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Resumo: Este trabalho apresentou evoluções no desenvolvimento de uma criança com Transtorno do
Espectro Autista (TEA) de nove anos que frequenta escola regular a partir de intervenções fundamentadas
em Análise do Comportamento Aplicada e, paralelamente, atuações em Psicologia Educacional,
compreendida como área de intervenção que visa ampliação da inclusão escolar junto aos professores.
Utilizaram-se dois procedimentos simultaneamente: (1) aplicação de programas de ensino de habilidades
básicas e acadêmicas por meio de tentativas discretas em ambiente estruturado; e (2) acompanhamento ao
processo de ensino-aprendizagem com intervenção junto à equipe pedagógica. Avanços na aquisição de
habilidades específicas dos programas foram observados como pré-requisitos de competências que
estavam sendo desenvolvidas pela escola. Na medida desta evolução, os resultados indicaram que as
intervenções psicológicas à equipe pedagógica produziram mudanças na qualidade das interações entre
professores e estudantes e, também, à maior autonomia docente no manejo da criança com TEA no
coletivo para o ensino.
Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista; Análise do Comportamento Aplicada; Tentativas
Discretas; Psicologia Educacional; Escola.
Interventions in psychology for school inclusion of autistic children: case study
Abstract: This study sought evolution in the development of a 9-year-old child with Autism Spectrum
Disorder (ASD), who attends a regular school, through interventions based on Applied Behavior Analysis
and, in parallel, interventions from Educational Psychology, understood as a field of intervention, which
seeks to expand school inclusion along with the teachers. Two procedures were used simultaneously: (1)
application of programs to teach basic and academic skills through discrete trial teaching in a structured
environment; and (2) help the teaching-learning process through intervention with the education team.
Advancements in the acquisition of specific skills through the programs were observed as competence
prerequisites, which were in development at school. With the evolution, the results showed that
psychological interventions to education team produced changes in the quality of interactions among
teachers and students and, also, more autonomy by the teachers in managing the child in the teaching
process with groups of students.
Key words: Autism Spectrum Disorder; Applied Behavior Analysis; Discrete Trial Teaching; Education
Psychology; School.
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DANIEL CARVALHO DE MATOS é Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia
Experimental: Análise do Comportamento. Professor titular do curso de Psicologia da Universidade
CEUMA e professor colaborador do Mestrado em Psicologia da Universidade Federal do Maranhão.
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POLLIANNA GALVÃO SOARES DE MATOS é Psicóloga, Mestra e Doutora em
Psicologia Escolar e Educacional pela Universidade de Brasília. Pós-doutoranda em Psicologia Escolar
pela Universidade de Brasília. Professora titular do curso de Psicologia da Universidade Ceuma e
professora colaboradora do Mestrado em Psicologia da Universidade Federal do Maranhão.
1. Introdução acompanhamento dos jovens com TEA
a partir de avaliações de práticas de 22
O Transtorno do Espectro Autista inclusão escolar para acesso,
(TEA) envolve comprometimento de permanência e participação em
áreas como linguagem e comunicação, ambientes educacionais (DAZZANI,
além de padrões de comportamentos 2010; MATOS; BECKMAN, 2016).
repetitivos/estereotipados (APA, 2013). Busca-se também planejar e
A aplicação de princípios da ciência implementar políticas institucionais
psicológica pode ajudar a impulsionar o favorecedoras de coesão da equipe
crescimento de pessoas com TEA e educacional e a promoção de mudanças
favorecer um melhor funcionamento em na comunidade das escolas e de modo a
contextos sociais, incluindo familiar e oportunizar a expansão de práticas de
escolar (MATOS; MATOS, 2017). inclusão (MITIJÁNS-MARTÍNEZ,
Protocolos de avaliação ajudam a 2005; MATOS; MATOS, 2017). O
determinar níveis basais de repertórios psicólogo escolar precisa ser um
verbais e não verbais para posterior profissional comprometido política,
programação de intervenções ética e socialmente com a
individualizadas. Um formato de ensino transformação da realidade, implicando
com tentativas discretas desmembra na criação de espaços sociais mais
habilidades complexas em democráticos e com respeito à
subcomponentes. Cada tentativa diversidade humana.
envolve um começo, meio e fim
definidos com base em contingência de As ações de psicólogos escolares e
três termos caracterizada por evento educacionais não devem substituir a
antecedente, resposta e consequência. função dos educadores nas escolas, que
Como exemplo, imagine um devem ser os protagonistas no
antecedente como “o que você come?”, planejamento e implementação de
que fornece contexto para uma criança práticas de ensino com eficiência e
dizer, por exemplo, “maçã”. Uma eficácia. A produção de conhecimento
consequência social (ex: “muito bem!”) em Psicologia Escolar contribui para o
mediada por um adulto seria um estabelecimento de relações sociais
reforçador que aumenta a probabilidade importantes para a escola, orientada
desse responder no futuro. Critérios de pelo princípio da inclusão social e
correção precisam ser implementados educacional pautado nas políticas
em caso de erros ou ausência de recentes (BRASIL, 2008, 2012).
respostas (ALLEN; COWAN, 2008;
TARBOX; NAJDOWSKI, 2008). Com a ABA busca-se por vezes o
desenvolvimento de um currículo
A Análise do Comportamento Aplicada individualizado com ensino formal de
(ABA) baseia-se em aplicações de habilidades em ambiente fora da sala de
princípios básicos com foco em sete aula, com redução de estímulos de
critérios básicos e no sentido de ser distração e manipulação de variáveis
aplicada, comportamental, analítica, motivacionais. Visa-se a expansão de
tecnológica, conceitualmente habilidades de linguagem, comunicação
sistemática, efetiva e generalizável (ver e outras, colaborando para o processo
BAER et al., 1968 para mais detalhes). de inclusão nos espaços educacionais
A Psicologia Escolar também tem (MATOS; MATOS, 2017). Na literatura
potencial de contribuição pelo destacam-se outras experiências de
assessoramento escolar e educacional e contribuição da ciência psicológica
objetivando a inclusão e pela comunidade a desempenhar seu papel
capacitação dos educadores e outros (SKINNER, 1978). 23
envolvidos (ALMEIDA-VERDU et al.,
2002). Manuais de intervenções orientam o
ensino de operantes verbais e não
O presente trabalho representa um verbais. Para descrições mais
relato de experiência do detalhadas, o leitor pode buscar a
acompanhamento de uma criança de literatura com descrições sobre os
nove anos (usaremos C.A. para nos operantes e procedimentos de ensino
referir à criança) com intervenções (SUNDBERG; PARTINGTON, 1998;
derivadas da ABA e Psicologia Escolar GREER; ROSS, 2008; MATOS, 2016).
e Educacional, visando A avaliação do caso de C.A. pelo VB-
desenvolvimento de repertórios MAPP o definiu como aprendiz de nível
importantes para linguagem, dois e três a depender dos repertórios
comunicação e habilidades acadêmicas (para detalhes sobre os níveis, ver
em ambiente estruturado com ensino SUNDBERG, 2008). Foram
individualizado e metas de identificados déficits de nomeação oral
generalização em escola, com que, dentro da taxonomia de Skinner
assessoramento da equipe em psicologia (1978), é o tato, representado por uma
educacional. A seção seguinte apresenta contingência na qual uma resposta
características de algumas intervenções verbal é emitida na presença de um
da ABA e resultados. A segunda seção estímulo discriminativo não verbal e ela
enfatiza uma análise qualitativa do caso é mantida por um reforçador
a partir do trabalho da Psicologia condicionado generalizado (social).
Escolar e Educacional na escola. Como exemplo, a imagem de um
2. Avaliações e intervenções da cachorro fornece contexto para a
Análise do Comportamento Aplicada resposta “cachorro” e implica em um
(ABA) reforço como “está correto!”. C.A.
demonstrava dificuldade de
A criança foi avaliada por meio de generalização de tatos de múltiplos
protocolos da ABA de mapeamento de exemplares de estímulos de uma mesma
déficits, baseando-se no que se espera classe (ex: três modelos de relógio).
de crianças típicas. Um instrumento
utilizado para determinar níveis basais Déficits de tato foram também
de repertórios para posteriores verificados em fazer descrições de
intervenções foi o Verbal Behavior imagens retratando ações com objetos;
Milestones Assessment and Placement descrever características de objetos e
Program/VB-MAPP (SUNDBERG, imagens como cor, forma e função; uso
2008). Os repertórios contemplados são de preposições e pronomes possessivos,
a base para o estabelecimento de assim como não discriminava uso de
comunicação funcional e parte deles adjetivos, advérbios; descrições verbais
refere-se a operantes verbais de objetos e imagens com quatro ou
relacionados a uma proposta de análise mais palavras, as quais são habilidades
comportamental de linguagem. comumente necessárias à determinadas
Linguagem corresponde a aprendizagens mediadas por professores
comportamento verbal, sendo um tipo na escola. Outro repertório verbal no
de operante emitido por um falante e qual apresentou dificuldade é
cujas consequências mantenedoras são denominado intraverbal. Ele
mediadas por um ouvinte ensinado pela compreende a emissão de uma resposta
verbal na presença de um estímulo seguinte). Os domínios contemplados
verbal, sem correspondência ponto a nesse protocolo, em especial, foram 24
ponto, e a resposta é mantida por um leitura, escrita e matemática. Apesar de
reforçador condicionado generalizado. dominar a leitura de palavras soltas e
C.A. não demonstrava repertório sentenças curtas, C.A. não lia
generalizado de responder perguntas ou parágrafos longos, o que impactava em
completar frases (ex: diante da pergunta disciplinas na escola como língua
“qual é o seu nome?”, responder C.A.). portuguesa e história; não discriminava
C.A. também não fazia comentários elementos gramaticais em sentenças
frente a interações verbais advindas de como substantivos, verbos e adjetivos;
outras pessoas em ambiente natural, não emitia repertório de cópia de listas
assim como não respondia perguntas de de palavras e sentenças, mas tinha
interpretação de um texto ou de repertório com palavras isoladas; não
histórias relatadas. apresentava produção textual com
escrita de parágrafos ou sentenças; não
Apesar dos déficits mencionados, C.A. apresentava conjugação verbal; não
demonstrava melhor repertório de empregava uso de vírgulas, pontos,
ouvinte no sentido de compreender letras iniciais maiúsculas e outros
linguagem, atendendo comandos recursos em frases; demonstrava sim,
verbais de forma generalizada e por outro lado, boas habilidades de
identificando centenas de estímulos não matemática, que sempre representou
verbais a partir dos modelos de seus uma área de interesse e que os
nomes ditados e de instruções mais professores da escola valorizavam. Isso
complexas que especificam funções, representa o que Collares e Moysés
características ou ainda classes a que (1994) sinalizam de profecia
esses estímulos pertencem. Mas, ainda autorealizadora, o que pode indicar
quanto aos operantes verbais, ações intuitivas (embora favorecedoras)
apresentava pouco déficit na emissão de do processo de inclusão escolar.
mando (SKINNER, 1978), em que uma
resposta é emitida sob controle de Foi realizada também uma avaliação de
privação ou presença de estimulação habilidades sociais a partir de
aversiva e a resposta produz um descrições sobre como C.A. deveria se
reforçador específico (ex: uma pessoa comportar frente a certas circunstâncias
sedenta diz “quero água” e recebe um sociais. Ele não demonstrou o repertório
copo de água). Também demonstrava para alguns aspectos. Como exemplo,
boas habilidades de percepção visual considere uma situação para a criança
(pareamentos) e brincar funcional. em que pessoas que lhe são conhecidas
a encontram em algum lugar e a
Outro protocolo de avaliação realizado cumprimentam. Um adulto perguntaria
com C.A., o School Skills Assessment sobre o que poderia fazer e uma
do The Assessment of Functional Living resposta adequada seria “eu olharia para
Skills – AFLS (PARTINGTON; as pessoas e diria olá para elas”
MUELLER, 2013), mapeou déficits de (PARTINGTON; MUELLER, 2013).
habilidades acadêmicas que são Contudo, pessoas com autismo, devido
demandadas no contexto da escola à carência de uso da linguagem como
(outros procedimentos com finalidades instrumento de comunicação,
semelhantes também foram utilizados dificilmente responderiam, no nível
na avaliação em psicologia educacional, hipotético-dedutivo, seu comportamento
conforme será apresentada na seção futuro. Modelos de mediações
adequadas precisam comparecer nessas duas cadeiras, onde a criança e um
ocasiões. terapeuta se acomodavam por um 25
Figura 1 - Ensino de repertórios básicos. Os gráficos representam número acumulado de respostas por
meses. O superior diz respeito às respostas de contato visual e, o inferior, às respostas de sentar
atentamente
Figura 2 - Ensino de três tipos de tatos. Os gráficos representam número acumulado de respostas por
meses. O gráfico superior representa tatos com pronomes possessivos. O inferior à esquerda, tatos de
ações. E, o inferior à direita, tatos com quatro ou mais palavras
Figura 3 - Ensino de ecoicos e intraverbais. O gráfico superior representa o ensino de ecoicos de frases.
O gráfico inferior da esquerda, o ensino de intraverbais sob controle de perguntas simples e, o inferior da
direita, o ensino de intraverbais consistindo em relatos sobre comportamentos socialmente aceitos