d07 Psicologia Do Desenvolvimento
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2 Psicologia do Desenvolvimento
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Programa de Formação de Professores
em Exercício, para a Educação Infantil, para
as Séries Iniciais do Ensino Fundamental
e para a Gestão Educacional
Psicologia do Desenvolvimento
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Pró-Reitoria de Graduação
Rua Quirino de Andrade, 215 - CEP 01049-010 - São Paulo – SP
Tel. (11) 5627.0245
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SUMÁRIO
2. Comportamento de bebês em situações de separação e reencontro com os pais, na rotina diária da creche
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Para Piaget o conhecimento é fruto das trocas entre o organismo e o meio. Essas trocas são
responsáveis pela construção da própria capacidade de conhecer. Produzem estruturas mentais
que, sendo orgânicas não estão, entretanto, programadas no genoma, mas aparecem como
resultado das solicitações do meio ao organismo.
A alteração organismo-meio ocorre através do que Piaget chama processo de adaptação,
com seus dois aspectos complementares: a assimilação e a acomodação. O conceito de adaptação
surge, inicialmente, na obra de Piaget com o sentido que lhe é dado na Biologia clássica, lembrando
um fluxo irreversível; vai se explicitando em momentos posteriores de sua obra, quando adquire
o sentido de equilíbrio progressivo (equilíbrio majorante); finalmente, adquire o sentido de um
processo dialético através do qual o indivíduo desenvolve as suas funções mentais, ao qual
denomina abstração reflexiva. Esta adaptação do ser humano ao meio ambiente se realiza através
da ação, elemento central da teoria piagetiana, indicando o centro do processo que transforma a
relação com o objeto em conhecimento.
Ao tentar se adaptar ao meio ambiente o indivíduo utiliza dois processos fundamentais que
compõem o sistema cognitivo a nível de seu funcionamento: a assimilação ou a incorporação de
um elemento exterior (objeto, acontecimento etc.), num esquema sensório-motor ou conceitual do
sujeito e a acomodação, quer dizer, a necessidade em que a assimilação se encontra de considerar
as particularidades próprias dos elementos a assimilar. No sistema cognitivo do sujeito esses
processos estão normalmente em equilíbrio. A perturbação desse equilíbrio gera um conflito ou
uma lacuna diante do objeto ou evento, o que dispara mecanismos de equilibração. A partir de
tais perturbações produzem-se construções compensatórias que buscam novo equilíbrio, melhor
do que o anterior. Nas sucessivas desequilibrações e reequilibrações o conhecimento exógeno
é complementado pelas construções endógenas, que são incorporadas ao sistema cognitivo do
sujeito. Nesse processo, que Piaget denomina processo de equilibração, se constroem as estruturas
cognitivas que o sujeito emprega na compreensão dos objetos, fatos e acontecimentos, levando ao
progresso na construção do conhecimento.
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Para que se possa falar em estádio nos termos propostos por Piaget, é necessário, em
primeiro lugar, que a ordem das aquisições seja constante. Trata-se de uma ordem sucessiva e
não apenas cronológica, que depende da experiência do sujeito e não apenas de sua maturação
ou do meio social. Além desse critério, Piaget propõe outras exigências básicas para caracterizar
estádios no desenvolvimento cognitivo:
1. todo estágio tem de ser integrador, ou seja, as estruturas elaboradas em determinada
etapa devem tornar-se parte integrante das estruturas das etapas seguintes;
2. um estádio corresponde a uma estrutura de conjunto que se caracteriza por suas leis de
totalidade e não pela justaposição de propriedades estranhas umas às outras;
3. um estádio compreende, ao mesmo tempo, um nível de preparação e um nível de
acabamento;
4. é preciso distinguir, em uma sequência de estádios, o processo de formação ou génese
e as formas de equilíbrio final.
Com estes critérios Piaget distinguiu quatro grandes períodos no desenvolvimento
das estruturas cognitivas, intimamente relacionados ao desenvolvimento da afetividade e da
socialização da criança: estádio da inteligência sensório-motora (até, aproximadamente, os dois [2]
anos); estádio da inteligência simbólica ou pré-operatória (dois [2] a sete-oito [7-8] anos); estádio
da inteligência operatória concreta (sete-oito [7-8] a 11-12 anos); e estádio da inteligência formal (a
partir, aproximadamente, dos 12 anos).
O desenvolvimento por estádios sucessivos realiza em cada um desses estádios um patamar
de equilíbrio constituindo-se em degraus em direção ao equilíbrio final: assim que o equilíbrio é
atingido num ponto a estrutura é integrada em novo equilíbrio em formação. Os diversos estádios
ou etapas surgem, portanto, como consequência das sucessivas equilibrações de um processo
que se desenvolve no decorrer do desenvolvimento. Seguem o itinerário equivalente a um creodo
(sequência necessária de desenvolvimento) e supõem uma duração adequada para a construção
das competências cognitivas que os caracterizam, sendo que cada estádio resulta necessariamente
do anterior e prepara a integração do seguinte. O creodo é, então, o caminho a ser percorrido na
construção da inteligência humana, que vai do período sensório-motor (0-2 anos) aos Períodos
simbólico ou pré-operatório (2-7 anos), lógico-concreto (7-12 anos) e formal (12 anos em diante). É
preciso esclarecer que os estádios indicam as possibilidades do ser humano (sujeito
epistêmico), não dizendo respeito aos indivíduos (sujeitos psicológicos) em si mesmos. A
concretização ou realização dessas possibilidades dependerá do meio no qual a criança se
desenvolve, uma vez que a capacidade de conhecer é resultado das trocas do organismo com o
meio. Da mesma forma, essa capacidade de conhecer depende, também, da organização afetiva,
uma vez que a afetividade e a cognição estão sempre presentes em toda a adaptação humana.
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No decurso do segundo mês surgem duas novas condutas típicas do início desse período: a
protusão (protrusão) da língua e a sucção do polegar, que caracterizam a reação circular primária
na qual o resultado interessante descoberto por acaso é conservado por repetição. A reação circular
primária refere-se a procedimentos aplicados ao próprio corpo da criança.
Esta é a fase em que as ações ou operações de deslocamento da criança são realizadas
mediante grupos práticos, através da coordenação motora, sem dar origem ainda à representação
mental. A ação é que cria o espaço, a criança não tem consciência dele. Os espaços criados pela
ação – oral, visual, tátil, postural, auditiva etc. – ainda não são coordenados entre si, portanto, são
heterogêneos. A criança parece considerar o mundo como um conjunto de quadros que aparecem
e desaparecem. O tempo é simples duração sentida no decorrer da ação própria.
Neste subestádio das primeiras adaptações adquiridas as condutas observadas ainda não
são inteligentes no seu verdadeiro sentido. Elas fazem a transição entre o orgânico e o intelectual,
preparando a inteligência.
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novo plano da representação. Tal reconstrução estende-se dos dois aos doze anos, abrangendo os
estádios pré-operatório e operatório concreto.
A primeira etapa dessa reconstrução, que Piaget denomina período pré-operatório, é
dominada pela representação simbólica. A criança não pensa, no sentido estrito desse termo, mas
ela vê mentalmente o que evoca. O mundo para ela não se organiza em categorias lógicas gerais,
mas distribui-se em elementos particulares, individuais, em relação com sua experiência pessoal.
O egocentrismo intelectual é a principal forma assumida pelo pensamento da criança neste estádio.
Seu raciocínio procede por analogias, por transdução, uma vez que lhe falta a generalidade de um
verdadeiro raciocínio lógico.
O advento da capacidade de representação vai possibilitar o desenvolvimento da função
simbólica, principal aquisição deste período, que assume as suas diferentes formas – a linguagem,
a imitação diferida, a imagem mental, o desenho, o jogo simbólico – compreendidas como diferentes
meios de expressão daquela função.
Para Piaget a passagem da inteligência sensório-motora para a inteligência representativa
se realiza pela imitação. Imitar, no sentido estrito, significa reproduzir um modelo. Já presente no
estádio sensório-motor, a imitação só vai se interiorizar no sexto subestádio, quando a criança pode
praticar o faz-de-conta, agir como se, por imitação deferida ou imitação interiorizada. Interiorizando-
se a imitação, as imagens elaboram-se e tornam-se substitutos dos objetos dados à percepção.
O significante é, então, dissociado do significado, tornando possível a elaboração do pensamento
representativo.
A inteligência tem acesso, então, ao nível da representação, pela interiorização da imitação
(que, por sua vez, é favorecida pela instalação da função simbólica). A criança tem acesso, dessa
forma, à linguagem e ao pensamento. Ela pode elaborar, igualmente, imagens que lhe permitem,
de certa forma, transportar o mundo para a sua cabeça.
Entre dois (2) e cinco (5) anos, aproximadamente, a criança adquire a linguagem e forma,
de alguma maneira, um sistema de imagens. Entretanto, a palavra não tem ainda, para ela, o valor
de um conceito; ela evoca uma realidade particular ou seu correspondente imagístico. Tendo que
reconstruir o mundo no plano representativo, ela o reconstrói a partir de si mesma. O egocentrismo
intelectual está no auge no decurso dessa etapa. A dominação do pensamento por imagens encerra
a criança em si mesma.
O pensamento imagístico egocêntrico, característico desta fase, pode ser observado no
jogo simbólico, no qual a criança transforma o real ao sabor das necessidades e dos desejos
do momento. O real é transformado pelo pensamento simbólico, na medida em que o jogo se
desenvolve, ao sabor das exigências do desejo expresso no e pelo jogo. É por isso que Piaget
considera o jogo simbólico como o egocentrismo no estado puro.
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do sujeito e tentar identificar que estruturas ele põe em ação para constituir o saber. Inicialmente
vemos um ser estruturado por seus componentes hereditários, que se adapta assimilando-se
e acomodando-se e, fazendo isso, vai modificando suas estruturas de assimilação para melhor
assimilar, num círculo sem-fim, cujo movimento vai alargando o processo numa espécie de espiral.
Este processo expressa o que Piaget indicou, ao afirmar que não há gênese sem estrutura nem
estrutura sem gênese. Se a inteligência, como instrumento de adaptação, é pensada em termos
de equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, o resultado disso é o conhecimento, meio que
possui a mente humana para se adaptar. Assim, se o sujeito constitui o objeto, ele se constitui ao
se reconstituir de volta.
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Bibliografia consultada
PIAGET, J. A Construção do real na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.
PIAGET, J. A representação do mundo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.
PIAGET, J. Biologia e Conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1973.
PIAGET, J. O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.
PIAGET, J. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1976a.
PIAGET, J. A equilibração das estruturas cognitivas: problema central do desenvolvimento. Rio de
Janeiro: Zahar, 1976b.
PIAGET, J. O julgamento moral na criança. São Paulo: Mestre Jou, 1977.
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Os estudos do vínculo mãe-bebê, quando estes frequentam a creche, têm obtido resultados
controversos. Na revisão de Belsky e Steinberg (1978), eles não encontraram evidências conclusivas
de que o ambiente coletivo prejudica a ligação mãe-criança. Já no estudo de 1988, Belsky (1988)
mostrou que a frequência dos bebês na creche por mais de 20 horas semanais durante o primeiro
ano de vida poderia interromper o processo de apego, aumentando o risco do desenvolvimento de
problemas psicológicos. Em outro trabalho, Belsky e Rovine (1988) relataram que 43% dos bebês
que passam 20 ou mais horas por semana na creche estabelecem um vínculo de apego inseguro
com a mãe, contra 26% dos que permanecem por menos de 20 horas semanais. Clark-Stewart
(1989) encontrou um nível similar de significância dessa associação: 36% de apego inseguro para
bebês com períodos mais extensivos na creche e 29% dos que passam períodos menores.
Os dados da pesquisa de Barglow, Vaughn e Molitor (1987) vão nesta mesma direção, e
eles discutem a ligação da creche com alta taxa de apego inseguro, principalmente do tipo evitador,
vivenciadas por experiências diárias de bebês que sofrem algum grau de rejeição materna.
Entretanto, resultados de outros estudos apontam para outra direção. Rubenstein e Howes
(1979) mostraram que a separação diária não produz efeitos negativos na ligação de apego mãe-
bebê. E, mais recentemente, Roggman, Langlois, Hubbs-Tait e Rieser-Danner (1994) denunciaram
que nas pesquisas publicadas a respeito de apego e creche, ocorre o file drawer problem,
inicialmente proposto por Rosenthal (1979). Eles revelam que, nessa área, há inúmeros estudos
não publicados porque apresentavam correlação nula entre apego e a permanência da criança na
creche. Para esses autores o problema estaria em que os pesquisadores relutam em submeter
para publicação dados que não apresentam diferença significativa, e que os editores tendem a
aceitar somente estudos que rejeitam hipóteses nulas, pondo de lado os fracassos nas replicações.
Esse procedimento aumenta a probabilidade de que se encontrem revisões afirmando existir
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uma relação entre o tipo de apego e a permanência na creche, uma vez que o material publicado
disponível fortalece a hipótese pretendida. A partir daí pode-se, de uma forma artificial, propagar
falsas generalizações, que têm implicações em diversos níveis: teórico, comportamental e político.
Esses autores replicaram quatro estudos apresentados por Belsky (1988) utilizando amostras
similares, a mesma medida de avaliação do apego, definição de cuidado extenso na creche ou
não e análise técnica dos dados. Nenhum resultado foi forte o suficiente para mostrar a relação
significativa entre o apego inseguro e a permanência por um longo período semanal na creche.
Para dirimir inúmeras dúvidas a respeito de vários aspectos controversos, NICHD (1997)
fez um extenso estudo longitudinal, com uma amostra de mais de 1000 pares mães-bebês, de
diversas raças e estruturas familiares, vivendo em nove estados diferentes dos EUA. Os bebês
foram identificados no nascimento e acompanhados até os três anos de idade. Além disso, eles
também examinaram o contexto das creches.
O importante é salientar que NICHD (1997) não encontrou nenhuma evidência de que o
apego inseguro estava ligado a maior quantidade de horas que a criança passa na creche. Eles
obtiveram dados comprovando que crianças que desenvolvem o apego seguro têm mães mais
sensíveis e responsivas e um ajustamento psicológico positivo. Os resultados desse estudo
indicam claramente que a creche por ela mesma não constitui nem risco nem benefício para o
desenvolvimento do apego mãe-bebê, tal como avaliado pela Situação Estranha.
Em um outro recente estudo longitudinal (NICHD, 1998), os pesquisadores concluíram que,
quando os preditores familiares são positivos, o desenvolvimento socioemocional e cognitivo das
crianças não é afetado pelo cuidado externo em tenra idade, mesmo se experienciado por grande
parte do dia e começando nos primeiros meses de vida. Esses dados são consistentes com os de
Clarke-Stewart, Gruber e Fitzgerald (conforme citado por NICHD, 1998). Isso não implica minimizar
a importância das condições do ambiente coletivo, que, de fato, também exercem influência no
desenvolvimento das crianças sob seus cuidados, como colocam Phillips, McCartney e Scarr (1987),
salientando que sua qualidade global afeta muitos aspectos da competência social e ajustamento
da criança.
A situação de separação e reencontro pais/criança quando estas frequentam a creche, pode
ser um forte indicativo de como são as relações entre essa díade ou tríade. Em função de todas
essas considerações, o objetivo desse estudo foi o de descrever como é o comportamento dos
bebês e dos adultos na separação e reencontro em uma creche localizada em cidade do interior de
São Paulo.
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MÉTODO
SUJEITOS
Os sujeitos foram 71 bebês de quatro a 24 meses, 35 do sexo feminino (49%) e 36 do sexo
masculino (51%) que frequentavam o Centro de Convivência Infantil (CCI), filhos de funcionárias
do Hospital das Clínicas cujo nível de escolaridade das mães variou do primeiro grau ao superior e
as profissões incluíam de faxineira do hospital a médicas e administradoras e 21 educadoras, com
idades de 21 a 57 anos, e de três a 18 anos de experiência no cuidado de bebês no CCI. O nível
de escolaridade mínimo exigido nessa função é o primeiro grau completo e 24% das educadoras
se enquadravam nele. Mais da metade tinha o segundo grau completo (57%) e o restante (19%)
incompleto.
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RESULTADOS
CHEGADA À CRECHE
Segundo o relato das educadoras, os bebês geralmente chegam à creche trazidos pela mãe:
isso ocorre com 100% dos femininos e 96% dos masculinos; há uma porcentagem pequena que
conta com o acompanhamento do pai. As educadoras relatam que o comportamento mais comum
dos pais, nessa hora, é expressar afetividade para com os bebês (em torno de 92% para ambos os
sexos).
Nos dados da filmagem, 100% das mães demonstraram afeto com o bebê nesse momento:
beijaram, conversaram e agradaram a sua cabecinha. As educadoras receberam os bebês falando
com eles e rindo, conversando com a mãe para saber se estava tudo bem.
A descrição das educadoras permitiu identificar oito maneiras diferentes de os bebês se
comportarem quando chegam ou são colocados dentro do berçário:
1. riem ou sorriem para a educadora;
2. abrem os braços para ela;
3. andam ou correm para dentro do berçário;
4. abraçam e beijam-na;
5. mantêm-se quietos;
6. choram;
7. seguram-se na mãe ou no pai;
8. resmungam.
Esses comportamentos foram agrupados em quatro categorias: “Aceitação da Educadora”
quando eles riem ou sorriem, abrem os braços e abraçam e beijam a educadora;. “Aceitação
do Ambiente/Independência do Bebê” quando eles andam ou correm para dentro do berçário;
“Condição Neutra” quando mantêm-se quietos na hora de entrar no berçário; “Protesto” se choram,
se seguram na mãe ou no pai, resmungam. Como houve relatos de bebês que eram citados ora
emitindo comportamentos pertencentes a uma das categorias ora a outras, eles foram postos em
um grupo à parte, denominado “Não Definido”. Os resultados aparecem na Figura 1.
A Figura 1 evidencia, em um primeiro momento, a semelhança entre os comportamentos dos
bebês de quatro (4) a sete (7) meses, de ambos os sexos, ao chegarem na creche: cerca de 60%
está na categoria Neutro. Na faixa etária seguinte, há diferenças e semelhanças no comportamento
dos bebês de cada sexo: sobressai para os meninos a aceitação da educadora (sorriem para ela,
abrem os braços ou a abraçam e beijam) e para as meninas há variedade (mantêm-se quietas e
protestam ao adentrar na creche, através de choro e resmungos). Observa-se também que, nessa
faixa etária, ocorre o maior percentual da categoria de Comportamentos de Protestos para ambos
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SAÍDA DA CRECHE
O relato das educadoras, são as mães que buscam os bebês na creche na maioria das
vezes (87% meninas e 84% meninos), raramente acompanhadas pelos maridos. Os pais assumem
esta tarefa em menos de 20% das vezes e é importante assinalar que isto ocorre apenas quando
eles são um pouco mais velhos.
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De acordo com as educadoras, 100% das mães/pais de bebês do sexo masculino e 95% dos
femininos expressam afetividade quando buscam seus filhos na creche. A observação comprova
esses dados.
Os bebês costumam agir na hora do reencontro de diversas formas:
1. se aconchegam no colo da mãe ou pai;
2. riem ou sorriem para a mãe/pai ou ambos;
3. se atiram no colo ou estendem os braços para os pais;
4. engatinham, andam, correm em direção aos pais;
5. emitem sons, falam, conversam com os pais;
6. ficam agitados;
7. mantêm-se quietos;
8. choram.
Esses comportamentos foram agrupados em duas categorias: Aceitação do Retorno dos
Pais e Demonstração de Neutralidade na situação.
Exprimem “Aceitação do Retorno da Mãe/Pai” comportamentos de se aconchegarem no
colo deles, rirem, jogarem ou darem beijos e abraçá-los, engatinharem, andarem/correrem na
direção deles, conversarem com eles, se atirarem em seus braços ou estenderem os braços em
sua direção:
Nossa, a hora que ele vê a mãe é aquela festa né de mãe e filho, ela já chega fa-
zendo folia lá na porta e ele fica todo, todo, se a gente tiver com ele no colo tem que
tomar cuidado, ele se agita tanto que a gente corre o risco de ir os dois pro chão.
(informação verbal).
Quando o bebê fica agitado ao ver a mãe/pai ou chora, também foi colocado na categoria
de Aceitação do Retorno deles, pois, segundo as educadoras, esses comportamentos exprimem
apego aos pais:
Se ela vê a mãe na janela ela já chora, começa a chorar e ela vai chorando pra mãe,
tem medo que a gente não vai entregar. (informação verbal).
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Figura 2 - Proporção de ocorrência de reações dos bebês ao contato com os pais, na saída da
creche
Os dados da filmagem mostram que as mães com bebês no Berçário 1 são as que agem
de forma menos efusiva e também seus filhos tendem a ficar calmos/tranquilos na passagem do
colo da educadora para o delas. Do Berçário 2 em diante, todos os bebês2 demonstram reconhecer
a figura materna/paterna: riem, sacodem os braços e as pernas, estendem os braços para serem
pegos, emitem sons e, quando já caminham, andam na direção deles.
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Na Figura 3 encontram-se os dados sobre humor dos bebês do sexo masculino quando
chegam e saem da creche.
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Fica evidente uma forte tendência de manifestar alegria ao sair da creche em todas as faixas
etárias, apesar de o percentual ser menor para os mais novos. No geral, a maioria dos bebês entra
calmo/tranquilo na creche e sai manifestando alegria e felicidade.
A Figura 4 traz os dados referentes aos bebês do sexo feminino.
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Pode-se verificar que entre bebês do sexo feminino (Figura 4) também ocorre uma evidente
manifestação de alegria/felicidade no reencontro com os pais. No geral, mais da metade chega à
creche calma/tranquila e sai alegre/feliz. A irritação/intranquilidade ocorre para menos da metade
dos bebês nas duas faixas etárias iniciais e a manifestação desse estado na saída aparece com
percentuais baixos (a frequência é de um entre todos os bebês).
Os dados de observação referentes à chegada e saída dos bebês da creche, indicam que
essas situações ocorrem de forma muito tranquila.
DISCUSSÃO
Muito se tem escrito na literatura a respeito da influência da separação mãe-bebê quando
este frequenta um ambiente coletivo durante um ou dois períodos do dia. Pode-se partir de
situações naturais e obter algum subsídio para a análise desse tema, verificando o que acontece
nos momentos da separação e do reencontro.
Olhando os dados da chegada e da saída encontra-se que bebês de quatro (4) a sete (7)
meses, de ambos os sexos, comportam-se de forma semelhante. Na chegada, o que mais se
destaca é a neutralidade, predominando a calma/tranquilidade. E, na saída o sorrir/rir para a mãe/
pai e o ficar quieto, mantendo-se neutro. Esses dados mostram grandes aproximações com o que
Bowlby (1984) descreve. O autor afirma que em torno dos três aos seis, sete meses, o bebê continua
a se comportar de forma amistosa com as pessoas, como vinha fazendo de modo crescente desde
o nascimento, mas o faz de maneira um pouco mais acentuada para com a figura materna, a
relação de apego não está totalmente desenvolvida, não existe uma pessoa que tenha se tornado
sua “base segura3”; e, de outro, os bebês ainda não manifestam nenhuma ansiedade especial ao
serem separados dos pais, nem medo de desconhecidos.
Já na situação de reencontro no CCI, quando metade dos bebês demonstra alegria ao ver
a mãe/pai, têm-se os primeiros sinais de que a formação da relação está em andamento, uma vez
que esses adultos são identificados e tratados de modo especial.
A faixa etária de oito (8) a 16 meses parece ser a de maiores mudanças. Bebês masculinos
aceitam mais a educadora – sorriem, abrem os braços para elas, abraçam ou beijam – do que os
femininos. No entanto, bebês de ambos os sexos também emitem sinais de protestos nessa hora.
Na saída do CCI, a maioria mostra aceitação dos pais no seu retorno e, de forma expressiva – riem/
sorriem, engatinham ou andam em sua direção, emitem sons ou conversam com os pais. A situação
de Saída da Creche, gravada em vídeo, evidencia a manifestação de alegria dos bebês ao verem
a mãe (riem, batem os braços, as pernas, vão rápido em sua direção). O humor predominante
na chegada ao CCI é a calma/tranquilidade para os meninos e, para as meninas, ainda que com
padrão menos definido, sobressai o humor positivo: calma e alegria. Na saída, a categoria mais
frequente é a alegria/felicidade para os dois sexos.
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Segundo Bowlby (1984), nessa etapa geralmente o apego já está desenvolvido e o bebê
age de forma diferente: Como é capaz de se locomover, vai atrás da mãe, recebe-a efusivamente
quando regressa e utiliza-a como a base segura para suas explorações.
É importante enfatizar que nesse estudo não se pretendeu avaliar o apego diretamente, nem
com a mãe nem com a educadora, até porque para fazê-lo existem métodos específicos, tais como
a análise da Situação Desconhecida (AINSWORTH; BLEHAR; WATERS; WALL, 1978), o Q-Set,
questionário que foi desenvolvido para ser utilizado com pais (WATERS, 1997), o Care Index, que
propõe formas de análise de situações de interação de brincadeiras entre mãe-criança gravadas
em vídeo (elaborado por CRITTENDEN, 1988). No entanto, os dados indicam possibilidade de
maior estabelecimento de apego entre mãe-bebê do que entre educadora-bebê, o que se infere
pela diferença no comportamento e no humor dos bebês ao chegarem e saírem da creche. A
análise do vídeo indica que mesmo quando o bebê manifesta alegria ao ver a educadora, a reação
no momento em que a mãe chega geralmente é mais intensa. Contudo, não se pode deixar de
levantar a possibilidade de alguns desenvolverem apego também com as educadoras, mas essa
interação parece ficar prejudicada nesse ambiente coletivo porque elas não acompanham os bebês
na mudança de berçário4.
Quase metade dos bebês de 17 a 24 meses manifestou aceitação do ambiente da creche e da
educadora, ainda que se tenha observado certa frequência de protesto na chegada (mais por parte
dos meninos). Por outro lado, bebês femininos apresentam maior percentual de comportamentos
neutros e a ocorrência de comportamentos que denotam irritação/intranquilidade é praticamente
nula. Isto sugere uma adaptação mais tranquila a situação. Contudo, outros estudos se fazem
necessários para abordar essa possível diferença de gênero quanto às reações de bebês à chegada
à creche.
Os resultados das análises levadas a efeito nesse estudo, assim como os de NICHD
(1998), parecem indicar que essa amostra de bebês tem uma forte ligação com a figura materna,
principalmente dos oito (8) meses em diante, sugerindo um padrão de apego seguro, a partir da
manifestação de alegria quando as mães retornam e da afetividade demonstrada por elas. Pode-se
dizer que o fato de o bebê permanecer no ambiente coletivo durante o dia não está afetando o seu
vínculo com a mãe.
Apesar de esse estudo não ter sido planejado para analisar o apego, os dados trazem
fortes indicações da existência desse vínculo com a figura materna; outrossim, o estado de calma/
tranquilidade demonstrado pelos bebês ao chegarem à creche e a alegria/felicidade manifestadas
na saída parecem indicar que eles aprenderam a conviver nesses dois ambientes de forma
harmoniosa, tendo noção desse ir e vir, dessa troca diária de ambiente e das pessoas que deles
cuidam.
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Nota do revisor: o presente texto, originalmente, trata-se de artigo publicado no periódico Paidéia
no ano de 2000. Nesta versão, durante o trabalho de revisão, o texto foi atualizado para o padrão
do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, as citações e referências foram reescrita para
o padrão da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e, no corpo do texto, pequenos
ajustes foram inseridos para garantir maior coerência e identidade.
MELCHIORI, Lígia Ebner; ALVES, Zélia Maria Mendes Biasoli. Comportamento de bebês em
situações de separação e reencontro com os pais, na rotina diária da creche. Paidéia (Ribeirão
Preto), Ribeirão Preto, SP, v. 10, n. 18, p. 51-59, jul. 2000. Disponível em: https://www.scielo.br/j/
paideia/a/YbfjjcdY4pry4bx4JzK9Gkz/?lang=pt&format=html. Acesso em: 18 abr. 2022. http://dx.doi.
org/10.1590/S0103-863X2000000100005.
Republicado em:
MELCHIORI, Lígia Ebner; ALVES, Zélia Maria Mendes Biasoli. Comportamento de bebês em
situações de separação e reencontro com os pais, na rotina diária da creche. In: UNIVERSIDADE
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unesp.br/bitstream/unesp/337946/1/caderno-formacao-pedagogia_6.pdf. Acesso em: 18 abr. 2022.
(Psicologia do Desenvolvimento, Caderno de formação n. 6, bloco 1, módulo 3, disciplina 11).
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35
PEDAGOGIA
Introdução
Se há um campo da atividade humana no qual as dimensões cognitiva e afetiva comparecem
com igual importância, este campo é o da ação moral. Sendo que toda ação remete a um fazer, a
dimensão cognitiva ou intelectual corresponde ao saber fazer, e a dimensão afetiva corresponde
ao querer fazer. Alguém poderá dizer que como em toda ação há necessariamente um saber fazer
(competência intelectual) e um querer fazer (motivação), o campo da moralidade não merece
destaque especial no que tange às dimensões cognitiva e afetiva. Mas aceitar este argumento
implicaria esquecer um fato crucial: para que uma ação seja definida como moral, é preciso que a
motivação que a inspirou seja, ela mesma, moral. Por exemplo, se uma pessoa deixa de mentir ou
matar motivado pelo medo da prisão, sua ação não é moral (é mera prudência); em compensação,
se foi o sentimento do dever que a levou a abster-se da infração, dir-se-á que sua ação foi moral.
Verifica-se assim que não é somente o querer, mas, sobretudo, a qualidade deste querer que
importa para a moral, pois há motivações que são morais, e outras que não o são. Em outros
campos da atividade humana, a qualidade da motivação não reveste a mesma importância. Por
exemplo, o saber fazer matemático pode ser motivado pela curiosidade por essa disciplina, pela
vontade de entrar na faculdade, pela necessidade de empregar este conhecimento no trabalho,
etc. Vários tipos de motivação podem desencadear o pensar matemático, no sentido em que não
há uma motivação matemática específica. No caso da moral, não é assim: há motivações morais,
e somente estas interessam. É por esta razão que escrevemos que o estudo deste campo da
atividade humana exige que nos debrucemos com igual seriedade sobre os aspectos intelectuais
e afetivos.
O texto que se vai ler tem dois momentos. Começaremos por analisar a dimensão cognitiva
ou intelectual da ação moral. Em seguida, abordaremos a dimensão afetiva desta categoria de
ação. Mas antes de encetarmos nossas análises, devemos nos entender sobre o que estamos
chamando de moral.
Do ponto de vista do saber fazer, vamos aceitar como válida e preciosa a máxima de Kant
(1795-1980) que diz “devemos agir de tal forma que façamos da humanidade, tanto na nossa pessoa
quanto na pessoa de cada um dos outros, sempre ao mesmo tempo um fim e nunca simplesmente
um meio”. Eis um imperativo categórico que nos informa sobre como devemos agir para sermos
morais. Ele nos traz a ideia de dignidade: a moral exige que respeitemos a dignidade de outrem e,
também, mantenhamos a nossa própria.
36 Psicologia do Desenvolvimento
PEDAGOGIA
Do ponto de vista do querer fazer, a moral exige certo tipo de querer: o dever. É dever moral
aquilo que aparece para a pessoa como algo que não pode não ser feito, por que é um bem em
si mesmo. A moral remete, portanto, à dimensão da lei, da obrigatoriedade, ou, na terminologia
kantiana, do imperativo categórico.
Tal será, portanto, a definição de moral empregada aqui. É claro que nem todos concordam
integralmente com ela; é claro também que podemos pensar que a moral vai além da dimensão
do dever, para incluir, como pensava Aristóteles, a vida boa ou a felicidade (trataremos da questão
da felicidade nas Conclusões, quando faremos uma diferenciação entre moral e ética). Todavia,
a despeito das complexas discussões que podem ser travadas sobre o que é moral e quais seus
fundamentos, pensamos que a definição por nós adotada é, por um lado, o bastante precisa para
destacar um campo psicológico singular (a questão do dever), e, por outro, o bastante ampla para
receber diferentes conteúdos que digam respeito à preservação ou promoção do bem-estar alheio
e ao sentimento da própria dignidade.
DIMENSÃO INTELECTUAL
Toda atividade humana pressupõe o que chamamos acima de um saber fazer. No caso
da moralidade, este fazer traduz-se por um decidir como agir, e o próprio agir. O saber incide
justamente sobre o decidir: trata-se de uma capacidade intelectual necessária para guiar a ação
moral. Tal saber compõe-se de conhecimentos, reflexões, juízos. Em uma palavra, o saber diz
respeito à participação da razão no fazer moral.
A análise deste saber fazer vai nos levar a abordar cinco temas:
1. O primeiro é a relação entre razão e moral;
2. O segundo é a questão dos conhecimentos necessários à ação moral;
3. O terceiro e o quarto, respectivamente, equacionamento moral e sensibilidade moral,
remetem não ao conhecimento, mas ao emprego prático deste;
4. O último tema será dedicado ao desenvolvimento, durante a vida, deste saber fazer moral.
MORAL E RAZÃO
É fácil perceber que é impossível pensar a moral ignorando a dimensão racional, e isto
porque apenas os seres dotados de racionalidade e capazes de empregá-la são considerados
sujeitos morais. Com efeito, por que não consideramos os animais como seres morais, e, logo,
como responsáveis pelos seus atos? Porque os consideramos como seres irracionais. Mesma
coisa acontece em relação às pessoas que, por motivos variados, perderam, definitiva ou
momentaneamente, o uso de suas faculdades intelectuais (no caso de um surto psicótico, por
exemplo). E mesma coisa também acontece com as crianças: costuma ser considerado cruel
e injusto responsabilizar moralmente uma criança pequena pelos seus atos, não que ela não
seja racional, mas por que suas faculdades mentais ainda não atingiram o grau de maturidade
37
PEDAGOGIA
necessário5. Estes exemplos mostram bem que a ação moral, para merecer este nome, deve ser
guiada pela razão, pois somente é responsabilizado moralmente quem tem a liberdade de agir,
logo quem tem a oportunidade de efetuar uma escolha. Ora, toda escolha pressupõe o emprego de
critérios, e este emprego é, por definição, racional.
MORAL E CONHECIMENTO
Uma das funções da razão é conhecer. Ora, a moral é um objeto do conhecimento. Ela não se
reduz a uma intuição que viria de não se sabe onde. A moral tem conteúdo construído pela cultura
e, como qualquer outro conteúdo, as pessoas devem entrar em contato com ele, ressignificá-lo,
reconstruí-lo, e isto desde a infância. Qual o conteúdo da moral? Ele pode ser dividido em três
categorias complementares: regras, princípios e valores.
As regras correspondem às formulações verbais reguladoras do agir. Portanto, as regras
morais são, por um lado, prescritivas, e por outro, precisas em relação ao que devemos, ou não,
fazer. Exemplos clássicos de regras morais encontram-se no Decálogo. Por exemplo, a regra não
matar, ou a regra não mentir informam-nos claramente sobre o que somos obrigados a não fazer.
Quando as regras aparecem sob a forma de uma proibição, são chamadas de deveres negativos.
Mas há também deveres positivos, como, por exemplo, ajudar as pessoas em perigo. As regras
referentes aos deveres positivos nos informam sobre o que devemos fazer.
É claro, as regras morais não podem ter a precisão das regras matemáticas, e, por isto
mesmo, são limitadas. Para realmente compreendê-las, é preciso ir além de sua formulação ao pé
da letra e penetrar seu espírito. O espírito moral das regras remete às inspirações a partir das quais
foram formuladas. Tais inspirações podem ser chamadas de princípios. Metaforicamente, podemos
dizer que as regras correspondem a mapas, e os princípios à bússola, com a ajuda da qual os
mapas foram desenhados. Diferentemente da regra, o princípio moral não fala da concretização
da ação, no sentido de que não nos diz como agir, mas sim em nome do que agir. Por exemplo,
lembremos do imperativo categórico kantiano transcrito acima. Nele está dito que nunca devemos
usar as pessoas apenas como meio, mas sempre como fins em si mesmas. Eis um princípio moral,
uma bússola que nos permite orientar nossas ações. Em suma, os princípios representam as
matrizes morais das quais são derivadas as regras. Ora, é claro que o saber fazer moral implica
o conhecimento (ou criação) de princípios: não somente são eles que revelam a razão de ser das
regras, como são eles que nos permitem criar regras em situações para as quais ainda não foram
formuladas.
Além do conhecimento de regras e princípios, o saber fazer moral também exige o
conhecimento dos valores morais. Pode-se afirmar que os valores morais correspondem às
premissas das quais são derivados os princípios e as regras. Por exemplo, se Kant diz que devemos
sempre tratar as pessoas como fim (princípio) e, logo, não podemos humilhá-las, mentir-lhes, feri-
las, etc. (regras), é porque está pressuposto em seu sistema moral que a pessoa humana é um
38 Psicologia do Desenvolvimento
PEDAGOGIA
valor em si mesma, que ela tem uma dignidade que deve ser respeitada. Alguém que não atribuí
tal valor à pessoa humana (ou que limita tal atribuição às pessoas pertencentes à sua comunidade)
não segue o princípio kantiano e, consequentemente, não aplica as regras dele derivadas. Logo,
conhecer os valores morais é condição sine qua non para avaliar a qualidade e a pertinência dos
princípios, assim como conhecer estes é condição necessária para compreender e interpretar as
regras. E o conhecimento destas últimas é também condição necessária para possuir pautas para
a ação moral. É claro que conhecer regras, princípios e valores não implica aceitar passivamente
tais conteúdos colocados pela cultura: a reflexão e a crítica são necessárias para redefinir valores,
apurar princípios, abandonar certas regras e criar outras. Porém, sem o conhecimento do qual
estamos falando, a reflexão e o agir morais são impossíveis.
Mas não basta ter conhecimento para agir moralmente: é ainda preciso que a pessoa saiba
empregá-los. Empregar conhecimentos vai além de possuí-los. É por esta razão que o saber fazer
moral pressupõe pelo menos mais duas habilidades intelectuais: o equacionamento e a sensibilidade.
EQUACIONAMENTO MORAL
Para decidirmos como agir, algumas situações exigem que identifiquemos as variáveis
morais em jogo, e que estabeleçamos uma hierarquia entre elas. Tais situações costumam ser
chamadas de dilemas morais, e o equacionamento moral é a forma de resolvê-los6.
Às vezes, basta identificar as dimensões morais em jogo para resolver como agir ou julgar
as ações de outrem. À guisa de exemplo, lembremos de um pequeno dilema empregado por Piaget
(1932-1996) nas suas pesquisas sobre a moralidade infantil: entre uma criança que derrubou dez
copos sem querer (e sem desleixo) e outra que quebrou um só num ato de clara desobediência,
a qual devemos atribuir maior responsabilidade moral? Os elementos morais em jogo são, por
um lado, a intencionalidade (o sem querer versus o ato de desobediência), e, por outro, o dano
material (dez copos versus um copo). Trata-se de dois elementos relevantes para a moral: intenção
e gravidade das consequências do ato. Para colocá-los em hierarquia, basta confrontá-los. Neste
caso, o equacionamento moral não exige grande reflexão. Todavia, há casos nos quais não somente
há mais de dois elementos morais em jogo, como o juízo sobre eles pede que nos debrucemos
sobre suas implicações.
É o caso do clássico dilema de Heinz, elaborado por Kohlberg (1981) para suas pesquisas
sobre o desenvolvimento moral. Contemos, em poucas palavras, este dilema. Trata-se de um
homem, Heinz, cuja mulher está gravemente doente, e que resolve roubar o único remédio capaz
de salvá-la. Ele decide roubar o remédio porque seu inventor e proprietário, um farmacêutico da
região, exige dele um preço acima das possibilidades financeiras do infortunado marido, e não
aceita facilitar as condições de pagamento. O dilema pode ser colocado da seguinte forma: ao
roubar o remédio, Heinz agiu moralmente certo, ou moralmente errado? Ora responder a esta
pergunta (ou, no caso do próprio Heinz, para decidir, ou não, pelo roubo), é preciso equacionar a
situação.
39
PEDAGOGIA
Duas dimensões morais aparecem com clareza: o tema da propriedade privada e o tema
da vida. Mas, hierarquizá-los sem maiores análises equivaleria a empobrecer a questão. É preciso
avaliar as implicações morais em jogo. Vamos dar alguns exemplos.
O dilema de Heinz traz a questão da relação entre a moral e a lei (jurídica). Há, por um lado,
uma lei que proíbe o roubo7, e, por outro, uma vida em perigo. A moral costuma mandar que se
protejam as vidas humanas, mas pode esse princípio justificar uma desobediência à lei jurídica?
Para se resolver o dilema, deve-se, portanto, levar em conta esse aspecto da questão. O dilema de
Heinz também traz o tema da viabilidade da sociedade. Algumas pessoas condenam Heinz, não,
é claro, por preocupar-se com sua mulher, mas em nome de uma avaliação do tipo: o que seria
da sociedade se cada um agisse como ele, apenas segundo sua consciência? Para alguns, ela
seria inviável. A este argumento, outras pessoas retrucam: mas que sociedade é esta que, para
sobreviver, exige que certas pessoas devam morrer? Logo, o dilema em tela opõe duas dimensões
moralmente relevantes: deve-se dar a prioridade à sociedade ou à vida de seus membros? O
dilema de Heinz também traz o tema das dimensões pública e privada. Alguém poderá julgar que
Heinz agiu certo por se tratar de sua mulher (relação privada), mas o condenaria se tivesse roubado
o remédio para salvar uma pessoa que ele nem conhecesse. Outro alguém poderá julgar que o
fato de a pessoa doente ser sua esposa em nada modifica a questão, pois a intenção de salvar
uma vida é sempre legítima. A oposição público/privado também pode ser pensada em relação ao
farmacêutico. Alguém poderá afirmar que, sendo a propriedade privada um direito pleno, e sendo o
remédio propriedade sua, é moralmente legítima sua recusa de cedê-lo por um preço menor. A este
juízo, pode-se opor a seguinte ponderação: o direito à propriedade, legítimo em vários casos, deixa
de sê-lo quando o objeto possuído é de evidente interesse público.
As rápidas análises que acabamos de apresentar mostram o quanto certas situações
dilemáticas contêm vários elementos e implicações morais. Parece-nos claro que o saber fazer
moral pressupõe a capacidade de identificar tais elementos, de compará-los e hierarquizá-los, para
decidir qual a melhor conduta moral. Sem este trabalho de equacionamento moral, corre-se o
grande risco de tomar decisões pouco refletidas, mais inspiradas por estereótipos de pensamento
do que por uma genuína atividade intelectual.
Finalizemos sublinhando um ponto importante: o equacionamento moral não é um exercício
intelectual em vista de se chegar à resposta certa! Pensar que sempre há tal resposta seria dar
prova de dogmatismo. O equacionamento moral é antes um método para pensar, um método para
eleger critérios para a ação. O equacionamento moral também é uma forma por intermédio da
qual as pessoas podem dialogar entre si sobre a moral, sobre o melhor a ser feito, sobre o que é
tolerável, e o que não é.
40 Psicologia do Desenvolvimento
PEDAGOGIA
SENSIBILIDADE MORAL
Até agora, falamos dos conhecimentos morais e da capacidade de, em situações dilemáticas,
identificar os elementos morais em jogo, analisar suas implicações, e hierarquizá-los. Mas tudo não
está dito assim, pois há situações nas quais os elementos morais não são explícitos. Nesses casos,
portanto, é necessário, antes do trabalho de equacionamento, perceber a presença de elementos
moralmente relevantes. A esta capacidade damos o nome de sensibilidade moral.
Para melhor compreendermos o que estamos chamando de sensibilidade moral, comparemos
duas situações. A primeira é a do dilema de Heinz, analisado acima. A segunda é: vemos uma
pessoa pobre na rua (pensamos que é pobre pelas roupas que veste) e, sem que ela nos peça
nada, lhe damos uma esmola. Na primeira situação, os elementos morais são explícitos: a questão
do roubo, da lei, da vida a ser salva, da relação íntima entre Heinz e a pessoa que se quer salvar,
etc. A segunda situação é, aparentemente, também muito clara: há uma pessoa pobre e dar-lhe
uma moeda é dar prova de caridade. Porém, podemos nos perguntar se tal doação é sempre boa.
Ora, muitas pessoas sentem-se humilhadas por receberem esmolas. Logo, o ato caridoso pode
ter um efeito contrário ao pretendido: ao invés de ajudar ou reconfortar, ele humilha. Todavia, este
possível efeito humilhante não está claramente colocado na situação, pois o que mais aparece
é o aspecto material da pobreza. É por esta razão que, em casos como este, é necessária uma
sensibilidade moral, ou seja, a capacidade de detectar dimensões morais encobertas, não óbvias.
No caso da situação da esmola, a melhor solução moral certamente seria a de conversar com a
pessoa pobre, perguntar-lhe se quer alguma coisa e, em caso de reposta positiva, perguntar-lhe o
que quer. Uma das características cruciais da sensibilidade moral é, justamente, procurar inferir ou
conhecer as singularidades de cada pessoa.
Examinemos mais dois exemplos. O primeiro deles aparentemente nada tem de moral:
entregar uma nota baixa de matemática para um aluno. Mas pode haver uma dimensão moral
neste simples ato de avaliação. Para compreendê-lo, é preciso lembrar que, em nossa sociedade
ocidental, existe uma associação forte entre ser bom em matemática e ser inteligente. Logo, quem
vai mal nesta matéria pode ser visto, e ver a si próprio, como pouco inteligente. Sabe-se que tal
associação é errada, pois variadas são as formas de expressão da inteligência. Mas o fato real
é que essa associação existe e, portanto, o aluno com dificuldades nesta matéria pode perder
a confiança em si, duvidar de suas qualidades intelectuais em geral. Ora, a sensibilidade moral
consiste em perceber tal dimensão moral da avaliação e, consciente dela, entregar a nota baixa
com certos cuidados para não ferir injustamente a autoconfiança do aluno, ou pelos menos de
certos alunos mais angustiados pela sua performance (ou mais cobrados pela família).
O último exemplo que podemos dar diz respeito à questão da intimidade. Sabe-se que
a invasão da intimidade é condenada moralmente. Assim, não há maiores dúvidas quanto à
condenação de, por exemplo, abrir-se a correspondência alheia, os diários dos adolescentes, ou
surpreender pessoas que estão trocando de roupa. É claro que há pessoas que fazem este tipo de
41
PEDAGOGIA
invasão, mas isto não se deve à ausência de sensibilidade moral, mas pura e simplesmente à falta
de senso moral, à falta de legitimação de regras e princípios morais. Todavia, pode acontecer de
pessoas que legitimam tais regras e princípios, na prática, invadirem a intimidade alheia por não
perceber que, em certas situações, ela está em jogo. Acontece, por exemplo, de pais atenciosos
pedirem a seus filhos que mostrem algumas de suas obras (desenhos, poemas, construções, etc.)
a visitas com as quais esses filhos não têm nenhuma familiaridade. Para algumas crianças ou
adolescentes, tal exposição de si não é problema algum; em compensação, para outros, ela causa
sofrimento porque é vista como invasão. Ora, somente a sensibilidade moral permite a alguém
perceber a violência psíquica potencialmente presente numa situação corriqueira como esta.
Em resumo, a sensibilidade moral consiste em perceber dimensões morais encobertas em
situações aparentemente neutras do ponto de vista moral, ou aparentemente positivas. Ora, há
pessoas capazes de equacionamentos morais sofisticados, mas relativamente cegas, em situações
em que regras, princípios e valores morais não se destacam claramente. Tal cegueira pode advir
tanto de uma falta de flexibilidade cognitiva quanto da falta de disponibilidade afetiva para querer
perceber o outro em sua complexidade, como veremos a seguir.
42 Psicologia do Desenvolvimento
PEDAGOGIA
DIMENSÃO AFETIVA
Não basta saber fazer para agir, é ainda preciso querer agir, querer fazer. Isto nos leva ao
campo da motivação, dos interesses, da energia afetiva que desencadeia e move a ação. Como o
colocamos nas primeiras páginas deste texto, a dimensão afetiva é constitutiva do agir moral, pois
é preciso que a motivação seja, ela mesma, moral. A moral define-se pela obrigatoriedade, pelo
dever. Ora, vamos repeti-lo, o dever é um tipo especial de querer.
Dizer que a dimensão afetiva participa do agir moral é ainda vago. Com efeito, será que
podemos falar de uma afetividade em geral, ou será que devemos descrevê-la com mais precisão?
Assim como falamos em algumas categorias do saber fazer, faremos o mesmo para o querer fazer.
E como categorias, nós elegeremos variados sentimentos essenciais ao querer fazer moral.
Num primeiro momento, falaremos dos sentimentos que comparecem no despertar do senso
moral. Depois, falaremos dos sentimentos cuja presença atesta a presença de valores morais na
construção da personalidade. Para finalizar, abordaremos rapidamente o tema das virtudes, que
remetem a uma leitura ética da personalidade.
43
PEDAGOGIA
do dever que ela estará, de fato, penetrando no universo moral. Como vimos, a compreensão de
que existem deveres depende do desenvolvimento da inteligência. Todavia, entender que há um
universo moral não implica ainda querer dele participar. É a este novo querer, acompanhado da
compreensão intelectual do que são deveres, que chamamos de senso moral. Já descrevemos as
primeiras ferramentas cognitivas de que dispõe a criança para adentrar o universo moral, vamos
agora falar dos sentimentos que fazem parte do despertar do senso moral, que ocorre por volta dos
quatro anos de idade.
MEDO E APEGO
Para alguns autores, como Freud8 (1923-[19-]), antes dos seis, sete anos de idade, a criança
obedece às regras morais apenas movidas pelo medo: por um lado, medo das punições, e, por
outro, medo de perder o amor dos pais e a decorrente proteção, para ela, vital. Não há dúvidas, e
as pesquisas o atestam, que o medo da punição e do abandono exerce motivação poderosa para a
obediência aos mandamentos adultos. Porém, fosse apenas o medo, ainda não poderíamos falar,
do ponto de vista afetivo, em senso moral, pois não haveria, por parte da criança, uma vontade
especial de participar de um universo moral. Para que se possa falar em despertar do senso
moral, é preciso identificar, na criança pequena, uma obediência voluntária, ou seja, não causada
(apenas) pelo medo da punição e do abandono. Ora, outros autores, entre eles Piaget, verificaram
que tal obediência voluntária existe na criança pequena. Sem deixar de reconhecer que, em várias
ocasiões, o sentimento do medo explica, por si só, sua obediência às ordens parentais, Piaget
observou que a criança também legitima tais ordens, lhe confere valor, e, por conseguinte, a elas
obedece, mesmo na certeza de que nenhuma punição seguirá a transgressão. Em poucas palavras,
a criança de quatro anos de idade demonstra respeitar as regras morais.
Mas o que é este respeito? Será ele decorrência de uma concordância intelectual com as
regras colocadas? Embora seja certo que, uma vez que ela é um ser pensante, a criança pequena
já começa a avaliar as regras morais, é também certo que sua pequena maturidade intelectual
ainda não lhe permite uma real ponderação do valor das regras (vimos que elas as interpreta ao pé
da letra, privilegia o aspecto material da ação, valoriza a obediência em si). Logo, o respeito que ela
desenvolve para com as regras deve ter sua origem em algo que não se confunde com elas. Tudo
parece se passar como segue: a criança obedece às regras porque respeita as pessoas que as
colocam e impõem. Ora, o que é, do ponto de vista afetivo, este respeito pelas pessoas? Segundo
Piaget, é uma fusão entre dois sentimentos. Um deles, já comentado é o medo. O outro é o apego.
O sentimento do medo não deve ser interpretado apenas como decorrência do poder punitivo
dos pais: trata-se de um sentimento experimentado pelo menor em relação ao maior. A criança,
mesmo educada com a maior doçura, vê seus pais como dotados de poderes de que ela se vê
privada, e tal reconhecimento de superioridade desencadeia o medo. Porém, os pais não são
somente vistos como poderosos, também são vistos como seres amáveis, admiráveis. Esta ligação
afetiva positiva, que estamos chamando aqui de apego, aliado ao medo, causa o sentimento de
respeito, próprios dos primeiros passos do desenvolvimento moral.
44 Psicologia do Desenvolvimento
PEDAGOGIA
SIMPATIA
Tomamos o conceito de simpatia da obra do filósofo Adam Smith (1759-1999), intitulada
Teoria dos sentimentos morais. Para ele, a simpatia, definida como afinidade com toda paixão, é
base afetiva para as ações morais. Note-se que o conceito de simpatia não é empregado por ele no
sentido atual de ser simpático, ou apenas no sentido racional presente na expressão ser simpático
às ideias de uma pessoa. Este aspecto racional também existe, mas o foco da simpatia, enquanto
estado afetivo, está na capacidade de compenetrar-se dos sentimentos de outrem (definição do
Dicionário Houaiss). Um caso importante de simpatia, para a moral, é a compaixão, entendida
como capacidade de compartilhar a dor alheia.
Isto posto, verifica-se facilmente que a simpatia, assim como a definimos, desempenha papel
importante para a ação moral. Em alguns casos, ela não é necessária: por exemplo, quando agimos
respeitando direitos alheios, não precisamos nos comover com os estados afetivos da pessoa
contemplada. Em compensação, quando não se trata de direitos, tal comoção pode ser necessária,
para nos mobilizarmos em vista de suprir as necessidades singulares de uma pessoa. Por exemplo,
podemos perceber a tristeza de alguém, termos simpatia por ela e, em consequência, agirmos
para consolar este alguém. É claro que uma pessoa incapaz de comover-se com os sentimentos
alheios, incapaz, portanto, de simpatia, frequentemente agirá como se as outras pessoas não
existissem na sua singularidade (mas uma pessoa assim poderá ser justa, pois a justiça remete ao
reconhecimento de direitos).
Se aceitarmos que a simpatia corresponde a uma dimensão afetiva moralmente relevante
(sua falta acarretando uma vida moral fria, e pobre), devemos nos perguntar se as crianças
pequenas, em fase do despertar do senso moral, a possuem. A resposta é claramente dada pelas
observações cotidianas: sim, acontece de as crianças comoverem-se com os estados afetivos das
45
PEDAGOGIA
outras pessoas, sensibilizarem-se com a dor alheia e participarem da alegria das pessoas em sua
volta. É claro que a simpatia que experimentam tem caraterística infantis, que mudarão ao longo do
desenvolvimento (ver Conclusões), mas o fato é que esta dimensão afetiva da ação moral já está
presente, e pouco tem relação com a obediência à autoridade. Logo, ao lado do apego e do medo,
parece-nos lícito destacar a simpatia. Aliás, não somente lícito como absolutamente necessário,
pois é graças a esta capacidade de comover-se com os estados afetivos alheios que a criança
começa a prestar atenção às necessidades das outras pessoas e mobilizar-se para supri-las (LA
TAILLE, 2006).
Dito de outra forma, no universo moral da criança pequena não são os direitos alheios que
são concebidos e respeitados, mas sim as necessidades singulares das outras pessoas.
CULPA
O que acabamos de escrever nos leva ao sentimento de culpa, que será importante durante
toda a vida moral. A culpa é um sentimento penoso decorrente da realização de uma ação, ou de uma
intenção de ação, considerada errada, condenável. Ou seja, a culpa é a dor psíquica decorrente seja
do não cumprimento de um dever moral, seja da consciência de se ter feito algo de errado a alguém
(magoado uma pessoa, por exemplo9). Logo, culpa é o que a pessoa sente quando percebe que
agiu ou pensou em agir de uma forma inaceitável. Note-se que, para sentir culpa, não é necessária
a recriminação social, pois este sentimento nasce justamente de uma autorrecriminação. E note-se
também que a ausência do sentimento de culpa atesta uma frieza afetiva em relação aos deveres
morais. Pode muito bem acontecer de alguém ter habilidade intelectual para saber como agir em
determinada situação, mas não sentir culpa pelo fato de não ter agido de tal forma. Essa ausência
do sentimento de culpa traduz uma dissociação entre a dimensão afetiva e a moral.
Isto posto, uma vez que a criança em fase de despertar do senso moral legitima regras
morais, ainda que de forma heterônoma, é claro que poderá sentir culpa ao transgredi-las. E,
também, uma vez que é capaz de experimentar a simpatia, poderá sentir culpa se julgar que causou
alguma mágoa ou dano a alguém.
INDIGNAÇÃO
Quem já não viu uma criança pequena reclamar veementemente do fato de seu irmão
ter recebido mais refrigerante, mais chocolate ou mais passeios do que ela própria? As crianças
também zelam pela sua sobrevivência, sentem e defendem-se de agressões alheias, físicas e
verbais. Trata-se de reivindicação de direitos? Se entendermos por direito aquilo que se generaliza
a todos, ainda não podemos dizer que a criança entenda tal noção, pois ela costuma reclamar
apenas quando ela se sente lesada. Mas certamente, trata-se dos primeiro passos. E isto por uma
razão bem simples: os direitos dizem respeito a todos, logo são objeto de legítima reivindicação.
Aliás, não se diz que as pessoas devem aprender a fazer valer seus direitos? Ora, é isto que a
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PEDAGOGIA
criança pequena faz. É claro que ainda se trata de uma reivindicação primitiva, bem concreta e nem
sempre inspirada por um senso apurado de justiça. Mas o fato de a criança precocemente reclamar
o que lhe é, segundo ela, devido, não deve passar despercebido para a gênese da noção de justiça.
O sentimento que está em jogo nestas primeiras reivindicações infantis pode ser chamado
de indignação decorrente da preocupação com o bem estar próprio, com a posse de bens, com o
reconhecimento do mérito próprio, com a sobrevivência. A indignação é, obviamente autocentrada,
pois, nele, é a pessoa interessada que está em foco, e não as outras. Mas nem por isto é contraditório
com a moral, pois esta não implica sistematicamente abrir mão dos próprios interesses, não implica
negar-se.
Podemos finalizar o presente item dizendo que, através da simpatia a criança volta-
se espontaneamente para as outras pessoas (sem que esta atitude seja decorrência de uma
obediência), e que a indignação traduz uma preocupação com o que lhe é devido, por parte das
outras pessoas. Simpatia e indignação complementam-se.
CONFIANÇA
Para um adulto, querer pertencer a uma comunidade moral pressupõe avaliar como bons os
valores, princípios e regras desta comunidade. Mas pressupõe também, em certa medida, avaliar
que as pessoas que participam desta comunidade, pelo menos na sua maioria, são pessoas
moralmente boas, no sentido em que pautam, de fato, suas condutas pelos referidos valores,
princípios regras. Se tal não fosse o caso, ou seja, se as pessoas não se comportassem em sintonia
com a moral, se nelas não existisse o querer agir moral, a moral seria letra morta, devendo ser
substituída por formas de poder externas que coagem as pessoas, como a polícia e as sanções
jurídicas. Mas até mesmo tais formas de poder seriam suspeitas, pois não haveria garantia de
que as pessoas responsáveis por elas realmente agiriam inspiradas pela moral. Em uma palavra,
para querer participar de uma comunidade moral, é desejável haver o sentimento de confiança
nas demais pessoas que dela participam10. Não estamos querendo dizer com isto que a ausência
do sentimento de confiança justifique condutas contrárias à moral. Não é porque ninguém é justo
que temos autorização de sermos injustos. Há pessoas que, mesmo vivendo em comunidades
ou sociedades nas quais um grande número de pessoas desrespeita seus deveres, permanecem
agindo inspirados neles. Mas é fato que a experiência contínua de falta de confiança pode acabar
tendo efeitos deletérios sobre o querer agir moral.
Ora, para as crianças pequenas, o mesmo fenômeno se observa. Verifica-se facilmente que
as crianças estão atentas às condutas alheias, notadamente dos adultos, e se elas percebem que
estes dizem uma coisa e fazem outra, ou prometem e não cumprem, ou seja, se observam que,
apesar de existirem boas regras, parece não existirem boas pessoas, o sentimento de confiança
não se instala, ou definha, e, por conseguinte, o querer agir moral pode ficar prejudicado.
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PEDAGOGIA
CULPA E VERGONHA
Na fase do despertar do senso moral, a criança começa a penetrar no universo das regras,
princípios e valores e, reciprocamente, este universo começa a penetrar na psique infantil. Todavia,
nesta fase, tal penetração ainda é superficial. Ela já existe, uma vez que se verifica uma obediência
voluntária da criança em relação a deveres morais; porém, como esta obediência ainda depende
de um referencial exterior, a autoridade, pode-se dizer que a moralidade ainda ocupa um lugar
superficial. O porvir da moralidade exigirá que, ao mesmo tempo em que a criança e o adolescente
caminham, através de sua inteligência, para zonas cada vez mais centrais do universo moral, este
universo seja interiorizado em camadas cada vez mais profundas da dimensão afetiva. É preciso,
portanto, que o querer agir moral se torne decorrência de um controle totalmente interno. Ora, dois
sentimentos atestam a presença deste controle: a culpa e a vergonha. Como já falamos da culpa,
analisemos a vergonha.
Até os últimos anos, este sentimento foi pouco lembrado pela psicologia, e menos ainda pela
psicologia moral, esta dando toda a ênfase ao sentimento de culpa. Mas tal esquecimento é infeliz,
pois, como vamos ver, o sentimento de vergonha associa-se diretamente à moral.
Comecemos por definir o sentimento de vergonha. Trata-se do sentimento de perda de valor
pessoal11. Diferentemente da culpa, que incide sobre a ação (o que eu fiz), a vergonha incide sobre
o Eu (o que eu fiz). Logo, o que está em jogo na vergonha é, como dissemos, o valor através do
qual a pessoa vê a si própria.
Um aspecto essencial da vergonha deve ser sublinhado: este sentimento somente é
experimentado pela pessoa que julga a si própria negativamente. Este ponto deve ser enfatizado,
pois às vezes pensa-se que somente sentimos vergonha em decorrência do juízo dos outros. É fato
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PEDAGOGIA
que o juízo alheio pode desencadear o sentimento de vergonha, mas somente se o envergonhado
fizer seu tal juízo. Porém, o juízo negativo dos outros não é condição necessária para que alguém
experimente a vergonha. Inúmeros são os exemplos de casos nos quais nós podemos sentir
vergonha sozinhos.
Nos termos de Harkot-de-La-Taille, deve-se falar, no eixo temporal, em duas vergonhas,
a vergonha retrospectiva e a vergonha prospectiva. A vergonha retrospectiva é aquela que é
experimentada no momento (ou na lembrança do momento) em que ocorre uma disjunção entre
a boa imagem que a pessoa tem de si e a consciência de que ela não corresponde a esta boa
imagem. Exemplo: um professor pensar ser perito em determinada área (esta é a sua boa imagem,
ou seja, um valor com que avalia seu Eu) e, comete um erro grave. Neste caso, a vergonha surge
porque a pessoa julga-se negativamente em relação ao que pensava ser e o que valoriza ser. A
vergonha prospectiva é aquela que a pessoa se vê na perspectiva de perder, aos próprios olhos,
a boa imagem que tem de si, ou que gostaria de ter. Exemplo: uma pessoa não cede à tentação
do roubo porque antecipa a perda de valor pessoal que tal ato inevitavelmente acarretaria. Dito
de outra forma, a pessoa não rouba por vergonha de fazê-lo. Este último exemplo é moral; vamos
então analisar a relação entre vergonha e moral.
A vergonha pode incidir sobre variados conteúdos. Por exemplo, uma pessoa pode sentir
vergonha de não se ver como pessoa bonita. Outra pode sentir vergonha por não ver-se como
pessoa bem sucedida profissional ou financeiramente. Outra ainda pode sentir vergonha de ter
perdido uma partida de tênis. Estes três exemplos trazem conteúdos não morais. Pensemos agora
numa pessoa que sinta vergonha de ter traído um amigo, numa outra que sinta vergonha de ter
faltado à generosidade, e numa outra que sempre procure agir com justiça, pois sentiria vergonha
de usufruir de ou distribuir privilégios. Estes exemplos trazem conteúdos morais para a vergonha.
Certamente, há pessoas que nunca sentem vergonha em relação à moralidade. Isto é prova, como
no caso da culpa, de que os valores morais não penetraram sua personalidade. A linguagem popular
justamente os designa pela expressão sem vergonha. Um sem vergonha é uma pessoa que não
sente vergonha de agir imoralmente, nem sente vergonha na perspectiva fazê-lo (o que não implica
que não sinta vergonha para conteúdos estranhos a moral). Em compensação, uma pessoa que
tem vergonha na cara experimenta tal sentimento de forma retrospectiva (sente vergonha do que
fez) e prospectiva (não age de modo a ferir a boa imagem que tem de si). Importante é notar que
os dicionários trazem, no verbete vergonha, o conceito de honra e de dignidade. Trazem assim
um fenômeno psicológico da maior relevância: uma dimensão essencial do querer agir moral, logo
do dever, é o sentimento da própria honra, da própria dignidade, de respeito de si. Ser motivado
pelo dever moral consiste em pensar este dever como condição necessária à preservação da
própria dignidade. Logo, quem sente vergonha moral tem consciência de que respeitar os outros e
respeitar-se são os dois lados da mesma moeda.
Isto posto, com que idade a criança começa a sentir vergonha moral? Nossos dados (LA
TAILLE, 2002) apontam a idade de oito, nove anos. Como para a culpa, a vergonha moral certamente
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PEDAGOGIA
é experimentada antes desta fase de desenvolvimento, mas ainda de forma tênue e, sobretudo,
de forma menos intensa que outros sentimentos. Por exemplo, crianças de seis anos pensam
ser mais doloroso ficar sem recreio do que confessar publicamente um delito. Quando terão nove
anos, ocorrerá uma inversão: ver-se julgado negativamente e julgar a si próprio negativamente será
considerado muito mais penoso do que aguentar um castigo que priva de prazer momentâneo.
Quanto aos fatores que explicam a gênese da vergonha, pode-se dizer o que segue.
Embora Freud, e a psicanálise em geral, fale pouco de vergonha, este sentimento não deixa
de ser previsto na constituição do superego. Devemos lembrar aqui que Freud deu dois nomes para
esta instância psíquica responsável pelo controle interno da moralidade: superego e ideal do ego
Enquanto a função do superego é a de produzir culpa quando das infrações às regras, a do ideal
de ego é a de desencadear o sentimento de vergonha quando boas imagens de personalidade
não são mantidas ou atingidas (TISSERON, 1992). Nesta perspectiva teórica, as boas imagens
teriam origem nas identificações realizadas em relação aos pais. O superego diria: faça o que
teu pai (ou mãe) mandou; e o ideal de ego diria: seja como seu pai (ou sua mãe). Aceita esta
abordagem, tanto a culpa quanto a vergonha teriam fontes inconscientes. Mas podemos também
pensar numa perspectiva complementar: a vergonha seria decorrência da paulatina interiorização
dos olhares judicativos alheios. Assim, numa sociedade que cultiva valores como o dinheiro e a
glória, a probabilidade de sentir vergonha de ser pobre e anônimo será maior do que a probabilidade
de sentir vergonha por não agir moralmente. Freud afirmava que a capacidade de experimentar a
culpa era apenas uma possibilidade do desenvolvimento; o mesmo pode-se dizer da vergonha. O
desenvolvimento intelectual e afetivo da moral é uma virtualidade, não um desenrolar mecânico de
um programa inato.
VIRTUDES
Vimos que, durante a fase do despertar do senso moral, os sentimentos de simpatia,
indignação, confiança, e a fusão do amor e do medo constituem a base afetiva da moralidade,
as motivações do querer agir moral. Os três primeiros sentimentos permanecem exercendo sua
influência durante toda a vida moral, mas os dois últimos vão dar lugar à força da culpa e da
vergonha, ambos fonte de controle interno das condutas, responsáveis por este querer fazer
singular que é o dever. A culpa incide sobre as ações e a vergonha sobre o valor moral atribuído ao
Eu. Ora, o sentimento do valor moral atribuído ao Eu remete ao tema das virtudes.
Com efeito, virtudes são traços de caráter, elas são uma leitura ética da personalidade. Tema
moral por excelência na ética da Antiguidade Grega, e também da ética cristã, as virtudes (com
exceção da justiça) têm sido esquecidas. Isto se deve a diversos fatores que não temos espaço
para analisar aqui. O que nos importa agora é verificar que as virtudes, por representarem uma
leitura ética da personalidade, aparecem como uma coroação da gênese afetiva da moralidade.
Por um lado, por dizerem respeito à personalidade, as virtudes podem compor as imagens de si
através das quais, cada um julga sua dignidade. E, por outro, por serem quase sempre referidas
50 Psicologia do Desenvolvimento
PEDAGOGIA
CONCLUSÕES
Tratamos das dimensões intelectuais e afetivas da ação moral. Analisamos cada dimensão
separadamente por que esta é a única maneira de torná-las inteligíveis. Mas o fato é que as duas
dimensões interagem. Para se compreender tal interação, deve-se evitar colocar cognição e
afetividade num mesmo saco, evitar fazer um amálgama entre razão e sentimento.
Deve-se compreender que a razão permite redimensionar ou redirecionar os sentimentos.
Tomemos o exemplo da compaixão (uma das formas da simpatia): costumamos sentir compaixão
por uma criança que chora, porque acabaram de lhe roubar um sorvete, mas não por um adulto
que chora pelas mesmas razões. A variação afetiva é clara: sentimos compaixão num caso, não
no outro. Mas por quê? Ora, porque julgamos legítimo uma criança desesperar-se pela perda do
sorvete, mas negamos tal legitimidade ao adulto12. Eis um bom exemplo de como a razão (que
julga) interfere na nossa capacidade de experimentar um sentimento. Outro exemplo, já comentado
por nós, pode ser lembrado: o autointeresse infantil, que leva a criança a se indignar e brigar por
aquilo que lhe é, segundo ela, devido, tornar-se-á sentimento de justiça, vontade de fazer respeitar
os seus direitos e respeitar os das outras pessoas. Ora, o que explica a passagem do autointeresse
para a justiça é uma operação racional, a reciprocidade. Mesmo raciocínio deve ser feito em relação
ao sentimento de confiança. Com a reciprocidade, esta exigência de conservação de valores feita
a outrem (fazer o que diz, cumprir promessas) vai incidir sobre o próprio sujeito que vai exigir de
si próprio a qualidade de ser digno de confiança, coerente e fiel a seus valores morais. Logo, do
confiar vai nascer, pela reciprocidade, a vontade de ser uma pessoa confiável (e a vergonha de não
ser). Em suma, a razão incessantemente modifica a afetividade.
Deve-se compreender também que, se é verdade que não se pode dizer que a afetividade
modifica a razão do ponto de vista estrutural, não é menos verdade que ela a modifica do ponto
de vista dos conteúdos. Vimos que a falta de simpatia acarreta certa cegueira da razão em relação
aos estados afetivos alheios, e compromete a sensibilidade moral. A falta de confiança pode travar
a aplicação da reciprocidade e a consequente atribuição de direitos. A ausência de vergonha moral
e ausência de culpa levam a razão preocupar-se apenas com conteúdos estranhos à moral. Mais
ainda: a moral somente será objeto de assimilação e reflexão se os deveres que dela emanam
forem considerados dentro de um projeto de vida boa, um projeto desejado.
51
PEDAGOGIA
Esta última reflexão nos leva a apreciar uma possível diferença entre moral e ética sobre a
qual dedicamos dois livros (LA TAILLE, 2006, 2009). Chamamos (como vários autores na Filosofia,
ver Ricoeur, 1990) de moral um conjunto de deveres, logo de obrigações ou imperativos que o
sujeito coloca para si. A moral corresponde à pergunta: como devo agir? Chamemos de ética as
buscas e preocupações acerca da felicidade, da vida boa da realização de uma vida plena. A ética
corresponde à pergunta: que vida viver?, ou que vida vale a pena ser vivida? Naturalmente, assim
definida, a ética não remete a deveres, mas sim a aspirações. Isto posto, podemos nos perguntar
se moral e ética representam duas esferas independentes da vida humana. Do ponto de vista
psicológico, a resposta certamente é negativa. A ética engloba a moral porque os valores morais (e
decorrentes princípios e regras) são parte um sistema maior de valores. Logo, embora seja verdade
que as dimensões intelectuais e afetivas da moral tenham sua singularidade, é também é verdade
que tais dimensões articulam-se com outras. A reflexão sobre o bem moral está relacionada a uma
reflexão sobre o que é uma vida boa. E a afetividade investida na moral está também relacionada
à busca da realização de uma vida boa. Vale notar que a pergunta que vida viver? implica outra:
quem quero ser?. Logo, é a personalidade que está em jogo na ética. Ora, quando falamos dos
sentimentos de vergonha, vimos que ela também está em jogo no desenvolvimento moral. A busca
e manutenção da dignidade pessoal, condição afetiva necessária para as ações inspiradas nos
deveres morais, depende de uma concepção do que seja uma vida que vale a pena ser vivida e de
que pessoa vale a pena ser. Neste sentido, a dignidade é um conceito tanto moral, quanto ético.
Em resumo, assim como é necessário distinguir, mas não separar, as dimensões intelectual
e afetiva do agir moral, é necessário não confundir moral (deveres) e ética (vida boa), sem por isto
esquecer que, na psique humana, elas interagem incessantemente: tanto os deveres quanto a vida
boa traduzem aspectos diferentes e complementares do querer.
52 Psicologia do Desenvolvimento
PEDAGOGIA
LA TAILLE, Yves de. Construção da consciência moral [Cognição, afeto e moralidade]. In:
OLIVEIRA, M. K.; SOUZA, D. T. R.; REGO, T. (org.). Psicologia, educação e as temáticas da vida
contemporânea. São Paulo: Moderna, 2002. p. 35-158.
LA TAILLE, Yves de. Construção da consciência moral. Prima Facie (Faro), v. 2, p. 7-30, 2009.
Republicado em:
LA TAILLE, Yves de. Construção da consciência moral [Cognição, afeto e moralidade]. In:
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA [UNESP]; UNIVERSIDADE VIRTUAL DO ESTADO DE
SÃO PAULO [UNIVESP] (org.). Caderno de formação: formação de professores: educação infantil:
princípios e fundamentos. São Paulo: Cultura Acadêmica: Universidade Estadual Paulista, Pró-
Reitoria de Graduação, 2010. v. 1. p. 40-57. ISBN 978-85-7983-069-3. Disponível em: https://
acervodigital.unesp.br/bitstream/unesp/337946/1/caderno-formacao-pedagogia_6.pdf. Acesso em: 18
abr. 2022. (Psicologia do Desenvolvimento, Caderno de formação n. 6, bloco 1, módulo 3, disciplina
11).
Referências
COMTE-SPONVILLE, A. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
FREUD, S. O Id e o Ego. Rio de Janeiro: Edição Delta, 1923-[19-]. (Obras completas – v. IX).
KANT, E. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril Cultural, 1795-1980.
(Coleção Os Pensadores).
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PEDAGOGIA
LA TAILLE, Y. Moral e ética: dimensões intelectuais e afetivas. Porto Alegre: Artmed, 2006.
LA TAILLE, Y. Formação ética: de tédio ao respeito de si. Porto Alegre: Artmed, 2009.
SMITH, A. Teoria dos sentimentos morais. São Paulo: Martins Fontes, 1759-1999.
54 Psicologia do Desenvolvimento
PEDAGOGIA
Introdução
O que adolescentes consideram como muito errado? Qual seria, para eles, uma infração
muito grave? Avaliações morais do que é certo ou errado podem ser vistas na Psicologia como
fruto de julgamentos baseados em formas específicas de raciocínio que evoluem em estágios
de desenvolvimento moral (KOHLBERG, 1992; PIAGET, 1932-1977); mas podem, também, ser
vistas como representações sociais comuns a indivíduos de um mesmo agrupamento, fruto de
determinadas práticas e ancoradas em características sociais e culturais específicas a certos
contextos (DOISE, 1994; JODELET, 1994; MOSCOVICI, 1961-1978).
Dentro de uma perspectiva de Psicologia Cognitiva e do Desenvolvimento, são bastantes
conhecidos os estudos que Piaget (1932-1977) realizou sobre como crianças avaliam roubos,
descuidos ou mentiras em pequenas histórias. O que se constatou é que quanto menor a criança,
desde que capaz de representar e emitir julgamentos, mais seus julgamentos ocorrem em função das
consequências aparentes dos atos e menos em função das intenções. Inversamente, quanto mais
velha a criança e desde que possa ter vencido seu egocentrismo em relações sociais cooperativas,
mais flexível será seu julgamento das infrações passando a pesar todos os atenuantes de um ato
em função das intenções.
As formas como crianças consideram errôneas e puníveis certas ações também variam,
segundo Piaget (1932-1977) conforme o desenvolvimento infantil. Quanto menores as crianças
pré-operatórias, mais rígidas em seus julgamentos, considerando toda a infração como punível
com castigos arbitrários e severos – sanção de expiatória. Por outro lado, quanto maior a criança,
mais poderá usar outro tipo de sanção, a por reciprocidade, baseada na ideia de reconstrução das
relações sociais e de reconstituição dos estragos ou reposição dos danos causados.
As diferenças da forma de julgamento das crianças mais novas em comparação às mais
velhas se explicam, para Piaget, em função, do desenvolvimento cognitivo e, sobretudo, das
formas de relações sociais vividas: quanto maior a participação das crianças em relações sociais
de cooperação que envolvem a necessidade de considerar as necessidades dos outros, de discutir
e combinar decisões nos grupos que envolvam indivíduos com diferentes pontos de vista, mais
haverá descentrações intelectuais, sociais e morais e mais as crianças poderão melhor julgar os
atos de outros, suas infrações. Por outro lado, quanto mais a criança se mantiver em relações
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PEDAGOGIA
sociais de coerção onde a troca entre iguais for impedida e intermediada pelo mais forte, mais ela
ficará trancafiada em seu egocentrismo e, simultaneamente, presa aos padrões de julgamento do
mais velho (mais forte) numa repetição acrítica de seus valores.
Bastante conhecidos, também, são os trabalhos de Kohlberg (1992) sobre julgamentos de
dilemas morais e que deram continuidade à pesquisa piagetiana sobre desenvolvimento do juízo
moral. A severidade ou rigidez dos julgamentos será diferente, conforme os níveis de raciocínio
moral pré-convencional, convencional e pós-convencional. De acordo com as características
destes níveis pode-se esperar que no pré-convencional serão julgados como mais errados aqueles
atos sabidamente proibidos, facilmente descobertos e, portanto, puníveis. No nível convencional,
serão mais errados os atos que assim forem concebidos pelas autoridades e pelas convenções
mais conhecidas; provavelmente, nesse nível, também serão considerados como mais errados
os atos que perturbarem a ordem social. No nível pós-convencional, em função primeiramente da
preocupação com o que foi contratado socialmente, serão errados os atos que prejudicarem os
interesses acordados da maioria das pessoas e que quebrarem o que foi estabelecido como justo e
certo pela maior parte dos envolvidos. Além disso, no estágio seis, seria de se esperar que fossem
considerados como mais errados os atos que ameaçassem os princípios mais básicos orientadores
da vida humana, entre eles, a vida e a dignidade de qualquer ser humano; os quais deveriam ser
respeitados não por temor, convenção ou interesses particulares, mas, porque só eles garantem
que nenhum ser humano seja usado como meio para os interesses de qualquer outro.
Embora possam existir variações individuais e grupais na severidade e formas de
julgamentos condenatórios, para os autores anteriores, as avaliações morais aparecem em
estágios de desenvolvimento, hierarquizados, de sequência invariável, de presença universal e
que se constroem em correspondência ao desenvolvimento cognitivo e social.
Na perspectiva das representações sociais atitudes positivas ou negativas a infrações
consideradas atos delinquentes, assim como o próprio conceito sobre o que é delinquência,
podem variar entre grupos, não por representarem formas mais adiantadas ou atrasadas de
desenvolvimento cognitivo e moral, mas por terem uma construção coletiva, marcada por práticas
sociais, pela história e cultura comuns a determinados grupos de pessoas e servindo, assim, de
referenciais de mundo.
Prenunciando esse referencial estão os estudos de Malewska, Peyre e Bonerandi (1979) e
Malewska e Walgrave (1983) sobre delitos de jovens e julgamento social e que consideram valores
como fruto de representações sociais que os adolescentes de diferentes grupos fazem sobre a
delinquência.
Malewska e colaboradores (1979) compararam na França a avaliação de 25 infrações que
diferentes grupos de leigos ou profissionais que lidam com a delinquência fizeram. Os grupos foram:
juízes, educadores e assistentes sociais, policiais, menores infratores, pais, estudantes de escolas
técnicas e de liceus13. Mais tarde, Malewska e Walgrave (1983) compararam essas populações
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PEDAGOGIA
com outras semelhantemente obtidas em dois outros países, a Bélgica e a Polônia. Os autores
afirmaram que a delinquência é, em parte, algo definido pela cultura; além disso, supuseram que as
atitudes sobre a delinquência dependem do lugar social do sujeito que as considera. Considerando
as atitudes como disposições relativamente duráveis em relação a um objeto determinadas por
um conjunto de elementos cognitivos e emocionais a ele ligados, os autores acreditam que elas
mudam conforme o conhecimento e o envolvimento emocional dos sujeitos; assim, é de se esperar
que jovens infratores, pais, educadores de menores, juízes ou policiais façam avaliações diferentes
sobre o que é considerado infração.
Para comparar diferentes amostras de pessoas dos três países, França, Bélgica e Polônia
e de diferentes profissões (foram mais de 2000 pessoas, nos dois estudos), foi utilizada uma lista
de 25 infrações. Cada infração da lista deveria ser avaliada numa escala de sete pontos quanto à
gravidade. Malewska e Walgrave (1983) entenderam que a avaliação de infrações através de uma
escala provoca um pré-julgamento moral-afetivo no qual cada pessoa faz uma síntese subjetiva
de todo um sistema formal e informal de valores existentes; além disso, as atitudes aí explicitadas
marcam certas tendências de ação e mesmo que essa relação não seja direta, ela é importante
para prever e explicar certas posições dos profissionais que trabalham com a delinquência.
Como resultados mais gerais, tanto na primeira pesquisa (MALEWSKA et al., 1979) como
na segunda (MALEWSKA; WALGRAVE, 1983) os autores obtiveram que todas as populações
pesquisadas avaliaram com mais gravidade atos que envolviam violência física às vítimas. Delitos
como roubos sem agressão e infrações sem vítimas individuais foram julgados mais indulgentemente.
No entanto, a dispersão na forma de atribuir notas altas ou baixas e a severidade ou indulgência dos
julgamentos variou conforme os grupos de respondentes. Por exemplo, em todas as populações,
considerando os três países, foi entre os menores da justiça que se obteve mais indulgência nos
julgamentos de infrações mais graves e maior dispersão nas respostas, isto é, onde se usavam
notas ou muito altas ou muito baixas e foi entre os juízes que se obteve mais consenso, portanto,
menor dispersão. Ao compararem os adolescentes oriundos de classes sociais baixas – escolas
técnicas e mais altas – liceus, verificou-se que, mesmo entre países diferentes, quanto maior o
nível socioeconômico mais os jovens usavam a escala em todas as suas possibilidades, eram
menos severos para infrações ligadas a roubos e atos marginais e mais severos para infrações
ligadas à violência física e ameaça à vida. Quanto ao rigor no uso de notas altas dos estudantes de
escolas técnicas os autores concordaram com a posição de Podgorecki (1971 apud MALEWSKA
et al., 1979) de que quanto mais difíceis a adaptação dos jovens ao meio social e sua situação
social, maior é sua tendência a avaliações rigorosas. Quanto aos menores infratores, os autores
supuseram que suas atitudes refletem uma revolta contra os julgamentos formais e informais a que
foram submetidos e as instituições em que foram colocados. Para manter uma imagem positiva de
si, esses adolescentes seriam mais indulgentes com as infrações que eles possam ter cometido.
Quanto aos jovens das escolas técnicas os autores se perguntaram se suas posições rígidas seriam
devidas a uma maior interiorização da moral tradicional e de uma forte vontade de se distinguir dos
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PEDAGOGIA
infratores. Essa questão não foi respondida embora se tenha sugerido que nas respostas desses
adolescentes apareceu uma imagem de delinquência fortemente calcada naquelas divulgadas em
filmes policiais e nos meios de comunicação de massa, principalmente a imprensa sensacionalista.
Os autores concluem afirmando que não se pode falar da existência de uma única representação
de delinquência ou de atitudes comuns a ela; ao contrário há diversidades nesses elementos que
se explicariam principalmente por dois fatores: por um lado, as práticas profissionais que influem
e modelam atitudes e representações e, por outro lado, as ideologias predominantes e os valores
morais presentes na cultura de diferentes países e grupos sociais.
De forma semelhante e mais atualmente, destacam-se os trabalhos de Doise sobre Direitos
Humanos e que tratam valores como representações sociais (DOISE, 1991; DOISE; CLÉMENCE;
ROSA; GONZALES, 1995). Considerar direitos humanos como representações sociais, implica
em entendê-los como um corpo de conhecimentos comuns a grupos de pessoas e que podem
ter relações mais ou menos diretas com a Declaração dos Direitos Humanos de 1948, a forma
mais sistematizada historicamente em que esses direitos foram apresentados. Implica, também,
em buscar identificar os princípios organizadores das representações desses direitos, isto é, as
ideias ou direções das mesmas que as organizam como conhecimentos e que podem ser próprias
de um conjunto de pessoas mais ou menos amplo; e, ainda, em identificar as ancoragens desses
princípios em variáveis diversas como as origens sociais dos grupos que as possuem, suas
características culturais e/ou históricas, suas posições sobre outras ideias que se relacionam aos
direitos humanos. Considerando a ancoragem como a incorporação do novo ou desconhecido num
conjunto de categorias familiares a um grupo social (DOISE, 1994) assume-se como hipótese,
nessa abordagem, que o que as pessoas de diferentes profissões, status sociais, sociedades ou
países, consideram como direitos humanos pode variar em função de suas pertinências sociais e
de como esses direitos têm sido divulgados e vivenciados nos seus espaços sociais.
Um exemplo dessa investigação é a pesquisa que Doise e colaboradores (1995) realizaram
em quatro países – França, Suíça, Costa Rica e Itália, tendo como participantes quase mil jovens
entre 13 a 20 anos. Dentre outras questões pediram aos jovens que, numa lista de 21 proposições
indicassem, numa escala de gravidade, quais seriam atentados aos direitos humanos. Como
principais resultados os autores encontraram, em primeiro lugar, um forte consenso no que foi
considerado como um atentado aos direitos humanos: as infrações ao direito de defesa, as ameaças
à integridade física das pessoas (o maltrato infantil pelos pais foi a segunda ação mais considerada
um atentado aos direitos humanos por todos os países), a desigualdade racial, as ameaças à
liberdade de expressão. Em outras esferas esse consenso foi menor, como, por exemplo, a que
se referiu à extensão do domínio da família sobre os indivíduos. Ao verificarem as ancoragens
das representações sociais dos direitos humanos, Doise e colaboradores (1995) mostraram que
essas representações variaram em função dos contextos nacionais, de características sociais e das
posições dos jovens em outros domínios, como a extensão que atribuíram controles individuais ou
governamentais aos direitos. Os contextos nacionais tiveram um impacto sobre as representações
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PEDAGOGIA
bem mais importante que as demais variáveis. Houve, por exemplo, uma oposição entre a Itália e os
outros países; os italianos deram uma definição bem mais ampla dos direitos humanos, incluindo os
problemas de relações familiares que não foram tão considerados pelos outros países e aderiram
menos a outros direitos relacionados à liberdade de religião ou de expressão.
Em síntese, podemos concluir que os trabalhos de Doise e sua equipe demonstram que
algo que se poderia pensar como universal, como os direitos fundamentais aos seres humanos
ou o que se considera um atentado a esses direitos organiza-se diferentemente, conforme certas
pertinências sociais. Essas, por sua vez, trazem para a construção das representações diferentes
culturas, histórias e formas de viver o que se considerou como direitos humanos.
Recentemente, foi utilizada uma escala inspirada nos trabalhos anteriormente citados
(DOISE et al., 1995; MALEWSKA et al., 1979; MALEWSKA; WALGRAVE, 1983) com adolescentes
chamados à promotoria pública por terem se envolvido em atos considerados infracionais (MENIN,
2000a). Embora tenham sido entrevistados apenas 20 jovens de diferentes idades, os dados
obtidos confirmaram algumas das tendências já encontradas. As infrações tidas como mais graves
foram as relacionadas à violência física, embora sigam, muito de perto, outras ligadas ao consumo
de drogas e roubos diversos. As infrações consideradas mais leves foram ligadas a vandalismo,
à violência contra um animal (que na França, na Bélgica e na Polônia foi considerada como uma
infração grave), ao uso de falsa identidade e direção sem carta (carteira). É curioso que duas
infrações envolvendo a violência física tenham sido consideradas pouco graves: matar um menino
que vivia assaltando e um policial ferir alguém que ele tentava prender. Dessa forma, a violência
contra as pessoas e mesmo contra as crianças não apareceu como um claro e forte contravalor
em nossos entrevistados; ou seja, a integridade física não parece ser um valor tão sagrado para os
jovens entrevistados no Brasil (MENIN, 2000a) como os jovens europeus nos estudos de Malewska
e Walgrave (1983) ou de Doise e colaboradores (1995).
Considerando essa perspectiva mais social em que se podem analisar as avaliações sobre
infrações, passamos a apresentar a pesquisa que realizamos com adolescentes com o objetivo de
identificar como tais jovens avaliam infrações e se estas diferem significativamente em função das
pertinências sociais dos mesmos.
MÉTODO
Adolescentes de 11 escolas públicas e três escolas particulares de Presidente Prudente,
cidade do interior do estado de São Paulo, responderam a um questionário (no total de 478) que,
entre outras questões abertas e fechadas sobre leis e justiça (apresentadas em MENIN, 2000b),
continha uma escala de 18 infrações. Os adolescentes deveriam marcar, entre seis notas (0, 2, 4,
6, 8, 10) e para cada infração, aquelas que considerassem nada graves (nota 0) a aquelas que
considerassem muito graves (nota 10).
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60 Psicologia do Desenvolvimento
PEDAGOGIA
RESULTADOS
A PONTUAÇÃO DADA ÀS INFRAÇÕES PELOS ALUNOS DAS ESCOLAS PÚBLICAS E
PARTICULARES
Para podermos comparar as pontuações que os alunos fizeram das infrações obtivemos, em
primeiro lugar, uma média das notas dadas à cada infração em relação a subpopulações extraídas
da população geral dos 478 alunos respondentes ao questionário (os respectivos desvios-padrão
estão no Anexo A). Como se pode observar na Tabela 1 as médias das notas foram bastante altas,
para a maioria das infrações, sendo o valor mais baixo de 5,17 para a infração sobre um policial
ferir alguém. A média mais alta aproximou-se de 10 (9,71) e foi dada pelas meninas à infração sobre
usar craque e cocaína.
A partir da Tabela 1, pudemos realizar, tal como Malewska, Bonerandi e Peyre (1979) o
fizeram, a Tabela 2 que mostra um rank das infrações nas diferentes subpopulações dos alunos,
isto é, como elas aparecem ordenadas, da mais grave, com número 1, à menos grave, com número
18, em cada subpopulação. Essa tabela permite uma comparação qualitativa com relação à posição
em que as infrações ocupam nas diferentes subpopulações.
61
PEDAGOGIA
62 Psicologia do Desenvolvimento
PEDAGOGIA
A segunda infração colocada como mais grave em quase todas as populações foi a ação de
matar para roubar, o que mostra que a valorização da vida humana é, de certa forma, um consenso,
o que seria de se esperar, também, dentro da teoria de Kohlberg. No entanto, veremos que esse
valor se torna relativo quando a vida é de um elemento considerado malfeitor, como o menino que
assalta os outros na rua. Nesse caso, matar parece se justificar para grande parte de nossos alunos
que colocaram essa infração como a terceira ou quarta menos grave!
Quando se observam as colunas da Tabela 2 comparando-se os pares de subpopulações
quanto a tipo de escola, sexo, bairro de residência, ocupações dos pais e indivíduos rígidos (não/
não) e tolerantes (sim/sim) notam-se diferenças qualitativas interessantes nas posições que as
infrações ocupam no rank. Nas escolas particulares, por exemplo, houve uma inversão quanto
ao lugar das infrações relacionadas à violência física: matar para roubar está em primeiro lugar,
maltratar uma criança está na frente de roubar um blusão de uma loja, matar alguém numa briga
foi considerado mais grave que a prostituição, e matar um menino assaltante passou do décimo
sexto lugar na escola pública ao décimo primeiro na escola particular, sendo, portanto, neste tipo de
escola, considerado mais grave que xingar a professora, agredir um colega, destruir uma carteira
escolar e fazer um aborto. Tais variações nos fazem supor que a integridade física, como um valor,
aparece diferentemente para os alunos das escolas particulares e públicas; nas primeiras, seria
um valor mais forte que nas segundas onde furtar um toca-fitas é mais grave que maltratar uma
criança ou matar um menino assaltante é menos grave que dirigir sem carta. Quanto ao aborto,
vemos que ocupa um lugar muito diferente nas escolas públicas, nono lugar entre as mais graves
e, nas particulares, o décimo quinto, sendo, portanto, considerada uma infração das menos graves.
Quando comparamos meninos e meninas também notamos certas diferenças na ordenação
das infrações. Curiosamente, maltratar uma criança passou do terceiro lugar segundo as notas
dadas pelos meninos ao sétimo lugar quando se olha o rank das meninas. Não sabemos dizer se
isso se deu pelas meninas pensarem como certos jovens entrevistados em outra pesquisa (MENIN,
2000a), que diziam que “se as crianças apanharam é porque alguma coisa fizeram”. Inversamente,
a prostituição foi julgada de forma bem mais severa pelas meninas ficando em terceiro lugar entre
as infrações mais graves. Quando comparamos as agressões mais leves às pessoas com os atos
de vandalismo sobre coisas públicas vemos, também, uma inversão entre meninos e meninas; os
primeiros consideraram a agressão a um colega e o xingar a professora como menos graves que
destruir uma carteira escolar e cortar o banco de um ônibus, as meninas avaliaram o contrário:
consideraram as agressões às pessoas como mais graves que às coisas.
Comparando-se os bairros de residência dos alunos também constatamos diferenças nas
posições das infrações no rank da Tabela 2 entre os alunos de bairros 1 e 2 de alta e média
exclusão social e 3 e 4, de média e alta inclusão social. Furtar o toca-fitas de um carro e roubar
um blusão de uma grande loja ocuparam lugares opostos entre as duas subpopulações de alunos;
entre os de bairros mais pobres roubar um blusão foi bem mais grave que furtar um toca-fitas de
carro, entre os alunos de bairros mais ricos foi o inverso. Talvez esses alunos tenham levado em
63
PEDAGOGIA
conta que roubar um blusão poderia ocorrer por uma necessidade maior que a que motivaria o
roubo de um toca-fitas, e, talvez, como nos exemplos de Malewska e Walgrave (1983) os alunos
de bairros pobres tenham sido mais severos que os de bairros mais ricos na busca em diferenciar-
se de malfeitores. Outra diferença acentuada ocorreu com relação à infração sobre matar alguém
numa briga; entre os alunos de bairros mais pobres essa infração ficou em oitavo lugar enquanto
que entre os alunos de bairros mais ricos ficou em quinto lugar; ou seja, de novo, foi entre os alunos
de nível social mais alto que a vida das pessoas apareceu como um valor maior. A prostituição e o
aborto também foram julgados de modo bem mais severo entre os alunos de bairros mais pobres
(pegando o quinto e nono lugares) que entre os de bairros de inclusão social (onde ficaram no
sétimo e no décimo terceiro lugar).
As diferenças entre os alunos quando subdivididos em relação às profissões paternas
reproduzem, qualitativamente, o sentido das diferenças já observadas entre os mesmos alunos
quando subdivididos por tipo de escola e bairros.
Finalmente, as comparações entre os indivíduos rígidos e tolerantes mostram oposições
intrigantes. Excetuando-se o uso das drogas pesadas, que ficou em segundo lugar (e que pode
confirmar a direção que vemos ao invés de negá-la) os indivíduos tolerantes pontuaram como as
três infrações mais graves as que tiram a vida ou a colocam em risco: matar para roubar, maltratar
uma criança e matar alguém numa briga. Foi só nessa subpopulação de alunos, entre os indivíduos
tolerantes, ou sim/sim, que a ação de matar alguém numa briga, mesmo que podendo ser não
intencional foi colocada como tão grave. Esse dado nos faz recorrer a Kohlberg (1992) quando
descreveu que, no estágio seis, princípios universais guiam os julgamentos e o valor e a dignidade
da vida humana são um deles. Se, de fato, as duas últimas questões sobre as leis mensuraram a
presença do nível três de raciocínio legal e moral quando se respondeu a elas afirmando a mutabilidade
das leis e a relatividade de sua desobediência em função do bem comum e da moralidade da
própria lei, então, a posição dos indivíduos sim/sim foi coerente com esse tipo de raciocínio. Parece
que em todas essas situações de julgamento um mesmo princípio organizador estaria presente,
como diz Doise et al. (1995) e seria, nesse caso, o do valor da vida humana. Por outro lado, são
incompreensíveis os critérios que levaram os indivíduos rígidos, Não/não, a colocar mais notas
dez em infrações como roubar um blusão, roubar um toca-fitas e prostituição que maltratar uma
criança e que matar para roubar. É como se infrações mais conhecidas e frequentemente punidas
como o uso de drogas, o roubo e a prostituição fossem mais graves que algo mais improvável e
distante que o matar para roubar. Se o raciocínio foi esse, então, revela-se um pensamento pré-
conceitual de primeiro estágio, tal como descrito por Kohlberg (1992) onde errado é o que leva,
mais certamente, à punição. Ainda com relação aos indivíduos Não/não pode se ver o aborto sendo
julgado severamente (10° lugar); já entre os indivíduos tolerantes, foi colocado como uma das
infrações menos graves (15º lugar). Finalmente, chama a atenção que entre os alunos tolerantes a
infração matar um menino assaltante tenha sido colocada em décimo terceiro lugar em gravidade
enquanto que entre os alunos rígidos apareceu como a terceira infração menos grave.
64 Psicologia do Desenvolvimento
PEDAGOGIA
Tabela 3 – Número e porcentagem de notas baixas, médias e altas dadas às infrações pelas
subpopulações os alunos
Na Tabela 3 notamos, em primeiro lugar, que foi muito frequente o uso de notas altas (8 e
10) em todas as subpopulações de alunos. Mesmo que as comparações sejam relativas pois as
escalas não são idênticas, nossos alunos parecem bem mais severos em seus julgamentos que
os franceses, belgas ou poloneses examinados por Malewska e colaboradores (1979) e Malewska
e Walgrave (1983). No entanto, as comparações dentro de cada par de subpopulações revelam
diferenças significativas e interessantes16.
Os alunos da escola pública usaram, tanto como os de escola particular, a grande maioria
de notas altas; no entanto, também usaram mais notas baixas que os de escola particular (para
notas baixas, c2=8,14; gl=1; p=0,0043), mostrando, embora de forma muito moderada, a tendência
à bipolaridade que Malewska e Walgrave (1983) encontraram nos adolescentes em geral,
quando comparados com os adultos e, os menores infratores quando comparados com outros
adolescentes. Os alunos de escola particular, por sua vez, usam mais notas médias que os de
escola pública, mostrando-se, portanto, mais tolerantes que aqueles (c2=20,05; gl=1; p=0). As
65
PEDAGOGIA
meninas usaram significativamente mais notas altas que os meninos, mostrando-se, portanto, mais
severas (c2=76,59; gl=1; p=0). Os meninos usaram mais notas baixas e médias que as meninas,
mostrando-se mais indulgentes (c2=64,98; gl=1; p=0 para notas baixas e c2=16,78; gl=1; p=0 para
notas médias). Os alunos residentes em bairros de alta e média exclusão social usaram mais
notas altas que os de bairros de média e alta inclusão social (c2=42,79; gl=1; p=0); estes, por sua
vez, mostraram-se mais indulgentes que aqueles, usando mais notas médias (c2 =74,62; gl=1;
p=0). Quanto à ocupação dos pais, constatamos que os alunos cujos pais são de profissões A e
B mostraram-se significativamente mais indulgentes, usando mais notas baixas e médias que os
filhos de pais com profissões C e D, que usaram mais notas altas que os anteriores (para notas
baixas, c2= 9,17; gl=1; p=0,0025; para notas médias, c2=53,44; gl=1; p=0; para notas altas, c2=8,54;
gl=1; p=0,0035). Finalmente, os indivíduos sim/sim (mais tolerantes com relação à possibilidade de
leis serem modificadas e de existir uma situação em que leis podem ser desobedecidas, tal como
visto em MENIN, 2000b) usaram, significativamente, mais notas médias e menos notas altas que
os indivíduos não/não (c2=21,77; gl=1; p=0 para notas médias; e c2=19,08; gl=1; p=0, para notas
altas).
A Figura 1 mostra as mesmas subpopulações dos adolescentes e sua localização espacial
em função de como se distribuem em relação ao uso diferencial das notas agrupadas em três
categorias: baixas (0 e 2), médias (4 e 6) e altas (8 e 10). Para construí-la foi utilizada uma análise
de correspondência que permite estudar como diferentes variáveis, no caso, as subpopulações dos
alunos e as médias de notas dadas às infrações, se relacionam entre si.
Figura 1 - Uso das notas baixas, médias e altas nas subpopulações de alunos
66 Psicologia do Desenvolvimento
PEDAGOGIA
Na Figura 1 os dados foram tratados de modo Canonical (SPSS, 1990) onde as distâncias
dos pontos das linhas e das colunas são igualmente considerados e nela se pode interpretar que
quanto mais próximas estão as variáveis no espaço, mais associam-se entre si, o que pode indicar
similaridade, afinidade ou interação entre as variáveis estudadas (GREENACRE, 1993). Pode-se
notar que, embora o uso das notas entre os alunos tenha sido muito semelhante, os indivíduos
sim/sim, os alunos de bairros de alta e média inclusão estão do lado das notas medianas, 4 e 6;
os meninos, mais acima à direita são os mais social, os alunos das escolas particulares e os filhos
de pais com profissões de maior status próximos das notas mais baixas, 0 e 2 e as meninas, os
indivíduos não/não, os alunos de bairros de alta e média exclusão social, os de escolas públicas e
de ocupações C e D aproximam-se, mais que outras subpopulações, das notas altas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados apontam diferenças significativas com relação à severidade ou tolerância nos
julgamentos dos jovens e diferenças qualitativas com relação às infrações que os adolescentes
consideram como mais graves. Três agrupamentos mais se opõem: os meninos das meninas, os
adolescentes de classe socioeconômica alta dos de classe baixa, os indivíduos tolerantes com
relação a mudança nas leis e sua desobediência ocasional dos intolerantes. Considerando como
Doise (1994) que as representações sociais são sempre tomadas de posição simbólicas que
podem organizar-se de diversas formas segundo se imbriquem em relações sociais diferentes e
que os julgamentos que as pessoas exibem sobre condutas, enunciados ou crenças sociais são
sempre atos sociais que se inscrevem na dinâmica total de um campo social, podemos considerar
as diferentes tomadas de posição das subpopulações de adolescentes sobre as infrações como
representações comuns a certos subgrupos: os meninos, os mais ricos, os mais tolerantes. E,
além disso, podemos considerar tais representações como reapresentações do real que servem
a interesses, necessidades, desejos de cada grupo. Nesse caso, como afirma Jodelet (1994) um
mesmo objeto pode sofrer, nas suas representações, distorções, suplementações ou supressões
em relação às suas características. As variações entre grupos, principalmente quando subdivididos
em classes socioeconômica alta ou baixa, sugerem que, mais do que estágios de desenvolvimento
moral ou cognitivo, vivências de classe podem determinar a forma como as infrações são
consideradas. Tal como certos autores vem apontando (SOUZA, 1999), nossa história cultural e
política pode bem explicar por que nas classes mais favorecidas a desobediência à lei e suas
infrações, pode ser analisada de forma mais tolerante e maleável e porque nas classes menos
favorecidas de forma rígida. Assim, diferenças de representações entre grupos podem indicar mais
do que atrasos ou evoluções no desenvolvimento do julgamento social; podem evidenciar fortes
marcações sociais fruto da continuidade, por gerações, de distintas práticas e concepções sobre
esse objeto social que é a lei e seus derivados.
67
PEDAGOGIA
Notas da autora:
- A presente pesquisa foi parte da tese de Livre-docência: MENIN, M. S. S. Representações Sociais
de Lei, crime e injustiça em adolescentes. 2000. Tese (Livre-Docência) – Faculdade de Ciências e
Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2000.
- Agradecemos à Fundunesp o auxílio para a apresentação deste trabalho no Congresso
Internacional de Valores Universais e o Futuro da Sociedade - SP e na II Jornada Internacional
sobre Representações Sociais - SC/2001.
Nota do revisor: o presente texto, originalmente, trata-se de capítulo de livro publicado no ano de
2002. Nesta versão, durante o trabalho de revisão, o texto foi atualizado para o padrão do Novo
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, as citações e referências foram reescrita para o padrão
da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e, no corpo do texto, pequenos ajustes foram
inseridos para garantir maior coerência, identidade e estilo.
Referências
DOISE, W. La perception des droits de l'homme dans lasocieté contemporaine. Paris: Centre de
Education de la vie politique française de l'Institut de droit compare de L'Université de Paris, 1991.
(Rapport final, v. 1).
DOISE, W.; CLÉMENCE, A.; ROSA, A. S.; GONZALES, L. La représentation sociale des droits
de l'homme: Une recherche internationale sur l'éntendue et les limites de l'universalité. Journal
International de Psychologie, v. 30, n. 2, p. 181-212, 1995. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.
com/doi/abs/10.1080/00207599508246565. Acesso em: 18 abr. 2022.
68 Psicologia do Desenvolvimento
PEDAGOGIA
MALEWSKA, H., PEYRE, V.; BONERANDI, J. P. Attitudes envers les delits des jeunes eux-memes.
Vancresson, France, 1979. (Collections Enquêtes et recherches, v. 12).
SOUZA, M. A experiência da lei e a lei da experiência: Ensaios sobre práticas sociais e subjetividades
no Brasil. Rio de Janeiro: Revan; São Paulo: FAPESP, 1999.
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PEDAGOGIA
ANEXOS
ANEXO A – Tabela 1.1 – Valores de desvio-padrão das médias das notas dadas às infrações den-
tro de cada subpopulação de alunos
70 Psicologia do Desenvolvimento
PEDAGOGIA
2 A exceção ocorreu com um bebê que foi retirado do berço onde estava dormindo e passado para
o colo do pai, que não conseguiu esconder o orgulho ao pegar o filho, abrindo um largo sorriso
em direção à câmera de filmagem.
3
Figura em quem a criança se apoia para explorar o ambiente ou para verificar a possibilidade ou
não de perigo.
4 Atualmente isso foi modificado, as mesmas educadoras acompanham os bebês desde o momento
de entrada no CCI, até saírem do berçário.
5 Todo o debate em torno da idade mínima da responsabilidade penal gira em torno desta questão.
6
Note-se que para que um dilema seja moral, é preciso que as duas opções de conduta tenham,
elas mesmas, peso moral. Imaginemos, por exemplo, que alguém fique em dúvida se vai procurar
o dono de uma carteira com dinheiro que acabou de achar ou se vai ficar com ela: trata-se de um
dilema (devolver ou ficar com o dinheiro), mas não de um dilema moral, pois apenas a opção de
devolver a carteira é moralmente legítima. Imaginemos agora que uma pessoa precise decidir se
parte para a guerra defender seu país, ou se fica cuidando da mãe doente: trata-se de um dilema
moral, pois as duas opções têm peso moral.
7
Note-se que mesmo esta lei jurídica admite exceções: o roubo é tolerado em situações de extrema
necessidade. A situação da mulher de Heinz é passível de ser considerada como uma destas
situações.
8
Nota do revisor: Sigmund Freud nasceu em 6 de maio de 1856 e faleceu em 23 de setembro de
1939.
9
Às vezes, fala-se em sentimento de culpa como resultado de fracassos em geral (por exemplo,
sentir-se culpado por não ter tido sucesso num exame). Mas aqui interessa-nos apenas a culpa
claramente relacionada aos deveres morais.
10
Não estamos longe de pensar que, hoje, no mundo ocidental, há uma profunda crise de confiança
moral. A tendência é ver o outro como possível hipócrita, como alguém exclusivamente centrado
nos seus próprios interesses, uma tendência a enxergar a maioria dos políticos como desonestos,
a polícia como corrupta, a educação como mero comércio, e também a tendência de ver a si
mesmo com em constante risco, sob a necessidade de não confiar em ninguém para não ser
prejudicado, e no direito de se proteger, mesmo se em detrimento do outro. Ora, na ausência de
confiança mútua, a moral não tem lugar real para existir, alimentar-se e desenvolver-se, pois ela
pressupõe, além de suas formulações verbais, a presença de seres morais.
11
Há um sentimento de vergonha sui generis, que podemos chamar de vergonha-exposição. É
este sentimento penoso que às vezes experimentamos pelo fato de estarmos expostos aos
olhos alheios. Neste caso, não se trata de atribuição de valor negativo (podemos, por exemplo,
sentir vergonha pelo fato de sermos homenageados em público). Este caso de vergonha, aliás,
bem frequente, não nos interessa aqui. Para maiores análises de sua relação com a vergonha
relacionada a juízos negativos, ver (HARKOT-DE-LA-TAILLE, 1999) e (LA TAILLE, 2002).
71
PEDAGOGIA
12
É possível também que ver um homem chorando a perda de um sorvete desperte nossa
compaixão, não, é claro, por causa da perda material, mas porque há provavelmente causas
psicológicas graves que levam um adulto a um desespero tão inusitado.
13 A lista envolveu infrações como: destruir uma cabine telefônica, fugir de um acidente que provocou,
roubar discos, bebidas, bicicleta, pedir esmolas, falsificar carta de identidade, maltratar um animal,
bater na mãe, assaltar, prostituir-se, abortar, usar maconha, fazer chantagem, maltratar uma
criança, incendiar uma granja, fazer amor em lugar público, roubar com uso da força, receber
coisas roubadas.
14
Essa classificação foi obtida na primeira parte da pesquisa (MENIN, 2000b). Os indivíduos não/
não foram 15% da amostra estudada (480), sendo que 91% pertenciam à escola pública e eram
de famílias de baixa renda. Os indivíduos sim/sim foram 29% de alunos podendo ser de escolas
públicas ou particulares.
15
É preciso cuidado nas comparações entre as subpopulações; como são sempre os mesmos
alunos é correto que façamos as comparações sempre dentro dos pares separados de acordo
com o mesmo critério.
16 Teste para igualdade de proporções entre duas amostras com correção de continuidade baseado
na estatística de teste Qui-Quadrado. As diferenças foram consideradas significativas para p-valor
abaixo de 0,05.
72 Psicologia do Desenvolvimento