Artigo Saúde de Mães e Crianças No Brasil
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Saúde no Brasil 2
Saúde de mães e crianças no Brasil: progressos e desafios
Cesar G Victora, Estela M L Aquino, Maria do Carmo Leal, Carlos Augusto Monteiro, Fernando C Barros, Celia L Szwarcwald
Publicado Online Nas últimas três décadas, o Brasil experimentou sucessivas transformações nos determinantes sociais das doenças
9 de maio de 2011 e na organização dos serviços de saúde. Neste artigo, examinamos como essas mudanças afetaram os indicadores
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6736(11)60138-4
de saúde materna e de saúde e nutrição infantil. São utilizados dados de estatísticas vitais, censos populacionais,
inquéritos de demografia e saúde e publicações obtidas de diversas outras fontes. Nesse período, os coeficientes de
Veja Online/Comentário
DOI:10.1016/S0140- mortalidade infantil foram substancialmente reduzidos, com taxa anual de decréscimo de 5,5% nas décadas de
6736(11)60433-9, 1980 e 1990 e 4,4% no período 2000-08, atingindo vinte mortes por 1.000 nascidos vivos em 2008. As mortes
DOI:10.1016/S0140- neonatais foram responsáveis por 68% das mortes infantis. Deficits de altura entre crianças menores de 5 anos
6736(11)60354-1,
diminuíram de 37%, em 1974-75, para 7%, em 2006-07. As diferenças regionais referentes aos deficits de altura e à
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6736(11)60318-8, mortalidade de crianças foram igualmente reduzidas. O acesso à maioria das intervenções de saúde dirigidas às
DOI:10.1016/S0140- mães e às crianças foi substancialmente ampliado, quase atingindo coberturas universais, e as desigualdades
6736(11)60326-7, e regionais de acesso a tais intervenções foram notavelmente reduzidas. A duração mediana da amamentação
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aumentou de 2,5 meses nos anos 1970 para 14 meses em 2006-07. Estatísticas oficiais revelam níveis estáveis de
mortalidade materna durante os últimos quinze anos, mas estimativas baseadas em modelos estatísticos indicam
Este é o segundo da Séries de
seis fascículos em Saúde no Brasil uma redução anual de 4%, uma tendência que pode não ter sido observada nos dados de registro devido às
Pós-Graduação em
melhorias no sistema de notificação de óbitos e à ampliação das investigações sobre óbitos de mulheres em idade
Epidemiologia, Universidade reprodutiva. As razões para o progresso alcançado pelo Brasil incluem: modificações socioeconômicas e
Federal de Pelotas, Pelotas, demográficas (crescimento econômico, redução das disparidades de renda entre as populações mais ricas e mais
Brasil (Prof C G Victora MD);
pobres, urbanização, melhoria na educação das mulheres e redução nas taxas de fecundidade); intervenções
Instituto de Saúde Coletiva,
Universidade Federal da Bahia, externas ao setor de saúde (programas condicionais de transferência de renda e melhorias no sistema de água e
Salvador, e Conselho Nacional saneamento); programas verticais de saúde nos anos 1980 (promoção da amamentação, hidratação oral e
dos Direitos da Mulher, imunizações); criação do Sistema Nacional de Saúde (SUS), mantido por impostos e contribuições sociais, cuja
Brasília, Brasil (E M L Aquino
cobertura foi expandida para atingir as áreas mais pobres do país por intermédio do Programa de Saúde da Família,
MD); Escola de Saúde Pública
(Prof M d C Leal MD) e Instituto na metade dos anos 1990; e a implementação de vários programas nacionais e estaduais para melhoria da saúde e
de Comunicação, Ciência da nutrição infantil e, em menor grau, para a promoção da saúde das mulheres. Apesar dos muitos progressos,
Informação e Tecnologia da desafios importantes ainda persistem, incluindo a medicalização abusiva (quase 50% dos nascimentos ocorrem
Saúde (Prof C L Szwarcwald),
por cesariana), mortes maternas causadas por abortos inseguros e a alta frequência de nascimentos pré-termo.
Fundação Oswaldo Cruz, Rio
de Janeiro, Brasil; Faculdade
Pública da Saúde, Introdução para um país de renda média, urbanizado, com um
Universidade de São Paulo, Nas últimas três décadas, o Brasil passou por sucessivas sistema unificado de saúde. O presente artigo analisa o
São Paulo, Brasil
mudanças em termos de desenvolvimento impacto dessas mudanças sobre a saúde de mães e
(Prof C A Monteiro);
e Universidade Católica de socioeconômico, urbanização, atenção médica e na crianças, expandindo análises prévias das tendências
Pelotas, Pelotas, Brasil saúde da população. O primeiro artigo1 desta Série temporais nas desigualdades em saúde de mães e
(Prof F C Barros) descreve como o Brasil evoluiu, em algumas décadas, de crianças no Brasil.2 Discute-se também a saúde de
um país de baixa renda, com uma larga parcela de mulheres grávidas no contexto dos direitos reprodutivos,
população rural e com um sistema de saúde múltiplo, que incluem o direito de escolha reprodutiva,
maternidade segura e sexualidade sem coerção.3,4 Nossas
Mensagens principais análises focalizam o aborto, contracepção, gravidez e
parto (ver Painel 1 para fontes de dados). Violências
• A saúde e a nutrição das crianças brasileiras melhoraram rapidamente a partir dos (incluindo a violência sexual) e doenças infecciosas e
anos 1980. A primeira Meta do Milênio (redução pela metade do número de crônicas em mulheres são discutidas em outros artigos
crianças subnutridas entre 1990 e 2015) já foi alcançada e a Meta número quatro da Série.18–20 Nossa discussão sobre saúde de crianças é
(redução de dois terços dos coeficientes de mortalidade de crianças menores de restrita àquelas menores de 5 anos e mais focada em
5 anos) provavelmente será alcançada dentro de dois anos. menores de 1 ano, uma vez que as mortes no primeiro
• O progresso na razão de mortalidade maternal é difícil de ser avaliado, uma vez que ano de vida representam 90% da mortalidade no grupo
a tendência temporal do indicador vem sendo afetada por melhorias nas estatísticas etário de 0–4 anos.2
vitais, mas há evidências de diminuição nas razões de óbitos maternos nos últimos As melhorias ocorridas na saúde de mães e crianças no
trinta anos. Entretanto, a Meta do Milênio número 5 (redução de três quartos da Brasil evidenciam como o país evoluiu em termos de
mortalidade materna entre 1990 e 2015) possivelmente não será alcançada. sistemas de saúde, condições de saúde e determinantes
(Continua na próxima página) sociais, que são discutidos em outros artigos da Série.1,19–21
Nos últimos 50 anos, o Brasil transformou-se de uma
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Séries
Nossa revisão é baseada em dados provenientes de quatro censos e inquéritos domiciliares para os demais 19 estados. A
fontes: estatísticas vitais, inquéritos nacionais sobre saúde estimativa nacional de mortalidades foi calculada pela média
materna e infantil, censos populacionais e revisão de estudos das estimativas dos estados, ponderada pelo número de
publicados. O Ministério da Saúde criou o Sistema de nascidos vivos.8 Para a obtenção das taxas de mortalidade
Informações sobre Mortalidade (SIM) em 19765 e o Sistema de específicas por causa, multiplicamos a proporção de mortes
Informações de Nascidos Vivos (SINASC) em 1990.6 As registradas por causa – após exclusão das mal definidas – aos
informações nesses sistemas são disponíveis na internet, coeficientes estimados de mortalidade infantil. Mais detalhes
desagregadas no nível dos 27 estados e 5.564 municípios. O SIM sobre as fontes de dados, métodos e apuração das causas de
contém informações sobre a causa básica do óbito e algumas óbitos podem ser encontrados em outras publicações.2,9
características demográficas (idade, sexo etc.). Comparando-se Os censos demográficos no Brasil foram realizados em 1970,
com as estimativas indiretas de mortalidade, realizadas com 1980, 1991 e 2000,10 e as pesquisas nacionais de domicílios,
base nos censos demográficos e pesquisas nacionais conduzidas anualmente com múltiplos objetivos, incluíram
domiciliares, estima-se que 89% dos óbitos de todas as idades com frequência informações sobre saúde.11 Inquéritos nacionais
foram informados ao SIM; para óbitos infantis, a cobertura foi dedicados especificamente à coleta de informações sobre a
de 72% em 2006, proporção bem maior que a estimada no saúde materna e infantil foram realizados em 1986, 1996 e
início dos anos 1990,7 inferior a 60%. Os sepultamentos em 2006–0712–14 e possibilitaram o cálculo das estimativas indiretas
cemitérios não oficias, em que não há exigência de certificados da mortalidade na infância e dados para cobertura de
de óbito, resultam em sub-registro dos óbitos. Na região intervenções na área de saúde materna e infantil. Os estudos de
Nordeste, pouco mais da metade dos óbitos infantis é 1996 e 2006–07 avaliaram, igualmente, o estado nutricional
informada ao SIM.7 O SINASC contém várias informações infantil. Dados antropométricos adicionais foram coletados em
relacionadas ao nascimento, à gravidez e ao parto, além das pesquisas domiciliares realizadas em 1974–7515 e 1989.16 Uma
características sociodemográficas das mães, e tem uma ampla revisão da literatura desde 1980 e de documentos de
cobertura nacional estimada em 92%. Neste trabalho, a nossos próprios arquivos e de websites do governo foi
mortalidade em menores de 5 anos foi calculada pelas importante para identificar publicações sobre a saúde materna
estimativas diretas em oito estados que têm cobertura completa e infantil no Brasil e sobre os seus determinantes.17
das informações vitais, e as estimativas indiretas baseadas nos
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Séries
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excessiva medicalização (cesarianas, episiotomias,
múltiplos exames de ultrassom etc.). Cesarianas e
episiotomias de rotina são muito frequentes.12
50
Cesarianas
Cerca de 3 milhões de nascimentos ocorreram no Brasil
40 em 2007 – 89% dos partos foram realizados por médicos
e 8%, por enfermeiras obstétricas (especialmente nas
Regiões Norte e Nordeste).12 Quase metade (47%) desses
Cesarianas (%)
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maior do sistema de seguridade social por parto cirúrgico notificação das mortes maternas, mas por outro lado
do que por parto vaginal, o que parece ter contribuído afetam a interpretação de tendências temporais e
para seu uso mais frequente.38 Em reação a essa tendência diferenças regionais, porque a qualidade das notificações
de aumento, instituiu-se uma forma de pagamento igual varia de acordo com a época e o lugar de ocorrência. Em
para todos os tipos de parto a partir de 1980, mas tal 2009, mais de 40% de todas as mortes de mulheres em
política produziu um arrefecimento apenas temporário idade reprodutiva no país foram investigadas. Conforme
no crescimento do número de crianças nascidas por estatísticas oficiais,45 as razões de mortalidade materna se
cesarianas.39 Outras políticas governamentais foram mostram estáveis desde 1996, ao redor de 50 mortes por
adotadas numa tentativa de controle do aumento de 100.000 nascidos vivos. Essas estimativas não estão
partos cirúrgicos; em 1998, o SUS estabeleceu um limite corrigidas por mudanças na proporção de mortes que são
de 40% para a proporção de partos por cesariana que registradas, nem para a proporção de óbitos de mulheres
seriam pagos às instituições, e este limite foi em idade reprodutiva que é investigada em detalhe.
gradualmente reduzido até 30%, em 2000. Naquele ano, Razões de mortalidade materna calculadas por distintos
foi firmado o Pacto para a Redução das Taxas de métodos mostram resultados discrepantes.2 Hogan et al.45
Cesarianas entre as administrações estaduais e o fizeram uma estimativa de razão de 55 por
Ministério da Saúde, com o objetivo de reduzir a 100.000 nascidos vivos em 2008, utilizando um modelo
frequência de cesarianas para 25% no ano de 2007. As de regressão baseado na taxa total de fecundidade,
medidas tiveram um efeito visível, pois a proporção de produto interno bruto per capita, prevalência de HIV,
cesarianas pagas pelo SUS caiu de 32,0% em 1997 para mortalidade neonatal e nível de educação materna. As
23,9% em 2000 (Figura 1). Todavia, os efeitos do Pacto Nações Unidas estimaram a razão de mortalidade
tiveram curta duração, especialmente no setor privado, e materna em 58 por 100.000 nascidos vivos para 200846
as taxas de cesarianas voltaram a aumentar de forma por outro modelo de regressão baseado no produto
contínua após 2002. Os movimentos de mulheres interno bruto per capita, taxa de fecundidade e atenção ao
reagiram firmemente contra o excesso de medicalização,37 parto por pessoal capacitado.46 Reduções anuais nas
o que levou a novas políticas, como o Programa Nacional razões de mortalidade foram preditas por Hogan et al.
para a Humanização da Atenção do Pré-Natal, Parto e (3,9% ao ano) e pelas Nações Unidas (4,0% ao ano), o que
Pós-Parto,40 e à regulamentação, em 2005, do direito à não é surpreendente, tendo em vista que as variáveis
acompanhante durante o trabalho de parto, incluindo a explanatórias tiveram tendências temporais favoráveis (o
presença de doula (assistente que oferece suporte físico que será discutido ainda neste artigo).
e emocional), em hospitais públicos.41 Apesar da De acordo com a Classificação Internacional das
evidência de que cesarianas, mesmo se eletivas, estão Doenças,47 as principais causas de mortes maternas
associadas com aumento da morbidade e mortalidade registradas no Brasil em 2007 foram doenças hipertensivas
materna,42,43 não há sinais de que as tendências atuais de (23% das mortes maternas), sépsis (10%), hemorragia
aumento dessas cirurgias estejam reduzindo. (8%), complicações de aborto (8%), alterações placentárias
(5%), outras complicações do trabalho de parto (4%),
Mortalidade materna embolia (4%), contrações uterinas anormais (4%) e
As estimativas das razões de mortalidade materna no alterações relacionadas ao HIV/AIDS (4%). Outras causas
Brasil são afetadas pelo sub-registro de óbitos – diretas foram responsáveis por 14% de todas as mortes e
especialmente em áreas rurais e pequenas cidades,7 locais outras causas indiretas, por 17%. Mortes relacionadas a
onde a mortalidade tende a ser maior – e pela aborto mais provavelmente estão sub-registradas, como
subnotificação de causas maternas nas mortes se discute mais adiante neste artigo.
registradas.2 Um inquérito de 2002 que utilizou o método As mortes maternas, contudo, são apenas uma parte
RAMOS (do inglês reproductive-age mortality survey) em dos desafios relacionados à saúde materna. As
todas as capitais estaduais estimou a razão de mortalidade complicações obstétricas são a principal causa de
materna em 54,3 mortes por 100.000 nascidos vivos, hospitalização de mulheres em idade reprodutiva, sendo
variando de 42 na Região Sudeste a 73 no Nordeste.44 Esse responsáveis por 26,7% de todas as admissões (total de
inquérito mostrou que muitas mortes maternas haviam 1.060.538 hospitalizações em 2008), seguindo apenas os
sido perdidas pelo sistema de registro oficial, tendo sido partos não complicados.48 Um estudo nacional baseado
atribuídas a outras causas. em dados secundários sugere que eventos quase-mortais
Resultantes de um movimento político para aumentar (em inglês near-miss, ou eventos em que a mulher
a visibilidade das mortes maternas, várias iniciativas grávida ou puérpera esteve gravemente enferma, mas
promoveram melhorias no sistema de registro, incluindo sobreviveu) afetam 4% de todos os partos, especialmente
a investigação compulsória de mortes de mulheres em aqueles associados com infecções, pré-eclampsia e
idade reprodutiva.45 Atualmente, comitês de mortalidade hemorragia.49 Esta taxa é cerca de quatro vezes maior
materna estão instalados em todos os 27 estados, em que as descritas em países mais desenvolvidos.50
172 regiões subestaduais e em 748 municípios.45 Essas O que se pode concluir sobre os níveis e tendências da
medidas levaram a uma melhoria na detecção e mortalidade materna no Brasil? Em primeiro lugar, as
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Séries
Para a primeira coluna (antes de 1985), o ano a que a informação se refere está mencionado entre parênteses. ··=dados não disponíveis. *=dados do sistema de informações
do Ministério da Saúde.
Tabela: Cobertura de indicadores de saúde reprodutiva, materna e infantil obtida de inquéritos nacionais
cifras descritas são ainda inaceitavelmente elevadas; Abortos inseguros são uma grande causa de
mesmo com sub-registro, elas são cerca de cinco a dez morbidade; em 2008, 215.000 hospitalizações do SUS
vezes maiores que as descritas em países de alta foram realizadas por complicações de abortos, das quais
renda.51,52 Em segundo lugar, existem ainda marcadas somente 3.230 estavam associadas a abortos legais.
disparidades regionais que revelam diferenças socio Assumindo que um em cada cinco abortos resultou em
econômicas e desigualdades no acesso à atenção de admissão ao hospital, esses dados sugerem que mais de
saúde que ocorrem entre as regiões Norte e Nordeste e um milhão de abortos induzidos foram realizados em
as áreas mais ricas do Sul e Sudeste. Em terceiro lugar, 2008 (21 por 1.000 mulheres com idade entre
embora a razão oficial de mortalidade materna tenha se 15–49 anos).56 No mesmo ano, houve 3 milhões de
mantido estável nos últimos quinze anos, estimativas nascimento no país,6 indicando que uma gravidez em
baseadas em modelos estatísticos sugerem que essas cada quatro terminou em aborto.
razões estão declinando, mas as análises de tendências Entre todas as causas de morte materna, aquelas
são imprecisas, sendo afetadas pelas melhorias no causadas por complicações relacionadas a abortos são as
sistema de vigilância. Tal fato parece explicar a aparente que mais possivelmente são sub-registradas.57 No
desconexão observada entre as tendências das razões de inquérito de mortalidade na idade reprodutiva realizado
mortalidade e o aumento da cobertura dos indicadores em 2002, 11,4% de todas as mortes maternas foram
de saúde reprodutiva (Tabela). produzidas por complicações relacionadas aos abortos.58
Essas mortes são distribuídas de forma desigual na
Abortos ilegais população; informações confiáveis são escassas, mas
A legislação brasileira proíbe a indução de abortos, mulheres jovens, negras, pobres e residentes em áreas
exceto quando a gravidez resulta de estupro ou põe em periurbanas são as mais comumente afetadas.55,59
risco a vida da mulher. Ainda que em situações de Mulheres negras têm um risco três vezes maior de
anomalias fetais severas, como anencefalia, o aborto só é morrer de abortos inseguros que mulheres brancas.59
permitido após autorização judicial. Porém, a ilegalidade Tais desigualdades são produzidas, entre outros, por
não impede que abortos sejam realizados,54 o que diferenciais no acesso a métodos contraceptivos – embora
contribui para o emprego de técnicas inseguras e as discrepâncias estejam diminuindo com o tempo2 – e
restringe a confiabilidade das estatísticas sobre essa por fatores de difícil quantificação, como a violência
prática. Em um inquérito nacional realizado em áreas produzida por parceiros.20 Inquéritos nacionais realizados
urbanas em 2010, 22% das 2.002 mulheres entrevistadas em 1986, 1996 e 2007 revelaram que cerca de 20% das
com idades entre 35–39 anos declararam já ter realizado mulheres com filhos pequenos indicaram que sua mais
um aborto induzido.55 recente gravidez não havia sido planejada.
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Séries
60–80%
40 >80%
ou anomalias fetais graves. Na campanha presidencial de
2010, os dois principais candidatos – incluindo a
presidente recém-empossada, que apresentava uma 30
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Séries
2007
20 para crianças brancas que para as negras desde a década
de 1980.67 Embora todas as mulheres brasileiras tenham o
15
direito assegurado de receber atenção ao parto sem
qualquer forma de pagamento, no Rio de Janeiro,
mulheres negras tiveram maior dificuldade que as
10
brancas em obter hospitalização durante o trabalho de
parto, necessitando peregrinar em busca de um hospital
5
para a internação para o parto com maior frequência que
as brancas. Além disso, as parturientes negras se
0
Perinatal Má-formação Infecções Diarreia Outras infecções declararam menos satisfeitas que as brancas com a
congênita respiratórias qualidade da atenção recebida no hospital.68
Causa Os maiores decréscimos na mortalidade infantil por
Figura 3: Mortalidade infantil por causa e ano
causa específica, no Brasil, foram observados para diarreia
vivos em 1980 para três mortes por 1.000 nascidos vivos e infecções respiratórias, com reduções de 92% e 82%,
em 2000, mantendo-se estável a partir desse ano. Em respectivamente, entre 1990 e 2007 (Figura 3). Nesse
2007, as principais causas de morte foram: acidentes período, a mortalidade por causas perinatais caiu pela
(21%), infecções respiratórias (15%) e outras doenças metade (47%), enquanto a taxa por má-formação congênita
infecciosas (13%),5 como diarreia, septicemia, infecções permaneceu estável. O coeficiente por causas mal
virais e meningites. definidas diminuiu acentuadamente, de 9, em 1990, para
Os coeficientes de mortalidade de crianças menores de 0,8 por 1.000 nascidos vivos, em 2007, mas para a análise
5 anos são 10% mais elevados que os coeficientes de da mortalidade infantil por grupos de causas apresentada
mortalidade infantil. Desde a década de 1930, quando as na Figura 3, as mortes sem definição de causa básica
primeiras informações de óbitos foram disponibilizadas, foram proporcionalmente distribuídas entre as demais
a região Nordeste apresenta os coeficientes de causas de óbito.
mortalidade na infância mais elevados do Brasil. As informações de morbidade mostram rápidos avanços
Entretanto, desde 1990, o Nordeste apresentou a maior para algumas doenças infecciosas, mas não para todas. A
redução anual da mortalidade infantil do país (Figura 2) poliomielite foi eliminada do Brasil em 1989 e o último
– 5,9% ao ano, em média. Em 1990, o CMI na região caso autóctone de sarampo ocorreu em 1999.41 Na região
Nordeste foi 2,6 vezes maior que o da região Sul; em Nordeste, as hospitalizações por diarreia correspondiam a
2007, a razão entre os CMI do Nordeste e do Sul diminuiu 57% do total de internações entre menores de um ano, em
para 2,2 vezes e a diferença dos coeficientes decresceu 1980. Esse percentual diminuiu para 30% em 199069 e para
ainda mais rapidamente, de 47, em 1990, para 14 por 7% e 6% em 2008 e 2009,48 respectivamente. A prevalência
1.000 nascidos vivos, em 2007. Diferenças acentuadas de HIV em mulheres grávidas é estimada em 0,4%,70 e a
nos coeficientes são também observadas dentro das transmissão materno-infantil do HIV, em 7%, variando de
áreas urbanas, com taxas bem mais elevadas nas favelas 5% na região Sul a 15% na região Norte.71 A sífilis congênita
que nas áreas mais ricas.63 ainda é um problema de saúde pública no Brasil, com taxa
A redução das disparidades regionais foi acompanhada de 1,7 por 1.000 nascidos vivos em 2006, taxa que está,
por menores diferenças nos coeficientes de mortalidade na talvez, subestimada,72 devido à subnotificação, e considerada
infância entre os quintos inferior e o superior de renda.2 A inadmissível para uma doença totalmente prevenível,73 em
diferença na mortalidade de 0–4 anos entre esses quintos um país onde a atenção pré-natal é praticamente universal.
de renda decresceu de 65, em 1991, para 31 mortes por As tendências das doenças infecciosas são discutidas em
1.000 nascidos vivos, em 2001-2002. No entanto, em 1991, o outro artigo desta Série.18 Informações sobre natimortos
coeficiente de mortalidade de crianças com idade inferior a no Brasil são disponíveis no Sistema de Informações sobre
5 anos no quinto mais pobre era 3,1 vezes mais elevado Mortalidade (SIM).74 Em 2007, 32.165 natimortos foram
que nas crianças do quinto mais rico, e tal razão aumentou notificados (11 por 1.000 nascimentos). Desde que os
para 4,9 vezes em 2001–2002. Os achados paradoxais – primeiros dados do SIM foram publicados, em 1979,
uma redução na desigualdade absoluta e um aumento na quando foram registrados no sistema mais de
desigualdade relativa – não são incomuns,64 sendo 69.159 natimortos (mais de 20 por 1.000 nascimentos), o
observados quando os coeficientes estão diminuindo em coeficiente de mortalidade fetal tem mostrado decréscimo
todos os grupos socioeconômicos e ainda há possibilidade contínuo. Esse achado sugere um decréscimo real da
de sua redução na população de maior renda.65 mortalidade fetal, tendo em vista a melhoria da cobertura
Diferenciais pronunciados da mortalidade na infância da notificação dos eventos vitais no país. Na cidade de
por grupo étnico foram também evidenciados. Em 2004, Pelotas, no Sul do Brasil, onde foram obtidas informações
o coeficiente de mortalidade de crianças menores de sobre todas as mortes fetais em um período de mais de
5 anos era de 44 mortes por 1.000 crianças negras e duas décadas, o coeficiente de mortalidade fetal antepartum
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decresceu de 13,1 em 1982 para 8,4 por 1.000 nascimentos realizados durante um período de 33 anos mostram uma
em 2004. Para a mortalidade fetal intrapartum, no mesmo redução substancial na prevalência de deficit de altura
período de tempo, as taxas diminuíram de 2,5 para 0,7 por (definido como altura para a idade abaixo de –2 escores Z
1.000 nascimentos.75 No entanto, ainda ocorrem mortes dos padrões da OMS),84 de 37,1% em 1974–75 para 7,1%
fetais preveníveis. Em um estudo realizado no Rio de em 2006–07. As taxas anuais de redução aumentaram
Janeiro,76 5,4% das mortes fetais ocorreram em razão da com o tempo: 4,2% entre 1974–75 e 1989, 5,4% entre 1989
sífilis congênita. Outro estudo, em Belo Horizonte,77 e 1996 e 6,0% entre 1996 e 2006-07.85 As desigualdades
evidenciou que as mortes fetais por asfixia intrapartum são socioeconômicas nos deficits de altura também foram
frequentes, mesmo em situações de parto hospitalar, reduzidas. Em 1974–75, crianças de famílias pertencentes
representando 41,4% do total de óbitos fetais. De todas as ao quinto mais baixo de riqueza tinham 4,9 vezes mais
mortes fetais registradas no Brasil, em 2007, 29,4% chances de serem subnutridas que aquelas cujas famílias
ocorreram em fetos que pesavam mais de 2,500 g, estavam no quinto mais elevado. Essa razão se elevou
indicando óbitos potencialmente evitáveis.74 para 7,7 vezes em 1989, estabilizou-se ao redor de 6,6
Apesar de a maioria dos indicadores de saúde no Brasil vezes em 1996 e reduziu marcadamente para 2,7 vezes
mostrar progressos, alguns demonstram piora. Uma em 2007–08 (Figura 4).
revisão sistemática de estudos de base populacional de Historicamente, a prevalência de deficit de altura tem-se
nascimentos pré-termo mostrou que a prevalência apresentado muito mais elevada na região Nordeste, mais
aumentou cerca de 4%, no início dos anos 1980, para pobre, do que no Sudeste, mais desenvolvido; em 1974–75,
mais de 10%, após o ano 2000.78 Essa tendência de deficits de altura eram duas vezes mais comuns no Nordeste
aumento foi confirmada por estudos periódicos que no Sudeste; em 1989 essa razão aumentou para três
realizados em duas cidades brasileiras,62,79 utilizando-se vezes, e para quatro vezes em 1996.86 Na última década,
métodos padronizados ao longo do tempo. A entretanto, o deficit de altura na região Nordeste diminuiu
prematuridade é a principal causa de mortes infantis no substancialmente – de 22,2% em 1996 para 5,9% em
Brasil e seu aumento tem anulado os avanços 2006–07 –, o que praticamente eliminou as diferenças das
conseguidos na sobrevida de recém-nascidos de baixo regiões mais ricas (Figura 5). A maior prevalência de deficit
peso por conta das melhorias na atenção neonatal.80 A
contribuição das intervenções médicas, como as 100 1974–75
cesarianas, para o aumento dos nascimentos pré-termo 1989
1996
tem sido bastante discutida no Brasil: enquanto alguns 80 2006–07
estudos81 mostram uma associação, outros82 indicam que
Deficit de altura (%)
na redução da frequência de retardo de crescimento Figura 4: Prevalência de deficit de altura por renda familiar e ano do inquérito
intrauterino, como descrita em estudo anterior,82 Dados extraídos da referência 85.
equilibrando o efeito negativo do aumento da
60 1974–75
prematuridade. 1989
Em suma, os coeficientes de mortalidade na infância, 50
1996
Prevalência de deficit de altura (%)
2006–07
no Brasil, decresceram acentuadamente nas últimas três
décadas. Nesse período, as desigualdades regionais 40
também diminuíram, assim como as disparidades
sociais, embora em menor grau. Decréscimos muito 30
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Séries
Quadro político Ditadura militar Transição para a democracia (1985) Início do período democrático com Democracia estável
instabilidade importante
Crescimento Rápido crescimento econômico Hiperinflação e crise da dívida externa, Controle gradual da inflação, com Crescimento econômico moderado com
econômico (o “milagre brasileiro”), aumento da estagnação econômica e recessão, crescimento econômico lento ou ausente, redução gradual das desigualdades de renda
concentração de renda acompanhada aumento da pobreza absoluta e pequenas mudanças na renda familiar, e da pobreza absoluta, alcançados por meio
por alguma redução na pobreza absoluta manutenção da concentração de concentração de renda e pobreza da combinação de redução do desemprego,
alta renda aumento progressivo do salário-mínimo e
expansão dos programas de transferência
de renda
Fatores demográficos Urbanização e diminuição das taxas de Urbanização e diminuição das taxas de Urbanização e diminuição das taxas de Urbanização e diminuição das taxas de
fecundidade fecundidade fecundidade fecundidade
Sistemas de saúde Sistema de saúde com três componentes: Manutenção do sistema anterior, até a Consolidação do SUS com expansão da Consolidação e expansão das estratégias
privado, seguridade social para criação do Sistema Único de Saúde (SUS), atenção primária, secundária e terciária. de saúde da família
empregados regulares e atenção do em 1988 Criação do programa de agentes
Ministério da Saúde e instituições de comunitários de saúde (1991) e da
caridade para os mais pobres estratégia de saúde da família (1994) para
aumentar o acesso da população mais
pobre aos serviços de saúde
Programas fora do Programa nacional de suplementação Continuação dos programas de Continuação dos programas de Criação dos programas de transferência
setor de saúde alimentar para mães e crianças (1976) suplementação alimentar suplementação alimentar condicional de renda: Bolsa Escola e Bolsa
Expansão do suprimento de água e Expansão da rede de água e saneamento Expansão da rede de água e saneamento Alimentação, (que substituiu o programa de
saneamento básico (1975) Educação primária universal suplementação alimentar) e unificação desses
programas pelo Bolsa Família (2003)
Expansão da rede de água e saneamento
Melhorias na educação secundária
Programas de saúde Nenhum Programa Assistência Integral à Saúde Continuação da implementação do Programa Nacional para a Humanização da
materna da Mulher (1984) Programa Assistência Integral à Saúde Gravidez e do Parto (2000)
da Mulher Pacto para a Redução da Mortalidade
Materna e Neonatal (2004)
Programas de saúde Programa Nacional de Imunizações (1977) Programas verticais para imunização, Programa Nacional para a Redução da Criação de comitês locais para a prevenção
infantil monitoramento do crescimento, Mortalidade Infantil (1995) da mortalidade infantil (2005)
hidratação oral e promoção do Pacto pela Vida (para a redução da
aleitamento materno mortalidade infantil; 2006)
Campanhas nacionais de imunização e
de hidratação oral
Programa Nacional da Saúde Infantil
(1984)
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70 1980
com os dados atuais da maior parte de renda baixa ou
50
média.91 Ainda assim, o acesso à contracepção, à atenção
pré-natal e aos cuidados durante o parto aumentou 30
substancialmente entre 1986 e 2006–07. A cobertura
20 2006
vacinal também aumentou rapidamente e é, hoje, quase
universal. Oitenta por cento das crianças menores de 5
anos vivem em casas que têm água tratada proveniente da 10
rede pública. A hidratação oral durante episódios de 7
diarreia aumentou rapidamente nos anos 1980 e 1990 e 5
permaneceu estável desde então. Apesar de apenas cerca
de 50% das crianças com tosse e febre terem recebido 3
assistência em um estabelecimento de saúde, a baixa 2
cobertura desses dois indicadores de manejo de casos não
confere um risco substancial à saúde, uma vez que mortes 0
0 400 1000 2000 4000 10 000 20 000 40 000 100 000
por diarreia e infecções respiratórias se tornaram eventos Produto bruto doméstico (ajustado à inflação)
raros no país.
Além dos altos níveis gerais de cobertura das
Figura 7: Renda por pessoa e mortalidade infantil no Brasil (1960–2006) e no resto do mundo
intervenções, as desigualdades socioeconômicas também
Dados extraídos das referências 95 e 96. Cada ponto na trajetória brasileira representa um ano (círculos verdes).
foram reduzidas entre 1996 e 2006-07.2 Em 1996, 71,6% das Todos os pontos vermelhos representam outros países. Adaptado com permissão de Gapminder World.
mulheres do quinto mais pobre receberam atenção
durante o parto por pessoal treinado, em comparação com exemplo, que apesar de uma média de mais de oito
98,1% das mulheres do quinto mais rico; já em 2006–07, consultas pré-natais, metade das mulheres da cidade de
as respectivas coberturas foram de 96,8% e 99,5%. No Pelotas não tiveram suas mamas examinadas durante as
mesmo período, a prevalência do uso de contraceptivos consultas, e uma em cada quatro mulheres não foi
aumentou de 55,8% para 86,0% no quinto mais baixo de submetida a um exame da região pélvica – embora 98%
renda e de 76,8% para 87,3% no quinto mais alto. A tenham realizado um ou mais exames de ultrassom
proporção de crianças do quinto mais pobre que receberam abdominal.39 Dados de um inquérito nacional mostraram
atenção de saúde durante um episódio de febre e tosse que somente 62% das mulheres que deram à luz em
aumentou de 33,4% em 1996 para 49,1% em 2006–07, estabelecimentos do setor público tinham os resultados
enquanto entre as crianças do quinto mais rico essa de um teste de rotina para HIV registrados em seus
proporção se manteve estável, pouco maior que 60%. prontuários, com importantes desigualdades na
Apesar dos altos níveis de cobertura, a qualidade da cobertura por nível educacional e raça.70 No Rio de
atenção materna e infantil não é consistentemente alta Janeiro, onde a hipertensão arterial é a principal causa
entre os grupos. Dados de alguns estudos mostram, por de morte materna, estudo amostral de mulheres que se
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