Rastreamento Caderno Atencao Primaria n29
Rastreamento Caderno Atencao Primaria n29
Rastreamento Caderno Atencao Primaria n29
ISBN 978-85-334-1729-8
CADERNOS
ATENÇÃO PRIMÁRIA
9 788533 417298
1ª edição
29
1ª reimpressão
Brasília – DF
2013
MINISTÉRIO DA SAÚDE
Secretaria de Atenção à Saúde
Departamento de Atenção Básica
RASTREAMENTO
1ª edição
1ª reimpressão
Brasília – DF
2013
Ficha Catalográfica
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.
Rastreamento / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – 1. ed., 1. reimpr. – Brasília :
Ministério da Saúde, 2013.
95 p. : il. – (Cadernos de Atenção Primária, n. 29)
ISBN 978-85-334-1729-8
1. Atenção primária à saúde. 2. Educação em saúde. 3. Atenção primária. I. Título. II. Série.
CDU 616-083.98
Catalogação na fonte – Coordenação-Geral de Documentação e Informação – Editora MS – OS OS 2013/0298
2___ Rastreamento.................................................................................. 17
2.1 Rastreamento oportunístico versus programas organizados
de rastreamento................................................................................................17
2.2 Critérios para um programa de rastreamento..........................................20
2.3 Questões éticas ..........................................................................................21
7___ Crianças............................................................................................ 56
7.1 Rastreamento de anemia falciforme em recém-natos (RN).....................56
7.2 Rastreamento de hipotiroidismo congênito ...........................................57
7.3 Rastreamento de fenilcetonúria................................................................57
7.4 Teste da orelhinha......................................................................................58
7.5 Rastreamento para detecção da ambliopia, estrabismo e defeitos da
acuidade visual .................................................................................................59
Parte IV – Conclusão..................................................................... 85
Referências.................................................................................... 89
O processo do cuidado integral à saúde é missão básica do Sistema Único de Saúde (SUS) e da
Atenção Primária à Saúde (APS) por meio da Estratégia Saúde da Família. Ele envolve a promoção
da saúde, a redução de risco ou manutenção de baixo risco, a detecção precoce e o rastreamento
de doenças, assim como o tratamento e a reabilitação.
A realidade do cuidado nos serviços de APS é complexa e cheia de incertezas, e nela os
rastreamentos oportunísticos se mesclam com o cuidado clínico cotidiano, quer por iniciativa 7
do paciente, quer por iniciativa do profissional ou por demanda institucional local. Um cuidado
efetivo das pessoas requer atenção à experiência pessoal do processo de saúde, sofrimento e
doença, bem como entendê-las no contexto de vida e sociocultural para chegar a uma abordagem
compartilhada com respeito à atenção à saúde.
A questão do rastreamento e do diagnóstico ou detecção precoce de doenças é tema
relevante na prática da Atenção Primária à Saúde e este caderno tem como objetivo destacar a
importância do tema e de suas implicações no cotidiano das equipes de Saúde da Família, bem
como apresentar algumas das recomendações atuais a respeito do câncer e outras condições
clínicas.
Outro motivo que torna o tema do rastreamento e da detecção precoce importante é
o processo de medicalização social intenso que pode gerar intervenções diagnósticas e
terapêuticas excessivas e, por vezes, danosas (TESSER, 2006a,b). Nesse contexto, está o recente
reconhecimento da iatrogenia1 como importante causa de má saúde (STARFIELD, 2000), o que
deu origem, entre os médicos generalistas europeus, ao conceito e à prática da prevenção
quaternária, relacionada a toda ação que atenua ou evita as consequências do intervencionismo
médico excessivo (GÉRVAS, 2006).
Nesse sentido, uma melhor compreensão dos princípios do rastreamento e dos conceitos
sobre evidências (medicina baseada em evidências) e sobre epidemiologia clínica aplicada ao
cuidado (prevalência, sensibilidade, especificidade, risco relativo e absoluto e sua redução,
valores preditivos dos testes diagnósticos etc.) em muito contribui para uma melhor e mais
fundamentada qualificação da atividade clínica.
Para facilitar a leitura, este caderno foi organizado em quatro partes: na primeira são abordadas
questões referentes ao tema rastreamento em sentido amplo: prevenção, rastreamento,
epidemiologia clínica, medicina baseada em evidências, graus de recomendação. Na segunda
parte, são descritas as recomendações diretamente voltadas para o rastreamento e detecção
precoce do câncer e outras condições clínicas e controvérsias; na terceira, é apresentado um
resumo das recomendações deste caderno; e a quarta parte é a conclusão.
Este material é direcionado a médicos, enfermeiros e demais componentes das equipes
de Saúde da Família, assim como para profissionais de outros serviços, que poderão utilizá-
lo no cotidiano da prática assistencial, no intuito de subsidiar suas condutas, e também para
gestores, que têm a responsabilidade de criar condições para que a boa prática clínica aconteça.
1
Iatrogenia vem de iatros (do grego, curador) e genia (de gênese, origem), mas é utilizado de forma consagrada na
literatura da área da saúde como se referindo a qualquer tipo de dano originado por intervenções médicas ou de qualquer
profissional de saúde que gera dano.
É nessa perspectiva mais ampla que o conteúdo deste caderno deve ser entendido e
utilizado, tanto para a criação de programas organizados de rastreamento quanto para práticas
oportunísticas de rastreamento, na direção do fortalecimento da Atenção Primária à Saúde e do
SUS como um todo, visando o cumprimento do objetivo de cuidado integral à saúde da população
brasileira.
8 Importante ressaltar que as recomendações contidas neste caderno devem ser adaptadas à
realidade epidemiológica da população sob cuidado, assim como às condições de estrutura e
organização da rede de serviços de saúde de cada município.
Conceitos teóricos I
1 Prevenção
O escopo da prevenção mudou ao longo do tempo. Em 1967, Clark D.W. (apud STARFIELD, 2008)
afirmava que prevenção em um senso estrito significa evitar o desenvolvimento de um estado
patológico e, em um senso amplo, inclui todas as medidas, entre elas as terapias definitivas, que
limitam a progressão da doença em qualquer um dos estágios. Uma distinção foi feita entre a
intervenção que impede a ocorrência da doença antes de seu aparecimento – prevenção primária
– da intervenção que diagnostica precocemente, detém ou retarda a sua progressão ou suas
sequelas em qualquer momento da identificação – prevenção secundária (LEAVELL; CLARK, 1976;
STARFIELD, 2008). Pode-se então definir que prevenção é todo ato que tem impacto na redução
de mortalidade e morbidade das pessoas.
Do ponto de vista histórico, a prevenção migrou da saúde pública para a clínica das doenças.
Assim sendo, a identificação de fatores de risco como parte da prevenção deu início a uma nova
era na saúde pública e na medicina e tornou-se uma atividade profissional para epidemiologistas.
Visto que o conceito de “doença” vem se modificando ao longo do tempo (com rebaixamento
dos limiares para designação de “doença”) e os fatores de risco estão sendo agora considerados
equivalentes a “doenças”, a diferença entre prevenção e cura está se tornando cada vez mais
indistinta (STARFIELD, 2008).
Tanto assim que, nos países desenvolvidos, o foco dos cuidados clínicos mudou da cura para
a prevenção, ou seja, antecipar doenças futuras em indivíduos que se encontram saudáveis
tornou-se prioridade sobre o tratamento (GERVAS, 2008). Na prática brasileira, isso está
retratado nas muitas unidades de Atenção Primária à Saúde que têm agendas priorizadas para
grupos populacionais específicos, por exemplo, os programas de hipertensos e diabéticos e que
resistem à ideia de acolher a demanda espontânea. Contudo, deve ser considerado o seguinte
questionamento: se há ainda muitas pessoas que carecem de acesso aos serviços de saúde quando
sentem a necessidade de buscá-lo, é justificável que consultas de rotina para check-up constituam
quase que metade das visitas médicas nos Estados Unidos? (STARFIELD, 2008). Esse alerta reflete
a importância de se traçar prioridades, sem perder de vista a redução das iniquidades em saúde
das populações.
O controle dos fatores de risco pela intervenção individual muitas vezes é incluído, sutilmente,
como uma medida de promoção da saúde no sentido de que há uma convergência entre
comportamentos incluídos em “estilos de vida saudável” com os que controlam ou minimizam
fatores de risco, os quais apenas previnem eventos ou doenças específicas na população. Não se
deve confundir promoção da saúde com redução de fatores de risco, prevenção de doenças e
detecção precoce em indivíduos, mesmo que de alto risco.
As indagações acima têm o intuito de introduzir uma reflexão sobre as vantagens e desvantagens
de cada tipo de abordagem. Do ponto de vista da intervenção preventiva, pode-se dividi-la em
dois tipos: abordagem de alto risco e a abordagem de amplitude populacional. A definição da
melhor forma de abordagem deve levar em conta critérios epidemiológicos (transcendência,
magnitude e vulnerabilidade de um problema), assim como a realidade local e as necessidades
de saúde da população.
Como mostra a tabela acima, as mulheres abaixo de 30 anos são indivíduos de mínimo ou
baixíssimo risco, porém, como elas são numerosas, geram metade dos casos de síndrome de Down. Já
as mulheres de alto risco, que têm 40 anos ou mais, geram somente 13% dos casos. A interpretação
desse exemplo é: um grande número de pessoas submetidas a um pequeno risco pode gerar mais casos
de doença do que um pequeno grupo de pessoas que tem um alto risco (ROSE, 1985). Obviamente,
isso também acontece com outros fatores de risco e situações, como a hipertensão arterial (CHOR;
FAERSTEIN, 2000). Geralmente, as estratégias individuais ou de alto risco são paliativas, temporárias e
não radicais. Como elas não lidam com a causa, a suscetibilidade continuará presente e, dessa forma,
o programa deverá ser mantido por várias gerações indefinidamente.
Por isso Rose faz um alerta sobre como utilizar a abordagem de amplitude populacional:
primeiro deve-se restaurar a normalidade biológica pela remoção de qualquer exposição
anormal (exemplos: parar de fumar, controle da poluição aérea e moderar alguns de nossos
recém-adquiridos desvios alimentares), porque temos uma boa segurança com relação a esse tipo
de ação preventiva. Porém isso não é verdade quando se refere a outros tipos de intervenção
que deixam intactas as causas subjacentes e propõem interpor uma nova e supostamente eficaz
medida preventiva (drogas, imunizações2 etc.). Nesse caso o ônus recai sobre o proponente, que
deve comprovar cientificamente que são adequadas e seguras (ROSE, 1985).
2
Um bom exemplo sobre a problemática polêmica da introdução de imunizações encontra-se em: GERVAS, J. La vacuna
contra el virus del papiloma humano desde el punto de vista de la atención primaria en España. Rev. bras. epidemiol.
[online], v. 11, n. 3, p. 505-511, 2008.
É por isso que a abordagem de amplitude populacional deve ser minimamente invasiva,
de baixo custo, evitar o desconforto e a dor e ser socialmente aceita.
Contudo, as ideias de G. Rose vêm sendo utilizadas para outros fins que não originalmente
propostos pelo autor, isto é, para justificar intervenções terapêuticas na prática clínica (STARFIELD,
14
2008). A saúde pública mundialmente tem sofrido uma mudança histórica do foco da prevenção
para a intervenção clínica nas doenças, conforme mencionado anteriormente. Desse modo,
a medicalização de estados pré-doença e de fatores de risco torna-se cada vez mais comum,
incluindo-se as metas para hipertensão, colesterol, osteopenia e obesidade cada vez mais rígidas.
A perspectiva de se comercializar medicações já existentes para pessoas saudáveis expande
enormemente o mercado dessas drogas, aumenta os custos para a sociedade e os serviços de
saúde, além de ter o potencial de reduzir a qualidade de vida ao converter pessoas saudáveis em
pacientes (MONTORI et al., 2007).
a) Prevenção primária é a ação tomada para remover causas e fatores de risco de um problema
de saúde individual ou populacional antes do desenvolvimento de uma condição clínica. Inclui
promoção da saúde e proteção específica (ex.: imunização, orientação de atividade física para
diminuir chance de desenvolvimento de obesidade).
b) Prevenção secundária é a ação realizada para detectar um problema de saúde em estágio inicial,
muitas vezes em estágio subclínico, no indivíduo ou na população, facilitando o diagnóstico
definitivo, o tratamento e reduzindo ou prevenindo sua disseminação e os efeitos de longo
prazo (ex.: rastreamento, diagnóstico precoce).
b) Redução de risco foca nas características que implicam risco de moderado a alto, entre os
indivíduos ou segmentos da população, e busca maneiras de controlar ou diminuir a prevalência
da doença.
c) Detecção precoce visa estimular a conscientização dos sinais precoces de problemas de saúde –
tanto entre usuários leigos como em profissionais – e rastrear pessoas sob risco de modo a detectar
um problema de saúde em sua fase inicial, se essa identificação precoce traz mais benefícios que
prejuízos aos indivíduos. Ela baseia-se na premissa de que algumas doenças têm maiores chances
de cura, sobrevida e/ou qualidade de vida do indivíduo quando diagnosticadas o mais cedo
possível. Alguns tipos de câncer, as doenças cardiovasculares, o diabetes e a osteoporose são
alguns exemplos.
A detecção precoce pode ser realizada tanto nos encontros clínicos – em que o paciente
procura o serviço por algum motivo – quanto nos encontros em que não há demanda por
cuidado, como: atestados e relatórios, acompanhamento de familiares, vacinação, coleta de
Papanicolau etc. Em ambos os casos, os profissionais de saúde precisam estar receptivos e atentos
para, além das atividades em foco (o motivo principal do encontro), observar possíveis sinais de
doenças e, se necessário, tomar as providências para detectá-los precocemente. É fundamental
que a habilidade e o respeito dos profissionais, bem como o diálogo com os usuários, norteiem
e limitem essa missão, evitando qualquer tendência à intromissão imprópria e a intervenções
inadequadas e possivelmente iatrogênicas.
c.1) Diagnóstico precoce são ações destinadas a identificar a doença em estágio inicial a partir
de sintomas e/ou sinais clínicos. Na área oncológica, o diagnóstico precoce é uma estratégia
que possibilita terapias mais simples e efetivas, ao contribuir para a redução do estágio de
apresentação do câncer. Por essa razão, o conceito de diagnóstico precoce é por vezes nomeado
de down-staging, ou seja, no menor estágio do desenvolvimento da doença (WHO, 2007, p. 3).
3
WONCA: World Organization of Family Doctors
identificação e controle de riscos, tendo como objetivo final reduzir a morbidade e mortalidade
da doença, agravo ou risco rastreado (GATES, 2001). O rastreamento viabiliza a identificação de
indivíduos que têm a doença, mas que ainda não apresentam sintomas. Por vezes, confunde-se
a questão do rastreamento com a simples adoção de protocolos ou guidelines, recomendações
de associações médicas ou outras instituições respeitadas sobre condutas profissionais. Essa ideia
16 está mais próxima do rastreamento oportunístico, que, por sua vez, pode trazer mais problemas
para os pacientes do que alívio do sofrimento. O rastreamento não está isento de riscos, pois
significa interferir na vida de pessoas assintomáticas, ou seja, que até provem o contrário são
saudáveis. No próximo capítulo, o rastreamento é abordado mais densamente.
2 Rastreamento
Deve haver uma clara distinção entre rastreamento e diagnóstico de doenças. Quando um
indivíduo exibe sinais e sintomas de uma doença e um teste diagnóstico é realizado, este não
representa um rastreamento. A equipe de saúde deve estar sempre vigilante em identificar a
apresentação clínica na população sob seus cuidados e deve realizar os exames sempre que
surjam sintomas nas pessoas sob seus cuidados, ou seja, realizar os exames necessários de acordo
com a clínica apresentada pelo paciente. Isso não configura rastreamento, mas sim cuidado e
diagnóstico apropriado (ENGELGAU, 2000).
Os programas de rastreamento organizados são aqueles nos quais se detém maior controle
das ações e informações no tocante ao rastreamento. São sistematizados e voltados para a
detecção precoce de uma determinada doença, condição ou risco, oferecidos à população
Para tanto, a fim de que um programa de rastreamento seja efetivo, deve-se garantir o
rastreamento da maioria da população susceptível, caso contrário, não haverá redução nos
indicadores de morbimortalidade, no caso apresentado, de morte por câncer do colo uterino.
• Garantir que cada programa seja introduzido e executado com nível suficiente de qualidade
para que possa reproduzir no ambiente dos serviços de saúde os mesmos benefícios encontrados
no ambiente de pesquisa.
1. A doença deve representar um importante problema de saúde pública que seja relevante
para a população, levando em consideração os conceitos de magnitude, transcendência e
vulnerabilidade4;
3. Deve existir estágio pré-clínico (assintomático) bem definido, durante o qual a doença possa
ser diagnosticada;
4. O benefício da detecção e do tratamento precoce com o rastreamento deve ser maior do que
se a condição fosse tratada no momento habitual de diagnóstico;
5. Os exames que detectam a condição clínica no estágio assintomático devem estar disponíveis,
aceitáveis e confiáveis;
4
Magnitude: refere-se à dimensão coletiva e epidemiológica do problema, em relação aos demais problemas, agravos e
doenças presentes na população em questão (tratado em geral em termos de prevalência e incidência, em comparação
com outros problemas, agravos ou doenças).
Transcendência: refere-se ao impacto produzido na comunidade pela doença em questão e pressupõe avaliação
valorativa e significativa dos tipos de condições, ou das faixas etárias, ou dos tipos de danos e suas consequências.
6. O custo do rastreamento e tratamento de uma condição clínica deve ser razoável e compatível
com o orçamento destinado ao sistema de saúde como um todo;
Os critérios acima foram descritos, em 1968, pelos autores Wilson e Jungner, para o
21
estabelecimento de um programa de rastreamento por se tratar de um tópico de grande
importância e controvérsias. Ainda hoje são considerados clássicos, ou seja, o “padrão ouro”
para se avaliar o rastreamento. Geralmente, o rastreamento é apropriado em uma população
assintomática quando os sete critérios acima são atendidos (ENGELGAU, 2000).
Nessa época, os autores já estavam preocupados com o excesso do uso de rastreamento para
as mais diversas condições e doenças. A ideia central da detecção precoce de doenças e seu
tratamento é, por um lado, oferecer tratamento para aqueles com doenças previamente não
detectadas e, simultaneamente, evitar causar danos às pessoas sem necessidade de tratamento,
o que na prática torna os programas de rastreamento complexos (ANDERMANN et al., 2008).
Para exemplificar o item sete, destacamos uma prática comum em nosso país que é a
implementação de programas de mutirão de detecção de doenças e de tratamento. Programas
assim não são custo-efetivo e não causam impacto na morbimortalidade de uma população a
longo prazo.
Todos os programas de rastreamento causam danos e alguns fazem bem (GRAY, 2004).
A reflexão ética para a introdução de um programa de rastreamento deve ser rigorosa devido
aos riscos associados ao se intervir em pessoas assintomáticas. Os riscos dos procedimentos de
rastreamento envolvem, além daqueles inerentes ao procedimento, alguns outros, tais como:
a falsa impressão de proteção para aquelas pessoas com teste negativo e que apresentam a
Quadro 2.1 – Relação entre a ocorrência ou não de efeito adverso com a presença ou
ausência da doença a ser rastreada
A maioria dos profissionais de saúde – assim como o público leigo – deposita grande valor na
detecção da doença num estágio precoce e assintomático, período esse em que o tratamento e a
cura poderiam ser alcançados mais facilmente. Tanto é assim que existe o ditado popular: prevenir
é melhor do que remediar. Porém o diagnóstico precoce por si só não justifica um programa de
rastreamento. A única justificativa é que o diagnóstico precoce resulte em melhorias mensuráveis
desses resultados. A proposta principal do rastreamento é reduzir a morbidade, a mortalidade
e melhorar a qualidade de vida. Se os resultados de tal benefício não podem ser demonstrados,
perde-se a racionalidade para adoção de um programa de rastreamento (GATES, 2001).
3 Epidemiologia clínica
Este capítulo tem o objetivo de tratar de alguns conceitos da epidemiologia clínica que estão
relacionados com as ações de rastreamento, propiciando mais reflexão sobre o tema.
24
3.1 Impacto dos falso-positivos
Um exame de rastreamento deve ter ótima sensibilidade e especificidade, para que resulte em
pequenas taxas de falso-positivo e para que dê segurança de que a pessoa realmente não tem
a doença quando o resultado for negativo. A sensibilidade e a especificidade são propriedades
inerentes a cada um dos testes diagnósticos. Estes possuem uma sensibilidade (capacidade de
detectar indivíduos com aquela doença) e uma especificidade (capacidade de excluir o diagnóstico
nos casos dos não doentes) que nunca são simultaneamente 100%.
Doença
Teste Presente Ausente Total
(sensib. = 100%) (espec. = 80%)
Teste (+) 5 199 204
Teste (-) 0 796 796
Total 5 995 N = 1000
Dada a tabela acima, supondo uma doença com prevalência de 0,5% na população (na
média, cinco pessoas em cada 1.000 apresentam a doença), admita-se que um teste para seu
diagnóstico possua especificidade de 80% e sensibilidade de 100%. Se esse exame for realizado
num rastreamento em 1.000 pessoas, encontraremos cinco pessoas doentes misturadas com um
total de 199 pessoas sadias com testes positivos, isto é, 199 falso-positivos. Cada doente vem
acompanhado de aproximadamente 40 “alarmes falsos”.
25
Além das questões relacionadas à sensibilidade e à especificidade de cada exame, existem
ainda exames diagnósticos que estão condicionados à subjetividade e dependem da habilidade
do profissional, como o caso de exame de mamografia ou de ultrassonografia, levando a uma
variabilidade intra e interobservador, podendo levar a falsos diagnósticos. Em alguns serviços,
para minimizar a variabilidade, cada exame é avaliado independentemente por dois profissionais
diferentes, a fim de garantir o controle de qualidade. Nesse sentido, o Instituto Nacional de
Câncer (INCA) está desenvolvendo um programa de qualidade e padronização dos laudos de
mamografia e credenciando os serviços de diagnose.
Por exemplo, no rastreamento de câncer de colo de útero, existe um alto nível de variabilidade
inter e intraobservador no diagnóstico histológico de NIC I (Neoplasia Intraepitelial). No ASCUS/
LSIL Triage Study (ALTS), um comitê de revisores patologistas rebaixou 41% dos NIC 1 para
normais e subiu 13% dos NIC 1 para NIC 2-3. (SPITZER, 2006). Assim, a escolha do limiar de
rastreamento para se identificar um potencial de malignidade pode refletir estimativas pessoais
de probabilidade de câncer, mas, também, fatores subjetivos.
Como podemos observar, vários são os fatores que influenciam os achados de falso-positivos,
que vão desde a prevalência da doença a ser rastreada, as características operacionais dos testes
(sensibilidade e especificidade), qualidade dos equipamentos utilizados nos rastreamentos e a
subjetividade de quem interpreta os achados patológicos.
a. Viés de seleção: está presente quando as amostras (grupos) que serão comparadas durante o
estudo possuem características diferentes que podem influenciar o desfecho. Pode ocorrer, por
exemplo, quando o estudo selecionou voluntários para participar do ensaio clínico. Esse tipo de
pessoa geralmente tende a aderir mais às orientações, a ser mais saudável e preocupada com a
saúde e a ter baixas taxas de mortalidade não somente para a doença específica. Por exemplo, o
primeiro ensaio clínico para rastreamento de câncer de cólon e reto usou voluntários e slides de
reidratação, resultando em uma taxa muito alta de colonoscopia, com 33% de redução relativa
de morte pelo câncer cólon-retal. Os dois estudos subsequentes foram feitos na comunidade, sem
a reidratação, e demonstraram resultados mais modestos, de 15% e 18% na redução relativa da
mortalidade associada ao câncer de cólon e reto (GATES, 2001).
Processo conhecido
Diagnóstico
A na apresentação
morte
Início clínica
4 anos 3 anos
Dx
Período assintomático
Doença clínica
População rastreada
Diagnóstico
B pelo
Início morte
rastreamento
2 anos 5 anos
Dx
Período assintomático
Doença clínica
População rastreada
Diagnóstico
C pelo
Início sobrevida morte
rastreamento
2 anos 5 anos
Dx
Período assintomático
Doença clínica
c. Viés de tempo de duração: ocorre devido à heterogeneidade da doença que se apresenta ao longo
de um amplo espectro de atividade biológica, ou seja, existe um contínuo de severidade e nem
todas as doenças se comportam biologicamente da mesma forma. As menos agressivas têm longo
período assintomático e, por conseguinte, têm maior probabilidade de ser identificadas por um
programa de rastreamento. Quando uma coorte identificada pelo rastreamento (por exemplo,
mamografia) é comparada com uma coorte identificada pela apresentação clínica (por exemplo,
27
massa palpável na mama), tumores menos agressivos estão sobrerrepresentados na coorte do
rastreamento e os mais agressivos na coorte de apresentação clínica. Mesmo na ausência de terapia,
a coorte identificada pelo rastreamento terá melhor prognóstico. Um programa de rastreamento
pode mostrar melhor sobrevida quando de fato ele tem apenas uma seleção preferencial para um
subgrupo de melhor prognóstico (ver figura abaixo).
A avaliação dos testes de rastreamento é complicada por certos vieses que ocorrem quando
uma doença é diagnosticada pelo rastreamento durante o período assintomático. A natureza
desses vieses é tal que: “O diagnóstico ‘precoce’ sempre aparentará que melhorou a sobrevida,
mesmo quando a terapia é inútil” (GATES, 2001).
d. Viés do sobrediagnóstico:
Os estudos observacionais podem levar a conclusões totalmente enganosas, pois são afetados
tanto pelo viés de tempo de duração como pelo viés do sobrediagnóstico. Para fins didáticos,
explicaremos melhor este efeito por meio de dois diagramas. A Figura 3.3 ilustra a seguinte
situação: uma população de 100.000 habitantes onde não exista a prática do rastreamento para
determinada doença. Nesse exemplo, os casos que se tornaram aparentes foram somente cinco,
ou seja, que progrediram para a fase sintomática da doença. Desses cinco casos, três são passiveis
de controle ou cura e dois são fatais, apesar do diagnóstico ou tratamento.
Também existem três casos onde mudanças patológicas estão presentes, mas que não
progredirão para a fase sintomática ao longo da vida da pessoa. Assim, estes estão sendo
28 rotulados como casos inconsequentes. Os termos pseudodoença ou doença latente também
podem ser empregados para descrever esses tipos de casos, que irão permanecer latentes na
ausência do rastreamento. A estatística para a situação acima é:
Aparecimento de
População sem rastreamento: mudanças patológicas Início dos diagnóstico
detectáveis sintomas
Curado
Sem sintomas Sintomático Fase clínica
População: 100.00 Controlado
Morte
Casos clínicos
Morte
Casos: 5
detectáveis
Sem sintomas
Taxa de mortalidade: 2/100.00
Sobrevida: 3 a 5 casos=60%
Tempo
A segunda situação (Figura 3.4) ilustra a mesma população, porém o que aconteceu é que
todos foram rastreados em duas ocasiões para se detectar as mudanças patológicas existentes na
fase assintomática da doença em questão. Nesse exemplo teórico, o rastreamento é somente um
teste sem ações subsequentes, uma vez que o que se está buscando é evidenciar o que acontece
com a estatística, devido à introdução de um teste. O que se observou com a implementação
desse teste é que a duração da fase assintomática foi mais curta nas doenças mais agressivas,
ou seja, nenhum dos casos fatais foi detectado pelo rastreamento. Esses dois casos foram
diagnosticados clinicamente entre os intervalos de rastreamento. Dois dos três casos não fatais
foram detectados por meio do rastreamento e um deles diagnosticado clinicamente entre o
intervalo de rastreamento. Como a duração da fase assintomática dos casos inconsequentes é
muito longa, os três foram detectados por meio do rastreamento. Observemos agora o que
ocorre com a estatística após a introdução do rastreamento:
A incidência é oito casos por 100.000 habitantes, em outras palavras, aumentou-se a incidência 29
da doença. Desses oito casos, temos que:
• A sobrevida nos casos rastreados é de cinco em cinco casos, ou seja, de 100%, o que é bastante
impressionante;
• A sobrevida total dos casos é de seis em oito (75%), ou seja, aparentemente melhorou com a
intervenção;
• Todas as mortes ocorreram nos casos que não foram detectáveis pelo rastreamento.
Curado
População: 100.00 Sem sintomas Sintomático Fase clínica
Controlado
Morte
Casos clínicos
Casos: 8 Morte
Mortes: 2
Casos inconsequentes
Incidência: 8/100.000
Sem sintomas
O que acontece na figura acima em relação à sobrevida é que os casos foram descontextualizados,
ou seja, a definição do que seja doença mudou completamente. O ponto de corte da definição
• Não se podem comparar os grupos dos casos detectados pelo rastreamento como grupo de
apresentação clínica;
• Essa é a razão por que a definição de caso é tão importante: os casos detectáveis por meio do
rastreamento não podem ser diretamente comparados com os casos detectáveis clinicamente.
5
Análise por intenção de tratar é aquela em que todos os participantes de todos os grupos são seguidos até o fim, independentemente do que
ocorrer com cada um deles.
não comprovados e os pacientes deveriam ser informados antes de consentirem sua realização e
inclusão em tais programas (GATES, 2001).
Mesmo quando o teste de rastreamento tenha preenchido esse alto padrão de comprovação
ou evidência, a maneira como os resultados são reportados pode influenciar a percepção dos
profissionais em termos da magnitude do seu benefício. Geralmente, os benefícios do programa
de rastreamento são medidos da seguinte forma: 31
Das medidas acima, duas merecem aprofundamento, a primeira e a última, pela frequente
exposição a que os profissionais de saúde estão sujeitos a elas e por ser úteis para se ter noção
do impacto e possibilitar comparar diferentes estratégias.
O número necessário para rastrear foi inspirado no conceito do número necessário para tratar
(REMBOLD, 1998), visto que os dois indicadores estão ancorados na redução de risco absoluto.
Assim, o número necessário para rastrear (NNR) é calculado pelo inverso da redução do risco
absoluto (NNR = 1/RRA). Por definição, representa o número de pessoas que devem participar de
um programa de rastreamento durante um determinado tempo (cinco, 10 anos) para se evitar
uma morte ou desfecho substituto pela doença em questão (GATES, 2001). A vantagem do NNR
é que reflete tanto a prevalência da doença como a efetividade da intervenção, tem a vantagem
de ser calculado facilmente e é intuitivamente útil para os profissionais de saúde e seus pacientes.
É comum que os resultados dos ensaios clínicos sejam apresentados aos profissionais em termos
de redução do risco relativo. Tal droga reduziu em 40% os riscos da ocorrência de um suposto
desfecho desfavorável. Porém o que se necessita saber de modo a determinar as políticas não
é simplesmente “Existe um efeito?” (a resposta vai ser sim ou não), mas “Quão grande será o
efeito?” (ROSE, 1993). Por exemplo, o risco relativo não é o tipo de informação que a tomada de
decisão requer, pois, duplicando-se um risco insignificante, ele ainda permanecerá pequeno, mas,
duplicando-se um risco comum, este se torna algo alarmante. O risco relativo interessa somente
aos pesquisadores, por isso, a tomada de decisão requer medidas absolutas, ou seja, a redução
absoluta do risco. Isso se aplica quando se descreve os efeitos de uma intervenção: há um pequeno
ganho de 10% na redução de um risco raro, enquanto que uma redução similar para uma doença
comum seria de grande valia (ROSE, 1993).
disso, a medida de intervenção continua a produzir uma redução de risco relativo de 20%.
Medidas relativas não estão ancoradas na suscetibilidade ou risco basal, por conseguinte, não
transmitem a noção do impacto real que a intervenção produz.
Um exemplo do conceito do número necessário para rastrear pode ser demonstrado por
estratégias de rastreamento que igualmente reduziram a mortalidade em 20% (redução do risco
32 relativo em 20%), como na tabela abaixo.
Contudo, na outra doença (B), tem-se uma taxa menor de mortalidade 0,5% e o rastreamento
reduzirá a mortalidade para 0,4% (20% de 0,5%). A redução do risco absoluto é de 0,1% (0,5%
menos 0,4%) e o número necessário para rastrear é de 1.000 (1 dividido por 0,1%). Nesse caso
1.000 pessoas teriam que ser rastreadas para se evitar uma morte. A terceira doença (C) tem uma
taxa de mortalidade muito baixa de 0,05% e o número necessário para rastrear é ainda maior. O
rastreamento reduziria a mortalidade para 0,04% (20% de 0,05%). A redução do risco absoluto
seria de 0,01% (0,05% menos 0,04%) e o número necessário para rastrear é 10.000 (1 dividido
por 0,01%). Conforme afirma G. Rose, não basta saber se a medida foi positiva (redução de risco
relativo – RRR – de 20%), mas quão positiva foi. Isso faz toda a diferença na adoção ou não de
um programa de rastreamento.
Esse aparente paradoxo surge visto que o número necessário para rastrear inclui informação
sobre a susceptibilidade do paciente ao evento que se deseja prevenir, no entanto, a redução
do risco relativo exclui tal informação. A redução do risco relativo permanece alta – e assim
faz com que a intervenção seja atrativa –, mesmo quando a susceptibilidade ao evento que se
deseja prevenir é baixa (correspondendo a um grande NNR). Como resultado, a restrição da
informação que demonstra eficácia somente por meio da redução do risco relativo pode levar
a um grande – por vezes excessivo – zelo nas decisões sobre o tratamento para pacientes com
pequena susceptibilidade.
A tabela abaixo, construída a partir dos ensaios clínicos disponíveis, revela que, quanto menor
a idade da mulher, menor é a suscetibilidade ou risco de desenvolver um câncer de mama.
Tabela 3.1 - Primary Prevention Of Cancer Of The Breast And Colon By Screening
*Statisticallysignificant, values are not normalised to trial duration (negative number indicates screening increasead mortality).
Fonte: (REMBOLD, 1998)
Na idade de 40 a 49 anos, o NNR é de 4.576, ou seja, são necessárias 4.576 mulheres durante o
período de 8,8 anos para se evitar uma morte por câncer de mama. Se for adotado um ponto de
corte onde a doença é mais prevalente, isto é, acima dos 50 anos, esse número cai para um NNR
de 1.532. A maioria dos cânceres ocorre em pessoas idosas, mas, ao despertar a consciência, as
organizações de combate ao câncer, a mídia e mesmo jornais médicos tendem a retratar histórias
de casos envolvendo pessoas jovens (GÉRVAS, 2002).
É comum que os profissionais de saúde adotem práticas que julguem ser eficazes porque as
aprenderam na faculdade ou com um profissional formador de opinião, mas que não têm base
científica comprovada. Esse é um dos motivos pelos quais existem tantas condutas divergentes
entre eles. Um exemplo é que alguns serviços de saúde seguem utilizando lugol e ácido acético
no rastreamento de câncer de colo de útero por meio do Papanicolau, porém ambos são
desnecessários, visto que o padrão-ouro é a avaliação citopatológica do material colhido. Esses
mesmos produtos são utilizados em outros cenários com propriedade, por exemplo, no caso
da colposcopia, para auxiliar a identificação de lesões suspeitas. Estudos mostram que algumas
práticas tradicionalmente aceitas e que, a princípio, fazem sentido para os profissionais, têm
pouco impacto em termos de resultados sobre a morbidade e mortalidade.
longa duração e envolvem grande número de participantes e, portanto, não respondem a todas
as dúvidas da prática clínica, fazendo com que muitas vezes os profissionais precisem buscar
outras formas de evidência para solucioná-las.
O quadro a seguir sintetiza a classificação dos tipos ou níveis de evidência para estudos de
intervenção ou de tratamento.
Também devemos ressaltar que existem vários tipos de desfechos medidos pelos
estudos e ensaios clínicos que podem gerar confusão, levando a práticas inapropriadas
ou contraindicadas. Para os profissionais da saúde, o que interessa é saber se os
pacientes submetidos às intervenções vão viver mais e melhor. Por isso é didaticamente
importante dividirmos os estudos entre os que focam em desfechos intermediários
daqueles que focam em desfechos finais.
b) POEM (Patient Oriented Evidence that Matters – a evidência de que tem importância para o
paciente (ROSSER; SHAFIR, 1998)). Medem o impacto da intervenção em termos de redução de
mortalidade, de custos para o paciente, de tempo de internação e de ganho em qualidade de
vida etc. É o tipo de evidência relevante em nossa prática diária. Por exemplo, se solicito um TSH
para rastreio de hipotireoidismo e este vem alterado para 10 UI (aumentado), porém o T4 livre
está normal, trata-se de uma situação limítrofe para qual a ciência (os estudos existentes) ainda
36
não tem a resposta sobre se a reposição hormonal irá beneficiar ou não os pacientes. O senso
comum nos diz que, se prescrevo levotiroxina e consigo trazer o TSH para a faixa “normal”, devo
estar fazendo mais bem do que mal. Porém o que mais interessa não é se o TSH normalizou, e sim
se a normalização acarretará melhoria de qualidade de vida para o paciente.
Outro exemplo já comprovado é o que se refere à reposição hormonal nas mulheres menopausadas,
a chamada TRH. Inicialmente foi muito bem recebida pela comunidade científica e médica, pois, além
de reduzir os níveis de colesterol, aumentava o HDL e prevenia contra fraturas de ossos decorrentes
da osteoporose. Porém esses desfechos eram intermediários e, somente quando foi realizado um
grande ensaio clínico que acompanhou milhares de mulheres durante vários anos, documentou-se
que aquelas que utilizavam hormônio morriam mais de problemas cardiovasculares (por exemplo,
tromboembolismo pulmonar) e câncer de mama. Isso comprovou que o emprego dos hormônios
fazia mais mal do que bem às mulheres (SACKETT, 2000).
c) Estudo coorte: estudo observacional que difere do caso-controle porque reúne dois ou mais
grupos de pessoas e os acompanha longitudinalmente no tempo, partindo da exposição e indo ao
encontro do desfecho. Apesar dessa direcionalidade exposição-desfecho, pode ser prospectivo,
retrospectivo ou ambispectivo. Por exemplo: a coorte de pacientes com um número importante
de fatores de risco para doença cardiovascular é reunida simultaneamente com uma coorte de
indivíduos controle que não tenham tais fatores. Ambos são acompanhados prospectivamente
por um período de tempo antes que os resultados sejam determinados. Também existe potencial
de viés de seleção nos estudos de coorte, mas ele é menor do que nos estudos de caso-controle
retrospectivos.
5 Graus de recomendação
A vantagem de se ter como referência essas instituições é que se reduz o viés das
corporações e associações médicas, que costumam ter recomendações fundamentadas em
consensos e práticas de especialistas. Tais consensos sofrem forte influência do mercado e do
complexo industrial farmacêutico, bem como das práticas dos especialistas focais, que não
são prontamente aplicáveis às atividades das equipes de Saúde da Família na APS. Por isso,
optou-se por adotar, neste material, os graus de recomendação da Força-Tarefa Americana
para Serviços Preventivos, que graduou suas recomendações em cinco classificações (A, B, C, D
e I) que refletem a força da evidência e a magnitude do benefício líquido (benefícios menos os
danos). Ver quadro a seguir.
continuação
II
Recomendações sobre
avaliação de risco, rastreamentos
e diagnóstico precoce
Esta parte do caderno traz as recomendações mais importantes para a prática clínica de Atenção
Primária à Saúde relacionadas à avaliação de risco, rastreamento e ao diagnóstico precoce. Não tem
o objetivo de esgotar as recomendações para todas as necessidades da população, orienta-se que
para a busca de informações adicionais e peculiares sobre o tema pode-se consultar os cadernos
específicos, por exemplo: de Pré-Natal, da Criança, entre outros que estão no site do Departamento
de Atenção Básica do Ministério da Saúde (www.saude.gov.br/dab).
43
A parte II foi dividia didaticamente em recomendações para adultos, incluindo homens, mulheres
e idosos, recomendações para crianças, dilemas e incertezas da prática clínica e recomendações
relativas aos cânceres.
6 Adultos
O UKPDS (United Kingdom Prospective Diabetes Study) mostrou que o impacto do controle
rigoroso nos níveis de hemoglobina glicada (Hb-A1c) não aumenta a sobrevida do paciente com
diabetes, mas sim o controle rigoroso da pressão, pois estes são mais vulneráveis ao efeito deletério
da hipertensão arterial, tema a ser retomado no rastreamento da diabetes. Um paciente com pressão
arterial isolada de 140/90 receberia apenas orientação no sentido de manutenção de cifras iguais ou
inferiores a essa registrada, porém, se ele for diabético, sua meta passa a ser mais rigorosa e uma
intervenção farmacológica está bem indicada caso os níveis acima persistam.
Desse modo, a compreensão sobre os fatores de risco e o efeito multiplicador que têm quando
associados nos evidencia a necessidade de avaliação criteriosa das pessoas sob nossos cuidados
para estabelecer os riscos absolutos de desenvolverem um evento coronariano.
Nesse sentido, várias estratégias têm sido adotadas para estimar esse risco com maior precisão.
Uma das mais antigas e simples é buscar na anamnese e no exame físico dados que componham
um quadro de risco, por exemplo, gênero, idade, tabagista ou não, história familiar de Doença
Arterial Coronariana (DAC) prematura e assim por diante. Quanto mais fatores associados,
maiores os riscos e mais intensiva tem sido a recomendação terapêutica no sentido das metas a
serem alcançadas de PA, de LDL – colesterol ou hemoglobina glicada.
Existem instrumentos que nos auxiliam a obter essa estimativa de risco com maior
precisão. O mais conhecido é o escore de Framingham (ver quadro a seguir), resultado de
um grande estudo de coorte que avaliou variáveis importantes para a estimativa de risco
cardiovascular. Pessoas que não têm doença arterial coronariana confirmada (sabidamente
de alto risco) necessitam ter uma melhor avaliação para que se possam estabelecer os riscos
e os benefícios de intervir ou não na vida do paciente, quer farmacologicamente, quer
44
por meio de aconselhamentos. Esses instrumentos estão em constante aperfeiçoamento e
os britânicos lançaram o QRISK (www.qrisk.org/) como instrumento mais adequado para
estimativa de risco frente à realidade social inglesa. Ele leva em consideração variáveis, tais
como a obesidade, história familiar de DAC prematura, além de fatores sociais e étnicos.
Por isso alguns algoritmos sugerem adaptações ao escore de Framingham com a finalidade
de torná-lo mais preciso, como será visto no item sobre dislipidemia. É nesse sentido amplo
que as três primeiras recomendações de rastreamento (dislipidemia, hipertensão e Diabetes
mellitus) estarão sendo apresentadas a seguir.
Entre os fatores de risco, existem aqueles considerados como alto risco cardiovascular, baixo
risco ou risco intermediário.
2. Se apresentar ao menos um fator de risco alto CV, não há necessidade de calcular o RCV,
pois esse paciente é considerado como alto risco CV e terá mais ou igual a 20% de chance
de morrer por acidente vascular cerebral (AVC) ou Infarto agudo do miocárdio (IAM) nos
próximos 10 anos.
Calcule o número de pontos dos fatores de risco e, com a soma, encontre o escore total de
risco. No Quadro 6.3, cruze esse dado de modo obter a projeção do risco em 10 anos. 45
HOMENS MULHERES
idade ponto idade ponto
s s
20-34 -9 20-34 -7
35-39 -4 35-39 -3
40-44 0 40-44 0
1 45-49 3 45-49 3
50-54 6 50-54 6
55-59 8 55-59 8
60-64 10 60-64 10
65-69 11 65-69 12
70-74 12 70-74 14
75-79 13 75-79 16
Colesterol Idade Idade Idade Idade Idade Colesterol Idade Idade Idade Idade Idade
Total 20-39 40-49 50-59 60-69 70-79 Total 20-39 40-49 50-59 60-69 70-79
<160 0 0 0 0 0 <160 0 0 0 0 0
3 2 1 0 3 2 1 1
2 160-199 4
5 3 1 0
160-199 4
6 4 2 1
200-239 7 200-239 8
240-279 9 6 4 2 1 240-279 11 8 5 3 2
280 11 8 5 3 1 280 13 10 7 4 2
Idade Idade Idade Idade Idade Idade Idade Idade Idade Idade
20-39 40-49 50-59 60-69 70-79 20-39 40-49 50-59 60-69 70-79
Fumantes 0 0 0 0 0 Fumantes 0 0 0 0 0
3 Não Fumantes 8 5 3 1 1 Não Fumantes 9 7 4 2 1
HOMENS MULHERES
Total de Risco em Total de Risco em
pontos 10 anos pontos 10 anos
<0 <1 <9 <1
46 0 1 9 1
1 1 10 1
2 1 11 1
3 1 12 1
4 1 13 2
5 2 14 2
6 2 15 3
7 3 16 4
8 4 17 5
9 5 18 6
10 6 19 8
11 8 20 11
12 10 21 14
13 12 22 17
14 16 Risco em 23 22 Risco em
15 20 10 anos: 24 27 10 anos:
16 25 25 30
17 30
% %
Após estimar o risco cardiovascular do paciente como baixo, intermediário ou alto risco
(Quadro 6.4), devem-se definir as metas em relação a níveis pressórico, perfil lipídico, entre
outros, a serem alcançadas para a redução do risco de mortalidade e morbidade do paciente.
Abaixo está apresentado um quadro com as principais metas. Deve-se identificar no quadro a coluna
de metas do paciente. Sempre o limite para iniciar uma intervenção é a próxima coluna da direita.
Por exemplo, para um paciente cujo cálculo de RCV foi de 16% (risco intermediário), a meta
de controle de LDL será < 130, mas pode-se iniciar uma intervenção medicamentosa a partir de
um LDL acima de 160 mg/dl.
Existe boa evidência de que a dosagem dos lipídios séricos pode identificar homens e mulheres
assintomáticas que são elegíveis para a terapia preventiva. Níveis altos do colesterol total (CT) e da
lipoproteína de baixa densidade de colesterol (LDL-C), assim como baixos níveis de lipoproteína
de alta densidade de colesterol (HDL-C), são importantes fatores de risco para doença arterial
coronariana (DAC). O risco de DAC é maior naqueles em que há combinação de fatores de riscos.
O risco de doença arterial coronariana em 10 anos é menor em homens jovens e nas mulheres
que não tenham outros fatores de risco, mesmo na presença de anormalidade lipídicas.
Rastreamento em homens
Rastreamento em mulheres
Meta-análises relacionando o colesterol e DAC em pessoas idosas sugerem que este não constitui
um fator de risco para DAC em pessoas acima de 75 anos de idade. Os ensaios clínicos raramente
incluíam tais indivíduos. Uma exceção foi o Prospective Study of Pravastatin in Elderly at Risk (PROSPER).
Nesse estudo, pacientes com doença cardiovascular (prevenção secundária) se beneficiaram da terapia,
enquanto aqueles sem doença cardiovascular (prevenção primária) não obtiveram benefícios. Embora
o NCEP recomende que se continue o tratamento nos idosos, muitos médicos podem optar por
suspender o rastreamento e o tratamento em pacientes acima de 75 anos sem evidência de DAC. Em
pacientes com 75 anos ou mais com DAC, a terapia para redução do colesterol deve ser mantida, como
recomendado para pacientes mais jovens. A decisão de continuar com a terapia deveria levar em conta
49
o status funcional global e a expectativa de vida, comorbidades e a preferência do paciente, bem como
ser feita em um contexto de objetivos terapêuticos globais e decisão de fim de vida.
Devem ser rastreados os níveis de colesterol de todos os pacientes com DAC, bem como os
equivalentes coronarianos (outras formas clínicas de aterosclerose), tais como:
• Estenose de coronária sintomática (AIT ou AVC de origem de carótida com > de 50% de estenose
da artéria carótida);
• Paciente com dois ou mais fatores de risco e com uma projeção de 20% de risco de desenvolver
DAC em 10 anos;
Intervalo de rastreamento:
O intervalo ótimo para rastreamento é incerto e este está principalmente fixado de acordo com o
risco cardiovascular. Quanto maior o risco, menor o intervalo de rastreamento. Com base em outros
protocolos e opinião de especialistas, uma opção razoável e referida na Força-Tarefa Americana é um
intervalo de cinco anos, para a população geral com resultados normais (Evidência nível III).
Intervalos menores podem ser recomendados para pessoas que têm níveis lipídicos próximos do
limite para instituição de terapia. Intervalos maiores também podem ser estabelecidos para aqueles
com baixo risco cardiovascular ou que apresentem níveis lipídicos repetidamente normais. Não está
estabelecida a idade de se interromper o rastreamento. O rastreamento pode ser apropriado para
pessoas idosas que nunca foram rastreadas, contudo, o rastreamento repetido é menos importante nas
pessoas idosas, pois os níveis lipídicos têm maior probabilidade de se manter estáveis após os 65 anos.
Como realizar?
Por meio da dosagem dos lipídios séricos de pessoas que são elegíveis, conforme recomendações
acima. O profissional de saúde deve orientar que o paciente esteja em jejum de 12h, evite
mudanças na rotina alimentar e de atividade física, além de não ingerir bebida alcoólica.
Existem boas evidências que as terapias com drogas redutoras dos lipídios substancialmente
reduzem a incidência de doença arterial coronariana em pessoas com anormalidade lipídicas com
alto risco cardiovascular. A interpretação dos resultados depende da suscetibilidade basal de cada
indivíduo. Para calcular o risco cardiovascular, existem tabelas como a de Framingham. Assim,
50 quanto menor o risco, menor a necessidade de medicar e maiores os prazos que a equipe de saúde
tem – para construir estratégias contextualizadas e culturalmente aceitáveis – para se alcançar uma
mudança sustentável no estilo de vida.
A hipertensão é uma condição muito prevalente que contribui para efeitos adversos na saúde,
incluindo, entre outras, mortes prematuras, ataques cardíacos, insuficiência renal e acidente
vascular cerebral.
Intervalo de rastreamento:
Não se tem evidência para se recomendar um ótimo intervalo para rastrear a hipertensão nos
adultos. O 7° JNC (The seventh report of the Joint National Committee on Prevention, Detection,
Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure) recomenda o rastreamento a cada dois anos
nas pessoas com pressão arterial menor que 120/80 e rastreamento anual se a pressão sistólica
estiver entre 120 e 139 mmHg ou a diastólica entre 80 e 90 mmHg.
Como realizar?
A relação entre a pressão diastólica e sistólica com o risco cardiovascular é contínua e gradual.
O nível de pressão elevado não deve ser o único valor para determinar o tratamento. Os médicos
devem considerar o perfil global de risco cardiovascular para tomar a decisão de tratamento.
Estima-se que são necessárias de 274 a 1.307 pessoas rastreadas para hipertensão acompanhadas
ao longo de cinco anos com tratamento para evitar uma morte.
O Quadro 6.5 abaixo estratifica as pessoas de acordo com o nível pressórico e o Quadro 6.6
orienta quanto às reavaliações sistemáticas de acordo com essas aferições.
51
Quadro 6.5 – Estratificação dos níveis pressóricos
Há evidência convincente de que, com o controle intensivo da glicemia em pessoas com diabetes
clinicamente detectada (situação oposta ao detectado pelo rastreamento), pode-se reduzir a
progressão dos danos microvasculares que ela proporciona. Contudo, os benefícios desse controle
rigoroso da glicemia sobre os resultados clínicos dos danos microvasculares, tais como dano visual
severo ou estágio final de doença renal, levam anos para se tornar aparentes. Assim, não existe
evidência convincente de que o controle precoce da diabetes como consequência do rastreamento
52
adicione benefício aos resultados clínicos microvasculares quando comparados com o início do
tratamento na fase usual de diagnóstico clínico. Ainda não se conseguiu provar que o controle
rigoroso da glicemia reduz significativamente as complicações macrovasculares, tais como infarto do
miocárdio e derrames. Encontrou-se evidência adequada de que os danos de curto prazo devido ao
rastreamento da diabete, como a ansiedade, são pequenos. O efeito de longo prazo da rotulação
e tratamento de uma grande parte da população como sendo diabética é desconhecido, porém
é notório que o estigma da doença, a preocupação com as complicações conhecidas e a perda de
confiança na própria saúde (Starfield, 2008), assim como a demanda por mais exames, podem trazer
prejuízos à população e aos serviços de saúde.
Como realizar?
Pessoas com uma glicemia em jejum superiores a 126 mg/dl devem realizar confirmação
do resultado com nova glicemia de jejum, para, dependendo do segundo resultado, serem
diagnosticadas com Diabetes mellitus. A meta de tratamento para as pessoas diabéticas é alcançar
uma hemoglobina glicosilada em torno de 7%. Geralmente, isso corresponde a uma glicemia de
jejum menor que 140 mg/dL. Porém, conforme orientação descrita acima, o grande benefício
do tratamento está em se manter um controle mais rigoroso dos níveis pressóricos, ou seja,
uma pressão arterial menor ou igual a 135/80. Dessa forma, pode-se reduzir a morbimortalidade
cardiovascular nesses pacientes.
Como realizar?
Por meio de abordagem breve com cinco passos (os cinco As):
4. Assista-o(a) a parar;
A interpretação da intervenção não deve ser entendida como positiva ou negativa, no sentido
do êxito de abandono ou não do tabagismo, mas sim como um processo contínuo de cuidado e
valorização do tema como um problema para a equipe de saúde e para os usuários.
Nem todos os usuários estão no mesmo estágio ou abertos para a discussão do tema. Por
exemplo, se um deles não vê o tabagismo como um problema (estágio pré-contemplativo), a
abordagem pode não ser efetiva em movê-lo ao abandono, mas pode sensibilizá-lo para o tema
em questão e, num próximo encontro, caso esteja mais aberto, reflita sobre a possibilidade
de abandonar o hábito (estágio contemplativo). Nesse novo estágio, a atuação pode ser mais
frutífera, resultando no agendamento de uma consulta ou sua participação em grupo de
tabagismo para conversar melhor sobre o tema. Na sequência, possivelmente haveria um avanço
para a fase de ação e poderia ser criada uma estratégia conjunta para o abandono do tabagismo.
Para que se tenha sucesso, é necessária uma equipe motivada e que tenha apoio institucional na
realização de um programa organizado e mais efetivo de rastreamento e de intervenção.
54
Não há um intervalo conhecido para realizar os testes de rastreio. Pacientes com histórico de
problemas com álcool, adultos jovens e grupos de alto risco (por exemplo, tabagistas) podem ser
beneficiados com o rastreio mais frequente.
Como realizar?
Há dois testes mais conhecidos. O AUDIT (The Alcohol Use Disorders) e o CAGE(feeling the
need to Cut down, Annoyed by criticism, Guilty about drinking, and need for an Eye-opener in
the morning), sendo esse último o mais utilizado na atenção primária. O CAGE é constituído das
quatro questões abaixo acerca do hábito de beber:
• Você já se sentiu chateado por críticas que os outros fazem pelo seu modo de beber?
Se duas ou mais respostas forem afirmativas, considera-se o rastreamento como sendo positivo.
O usuário deve ser aconselhado e acompanhado. Assim como no manejo do tabagista, deve-se
considerar em que estágio se encontra o usuário para programar a intervenção. Existem várias
experiências de manejo de pacientes dependentes de álcool, e a equipe de saúde deve conhecer
os recursos disponíveis em sua unidade de saúde, na comunidade e nas instituições externas (por 55
exemplo, Alcoólicos Anônimos, CAPS etc.).
Porque a obesidade está relacionada com doença coronariana, hipertensão arterial, DM II,
acidente vascular cerebral, alguns tipos de câncer e com apneia do sono. Além disso, é associada
à menor qualidade de vida devido ao estigma social e à menor mobilidade.
Não há recomendação clara sobre a periodicidade do rastreamento, assim ele fica indicado
durante a consulta de exame periódico de saúde.
Por meio do calculo do índice de massa corpórea (IMC), que corresponde ao peso (kg) dividido
sobre a altura (metros) ao quadrado.
• IMC > 30 é classificado como obesidade, esse item é subclassificado em: grau I (IMC 30-34,9),
grau II (IMC: 35-39,9) e grau III > 40.
Após o cálculo do IMC, é importante que o profissional pense junto com a pessoa os reflexos
desse problema para seu dia a dia, observe o grau de motivação para mudança de hábitos e, a
partir daí, organize o plano de intervenção com aconselhamento sobre dieta, exercício físico e,
se necessário, intervenções comportamentais individuais ou em grupo.
7 Crianças
A anemia falciforme (hemoglobina SS) é a uma das doenças hereditárias mais comuns no
País. Calcula-se que nasçam, por ano, 3.500 crianças com doença falciforme. Com o diagnóstico
precoce, orientações quanto à hidratação e sinais de alerta e intervenção profilática adequada,
as crianças com anemia falciforme ficam menos vulneráveis a infecções, anemia crônica e crises
de falcização.
Como realizar?
O teste de rastreamento pode ser realizado por meio da eletroforese por focalização
isoelétrica (FIE) ou cromatografia líquida de alta resolução (HPLC). A técnica é realizada por
meio da coleta do sangue capilar no calcanhar da criança, por isso também conhecida como
teste do pezinho. Ambos os métodos têm altíssima sensibilidade e especificidade para anemia
falciforme. A amostra deve ser coletada antes de transfusões sanguíneas devido ao potencial de
falso-negativo em consequência da transfusão. Infantes extremamente prematuros podem ter
resultado falso-positivos quando a hemoglobina adulta é indetectável.
Caso o teste de triagem seja positivo, é essencial que o RN seja encaminhado para testes de
confirmação diagnóstica antes dos dois meses de vida, pois é recomendável que o tratamento se
inicie antes do quarto mês. As crianças que tiverem a confirmação positiva devem ser acompanhas
a fim de se garantir o tratamento adequado, o que inclui orientação aos pais, profilaxia de
infecções e prevenção de agudizações e de anemia crônica.
57
Por que é importante o rastreamento?
Os infantes deveriam ser testados entre o segundo e quarto dia de vida. Aqueles que recebem
alta antes das 48 horas de vida deveriam ser testados imediatamente antes da alta ou na unidade
de saúde. As coletas obtidas nas primeiras 24 a 48 horas de vida podem estar falsamente elevadas
independentemente do método usado.
Como realizar?
O teste é realizado dosando-se os níveis de T4 e/ou TSH coletados de sangue capilar por meio
da punção do calcanhar da criança e fixados em um papel filtro, o chamado teste do pezinho.
Caso o teste de triagem seja positivo, é essencial que o RN seja encaminhado para testes de
confirmação diagnóstica e início do tratamento. Portanto cabe à equipe de Saúde de Família verificar
se as crianças com rastreamento anormal receberam o teste confirmatório e se iniciaram o tratamento
apropriado com reposição hormonal dentro de duas semanas do nascimento. A equipe precisa ter
consciência do potencial de resultados falso-positivos e certificar-se de que foi realizado um teste
definitivo. Somente um de 25 resultados positivos realmente é confirmado como hipotiroidismo
congênito (HC). Aqueles com resultado negativo para HC não deveriam deixar de ter uma apropriada
avaliação se a criança apresentar sinais clínicos sugestivos do contrário.
58 Como realizar?
O teste é realizado pela coleta de sangue capilar por meio da punção do calcanhar da criança
e fixado em um papel filtro, o chamado teste do pezinho. A triagem é realizada por meio da
dosagem quantitativa da fenilalanina (FAL) sanguínea.
Para que o aumento da FAL possa ser detectado, é fundamental que a criança tenha tido
ingestão proteica, portanto é recomendado que a coleta seja feita após 48 horas do nascimento
dela, porém antes do sétimo dia de vida. Mesmo crianças de risco, que ainda não tiveram contato
com leite materno, podem colher material desde que estejam sob dieta parenteral (rica em
aminoácidos essenciais).
Cabe ao profissional da equipe de Saúde da Família verificar se foi ou não realizado o teste
do pezinho. Caso não tenha sido feito, deve ser possível realizar o teste na própria unidade de
saúde ou, se necessário, encaminhar para serviço de referência. Caso o teste tenha sido positivo,
verificar se as consultas subsequentes estão agendadas para fazer o seguimento da criança. É
essencial que a restrição da fenilalanina seja instituída o mais precocemente possível para evitar
efeitos deletérios sobre o desenvolvimento neurológico.
Desde 2001, a triagem neonatal, conhecida com teste do pezinho, foi instituída como
prática obrigatória no País. Esta é uma ação preventiva que permite fazer o diagnóstico de
doenças congênitas, assintomáticas no período neonatal, a tempo de se interferir no curso da
doença, permitindo, dessa forma, a instituição do tratamento precoce específico e a diminuição
ou eliminação das sequelas associadas a cada doença. No Brasil, a triagem neonatal inclui o
rastreamento para anemia falciforme, hipotiroidismo congênito, fenilcetonúria e fibrose cística,
apesar das evidências ainda serem controversas para essa última doença.
As crianças com perdas auditivas têm maiores dificuldades para desenvolvimento das habilidades
de comunicações verbais e não verbais, assim como aumento de problemas comportamentais e
redução de bem-estar psicossocial, além de apresentarem menor nível de aprendizado quando
comparadas a crianças com audição normal.
59
Existe boa evidência de que o teste de rastreamento é altamente preciso e conduz à
identificação precoce e tratamento da perda auditiva nas crianças. O número necessário para
rastrear dentro de um programa universal é de 878 infantes para o diagnóstico de um caso.
Todos os infantes devem ser rastreados (teste da orelhinha) antes de completar o primeiro
mês de vida; idealmente na própria maternidade, antes da alta. Aqueles recém-nascidos cujo
teste for positivo por meio do rastreamento deveriam ser submetidos à avaliação médica e
fonoaudiológica antes dos três meses de idade para confirmação diagnóstica.
Como realizar?
Apesar das evidências ainda não estarem claras em relação aos testes mais adequados
e à periodicidade deles, o rastreamento de dificuldades visuais é recomendado, embora as
recomendações variem com relação a onde, como e quem. Na revisão sobre o tema, não foram
encontrados ensaios clínicos de rastreamento de problemas da visão realizados no consultório ou
60 outras formas de rastreamento comumente utilizadas. Um recente ensaio clínico feito no Reino
Unido avaliou um protocolo de rastreamento intensivo para problemas visuais com profissionais
optometristas. Isso resultou em menos ambliopia e melhor acuidade visual aos 7,5 anos no grupo
submetido ao rastreamento intensivo (NNT: ~100/ambliopia) (MOYER; BUTLER, 2004).
O rastreamento está indicado em menores de cinco anos. Orienta-se que nas visitas de rotina
da criança faça exame e avaliação da visão, de acordo com a idade, por meio da inspeção externa
do olho e das pálpebras, verificação da mobilidade ocular, pupilas, reflexo do olho vermelho,
este realizado com oftalmoscópio, avaliação de estrabismo por meio do teste de Hirschberg e do
teste de cobertura alternada e a avaliação da acuidade visual por meio do Snellen.
Em relação à acuidade visual, deve-se realizar o teste a partir dos três anos de idade, usando-se
tabela de figuras ou tabela do E. Já em relação ao estrabismo e ambliopia, o rastreamento pode
ter início desde a primeira consulta, com o teste de cobertura alternada ou o teste de Hirschberg.
Qualquer alteração nos exames de rastreamento visual implica avaliação com médico
oftalmologista para confirmação da alteração e, se necessário, seguimento do problema
detectado.
A divulgação de medidas preventivas pela mídia e pela própria saúde pública, a solicitação
frequente de exames pelos médicos e a crença no poderio da tecnologia médico-científica fazem
com que grande parte dos usuários do Sistema Único de Saúde e do restante da população
61
acredite que, quanto mais exames complementares e testes diagnósticos realizados, maior
a proteção. Isso é compreensível dado o aprendizado empírico ocorrido no contato com os
serviços médicos e com a mídia. Porém os profissionais de saúde precisam ter um conhecimento
técnico além do que é veiculado pela mídia sobre as novas tecnologias.
Quem trabalha na APS sabe que essa prática de desconstrução da ideia da realização de
exames diagnósticos periodicamente sem evidências científicas é muitas vezes árdua e pode
interferir de certa forma na relação profissional de saúde e paciente, mas é uma medida que
deve ser estimulada. Caso a prática de solicitação de exames desnecessários se perpetue, há
um gasto de esforços e de recursos, além de gerar uma impressão errônea de proteção para
a população. Com isso, todos os anos a população retornará demandando novamente tais
exames.
crianças de 12 a 18 meses tratadas para anemia por deficiência de ferro demonstrou melhora
significativa no escore de desenvolvimento de Bayley 6 quando comparado ao grupo controle
aos quatro meses do seguimento. Porém uma revisão da colaboração Cochrane publicada em
2001 encontrou sete ensaios clínicos de tratamento de crianças até a idade de três anos. A
revisão concluiu que existe falta de prova clara de que o tratamento da anemia por deficiência
de ferro tenha efeito benéfico sobre o desenvolvimento psicomotor (USPSTF).
62
A anemia em si não é considerada uma doença, mas sim uma consequência de uma doença
base, portanto, em muitos casos, faz-se necessária maior investigação, além da suplementação
de ferro simplesmente.
Assim, o foco da prevenção deve mudar e uma melhor comunicação com os pais deve ser
estabelecida para lidar com problemas de comportamento e da segurança das crianças e
adolescentes. Conhecer a família, o ambiente doméstico e a comunidade, fomentar sua melhoria
e torná-la mais segura para as crianças pode ter maior impacto positivo na saúde do que a
solicitação de exames.
6
Escala de desenvolvimento infantil, produzida a partir de testes padronizados, que permite concluir a respeito do
desenvolvimento de crianças. Sua utilização abrange as recém-nascidas até 30 meses de idade. Compreende três escalas:
1 – Mental: fornece o índice de desenvolvimento mental (IDM), que avalia funções cognitivas, tais como a linguagem e
a aquisição do pensamento abstrato; 2 – Psicomotora: fornece o índice de desenvolvimento psicomotor (IDP), que avalia
habilidades motoras grossas, tais como a coordenação, o equilíbrio e o andar; 3 – Comportamental: avalia a interação com
as pessoas, objetos, atitudes e interesses.
Na mulher que está entrando em fase do climatério, há tendência a pesquisar problemas por
meio dos exames mais variados: ultrassonografia transvaginal, dosagem hormonal (TSH, FSH,
LH, estradiol), perfil lipídico e glicemia. Não há evidência para a realização da maioria desses
exames. O que se percebe é um exagero no uso de ultrassonografia transvaginal em mulheres
assintomáticas nesse período, intervenção esta sem fundamento em evidências científicas de
boa qualidade. Não existe recomendação de rastreamento de câncer de ovário ou endométrio
com ultrassonografia transvaginal até o presente momento. Nessa fase da vida da mulher, o
foco deveria estar centrado nas mudanças que enfrentam e explorar com elas o significado e
simbologia desse período de suas vidas. Esse momento do ciclo vital costuma vir acompanhado
das crises de meia-idade, que podem apresentar os mais variados cenários: perda do sentido
da função materna ou do lar, saída de filhos de casa ou filhos adolescentes em processo de
transformação e questionamentos, revisão da relação conjugal e do papel da mulher. Também
está associado ao surgimento da função de cuidadora, pois seus pais ou sogros, devido à idade
avançada, viuvez ou adoecimento, necessitarão de apoio e, geralmente, a mulher assume esse
papel. Mais do que se restringir ao momento biológico – com o foco na doença –, deve-se acolher
as dúvidas e preocupações e juntos, equipe de saúde e paciente, buscarem alternativas para
resolução de problemas.
Outro exame bastante controverso é o uso da densitometria óssea para rastreio da osteoporose
e intervenção com medicamentos como cálcio e vitamina D, além dos bifosfonatos (alendronato
e risendronato). A Força-Tarefa Americana (USPSTF) recomenda o rastreamento rotineiro
para mulheres com idade igual ou superior a 65 anos para osteoporose. Recomenda também
o rastreamento rotineiro a partir da idade de 60 anos para aquelas com risco aumentado de
fratura devido à osteoporose (Grau de recomendação B). Porém nenhum estudo controlado
avaliou os efeitos do rastreamento sobre as fraturas e a mortalidade atribuída a elas. Uma
meta-análise de 11 ensaios aleatorizados envolvendo um total de 12.855 mulheres revelou que
o alendronato significativamente reduziu as fraturas vertebrais (RR, 0.52; IC 95% 0.43-0.65),
fraturas de antebraço (RR, 0.48; 0.29-0.78), fraturas de colo de fêmur (RR, 0.63; 0.43-0.92) e outras
fraturas não vertebrais (RR, 0.51; 0.38-0.69). Nenhum ensaio aleatorizado de tratamento para
osteoporose demonstrou impacto na mortalidade. Com relação à osteoporose, os benefícios são
maiores de ser tratada em mulheres de alto risco para fraturas do que naquelas com baixo risco,
como demonstrado no ensaio clínico The Fracture Intervention Trial (FIT). Esse ensaio evidenciou
que o tratamento irá produzir mais benefícios em mulheres com maior risco para fraturas, como
as mais idosas, com reduzidíssima densidade óssea ou que tenham fratura vertebral preexistente.
O FIT, assim como outros ensaios terapêuticos, utilizou pacientes altamente selecionados, o que
limita a generalização dos seus resultados para mulheres assintomáticas detectadas tipicamente
no cenário da atenção primária (USPSTF).
64 Não se sabe se as mulheres que tenham um risco global de fratura, mas diferentes densidades
ósseas, irão se beneficiar do tratamento. Essa incerteza é clinicamente importante devido à falta
de critérios aceitáveis para se iniciar o tratamento e, por isso, permanece sendo uma incógnita.
O Ministério da Saúde entende que, até que se tenham estudos mais fundamentados sobre
a mortalidade e os riscos associados à intervenção medicamentosa de longo prazo, não está
indicado o rastreamento universal da osteoporose em mulheres de qualquer idade.
Se observarmos no diagrama da linha do tempo, veremos que a partir dos 35 anos está indicado
o rastreamento de dislipidemia e verificação da pressão arterial (essa última para ambos os sexos),
fatores estes sabidamente associados à morte cardiovascular. O foco, então, da prevenção deve
se voltar para a mortalidade cardiovascular, e não a causada pelo câncer de próstata.
Uma pergunta que todo profissional da saúde pode fazer ao homem que demande por exame
de PSA ou rastreamento de próstata é verificar se ele sabe onde fica a próstata. Grande parte dos
homens não sabe onde ela se localiza. É didático esse diálogo de exploração da anatomia e das
relações entre a próstata e outros órgãos do assoalho pélvico. Eles não entendem o porquê do
toque retal e, com a ilustração, o homem percebe sua utilidade, caso o deseje fazer. É elucidativo
comparar o rastreamento de câncer de próstata com outra modalidade, por exemplo, o câncer
65
de mama. Ninguém pergunta a seu paciente onde fica a mama, pois é óbvia sua localização, mas
a próstata está “escondida”. Caso a mamografia seja positiva, a punção e biópsia não são tão
difíceis de conseguir, mas a próstata, devido à sua localização, gera mais desconforto e dor e tem
consequências raras, mas potenciais, tais como: espermato-hematúria, infecção, perfuração e
sépsis. Por outro lado, os riscos de complicação com o PAAF (punção aspirativa por agulha fina)
para a mama são praticamente nulos.
Exposto esse cenário e feita uma apropriada discussão com o paciente, cabe ele decidir ou não
pela intervenção e o profissional de saúde deve anotar no prontuário qual a decisão tomada.
Na área oncológica, o diagnóstico precoce é uma estratégia que possibilita terapias mais
simples e efetivas, ao contribuir para a redução do estágio de apresentação do câncer. Por essa
razão, o conceito de diagnóstico precoce é por vezes nomeado de down-staging (WHO, 2007,
67
p. 3). É importante que a população em geral e os profissionais de saúde reconheçam os sinais
de alerta dos cânceres mais comuns passíveis de melhor prognóstico se descobertos no início. O
Quadro 9.1 apresenta síntese dos principais sinais e sintomas de alguns dos mais prevalentes.
Quadro 9.1 – Sinais e sintomas associados com cânceres passíveis de diagnóstico precoce
Pele melanoma Lesão marrom em crescimento, com bordas irregulares ou áreas de coloração
irregular que podem coçar ou sangrar.
Outros cânceres Ceratose (lesão ou ferida na pele que não cura).
de pele
Bexiga Dor, ato de urinar frequente e difícil, sangue na urina.
Próstata Demora em iniciar e finalizar o ato urinário, frequente ato de urinar durante
a noite (nictúria).
Retinoblastoma Mancha branca na pupila, estrabismo convergente (na infância).
Testículo Aumento de um testículo (assimetria).
Quadro 9.2 – Recomendações para detecção precoce dos cânceres mais prevalentes
O Quadro 9.2 apresenta as recomendações da OMS de detecção precoce dos cânceres mais
prevalentes. Como se pode observar atualmente, a indicação para o rastreamento está restrita aos
cânceres de mama, colo do útero e cólon e reto. Entretanto, praticamente todos entre os listados,
exceto câncer de pulmão e esôfago, são passíveis de diagnóstico precoce mediante avaliação e
encaminhamento oportunos após os primeiros sinais e sintomas.
A detecção precoce pode salvar vidas, reduzir a morbidade associada ao curso da doença e diminuir
custos do sistema de saúde relacionados ao tratamento das doenças. Ela deve ser estruturada na
atenção à saúde, com a definição clara de suas estratégias e a efetiva incorporação de seus princípios
técnicos e operacionais pelos profissionais de saúde.
Recomendação:
A incidência e a mortalidade pelo câncer do colo do útero podem ser reduzidas por meio de
programas organizados de rastreamento. A redução expressiva observada na morbimortalidade
em países desenvolvidos é atribuída aos programas de rastreamento de base populacional
implantados, a partir de 1950 e 1960 (WHO, 2008).
Qual o intervalo?
No caso de amostras insatisfatórias, o exame deve ser repetido. As mulheres com resultados de
Papanicolau negativo e amostras sem a representatividade de célula colunar (do canal cervical) devem
ser avaliadas clinicamente com vistas à necessidade de nova coleta. Para mais informações, consultar o
Caderno de Atenção Básica, número 13 – Controle dos cânceres do colo do útero e de mama.
continuação
Grau de
Resultados Conduta
suspeição
Lesão intra-epitelial de baixo grau Menor Repetição da citologia em seis meses
Atipias Lesão intra-epitelial de alto grau Maior Encaminhamento para colposcopia
em células Lesão intra-epitelial de alto grau,
Maior Encaminhamento para colposcopia
escamosas não podendo excluir microinvação
Carcinoma epidermóide invasor Maior Encaminhamento para colposcopia 71
Atipias Adenocarcinoma in situ Maior Encaminhamento para colposcopia
em células
glandulares Adenocarcinoma invasor Maior Encaminhamento para colposcopia
Fonte: DARAO/INCA
Recomendação
Recomenda-se o rastreamento de câncer de mama bianual por meio de mamografia para
mulheres entre 50 e 74 anos. Grau de recomendação B.
serem identificadas e tratadas independentemente da certeza sobre a evolução. Para cada 2.000
mulheres convidadas para o rastreamento durante 10 anos, uma morte evitada e 10 mulheres
tratadas desnecessariamente (Screening for Breast Cancer with Mammography – Review – The
Cochrane Collaboration, Gozstche e Nielsen, 2006).
O risco de câncer de mama aumenta com a idade e o rastreamento populacional para essa
doença deve ter como alvo as mulheres na faixa etária de maior risco.
Recentemente, a USPSTF fez novas recomendações que ainda não foram totalmente
incorporadas nas recomendações do INCA (2004).
Vale ressaltar que, em contextos em que a mamografia não é de acesso universal para o
rastreamento, o ECM passa a ser alternativa importante para a detecção substancial de casos de
câncer de mama. (USPSTF).
Já o ensino sistematizado do autoexame não reduz a mortalidade por câncer de mama, porém
orientar a mulher a estar atenta à saúde da mama ajuda no diagnostico precoce. Desse modo,
aquela que apresentar queixas relacionadas às mamas dever ser prontamente acolhida para
realização do ECM (USPSTF).
É recomendável que o resultado do exame clínico seja descrito seguindo as etapas de inspeção
visual, palpação das axilas e regiões supraclaviculares e tecido mamário. É considerado exame
normal ou negativo quando nenhuma anormalidade for identificada e anormal quando achados
assimétricos demandarem investigação especializada. As alterações podem ser desde alterações
na cor da pele da mama até massas, nódulos, retração da pele da mama e/ou do mamilo, feridas
e descarga papilar espontânea. A descarga papilar espontânea deve sempre ser investigada
(BRASIL, 2006). Quando o exame clínico das mamas é normal, a mulher deve ser orientada para
seguir a rotina do rastreamento. Quando detectadas anormalidades, é necessária a investigação
diagnóstica com exames complementares, tais como mamografia, ultrassonografia, punções e
biópsias e, eventualmente, encaminhamento para especialista focal.
Em relação à mamografia, para cada resultado de categoria BI-RADS®, é prevista uma conduta,
desde o retorno à rotina do rastreamento até o encaminhamento para investigação diagnóstica
e/ou tratamento em unidades de referência.
Recomendação
74
Por que não rastrear?
O câncer de próstata é a segunda causa mais comum de morte por câncer entre os homens no
Brasil, representando aproximadamente 1% dos óbitos masculinos, com uma taxa anual de 12 óbitos
por 100.000 homens. Esse câncer é raro antes dos 50 anos e a incidência aumenta com a idade.
A história natural do câncer da próstata não é compreendida na sua totalidade. Essa não
é uma doença única, mas um espectro de doenças, variando desde tumores muito agressivos
àqueles de crescimento lento que podem não causar sintomas ou a morte. Muitos homens com
a doença menos agressiva tendem a morrer com o câncer em vez de morrer do câncer, mas nem
sempre é possível dizer, no momento do diagnóstico, quais tumores são agressivos e quais são de
crescimento lento (SCHWARTZ, 2005; USPSTF, 2008).
Recentemente, há bastante interesse da mídia sobre essa doença, assim como um grande
apelo para a introdução de um programa nacional para rastreamento de câncer de próstata.
Entretanto, há muitas incertezas em torno do teste do antígeno prostático específico (PSA, na
sigla em inglês), do diagnóstico e do tratamento do câncer de próstata detectado em homens
assintomáticos. Atualmente, não há evidências concretas de que os benefícios de um programa
de rastreamento para esse câncer seriam maiores do que os prejuízos (ILIC, 2007).
O teste de PSA pode identificar o câncer de próstata localizado. Porém existem limitações
que dificultam a sua utilização como marcador desse câncer (WATSON, 2002). Suas principais
limitações são:
• O PSA é tecido-específico, mas não tumor-específico. Logo, outras condições como o aumento
benigno da próstata, prostatite e infecções do trato urinário inferior podem elevar o nível de PSA.
Cerca de 2/3 dos homens com PSA elevado NÃO têm câncer de próstata detectado na biópsia;
• Até 20% de todos os homens com câncer de próstata clinicamente significativo têm PSA normal;
• O valor preditivo positivo desse teste está em torno de 33%, o que significa que 67% dos
homens com PSA positivo serão submetidos desnecessariamente à biópsia para confirmação
do diagnóstico;
• O teste de PSA leva à identificação de cânceres de próstata que não teriam se tornado
clinicamente evidentes durante a vida do paciente. O teste de PSA não vai, por si só, distinguir
entre tumores agressivos que estejam em fase inicial (e que se desenvolverão rapidamente) e
aqueles que não são agressivos.
(rastreamento) leva ao excesso de diagnósticos de câncer de próstata nos grupos rastreados. Elas
também destacam que, além de não abordarem questões importantes como a qualidade de vida
e o custo, os estudos também não conseguiram demonstrar impacto na mortalidade por câncer
da próstata no grupo rastreado (SCHERSTEN, 1999; ILIC, 2007; USPSTF, 2008).
Recomendação
É importante rastrear?
As evidências científicas até o momento apontam para o início do rastreamento para o câncer
de intestino com pesquisa de sangue oculto nas fezes a partir dos 50 anos – idade esta onde a
mortalidade para esse câncer torna-se expressiva. Quanto ao intervalo ideal de rastreamento, as
evidências mostram que tanto o anual quanto o bienal levam a uma redução semelhante na taxa
de mortalidade por câncer de intestino.
Apesar das evidências, poucos países no mundo contam com programas nacionais de
rastreamento populacional para o câncer de cólon e reto. O protocolo de rastreamento para o
câncer do intestino mais utilizado por esses poucos é a realização inicial da pesquisa de sangue
oculto nas fezes, seguida pela colonoscopia naqueles com resultado positivo.
Recomendação
Segundo a Agência Internacional de Pesquisa de Câncer (IARC, 2008), até o momento não
existem estudos que apontem qualquer evidência de que o rastreamento ou o aconselhamento
para a prevenção do câncer de pele sejam efetivos na redução da morbidade ou mortalidade
por esse tipo de câncer. A inefetividade do rastreamento de melanomas relaciona-se a algumas
particularidades:
• O melanoma nodular (em torno de 10% dos casos) é um câncer agressivo e de rápido crescimento
e o rastreamento, muito provavelmente, não é capaz de detectá-lo em uma fase curável;
• Alguns melanomas detectados pelo rastreamento consistirão de tumores indolentes que,
provavelmente, não representam ameaça à vida do indivíduo;
Diagnóstico precoce
Esses tipos de cânceres são mais comuns em adultos, aumentando a frequência com a idade. Os
principais fatores de risco são: exposição excessiva ao sol e sensibilidade da pele ao sol (queimadura
pelo sol e não bronzeamento). Para os melanomas, acrescentam-se nevo congênito (pinta escura),
xeroderma pigmentoso (doença congênita que se caracteriza pela intolerância total da pele ao sol,
com queimaduras externas, lesões crônicas e tumores múltiplos), nevo displásico (lesões escuras da
pele com alterações celulares pré-cancerosas) e história pessoal ou familiar da doença.
O prognóstico dos melanomas pode ser considerado bom se detectado nos estádios iniciais. Nos
países desenvolvidos, a sobrevida média em cinco anos é de 73% e, nos menos desenvolvidos, de 56%.
Como a pele é um órgão de fácil acesso visual, é importante que a população seja orientada
a ficar atenta aos sinais de alerta. Da mesma forma, os profissionais de saúde não devem perder
a oportunidade da realização do diagnóstico precoce do câncer de pele mediante a detecção de
sinais e sintomas, tais como:
Vale lembrar que essas estratégias de diagnóstico precoce devem fazer parte da rotina das
equipes de Saúde da Família. Além disso, precisam, necessariamente, estar associadas ao acesso
facilitado aos serviços de saúde para que as lesões identificadas possam ter o diagnóstico realizado
com garantia de tratamento adequado e oportuno para os casos necessários.
Recomendação
Diagnóstico precoce
O câncer de boca, aqui incluídas as patologias malignas do lábio, língua, gengiva, assoalho
da boca, palato, glândulas salivares, amígdala e orofaringe (CID 10 – C00 a C10), apesar de
estar entre as dez topografias primárias mais incidentes, não figura entre as principais causas de
mortes por neoplasias. O câncer de boca é mais frequente em indivíduos do sexo masculino e na
faixa etária acima dos 50 anos.
Apesar do fato das lesões ocasionadas pelo câncer de boca ser facilmente visualizadas e
acessíveis a procedimentos diagnósticos, a maioria dos casos somente é diagnosticada em
estádios tardios de evolução, aumentando a morbimortalidade. Dessa forma, é imperativo
que os profissionais de saúde conheçam os sinais iniciais, que, em geral, são inespecíficos e
frequentemente se confundem com algumas condições benignas.
O tabagismo é o principal fator de risco para o câncer de boca. O uso excessivo de álcool tem
efeito sinérgico para aumentar o risco desse câncer.
Vale lembrar que a cavidade oral apresenta alta sensibilidade e, portanto, uma lesão pode ser
facilmente percebida por um indivíduo orientado para sinais de alerta: feridas que não cicatrizam
nos lábios e na boca, manchas brancas ou avermelhadas nas gengivas, língua ou mucosa oral,
tumorações ou endurações (caroços) na região da boca ou pescoço.
Da mesma forma, os profissionais de saúde devem conhecer e valorizar a presença desses sinais
80 para, independentemente de ter sido um achado clínico ou uma queixa do paciente, conduzir
adequada e oportunamente os procedimentos diagnósticos necessários e encaminhar os casos
positivos para tratamento especializado.
Os pacientes devem ser encorajados a não fazer uso de tabaco e de álcool com o objetivo de
diminuir o risco para o câncer de boca, assim como para doenças do coração, acidente vascular
cerebral e cirrose.
Recomendações
III
ADULTOS
Tipo de rastreamento Observação Grau de recomendação
Dislipidemia em homens > 35 anos A
Dislipidemia em homens de 20 a Pacientes com alto risco B
35 anos cardiovascular
Dislipidemia em mulheres entre Pacientes com alto risco B
20 e 45 anos cardiovascular
Dislipidemia em mulheres > 45 Pacientes com alto risco A
anos cardiovascular
HAS > 18 anos Homens e mulheres A
DM tipo II Se PA sustentada 135 x 90 mmhg B
Tabagismo Todos os adultos, incluindo gestantes A
Uso de álcool Rastreio e intervenção, todos os B
adultos, incluindo gestantes
Obesidade Adultos B
CRIANÇAS
Tipo de rastreamento Observação Grau de recomendação
Anemia falciforme nos recém-nascidos “Teste do pezinho” A
Hipotiroidismo congênito nos recém-nascidos “Teste do pezinho” A
Fenilcetonúria nos recém-nascidos “Teste do pezinho” A
Perda auditiva “Teste da orelhinha” B
Ambliopia, estrabismo e acuidade visual Durante a puericultura B
RASTREAMENTO DE CÂNCER
Tipo de rastreamento Observação Grau de recomendação
Colo de útero Mulheres sexualmente ativas A
Mama Entre 50 e 74 anos, bianual B
Câncer de colo e reto Pesquisa de sangue oculto nas fezes entre 50 e A
75 anos
Conclusão
IV
Como reportado ao longo do texto, o princípio hipocrático de primun non nocere, ou seja,
primeiro não causar danos deve ser o balizador na decisão de se adotar ou não uma medida 87
preventiva. Adotar medidas que não têm base científica para sua implantação pode causar danos,
entretanto, deixar de aplicar aquelas que têm comprovação pelos estudos também pode causar
danos. Desse modo, quanto mais informado estiver o cidadão sobre as questões que envolvem
qualquer medida preventiva, melhor será seu entendimento e adesão aos programas preventivos
e, em particular, ao programa de rastreamento.
Não basta uma condição ou doença ter alta incidência ou prevalência em uma
população para se justificarem medidas de rastreamento ou detecção precoce. Há uma
série de critérios abordados neste manual que devem ser levados em consideração.
Sabe-se que os avanços tecnológicos na biomedicina ocorrem com extrema velocidade e que
os serviços em todo o mundo não conseguem acompanhá-los. A União Europeia e o Canadá, por
exemplo, somente agora começam a desenvolver programas piloto de rastreamento de câncer de
cólon e reto. Apesar das evidências científicas de sua recomendação e da tecnologia disponível
para tal procedimento, já se encontrarem disponíveis há mais de 10 anos. Mesmo para essa
doença – com taxa de mortalidade maior que o câncer de mama nesses países – e que atinge
igualmente homens e mulheres, constituindo-se, assim, em um importante problema de saúde
pública, o rastreamento não foi adotado como medida preventiva na APS. A responsabilidade de
implantação de um programa da envergadura que é o rastreamento de câncer de cólon e reto
exige enorme logística que somente agora esses países – com experiência acumulada com outros
programas organizados e bem-sucedidos de rastreamento populacional – começam a avançar e
ampliar suas ações preventivas, nesse caso, incluindo o câncer de cólon e reto.
É importante frisar que os programas de rastreamento não são a parte mais importante
na linha de cuidados gerais e integrais que o sistema de saúde deve oferecer as pessoas.
A iniquidade em saúde no Brasil é uma realidade e deve ser considerada antes de qualquer
medida de rastreamento. Também os problemas de saúde mais prevalentes e significativos de cada
Estado e município do Brasil devem ser levados em conta na sua diversidade para o estabelecimento
das prioridades e políticas em saúde, visto que um problema de saúde considerado prevalente
e relevante em um Estado pode não ser em outro e, desse modo, a construção de programas de
rastreamento deve reconhecer as diversidades, as prioridades e necessidades locais e regionais.
88
Consideradas essas múltiplas realidades sociais, epidemiológicas e de gestão do SUS, tanto
dos serviços centrais (secretarias estaduais e municipais de saúde) como dos serviços-fins,
particularmente a APS, foi apresentado neste caderno um guia para orientar a adoção ou não
de medidas de rastreamento baseado nas melhores evidências atualmente disponíveis e nos
conhecimentos e princípios éticos e teóricos amplamente reconhecidos sobre medidas preventivas
e de rastreamento.
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91
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ISBN 978-85-334-1729-8
CADERNOS
ATENÇÃO PRIMÁRIA
9 788533 417298
1ª edição
29
1ª reimpressão
Brasília – DF
2013