Conheça A Si Mesmo
Conheça A Si Mesmo
Conheça A Si Mesmo
Meu filho,
VOCÊ ME PERGUNTOU por que tem a sensação de
que não se conhece, por que sente que não sabe quem,
de fato, é? Eu estranharia se você me afirmasse saber
quem você é. Os jovens possuem pouca substância de
existência, por razões óbvias. Eles ainda não foram
testados pela vida, e autoconhecimento está muito
associado a amadurecimento. Mas penso que esta sua
preocupação é importante.
C.S. Lewis, em uma carta de 1953 endereçada à sua
amiga, Arnold, fala sobre o benefício do
autoconhecimento, advertindo que grande parte das
pessoas jamais enfrentou os fatos a respeito de si
mesmas. Sim, é difícil encarar a verdade sobre nós
mesmos.
Somos todos filhos de Adão. E, como filhos de Adão,
somos habitados pelas trevas da autoignorância. São
muitas as realidades que ignoramos de nós mesmos;
cegueira e surdez espirituais nos caracterizam. Porém,
frequentemente, afirmamos já saber quem somos, e
que ninguém nos conhece profundamente mais do
que nós mesmos. Quanta inocência!
O fato é que somos avessos ao autoconhecimento, o
qual se caracteriza pela verdade e pela sinceridade do
coração. A fuga do autoconhecimento é, na verdade,
causada pelo medo da dor psíquica que ele nos impõe.
Todos nós temos medo de nos olharmos no espelho
da verdade, há coisas íntimas para as quais não
queremos olhar. Por isso, custa-nos avaliar nossas
próprias histórias, experiências e vidas interiores.
A esta altura, você já deve ter percebido que
conhecer a nós mesmos é mais difícil do que
imaginamos. E mesmo quando conseguimos, em certa
medida, será sempre imperfeito, ambíguo e parcial,
devido à opacidade que caracteriza a personalidade
humana.
Em sua última carta, você fez o relato de um sonho.
Achei-o interessante! Nesse sonho você se olha no
espelho, mas não se reconhece. Numa tentativa de
elucidá-lo, você associa esse dado ao fato de ignorar-se
a si mesmo. Calma! Você está por demais impregnado
das teses freudianas sobre a linguagem simbólica dos
conteúdos dos sonhos e da possibilidade de interpretá-
los a favor de um maior esclarecimento de si.
Às vezes os sonhos são apenas sonhos, e nada mais!
Certamente, eles podem revelar algo do que nós
somos. Os antigos já nos advertiram quanto a
importância dos sonhos, mas evitemos uma
credulidade ingênua a esse respeito.
Quando conhecemos algo de nós mesmos temos um
vislumbre de algo da nossa realidade psicológica e
espiritual. O verdadeiro autoconhecimento produz em
nós o reconhecimento dos próprios erros, a
conscientização de motivações inconfessáveis, a
descoberta dos próprios limites e a identificação das
forças e fraquezas da personalidade. Somos assim
aconselhados a manter um equilíbrio na maneira
como nos percebemos, para assim evitar uma
autoavaliação por demais positiva ou negativa, o que
seria incompatível com a realidade do que somos.
A primeira verdade sobre o nosso autoconhecimento
é que só podemos conhecer autenticamente a nós
mesmos se conhecermos algo do caráter de Deus. O
conhecimento de nós mesmo se dá por contraste: ao
sermos confrontados pela revelação de algo do caráter
divino somos lançados a um estado de
autoconsciência marcado pela profundidade e pela
clareza. Assim, os caracteres divino e humano são
radicalmente contrastados, mediante uma dupla
experiência de visão: a visão de Deus e visão de si
mesmo. Foi o que aconteceu com o profeta Isaías.
Já em Agostinho encontramos esta relação intrínseca
entre o conhecimento de Deus e o autoconhecimento.
Em sua obra Solilóquio ele afirma desejar conhecer
tanto a Deus quanto a si mesmo, como os seus
objetivos máximos. Neste diálogo, Agostinho afirma
que os objetos da sua paixão intelectual seria apenas
Deus e a sua própria alma. Em
outras palavras, seu desejo seria conhecer a Deus e
conhecer a si mesmo.
Ambos esses conhecimentos estariam, pois,
intrinsecamente relacionados, e seria a base para
conhecer adequadamente tudo o mais na vida.
Obviamente, este processo é progressivo, lento e
passível de retrocessos, tendo em vista nossa
desonestidade moral. O reflexo da santidade de Deus
projetado sobre nossa alma produz em nós o senso de
criatura e a percepção de nossas mazelas interiores.
Por isto, o filósofo alemão Kant afirmou que a
proximidade de Deus nos levaria inescapavelmente ao
“inferno do autoconhecimento”, conforme o psicólogo
Allers.
O homem que tem esta experiência espiritual, e na
sequência recebe perdão imerecido da parte de Deus,
torna-se menos arrogante, demonstra maior
compaixão perante as fraquezas morais alheias, torna-
se um homem mais adulto, pois vai perdendo uma das
características essenciais da infantilidade masculina: a
inconsciência. É o que a tradição cristã nos ensina.
As experiências de autodecepção nos conduzem a
descobrirmos algo de nós mesmos. Pedro é um
exemplo de alguém que julgava conhecer-se, mas
através de uma profunda auto-decepção descobriu
verdades dolorosas acerca de si mesmo: traiu o mestre
da vida, acovardou-se em face da perseguição,
sustentou uma falsa segurança e foi presunçoso ao
achar-se melhor do que seus amigos. Seu pecado de
negar a Jesus expôs assustadoramente seu eu frágil e
oscilante. Mas não sejamos tão duros com Pedro; nós
também temos nos acovardado perante os dilemas da
vida cotidiana. E são dessas pequenas covardias que se
alimentam as grandes covardias da existência
humana. Tenha cuidado: você não é tão bom quanto
você pensa!
O confronto interpessoal que se dá através do
choque das consciências nos levam a conhecer
verdades indesejadas sobre nossa pessoa. Por esta
razão o convívio é tão essencial. Davi ao ser
confrontado pelo profeta Natã foi confrontado com a
verdade que ele tentava ocultar.
Talvez você esteja se perguntando quais são os
obstáculos ao Autoconhecimento. O primeiro
obstáculo é o autoengano; somos especialistas, não
apenas em enganar as outras pessoas, mas também e,
principalmente, a nós mesmos. São vários os
mecanismos que nossos corações usam com este
objetivo. Mas isto nos afasta do conhecimento de nós
mesmos. O segundo obstáculo é a mentira. Em
especial, mentir acerca de nossas próprias vidas; o que
acaba por falsificar nossas próprias biografias,
alimentando várias ilusões a nosso respeito. O terceiro
obstáculo é o orgulho. Nosso orgulho nos cega,
impedindo-nos de que nos vejamos realisticamente.
Nos vemos tão acima do que somos que nos tornamos
incapazes de encarar nossas fraquezas, único caminho
para o crescimento pessoal. Por fim, o quarto
obstáculo é o medo. Este sentimento obscurece de tal
forma nossa inteligência que perdemos a clareza de
mente necessária para aprendermos algo a nosso
respeito.
Por vezes temos que passar por crises pessoais para
experimentar uma certa dose de autodescoberta.
Temos aqui o valor das crises existenciais para o
autoconhecimento; elas têm o poder de, através do
sofrimento, levar-nos a conhecer algo de nós mesmos.
Nossas cascas de resistência à descoberta da verdade a
nosso respeito são quebradas. Esta é a razão de
podermos sair melhores desses períodos de difíceis, se
assim o quisermos. Um homem que não tenha
passado por crises pessoais, pouco tem a dizer, pois
tem uma compreensão ingênua e embaçada da vida.
Por vezes temos que passar por crises pessoais para
experimentar uma certa dose de autodescoberta.
Temos aqui o valor das crises existenciais para o
autoconhecimento; elas têm o poder de, através do
sofrimento, levar-nos a conhecer algo de nós mesmos.
Nossas cascas de resistência à descoberta da verdade a
nosso respeito são quebradas. Esta é a razão de
podermos sair melhores desses períodos de difíceis, se
assim o quisermos. Um homem que não tenha
passado por crises pessoais, pouco tem a dizer, pois
tem uma compreensão ingênua e embaçada da vida.
Mas você, meu filho, deve estar alerta aos perigos do
autoconhecimento. O perigo da introspecção mórbida:
quando o autoconhecimento volta-se contra você, por
fixar-se apenas nos aspectos negativos e pecaminosos
do seu coração. Esta fixação sobre os conteúdos falhos
da própria personalidade gera infelicidade, culpa e
paralisia. Aprendemos com o físico cristão francês
Blaise Pascal que há na natureza humana tanto
grandeza quanto miséria. Se você enfatizar apenas
uma dessas marcas, experimentará desordens
psicológicas e espirituais e, consequentemente,
sofrimentos.
Portanto, evite atitudes extremistas no modo como
encara as sombras e as luzes de sua alma. Além disso,
seu olhar para si mesmo deve sempre partir da
experiência da graça salvadora de Cristo.
Mas quais são as exigências do verdadeiro
autoconhecimento? Ele requer coragem moral para
encarara a si mesmo no espelho da verdade, requer
autoexame, requer luta e esforço. Requer, também, a
disciplina da autoconsciência, pois a inconsciência
torna o homem seu pior inimigo, por torná-lo incapaz
de enxergar os tenebrosos movimentos do seu próprio
coração.
O psicólogo Rudolf Allers, que já mencionei nesta
carta, nos chama a atenção para o caráter antinatural
do autoconhecimento e seu papel no processo de
mudança pessoal.
Sem certa dose de conhecimento de nós mesmos,
não experimentaremos amadurecimento. Deus,
através das luzes do autoconhecimento, nos faz
perceber a nossa profunda necessidade de
transformação em áreas sensíveis de nossa vida.
Assim passamos a enxergar as imposturas de nossa
própria alma, possibilitando o aperfeiçoamento do
nosso caráter, por meio de sua graça.
Não se deixe consumir por esta preocupação consigo
mesmo. Você terá a vida toda para se conhecer
melhor, sem que isto se torne um fim em si.
Meu filho, desculpe-me! Esta carta ficou longa.