Artigo Saúde de Mães e Crianças No Brasil

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Séries

Saúde no Brasil 2
Saúde de mães e crianças no Brasil: progressos e desafios
Cesar G Victora, Estela M L Aquino, Maria do Carmo Leal, Carlos Augusto Monteiro, Fernando C Barros, Celia L Szwarcwald

Publicado Online Nas últimas três décadas, o Brasil experimentou sucessivas transformações nos determinantes sociais das doenças
9 de maio de 2011 e na organização dos serviços de saúde. Neste artigo, examinamos como essas mudanças afetaram os indicadores
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de saúde materna e de saúde e nutrição infantil. São utilizados dados de estatísticas vitais, censos populacionais,
inquéritos de demografia e saúde e publicações obtidas de diversas outras fontes. Nesse período, os coeficientes de
Veja Online/Comentário
DOI:10.1016/S0140- mortalidade infantil foram substancialmente reduzidos, com taxa anual de decréscimo de 5,5% nas décadas de
6736(11)60433-9, 1980 e 1990 e 4,4% no período 2000-08, atingindo vinte mortes por 1.000 nascidos vivos em 2008. As mortes
DOI:10.1016/S0140- neonatais foram responsáveis por 68% das mortes infantis. Deficits de altura entre crianças menores de 5 anos
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diminuíram de 37%, em 1974-75, para 7%, em 2006-07. As diferenças regionais referentes aos deficits de altura e à
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6736(11)60318-8, mortalidade de crianças foram igualmente reduzidas. O acesso à maioria das intervenções de saúde dirigidas às
DOI:10.1016/S0140- mães e às crianças foi substancialmente ampliado, quase atingindo coberturas universais, e as desigualdades
6736(11)60326-7, e regionais de acesso a tais intervenções foram notavelmente reduzidas. A duração mediana da amamentação
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aumentou de 2,5 meses nos anos 1970 para 14 meses em 2006-07. Estatísticas oficiais revelam níveis estáveis de
mortalidade materna durante os últimos quinze anos, mas estimativas baseadas em modelos estatísticos indicam
Este é o segundo da Séries de
seis fascículos em Saúde no Brasil uma redução anual de 4%, uma tendência que pode não ter sido observada nos dados de registro devido às
Pós-Graduação em
melhorias no sistema de notificação de óbitos e à ampliação das investigações sobre óbitos de mulheres em idade
Epidemiologia, Universidade reprodutiva. As razões para o progresso alcançado pelo Brasil incluem: modificações socioeconômicas e
Federal de Pelotas, Pelotas, demográficas (crescimento econômico, redução das disparidades de renda entre as populações mais ricas e mais
Brasil (Prof C G Victora MD);
pobres, urbanização, melhoria na educação das mulheres e redução nas taxas de fecundidade); intervenções
Instituto de Saúde Coletiva,
Universidade Federal da Bahia, externas ao setor de saúde (programas condicionais de transferência de renda e melhorias no sistema de água e
Salvador, e Conselho Nacional saneamento); programas verticais de saúde nos anos 1980 (promoção da amamentação, hidratação oral e
dos Direitos da Mulher, imunizações); criação do Sistema Nacional de Saúde (SUS), mantido por impostos e contribuições sociais, cuja
Brasília, Brasil (E M L Aquino
cobertura foi expandida para atingir as áreas mais pobres do país por intermédio do Programa de Saúde da Família,
MD); Escola de Saúde Pública
(Prof M d C Leal MD) e Instituto na metade dos anos 1990; e a implementação de vários programas nacionais e estaduais para melhoria da saúde e
de Comunicação, Ciência da nutrição infantil e, em menor grau, para a promoção da saúde das mulheres. Apesar dos muitos progressos,
Informação e Tecnologia da desafios importantes ainda persistem, incluindo a medicalização abusiva (quase 50% dos nascimentos ocorrem
Saúde (Prof C L Szwarcwald),
por cesariana), mortes maternas causadas por abortos inseguros e a alta frequência de nascimentos pré-termo.
Fundação Oswaldo Cruz, Rio
de Janeiro, Brasil; Faculdade
Pública da Saúde, Introdução para um país de renda média, urbanizado, com um
Universidade de São Paulo, Nas últimas três décadas, o Brasil passou por sucessivas sistema unificado de saúde. O presente artigo analisa o
São Paulo, Brasil
mudanças em termos de desenvolvimento impacto dessas mudanças sobre a saúde de mães e
(Prof C A Monteiro);
e Universidade Católica de socioeconômico, urbanização, atenção médica e na crianças, expandindo análises prévias das tendências
Pelotas, Pelotas, Brasil saúde da população. O primeiro artigo1 desta Série temporais nas desigualdades em saúde de mães e
(Prof F C Barros) descreve como o Brasil evoluiu, em algumas décadas, de crianças no Brasil.2 Discute-se também a saúde de
um país de baixa renda, com uma larga parcela de mulheres grávidas no contexto dos direitos reprodutivos,
população rural e com um sistema de saúde múltiplo, que incluem o direito de escolha reprodutiva,
maternidade segura e sexualidade sem coerção.3,4 Nossas
Mensagens principais análises focalizam o aborto, contracepção, gravidez e
parto (ver Painel 1 para fontes de dados). Violências
• A saúde e a nutrição das crianças brasileiras melhoraram rapidamente a partir dos (incluindo a violência sexual) e doenças infecciosas e
anos 1980. A primeira Meta do Milênio (redução pela metade do número de crônicas em mulheres são discutidas em outros artigos
crianças subnutridas entre 1990 e 2015) já foi alcançada e a Meta número quatro da Série.18–20 Nossa discussão sobre saúde de crianças é
(redução de dois terços dos coeficientes de mortalidade de crianças menores de restrita àquelas menores de 5 anos e mais focada em
5 anos) provavelmente será alcançada dentro de dois anos. menores de 1 ano, uma vez que as mortes no primeiro
• O progresso na razão de mortalidade maternal é difícil de ser avaliado, uma vez que ano de vida representam 90% da mortalidade no grupo
a tendência temporal do indicador vem sendo afetada por melhorias nas estatísticas etário de 0–4 anos.2
vitais, mas há evidências de diminuição nas razões de óbitos maternos nos últimos As melhorias ocorridas na saúde de mães e crianças no
trinta anos. Entretanto, a Meta do Milênio número 5 (redução de três quartos da Brasil evidenciam como o país evoluiu em termos de
mortalidade materna entre 1990 e 2015) possivelmente não será alcançada. sistemas de saúde, condições de saúde e determinantes
(Continua na próxima página) sociais, que são discutidos em outros artigos da Série.1,19–21
Nos últimos 50 anos, o Brasil transformou-se de uma

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sociedade predominantemente rural para outra, em que


mais de 80% da população vive em áreas urbanas; as taxas (Continuação da página anterior)
de fecundidade foram reduzidas de mais de seis filhos • As desigualdades regionais e socioeconômicas nas coberturas de intervenções, no
por mulher para menos de dois; a educação primária foi estado nutricional e em outros indicadores de saúde diminuíram marcadamente.
universalizada; e a expectativa de vida ao nascer aumentou • Os principais fatores que contribuíram para tais avanços incluem melhorias nos
cerca de cinco anos por década.1,21 A proporção de mortes determinantes sociais (pobreza, educação de mulheres, urbanização e fecundidade),
provocadas por doenças infecciosas diminuiu intervenções fora do setor de saúde (transferência condicional de renda,
substancialmente – o Brasil é um exemplo de sucesso no abastecimento de água e saneamento) e a criação de um sistema nacional de saúde
controle de HIV/AIDS e doenças imunopreveníveis.18 unificado com territorialização da atenção primária em saúde, dirigido à melhoria
As políticas e sistemas de saúde do país apresentaram do acesso à atenção de saúde da população mais necessitada, além de programas
marcadas modificações nas últimas três décadas.1 No centrados em doenças específicas.
final dos anos 1980, o sistema de saúde evoluiu de um • Grandes desafios ainda persistem, incluindo a redução da alta frequência de
modelo com três sistemas de financiamento – privado, cesarianas, nascimentos pré-termo e abortos ilegais, além da necessidade de reduzir
seguridade social e instituições de caridade – para um ainda mais as desigualdades socioeconômicas e regionais em saúde.
sistema nacional de saúde único e universal, financiado
por impostos e contribuições sociais. A atenção
primária à saúde passou a ser central no sistema e foi setores da sociedade. Como resultado dessas mudanças, Correspondência para:
estabelecida a territorialização da atenção por meio de as antigas diferenças no acesso à atenção de saúde que Prof Cesar G Victora,Universidade
Federal de Pelotas,CP 464,
equipes de saúde da família nas áreas mais necessitadas ocorriam entre as Regiões Sul e Sudeste, mais ricas, e 96001–970, Pelotas, RS, Brasil
do país. Ao mesmo tempo, os recursos humanos para a as Regiões Norte e Nordeste, mais carentes, foram [email protected]
saúde e desenvolvimento científico e tecnológico no reduzidas, assim como as diferenças de renda entre as
setor de saúde receberam grandes investimentos.1,21 A famílias mais ricas e mais pobres do país.1,21
partir dos anos 1990, as políticas de governo foram
progressivamente dirigidas à provisão de mecanismos Saúde reprodutiva e materna
de proteção social – não somente pelos esquemas bem A mortalidade materna constitui uma severa violação
conhecidos de transferência condicional de renda, mas dos direitos reprodutivos das mulheres,22 visto que
também pela promoção da inclusão social em todos os praticamente todas as mortes maternas podem ser

Painel 1: Fontes de dados

Nossa revisão é baseada em dados provenientes de quatro censos e inquéritos domiciliares para os demais 19 estados. A
fontes: estatísticas vitais, inquéritos nacionais sobre saúde estimativa nacional de mortalidades foi calculada pela média
materna e infantil, censos populacionais e revisão de estudos das estimativas dos estados, ponderada pelo número de
publicados. O Ministério da Saúde criou o Sistema de nascidos vivos.8 Para a obtenção das taxas de mortalidade
Informações sobre Mortalidade (SIM) em 19765 e o Sistema de específicas por causa, multiplicamos a proporção de mortes
Informações de Nascidos Vivos (SINASC) em 1990.6 As registradas por causa – após exclusão das mal definidas – aos
informações nesses sistemas são disponíveis na internet, coeficientes estimados de mortalidade infantil. Mais detalhes
desagregadas no nível dos 27 estados e 5.564 municípios. O SIM sobre as fontes de dados, métodos e apuração das causas de
contém informações sobre a causa básica do óbito e algumas óbitos podem ser encontrados em outras publicações.2,9
características demográficas (idade, sexo etc.). Comparando-se Os censos demográficos no Brasil foram realizados em 1970,
com as estimativas indiretas de mortalidade, realizadas com 1980, 1991 e 2000,10 e as pesquisas nacionais de domicílios,
base nos censos demográficos e pesquisas nacionais conduzidas anualmente com múltiplos objetivos, incluíram
domiciliares, estima-se que 89% dos óbitos de todas as idades com frequência informações sobre saúde.11 Inquéritos nacionais
foram informados ao SIM; para óbitos infantis, a cobertura foi dedicados especificamente à coleta de informações sobre a
de 72% em 2006, proporção bem maior que a estimada no saúde materna e infantil foram realizados em 1986, 1996 e
início dos anos 1990,7 inferior a 60%. Os sepultamentos em 2006–0712–14 e possibilitaram o cálculo das estimativas indiretas
cemitérios não oficias, em que não há exigência de certificados da mortalidade na infância e dados para cobertura de
de óbito, resultam em sub-registro dos óbitos. Na região intervenções na área de saúde materna e infantil. Os estudos de
Nordeste, pouco mais da metade dos óbitos infantis é 1996 e 2006–07 avaliaram, igualmente, o estado nutricional
informada ao SIM.7 O SINASC contém várias informações infantil. Dados antropométricos adicionais foram coletados em
relacionadas ao nascimento, à gravidez e ao parto, além das pesquisas domiciliares realizadas em 1974–7515 e 1989.16 Uma
características sociodemográficas das mães, e tem uma ampla revisão da literatura desde 1980 e de documentos de
cobertura nacional estimada em 92%. Neste trabalho, a nossos próprios arquivos e de websites do governo foi
mortalidade em menores de 5 anos foi calculada pelas importante para identificar publicações sobre a saúde materna
estimativas diretas em oito estados que têm cobertura completa e infantil no Brasil e sobre os seus determinantes.17
das informações vitais, e as estimativas indiretas baseadas nos

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excessiva medicalização (cesarianas, episiotomias,
múltiplos exames de ultrassom etc.). Cesarianas e
episiotomias de rotina são muito frequentes.12
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Cesarianas
Cerca de 3 milhões de nascimentos ocorreram no Brasil
40 em 2007 – 89% dos partos foram realizados por médicos
e 8%, por enfermeiras obstétricas (especialmente nas
Regiões Norte e Nordeste).12 Quase metade (47%) desses
Cesarianas (%)

30 partos ocorreu por operações cesarianas – essas cirurgias


representaram 35% dos nascimentos pelo Sistema Único
de Saúde (SUS; sob o qual ocorrem três quartos de todos
20 os nascimentos do país) e 80% dos partos pelo setor
privado. Quarenta e oito por cento das primíparas deram
à luz em uma cesariana,12 o que é muito mais elevado
10 que o limite máximo de 15%25 recomendado pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) e superior às
cifras registradas em qualquer outro país.26 Quase
0 metade (46%) de todas as cesarianas foi agendada com
antecedência, de acordo com as mães entrevistadas na
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Ano Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde de 2006.27


A Figura 1 mostra as tendências nas proporções de
Figura 1: Cesarianas no Brasil cesarianas nas últimas quatro décadas. Embora diferentes
As linhas se referem a dados de sistemas de informações hospitalares (linha vermelha=seguridade social;28 linha
azul=sistema de informação de nascidos vivos)6 e os pontos correspondem a dados de inquéritos nacionais12,14,16,29 fontes de dados tenham sido utilizadas – o sistema de
(pontos verde-claros=% de todos os nascimentos; pontos verde-escuros=% de nascimentos hospitalares). seguridade social para 1970–80,28 o Sistema de
Informações de Nascidos Vivos (SINASC)6 de 1995 em
evitadas com atenção à saúde precoce e de qualidade.23 diante e informações de inquéritos nacionais para 1981,
Até o final dos anos 1970, os temas de saúde materna 1986, 1996 e 2006 –, uma clara tendência de aumento é
estavam pouco presentes na agenda de saúde do país. A observada. Em apenas oito anos (2001–08), as cesarianas
situação mudou após 1980, quando várias políticas e aumentaram de 38,0% para 48,8%, e em várias Unidades
programas de saúde para as mulheres foram adotadas. da Federação (UF) os partos cesáreos passaram a ser
Essas iniciativas, em conjunto com amplas mais numerosos que os vaginais.
transformações sociais, como melhorias na educação Partos por cesariana são mais frequentes entre
das mulheres, urbanização e mudanças no papel das mulheres de grupos socioeconômicos mais privilegiados,
mulheres na sociedade (por exemplo, maior acesso ao com maior escolaridade, e mulheres brancas.30–32 Quanto
mercado de trabalho e menor número de filhos), do aumento das cesarianas pode ser atribuído a demandas
afetaram positivamente os indicadores sexuais e das grávidas ou a preferências médicas é um assunto
reprodutivos. Embora a maioria das brasileiras declare controverso. Em estudos baseados em questionários,33,34 a
ser católica, em 2006, 78,5% das mulheres unidas maioria das mulheres mostra uma preferência por partos
informaram utilizar métodos modernos de vaginais, mas entrevistas35 em profundidade revelam a
contracepção, um aumento importante em relação à crença generalizada de que as cesarianas seriam
proporção de 57% que havia dado esta informação em preferíveis por serem menos dolorosas. Em dois hospitais
1986. A taxa total de fecundidade reduziu marcadamente, privados do Rio de Janeiro, 70% de 437 mulheres
de 6,3 filhos por mulher no início dos anos 1960 para estudadas no início da gestação mostravam preferência
1,8 por mulher em 2002–2006.12 A redução da por parto vaginal; entretanto, somente 30% das mulheres
fecundidade foi mais lenta entre adolescentes do que mantiveram a preferência durante o trabalho de parto e
em mulheres com mais idade – 39 em cada apenas 10% tiveram seus filhos por via vaginal.33
1.000 mulheres com idade entre 10–19 anos tiveram Resultados similares foram descritos em outros estados
filhos em 2006, o que significou uma discreta redução do país.36 Cesarianas são realizadas com mais frequência
em relação a 45 por 1.000 em 1996; para meninas entre em horários diurnos e em dias úteis, o que sugere que
10–14 anos houve um discreto aumento, de 3 para 4 esta forma de parto é mais conveniente para os médicos
nascimentos por 1.000 mulheres no mesmo período.24 (Barros AJD, no prelo).
Mais de 20% de todas as crianças brasileiras nascem de O aumento das cesarianas ocorrido nos últimos
mães adolescentes.24 O acesso à atenção pré-natal e ao quarenta anos tem sido motivo de preocupação de
parto em estabelecimentos de saúde também aumentou profissionais de saúde pública e de grupos feministas.37
(o que será discutido a seguir neste artigo). Entretanto, Nos anos 1970, quando a epidemia de cesarianas teve
o maior uso de serviços de saúde foi acompanhado de sua origem, médicos e hospitais recebiam pagamento

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maior do sistema de seguridade social por parto cirúrgico notificação das mortes maternas, mas por outro lado
do que por parto vaginal, o que parece ter contribuído afetam a interpretação de tendências temporais e
para seu uso mais frequente.38 Em reação a essa tendência diferenças regionais, porque a qualidade das notificações
de aumento, instituiu-se uma forma de pagamento igual varia de acordo com a época e o lugar de ocorrência. Em
para todos os tipos de parto a partir de 1980, mas tal 2009, mais de 40% de todas as mortes de mulheres em
política produziu um arrefecimento apenas temporário idade reprodutiva no país foram investigadas. Conforme
no crescimento do número de crianças nascidas por estatísticas oficiais,45 as razões de mortalidade materna se
cesarianas.39 Outras políticas governamentais foram mostram estáveis desde 1996, ao redor de 50 mortes por
adotadas numa tentativa de controle do aumento de 100.000 nascidos vivos. Essas estimativas não estão
partos cirúrgicos; em 1998, o SUS estabeleceu um limite corrigidas por mudanças na proporção de mortes que são
de 40% para a proporção de partos por cesariana que registradas, nem para a proporção de óbitos de mulheres
seriam pagos às instituições, e este limite foi em idade reprodutiva que é investigada em detalhe.
gradualmente reduzido até 30%, em 2000. Naquele ano, Razões de mortalidade materna calculadas por distintos
foi firmado o Pacto para a Redução das Taxas de métodos mostram resultados discrepantes.2 Hogan et al.45
Cesarianas entre as administrações estaduais e o fizeram uma estimativa de razão de 55 por
Ministério da Saúde, com o objetivo de reduzir a 100.000 nascidos vivos em 2008, utilizando um modelo
frequência de cesarianas para 25% no ano de 2007. As de regressão baseado na taxa total de fecundidade,
medidas tiveram um efeito visível, pois a proporção de produto interno bruto per capita, prevalência de HIV,
cesarianas pagas pelo SUS caiu de 32,0% em 1997 para mortalidade neonatal e nível de educação materna. As
23,9% em 2000 (Figura 1). Todavia, os efeitos do Pacto Nações Unidas estimaram a razão de mortalidade
tiveram curta duração, especialmente no setor privado, e materna em 58 por 100.000 nascidos vivos para 200846
as taxas de cesarianas voltaram a aumentar de forma por outro modelo de regressão baseado no produto
contínua após 2002. Os movimentos de mulheres interno bruto per capita, taxa de fecundidade e atenção ao
reagiram firmemente contra o excesso de medicalização,37 parto por pessoal capacitado.46 Reduções anuais nas
o que levou a novas políticas, como o Programa Nacional razões de mortalidade foram preditas por Hogan et al.
para a Humanização da Atenção do Pré-Natal, Parto e (3,9% ao ano) e pelas Nações Unidas (4,0% ao ano), o que
Pós-Parto,40 e à regulamentação, em 2005, do direito à não é surpreendente, tendo em vista que as variáveis
acompanhante durante o trabalho de parto, incluindo a explanatórias tiveram tendências temporais favoráveis (o
presença de doula (assistente que oferece suporte físico que será discutido ainda neste artigo).
e emocional), em hospitais públicos.41 Apesar da De acordo com a Classificação Internacional das
evidência de que cesarianas, mesmo se eletivas, estão Doenças,47 as principais causas de mortes maternas
associadas com aumento da morbidade e mortalidade registradas no Brasil em 2007 foram doenças hipertensivas
materna,42,43 não há sinais de que as tendências atuais de (23% das mortes maternas), sépsis (10%), hemorragia
aumento dessas cirurgias estejam reduzindo. (8%), complicações de aborto (8%), alterações placentárias
(5%), outras complicações do trabalho de parto (4%),
Mortalidade materna embolia (4%), contrações uterinas anormais (4%) e
As estimativas das razões de mortalidade materna no alterações relacionadas ao HIV/AIDS (4%). Outras causas
Brasil são afetadas pelo sub-registro de óbitos – diretas foram responsáveis por 14% de todas as mortes e
especialmente em áreas rurais e pequenas cidades,7 locais outras causas indiretas, por 17%. Mortes relacionadas a
onde a mortalidade tende a ser maior – e pela aborto mais provavelmente estão sub-registradas, como
subnotificação de causas maternas nas mortes se discute mais adiante neste artigo.
registradas.2 Um inquérito de 2002 que utilizou o método As mortes maternas, contudo, são apenas uma parte
RAMOS (do inglês reproductive-age mortality survey) em dos desafios relacionados à saúde materna. As
todas as capitais estaduais estimou a razão de mortalidade complicações obstétricas são a principal causa de
materna em 54,3 mortes por 100.000 nascidos vivos, hospitalização de mulheres em idade reprodutiva, sendo
variando de 42 na Região Sudeste a 73 no Nordeste.44 Esse responsáveis por 26,7% de todas as admissões (total de
inquérito mostrou que muitas mortes maternas haviam 1.060.538 hospitalizações em 2008), seguindo apenas os
sido perdidas pelo sistema de registro oficial, tendo sido partos não complicados.48 Um estudo nacional baseado
atribuídas a outras causas. em dados secundários sugere que eventos quase-mortais
Resultantes de um movimento político para aumentar (em inglês near-miss, ou eventos em que a mulher
a visibilidade das mortes maternas, várias iniciativas grávida ou puérpera esteve gravemente enferma, mas
promoveram melhorias no sistema de registro, incluindo sobreviveu) afetam 4% de todos os partos, especialmente
a investigação compulsória de mortes de mulheres em aqueles associados com infecções, pré-eclampsia e
idade reprodutiva.45 Atualmente, comitês de mortalidade hemorragia.49 Esta taxa é cerca de quatro vezes maior
materna estão instalados em todos os 27 estados, em que as descritas em países mais desenvolvidos.50
172 regiões subestaduais e em 748 municípios.45 Essas O que se pode concluir sobre os níveis e tendências da
medidas levaram a uma melhoria na detecção e mortalidade materna no Brasil? Em primeiro lugar, as

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Antes de 1985 198614 199613 2006–0712


Uso de qualquer contraceptivo entre mulheres que vivem com seus parceiros (%) ·· 65,8% 76,7% 80,6%
Uso de contraceptivos modernos entre mulheres que vivem com seus parceiros (%) ·· 57,0% 72,0% 78,5%
Atenção durante a gravidez e o parto (últimos cinco anos antes do inquérito)
Uma ou mais consultas de pré-natal (% de todas as mulheres) 74,7% (1981)29 74,0% 85,7% 98,7%
Mais de cinco consultas de pré-natal (% de todas as mulheres) 40,5% (1981)29 ·· 75,9% 80,9%
Iniciou consultas de pré-natal durante o primeiro trimestre da gravidez (% de ·· ·· 66,0% 83,6%
todas as mulheres)
Recebeu uma ou mais doses de toxoide tetânico durante a gravidez (% de todas ·· ·· 58,5% 76,9%
as mulheres)
Parto hospitalar (%) 79,6% (1981)29 80,5% 91,5% 98,4%
Parto por cesariana (%) 24,6% (1981)29 25,4% 36,4% 43,8%*
Cobertura vacinal em crianças com idade entre 12–23 meses (doses informadas mais doses confirmadas)
Vacina contra o sarampo (%) 16% (1975);53 56% (1980)53 79,4% 87,2% 100%
Vacina contra difteria, tétano e coqueluche (%) 20% (1975);53 37% (1980)53 68,9% 80,8% 98,2%
Outros indicadores relacionados à saúde (todas as crianças com menos de 5 anos)
Uso de soluções de hidratação oral ou líquidos caseiros recomendados (%) 0% (ainda não havia sido 10,9% 53,6% 52,1%
implementado)
Recebeu atenção de saúde para tosse ou febre (%) ·· ·· 18,2% 52,0%
Suprimento público de água (%) 32,8%82 (1975) ·· 78,7% 81,8%

Para a primeira coluna (antes de 1985), o ano a que a informação se refere está mencionado entre parênteses. ··=dados não disponíveis. *=dados do sistema de informações
do Ministério da Saúde.

Tabela: Cobertura de indicadores de saúde reprodutiva, materna e infantil obtida de inquéritos nacionais

cifras descritas são ainda inaceitavelmente elevadas; Abortos inseguros são uma grande causa de
mesmo com sub-registro, elas são cerca de cinco a dez morbidade; em 2008, 215.000 hospitalizações do SUS
vezes maiores que as descritas em países de alta foram realizadas por complicações de abortos, das quais
renda.51,52 Em segundo lugar, existem ainda marcadas somente 3.230 estavam associadas a abortos legais.
disparidades regionais que revelam diferenças socio­ Assumindo que um em cada cinco abortos resultou em
econômicas e desigualdades no acesso à atenção de admissão ao hospital, esses dados sugerem que mais de
saúde que ocorrem entre as regiões Norte e Nordeste e um milhão de abortos induzidos foram realizados em
as áreas mais ricas do Sul e Sudeste. Em terceiro lugar, 2008 (21 por 1.000 mulheres com idade entre
embora a razão oficial de mortalidade materna tenha se 15–49 anos).56 No mesmo ano, houve 3 milhões de
mantido estável nos últimos quinze anos, estimativas nascimento no país,6 indicando que uma gravidez em
baseadas em modelos estatísticos sugerem que essas cada quatro terminou em aborto.
razões estão declinando, mas as análises de tendências Entre todas as causas de morte materna, aquelas
são imprecisas, sendo afetadas pelas melhorias no causadas por complicações relacionadas a abortos são as
sistema de vigilância. Tal fato parece explicar a aparente que mais possivelmente são sub-registradas.57 No
desconexão observada entre as tendências das razões de inquérito de mortalidade na idade reprodutiva realizado
mortalidade e o aumento da cobertura dos indicadores em 2002, 11,4% de todas as mortes maternas foram
de saúde reprodutiva (Tabela). produzidas por complicações relacionadas aos abortos.58
Essas mortes são distribuídas de forma desigual na
Abortos ilegais população; informações confiáveis são escassas, mas
A legislação brasileira proíbe a indução de abortos, mulheres jovens, negras, pobres e residentes em áreas
exceto quando a gravidez resulta de estupro ou põe em periurbanas são as mais comumente afetadas.55,59
risco a vida da mulher. Ainda que em situações de Mulheres negras têm um risco três vezes maior de
anomalias fetais severas, como anencefalia, o aborto só é morrer de abortos inseguros que mulheres brancas.59
permitido após autorização judicial. Porém, a ilegalidade Tais desigualdades são produzidas, entre outros, por
não impede que abortos sejam realizados,54 o que diferenciais no acesso a métodos contraceptivos – embora
contribui para o emprego de técnicas inseguras e as discrepâncias estejam diminuindo com o tempo2 – e
restringe a confiabilidade das estatísticas sobre essa por fatores de difícil quantificação, como a violência
prática. Em um inquérito nacional realizado em áreas produzida por parceiros.20 Inquéritos nacionais realizados
urbanas em 2010, 22% das 2.002 mulheres entrevistadas em 1986, 1996 e 2007 revelaram que cerca de 20% das
com idades entre 35–39 anos declararam já ter realizado mulheres com filhos pequenos indicaram que sua mais
um aborto induzido.55 recente gravidez não havia sido planejada.

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Muitos métodos são utilizados para a indução de


A
abortos, variando de alguns de alto risco, conduzidos 80 1990
fora do setor saúde, até procedimentos seguros realizados 2000

Mortalidade (por 1.000 nascidos vivos)


70 2007
em clínicas privadas ilegais. A utilização de misoprostol
para fins abortivos é frequente, pois o medicamento é 60
obtido de modo relativamente fácil e a baixo custo. 50
Muitas mulheres que utilizam esse método acabam
40
sendo hospitalizadas em instituições de saúde
governamentais para que seja realizada uma curetagem. 30
Um inquérito nacional urbano revelou que algum tipo 20
de droga foi utilizado para a realização de 48% dos
10
abortos declarados.55
0
No parlamento brasileiro, um debate acirrado evidencia Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
diferentes posições políticas – de um lado, há projetos Região
propostos ampliando os direitos de livre escolha,
incluindo a descriminalização do aborto; em oposição, B
50 Cobertura do programa Saúde da Família
outros parlamentares tentam aprovar leis que tornariam <60%
qualquer tipo de aborto ilegal, incluindo casos de estupro
Mortalidade (por 1.000 nascidos vivos)

60–80%
40 >80%
ou anomalias fetais graves. Na campanha presidencial de
2010, os dois principais candidatos – incluindo a
presidente recém-empossada, que apresentava uma 30

agenda política progressiva em outras áreas – expressaram


pontos de vista claramente antiaborto. Após a eleição, há 20

algumas indicações de que uma agenda mais liberal será


seguida pelo governo, pelo menos assegurando atenção 10
de saúde adequada para mulheres em situação de
abortamento inseguro. Posições antiaborto são comuns 0
1 2 3 4 5
em países com maioria da população católica, embora Renda média do município (o quinto)
alguns avanços substanciais tenham sido observados em
outros países latino-americanos (por exemplo, no México, Figura 2: Mortalidade infantil
(A) Mortalidade infantil por região e ano.5 (B) Mortalidade infantil entre 2005–07 por município, de acordo com a
onde os abortos são legais na capital do país). Evidências renda média (1=mais pobres, 5=mais ricos) e cobertura do programa de Saúde da Família.
epidemiológicas sólidas sobre os efeitos físicos e sociais
dos abortos ilegais podem contribuir para qualificar o 1.000 nascidos vivos em 197010 – redução de cerca de 1%
debate sobre o aborto, deslocando a discussão da ao ano. Nos anos 1970, a redução anual da mortalidade
perspectiva puramente moral para inseri-la nos marcos infantil foi de 3,2%, e em 1980 o coeficiente de mortalidade
dos direitos sexuais, reprodutivos e de saúde das infantil atingiu 83 mortes por 1.000 nascidos vivos. Os
mulheres. decréscimos anuais da mortalidade infantil aumentaram
após 1980; ocorreram 47 mortes por 1.000 nascidos em
Saúde infantil 1990, 27 mortes em 2000 e 19 em 2007. As taxas anuais de
Diferentemente do que ocorreu com a saúde materna, a redução foram de 5,5% nas décadas de 1980 e 1990 e de
saúde infantil está presente na agenda política do país há 4,4% no período 2000–08. O decréscimo anual da
várias décadas. Por exemplo, o aumento nos coeficientes mortalidade neonatal entre 2000 e 2008 (3,2% ao ano) foi
de mortalidade infantil (CMI) em algumas das grandes menor que o da mortalidade pós-neonatal (8,1%); as
cidades brasileiras na década de 1970 – quando o regime mortes neonatais representaram 68% da mortalidade
militar fazia alarde sobre o crescimento econômico infantil em 2008. Em 1979, a idade mediana das mortes
recorde – foi usado pela oposição democrática como infantis foi de trinta dias, decrescendo para seis dias, em
evidência de que o tão falado milagre econômico não se 2000, e três dias, em 2007.61 Por mais que mudanças no
traduzia em melhoria das condições de vida da sistema de informação de óbitos e aumento dos partos
população.60 A maior conscientização com a situação de hospitalares possam ter afetado a estimativa da idade
saúde da criança do que com a saúde materna mediana da morte, é improvável que uma redução tão
provavelmente ocorreu porque a mortalidade infantil acentuada dessa medida seja resultante, apenas, do
tem sido usada, historicamente, como um indicador das aumento da notificação. Séries temporais de dados
condições de vida e por ser estimada com mais facilidade nacionais sobre a mortalidade específica por grupo de
do que a mortalidade materna. peso ao nascer não estão disponíveis, mas estudos locais
Estimativas indiretas revelam um leve declínio dos evidenciaram melhoras importantes desde os anos 1980.62
índices de mortalidade infantil, de 162 mortes por A mortalidade de crianças entre 1–4 anos também foi
1.000 nascidos vivos em 1930 para 115 mortes por reduzida, de cerca de seis mortes por 1.000 nascidos

www.thelancet.com 37
Séries

25 1990 29 mortes por 1.000 crianças brancas.66 Na região Sul, os


2000 coeficientes de mortalidade caíram mais rapidamente
Mortalidade (por 1.000 nascidos vivos)

2007
20 para crianças brancas que para as negras desde a década
de 1980.67 Embora todas as mulheres brasileiras tenham o
15
direito assegurado de receber atenção ao parto sem
qualquer forma de pagamento, no Rio de Janeiro,
mulheres negras tiveram maior dificuldade que as
10
brancas em obter hospitalização durante o trabalho de
parto, necessitando peregrinar em busca de um hospital
5
para a internação para o parto com maior frequência que
as brancas. Além disso, as parturientes negras se
0
Perinatal Má-formação Infecções Diarreia Outras infecções declararam menos satisfeitas que as brancas com a
congênita respiratórias qualidade da atenção recebida no hospital.68
Causa Os maiores decréscimos na mortalidade infantil por
Figura 3: Mortalidade infantil por causa e ano
causa específica, no Brasil, foram observados para diarreia
vivos em 1980 para três mortes por 1.000 nascidos vivos e infecções respiratórias, com reduções de 92% e 82%,
em 2000, mantendo-se estável a partir desse ano. Em respectivamente, entre 1990 e 2007 (Figura 3). Nesse
2007, as principais causas de morte foram: acidentes período, a mortalidade por causas perinatais caiu pela
(21%), infecções respiratórias (15%) e outras doenças metade (47%), enquanto a taxa por má-formação congênita
infecciosas (13%),5 como diarreia, septicemia, infecções permaneceu estável. O coeficiente por causas mal
virais e meningites. definidas diminuiu acentuadamente, de 9, em 1990, para
Os coeficientes de mortalidade de crianças menores de 0,8 por 1.000 nascidos vivos, em 2007, mas para a análise
5 anos são 10% mais elevados que os coeficientes de da mortalidade infantil por grupos de causas apresentada
mortalidade infantil. Desde a década de 1930, quando as na Figura 3, as mortes sem definição de causa básica
primeiras informações de óbitos foram disponibilizadas, foram proporcionalmente distribuídas entre as demais
a região Nordeste apresenta os coeficientes de causas de óbito.
mortalidade na infância mais elevados do Brasil. As informações de morbidade mostram rápidos avanços
Entretanto, desde 1990, o Nordeste apresentou a maior para algumas doenças infecciosas, mas não para todas. A
redução anual da mortalidade infantil do país (Figura 2) poliomielite foi eliminada do Brasil em 1989 e o último
– 5,9% ao ano, em média. Em 1990, o CMI na região caso autóctone de sarampo ocorreu em 1999.41 Na região
Nordeste foi 2,6 vezes maior que o da região Sul; em Nordeste, as hospitalizações por diarreia correspondiam a
2007, a razão entre os CMI do Nordeste e do Sul diminuiu 57% do total de internações entre menores de um ano, em
para 2,2 vezes e a diferença dos coeficientes decresceu 1980. Esse percentual diminuiu para 30% em 199069 e para
ainda mais rapidamente, de 47, em 1990, para 14 por 7% e 6% em 2008 e 2009,48 respectivamente. A prevalência
1.000 nascidos vivos, em 2007. Diferenças acentuadas de HIV em mulheres grávidas é estimada em 0,4%,70 e a
nos coeficientes são também observadas dentro das transmissão materno-infantil do HIV, em 7%, variando de
áreas urbanas, com taxas bem mais elevadas nas favelas 5% na região Sul a 15% na região Norte.71 A sífilis congênita
que nas áreas mais ricas.63 ainda é um problema de saúde pública no Brasil, com taxa
A redução das disparidades regionais foi acompanhada de 1,7 por 1.000 nascidos vivos em 2006, taxa que está,
por menores diferenças nos coeficientes de mortalidade na talvez, subestimada,72 devido à subnotificação, e considerada
infância entre os quintos inferior e o superior de renda.2 A inadmissível para uma doença totalmente prevenível,73 em
diferença na mortalidade de 0–4 anos entre esses quintos um país onde a atenção pré-natal é praticamente universal.
de renda decresceu de 65, em 1991, para 31 mortes por As tendências das doenças infecciosas são discutidas em
1.000 nascidos vivos, em 2001-2002. No entanto, em 1991, o outro artigo desta Série.18 Informações sobre natimortos
coeficiente de mortalidade de crianças com idade inferior a no Brasil são disponíveis no Sistema de Informações sobre
5 anos no quinto mais pobre era 3,1 vezes mais elevado Mortalidade (SIM).74 Em 2007, 32.165 natimortos foram
que nas crianças do quinto mais rico, e tal razão aumentou notificados (11 por 1.000 nascimentos). Desde que os
para 4,9 vezes em 2001–2002. Os achados paradoxais – primeiros dados do SIM foram publicados, em 1979,
uma redução na desigualdade absoluta e um aumento na quando foram registrados no sistema mais de
desigualdade relativa – não são incomuns,64 sendo 69.159 natimortos (mais de 20 por 1.000 nascimentos), o
observados quando os coeficientes estão diminuindo em coeficiente de mortalidade fetal tem mostrado decréscimo
todos os grupos socioeconômicos e ainda há possibilidade contínuo. Esse achado sugere um decréscimo real da
de sua redução na população de maior renda.65 mortalidade fetal, tendo em vista a melhoria da cobertura
Diferenciais pronunciados da mortalidade na infância da notificação dos eventos vitais no país. Na cidade de
por grupo étnico foram também evidenciados. Em 2004, Pelotas, no Sul do Brasil, onde foram obtidas informações
o coeficiente de mortalidade de crianças menores de sobre todas as mortes fetais em um período de mais de
5 anos era de 44 mortes por 1.000 crianças negras e duas décadas, o coeficiente de mortalidade fetal antepartum

38 www.thelancet.com
Séries

decresceu de 13,1 em 1982 para 8,4 por 1.000 nascimentos realizados durante um período de 33 anos mostram uma
em 2004. Para a mortalidade fetal intrapartum, no mesmo redução substancial na prevalência de deficit de altura
período de tempo, as taxas diminuíram de 2,5 para 0,7 por (definido como altura para a idade abaixo de –2 escores Z
1.000 nascimentos.75 No entanto, ainda ocorrem mortes dos padrões da OMS),84 de 37,1% em 1974–75 para 7,1%
fetais preveníveis. Em um estudo realizado no Rio de em 2006–07. As taxas anuais de redução aumentaram
Janeiro,76 5,4% das mortes fetais ocorreram em razão da com o tempo: 4,2% entre 1974–75 e 1989, 5,4% entre 1989
sífilis congênita. Outro estudo, em Belo Horizonte,77 e 1996 e 6,0% entre 1996 e 2006-07.85 As desigualdades
evidenciou que as mortes fetais por asfixia intrapartum são socioeconômicas nos deficits de altura também foram
frequentes, mesmo em situações de parto hospitalar, reduzidas. Em 1974–75, crianças de famílias pertencentes
representando 41,4% do total de óbitos fetais. De todas as ao quinto mais baixo de riqueza tinham 4,9 vezes mais
mortes fetais registradas no Brasil, em 2007, 29,4% chances de serem subnutridas que aquelas cujas famílias
ocorreram em fetos que pesavam mais de 2,500 g, estavam no quinto mais elevado. Essa razão se elevou
indicando óbitos potencialmente evitáveis.74 para 7,7 vezes em 1989, estabilizou-se ao redor de 6,6
Apesar de a maioria dos indicadores de saúde no Brasil vezes em 1996 e reduziu marcadamente para 2,7 vezes
mostrar progressos, alguns demonstram piora. Uma em 2007–08 (Figura 4).
revisão sistemática de estudos de base populacional de Historicamente, a prevalência de deficit de altura tem-se
nascimentos pré-termo mostrou que a prevalência apresentado muito mais elevada na região Nordeste, mais
aumentou cerca de 4%, no início dos anos 1980, para pobre, do que no Sudeste, mais desenvolvido; em 1974–75,
mais de 10%, após o ano 2000.78 Essa tendência de deficits de altura eram duas vezes mais comuns no Nordeste
aumento foi confirmada por estudos periódicos que no Sudeste; em 1989 essa razão aumentou para três
realizados em duas cidades brasileiras,62,79 utilizando-se vezes, e para quatro vezes em 1996.86 Na última década,
métodos padronizados ao longo do tempo. A entretanto, o deficit de altura na região Nordeste diminuiu
prematuridade é a principal causa de mortes infantis no substancialmente – de 22,2% em 1996 para 5,9% em
Brasil e seu aumento tem anulado os avanços 2006–07 –, o que praticamente eliminou as diferenças das
conseguidos na sobrevida de recém-nascidos de baixo regiões mais ricas (Figura 5). A maior prevalência de deficit
peso por conta das melhorias na atenção neonatal.80 A
contribuição das intervenções médicas, como as 100 1974–75
cesarianas, para o aumento dos nascimentos pré-termo 1989
1996
tem sido bastante discutida no Brasil: enquanto alguns 80 2006–07
estudos81 mostram uma associação, outros82 indicam que
Deficit de altura (%)

o nascimento pré-termo aumentou igualmente entre os 60


nascimentos por cesariana ou por parto vaginal.
A maioria dos recém-nascidos pré-termo tem idade 40
gestacional entre 34 e 36 semanas, com peso ao nascer
superior a 2,500 g. Apesar do crescimento do número 20
de nascimentos pré-termos, a prevalência de baixo peso
ao nascer tem permanecido estável, no patamar de 8%,83 0
desde o ano 2000. Uma explicação possível para essa 1 2 3 4 5
tendência de estabilidade do baixo peso ao nascer está O quinto da renda familiar

na redução da frequência de retardo de crescimento Figura 4: Prevalência de deficit de altura por renda familiar e ano do inquérito
intrauterino, como descrita em estudo anterior,82 Dados extraídos da referência 85.
equilibrando o efeito negativo do aumento da
60 1974–75
prematuridade. 1989
Em suma, os coeficientes de mortalidade na infância, 50
1996
Prevalência de deficit de altura (%)

2006–07
no Brasil, decresceram acentuadamente nas últimas três
décadas. Nesse período, as desigualdades regionais 40
também diminuíram, assim como as disparidades
sociais, embora em menor grau. Decréscimos muito 30

pronunciados foram observados para algumas causas de


20
morte – particularmente para as doenças infecciosas –,
mas foram acompanhados por reduções menores nos 10
óbitos neonatais e pelo aumento da ocorrência de
nascimentos pré-termo. 0
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Região
Nutrição infantil
A situação de nutrição das crianças brasileiras melhorou Figura 5: Prevalência de deficit de altura por região e ano
sensivelmente. Dados de quatro inquéritos nacionais Dados extraídos da referência 86.

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Séries

1970 1980 1990 2000

Quadro político Ditadura militar Transição para a democracia (1985) Início do período democrático com Democracia estável
instabilidade importante

Crescimento Rápido crescimento econômico Hiperinflação e crise da dívida externa, Controle gradual da inflação, com Crescimento econômico moderado com
econômico (o “milagre brasileiro”), aumento da estagnação econômica e recessão, crescimento econômico lento ou ausente, redução gradual das desigualdades de renda
concentração de renda acompanhada aumento da pobreza absoluta e pequenas mudanças na renda familiar, e da pobreza absoluta, alcançados por meio
por alguma redução na pobreza absoluta manutenção da concentração de concentração de renda e pobreza da combinação de redução do desemprego,
alta renda aumento progressivo do salário-mínimo e
expansão dos programas de transferência
de renda

Fatores demográficos Urbanização e diminuição das taxas de Urbanização e diminuição das taxas de Urbanização e diminuição das taxas de Urbanização e diminuição das taxas de
fecundidade fecundidade fecundidade fecundidade

Sistemas de saúde Sistema de saúde com três componentes: Manutenção do sistema anterior, até a Consolidação do SUS com expansão da Consolidação e expansão das estratégias
privado, seguridade social para criação do Sistema Único de Saúde (SUS), atenção primária, secundária e terciária. de saúde da família
empregados regulares e atenção do em 1988 Criação do programa de agentes
Ministério da Saúde e instituições de comunitários de saúde (1991) e da
caridade para os mais pobres estratégia de saúde da família (1994) para
aumentar o acesso da população mais
pobre aos serviços de saúde

Programas fora do Programa nacional de suplementação Continuação dos programas de Continuação dos programas de Criação dos programas de transferência
setor de saúde alimentar para mães e crianças (1976) suplementação alimentar suplementação alimentar condicional de renda: Bolsa Escola e Bolsa
Expansão do suprimento de água e Expansão da rede de água e saneamento Expansão da rede de água e saneamento Alimentação, (que substituiu o programa de
saneamento básico (1975) Educação primária universal suplementação alimentar) e unificação desses
programas pelo Bolsa Família (2003)
Expansão da rede de água e saneamento
Melhorias na educação secundária

Programas de saúde Nenhum Programa Assistência Integral à Saúde Continuação da implementação do Programa Nacional para a Humanização da
materna da Mulher (1984) Programa Assistência Integral à Saúde Gravidez e do Parto (2000)
da Mulher Pacto para a Redução da Mortalidade
Materna e Neonatal (2004)

Programas de saúde Programa Nacional de Imunizações (1977) Programas verticais para imunização, Programa Nacional para a Redução da Criação de comitês locais para a prevenção
infantil monitoramento do crescimento, Mortalidade Infantil (1995) da mortalidade infantil (2005)
hidratação oral e promoção do Pacto pela Vida (para a redução da
aleitamento materno mortalidade infantil; 2006)
Campanhas nacionais de imunização e
de hidratação oral
Programa Nacional da Saúde Infantil
(1984)

Figura 6: Principais mudanças nos determinantes de saúde materna e infantil no Brasil

de altura se encontra, agora, na região Norte, área que


Painel 2: O Programa de Saúde da Família e a mortalidade infantil contém a maior parte da floresta amazônica.
Outros indicadores de subnutrição infantil também
A Constituição de 1988 estabeleceu um sistema universal de saúde, gratuito pata todos os
melhoraram. A prevalência de deficit de peso (peso para a
usuários. Como os serviços de saúde se concentravam nas áreas urbanas e mais ricas, o
idade abaixo de –2 escores Z dos padrões da OMS)84
Programa de Saúde da Família (PSF) foi lançado em 1994 para viabilizar a presença de
reduziu de 5,6% em 1989 para 2,2% em 2006–07.85 A
equipes de médicos, enfermeiras e agentes comunitários de saúde nas áreas mais pobres do
obesidade infantil (peso para a altura superior a 2 escores
país. Para atrair profissionais de saúde ao PSF, são oferecidos incentivos salariais importantes.
Z dos padrões da OMS)84 se estabilizou ao redor de 6–7%
O programa foi efetivo em acessar famílias carentes, pois sua abrangência foi notadamente
entre 1974–75 e 2006–7,85,87 ao contrário da obesidade em
maior nos municípios mais pobres e nas comunidades de baixa renda e favelas das áreas
adolescentes e adultos, que aumentou nesse período.19
urbanas e periurbanas, muito frequentes nas cidades brasileiras.98,99 Análises realizadas no
Os padrões de amamentação melhoraram
nível municipal sugerem que o programa teve um efeito positivo sobre a mortalidade
substancialmente. No inquérito nutricional de 1974–75,
infantil,99,100 especialmente pela redução de mortes relacionadas à diarreia e às
a duração mediana da amamentação foi de somente
pneumonias,101,102 mas nenhum estudo, até o momento, avaliou se o PSF reduziu as
2,5 meses, uma das mais curtas entre os países em
desigualdades socioeconômicas na mortalidade infantil.
desenvolvimento.15 O indicador aumentou para
Para estudar a associação entre a implantação do PSF no município e a taxa de variação da 5,5 meses em 1990, 7 meses em 1996 e 14 meses em
mortalidade infantil (de acordo com a renda média do município), foi realizada uma análise 2006–07.11,79,80 A prevalência de amamentação exclusiva
ecológica. Para o período 2005–07, 52% dos municípios brasileiros satisfaziam a critérios em menores de 4 meses aumentou de 3,6% em 1986
objetivos de fidedignidade das estatísticas vitais, representando 72% da população para 48,1% em 2006–07.12,13,53
(Continua na próxima página) No que se refere à deficiência de micronutrientes, o
país não conta com estimativas de âmbito nacional.

40 www.thelancet.com
Séries

Dados de inquéritos locais, porém, mostram uma alta


prevalência de deficiência de ferro, especialmente entre (Continuação da página anterior)
menores de 5 anos,89 apesar da existência de um brasileira.103 Para esses municípios, as estimativas da mortalidade infantil foram calculadas
programa nacional de fortificação de farinhas, instituído diretamente. Para os demais municípios, foram utilizadas estimativas indiretas, com base no
em 2004, que requer que todas as farinhas de trigo e modelo de tábuas de vida das Nações Unidas.104 Dados do censo10 de 2000 foram utilizados
milho comercializadas no país sejam fortificadas com para classificar todos os municípios em quintos de renda média, e informações sobre a
ferro e ácido fólico.90 No passado, a deficiência de cobertura do PSF foram obtidas no Ministério da Saúde.
vitamina A era endêmica em área semiáridas rurais do A Figura 2 mostra que independentemente da cobertura do PSF, a mortalidade infantil é
Nordeste. Informações populacionais atualizadas sobre mais alta nos municípios pobres do que nos ricos. Porém, há uma interação entre a renda e a
deficiências de vitamina A e zinco não estão disponíveis, cobertura do PSF. Nos municípios onde a cobertura do PSF é acima de 80%, a mortalidade do
mas a expressiva redução na prevalência de deficit de quinto mais pobre é 1,5 vez mais alta que a do quinto mais rico; esta razão é 1,8 para
altura em crianças e no número de mortes por diarreia municípios com cobertura do PSF entre 60% e 80% e 2,6 vezes maior naqueles onde a
e outras doenças infecciosas sugere que tais deficiências cobertura é menor que 60%. Tais resultados devem ser interpretados com a devida cautela,
já não representem um problema de saúde pública. pois fatores contextuais podem ter afetado tanto a implantação do PSF quanto a
mortalidade, mas os achados estão em conformidade com os de outras avaliações que
Cobertura de intervenções de saúde sugerem que a implantação do PSF teve um efeito positivo sobre a mortalidade infantil.
Dados coletados em três Pesquisas Nacionais de Saúde e
Nutrição realizadas em 1986,14 199613 e 2006–0712 permitem
300
estimar vários indicadores de saúde materna e infantil.
Informações sobre atenção pré-natal e ao parto foram 200
também coletadas em um inquérito domiciliar nacional
1960
(PNAD), realizado em 1981.29 A cobertura da maioria dos 100
indicadores já era alta nos anos 1980, quando comparada
Mortalidade infantil (para 1.000 nascidos vivos)

70 1980
com os dados atuais da maior parte de renda baixa ou
50
média.91 Ainda assim, o acesso à contracepção, à atenção
pré-natal e aos cuidados durante o parto aumentou 30
substancialmente entre 1986 e 2006–07. A cobertura
20 2006
vacinal também aumentou rapidamente e é, hoje, quase
universal. Oitenta por cento das crianças menores de 5
anos vivem em casas que têm água tratada proveniente da 10
rede pública. A hidratação oral durante episódios de 7
diarreia aumentou rapidamente nos anos 1980 e 1990 e 5
permaneceu estável desde então. Apesar de apenas cerca
de 50% das crianças com tosse e febre terem recebido 3
assistência em um estabelecimento de saúde, a baixa 2
cobertura desses dois indicadores de manejo de casos não
confere um risco substancial à saúde, uma vez que mortes 0
0 400 1000 2000 4000 10 000 20 000 40 000 100 000
por diarreia e infecções respiratórias se tornaram eventos Produto bruto doméstico (ajustado à inflação)
raros no país.
Além dos altos níveis gerais de cobertura das
Figura 7: Renda por pessoa e mortalidade infantil no Brasil (1960–2006) e no resto do mundo
intervenções, as desigualdades socioeconômicas também
Dados extraídos das referências 95 e 96. Cada ponto na trajetória brasileira representa um ano (círculos verdes).
foram reduzidas entre 1996 e 2006-07.2 Em 1996, 71,6% das Todos os pontos vermelhos representam outros países. Adaptado com permissão de Gapminder World.
mulheres do quinto mais pobre receberam atenção
durante o parto por pessoal treinado, em comparação com exemplo, que apesar de uma média de mais de oito
98,1% das mulheres do quinto mais rico; já em 2006–07, consultas pré-natais, metade das mulheres da cidade de
as respectivas coberturas foram de 96,8% e 99,5%. No Pelotas não tiveram suas mamas examinadas durante as
mesmo período, a prevalência do uso de contraceptivos consultas, e uma em cada quatro mulheres não foi
aumentou de 55,8% para 86,0% no quinto mais baixo de submetida a um exame da região pélvica – embora 98%
renda e de 76,8% para 87,3% no quinto mais alto. A tenham realizado um ou mais exames de ultrassom
proporção de crianças do quinto mais pobre que receberam abdominal.39 Dados de um inquérito nacional mostraram
atenção de saúde durante um episódio de febre e tosse que somente 62% das mulheres que deram à luz em
aumentou de 33,4% em 1996 para 49,1% em 2006–07, estabelecimentos do setor público tinham os resultados
enquanto entre as crianças do quinto mais rico essa de um teste de rotina para HIV registrados em seus
proporção se manteve estável, pouco maior que 60%. prontuários, com importantes desigualdades na
Apesar dos altos níveis de cobertura, a qualidade da cobertura por nível educacional e raça.70 No Rio de
atenção materna e infantil não é consistentemente alta Janeiro, onde a hipertensão arterial é a principal causa
entre os grupos. Dados de alguns estudos mostram, por de morte materna, estudo amostral de mulheres que se

www.thelancet.com 41
Séries

Ver Online no web-apêndice um inquérito avaliativo com informantes-chave sobre


Painel 3: Importantes desafios que ainda persistem políticas e programas, incluindo iniciativas
• Como reduzir ainda mais as disparidades regionais, governamentais e não governamentais, tidas como as
socioeconômicas e étnicas que persistem apesar do que tiveram maior efeito sobre a saúde materna e infantil.
progresso geral alcançado? De 1960 até 1980, a taxa de mortalidade infantil no Brasil
• Como reverter as tendências de excesso de medicalização estava bem acima do que poderia ter sido previsto
do parto? baseado no seu nível de renda (Figura 7). Nos anos 1980,
• Como enfrentar o aumento da frequência de partos os coeficientes de mortalidade caíram rapidamente,
pré-termo? apesar da pequena variação na renda familiar (Figura 7).
• Como baixar mais a mortalidade neonatal, que A saúde infantil se tornou mais proeminente na agenda
atualmente representa dois terços dos óbitos infantis e pública e grandes programas verticais de saúde foram
que está reduzindo mais lentamente que os outros implementados em larga escala (por exemplo, hidratação
componentes? oral, promoção ao aleitamento materno, programas de
• Como melhorar a qualidade da atenção, uma vez que o vacinação), tendo sido mais tarde integrados à atenção
acesso aos cuidados de pré-natal e à assistência ao parto primária à saúde.97 Mudanças de âmbito populacional em
se tornou quase universal? alguns determinantes, como a fecundidade e a
• Como integrar a atenção pré-natal e a assistência ao urbanização, provavelmente contribuíram para a queda
parto? da mortalidade (Figura 6). Desde os anos 1980, a redução
• Como manejar problemas ainda persistentes como da mortalidade infantil passou a ser um dos objetivos
abortos inseguros, mortes maternas evitáveis, sífilis centrais do desenvolvimento, compromisso assumido
congênita, gravidez na adolescência e como reduzir ainda não só pelo governo federal, mas também nas esferas
mais a transmissão vertical do HIV? estaduais e municipais. Em vários estados, a alocação de
recursos do orçamento está atrelada não só a fatores
demográficos (tamanho da população) e econômicos
internaram para o parto revelou que somente uma em (arrecadação de impostos), mas ao desempenho na
cada quatro teve sua pressão arterial aferida durante o redução da mortalidade infantil.
trabalho de parto.93 Existe, assim, um grande paradoxo Os anos 1990 foram caracterizados pela grande
no país entre a medicalização abusiva e o uso insuficiente expansão da atenção primária à saúde, por meio do SUS
de medidas simples, mas de comprovado valor e de dois de seus programas: o de Agentes Comunitários
preventivo, como o exame físico de mamas e pelve e de Saúde e o Programa de Saúde da Família. Várias
aferição da pressão arterial. avaliações sugerem que o último contribuiu para a
Ainda que as coberturas do atendimento pré-natal e do redução da mortalidade, especialmente nos municípios
parto sejam elevadas, esses cuidados à saúde são mal mais pobres (Painel 2), ainda que, na década em foco, o
integrados. Por exemplo, dados de um inquérito realizado crescimento econômico tenha sido lento e a renda média
na região metropolitana do Rio de Janeiro mostram que tenha tido pequena variação.
uma em cada três mulheres em trabalho de parto Após o ano 2000, as desigualdades de renda entre
precisou procurar mais de uma maternidade para pobres e ricos começou a diminuir: houve uma redução
conseguir ser hospitalizada.94 A principal razão da recusa gradual, mas importante, no índice de Gini (de 0,64 em
foi a procura inadequada de hospitalização: mulheres 1991 para 0,49 em 2009),105,106 o que pode ser atribuído,
com gestação de baixo risco que procuraram se internar em boa parte, aos programas de transferência condicional
em maternidades de alta complexidade, ou, ao contrário, de renda e ao aumento dos salários de pior nível
mulheres com gravidez de alto risco que tentaram ser socioeconômico. Grandes investimentos na educação
hospitalizadas em unidades de baixa complexidade. Isso básica durante os anos 1990 resultaram na melhoria da
ocorre porque existe pouca integração entre os serviços educação das mães brasileiras, em nível nunca antes
de atenção pré-natal, usualmente oferecidos em alcançado. A redução na taxa de fecundidade, por sua
estabelecimentos públicos, e os de atenção ao parto, em vez, levou as famílias a ter menos filhos para cuidar.
hospitais majoritariamente privados, embora conveniados Aliadas a várias iniciativas do setor de saúde para reduzir
com o SUS.94 a mortalidade infantil (Figura 6, web-apêndice p. 3), as
mudanças sociais e econômicas contribuíram para o fato
Entendendo as mudanças de que o Brasil tem, hoje, uma razão entre o coeficiente
As tendências temporais dos indicadores de saúde de mortalidade infantil por renda per capita que se
materna e infantil devem ser interpretadas à luz dos aproxima do valor esperado, de acordo com a relação
determinantes sociais da saúde e das ações existente entre os dois indicadores, mensurados em
governamentais ocorridas não somente no setor de vários países do mundo (Figura 7).
saúde, mas também em outros setores. A Figura 6 Entre mais de 50 programas e iniciativas para melhorar
resume as mudanças nesses determinantes desde 1970, e a saúde infantil,107 informantes-chave (web-apêndice p. 3)
no web-apêndice (p. 1) são apresentados os resultados de atribuíram o maior efeito a programas específicos

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Séries

(promoção de imunização, amamentação e alojamento Brasil atingiu a primeira Meta de Desenvolvimento do


conjunto) e a melhorias no acesso aos cuidados Milênio – a redução pela metade no número de baixo
preventivos e curativos de saúde, incluindo o SUS, o peso, entre 1990 e 2015.115 Se os avanços continuarem
Programa de Agentes Comunitários de Saúde e a Pastoral no ritmo atual, a quarta Meta de Desenvolvimento do
da Criança. A última é uma organização não Milênio – redução de dois terços nos coeficientes de
governamental da Igreja Católica, com 260 mil voluntários mortalidade de crianças menores de 5 anos em 2015 –
que trabalham em todo o país promovendo a hidratação será alcançada ainda no ano de 2011.2 Em contraste com
oral e outras intervenções de baixo custo entre crianças a melhoria dos indicadores relacionados a primeira e
menores de 1 ano.108 quarta Metas do Milênio, os avanços para o alcance da
O estado nutricional é um dos principais determinantes quinta meta – redução de três quartos da mortalidade
proximais da mortalidade infantil.109 Uma análise materna em relação aos níveis de 1990 – têm sido bem
estatística87 da redução no deficit de altura infantil entre mais lentos. Desde 1980, uma série de fatores de ordem
1996 e 2006–07 identificou quatro grandes fatores nacional e internacional vem contribuindo para que a
explanatórios: melhora na educação materna, aumento mortalidade materna ganhe mais atenção na agenda
do poder aquisitivo da população pobre, ampliação política nacional, tendo em vista o pequeno destaque
substancial da cobertura dos cuidados de saúde materna em políticas de governo até então. Em 1984, antes do
e infantil; e, em menor grau, a expansão da rede de final da ditadura militar e criação do SUS, a influência
abastecimento d´água e de saneamento básico. Avanços de grupos feministas levou à criação do Programa de
nos determinantes distais promoveram, talvez, o Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM),116 cuja
crescimento das crianças pelas mudanças na dieta (tanto finalidade era assegurar os direitos sexuais e
no que se refere à amamentação como aos alimentos reprodutivos das mulheres, mais de uma década antes
complementares), reduzindo as infecções (especialmente do alcance do consenso internacional nas conferências
as intestinais) e contribuindo para um melhor cuidado do Cairo e de Beijing.117
das crianças. Muitos programas e iniciativas foram implementados
Existem diversas explicações para o aumento para melhorar a saúde materna, embora em número
pronunciado na duração da amamentação. O Programa menor que os de saúde infantil. Os informantes-chave
Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (do entrevistados para esta publicação (web-apêndice p. 3)
inglês, National Programme for the Promotion of mencionaram, além do PAISM de 1984, três outras
Breastfeeding – PNIAM),88,110 lançado em 1981, não só iniciativas abrangentes para promover o acesso
treinou agentes de saúde, mas também estabeleceu um universal à assistência de saúde como as que tiveram o
importante diálogo com os meios de comunicação, com maior impacto sobre a saúde materna – a criação do
pessoas responsáveis pela elaboração de políticas de SUS, o Programa de Agentes Comunitários de Saúde e
saúde e com organizações da sociedade civil, tais como a o Programa de Saúde da Família. Essas informações
IBFAN (International Baby Food Action Network) e grupos evidenciam a percepção dos informantes-chave sobre a
de mães. A duração da licença maternidade foi estendida importância do fortalecimento dos sistemas de saúde
de dois meses (como era desde 1943) para quatro meses para a redução da mortalidade materna.23
em 1998 e seis meses em 2006. O Código Internacional Algumas questões importantes sobre a saúde materna
de Comercialização de Substitutos do Leite Materno foi ainda necessitam ser avaliadas. Por que os níveis de
implementado com muito rigor desde 1988. O Brasil mortalidade materna se estabilizaram em valores
tem a maior rede mundial de Hospitais Amigos da elevados, apesar do aumento de cobertura da atenção
Criança,111 com mais de 300 maternidades credenciadas e pré-natal, ao parto e ao pós-parto? Se as estimativas46,51
mais de 200 bancos de leite humano.112 Tais iniciativas, obtidas por meio de modelos estatísticos estivessem
em conjunto, colaboraram para que a mediana da corretas, com uma redução anual predita de 4%, a razão
duração do aleitamento no país tenha se multiplicado de mortalidade materna atual seria de 50 mortes por
por quatro nas últimas três décadas.12,13,15 100.000 nascidos vivos, em nível bem superior aos
À medida que a mortalidade infantil e a situação encontrados em países de alta renda. Há outras
nutricional melhoraram, a saúde neonatal passou a ser explicações para os valores elevados de mortalidade
mais relevante na agenda nacional. Já que dois terços dos materna, como, por exemplo, a qualidade precária dos
óbitos infantis ocorrem no período neonatal, e tendo em serviços de saúde existentes? Será possível que o
vista o aumento do número de recém-nascidos pré- aumento da mortalidade materna produzido pelo alto
termo, grandes investimentos públicos têm sido dirigidos número de cesarianas desnecessárias43 esteja
para a criação de unidades de tratamento intensivo anulando o efeito dos avanços alcançados por outras
neonatal em todo o território brasileiro. O número de intervenções? É necessário melhorar, de forma rápida e
leitos dessas unidades aumentou de 5,3 por 10.000 contínua, as informações das estatísticas vitais nos
nascidos vivos em 1999 para 25,2 em 2010.114 próximos anos, para que inferências sobre a tendência
Em 2006–07, os progressos alcançados na mortalidade da mortalidade materna sejam feitas com maior
na infância e no estado nutricional significaram que o fidedignidade.

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Séries

Conclusões 7 Datasus. Razao entre obitos informados e estimados. http://


Como resultado das mudanças descritas anteriormente, tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2007/f11b.htm (acesso em 7 março
de 2011).
o Brasil tem sido bem-sucedido na melhoria da saúde e 8 Rede Inter-Agencial de Informaçoes para a Saúde (RIPSA).
nutrição infantil.2,91 Por mais que permaneçam sem Indicadores Básicos para a Saúde no Brasil: Conceitos e Aplicaçoes.
resposta algumas questões sobre a evolução das razões Brasilia: Organizaçao Panamericana da Saúde, 2008.
9 Victora CG, Barros FC. Infant mortality due to perinatal causes in
de mortalidade materna desde 1990, o aumento da Brazil: trends, regional patterns and possible interventions.
cobertura e da equidade de vários indicadores relativos ao Sao Paulo Med J 2001; 119: 33–42.
período reprodutivo, à atenção pré-natal e ao parto são 10 IBGE. Censos Demográficos. http://www.ibge.gov.br/home/
estatistica/populacao/default_censo_2000.shtm (acesso em 7 março
encorajadores. de 2011).
Apesar de todo progresso, a mortalidade de crianças 11 IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. http://www.
menores de 5 anos ainda é sete vezes maior que em ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/
pnad2008/default.shtm (acesso em 7 março de 2011).
países com os menores coeficientes,118 e a prevalência de
12 Ministério da Saúde. PNDS 2006. Pesquisa Nacional de
deficit de altura é três vezes maior que a encontrada em Demografia e Saúde da Criança e da Mulher. Brasilia; Ministério
populações bem nutridas,119 indicando a necessidade de da Saúde, 2008.
novos avanços (Painel 3). 13 Sociedade Civil de Bem-Estar Familiar/ORT Macro. Brazil DHS
1996. Final report. Rio de Janeiro: Sociedade Civil Bem-Estar
Um desafio importante é como alcançar as populações Familiar no Brasil (BEMFAM), 1996.
de mais difícil acesso, como, por exemplo, os indivíduos 14 Arruda JM, Ruttenberg N, Morris L, Ferraz EA. Pesquisa Nacional
que vivem em áreas rurais da Amazônia e da região de Saúde Materno-Infantil e Planejamento Familiar – PNSMIPF –
1986. Rio de Janeiro: Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil
Nordeste e aqueles que residem em 10% dos municípios (BEMFAM)/Instituto para Desenvolvimento de Recursos (IRD),
brasileiros onde não há médico.21 O sexto artigo desta 1987.
Série21 propõe ações específicas que devem ser implantadas 15 IBGE/UNICEF. Perfil Estatístico de Crianças e Mães no Brasil:
Aspectos Nutricionais, 1974–75. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro
por diversos segmentos, como o governo, a sociedade de Geografia e Estatistica, 1982.
civil, a comunidade acadêmica e as entidades profissionais, 16 IBGE/UNICEF. Perfil Estatístico de Crianças e Mães no Brasil:
para que os desafios remanescentes possam ser Aspectos Nutricionais, 1989. Rio de Janeiro: IBGE, 1992.
enfrentados. Os níveis de redução dos deficits de altura, da 17 WHO. Child Growth Standards based on length/height, weight and
age. Acta Paediatr Suppl 2006; 450: 76–85.
mortalidade infantil e da fecundidade estão entre os 18 Barreto ML, Teixeira MG, Bastos FI, et al. Successes and failures in
maiores do mundo, indicando que o trabalho está sendo the control of infectious diseases in Brazil: social and
realizado na direção correta. Contudo, como dizia o environmental context, policies, interventions, and research needs.
Lancet 2011; publicado online em 9 de maio. DOI:10.1016/S0140-
microbiologista Frances René Dubos cinquenta anos 6736(11)60202-X.
atrás: “a saúde é uma miragem que continua a se afastar 19 Schmidt MI, Duncan BB, e Silva GA, et al. Chronic non-
quanto mais perto pensamos estar”.120 No Brasil, novos communicable diseases in Brazil: burden and current challenges.
Lancet 2011; publicado online em 9 de maio. DOI:10.1016/S0140-
desafios na área da saúde surgem todos os dias, enquanto 6736(11)60135-9.
alguns dos antigos desafios persistem inalterados. 20 Reichenheim ME, de Souza ER, Moraes CL, et al. Violence and
Contribuições injuries in Brazil: the effect, progress made, and challenges ahead.
Lancet 2011; publicado online em 9 de maio. DOI:10.1016/S0140-
CGV teve a ideia do artigo. Cada coautor foi responsável pelo primeiro
6736(11)60053-6.
esboço de cada seção do artigo. Todos os autores trabalharam nas versões
21 Victora CG, Barreto ML, do Carmo Leal M, et al. Health
posteriores e aprovaram a versão final.
conditions and health-policy innovations in Brazil: the way
Conflito de interesse forward. Lancet 2011; publicado online em 9 de maio.
Todos os autores declaram não ter qualquer conflito de interesse. DOI:10.1016/S0140-6736(11)60055-X.
22 Cook RJ, Galli Bevilacqua MB. Invoking human rights to reduce
Agradecimentos maternal deaths. Lancet 2004; 363: 73.
Agradecemos as críticas construtivas às primeiras versões deste artigo,
23 Campbell OM, Graham WJ. Strategies for reducing maternal
recebidas dos colegas James Macinko, Ricardo Uauy, Antonio Ledo Cunha, mortality: getting on with what works. Lancet 2006; 368: 1284–99.
Moyses Szklo, David Sanders, Elsa Giugliani e Alicia Matijasevich.
24 IBGE. Estimativas Projeções População. ftp://ftp.ibge.gov.br/
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