Sentença

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Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo

PJe - Processo Judicial Eletrônico

11/04/2024

Número: 0014749-20.2020.8.08.0035
Classe: REINTEGRAÇÃO / MANUTENÇÃO DE POSSE
Órgão julgador: Vila Velha - Comarca da Capital - 6ª Vara Cível
Última distribuição : 31/03/2023
Valor da causa: R$ 15.000,00
Processo referência: 00147492020208080035
Assuntos: Esbulho / Turbação / Ameaça, Indenização por Dano Material
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? SIM
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? NÃO
Partes Procurador/Terceiro vinculado
THAYSAN SANDES NASCIMENTO (REQUERENTE) PAULO ROBERTO DA CRUZ COSTA (ADVOGADO)
MAICON FERNANDES FERREIRA (ADVOGADO)
LILIANE APARECIDA SANTOS (ADVOGADO)
WAGNER DE JESUS CAETANO (ADVOGADO)
EDNALDO SILVA DO NASCIMENTO (REQUERIDO) ROBSON FERREIRA (ADVOGADO)
MARIA DA CRUZ ELOI DE SOUZA (REQUERIDO) ROBSON FERREIRA (ADVOGADO)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
41057 10/04/2024 08:18 Sentença Sentença
685
Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo

6ª Vara Cível de Vila Velha – Comarca da Capital

Autos n.º 0014749-20.2020.8.08.0035

Procedimento cível em fase de conhecimento

Requerente: Thaysan Sandes Nascimento

Requerido: Ednaldo Silva do Nascimento

Requerido: Maria da Cruz Eloi de Souza

Sentença

Trata-se de ação possessória recebida segundo o procedimento especial do art.


560 e seguintes do CPC.

Alegou-se na petição inicial, em apertada síntese, os seguintes fatos: QUE em


2009 a requerente adquiriu um imóvel através de contrato de compra e venda do Sr. Salustiano
Severino Garcia; QUE o imóvel é situado na Rua Iriri, n.º 58, bairro Riviera da Barra, Vila Velha;
QUE em 2010 ao iniciar edificação no imóvel o requerente foi surpreendido pela Imobiliária
Riviera que possuía procuração no nome de Elenice da Silva, proprietária conforme matrícula de
n.º 45.699; QUE diante desse empecilho o requerente comprou também o imóvel desta; QUE
essa compra se deu por escritura pública em 19/01/2010; QUE o requerente cedeu, por meio de
comodato verbal, um dos imóveis existentes em seu terreno para seu tio, ora requerido, a pedido
do seu pai; QUE esse comodato se deu entre o interregno de 2013-2014; QUE o requerido
começou a abrigar no referido bem a segunda requerida e terceiros; QUE em 17/10/2018 o
requerido realizou a instalação de gato de energia no imóvel; QUE a parte requerida instalou
câmeras de segurança aos arredores do terreno do requerente sem a sua autorização; QUE o
requerente labora realizando longas viagens e sempre que retorna é surpreendido por algum
ilícito praticado pelo requerido; QUE o requerido passou a ameaçar o requerente e sua família;
QUE o requerido se intitula como proprietário do imóvel; QUE em 20/08/2020 o requerente
notificou o requerido para que desocupasse o imóvel; QUE o requerido se recusou a desocupar o
bem.

Pede-se liminarmente a reintegração de posse, a condenação dos requeridos ao


pagamento de aluguéis no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) a contar da notificação até que o
requerente seja reintegrado na posse do imóvel e ao final a confirmação da tutela de urgência.

Decisão proferida às fls. 167-71, no sentido de deferir a liminar pretendida.

Citação realizada, de forma pessoal, conforme fls. 175 e 178.

Agravo de instrumento às fls. 183-220 com pedido de tutela recursal para sustar a
ordem de desocupação do imóvel.

Acórdão às fls. 222-24, recepcionou o recurso em seu duplo efeito e determinou a


suspensão da ordem de desocupação do imóvel, bem como, a posse dos requeridos foi deferida

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conforme acórdão de fls. 275-82.

A parte requerida juntou contestação às fls. 227-71, apresentando, em resumo as


seguintes alegações: QUE não se sustenta a pretensão inicial nos moldes em que fora proposta;
QUE desde 2009 a parte requerida é possuidora dos imóveis construídos nos fundos dos lotes de
terreno sob o n.º 20 (vinte) da quadra 1 (um), com área de 300,00 m² (trezentos metros
quadrados); QUE o imóvel é situado no loteamento denominado Riviera da Barra,em Vila Velha;
QUE os lotes foram inicialmente adquiridos pelo seu irmão, pai do requerente; QUE o requerido
ficou responsável pela construção de edificação; QUE como pagamento da edificação o requerido
recebeu os imóveis construídos nos fundos do terreno; QUE os imóveis da frente foram
destinados ao pai do requerente; QUE os imóveis da frente ficaram desocupados por anos; QUE
em meados de 2017 o requerente passou a residir nos imóveis da frente; QUE em 2018 o
proprietário e pai do requerente veio a falecer; QUE o requerente exigiu o arrolamento do imóvel
dos requeridos no inventário de seu pai; QUE portanto a parte do imóvel que cabe ao requerente
foi adquirido pelo requerente por força de herança, não por compra e venda; QUE quando da
partilha ficou estipulado que a fração do imóvel que corresponde ao requerente é de 50%
(cinquenta por cento); QUE a parte requerida não detém posse clandestino e injusta mas sim
posse de boa fé, mansa e pacífica desde 2009.

Pede-se liminarmente a manutenção de posse em favor dos requeridos e o


ressarcimento das benfeitorias realizadas no imóvel em sendo os pedidos iniciais julgados
procedentes.

A parte requerida requer tutela de urgência incidental para a desobstrução de


servidão de passagem do imóvel, conforme fls. 284-306. Indeferido por decisão de fls. 307-8, e
agravado conforme petição às fls. 353-84.

Houve réplica oportunamente apresentada às fls. 317-48.

Acórdão de fls. 388-89 recebeu o recurso em seu duplo efeito e determinou que o
agravado se abstenha de impedir o acesso da residência dos agravantes à via pública, retirando
o veículo da área de passagem, sob pena de multa.

Ratificado por acórdão de id n.º 27295467.

Audiência de saneamento realizada a fls. 421-3.

Deflagrada a fase probatória, a instrução consistiu em prova oral.

Audiência de instrução realizada a fls. 447-8, oportunidade em que as partes


prestaram depoimento e foram inquiridas as testemunhas.

Encerrada a instrução, as alegações finais foram substituídas por memoriais,


apresentados pela parte autora às fls. 464-74 e pela requerida às fls. 450-63.

Autos conclusos para julgamento. É o breve relatório. Decido.

O julgamento da lide importa, inicialmente, na análise sobre a existência de posse


ad interdicta exercida pela parte requerente e, posteriormente, na detecção de atos da parte

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requerida que consistam em esbulho ou turbação.

Nos termos do art. 560 do CPC, o possuidor tem direito a ser mantido na posse
em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho e, conforme disciplina do art. 1.196 do
Código Civil, considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de
algum dos poderes inerentes à propriedade.

Refletindo sobre os argumentos de uma e outra parte, bem como confrontando-os


com as provas produzidas, entendo por bem concluir que assiste razão ao requerente.

A análise de todo o contexto probatório revela que a relação dos réus com o
imóvel objeto da lide é de mero comodato, sem uma aquisição legítima que autorize o
afastamento daquele cujo imóvel pertence.

Portanto, não existe nos autos nenhum elemento de convicção que sugira
minimamente a aquisição de posse pelos requeridos – no máximo uma mera detenção.

Portanto, aplica-se no caso concreto o disposto nos arts. 1208 do Código Civil:

«Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância


assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou
clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade
(CC, art. 1208)»

Por esses motivos, considero que a parte autora nunca perdeu a posse sobre o
imóvel objeto da lide, sendo irrelevante o tempo em que os réus residam na parte dos fundos do
imóvel e, mormente quando a convivência tornou-se insuportável para o proprietário.

De fato, existe prova de que os réus residam há muitos anos na parte dos fundos
do imóvel, mas, não há nenhuma prova de algo além de um mero comodato.

Registre-se que não é o autor quem tem que provar o comodato.

O empréstimo é sempre presumível.

São os réus quem devem provar que não houve comodato, do contrário ocorreria
uma DOAÇÃO PRESUMIDA, sem elementos mínimos probatórios a justificar esta tese.

Primeiro, porque o ordinário se presume, enquanto que o extraordinário é que


exige prova.

Segundo, porque não existe doação verbal de imóvel (CC, art. 541).

Terceiro, a prevalecer a tese dos réus, um mero comodato equivaleria à própria


transferência de propriedade, o que não me parece correto, já que todo e qualquer ato de
disposição definitiva e irretratável de direitos deve ser interpretado RESTRITIVAMENTE.

Ou seja, o titular do domínio não pode ser penalizado por dar amparo a parente
desabrigado deixando-o residir com sua família e ter como resultado de sua boa ação o
perdimento do próprio imóvel.

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Considero, portanto, que a posse exercida parte requerida é injusta, por vício
de precariedade, na medida em que foi autorizada a residir no imóvel objeto da ação por
determinado período de tempo e para um objetivo específico – moradia não permanente e, nesta
ocasião, recusa-se em desocupar e devolver o imóvel ao legítimo dono.

Parece-me, então, que a natureza jurídica da permanência da parte requerida


seja de comodato e, nessa condição, deve desocupar o imóvel quando tão logo determinado pelo
legítimo possuidor, pelo simples exercício de direito potestativo.

A prova oral não foi categórica em confirmar a doação sugerida pelos réus, mas,
sim uma mera permissão de utilização.

Assim, considerando-se a completa ausência de prova inequívoca – documental


e/ou oral – que revele [1] a doação do bem ou [2] a transmissão definitiva e irretratável da posse;
entendo que o autor deva ser reintegrado na posse plena sobre a totalidade do imóvel objeto da
lide, na medida em que os requeridos não demonstraram nenhum elemento ou fato que
justificasse o legítimo exercício de qualquer poder sobre o imóvel objeto da ação em
contrariedade ao legítimo dono.

Desse modo, o exercício da posse pela parte autora, autoriza o manejo da


presente medida possessória, bem como sua concessão definitiva.

Como resultado deste reconhecimento, ao requerente assiste o direito de obter


indenização pela utilização indevida do imóvel pelos requeridos no transcurso da lide.

O valor estimado do aluguel em R$ 1.000,00 (um mil reais), a título de perdas e


danos, não foi controvertido, razão pela qual considero-o como correto.

Sendo assim, e em face das razões expostas ao julgar o processo, com


resolução de mérito, nos moldes do art. 487, inc. I, do CPC, ACOLHO os pedidos iniciais, no que
para tanto:

[1] Em relação ao imóvel objeto da lide, lote registrado sob a matrícula n.º 45.699,
concedo a proteção possessória à parte requerente, no sentido de reintegrá-la na posse plena do
imóvel objeto desta ação, indevidamente ocupado pela parte requerida.

[2] Condeno os requeridos ao pagamento de indenização a título de aluguel


mensal (perdas e danos), correspondente a R$ 1.000,00 (um mil reais) por mês, contados a partir
do comparecimento espontâneo em novembro de 2020 (fls. 92-9).

[3] Como reflexo do reconhecimento de comodato, não se admitirá alegação de


embargos de retenção por benfeitoria, nem acessão.

O mandado de reintegração devera ser expedido somente após o trânsito em


julgado, em razão de recurso de agravo que suspendeu a eficácia da medida possessória
concedida liminarmente.

Publicação e registro com o lançamento da assinatura eletrônica.

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Intimem-se.

Providências de encerramento posteriores ao trânsito em julgado, direcionadas


ao arquivamento do feito: [a] cumpram-se os artigos 423 e 296 do CNCGJ, de modo a se
promover a respectiva intimação da parte sucumbente para recolhimento das custas
remanescentes, sob pena de comunicação ao órgão fiscal de controle – caso não esteja
amparada pela gratuidade; [b] em caso de acessoriedade da presente ação, promova-se a
extração de cópias e juntada nos autos da ação referência; [c] ao final, inexistindo pendências ou
manifestação de qualquer interessado, arquivem-se os autos.

Vila Velha–ES, data da assinatura eletrônica.

Manoel Cruz Doval

Juiz de Direito

gab/mcd/

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