, ai ela me
abraçou, dei pra ela, ela disse assim: que coisa gostosa, isso não existe mais,
ninguém faz [...]. (Senhora B4).

A experiência de vida sempre é valorizada. Numa palestra que você vai,


você vai ser valorizado naquilo que você está falando, se é na experiência, as
pessoas que passam por experiência, a pessoa que perdeu a mãe e o pai, caiu
num grau […] tudo isso é válido né? (Senhor B8).

Falam sobre a valorização em saber cozinhar doces, em passar por situações difíceis
ao perder pai e mãe e seguir a vida com todas as dificuldades e com isso adquirir
experiências, neste caso, o Senhor B8 se retrata sobre sua própria história, pois durante a
entrevista ele falou um pouco sobre sua trajetória de vida, e afirmou que quem o conhece e
sabe da sua história lhe valoriza.
129

Sobre os (as) demais participantes que afirmaram ter pouca valorização social e
quando tem, serem por poucas pessoas, incluindo a família e serviço de convivência, segue
uma fala para exemplificar os resultados,

Bem pouco agora né? Antes valorizava bem mais, hoje, hoje não, mas ainda
tem, ainda tem sim, não está totalmente no desprezo, ainda tem, mas bem
menos, as valorizações está bem menos, bem menos.
[...] tinha educação, tinha respeito, tinha coisas [...] hoje se você vai guardar
uma coisa que é, poxa isso aqui [...], joga isso fora, fica guardando isso pra
que? Então quer dizer desvalorizou né? Está desvalorizando aquilo, então
pessoas já falam não isso aqui já era, isso não é desse tempo mais não. Tinha
que guardar, por exemplo, um pilão, tem gente que não sabe nem o que é um
pilão?
Ai tem gente que chega lá e diz: pra que isso? Isso não existe mais, pra que
você vai usar esse pilão? Tudo vem pronto, se tudo vem moído, se tudo [...]
então as pessoas as vezes acha que aquilo não tem aquele valor, então por
causa do modernismo e do avanço também, então muitas coisas já são
desvalorizadas, talvez nem é por querer, as vezes as pessoas jovens vão
desvalorizando, porque vão se tornando jovens vão desvalorizando, as vezes
não é nem por querer, é por achar que aquilo é ultrapassado, então é onde
acontece a desvalorização. Então é por isso, tem que aprender, tem que
acostumar, a gente vai aprendendo, vai acostumando, tem muita coisa que já
não dar mais pra gente ensinar pra os netos, piorou pra os bisnetos, porque se
você for ensinar uma coisa, eles dizem: ah, isso aí a gente não faz mais, onde
já se viu, quem vai fazer isso? Então [...]. (Senhora B5)

Essa entrevistada falou sobre a desvalorização da pessoa idosa, que pode acontecer
desde um cumprimento de bom dia, que pode acabar não sendo correspondido, até a
discriminação dos objetos guardados. A Senhora B5 falou que antes existia mais respeito e
uma forma mais educada de tratar as pessoas com mais idade. Também ressaltou que nos dias
atuais, embora não exista um total desprezo pelas memórias e experiências da pessoa idosa,
existe uma certa desvalorização social. A Senhora B5 ainda falou sobre o descarte dos
objetos, e poderíamos acrescentar que também existe o descarte do ser humano. Essa é uma
característica da sociedade capitalista e também da pós-modernidade que estamos
vivenciando, que para Harvey (1993, p. 49), é uma aceitação do “[...] efêmero, do
fragmentário, do descontínuo e do caótico [...]”, da mesma forma Simionatto (2009, p. 8)
também afirma que a ideologia da pós-modernidade está,

Fundamentada nas teorias do fragmentário, do efêmero, do descontínuo,


fortalece a alienação e a reificação do presente, fazendo‐ nos perder de vista
os nexos ontológicos que compõem a realidade social e distanciando‐ nos
cada vez mais da compreensão totalizante da vida social.
130

Essa ideologia prega que tudo é passageiro, descartável, superficial, então esse modo
de pensar traz consigo uma imposição que tudo que for velho deve ser substituído, e o tempo
todo surgem novas descobertas, que fazem os objetos ficarem descartáveis em uma
velocidade acelerada.
Ela cita um objeto que é o pilão, e sobre isso a importância que os objetos possuem
para uma pessoa idosa, Bosi (2003, p. 25-26) afirma que

Se a mobilidade e a contingência acompanham nossas relações, há algo que


desejamos que permaneça imóvel, ao menos na velhice: o conjunto de
objetos que nos rodeiam [...] Mas que uma sensação estética ou de utilidade
eles nos dão um assentimento à nossa posição no mundo, à nossa identidade;
e os que estiveram sempre conosco falam à nossa língua natal. O arranjo da
sala, cujas cadeiras preparam o círculo das conversas amigas, como a cama
prepara o descanso e a mesa de cabeceira os derradeiros instantes do dia, o
ritual antes do sono.

Os objetos os quais as pessoas idosas adquiriram e mantiveram durante um longo


período de suas vidas, possuem um valor inestimável e fazem parte da história dessas pessoas,
por isso tamanha importância e afeto, que vai além de um apego material, mas envolve as
emoções, as vivências, a história pessoal, familiar e até relacionada ao trabalho.
Outra questão a ser ressaltada sobre os objetos guardados pelas pessoas idosas é que
alguns tiveram grande serventia em outros períodos histórico social, embora na
contemporaneidade já não são utilizados, mas deveriam ser conservados e apresentados as
gerações atuais e futuras, para que elas conheçam como era a vida antes do avanço
tecnológico e para que elas conheçam e consigam visualizar um pouco mais sobre a história.
Além disso, pode ser uma forma de valorizar as pessoas idosas que conhecem e sabem utilizar
tais objetos, e que podem transmitir esse conhecimento para os mais jovens, embora estes não
necessitem mais utilizá-los no dia-a-dia, mas irão conhecer como era a vida de seus
antecessores, seus avós, das dificuldades que enfrentaram, assim como das conquistas que
tiveram, o que poderá proporcionar uma troca intergeracional e, com isso, uma valorização
social entre as gerações, reduzindo o preconceito e a discriminação etária.
Diante do exposto, identificamos a importância da valorização da pessoa idosa,
compreendendo-a em sua totalidade, que só pode ser apreendida a partir do movimento
dialético da realidade.
131

3.4.3 Percepção da pessoa idosa sobre o significado da valorização social das suas
memórias e experiências de vida no SCFV e na família

É fundamental reconhecer a importância que as experiências de vida de uma


pessoa, sua história e memória têm para si mesma, para a forma como se
percebe, para o modo como se relaciona com os outros e para as expectativas
que projeta para o futuro [...]. (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO
SOCIAL E COMBATE À FOME, 2012, p. 16).

Realizaremos aqui uma discussão sobre os resultados da pesquisa realizada com


pessoas idosas participantes de um SCFV, para compreender como elas percebem que o
Estado, o SCFV e a família valorizam as pessoas idosas na sociedade capitalista. No primeiro
momento será discutido acerca de como os (as) participantes da pesquisa enxergam a
valorização pelo Estado, através do SCFV, pois este é desenvolvido por meio de uma política
púbica emanada pelo Estado e, em seguida, se a família valoriza as memórias e experiências
de vida da pessoa idosa, lembrando que essa instituição também sofre os reflexos da
sociedade da qual faz parte. A análise foi desenvolvida com autores que têm uma perspectiva
crítica, buscando assim compreender a totalidade do objeto em estudo.
Quando indagados (as) se acham que o Estado valoriza a pessoa idosa, e como seria
esse processo, o resultado foi que das 10 pessoas idosas entrevistadas, apenas 3 (três)
responderam que o Estado não valoriza, embora alguns reconheceram que houve algumas
melhorias; 5 (cinco) responderam que sim, 1 (uma) que está começando a existir valorização,
e 1 (uma) que é pouca a valorização.
Mesmo as 5(cinco) pessoas que afirmaram que o Estado valoriza a pessoa idosa, as
respostas não foram unânimes, pois uma acredita que ele faz isso para tirar vantagens, outra
afirmou que só alguns valorizam, e outra afirmou que hoje existe valorização pelo Estado; e
duas responderam que sim e citaram exemplos.
Seguem duas respostas que afirmam não existir valorização, e outra que, embora diga
que não tem, reconhece melhorias,

Porque ver tipo o idoso estão muito doente, tem muitos, muitos problemas, e
vai num pronto socorro e fica 3, 4 horas esperando o médico, isso é com
coisa do Estado não é? (Senhora B2).

Olha, eu acho que não, [...] em vista ao que era, melhorou muito, porque tem
esse negócio de ônibus, fila de banco, é estacionamento pra idoso [...].
(Senhor B9).
132

A idosa se refere ao direito à saúde, que na visão dela não está sendo materializado
com qualidade pelo Estado, ela cita exemplo das filas de espera para atendimento médico.
Nesta conjuntura, “[...] é necessário compreender que a situação de descaso em relação à
saúde das pessoas idosas faz parte de um processo de desmantelamento dos direitos sociais
nesta sociedade, a qual é regida pela lógica neoliberal [...].” (SANTOS; MELO; PAIVA,
2010, p. 88). Desmantelamento que afeta não apenas a população idosa, mas toda a classe
trabalhadora e subalterna.
O idoso fala acreditar que não existe valorização, mas reconhece que tiveram
melhorias, e cita exemplos da legislação para pessoa idosa, que garante a gratuidade nos
transportes coletivos públicos, o atendimento prioritário, a reserva de 5% nas vagas de
estacionamento para idosos (as), dentre outros direitos já discutido neste trabalho. Tais
direitos foram conquistados após a promulgação da Constituição Federal de 1988, mas que
ainda precisa de muitas lutas para sua efetivação com qualidade, considerando o atual cenário
que a sociedade vive, assim,

Em síntese, apesar do aparato legal, há um movimento real no sentido de


desregulamentar as conquistas obtidas historicamente na agenda das
políticas Sociais brasileira. Para além da discussão sobre Direitos garantidos
ao segmento idoso, é urgente a reflexão sobre o momento atual e as
consequências do Projeto neoliberal que vêm incidir, principalmente, nos
Direitos do trabalho. (SANTOS; MELO; PAIVA, 2010, p. 88).

Estas pessoas idosas estão sentindo na pele os efeitos da política neoliberal, pois como
afirmado pelas autoras acima há um aparato legal que prevê os direitos desse segmento, mas
na contramão também há um movimento que visa a desregulamentá-los, e também
desresponsabilizar o Estado sobre essa questão, restando para a sociedade civil, a família e o
próprio indivíduo darem conta das demandas da população idosa. As autoras também
chamam atenção para esse momento atual, pois é preciso refletir sobre ele e “[...] buscar
estratégias e/ou soluções em curto e longo prazo, antes que os direitos, mesmo que mínimos,
que ainda resta ao cidadão, principalmente a pessoa idosa, sejam abolidos.” (SANTOS;
SOARES, 2015, p. 11), esses direitos correm riscos diante da conjuntura atual e é justamente
por isso que requer muita luta, resistência e organização política de classe, pois só assim
poderá ser possível colocar pressão sobre o Estado.
Sobre os (as) participantes que afirmaram que o Estado valoriza a população idosa,
seguem algumas falas para demonstrar isso:
133

Bem, eu acho assim, o governo faz, igual esse Centro de Convivência, é


muito bom pra pessoas, porque tem muitos bairros tem pessoas isoladas
dentro de casa, que são assim desprezadas pelos filhos, que acham que
velhos tem que ficar encostados nos cantos, então pra eles foi muito bom
isso que o governo fez né, pra poder ver que a gente não fica em casa tanto,
tem um lugar pra gente vir, e aqui a gente tem valor, aqui dentro a gente tem
muito valor, carinho e tudo sabe. (Senhora B1).

Olha ele tá valorizando, pra falar verdade ele tá valorizando bem mais que
antes, só que eu acho que é [...], um idoso estando valorizando, o idoso
estando saudável, fica mais barato pra eles, porque antigamente idoso não
tinha todas essas coisas que a gente tem, mas o idoso ficava doente, e era
hospital, difícil hospital, olha fulano tá no hospital, tá com pneumonia, por
quê? Porque hoje eles procuram ensinar bastante pra nós idosos e faz aquelas
ginasticas, aquelas coisas, as vezes está com aquela dor, a pessoa já não tem
mais. Então quer dizer, ele não valoriza ainda o que teria que valorizar, mas
dão muitas preferências sim, dão.
É conveniente o que eles fazem, quanto mais preferência eles derem pra o
idoso, mais conveniente é, vai menos idoso pra hospital, menos idoso
precisando de remédio, e a gente tem observado muito depois que eles
começaram a melhorar a vida do idoso, é lucro. (Senhora B5).

Eles (elas) falam da criação dos CCI’s, que possibilitam as pessoas idosas saírem do
isolamento, terem um lugar para ir, não ficam apenas lamentando o desprezo que poderão vir
a sentir em relação à família, do valor e do carinho que que recebem nesses serviços, e deste
ser um espaço público que a pessoa idosa pode frequentar, e através dele, poder sair do espaço
privado, pois se for observar as pessoas idosas de décadas atrás, era aquele que vivia em casa,
pelos cantos, sem oportunidade e sem espaços para participar. Hoje existem os CCI’s, os
SCFV, entre outros espaços. Assim, há o reconhecimento de que o Estado começa a investir,
mesmo que minimamente, nas demandas da população idosa. Mas isto só está acontecendo
porque a sociedade pressionou-o e mostrou que necessitava de intervenções nesta questão,
mantivessem-se calados e silenciados que, provavelmente, não se teria esses pequenos
ganhos.
Já a Senhora B5 relata acerca das vantagens que o Estado ganha ao valorizar a pessoa
idosa, pois ao proporcionar esses tipos de espaços, onde a pessoa idosa faz ginásticas, por
exemplo, evita-se o adoecimento, a procura por atendimento hospitalar, por remédios na rede
púbica de saúde através do Sistema Único de Saúde (SUS). O que fará com que o Estado
economize investimentos na assistência à saúde dessa população. Assim, podemos inferir
sobre o que a Senhora B5 relatou, que por traz desses serviços, dedicados às pessoas idosas,
existem outros interesses, que podem não ser de fato valorizá-las, mas uma forma de esconder
seus reais objetivos, que seriam economizar no setor saúde, através da promoção da saúde,
que por sinal também sofre reflexos do neoliberalismo.
134

Assim, atender necessidades da população pode evitar seu agravamento e ampliação.


Mesmo que existiam outros interesses, que não seja valorizar a pessoa idosa, não se pode
negar a importância de tais serviços na vida delas, que embora possam ter falhas e até receber
críticas, já são um avanço na luta pela efetivação de direitos desse segmento etário, como
também acabam contribuindo na sua valorização social, mesmo que minimamente.
Para que haja a garantia do direito a uma velhice valorizada, ativa, saudável e
independente, é preciso investimentos a longo prazo durante toda trajetória de vida,
antecedendo o nascimento e iniciando ainda na gestação, pois é “[...] importante frisar que as
demais políticas sociais, como trabalho, moradia, lazer, saúde, educação, etc., devem ser
garantidas com qualidade em todas as fases da vida, para que se possa chegar à velhice com
maior qualidade de vida.” (RIOS; SANTOS; SOARES, 2016, p.10), caso contrário, será uma
forma de amenizar na velhice a falta e/ou o precário acesso os serviços e bens necessários
para uma vida com qualidade.
Para aqueles (as) que já se encontram na fase da velhice, o que se pode fazer é garantir
seus direitos e amenizar algumas sequelas deixadas pela falta de oportunidades e de acesso ao
longo da vida, mas é necessário pensar qual sociedade se quer construir. No que se pode fazer
para que, no futuro, quando os jovens de hoje se tornarem idosos (as), possam ter mais
qualidade de vida e mais valorização social? As respostas e os resultados dependem das ações
da sociedade atual. Outro aspecto importante que deve ser considerado é sobre os níveis de
exploração que a classe trabalhadora e subalterna é submetida, que podem ter reflexos na
velhice (RIOS; SANTOS; SOARES, 2016).
Outra questão foi se os (as) participantes da pesquisa conheciam alguma política
pública (programas, atividades, ações, serviços) disponíveis para pessoa idosa. Das 10 pessoas
idosas, 9 (nove) responderam conhecer e os exemplos citados foram: CCI’s 13, asilos, Centro-
Dia, academia de rua, esportes, palestras, transporte gratuito, atividades em paróquia, e apenas
1 pessoa falou desconhecer.
Dentre as falas dos (as) participantes que relataram conhecer alguma política pública
(programas, atividades, ações, serviços) para pessoa idosa, seguem algumas demonstrações do
que foi proferido:

O Centro Dia que tem pra colocar o idoso pra passar o dia lá, eu acho que é
só. Sem contar os asilos né? (Senhora B2).

13
Durante as entrevistas, os (as) participantes se referiram ao CCI e ao SCFV como se fosse a mesma coisa,
embora algumas vezes demonstrassem que conheciam diferenças entre ambos, mas se mostravam confusos em
relação a eles.
135

O serviço de convivência, e muitas pessoas não sabiam mexer no


computador de informática, muitos hoje sabem tocar violão, então muitas
sabem pintar, muitas pessoas que aprendem através do serviço de
convivência muitos tem seu próprio negócio sabe, o que fazem eles
conseguem vender ganhar um dinheirinho, então assim foi uma coisa boa
que o governo abriu pra gente ocupar a memória o espaço pra não ficar
aquela memória perdida né? (Senhora B1).

Não, igual assim eu faço vôlei aqui, eu não jogava isso, eu acho que pra mim
foi uma grande coisa, porque se eu tivesse sem fazer exercícios eu acho que
não tinha esse corpo que eu tenho hoje, estava bem mais travado, hoje não
como eu era mais novo, eu sinto meu corpo bem diferente de antes de eu
iniciar [...] de antes de eu começar a fazer exercício físico. Depois que
inventaram essas academias ai também a gente [...]. (Senhor B3).

Ah, outra coisa que eu conheço é o transporte só né. O transporte de graça,


aqui mesmo eu conheço só esse valor que nós temos aqui, mas aqui não é o
governo que ajuda né, é a prefeitura que ajuda um pouco. (Senhora B7).

Assim a única coisa que eu acho é pra idoso é essas academias, mas é cheio
de gente [...]. (Senhor B9).

Os pronunciamentos demonstram que os (as) participantes da pesquisa possuem


conhecimento sobre os serviços existentes para esse público de faixa etária, a partir dos 60
anos ou mais de idade. Demonstram, ainda, a importância de tais serviços para melhor
qualidade de vida dessa população.
Identificamos uma pequena contradição nas falas, pois quando indagados (as) se o
Estado valoriza a pessoa idosa, e como seria, nem todos (as) responderam que sim, e aqueles
(as) que responderam de forma positiva, ressaltaram exemplos, inclusive afirmando: ser
vantajoso para o Estado, ou que ainda está iniciando esse processo de valorização da pessoa
idosa no Brasil, ou que poucos valorizam; e aqueles (as) que afirmaram não haver
valorização, citaram algumas melhorias, assim como também citaram exemplos da falta de
valorização, mas quando indagamos sobre políticas públicas (programas, atividades, ações,
serviços) disponibilizados para pessoa idosa, apenas uma entrevistada relatou desconhecer.
Mas o processo de contradição presente no cotidiano faz parte da vida em sociedade,
principalmente se ela é capitalista.
À medida que o Estado desenvolve alguns serviços e/ou financia para sociedade civil
organizada desenvolvê-los, ele está garantindo alguns dos de direitos conquistados pelas
pessoas idosas, embora possa existir falhas, deficiências e carências, mas não se pode afirmar
que o Estado seja totalmente omisso ou que deixou de intervir nas expressões da questão
social relacionadas a velhice, pois mesmo que ele terceirize os serviços, ele continua
destinando verbas públicas para a realiza-los, além de definir as leis e regulamentá-las, ou
136

seja, ele continua regulando a vida em sociedade, embora isso também não queira dizer que
esse Estado se responsabilize totalmente e siga tudo que prevê a legislação, pois ao aderir a
política neoliberal, ele transfere cada vez mais suas responsabilidades para sociedade civil e
para o próprio indivíduo. Realizando assim um processo bem contraditório que é intrínseco à
sociedade capitalista, pois

Essa perspectiva de divisão de responsabilidades no trato da questão social, à


medida que reduz a demanda do Estado e restabelece os laços de
solidariedade direta, tem seduzido conservadores e “progressistas”, e está
relacionada ao mix público/privado, com a participação da sociedade civil
(incluindo o mercado) na provisão de bens e serviços, restringindo o Estado
ao papel de normatizador, fiscalizador, e, em alguns casos, financiador.
Trata-se de uma nova modalidade de proteção social, agora sob a rubrica do
pluralismo de bem-estar, ou bem-estar misto, como alternativa que mantém
os sistemas públicos de intervenção social, mas sob novas bases (mais
restritivas – focalizadas e seletivas). (TEIXEIRA, 2008a, p. 118).

O Estado não deixa de intervir, mas está procurando realizar esse processo de outra
forma, uma vez que, “[...] por mecanismos diversos, instaura-se uma “nova cultura” de fazer
política social, aquela em que o Estado normatiza, subvenciona, estimula como regulador
externo, e a sociedade organizada realiza.” (TEIXEIRA, 2008a, p. 119), há uma diminuição
do Estado e um apelo a sociedade civil.
Partindo do pressuposto de que o SCFV é um espaço democrático, onde os usuários
podem dar sua opinião sobre como querem que ele funcione, sobre as atividades a serem
desenvolvidas e avaliando-as após cada término de um percurso, isso é uma forma de dar voz
a esses atores sociais que ficaram por tanto tempo invisíveis, ações que permitam a
participação das pessoas idosas na sociedade e, principalmente, nas ações que envolvem a sua
própria vida, pois não adianta impor apenas decisões tomadas de cima, sem entender as reais
necessidades da população a quem se destinam as políticas sociais.
Sobre o planejamento, o documento de Orientações Técnicas do SCFV para pessoas
idosas assegura que

[...] como qualquer trabalho que se pretende de qualidade, inclui


necessariamente, entre suas atividades, o planejamento. O ideal é que ele
seja diário, faça parte da cultura de trabalho dos profissionais e que inclua os
beneficiários principais do serviço, que, no caso, são as pessoas idosas.
(MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À
FOME, 2012, p. 65).

E sobre a avaliação, o mesmo documento garante que “Vale à pena acrescentar


também a avaliação do usuário do serviço, ou seja, a avaliação da pessoa idosa sobre a
137

atividade realizada, do atendimento recebido pelo profissional ou pela unidade.”


(MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2012, p. 66).
Assim, sendo o SCFV um espaço democrático, onde os (as) usuários (as) podem dar
sua opinião sobre como querem que ele funcione, sobre as atividades a serem desenvolvidas e
avaliando-as após cada término de um percurso, isso é uma forma de dar voz a esses atores
sociais que ficaram por tanto tempo invisíveis, ações que permitam a participação das pessoas
idosas na sociedade e, principalmente, nas ações que envolvem a sua própria vida, pois não
adianta impor apenas decisões tomadas de cima, sem entender as reais necessidades da
população a quem se destinam as políticas sociais.
Sobre a disponibilidade de horário, 3 (três) das idosas são cuidadoras de outros (as)
idosos (as) da família (mãe, marido e irmão), por isso nem sempre podem participar de todas
as atividades disponibilizadas. Sobre o cuidado em relação à pessoa idosa, dependente parcial
ou totalmente, quem historicamente foi responsável e assumiu essa tarefa foi a mulher, mas
muita coisa vem mudando com as lutas e conquistas que ela vem desenvolvendo na
sociedade.
A literatura mostra que as pessoas idosas costumam ajudar e/ou se responsabilizar
pelo cuidado com os (as) netos (as), mas identificamos uma mudança, quando pessoas idosas
passam a ser responsáveis por outras da mesma idade ou com idade mais avançada. Isso pode
tirar o direito, daquelas que são cuidadoras, de viver uma velhice mais sociável e participativa
e com maior qualidade, pois passam a ser as principais e algumas vezes até as únicas
responsáveis por outras pessoas idosas, e acabam absorvendo para si todos os cuidados e
problemas que envolvem a outra, esquecendo e/ou não tendo tempo para cuidar de si mesmo.
E como ficam as políticas públicas para apoiar as (os) cuidadoras (res) informais de pessoas
idosas?
Sabemos que na área da saúde existe o internamento domiciliar previsto dentro da Lei
nº 8.080, mas incluído pela Lei nº 10.424 de 2002, no Capítulo VI do subsistema de
atendimento e internação domiciliar, o Art. 19-I “São estabelecidos, no âmbito do Sistema
Único de Saúde, o atendimento domiciliar e a internação domiciliar.” (BRASIL, 2002), nos
seus incisos é previsto o atendimento por equipe multiprofissional, incluindo assistência
médica, da enfermagem, da fisioterapia, da psicologia, da assistência social, entre outras que
sejam necessárias para o atendimento integral, com objetivo de promover a prevenção, a
terapêutica e a reabilitação, mas para que ocorra o atendimento e a internação em domicílio, é
necessária a indicação médica e a concordância do usuário e da família (BRASIL 2002).
138

No Estatuto do Idoso, no Capítulo IV do direito à saúde, Art.18 “As instituições de


saúde devem atender aos critérios mínimos para o atendimento às necessidades do idoso,
promovendo o treinamento e a capacitação dos profissionais, assim como orientação a
cuidadores familiares e grupos de auto-ajuda.” (BRASIL 2003), esta lei garante a orientação
por parte da rede de saúde para com os cuidadores informais de pessoas idosas. Mas percebe-
se que o foco é orientar a (o) cuidadora (o) para saber cuidar do (a) outro (a), mas e quem
cuida, como fica? E sobre as orientações, elas realmente estão sendo efetivadas com
qualidade? Além de orientar, os serviços públicos de saúde estão disponibilizando os
materiais necessários para o cuidado diário, como curativos, colchões específicos, próteses,
entre outros? Pois as famílias pobres não possuem meios de adquiri-los. Não basta orientar, é
preciso garantir os meios materiais para que o cuidado ocorra com qualidade e segurança para
quem executa e para quem recebe.
Concordamos que a (o) cuidadora (a) informal de uma pessoa idosa necessita aprender
como cuidar, portanto, carece de orientações de profissionais seja da área da saúde, como da
assistência social, mas para além do cuidado ofertado, a (o) cuidadora (o) precisa ser cuidada
(o). Existe alguma política pública destinada para cuidadoras (res) informais de pessoas
idosas?
Devido ao ligeiro crescimento no número de pessoas que envelhecem no Brasil, surge
a preocupação com suas demandas sociais, evidenciadas nas lutas e reivindicações da classe
trabalhadora, exigindo respostas do Estado e da sociedade,

Entretanto, apesar das desigualdades, não restam dúvidas de que a


longevidade da população brasileira constitui um avanço social. Porém, com
o crescimento da população idosa, aumenta o número de indivíduos
portadores de demências ou doenças crônicas, e embora essa condição não
seja uma característica comum a todos que envelhecem (pois existem
pessoas idosas e saudáveis), há aqueles que necessitam de assistência para a
realização de algumas atividades cotidianas, como se vestir, tomar banho,
caminhar etc. Essa necessidade de auxílio envolve pessoas próximas como
companheiros, familiares e amigos, que assumem a responsabilidade de
cuidar, dar suporte ou assistência e são conhecidas como cuidadores, os
quais podem ser os próprios familiares ou profissionais contratados. (SÁ,
2010, p. 86).

A classe trabalhadora e subalterna, por não possuir meios de pagar um profissional


para cuidar de suas pessoas idosas, acaba por se responsabilizar, mesmo sem condições
financeiras para suprir todas as suas necessidades e de seus parentes dependentes.
Necessitando da intervenção do Estado, por meio de suas políticas sociais, que estão
ameaçadas, devido à onda neoliberal.
139

A classe capitalista, que teve uma vida com maior qualidade, na velhice poderá ter
menos chances de uma velhice com dependência, e quando acontecer, tanto ela como sua
família provavelmente terão meios para pagar um cuidador formal, assim como para suprir
todas as necessidades que surgir. Embora isso não possa garantir que estejam isentas de
alguma forma de violência ou negligência.
Concordamos com a autora quando afirma que envelhecer é um avanço social, porém
ainda é um envelhecimento sem muita qualidade, pois o país não teve tempo para se preparar
para as demandas sociais dessa população, a autora cita as demências e as doenças crônicas
que podem tornar a pessoa idosa dependente, seja total ou parcial, passando a necessitar do
cuidado de terceiros. O que não quer dizer que a conquista do envelhecimento seja um
problema social, mas que pode se transformar, caso o Estado não faça seu papel, e para isso a
sociedade deve se organizar e pressioná-lo, pois foi desta forma que os direitos sociais foram
conquistados e precisam ser mantidos e efetivados com qualidade.
No que se refere à pesquisa, outro questionamento foi sobre a existência de espaço
dentro do SCFV para falar das suas experiências de vida, através da memória, com exceção de
uma, todos (as) afirmaram que sim, embora os exemplos citados foram vagos, falaram que
possuem abertura de conversar, que podem falar com os profissionais quando necessitam,
também sobre a existência de um diário para escrever acontecimentos do cotidiano, assim
como do passado.
Apenas uma pessoa relatou que tais momentos são raros, mas que acontece e citou um
exemplo de quando tiveram que desenhar para montar uma colcha de retalhos sobre a vida
deles, e outro que relatou que esses espaços são abertos nas reuniões quando têm palestras no
serviço, os demais relataram que sim, alguns citaram exemplos, outros não. Seguem algumas
falas exemplificando:

Não, é muito raro nós falar isso, porque aqui, aqui se você começar a maioria
aqui é tudo da roça, então se nós começar aqui meu Deus, nós não vai sair
daqui, nós vai ficar até meia noite, porque quando nós começa a falar ah eu
sou, igual quando ela mandou nós ir desenhar cada um fez uma colcha, pra
desenhar, pra depois fazer aquela colcha de retalho, ai eu tentei desenhar a
vaca tentando tirar leite, outro tentou desenhar o cavalo, a carroça, o
charrete, todo mundo lembrando da roça do tempo que nós só vivia na roça,
ah eu já morei na roça, eu também, eu fiquei tantos anos na roça, ai eu
também, ai se nós começar que a maioria aqui tudo é da roça, a maioria
foram nascidos na roça. (Senhora B5).

A atividade desenvolvida é vista pela idosa como algo que valoriza a memória por
meio das experiências de vida. Ainda sobre o ato de rememorar o fato da Senhora B5 relatar
140

que grande maioria desenharam animais, objetos da roça, demostra que possuem lembranças
parecidas, o que poderá torná-los mais próximos, como se pertencessem ao mesmo tempo, ao
mesmo grupo, pois são gerações que possuem histórias de vida semelhantes, assim “[...] um
homem, para evocar seu próprio passado, tem frequentemente necessidade de fazer apelo às
lembranças dos outros [...].” (HALBWACHS, 1990, p. 54) e conviver com pessoas que
possuem realidades próximas contribui para que todos (as) sintam-se pertencentes aquele
grupo, fiquem a vontade para relatar suas experiências, facilitando esse o processo de
rememoração, evitando-se assim constrangimentos e vergonha. O que também contribui para
que haja uma valorização recíproca.

Estamos escrevendo um diário, um diário só é um pouco triste, porque eu


perdi meu pai muito novo, ele tinha 50 anos.
O que tem passado, contando agora que hoje eu tenho tempo de passar uma
tinta no cabelo, eu tenho tempo de pintar minhas unhas, tenho tempo de
bordar, de fazer as coisas dentro de casa, eu tenho tempo, então [...] Porque
de primeiro não, ia pra fábrica, só no sábado e domingo você entendeu? Era
menos tempo que eu tinha, agora [...]. (Senhora B4).

[...] fiz até uma poesia, fiz duas poesias, fiz uma pra o CCI e fiz um em
homenagem a minha mãe, que fala lá de tudo que eu te contei, fala lá de casa
né? E ai a outra é sobre o CCI, essa gratidão né, sobre CCI [...]. (Senhora
B6).

É, a gente conversa, dar espaço pra gente falar as coisas, falar, escrever né?
Tem um caderninho assim, um diário, ali tudo que acontece a gente pode
escrever ali no caderninho, o aconteceu, o que a gente fez durante a semana,
escreve naquele caderninho e na segunda a gente traz e ler pra elas ver o que
a gente fez durante toda a semana, no sábado, domingo, sabe? (Senhora
B6).

Ah sim, muitas coisas tenho. Tem, eles perguntam sobre sua experiência,
então tem espaço sim (Senhora B2).

Tenho, você pode se abrir e falar, tudo que a gente fala aqui fica guardado
aqui né, a pessoa não sai falando da gente, as vezes tem uma coisa que você
quer falar pra uma pessoa da família e você não fala e fica guardado, aqui
você pode falar, aqui tem (Senhora B1).

Tenho, tenho, muitas das vezes eles perguntam sim, tem espaço sim. (Senhor
B3).

Tem, elas sempre dão esse espaço pra gente, elas perguntam pra cada um né?
Dar um espaço pra cada um, dar uns minutos, porque são muitos né?
(Senhora B7).

Para que as memórias sejam proferidas pelas pessoas idosas, é necessário que sejam
instigadas e reconhecidas como algo que possui valor, significado e importância, pois
141

“Começa-se a atribuir à memória uma função decisiva na existência, já que ela permite a
relação do corpo presente com o passado e, ao mesmo tempo, interfere no curso atual das
representações.” (BOSI, 2003, p. 36). Segundo Bosi (2003, p. 53) “A memória é, sim, um
trabalho sobre o tempo, mas sobre o tempo vivido, conotado pela cultura, e pelo indivíduo”,
um trabalho mental que pode contribuir com a sua valorização social.
Os participantes da pesquisa não citaram muitos exemplos sobre atividades que
trabalhem com a memória experiência de vida, mas afirmaram a existência de momentos para
conversar sobre isso no grupo, e para eles, tais momentos trabalham a memória como
experiência de vida.
Sobre o que relata no seu diário, a Senhora B5 afirma que são acontecimentos da vida
presente e do seu passado,

O que tem passado, contando agora que hoje eu tenho tempo de passar uma
tinta no cabelo, eu tenho tempo de pintar minhas unhas, tenho tempo de
bordar, de fazer as coisas dentro de casa, eu tenho tempo, então [...] Porque
de primeiro não, ia pra fábrica, só no sábado e domingo você entendeu? Era
menos tempo que eu tinha, agora [...].
[...]
Antigamente na minha infância, porque meu pai levantava cedo, levantava
nós pra ir pra roça, trabalhava na roça, então era de coisa de roça mesmo,
quando ia pra escola, quando chegava da escola tinha um monte de coisa pra
fazer, então eu tinha que ajudar minha mãe, socar arroz, é fazer café, essas
coisas de roça, então eu falo que não tive infância, porque não teve. (Senhora
B5).

Ela faz comparações de como era sua vida, o que mudou, de como está nos dias atuais,
e com isso faz um levantamento de tudo que vivenciou e daquilo que hoje está tendo
oportunidade, realiza um trabalho constante através ato de rememorar. Lembra-se da sua
infância sofrida, do trabalho que teve início ainda muito cedo.
É urgente e necessário criar mecanismos e meios para sensibilizar a sociedade sobre a
importância das pessoas idosas, em especial, sobre suas lembranças, experiências por meio
das suas memórias, pois “Na chamada idade produtiva (os velhos são os ‘improdutivos’ nas
estatísticas), bem nessa idade, os conselhos foram perdidos, ai de nós!” (BOSI, 2003, p. 34),
nessa sociedade capitalista, que define funções a partir da faixa etária, correr-se o risco de
perder os conselhos por não saber valorizar a sabedoria de quem já viveu mais. Se na idade
tida como produtiva, os jovens, perderem a oportunidade de ganharem conselhos de quem tem
mais experiência de vida, como ficará essa geração atual e as futuras? Sem exemplos, sem
espelhos, sem modelos e sem história.
142

Sobre a importância do SCFV na vida das (os) participantes da pesquisa, todas (as)
responderam que o SCFV tem importância nas suas vidas, que é muito bom participar dele,
que se sentem estimulados, aprendem novas habilidades, aprendem sobre seus direitos, se
desenvolvem e podem dividir seus talentos com os outros, transmitindo para outras pessoas o
que aprende no serviço, e que o serviço contribuiu para sair da depressão que sofria ao viver
muito sozinho (a) em casa. Seguem alguns relatos pronunciados pelas pessoas idosas sobre a
importância em serem usuárias do SCFV:

O serviço de convivência pra mim é bom. Que a gente não sabia do


conhecimento dos idosos, que a gente tem que saber a ler, que são a favor da
gente, então é uma coisa que eu não sabia, hoje atualmente eu sei, a ler a lei
dos idosos, agora se eu não tivesse na convivência eu não sabia.
Outro dia mesmo eu estava no ponto de ônibus, o rapaz do ônibus não parou
pra mim, aí eu [...] quando foi no outro dia o mesmo motorista, aí eu disse
tava no ponto de ônibus e você não parou pra mim, você tá pensando que eu
não sei do Estatuto do Idoso? Eu sei o Estatuto do Idoso. (Senhor B3).

O idoso relatou que participar do SCFV é algo bom, que faz bem para ele, pois é um
espaço que proporciona a oportunidade de conhecer as leis que visam proteger e assegurar os
direitos da população idosa, e é através do conhecimento que se pode exigir um tratamento
diferente, e ele cita o exemplo relacionado à discriminação e falta de respeito no transporte
público coletivo, e exige que seu direito seja respeitado pelo motorista. Caso ele não tivesse
conhecimento da legislação, ficaria difícil argumentar e cobrar, pois como exigir algo que não
se tem conhecimento, ele ainda citou em outro momento da entrevista, que já enfrentou
desrespeito também nas filas de banco, em que deveria ser garantido o direito a atendimento
prioritário. É de suma importância que as pessoas idosas, principalmente aquelas mais
carentes e vulneráveis, sejam informadas e sensibilizadas acerca dos seus direitos, pois
conhecer, dá poder ao homem idoso e à mulher idosa para reivindicarem que seus direitos
sejam respeitados.

Ao CRAS eu não sei porque [...] eu pra falar a verdade eu nem sei porque
eles me pôs no CRAS, porque eu moro sozinha, só se for porque eu moro
sozinha, no dia da entrevista ela achou que eu sou [...] que eu preciso de ter
acompanhamento porque causa que eu fico só sozinha né? Porque eu moro
sozinha, meu filho mora na frente, nós mora num terreno, só mora eu e meu
filho mora na frente, mas meu filho trabalha, trabalha de vendedor tem dias
que já chega e [...] daí eu fico é sozinha mesmo.
É, o CRAS é muito importante pra mim né? Porque é muito bom né? É bom
porque eu não sei o dia de amanhã também né? Precisar de uma coisa,
precisar de uma ajuda eu sei que vão me ajudar sabe? Porque a moça lá
mesmo falou né que se eu precisar de alguma coisa é só procurar eles, que
eles vão me ajudar né? Então assim, sou eternamente grata né por isso,
143

porque já imaginou você saber que qualquer uma hora de uma coisa ali pode
contar com alguém, pode procurar aquela entidade, aquela coisa, aquela
pessoa, de alguma forma aquela pessoa vai te ajudar né? (Senhora B6).

A idosa afirma não compreender porque está participando do SCFV ligado ao CRAS,
e relaciona ao fato de ficar sozinha, pois o filho mora próximo, mas trabalha. Ela pode não
saber exatamente o objetivo do SCFV, que é prevenir e evitar situações de isolamento social,
embora reconheça que participar do serviço é bom para vida dela, pois como é acompanhada
pelo CRAS, sente-se segura e caso necessite de algo, sabe que tem uma instituição que pode
ajudá-la, ou seja, já não se sente sozinha, mas amparada e protegida pelo Estado.
Outra resposta sobre a importância do SCFV foi a seguinte:

Estava assim como uma folha seca né, que jogava água e eu não conseguia
molhar né, ai através de vir aqui foi subindo, subindo, subindo [...]
Eu mesma não valorizava a mim mesma, eu levantava de manhã só lavava o
rosto, eu não olhava no espelho, ai fizeram um trabalho aqui ano passado,
até tem na televisão, pra quem você tira o chapéu. Aí a moça colocou assim
vários chapéus lá e chamava um chamava outro lá na frente, e perguntava
porque você tirava o chapéu, porque você não tirava, só que naquele espelho
era você dentro do chapéu, naquele espelho você via o seu rosto, então
aquele dia assim eu nunca esqueci, naquele dia assim aí eu vi, a partir
daquele dia me valorizei, a partir daquele dia eu passei a mim valorizar, e me
olhar no espelho, eu não me olhava no espelho. A gente aprendeu muita
coisa aqui. (Senhora B1).

O fato de sequer conseguir se olhar no espelho pode representar muito, pois o fato de
não ter uma autoestima que permita olhar-se, enxergar um corpo em processo de
envelhecimento, com as mudanças físicas que estão acontecendo. A pessoa precisa perceber
que está passando por um processo de mudanças e entender que o envelhecimento é
biológico, é psicológico, é cultural.
Sobre a relação com a família, quando indagados (as) sobre a existência de momentos
de troca de conhecimentos com seus familiares, se estes se interessam pela história de vida
relacionada ao trabalho, a história familiar, dentre outros aspectos da vida, as respostas
variaram da seguinte forma: entre a existência desses momentos, assim como a raridade deles
acontecerem, e quando acontecem ser com alguns membros da família que se tem mais
proximidade, como irmã, irmão, cunhada, filhos (as), às vezes com netos (as), sobrinhos (as) e
aqueles (as) que não possuem filhos (as) relataram que cada familiar tem sua vida, mas que
conhecem sua história de vida, portanto não costumam conversar sobre isso.
144

Ah assim, eles não conversam muito não, de vez em quando a gente lembra
né, eu falo alguma coisa, quando a gente conversa alguma coisa ali que
passou, aí a gente vai lembrar, então quando vê uma pessoa que faz muito
tempo que a gente não via, da família. [...]. (Senhora B1).

Não, só uma irmã que eu tenho mais intimidade, mas o resto não. É uma
família desligada, uma família que não está nem aí. (Senhora B4).

Eles se interessa, eles acham formidável sabe? A minha vida, meus filhos,
lutei pra criar eles né? Eles acham assim: mãe, a Senhora, a Senhora eu vou
falar pra Senhora, a Senhora é uma pessoa heroína, minha mãe a Senhora é
uma heroína, porque olha do jeito que a Senhora criou nós, ninguém falava
que nós era filhos sem pai né? De tanto que a Senhora criou nós bem, a
Senhora é uma heroína mesmo, a Senhora é digna de respeito e
consideração, eles todos falam isso direto. (Senhora B6).

[...] porque meio de semana não dá pra gente conversar com ninguém, as
vezes eu passo lá na minha filha até almoço lá, mas não tem tempo de
conversar né? Que é muito corrido. Mas eu sempre gosto de saber o que é
que acontece e elas também gostam, perguntam né? Mãe tá tudo bem? Mãe
tá precisando de alguma coisa? [...]. (Senhora B7).

Eles sabem, eles sabem que eu morei na rua, eles sabem tudo. Só que eles
viram que eu dei a volta por cima né? Sobrinho, eles já tem a vida deles, a
família deles, então eu não fico esperando nada disso. [...]. (Senhor B8).

Gosta, e a gente mostra pra eles o que a gente já foi lá atrás, o que gente já
passou, porque a gente era muito sofrido quando era mais novo, quando a
gente era assim jovem né? A gente morava na roça e corria pra cidade, pai e
mãe não tinham leitura, não tinha nada, a gente que sabia alguma coisinha
porque tava na escola, então a gente foi muito sofrido. Então hoje eu dou
valor, o sofrimento que eu tive foi o que eu aprendi viver a vida, se eu não
tivesse sofrido eu não tinha vivido a minha vida que eu tenho hoje. Que a
gente tem que dar valor no sofrimento que a gente teve pra poder dar valor
no que tá hoje.
[...] o que eu sofri, eu não quis que os meus filhos sofressem e hoje elas
falam: olha pai, o Senhor é um pai que eu não posso falar nada do senhor,
graças a Deus. Graças a Deus né? Elas estão dando valor em mim. Só que
assim, só que os filhos deles já não é igual a elas. (Senhor B3).

No que se refere à família, pelos relatos foi possível perceber que grande maioria tem
algum momento para falar sobre sua história, dando ênfase no trabalho sofrido, as
dificuldades que a vida impôs e as conquistas para criar os filhos, para vencer os obstáculos
da vida. Sobre o aspecto do trabalho, “Essa sociedade condena os trabalhadores à degradação
durante toda a trajetória de sua vida, submetendo e convertendo o seu tempo de vida em
tempo de trabalho.” (TEIXEIRA, 2008a, p. 71), as exigências que o trabalho impõe ao ser
humano podem tornar os momentos de convívio com familiares e amigos escassos ou
suprimidos. O tempo de vida se transforma em tempo para trabalhar, devido às necessidades
145

de sobrevivência e aos baixos salários e altos níveis de exploração que podem estar sujeitos a
enfrentar.
Embora os momentos possam não ser constantes, devido a cada um ter sua vida, seu
trabalho, suas responsabilidades, ter constituído sua família, morar distante, mas quando têm
oportunidades, as pessoas idosas, participantes da pesquisa, ainda conseguem conversar com
um ou outro familiar sobre suas histórias de vida, realizando um trabalho intelectual de
rememorar sobre seu passado (BOSI, 2003), podendo transmitir como era a cultura no seu
tempo de juventude, suas dificuldades e as estratégias criadas para vencê-las.
A Senhora B1 relata que esses momentos são raros e acontece mais quando encontra
alguém da família que não encontra sempre, desta forma observa-se que tais assuntos são
tratados com pessoas da mesma geração, que também vivenciaram tais fatos, portanto, pode
ser um momento prazeroso lembrar junto com outro sobre fatos engraçados, aventuras,
histórias da vida pessoal e/ou profissional da qual a outra pessoa também vivenciou e faz
parte. Já a Senhora B4 falou da irmã, pessoa com quem tem mais intimidade, e que
provavelmente deve ter vivenciado muitas coisas juntas, e afirma ter uma família desligada, o
que soa como afastada, e sem interesse pelo outro.
A Senhora B7 fala da falta de tempo durante a semana, da correria do dia-a-dia, mas
ressalta que entre um intervalo e outro consegue ver suas filhas, receber uma ligação para
saber como está, mas é sobre acontecimentos atuais, se passou o dia bem, mas não configura o
ato de rememorar experiências de vida.
A Senhora B6 e o Senhor B3 relatam que conversam com seus (suas) filhos (as) sobre
as dificuldades que tiveram na vida, inclusive na criação e cuidado com eles, e mostram que
os (as) filhos (as) valorizam suas histórias de vida, suas lutas, seus sofrimentos e suas vitórias.
O Senhor B8 relata sobre sua história de vida, também sofrida, mas que também
conseguiu vencer, afirma que seus sobrinhos têm conhecimento e que cada um tem sua vida,
portanto não tem tempo para momentos assim. Esse participante não teve filhos e não
constituiu família, então a família dele são os sobrinhos.
Sobre a relação com os familiares mais jovens, grande maioria dos entrevistados
afirmaram que conversam em um momento ou outro, mesmo que seja esporadicamente, para
aconselhar, embora duas pessoas tenham relatado que não existem esses momentos, seguem
relatos que exemplificam:

Os meus netos me dão muita atenção, eu falo muito com eles, mostro o que
eu escrevi né? O meu neto mais novo eu falei pra ele ler meu caderno de
história de vida, ai eu falei assim: viu a vó teve infância, mesmo na roça
146

que a gente tem infância, tem liberdade né? Hoje não tem, hoje é
computador, é celular, não pode sair na rua [...]. (Senhora B7, grifo nosso.).

Não, Não procuram saber não, eles tem os grupos deles pra lá. Não, não, é
difícil um chegar tia [...] É eu dou [conselhos] gosto muito de falar vá pra
igreja, guardei os domingo, [...]. (Senhora B4).

Eles gostam. Porque eu gosto de gente jovem sabe, eu gosto mais de dialogar
com jovem sabe [...].
E eles gostam de mim ouvir, que eu dou muita experiência pra eles, falo
muita coisa que eles precisavam ouvir e eles quer ouvir, que eles acham bom
pra carreira deles, pra vida deles não é? [...].
É na escola, quando eles vão fazer provas né? Aí cai alguma coisa que eles
não tem né? Tem uns que não sabe coisa sobre igreja, sobre Deus, aí eles diz
a Senhora vai me ajudar, aí eu ajudo e eles vai deu certo vó. É assim eu
ajudo e eles me ajudam também. Um ajuda o outro, eu adoro por demais
conversar com gente jovem, eles tem um papo muito legal né? (Senhora B6).

Falo. Eles gostam, no começo eles choravam né? Quando eu falava da vida
com meu ex-marido né?
Então eles chorava, inclusive ele é doente, [...] minha bisneta, ela falou
assim: por isso que ele é doente, [...] ela falou: por isso que ele doente, ele tá
pagando pelo que ele fez com você, eu falei: só que eu não guardo raiva, não
guardo rancor, quem vive de passado é museu. Eu se eu guardasse rancor eu
tava cheia de ruga, eu falo pra ela. Ela fala: vó: mas ele lhe fez sofre. Eu
falo: não o que passou, passou, é passado. (Senhora B2).

Tem uns que gostam, tem uns que não dar bola não, tem uns que não dar
bola não. Só que eles tem muitas coisas que perguntam pra gente também.
(Senhor B3).

Quando a Senhora B7 fala para o neto que ela também teve infância, isso demonstra a
falta e/ou carência desse reconhecimento pela sociedade que olha apenas o imediato de um
corpo fisicamente envelhecido, com as marcas que o tempo impõe e desconsidera a história de
vida, pois a pessoa que hoje se encontra na fase da velhice um dia foi criança e teve infância,
com as brincadeiras de sua época, teve adolescência, também de acordo com a cultura da sua
época, enfim que é um ser histórico. O ser humano não é um ser a-histórico, ele possui a
história dos seus antepassados e a sua própria história, construída ao longo da sua trajetória de
vida e das oportunidades surgidas.
A Senhora B4 afirma que seus familiares não se interessam, não perguntam sobre sua
vida, e afirma que os sobrinhos têm os grupos deles. Ter os próprios grupos significa conviver
com pessoas da mesma idade, que realizam as mesmas atividades e frequentam o mesmo
espaço físico, havendo aí uma segregação etária, que muito prejudica a convivência, o
respeito e a valorização entre diferentes gerações, podendo causar discriminações e
147

preconceitos. Mas mesmo diante desse afastamento, ela dá conselhos para eles, mas se limita
a isso, não chega a conversarem sobre a história de vida e experiências.
A Senhora B6 fala que gosta de interagir com jovens, e fala que conversa com seus
netos e os amigos deles, que inclusive ajuda-os em trabalhos escolares, sobre temas que ela
conhece, a exemplo de assuntos relacionados à religião. O que proporciona uma convivência
intergeracional entre ambos.
A Senhora B2 fala que ao contar para seus netos e bisnetos sobre sua história de vida,
eles até se emocionam, devido ao sofrimento que ela passou durante seu casamento. Então,
ela conta sobre a história da família, dentre outros assuntos.
O Senhor B3fala que nem todos os netos se interessam pelas suas histórias, mas alguns
sim e até perguntam coisas para ele. Ele relatou que um dos seus netos estuda num colégio
agrícola.

É, então ele fala assim: vô mas a gente tá aprendendo assim, tá aprendendo


todo aquele tipo de coisa da roça que a gente não sabia como mata um porco,
como mata uma galinha, como é que planta as hortas, hoje eu já sei. Tem 15
anos, ele fala assim: olhe lá nós tem que trabalhar igual o Senhor fala pra
gente que trabalhava, ele chega sujinho em casa. (Senhor B3).

Como ele já contou para esse neto sobre como era seu trabalho na roça, o neto
relaciona seu aprendizado com o que já ouviu do avô, e passa a valorizar mais esses
momentos, pois são conhecimentos que ajudam ele no seu curso.
No que se refere à participação dos familiares em atividades desenvolvidas pelo
SCFV, todos os sujeitos da pesquisa relataram que a família participa sempre que tem
encontros com a família, realizado pelo serviço, com exceção de um que relatou a falta de
tempo dos sobrinhos, motivo pelo qual nem sempre podem estar presentes.
Participamos como ouvintes do II Encontro com a família no Lions Sobral, aconteceu
no dia 19 de agosto de 2016, no momento houve uma apresentação da equipe: Assistente
social (CRAS Norte), da orientadora e facilitadora social. O encontro foi realizado para
finalizar um percurso. Na ocasião foram demonstradas algumas atividades desenvolvidas
pelas pessoas idosas e uma reflexão sobre a importância da família na vida da pessoa idosa. O
percurso que estava sendo finalizado era sobre inclusão da pessoa com deficiência e teve
palestras com convidados que discutiram sobre as temáticas: deficiência e família.
Em síntese, do ponto de vista da totalidade social, percebemos contradições, pois as
experiências de vida, advindas pelas memórias da pessoa idosa, podem ser valorizadas em
alguns momentos e em outros podem ser desvalorizadas e até mesmo despercebidas, pois são
148

relações sociais estabelecidas numa sociedade capitalista, e tais relações seguem essa lógica,
conforme nossos pressupostos.

3.5 O olhar profissional: a visão da orientadora social

A intervenção na área da velhice pode ser realizada por profissionais de diversas áreas,
de preferência por uma equipe multiprofissional que desenvolva um trabalho numa
perspectiva interdisciplinar para buscar dar respostas a todas as demandas dessa categoria.
Neste trabalho, o nosso olhar é sobre aspecto social, incluindo também o cultural para
compreender se existe valorização da memória e experiência de vida da pessoa idosa. E no
que se refere às profissões que vêm atender esse segmento etário:

A partir do final do século XIX, surgiu uma nova série de profissões: os


assistentes sociais, os educadores especializados, os orientadores. Todas elas
se reúnem em torno de uma bandeira comum: o trabalho social. Essas
profissões encontram-se, atualmente, em plena expansão. [...] Não se
vinculam a uma única instituição, mas, ao contrário, enxertam-se como
apêndice nos aparelhos preexistentes; judiciário, assistencial, educativo.
Disseminado numa multiplicidade de lugares de inserção, guardam sua
unidade, não obstante, em função de seu domínio de intervenção, que
assume os contornos das classes menos favorecidas. (JACQUES
DANZELOT, 1980, p. 91 apud HADDAD, 1986, p. 37).

Com o aumento na expectativa de vida, foram surgindo inquietações de diversas áreas


do saber, pois o processo de envelhecimento e velhice envolvem questões multidisciplinares.
As profissões da área social, como assistente social, educadores, orientadores, entre outras,
visam trabalhar na efetivação de direitos da população idosa, seja através de
encaminhamentos, de inserção em programas e serviços ou no desenvolvimento direto de
atividades para esse público.
Os (as) usuários (as) do SCFV do Lions Sobral são encaminhados (as) pela técnica de
referência do CRAS Norte, que é uma assistente social, e o trabalho é desenvolvido por uma
orientadora social e por uma facilitadora social. Para conhecer melhor o trabalho
desenvolvido no SCFV e se existe um trabalho que valorize a memória e a experiência de
vida das pessoas idosas usuários do serviço, foi realizada uma entrevista com a orientadora
social.
Sobre a forma de participação nas atividades, foi perguntado como se dá esse processo
e a resposta foi a seguinte:
149

Sim, a participação nas atividades é livre. (Orientadora Social).

As pessoas idosas são livres e possuem autonomia para escolher as atividades que lhes
interessa e que podem participar de acordo com o horário de cada uma. Sobre a importância
da participação das pessoas idosas no planejamento das atividades a serem desenvolvidas no
serviço, perguntou-se sobre isso e a resposta foi que

Ainda não conseguimos efetivar a participação plena, mas ponderamos nos


planejamentos dos percursos e das atividades, as considerações feitas pelos
usuários nos processos avaliativos. (Orientadora Social).

As pessoas idosas usuárias do SCFV, que participaram da pesquisa, quando


interrogadas sobre este item, também responderam que opinam sobre as atividades que
necessitam e desejam que tenha no serviço e que aquela que for mais pedida é a que vence,
e é considerada pela equipe. O processo de participação é importante, pois não adianta
apenas desenvolver atividades baseadas em algum manual, sem considerar as reais
necessidades do público com o qual estão sendo direcionadas tais ações, pois é necessário
“‘Dar voz aos velhos’, transformá-los em ‘sujeitos do seu destino’.” (DEBERT, 1999,
p. 229), desconsiderar suas demandas poderá ser um motivo para desistências e abandono
do serviço, pois irá faltar motivação e entusiasmo para continuar participando de algo que
não atende suas expectativas.
Outra questão foi sobre o processo de avaliação, se os usuários podem avaliar as
atividades, a resposta foi “Sim, através de um questionário de avaliação ao final de cada
percurso.” (Orientadora Social). A avaliação é momento que o profissional poderá perceber
como as pessoas idosas estão percebendo as atividades, o que elas estão achando sobre o
serviço, e pode servir como um instrumento para possíveis mudanças ou continuidades nas
ações.
Outro questionamento foi sobre quais são as atividades desenvolvidas no SCFV, a
resposta foi a seguinte:

No SCFV são desenvolvidas atividades de convívio relacionadas ao tema


que está sendo discutido no percurso, podendo ser atividades de memória,
manuais, físicas, culturais, sociais. Sempre relacionando o conteúdo
abordado no percurso e no grupo regular. (Orientadora Social).
150

As atividades podem ser relacionadas aos aspectos que envolvem: memória, manuais,
a cultura e social, sempre fazendo referência ao conteúdo trabalho no percurso e no grupo
regular, ou seja, sempre há uma ligação com o que está sendo trabalho no percurso atual.
Outra pergunta foi sobre a existência de trabalho com a memória e experiência de vida
da pessoa idosa, sobre isto, a resposta foi:

O trabalho com a memória é feito, mas não relacionado com a experiência


de vida. (Orientadora Social).

Assim, foi indagado sobre que tipo de trabalho que é realizado com a memória, e a
resposta foi a seguinte:

É realizado um trabalho de autocuidado, a importância de estimular a


memória no envelhecimento ativo e saudável. (Orientadora Social).

O autocuidado e o estímulo da memória para um envelhecimento mais saudável e


ativo é de extrema importância para uma velhice com maior autonomia e independência, mas
trabalhar questões que valorizem a experiência de vida, que podem emergir através da
memória e do fato de rememorar acontecimentos passados também poderá contribuir para
uma maior valorização da pessoa idosa, pois poderá contribuir para que ela se perceba como
um ser histórico, social e cultural.
Os dois tipos de memórias mencionadas neste trabalho são de extrema relevância para
saúde física, mental e social de uma pessoa idosa, pois um trabalha a questão do lembrar para
evitar o esquecimento frequente que atrapalha no desenvolvimento das atividades da vida
diária de forma independente, podendo interferir ainda no processo de saúde/doença; já a
outra trabalha aspectos da história de vida da pessoa, e pode contribuir para uma maior
valorização social, possibilitando ela se perceba como alguém que pode ensinar, através da
sua experiência de vida, assim como pode aprender com as demais gerações.
Sobre as atividades que trabalhem a intergeracionalidade, a resposta foi:

Sim, é proposto na metodologia e no plano de trabalho. (Orientadora social).

Ou seja, existem ações neste aspecto tão relevante na contemporaneidade, uma vez
que a expectativa de vida só tende a crescer, serão várias gerações que poderão conviver,
trocar experiências e aprendizados, e para que isso ocorra é necessário que haja respeito e
valorização de ambas as partes, entre jovens e velhos (as).
151

É urgente e necessário que a articulação das diversas instituições sociais, como


escolas, igrejas e os SCFV, os CCI’s desenvolvam projetos que levem em consideração a
pessoa idosa em sua totalidade, como sujeito histórico, social e cultural, e justamente por
isso possui uma história de vida, possui um modo de viver, que aprendeu de acordo com a
cultura e valores que lhes foram ensinados na infância e juventude, além de conhecer a
história de acontecimentos políticos que teve a oportunidade de vivenciar, a história do seu
bairro, da sua cidade, do seu município, enfim, de possuir diversos tipos de conhecimentos e
por isso devem ser respeitados e valorizados. Além de ter contribuído com o
desenvolvimento da sociedade.
Assim, uma geração necessita da outra para continuar construindo a vida em
sociedade, pois nenhum indivíduo é autossuficiente para nascer e viver sem ajuda de outros
que lhes precederam.

Somente ao crescer num grupo é que o pequeno ser humano aprende a fala
articulada. Somente na companhia de outras pessoas mais velhas é que,
pouco a pouco, desenvolve um tipo específico de sagacidade e controle dos
instintos. E a língua que aprende o padrão de controle instintivo e a
composição adulta que nele se desenvolve, tudo isso depende da estrutura do
grupo em que ele cresce e, por fim, de sua posição nesse grupo e do processo
formador que ele acarreta. (ELIAS, 1994, p. 27).

Existe a dependência de um ser humano com outros seres da mesma espécie, seja para
aprender a falar, a andar, para comer, para realizar suas necessidades básicas de
sobrevivência, bem como para desenvolver-se fisicamente, socialmente e culturalmente, e
nesse processo as pessoas idosas podem exercer um papel fundamental, por meio de suas
memórias e experiências de vida. Segundo Elias (1994, p. 50), “A pessoa, individualmente
considerada, está sempre ligada a outras de um modo muito específico através da
interdependência [...]” o ser humano, embora tenha seu lado singular e individual, não pode
viver em sociedade sem os seus semelhantes, pois há uma dependência mútua de uns em
relação aos outros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
153

Buscamos analisar a percepção da pessoa idosa sobre a valorização social, através dos
significados das memórias advindas da experiência de vida, diante do SCFV e da família.
Atingimos os objetivos propostos para esta pesquisa, pois permitiu aproximações sucessivas
com a realidade do SCFV Lions Sobral, evidenciando que desenvolve atividades que
estimulam a memória numa perspectiva do envelhecimento ativo, focando no autocuidado
para evitar perdas e dependências. Na percepção das pessoas idosas, em alguns momentos as
memórias são valorizadas em outras são desvalorizadas e até mesmo despercebidas, pois são
relações estabelecidas numa sociedade capitalista, e tais relações seguem essa lógica. A
valorização social da pessoa idosa, de forma plena, poderá ser possível em outra ordem
societária, mais justa. Assim, esperamos que este estudo possa abrir novos caminhos, novas
investigações e contribuir para a pratica do profissional assistente social e outras áreas afins.
Numa perspectiva crítica e de totalidade, as reflexões realizadas até aqui mostraram
que a queda na taxa de natalidade e o aumento populacional do grupo etário com 60 anos ou
mais, em países desenvolvidos, aconteceram pausadamente, já no Brasil, país em
desenvolvimento, esse processo está acontecendo ligeiramente, sem preparação para atender
às demandas e necessidades dessa população. Esse processo está sendo possível devido ao
avanço tecnológico e às conquistas na área social, embora viva-se num momento de regressão
e focalização dos direitos e das políticas sociais, proporcionadas pela adesão do Brasil à
política neoliberal.
Tal processo de mudança na pirâmide etária poderá retirar o Brasil do patamar de um
país de jovens, para tornar-se um país de velhos (as), traz consigo uma urgência e necessidade
de se conhecer, através de pesquisas, a realidade dessa população, que não é uma categoria
homogênea, assim como o próprio processo de envelhecimento é multidimensional,
perpassando os aspectos: biológicos, sociais, psicológicos e culturais. O conhecimento de tais
aspectos pode revelar a diferença entre o processo de envelhecimento da classe capitalista e
da classe trabalhadora e subalterna, assim como as disparidades dentro de uma classe, pois
cada uma tem uma história de vida e uma realidade diferenciada.
Sobre o envelhecimento como conquista ou problema social, podemos inferir que ele é
uma conquista, pois se observar a superação das grandes taxas de mortalidade infantil, o
controle de doenças, o sistema de seguridade social, o direito universal à saúde, à educação
pública, à aposentadoria, aos benefícios assistenciais, entre outros direitos conquistados (que
estão ameaçados na contemporaneidade pelas diversas reformas pretendidas pelo atual
governo federal), é evidente que tudo isso proporcionou o aumento nos anos de vida da
população, o que deve ser comemorado. Mas é importante lembrar que a conquista de tais
154

legislações, fruto das lutas e reivindicações da classe trabalhadora, foi num período em que o
país aderiu ao neoliberalismo, ou seja, ocorre a conquista de diversas legislações sociais e, ao
mesmo tempo, o Estado, que pelo que é previsto nas leis, seria o responsável por garanti-los,
acaba aderindo à política neoliberal, e com isso, passa a realizar o enxugando nos
investimentos no campo social, e como a classe trabalhadora e subalterna não tem condições
objetivas de comprar no mercado os bens e serviços necessários para manter a vida com
qualidade, a ideologia dominante começa a transmitir e difundir a ideia que o crescimento do
envelhecimento é um problema social.
Lembrando que, na contemporaneidade, o neoliberalismo está ainda mais intenso, e
ameaça eliminar os pequenos ganhos da área social, pois o atual governo federal está impondo
diversas reformas que podem prejudicar duramente quem é usuário das políticas sociais. A
reforma trabalhista e a previdenciária muito têm a influenciar nos modos de vida de toda
população, inclusive afetar rigorosamente o direito de envelhecer.
O envelhecimento populacional pode se tornar um problema, justamente porque o
Estado começa a transferir cada vez mais as suas responsabilidades para sociedade civil e para
o próprio indivíduo. Assim, aqueles (as) que podem comprar no mercado os produtos e
serviços que necessitam poderão experimentar e sentir um processo de envelhecimento e uma
velhice ativa, perpassada de autonomia e independência. Já aqueles (as) que não podem pagar
para sanar suas necessidades, terão chances de experimentar um processo de envelhecimento
e uma velhice com dependência, com enfermidades, fragilidades, sendo silenciadas e
invisíveis. Então a reflexão é: para quem o envelhecimento é um problema social?
A sociedade capitalista e a pós-modernidade que valoriza o imediato, o fragmentado, o
superluxo, podem não permitir que a pessoa idosa seja vista em sua totalidade como ser
histórico, social e cultural, ora desprezando e silenciando suas memórias e experiências de
vida, ora valorizando-as. Podem valorizar esse grupo etário, como possíveis consumidores
que irão contribuir na obtenção de lucro pelo capital e sua autovalorização, realizando uma
pseudovalorização do ser humano.
Não defendemos neste trabalho que a pessoa idosa deva apenas ficar relembrando e
contando histórias sobre seu passado para as gerações atuais, mas que entre as potencialidades
desse segmento etário, está o ato de rememorar, de possuir vivências, experiências e
sabedoria, que através da memória podem ser compartilhadas com as novas gerações, num
processo de troca, em que uma aprende com a outra, o que pode contribuir com uma
valorização mútua.
155

A defesa que realizamos neste trabalho é de que a memória da pessoa idosa deve ser
valorizada através de diversas ações. Mas, além disso, que todos os direitos dessa população
sejam efetivados pelo Estado, e que a sociedade também contribua nesse processo, pois
quando não se respeita o direito de ir e de vir nos espaços públicos, quando uma pessoa é
discriminada dentro de um transporte público, apenas por ter mais de 60 anos, é urgente
refletir sobre que sociedade está em construção. O que precisa mudar? Como fazer isso?
Depende de quem essa mudança?
Se não se respeita o direito de atendimento preferencial conferido pela legislação da
pessoa idosa, como valorizar um dos segmentos que mais cresce no país? Como valorizar sua
história de vida? Mas também sabe-se que os dados revelaram não haver apenas
desvalorização, mas também pessoas e locais que respeitam e valorizam a pessoa idosa,
constituindo assim um processo contraditório.
Diante de tudo que foi exposto até aqui, podemos inferir que a pessoa idosa nas
diversas sociedades não foi totalmente desvalorizada, nem totalmente valorizada, sempre
existindo as duas versões em uma mesma sociedade, isso depende da cultura, dos modos de
produção, da forma de organização social e dos valores de determina sociedade. No caso da
sociedade capitalista, a contradição é algo próprio e constitutivo dela.
O SCFV do Lions Sobral desenvolve atividades direcionadas ao estímulo da memória
e relacionadas ao envelhecimento ativo. Estimular para não desenvolver esquecimento, por
exemplo. Pelo que vimos nos dados da pesquisa, o serviço não desenvolve uma atividade
específica que foque na memória relacionada a experiência e história de vida dos seus
usuários, embora na visão dos entrevistados existam ações pontuais que trabalham com a
memória, mas pela nossa análise, seria mais para instigar e estimular a memória para evitar
danos e perdas. O que é de grande importância para se garantir uma velhice com mais
autonomia e independência.
Mas destacamos que a TNSS e o documento de Orientações Técnicas do SCFV para
pessoas idosas destacam a valorização das experiências de vida da pessoa idosa. Inclusive este
último documento, traz nos seus eixos estruturantes, o tema memória, arte e cultura, e aborda
sobre a contribuição que as pessoas idosas podem dar para sociedade através da sua história
de vida e dos conhecimentos que adquiriu, e que a transmissão de tais conhecimentos também
contribui para o sentimento de utilidade por parte das pessoas idosas, além de ser um
instrumento para trabalhar questões intergeracionais. Outro eixo desse documento aborda
sobre a convivência social e intergeracional, que também foca na contribuição da pessoa idosa
para sociedade, através de suas experiências, que se partilhadas com outras gerações, poderá
156

favorecer na diminuição do preconceito e de discriminações, além de enriquecer o


aprendizado das novas gerações.
Assim, inferimos que a memória hábito e factual, conforme citado por alguns
autores, é a mais trabalhada no serviço, já a memória-lembrança e memória-experiência,
também citada e definida por alguns autores, são menos trabalhadas, e quando são é para
instigar a primeira, ou seja, para estimular a memória e evitar esquecimentos, com objetivo de
obter uma velhice mais saudável e ativa. Destarte, ressaltamos a importância de ações que
trabalhem este tipo de memória, o que poderá proporcionar mais autonomia e independência
para população idosa, mas também ressaltamos a importância de ações que trabalhem e
valorizem a memória-lembrança/memória-experiência, como um instrumento que poderá
proporcionar a valorização entre as diversas gerações, fortalecendo os vínculos familiares e
comunitários, podendo assim reduzir e amenizar os preconceitos, discriminações e violências
contra a pessoa idosa. Atividades que considerem a memória relacionada à experiência de
vida da pessoa idosa devem ser desenvolvidas nas instituições sociais, a exemplo de escolas,
universidades e em outros espaços sociais.
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APÊNDICES
171

APÊNDICE A – Roteiro da entrevista semiestruturada

Roteiro da entrevista semiestruturada para analisar a percepção da pessoa idosa sobre a


valorização social através do significado das memórias advindas da experiência de vida,
diante o SCFV e a família. O projeto de pesquisa está vinculado a Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – Campus de
Franca.

Eixos Analíticos:
1- Significado da Valorização Social para a Pessoa Idosa
1.1.O que senhor (a) entende por valorização social?
1.2. O (a) senhor (a) sente-se valorizado como pessoa?
1.3.O (a) senhor (a) sente-se valorizado por ter memórias referentes a sua história de
vida e experiências adquiridas ao longo da vida?
Pela Sociedade

1.4 O (a) senhor (a) sente-se valorizado pela sociedade?


1.5 Para o (a) senhor (a) a sociedade valoriza a pessoa idosa como alguém que detém
conhecimentos?
1.6 Para o (a) senhor (a) a sociedade valoriza as memórias (relacionadas ao trabalho,
família, comunidade) que a pessoa idosa adquiriu ao longo da vida?

2- Significado e valorização social das Memórias da Pessoa Idosa no SCFV e na


família na visão da pessoa idosa

Pelo Estado e SCFV

2.1 O (a) senhor (a) acha que o Estado valoriza a pessoa idosa? Como?
2.2 O (a) senhor (a) conhece as políticas públicas e os serviços existentes e disponíveis
para a pessoa idosa?
2.3 O (a) senhor (a) participa do planejamento das atividades do SCFV?
2.4 O (a) escolhe qual atividade quer participar?
2.5 Quais as atividades que o senhor (a) participa no SCFV?
2.6 O (a) senhor (a) participa da avaliação das atividades do SCFV?
2.7 O senhor (a) tem espaço no serviço para falar sobre suas experiências de vida,
através da memória?
172

2.8 Qual a importância do Serviço na vida do senhor (a)?

Família

2.9 O (a) senhor (a) tem momentos de troca de conhecimentos com seus familiares?
2.10 O (a) senhor (a) sente que sua família se interessa por sua história de vida (como
era seu trabalho, sua história familiar, da comunidade onde viveu e cresceu)?
2.11 Como o senhor se relaciona com os familiares mais jovens? Esta relação permite
falar de suas experiências vividas?
1.12 Algum familiar do(a) senhor (a) participa de atividades no SCFV ou no CRAS?
2.13 A relação do (a) senhor (a) com seus familiares se modificou após sua entrada no
SCFV?
173

APÊNDICE B - ENTREVISTA (Orientadora Social)

1- Como as pessoas idosas ingressam no SCFV?


2- Há quanto tempo o SCFV está funcionando no Lions Sobral?
3- As pessoas idosas participam do processo de planejamento das atividades do
Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos- SCFV? Como?
4- As pessoas idosas avaliam as atividades desenvolvidas no SCFV? Como?
5- Quais são as atividades desenvolvidas no SCFV?
6- Quantos grupos existem? Cada grupo é formado por quantas pessoas idosas?
7- Existem atividades que envolvem trabalho com a memória e experiência de
vida da pessoa idosa?
8- Qual tipo de trabalho é desenvolvido com a memória?
9- Existem atividades que trabalhem a intergeracionalidade?
10- As pessoas idosas podem escolher as atividades queiram participar?
11- 11-Qual a diferença entre o SFCV e o CCI?
12- 12-Os usuários do SCFV também podem participar de atividades no CCI?
13- 13-Quais profissionais que trabalham no SCFV?
14- 14-Quais profissionais trabalham no CCI?
ANEXO
175

ANEXO A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

NOME DO PARTICIPANTE:
DATA DE NASCIMENTO: __/__/___. IDADE:____
DOCUMENTO DE IDENTIDADE: TIPO:_____ Nº_________ SEXO: M ( ) F ( )
ENDEREÇO: ________________________________________________________
BAIRRO: _________________ CIDADE: ______________ ESTADO: _________
CEP: _____________________ FONE: ____________________.

Eu, ___________________________________________________________________,
declaro, para os devidos fins ter sido informado verbalmente e por escrito, de forma suficiente
a respeito da pesquisa: -
________________________________________________________________________ O
projeto de pesquisa será conduzido por ______________________________________, do
Programa de Pós-Graduação em ______________________________, orientada pelo Profª.
__________________, pertencente ao quadro docente da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais/UNESP/C.Franca.
Estou ciente de que este material será utilizado para apresentação de: Dissertação, observando
os princípios éticos da pesquisa científica e seguindo procedimentos de sigilo e discrição.
___________________________________________________. Fui esclarecido sobre os
propósitos da pesquisa, os procedimentos que serão utilizados e riscos e a garantia do
anonimato e de esclarecimentos constantes, além de ter o meu direito assegurado de
interromper a minha participação no momento que achar necessário.
Franca, _____ de _______________ 201 __.

_____________________________________________.
Assinatura do participante

________________________________________(assinatura)
Pesquisador Responsável
Nome
Endereço:
Tel.:
E-mail:
________________________________________(assinatura)
Orientador
Endereço:
Tel.:
E-mail:

Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”


Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - Unesp – Campus de Franca
Av. Eufrásia Monteiro Petráglia, 900 - Jd. Dr. Antônio Petráglia – CP 211. CEP: 14409-160 – FRANCA – SP
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